Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Oleo de Andiroba PDF
Oleo de Andiroba PDF
RESUMO
O processo tradicional de extração do óleo das sementes de andiroba foi levantado em três municípios (Anamã, Manacapuru
e Silves) no Estado do Amazonas. Em 1992 e 2004, foi aplicado um questionário a 38 extratoras. Sementes das duas espécies
de andiroba (Carapa procera D.C. e Carapa guianensis Aubl.) foram utilizadas como matéria prima. O processo tradicional é
complexo, demora cerca de dois meses e pode ser dividido em três etapas: 1. A coleta, seleção de sementes boas e um primeiro
armazenamento (3-15 dias). 2. O preparo da massa pelo cozimento das sementes em água (1-3 horas), um segundo período de
armazenamento (até 20 dias) e finalizada pela retirada da casca e o amassamento das amêndoas. 3. A extração do óleo (até 30
dias), pelo gotejamento colocando a massa sobre uma superfície inclinada. Óleo extraído na sombra foi considerado de melhor
qualidade do que no sol, porém o processo é mais demorado. Uma segunda extração com a prensa (“tipiti”), usada na fabricação
de farinha, foi raramente empregada. Verificaram-se pequenas variações entre os procedimentos das extratoras, aparentemente
com conseqüências na rentabilidade e na qualidade do óleo. Na primeira e segunda etapa da extração participaram membros
da família e/ou vizinhos, ao contrário da etapa final, realizada por uma única mulher. Enquanto, transmissão do conhecimento
tradicional, em geral, costuma passar de geração por geração pela oralidade e observação, este estudo revelou, que os jovens
não participam mais da extração. Fato, que no futuro próximo, pode causar a perda de conhecimento em relação à extração
do óleo de andiroba pelo método tradicional.
PALAVRAS-CHAVES
Carapa procera D.C., Carapa guianensis Aubl., Conhecimento popular, Semente oleaginosa, Rendimento.
Crapwood oil: traditional extraction, use and social aspects in the state of
Amazonas, Brasil
ABSTRACT
The traditional method of oil extraction from crabwood seeds was observed in three municipalities (Anamã, Manacapuru e
Silves) in the state of Amazonas. In 1992 and 2004 a total of 38 producers were interviewed. Seeds of two species (Carapa
procera D.C. and Carapa guianensis Aubl.) were used for oil extraction. The complex process requires about two months and
can be divided into three stages: 1. seed collection by gathering and storing good seed (3-5 days). 2. “seed cake” preparation by
cooking the seeds in boiling water (1-3 hours), followed by a second storage period (up to 20 days), completed by removing
the seed coat and kneading the seed mass; 3. Oil extraction (up to 30 days) by collecting the oil dripping from the “seed cake”
placed on an inclined plate. Oil extracted in the shade was considered of better quality than in the sun, but the process needed
more time. A second extraction with the press (“tipiti”) used for manioc flour was rarely used. Comparing the methods of
the producers, some minor variations were observed apparent consequences in yield as well as quality. The first and second
stages of the process involved the collaboration of relatives and/or neighbors, whereas the last stage was executed by only
one woman. Transmission of traditional knowledge is passed from generation to generation by orality and observation. This
study revealed that young persons no longer participated. This may cause, in the near future a loss of knowledge and skill in
performance for crabwood seed oil extraction by the traditional method.
KEYWORDS
Carapa procera D.C., Carapa guianensis Aubl., Popular knowledge, Oilseed, Yield.
1
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical.. e-mail: ap_mendonca@click21.com.br. *Endereço para correspondência: Rua
Rio Madeira, 487 – Adrianopólis. CEP: 69057-490. Manaus – AM.
2
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Coordenação de Pesquisas em Silvicultura Tropical. Avenida André Araujo, 2936; Caixa Postal 478 – Aleixo. CEP. 69087-000 - Manaus,
AM – Brasil. Telefone: (92) 3643 1839 Fax: (92) 36431836. e-mail: iferraz@inpa.gov.br
Tabela 1 - Questionário aplicado às extratoras do óleo de andiroba nos municípios de Anamã, Manacapuru e Silves em
1992 e 2004, Amazonas.
