Você está na página 1de 9

CAPÍTULO I QUESTÕES ÉTNICOS-RACIAIS NO BRASIL

1.1 O negro no Brasil: escravidão, contexto social e cultural (passado);


1.2 O negro na contemporaneidade: conquistas e dia da consciência;
1.3 O negro na literatura brasileira;

1.1 O Negro no Brasil: escravidão, contexto social e cultural(passado)

Ao chegar no Brasil os Portugueses tinham um objetivo: explorar ao máximo a


nova terra descoberta. Queriam obter lucros, no início tentaram a extração de
minérios como ouro e prata (minérios muito valorizados na Europa). Mas logo
descobriram que o Brasil não tinha tanto ouro assim e então decidiram investir
no pau-brasil que também não durou muito tempo.

Até que tiveram a brilhante ideia em investir em açúcar, produto que era
extraído da cana de açúcar por meio dos engenhos. Além disso começaram a
cultivar o algodão, no fumo e a investir na pecuária. Visto que o trabalho nos
engenhos exigia muita gente e força braçal, os colonos recorreram aos índios
que em troca de seu trabalho ganhavam quinquilharias de pouquíssimo valor.

Mas para a lavoura a escravidão indígena não deu bons resultados e os índios
começaram a não querer trabalhar, pois viviam uma vida livre e eram defendidos
pelos jesuítas. Portanto os portugueses precisavam de outro tipo de mão de
obra, e assim optaram pelos escravos vindos da África. Está nova prática de
comercio tornou-se rentável para os comerciantes e consequentemente para a
Coroa Portuguesa onde o escravo era comprado por um preço considerável
baixo e chegando no Brasil vendido por uma quantia bem mais elevada aos
senhores de engenho. É o tráfico negreiro e seu lucro que justificam o trabalho
escravo no Brasil.

Os negros vinham da África para o Brasil dentro de grandes embarcações


chamadas de navios negreiros, e muitos morriam durante esta travessia devido
à falta de água, alimentação e doenças ligadas a falta de higiene. Eles eram
transportados dentro dos porões em meio a ratos, fezes e falta de iluminação e
ar, e muitos morriam e eram jogados no mar, mas o lucro era tão grande que
mesmo com a morte de uma parte do que os portugueses chamavam de
“mercadoria”, era vantajoso a vinda deles para cá.

Alguns padres e cronistas retrataram a realidade de um navio negreiro através


de suas obras, como no poema belíssimo de Castro Alves “Navio Negreiro”:
...Que importa do nauta o berço,

Donde é filho, qual seu lar?

Ama a cadência do verso

Que lhe ensina o velho mar!

Cantai! que a morte é divina!

Resvala o brigue à bolina

Como golfinho veloz.

Presa ao mastro da mezena

Saudosa bandeira acena

As vagas que deixa após...

(Trecho do poema: Navio Negreiro)

Os negros que vinham para cá cativos em sua grande maioria homens de boa
aparência, eram tiradas de suas famílias e de suas culturas para trabalhar a base
da violência, da exploração de sua mão de obra e da violação de seus direitos
enquanto seres humanos dentro do Brasil colonial. Assim que chegavam
recebiam forte alimentação na base do milho para recuperar as forças perdidas
durante a viagem, depois eram vendidos em leilão para trabalhar nos engenhos
ou no cultivo da cana de açúcar.

Trabalhavam de sol a sol, arduamente em torno de 18 horas diárias as condições


de vida eram precárias e desumanas, eram tratados como se fossem animais
sua alimentação era precária e eram cruelmente maltratados. Eram
constantemente alvos de castigos de senhores de engenho e além disso aqueles
que se rebelavam contra seus “senhores” eram mortos e torturados de diversas
formas com: chibatadas no corpo, marcação a ferro quente como se fosse gado,
muitos ficavam acorrentados por um longo tempo para que não fugissem.

Esse tipo de trabalho mercantil que foi formado através da violência sobre uma
etnia marcada pelo estereótipo do trabalho e da escravidão, vai permear toda
uma sociedade diferenciada do Brasil, regida por citações de desigualdade e
preconceito. Essa mesma sociedade vai dividir as pessoas pela raça e o tom da
pele vai ganhar conotação política.

Quando não estavam trabalhando os escravos ficavam nas senzalas, porém


eram proibidos de usar sua língua e sua cultura. A igreja que tanto defendia o
direito dos índios de serem catequisados diziam que os escravos tinham que
passar por tudo aquilo como forma de purgar todos os seus pecados e
convertê-los ao reino de Deus.

