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CIENTÍFICO
INTRODUÇÃO
Neste sentido, ao analisarmos o Renascimento pelo olhar dos autores aqui trabalhados
pelo viés da micro história, constatamos que na verdade o chamado processo de ruptura se
apresenta como um processo sincrônico, a medida em que o surgimento do pensamento
cientifico se iniciou antes mesmo do surgimento da Igreja Católica, tendo futuramente se
desenvolvido dentro do viés teológico. Desta forma, neste trabalho pretendo demostrar como
este processo foi abordado a partir de três matrizes diferentes que comprovam a proposta do
surgimento do pensamento cientifico enquanto processo, e não de uma ruptura na forma de
pensar.
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Possui Graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá (2017) e atualmente cursa mestrado na
mesma instituição, dentro da linha de pesquisa intitulada História, Cultura e Narrativas oferecida pelo programa
de Pós-graduação em História da Universidade.
o desenvolvimento do pensamento cientifico se deu dentro do campo teológico, e com o intuito
de afirmar a religiosidade cristã confirmando as Sagradas Escrituras. Por fim, tendo visto e
constatado como o pensamento cientifico se desenvolveu sem que questionasse os preceitos
cristãos, ao menos inicialmente, veremos como se deu o início do processo de rompimento entre
esses dois agentes por meio das cartas escritas por Galileu Galilei no livro “Ciência e fé: cartas
de Galileu sobre o acordo do sistema copernicano com a Bíblia”.
Arkan Simaan inicia sua obra fazendo uma observação muito pertinente no que se refere
ao trabalho do historiador ao defender que o mundo cientifico, assim como os cientistas não
estavam fora de sua realidade, que durante o Renascimento, era regida por uma moral religiosa,
que influenciava o comportamento dos segmentos mais populares até os mais altos da
sociedade. Isto posto, analisar o surgimento do pensamento cientifico a parte destas influências
seria ocultar grande parte do contexto histórico, levando a análises simplificadoras, incompletas
e até mesmo enganosas do que foi este processo.
Considerando que o produto dos indivíduos é reflexo da imagem que estes fazem do
mundo e que esta é inevitavelmente influenciada pelo meio onde vivem, Simaan busca retraçar
o caminho do desenvolvimento da imagem do mundo na civilização Ocidental, a partir de uma
abordagem que considere a mentalidade de cada época e, assim, esboçar um panorama de
representações de mundo ao longo da história.
Embora Simaan ainda alerte que para o olhar de um historiador seu esquema possa
parecer demasiado simplista, devemos considerar a importância dele para uma renovação da
análise histórica. Ainda que simples, a partir do momento em que Simaan considera em sua
análise a mentalidade de cada período como influenciador direto nas ações dos indivíduos, tem
o efeito de demostrara que somos frutos de nosso tempo, desmontando a visão teleológica que
se construiu acerca das práticas cientificas. Na modernidade se tornou comum compreender
ciência enquanto separada da religião e esta concepção foi transportada para a o passado quando
se tentou determinar o nascimento do pensamento cientifico.
Todavia, Simaan nos mostra como antes mesmo do cristianismo ser difundido, ciência
e misticismo estiveram juntos, e ainda que o cristianismo o tenha negado futuramente, não foi
uma total rejeição. O autor coloca que a partir da Revolução Neolítica (aproximadamente 10
mil anos) surgiu a necessidade de se orientar no tempo e espaço, sobretudo para reger a
agricultura e viagens, mas não apenas isto, este novo tipo de calendário também era utilizado
para prever as festas religiosas.
As análises de Simaan para este trabalham são de grande valor, a medida em que mostra
que mesmo no surgimento do cristianismo, que foi colocado como grande opositor ao
pensamento cientifico, não havia distinções claras entre um e outro. Isto por que desde antes de
sua consolidação o conhecimento cientifico e místico estavam mesclados, e quando o
cristianismo se tornou instancia de poder, não pode fazer uma separação total entre eles e o
paganismo pois este último era ainda uma realidade muito presente naquele contexto, assim
como o cristianismo viria a se tornar futuramente.
Klass Woortmann em sua obra ’Religião e ciência no Renascimento” também nos traz
discussões historiográficas muito interessantes a serem debatidas. Sua temporalidade está
situada sobretudo entre os séculos XV e XVI, período que se chamou de Renascimento no
Ocidente. A discussão proposta pelo autor tenta demonstrar que embora o Renascimento não
tenha significado uma ruptura, foi um período muito rico onde é possível constatar o início da
transformação tanto de pensamento quanto de estrutura social. De acordo com o autor, dois
eventos ocorridos neste período foram determinantes nestas transformações: a redefinição
copernicana do sistema planetário e a descoberta do Novo Mundo por Colombo.
De acordo com Woortmann, embora este humanismo não tenha sido suficiente para
romper com as antigas tradições eclesiástica a muitos séculos enraizados na cultura Ocidental,
teve um papel de grande valor na gênese do pensamento cientifico, pois foi responsável por
afrouxar o controle da Igreja sobre o saber cientifico, e por vezes até um estimulo, a medida em
que estava por comprovar as escrituras.
Foi num contexto onde o modelo hierárquico ainda prevalecia, mas que ainda se
preservava a tolerância do humanismo que as concepções de Copérnico florescem. De início
Copérnico foi encorajado pelo alto clero católico, mas isso mudou logo que ficou claro que sua
obra não se destinava apenas aos matemáticos, demonstrando o peso de sua teoria contra o
geocentrismo e antropocentrismo. Copérnico estaria reivindicando para a ciência o direito de
buscar a verdade autonomamente, dizendo que apenas os matemáticos poderiam julgar sua
obra, e que para ser um bom astrônomo não bastava ser um bom cristão.