As extratoras relataram que o boi além das sementes comiam COLETA, SELEÇÃO E ARMAZENAMENTO DAS SEMENTES
o resíduo da extração do óleo de andiroba. O processo Nos três municípios a época da frutificação de ambas
tradicional de extração do óleo de andiroba pode ser dividido espécies ocorre, normalmente entre abril e julho. Ao coletar
em três etapas: Coleta e seleção das sementes (Tabela 2); as sementes abaixo das árvores, todas as extratoras realizaram
Preparo da massa (Tabela 3) e a Extração do óleo (Tabela uma primeira seleção e consideraram inadequadas: sementes
4). brocadas (provavelmente infestadas pela Hypsipyla), ruídas
por mamíferos, dessecadas e com cor da casca muito escura. casas, sobre ou dentro de sacos de estopa. Na entrevista
Sementes germinadas com até dois centímetros de raiz foram de 1992 o critério de seleção das sementes e o ambiente
consideradas adequadas pela metade das entrevistadas. Em do armazenamento foi o mesmo, porém naquela época
seguida, as sementes adequadas foram armazenadas por as sementes foram também guardadas dentro de caixas de
um período de três a 15 dias, geralmente no assoalho das madeira (Tabela 2).
Tabela 2 – Coleta, seleção e armazenamento das sementes, 1ª. etapa do processo tradicional da extração do óleo de andiroba em três municípios do Estado
do Amazonas
Município
plantio; furadas,
Lago do terra
Manacapuru-1992
plantio
cutia, pacas,
Paraná do 5x5m (28 anos); furadas, ruídas, assoalho da casa 3
2 guianensis várzea abr–jul papagaio,
Anamã-2004
plantio 3x3m,
mai-jul araras, furadas, ruídas, na casa dentro de
Cuiá 5 guianensis várzea 5x5m, 30x30m
papagaios muito escuras saco de fibra
3 - 10
(10 a 40 anos)
plantio
saco de fibra ou no
Marupá 1 guianensis várzea aleatório mar-jun boi leve, furadas
paneiro
4
(90 anos)
Nossa
terra plantada ago-set,
Senhora de 1 guianensis
firme (55 anos) mai-jul
boi leve, furadas --- 1
Silves-2004
Aparecida
Nossa várzea
guianensis plantio: 4x4m, assoalho da casa
Senhora da 2 procera
e terra
6x 6m (55 anos)
mai-jul boi leve, furadas
sobre saco de fibra
3
Conceição firme
plantio aleatório
guianensis várzea assoalho da casa,
São Tomé (13-70 anos); cutia, paca,
do Jacu
4 procera e terra
ocorrência
mai-jul
papagaio
leve, furadas saco de fibra, dentro 2 - 15
firme de canoa velha
natural
Tabela 3 – Preparo da massa, 2ª. etapa do processo tradicional da extração do óleo de andiroba em três municípios do Estado do Amazonas
Cozimento das sementes Repouso das sementes
Município
Instrumento Uso da
Comunidade Tempo de para quebrar casca
Recipiente / Final do Tempo Final do
cozimento Local / Condições sementes (resíduo)
Tipo de fogo cozimento (dias) repouso
(horas)
panela de alumínio / tempo pré-
São João 1 amêndoa mole assoalho da casa 15 faca ---
fogo a lenha determinado
quando começa
Lago do panela de alumínio / casa / dentro de caixa de
Manacapuru-1992
Aparecida amêndoa
casa / sobre peneira
Nossa quando começa
lata de 18 litros / coberto com folha de pedaço de pau
Senhora da 0,3 – 1 amêndoa mole 8 - 17 a sair óleo da descartar
fogo a lenha bananeira, sobre o piso ou faca
Conceição amêndoa
coberto por saco
São Tomé do lata de 18 litros / casa / sobre peneira, tempo pré- queimar ou
1 amêndoa mole 12 - 15 faca
Jacu fogo a lenha dentro saco de fibra determinado descartar
repouso. No geral, o final do repouso foi verificado, quebrando retiradas das cascas foram piladas, enquanto que em 2004 as
a casca da semente e, ao apertar a amêndoa, perceber a amêndoas foram somente amassadas com as mãos. Os demais
liberação do óleo. Somente uma extratora em Bela Vista não procedimentos para o preparo da massa foram os mesmos
deixou as sementes em repouso e preparou imediatamente a (Tabela 3).