Os senhores de engenho proibiam os escravos de praticar qualquer tipo de


luta, logo eles começaram a utilizar os ritmos e os movimentos de suas danças
africanas adaptando a um tipo de luta, surgiu então a Capoeira, um tipo de arte
marcial disfarçada de dança e foi um instrumento importante da resistência
cultural e física dos escravos brasileiros.

Os escravos africanos também sofriam com doenças, as mais frequentes eram:


o banzo (uma espécie de depressão que batia no escravo, ele deixava de
comer e enfraquecia até morrer), o sarampo e a varíola. Quando existiam fugas
individuais ou coletivas das fazendas eram capturados pelos capitães do mato,
e os que conseguiam escapar se juntavam com outros escravos fugitivos em
mocambos (ligado a esconderijos) ou quilombos (ligado a resistência,
fortaleza...). O mais famoso quilombo chamava-se Palmares, onde hoje é o
estado de Alagoas que era uma confederação de quilombos num lugar onde
existia essa resistência ao mundo colonial escravista.

Por diversas vezes tentaram pôr ao chão esse quilombo e não conseguiram,
inicialmente era liderado por Gangazumba, mas logo foi substituído por Zumbi
que ficou no poder por vários anos até que em 20 de novembro de 1695 ele foi
invadido, destruído e Zumbi foi morto. Atualmente em sua homenagem esse
dia é considerado o dia da consciência negra e o quilombo de Palmares é
lembrado como um sinônimo de resistência de uma etnia que foi trazida para
cá, feita de escrava e que até hoje não é tratada com o respeito que merece.

Apesar de não conseguirem viver com sua cultura, os negros conseguiram


conservar seus valores e costumes, hoje ainda muitos praticam a capoeira.
Também são de origem africana muitas festas, danças e certas crenças que
ainda tem tantos seguidores como o candomblé, já na culinária podemos
destacar comidas como: vatapá, angu e mugunzá.

Em 13 de maio de 1988 o Brasil aboliu a escravidão, através de uma lei


assinada pela Princesa Isabel chamada: Lei Áurea, que libertada os escravos
porém eles foram jogados em uma sociedade cheia de preconceito da forma
mais desumana possível sem dinheiro, sem casa, sem comida, enfim, sem
nenhuma condição de se estabelecer em sua nova vida. Comeram a trabalhar
duro por esmolas e muitos chegaram até a roubar para sobreviver, aquele
sonho de liberdade tornou-se um pesadelo para eles.

1.2 O negro na contemporaneidade: conquistas e dia da consciência


Durante muito tempo, o negro viveu uma realidade de marginalização na
sociedade brasileira, sem acesso à educação e sem uma vida. Séculos depois
a população negra cresceu, e juntos com os pardos são considerados mais de
50% de todo país e novas conquistas vieram com o tempo. Existe uma lei que
protege contra o racismo e a qualquer ato de discriminação, mas ainda exige
muita caminhada até isso acontecer, principalmente com relação a entrada do
mercado de trabalho, entrada nas universidades, a participação da vida social
do Brasil.

O negro com o passar dos anos vem se auto-afirmando e seu talento afro-
brasileiro está em todas as áreas: nas artes, nas ciências, na área acadêmica,
no direito, na política e na comunicação. O processo de mudança da sociedade
e o espaço para os negros vêm avançando lenta e progressivamente.

O dia da Consciência Negra (20 de novembro) é uma data de comemoração e


também de reflexão onde envolve toda uma temática social de luta do povo
negro para conquistar seu espaço dentro da sociedade. Este dia nos remete a
morte de Zumbi dos Palmares, importante figura que morreu na luta pela
liberdade do povo negro. Apesar de todos nós sabermos que a abolição da
escravatura não foi suficiente para a aquisição de um ambiente social igualitário,
todos os avanços em relação ao posicionamento do povo negro na sociedade
foram conquistas de seu próprio trabalho mobilização.

A mérito do dia da Consciência negra está no reconhecimento e na afirmação


dos descendentes africanos na constituição e na composição do povo brasileiro.
E os principais temas discutidos neste dia são: racismo, discriminação,
igualdade/inclusão do negro na sociedade, aspectos culturais e religiosos afro-
brasileiros... Segundo a Lei nº 10.639 (9 de janeiro de 2003) fica obrigatória a
inclusão no currículo oficial a temática “História e Cultura Afro-Brasileira, outra
grande conquista.

Embora os anos de sofrimento tenham ficado para trás, e o 20 de novembro


está ai para nos lembrar de toda uma época de luta por liberdade e
conscientização das pessoas sobre a importância da raça negra e de sua
cultura para a formação do povo brasileiro o desejo de muita gente é que o
preconceito também permaneça no passado, o que sabemos que não
acontece.