Como nos mostra Woortmann, Copérnico não foi tão revolucionário quanto hipóteses
propostas antes dele, mas sua grande contribuição residia numa nova teoria muito baseada nos
dados de Ptolomeu, mais do em novas observações. A revolução copernicana não está no
aperfeiçoamento dos métodos astronômicos, e sim no estabelecimento de uma nova
cosmologia, numa nova visão de mundo.
Sendo assim, vemos que o sistema de Copérnico não tinha apenas implicações
astronômicas, mas também sociológicas, já que nega a ideia de lugar natural. Do ponto de vista
antropológico seu pensamento foi revolucionário, uma vez que tira o homem do centro do
mundo, alterando não somente o significado do mundo como do homem também. Disfarçadas
de hipóteses, as ideias de Copérnico continham implicitamente uma revolução teológica.
A ruptura com o conhecimento antigo, para Woortmann, era refutada pelas experiências
empíricas das navegações, representando uma ruptura com o conhecimento escolástico. Essa
transformação se expressa nos mapas, que se tornam o novo instrumento de discurso
geográfico, destinado a medir e descrever o mundo e não mais a especular sobre a natureza. O
importante não foi o fato da América ter sido descoberta, mas que tal descoberta tenha permitido
uma “reinvenção” do mundo, a formulação de um novo sistema de ideias, não apenas relativo
ao mundo físico, mas também ao mundo humano.
Para nossa reflexão pretendo usar de forma mais especifica as cartas escritas por ele
sobre as opiniões acerca da teoria de Copérnico. A escolha se dá pelo fato de podermos fazer
uma análise a partir de duas bases, pois a partir de Wootermann tivemos a oportunidade de ver
como o trabalho de Copérnico inicialmente foi aceito pela Igreja, e como passaram a ser
rejeitadas futuramente.
Com a carta de Galileu notamos que, assim como Woortmann já havia dado indicio,
com o passar do tempo notou-se como as concepções copernicanas contrariavam o
geocentrismo e afrontavam a Igreja a medida em que dizia poder ser julgada apenas por
matemáticos e não pelos Clérigos. Apenas a própria existência da carta já é comprovação do
impacto das teorias de Copérnico.
Nessas considerações, Galilei tenta desmontar os argumentos que estavam sendo criados
contra as afirmações de Copérnico sobre o movimento dos astros, e convencer o povo e a Igreja
que quando compreendidos adequadamente a teoria copernicana não era escandalosa ou
herética. Galilei usa de muitas estratégias para levar a este convencimento, como comparar o
trabalho de Copérnico ao de grandes filósofos e matemáticos já consagrados, como Platão e
Sêneca, que também compartilhavam da teoria de Copérnico,
Galilei reforça que o trabalho de Copérnico foi fruto não apenas de suposições, mas foi
embasado em riquíssimas observações da Natureza, que lhe permitiu obter um conhecimento
de grande valor, capaz de produzir sua teoria do heliocentrismo. Também afirma que sua teoria
não foi feita para satisfazer o astrônomo puro, mas para satisfazer sua necessidade, ou seja,
aceitando-a como astrônomo e filosofo, a media em que acreditava ser a verdadeira Natureza.
Sendo assim, diz que alguns astrônomos buscam apenas satisfazer seus cálculos, sem
que busque ou sustente uma “verdade”, e outros buscam dar razão e sentido a natureza.
Copérnico não busca satisfazer cálculos com sua teoria, sendo seu objetivo estabelecer uma
nova verdade acerca da Natureza do movimento dos astros,
Deste modo, Galilei coloca que as tentativas de se comprovar devem partir da recém-
descoberta da Natureza, pois se as Escrituras dizem o contrário da matemática e astronomia,
este ocorre por um erro de interpretação por falta de conhecimento necessário para compreender
tal assunto. Galilei lembra, desta forma, que uma verdade não pode contrariar outra verdade.
Este cuidado seria para não incorrer no risco de afirmar uma verdade absoluta das
Escrituras, que nas observações ou experimentações poderiam ser desmentidas. Seria um
escando uma vez que a Escritura não erra. Este cometeria um erro chamado de “Petição de
princípio”. A natureza não se modifica, mas a oposição da Escritura sim, afirmando termos
incorrido num erro, de interpretação.
CONCLUSÃO
Isto posto, vemos que os estudos feitos a partir de um viés historiográfico mais
sociológico permitiram que se observasse na gênese do pensamento cientifico mais do que um
jogo de tensões entre a Instituição cientifica e a Igreja. Simaan apresenta uma questão valiosa
sobre o contexto e o objeto, e que recortar um do outro leva a conclusões que não condiziam
com a realidade.
REVEL, Jacques. Jogos de escala: a experiência da mico análise. Trad. Dora Rocha. Ed.
Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1998.
GALILEI, Galileu. Ciência e fé: cartas de Galileu sobre o acordo do sistema copernicano
com a Bíblia. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
SIMAAN, A.; FONTAINE, J. A imagem do mundo: dos babilônios a Newton. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 11-22 e 65-98.
WOORTMANN, K. Religião e Ciência no Renascimento. Brasílias: UNB, 1997.