massa após cozimento.
EXTRAÇÃO DO ÓLEO
Após o repouso, as cascas das sementes foram quebradas
por meio de um pedaço de pau ou as mesmas foram cortadas O último passo da extração do óleo foi realizado de várias
com faca para a retirada da amêndoa, com auxílio do cabo formas: ao sol, a sombra ou ainda com o Tipiti (prensa típica
de uma colher. As amêndoas com cor muito escura foram da Amazônia feita de palha de forma cilíndrica, confeccionada
consideradas inadequadas para extração do óleo. As amêndoas para suportar extensão, possui uma abertura na parte superior
adequadas foram amassadas com as mãos formando a massa com uma alça e está fechada na parte inferior com duas alças,
para extração do óleo (Tabela 3). ao ser estendida, a prensa diminui o seu volume e comprime
o seu conteúdo) (Tabela 4).
Em 1992 as sementes foram repousadas sobre folhas de
bananeira em lugares similares aos descritos pelas extratoras Nos métodos de extração ao sol ou a sombra, a massa,
em 2004. Observou-se também que as amêndoas após de cerca de 3 a 4 kg, em forma globosa oblonga foi colocada
Tabela 4 – Extração do óleo de andiroba, 3ª. etapa do processo tradicional em três municípios do Estado do Amazonas.
Município
sobre uma superfície inclinada (pedaços de alumínio ou elaborado um fluxograma do processo de extração tradicional
bacias de alumínio), a fim de recolher o óleo liberado. Em do óleo de andiroba (Figura 1), no qual foram indicados os
1992 observou-se que algumas extratoras fizeram um furo procedimentos em comuns relatados pelas extratoras. No
longitudinal na massa para facilitar a liberação do óleo, mesmo fluxograma foram também indicadas, em caixas
enquanto, a maioria das extratoras em 2004 imprimiu um pontilhadas, variações nos procedimentos que eventualmente
rego longitudinal no meio da massa. podem afetar o rendimento do óleo. Avaliando o tempo de
Diariamente, a massa foi amassada com as mãos, no geral antes e após o cozimento das sementes, observou-se que as
duas vezes, pela manhã e no início da tarde. As extratoras extratoras que obtiveram somente um litro armazenaram
relataram que, às vezes, aparecem fungos na massa, que as sementes de andiroba após a coleta de dois a 15 dias e as
segundo elas não afetam na qualidade do óleo. A massa de sementes cozidas de sete a 20 dias, enquanto que as extratoras
andiroba no início da extração do óleo teve cor bege a rosa
Seleção de
claro e no final da extração apresentou uma cor marrom que
SEMENTES
Boa Ruim
em Silves, usou o tipiti para extrair mais óleo da massa. O
processo de extração ao sol ocorreu durante um período médio Tempo de Armazenamento – 1 a 20 dias
de 15 a 25 dias, sendo mais rápido do que na sombra, com Local de Armazenamento – dentro ou sobre
duração de até 30 dias (Tabela 4). As extratoras consideram sacos de fibra, peneira, dentro de caixa de
madeira, canoa velha
o óleo extraído à sombra de melhor qualidade, mais “limpo”,
pois apresenta uma cor amarela clara semelhante ao óleo de Cozimento das
Sementes
cozinha, enquanto o óleo extraído ao sol é mais escuro.