A grande população negra enfrenta barreiras de diversas naturezas diante da


hipocrisia que predomina o discurso de igualdade racial, Para Maria Nazareth
Soares Fonseca:

Assumir-se negro numa sociedade cujos referenciais


de beleza passam pelos traços europeus, que
também nela se mostram, é uma atitude de
enfrentamento quase sempre diagnosticada como
decorrente de rancor que não tem motivo para
existir. Em vez de lidar com as formas
discriminatórias que produz, o senso comum
descarta a questão porque acredita que vivemos
numa sociedade que não tem preconceitos. O mito
da democracia racial continua a perpetuar entre nós.
(FONSECA, 2011, p. 13)

A busca por novas condições de vida levou a criação dos movimentos negros
que lutaram e ainda lutam por igualdade social. Várias conquistas ocorreram,
podemos citar aqui o sistema de cotas nas universidades e concursos públicos,
mas ainda hoje no Brasil é possível observar os reflexos dessa história de
desigualdade e exploração. Nosso pais é conhecido no mundo inteiro como a
nação da tolerância, mas ainda conserva marcas de uma das piores doenças
sociais que é o racismo. É necessário ainda percorrer um longo caminho para
que esta doença seja erradicada de nossa história, a tarefa de combater todas
as formas de discriminação depende de todos nós, uma ferramenta para esse
processo de desconstrução do preconceito é a literatura, ela por si só já é diversa
e nos propõe variados temas, as histórias infantis são instrumentos de
conhecimento do mundo, assim o leitor de uma maneira prática consegue
decifrar a sociedade e todos os problemas existentes nela e concomitantemente
ampliar, transformar e enriquecer suas vivências.

Apesar de aprovada a mais de 20 anos a lei federal nº 10639/03 (2003) que torna
obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas
de Ensino Fundamental e Médio, a mesma é pouco aplicada e não podemos
dizer que o motivo é a falta de informação, pois existem livros, sites, estudos, e
enfim, uma gama de materiais que podemos pesquisar.

Ainda existe um certo preconceito de falar de nossos antepassados e de sua


história riquíssima que aconteceu lá atrás. Só um dia de consciência negra, ou
só um mês é muito pouco, a lei de 2003 precisa ser aplicada em todos os
parâmetros, resgatando a identidade e a autoestima, sobretudo na educação
onde a grande maioria dos alunos afrodescendentes tem vergonha do corpo
negro e do cabelo crespo.

Antigamente o negro vivia oprimido sem nenhuma oportunidade e sem nenhuma


possibilidade de dar um salto qualitativo, hoje em dia as coisas deram um salto
que ainda não sabemos para onde estamos caminhando mas não é mais aquilo,
mas é preciso que a gente comece a construir caminhos diversos para que nós
todos sejamos tratados como cidadãos independente de sermos brancos,
negros, índios, pardos... essa ideia degradadora ou separatista que eu sou
negro, que você é branco, que você é amarelo e assim por diante é que precisam
deixar de existir. Todos nós fazemos parte de uma raça apenas, a humana.

Não se pode descrever o Brasil nem compreender sua história sem falar da
presença africana que está muito clara em todos os aspectos. A herança de
nossos antepassados africanos está presente na cultura, no esporte, na
literatura, na religião, na culinária, música...até hoje.

1.3 O negro na literatura brasileira;

O negro vai ser retratado inicialmente na literatura brasileira a partir do período


romântico, como o marginalizado, sem cultura, sem possibilidades de
crescimento dentro de uma sociedade, enfim não muito diferente da época da
escravidão. De acordo com Sousa & Lima,

“Os personagens negros não sabiam ler nem escrever,


apenas repetiam o que ouviam, ou seja, não possuíam o
conhecimento considerado erudito e eram representados
de um modo estereotipado e depreciativo”. (SOUZA &
LIMA, 2006, p 188).

Castro Alves, conhecido como o “poeta dos escravos” procurou retratar em


muitas de suas obras a luta em prol da abolição da escravatura, como exemplo
posso citar: O Navio Negreiro e Vozes da África, onde ele uniu arte e lutas
sociais.

Bernardo Guimarães também de alguma forma trouxe a negritude para o


período romântico, autor de A Escrava Isaura ele procura idealizar uma
personagem até então escrava, que sofre um processo de embranquecimento,
que a deixa mais parecida com uma dama da corte, totalmente revestida de
traços europeus. Fato esse totalmente plausível dentro da visão de mundo do
século XIX, uma vez que Guimarães estava inserido em uma sociedade
marcada ideologicamente, que vai refletir na ideia da supremacia do branco.