Tempo de cozimento – 20 min. a 3 horas
passado por um pano fino ou pedaço de algodão, processo Local do repouso das sementes – dentro,
sobre ou coberto por saco de fibra ou
chamado “filtragem” (Tabela 4). Apenas as extratoras plástico, folhas de bananeira, caixa de
ao Sol a Sombra
PRODUÇÃO DO ÓLEO
As medidas de referência para as extratoras foram “uma
lata” e “um litro”. A “lata” foi reutilizada de tinta com volume ao Sol Tipiti
de 18 l e o “litro” o conteúdo de uma garrafa de cachaça com
volume de 965 ml. As informações sobre a rentabilidade Condições do ambiente, temperatura, luz e
foram avaliadas apenas com as extratoras que tinham noção umidade relativa
dessas medidas. Foi verificado que o peso de uma lata cheia Tempo de extração – 1 a 30 dias
de sementes possui cerca de 11 kg e contém, em média, 700 Forma e tamanho da massa e tipo de rêgo
que extraíram cinco litros armazenaram as sementes após a óleo das extratoras e vende os produtos em uma loja própria
coleta por somente dois dias e as sementes cozidas pelo menos em Silves.
15 dias (Figura 2). Portanto, esse manejo das sementes pode Nas comunidades de Manacapuru e Anamã as extratoras
ser um fator que afeta a rentabilidade do óleo. De outro lado, relataram que o comércio do óleo de andiroba é desestimulado
as extratoras apresentaram algumas crenças relacionadas ao devido ao baixo preço pago pelo óleo e a dificuldade de escoar a
rendimento do óleo (ver aspectos sociais), que provavelmente produção. O isolamento, principalmente em Anamã, perpetua
inibem a troca de experiências e o aprimoramento do a figura do atravessador.
processo.
Por outro lado, a colaboração durante a extração do óleo
USO DO ÓLEO E DOS RESÍDUOS teve um papel social importante na consolidação da união
O uso externo do óleo de andiroba foi indicado pelas comunitária. Além disso, o óleo presenteado às pessoas
comunitárias como repelente, contra parasitas (piolhos) próximas e enviado aos parentes e amigos em Manaus, onde
e coceiras em geral, como cicatrizante de ferimentos e há melhor infra-estrutura em termos de atendimento médico
para retirar carne crescida dos olhos. O uso interno foi, e hospitalar, assegura os bons relacionamentos.
principalmente, recomendado para combater gripe, febre,
asma, dor na garganta e até mesmo para baixar o nível de DISCUSSÃO
glicose no sangue (diabetes). Uma comunitária do São Tomé
PROCESSO TRADICIONAL DE EXTRAÇÃO DO ÓLEO
do Jacu usa o óleo de andiroba misturado com sal para evitar
carrapato no gado. Já em 1775, Aublet (1977) inclui na descrição da espécie
de Carapa guianensis algumas informações sobre a extração do
O processo de extração deixa dois resíduos: as cascas das
óleo, e mencionou duas tribos indígenas da Guiana Francesa,
sementes após o repouso e a massa após o encerramento
os Garipons que denominaram a árvore de Y-andiroba e
do recolhimento do óleo. Algumas extratoras queimam as
os Galibis que deram o nome de Carapa. Outros autores
cascas para afastar mosquitos (Tabela 3). O resíduo da massa
relataram sobre o processo de extração do óleo de andiroba,
foi aproveitado na fabricação caseira de sabão de andiroba
porém todos se referem apenas a espécie C. guianensis: Pesce
em 1992 por quatro extratoras de Manacapuru e em 2004
(1941) no Pará, Grenand et al. (1987) na Guiana Francesa com
somente por uma extratora da comunidade do Paraná do
os índios Wayãpi e Shanley et al. (1998) no baixo rio Tocantins
Anamã. Uma extratora de Silves deu a massa para o gado
ao longos dos rios Capim e Guamá. As etapas básicas foram
comer (Tabela 4).
mencionadas por estes autores, entretanto pouca atenção foi
ASPECTOS SOCIAIS dada aos detalhes do processo.
A extração do óleo de andiroba é uma atividade social O cozimento das sementes na água foi mencionado por
que envolve em determinadas etapas, tais como a coleta Aublet, (1775; 1977) e Pesce (1941); Grenand et al. (1987)
das sementes e separação da casca da amêndoa membros da acrescentaram a necessidade do cozimento por várias horas
família e/ou vizinhos, por exemplo, nas comunidades de Bela e Shanley et al. (1998) relataram que as sementes foram
Vista e Jaiteu (Manacapuru); Cuia (Anamã) e São Tomé do fervidas até amolecer. Neste estudo, houve a necessidade de
Jacu (Silves). Por outro lado, a fase da extração do óleo de cozimento de 1 a 3 horas até o amolecimento da amêndoa,
andiroba foi realizada geralmente apenas por uma mulher. verificada pela retirada de uma semente e quebra da sua casca.
As extratoras acreditam que pessoas invejosas, mulheres Uma maceração de dois dias, após o cozimento em água, foi
grávidas ou menstruadas não podem ver, nem tocar a massa, mencionada somente por Pesce (1941), este procedimento foi
pois cessaria a liberação do óleo. Em geral, notou-se que desconhecido pelas entrevistadas no Amazonas. Na literatura
a atividade foi executada por mulheres casadas, acima de 35 há omissão da seleção prévia das sementes com a exclusão
anos e as jovens não tinham interesse em aprender o processo das sementes dessecadas, brocada e germinadas além de um
de extração. Assim, devido às mudanças sociais atuais e à armazenamento antes do cozimento.
transmissão do conhecimento pela observação e oralidade, De outro lado, o armazenamento das sementes após o
prevê-se, no futuro próximo, que o conhecimento tradicional cozimento foi relatado por todos os autores, porém houve
se perca. diferença no tempo de repouso: as sementes foram amontoadas
Neste estudo observou-se que o comércio do óleo de por alguns dias (Aublet, 1977), por vários dias (Grenand et
andiroba foi maior nas comunidades de Silves em relação a al.,1987), deixando apodrecer por 8-10 dias (Pesce, 1941)
Anamã e Manacapuru, possivelmente, devido a Associação ou por 40 dias empilhadas no chão e cobertas por folhas
Avive. Esta associação de mulheres, produtores de sabonetes verdes (Shanley et al, 1998). Os relatos da literatura não
e outros subprodutos com essências da Amazônia, compra o mencionaram como o período de repouso foi determinado,
enquanto neste estudo um terço das entrevistadas relataram
que o final do repouso foi indicado quando a amêndoa liberou o restante do óleo. (Shanley et al., 1998). Aparentemente as
óleo ao ser apertada. Aparentemente, ocorrem alterações ao bolinhas foram menores do que a massa utilizada neste estudo
nível de parede ou membrana celular que possibilitam, após (cerca de 3 a 4 kg), o que provavelmente reduziu o tempo de
um certo tempo, a liberação do óleo. Estas observações podem extração. Não há informações na literatura sobre a necessidade
nortear estudos futuros, a fim de aperfeiçoar o manejo das de um amassamento diário e a impressão de um rego ou furo
sementes sobre o rendimento, pois os resultados deste estudo na massa como verificado neste estudo.
indicaram que o maior rendimento foi alcançado quando o Nos diversos processos descritos na literatura a extração foi
armazenamento antes do cozimento foi curto (0 a 2 dias) e realizada em seqüência: a sombra e/ou ao sol e no final com
longo (15 dias) após o cozimento (Figura 2). o tipiti ou expondo a massa a calor extra, a fim de aumentar
Em todas as fontes como neste estudo as amêndoas foram o rendimento. Todas as extratoras deste estudo conheciam a
separadas das cascas após o armazenamento das sementes possibilidade de extrair mais óleo com tipiti, mas somente
cozidas. Em seguida, as amêndoas foram raladas sobre uma extratora em 1992, município de Manacapuru, e outra
uma pedra ou piladas em pilão de madeira (Aublet, 1775 em 2004, município de Silves, utilizaram o tipiti.