No Realismo percebe-se algumas obras em forma de críticas sociais voltada


para a época mais escura de nossa história que foi a escravidão. Aluísio de
Azevedo nos traz O Cortiço, onde retrata a sociedade do Rio de Janeiro
(burguesia x sociedade marginalizada) e todo aquele problema da condição do
negro que, mesmo liberto (será?), vivia em condição de servidão.

O tema negro sempre vai aparecer na literatura brasileira mas a forma de como
vai ser representada vai depender do contexto social, político, ideológico da
época. Já no Modernismo, mais a partir do ano de 1930, é que a literatura
brasileira vai tratar os temas sociais com mais criticidade. O negro será
resgatado não mais como o escravo, o marginalizado, o antissocial... uma vez
que este fora "libertado" anos atrás, mas numa perspectiva de elemento
formador junto com as demais etnias da cultura nacional, por meio de suas
contribuições: na língua, costumes, culinária, música, nas danças, folclore, mas
tradições.
Rosane Cardoso, argumenta na obra Deslocamentos Críticos que:

A presença de personagens negros na literatura é


fundamental para todos os leitores. Se, por um lado,
para a criança negra, essa mudança pode contribuir
para a autoestima e o seu reconhecimento no mundo,
para a branca pode ser o espaço de reconhecimento
da diversidade étnica. (CARDOSO, 2011, p 131).

É de suma importância relembrar que a trajetória do negro no Brasil foi marcada


pela exploração de sua mão-de-obra em diversas atividades agrícolas. Esse
período foi retratado covardemente na literatura infanto-juvenil, onde era
atribuído ao imaginário infantil o privilégio da raça branca sobre a negra.
Felizmente com o passar dos anos, essa discussão acerca da identidade racial
tem ganhado destaque, e a partir das luta a raça negra vem conquistando seu
lugar com dignidade na sociedade (aqui posso acrescentar que apensar de tudo
isso ainda estamos longe de acabar com o preconceito). E aproveitando essa
linha de raciocínio espera-se que o livro seja visto como um aliado no
enfrentamento dessas práticas.

Atualmente com o avanço da ideia de igualdade a temática do negro voltou com


tudo e com ela uma gama de obras a respeito desta representação que com
certeza vai deixar transparecer nosso momento histórico preocupando-se com a
igualdade e deixando de lado as diferenças. Ainda há muito o que se fazer mas
estamos no caminho certo, quando pensamos em literatura infanto juvenil lá nos
anos 80/90 ainda percebia-se uma discriminação bastante acentuada, já na
atualidade os textos buscam igualar as raças e consequentemente exterminas
as diferenças.

Os negros favoreceram para o enriquecimento linguístico, social e cultural de


nosso pais e por isso fez-se necessário preencher essas lacunas na literatura,
onde é nosso papel clamar por justiça a raça negra que tanto contribuiu para a
formação de nossa sociedade. Pensando por essa perspectiva, o livro assume
um papel de apropriação de uma identidade até então alterada e sabotada pela
sociedade.

.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1 QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL
1.1 O negro no Brasil: escravidão, contexto social e cultural (passado)
1.2 O negro na contemporaneidade: conquistas, Dia da Consciência
1.3 O negro na literatura brasileira
2 A LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA E SUAS PERSONAGENS
NEGRAS
2.1 A literatura infantil brasileira: temas e personagens
2.2 Personagens negras e a literatura infantil
2.3 A Lei e o boom da literatura étnico-racial
3 CORPO NEGRO E CABELO CRESPO
3.1 Obras marcadas pelo corpo negro e pelo cabelo crespo
3.2 Uma discussão acerca da identidade-étnico racial na literatura infantil
brasileira.
Referencias:

BARBOSA, Wilson do Nascimento. Cultura Negra e dominação. 9ª. ed. São


Leopoldo, Unisinos, 2002, 132p.

BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: Das origens do homem à era


digital. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2012. 415p.

BRASIL, Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial do Distrito Federal


de 14 de setembro de 2003.
NASCIMENTO, Elisa Larkin. O Sortilégio da Cor. Identidade, Raça e Gênero
no Brasil. São Paulo, Selo Negro, 2003. 413p.

NEGRÃO, Esmeralda V. A discriminação racial em livros didáticos e


infanto-juvenis. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 63, p. 86-87, nov. 1987.

OLIVEIRA, Alexandre et al. Deslocamentos críticos. 1. ed. São Paulo: Babel,


2011. 279p.

RIBEIRO, Vanise. Encontros com a História 7º ano. 3. ed. Curitiba: Positivo,


2012. 326p.

https://www.portalraizes.com/navionegreirocastroalves/

www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm

Você também pode gostar