(1977)) ou amassadas (Pesce, 1941;Grenand et al., 1987). Neste estudo como em outro realizado na Flona do Tapajós
No Amazonas uma extratora utilizou pilão em 1992, que (Gonçalves, 2001) observou-se que as extratoras avaliaram
não foi mais observado em 2004. Os demais amassaram a qualidade do óleo, principalmente, pelo odor, pela cor e
manualmente a massa. pela consistência. No baixo Tocantins, Shanley et al. (1998)
A extração ao sol e a sombra também foram relatadas reportaram que o óleo da sombra foi chamado “óleo virgem” e
na literatura. Aublet (1977) menciona em 1775 que a tribo foi também considerado mais “limpo” do que o extraído ao sol.
Galibis expôs a massa ao pleno sol sobre uma pedra inclinada, Deve-se ressaltar que esse tipo de avaliação contribui para o uso
em forma de calha. Este autor observou também em outras irregular de recipientes transparentes, em lugar de vidro âmbar
habitações o uso da prensa tipiti. Pesce (1941) descreve apenas que conserva melhor as propriedades físicas e químicas do óleo
que no Pará a massa foi colocada sobre pedaços de tábua ou vegetal. Este e outros fatores de acondicionamento inadequado
canoa velha, ambas inclinadas expostas ao sol e quando a massa como recipientes de volume maior do que a quantidade de
ficava dura era colocada dentro de um tipiti para extrair o óleo e embalagens plásticas permite maior contato do óleo
restante de óleo. Grenand et al. (1987) observou nos Wayãpi com o ar e podem acelerar a sua oxidação.
o uso de folhas de palmeira inclinadas e expostas ao sol para
RENTABILIDADE DAS SEMENTES DE ANDIROBA PARA
receber a massa. No período de chuva a massa era coberta
PRODUÇÃO DO ÓLEO
e, para liberar mais óleo era colocada próximo ao fogo. No
Tocantins, a massa recebeu forma de bolinhas (sem informar O rendimento mencionado pelas extratoras neste estudo
o tamanho), que foram colocadas sobre superfície inclinada, de 2 a 11 kg de sementes para um litro de óleo foi maior do
tais como: cocho feito de pedaço de metal, canoa velha ou que os 30 kg e 27 kg sementes em outros estudos (Salgado
pedaço de madeira. Foi relatado que a massa das bolinhas após apud Silva, 2004, Gonçalves, 2001), porém similares aos 5 kg
4 a 6 dias, ficou dura e seca e para extrair mais óleo a massa foi mencionados por (Bahia apud Silva, 2004). Pesce (1941) não
exposta ao sol e, em seguida, colocada em um tipiti para extrair quantificou o óleo em relação às sementes, porém relatou que
Figura 2 – Relação entre tempo de armazenamento das sementes de andiroba antes e após o cozimento e a quantidade de óleo extraído de cerca de 11 kg de
sementes (uma lata de 18 l) conforme relatos das extratoras dos três municípios do Estado do Amazonas.
a extração tradicional conseguiu extrair menos da metade do de extração. Na Floresta Nacional do Tapajós, a coleta e
óleo contido nas sementes. Passando a massa seca novamente o transporte dos frutos e sementes de andiroba foram de
em prensa hidráulica conseguiu aumentar a quantidade de responsabilidade masculina, enquanto a extração das sementes
óleo em 25 a 30%. Mencionou ainda que em geral o óleo dos frutos e todos processos ligados a extração do óleo de
produzido por escorrimento é liquido e o óleo obtido com responsabilidade feminina (Gonçalves, 2001). A restrição da
o tipiti é sólido. última etapa do processo de extração a uma única mulher
Em escala experimental a C. procera mostrou maior deve-se possivelmente a crenças relacionadas ao rendimento
rendimento de óleo (cerca de 8 kg de sementes/ litro de óleo) e, tem como conseqüência, uma restrição na transmissão
em relação a C. guianensis (cerca de 11 kg/l) (Mendonça & do conhecimento e na troca de experiência, que por sua vez
Ferraz, 2006). Estes resultados foram similares aos relatos pode aumentar a variação do processo. Não há descrição na
das extratoras do Amazonas, porém contradisseram que C. literatura sobre a importância social da produção do óleo
guianensis rende mais do que C. procera. Possivelmente, as para as comunidades isoladas. Neste estudo verificou-se que
extratoras levaram mais em conta o esforço de coleta do que o envio do óleo possibilitou as interioranas manter o contato
a medida de peso, pois as sementes da C. procera são menores. com parentes e amigos na capital.
Assim para 11 kg são necessários de 700 a 800 sementes
da C. procera e somente de 450 a 500 de sementes da C. CONCLUSÃO
guianensis. O processo de extração pode ser dividido em três grandes
A discrepância nos relatos de rendimento de 30 kg de etapas: coleta e seleção das sementes, preparação da massa e
sementes (Salgado apud Silva, 2004) a 2 kg (este estudo) extração do óleo. As comunitárias usaram para a extração do
para um litro de óleo, pode ser causada pelas variações nos óleo de andiroba sementes das duas espécies. Elas atribuíram
procedimentos de extração, em especial ao armazenamento a Carapa guianensis maior rendimento, provavelmente devido
antes e após o cozimento das sementes (Figura 2). ao menor esforço de coleta das sementes. Foram identificadas
diferenças no procedimento de extração em todas as etapas,
USO DO ÓLEO E DOS RESÍDUOS
o que provavelmente é a causa do rendimento variado. O
O uso do óleo no Amazonas não diferiu dos relatos em tempo de armazenamento das sementes antes e depois do
outras localidades. Nas comunidades da reserva de Mamirauá, cozimento foi identificado como diferença importante.
o óleo de andiroba foi usado para tratar escabiose (curuba), Verificou-se a necessidade de uma orientação, em primeiro
traumatismos, aliviar as dores no pescoço (torcicolo) e tirar lugar, sobre o acondicionamento adequado do óleo, para
carne crescida dos olhos (Souza et al., 2003). Os indígenas manter as propriedades físicas e químicas por mais tempo.
da Guiana Francesa utilizavam o óleo de andiroba misturado Necessita-se também procurar um maior aproveitamento
ao urucu como repelente de mosquito e pulgas dos pés dos resíduos gerados durante a extração do óleo de andiroba.
(Pesce, 1941) e segundo Aublet (1977) impregnaram o corpo Observaram-se pequenas mudanças no procedimento durante
inteiro, inclusive os cabelos com o óleo. Também foi descrito a última década: em 1992, as extratoras no município de
o emprego contra distensões musculares e demais alterações Manacapuru utilizaram ainda pilão para preparar a massa e
cutâneas, em lamparinas para iluminação de casa e ainda para folhas de bananeira para forrar o ambiente do repouso das
preparação de sabonetes e velas (Clay et al., 2000; Ferraz et sementes. Em 2004, as folhas foram, substituídas por sacos de
al., 2002) estopa de nylon e a massa foi amassada com as mãos.
No Panamá as sementes de andiroba foram consideradas O isolamento no interior do Amazonas e a falta de
uma fonte de alimento primário para roedores, tatus, porcos- organização social nas comunidades facilitam e perpetuam
do-mato, pacas, veados e cutias (McHargue & Hartshon, a figura do atravessador, devido à dificuldade em escoar a
1983). Neste estudo as sementes e/ou o resíduo da extração do produção. A conscientização do valor dos produtos naturais
óleo foram utilizados por cinco extratoras como alimento para da Amazônia foi mais desenvolvida em Silves, embora algumas
animais domésticos, o boi e a ovelha. Apesar de Pesce (1941) extratoras tenham lamentado que o conhecimento esteja se
menciona explicitamente que o farelo do resíduo não pode perdendo, pois conhecem comunidades mais afastadas, com
ser consumido pelo gado; as observações aqui apresentadas grande produção de sementes de andiroba, porém ninguém
apontam a necessidade de uma nova avaliação sobre o uso da comunidade sabe extrair o óleo.
dos resíduos como suplemento da ração.
ASPECTOS SOCIAIS AGRADECIMENTOS:
Tanto neste estudo como no de Gonçalves (2001) foram Nós agradecemos as extratoras de Manacapuru, Anamã e
observadas divisões de trabalho durante o procedimento Silves que contribuíram com a pesquisa. A Avive pelo apoio
logístico em Silves e a Maria Elisabeth Assis Elias pela ajuda
na pesquisa de campo. Este estudo foi apoiado pelo CNPq Mendonça, A.P.; Ferraz, I.D.K. 2006. Efeito do dessecamento de
e FAPEAM. sementes de andiroba (Carapa procera D.C. e Carapa guianensis
Aubl.) sobre o rendimento do óleo pelo método extração
tradicional no Estado do Amazonas. Anais do 3º Congresso
BIBLIOGRAFIA CITADA Brasileiro de Plantas Oleaginosas, Óleos, Gorduras e Biodiesel
Aublet, F. 1977. Histoire des plantes de la Guiane Française texte. –“Biodiesel: Evolução tecnológica e qualidade”. Lavras: UFLA.
Reimpressão do original publicado em 1775. J.Cramer: Vaduz, p. 722-726.
Lichtenstein. Vol.1. 32-34p.
Pennington, R.D.; Stules, B.T.; Taylor, D.A.H. 1981. Meliaceae.
Clay, J.W; Sampaio, P.T.B.; Clement, C.R. 2000. Biodiversidade Flora Neotropica, 28:406-419.
amazônica: exemplos e estratégias de utilização. 1º ed. Manaus:
Pesce, C. 1941. Oleaginosas da Amazônia. Oficinas gráficas da Revista
Programa de Desenvolvimento Empresarial e Tecnológico.
Veterinária, Belém, PA. p. 66-69.
409pp.
Shanley, P; Cymers, M.; Galvão, J. 1998. Frutíferas da mata na vida
Ferraz, I.D.K; Camargo, J.L.C.; Sampaio, P.T.B. 2002. Sementes e
amazônica. Belém, PA. p. 87-90.
Plântulas de andiroba (Carapa guianensis Aubl. e Carapa procera
D.C.): Aspectos botânicos, ecológicos e tecnológicos. Acta Silva, M.A.R. 2004. Biodiversidade Amazônica – As possibilidades
Amazonica, 32(4): 647-661. da andiroba. Disponível em: www.Bioflorestal.com.br/andiroba.
htm. Acesso em: 15/04/2004.
Gonçalves, V.A. 2001. Levantamento de mercado de produtos florestais
não-madeireiros. Santarém: IBAMA- ProManejo. 65pp. Souza, N.N; Silva, A.F.C.; Martins, F.S.; Ferreira, G.S.; Ramos,
F.M.; Pereira, R.O. 2003. Plantas medicinais: etnobotanica na
Grenand, P; Moretti, C. ; Jacquemin, H. 1987. Pharmacopées
várzea do Mamirauá. Manaus: Ed. Rocha, S.F.R; Scarda, F.M.
traditionnelles en Guyane. Guyane Française. Collection
SEBRAE. 218pp.
Mémoires 108. Edition de L´Orstom. 569pp.
McHargue, L.A.; Harstshorn, G.S. 1983. Seed and seedling ecology
of Carapa guianensis. Turrialba, 33(4): 399-404. Recebido em 06/10/2006
Aceito em 05/07/2007