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Resenha

As cidades invisíveis: de megacidades inchadas pelo crescimento


da população e da pobreza urbana, mas sim
a favela como desafio de avaliar, de maneira isenta, as condições
existentes para propor, sobretudo aos países
para urbanização que passarão pela transição urbana nos
mundial próximos anos, os caminhos alternativos
que possam conduzir à redução da pobreza
e da desigualdade social.
Embora os contextos sociais, históricos
Ricardo Ojima*
e econômicos sejam distintos, a experiência
latino-americana pode ser um ponto de
UNFPA. State of world population apoio importante para os países que hoje
2007: unleashing the potential of procuram meios para enfrentar os dilemas
urban growth. New York: UNFPA, do crescimento urbano, evitando suas con-
2007. seqüências perversas e de modo que real-
mente se consolide um momento especial
DAVIS, M. Planeta favela. Tradução para o desenvolvimento humano.
Beatriz Medina. São Paulo: Boitem- Um dos aspectos que assumem maior
po, 2006. evidência e receio é a pobreza urbana e
sua expressão física nas grandes cidades:
as favelas. Consideradas a expressão das
O recente lançamento do Relatório mazelas do crescimento urbano não plane-
sobre a Situação da População Mundial jado e do aumento da pobreza urbana, as
2007, do Fundo de População das Nações favelas aglutinam a população mais exposta
Unidas (UNFPA, 2007), resgatou o debate a condições e situações de extrema vul-
sobre o processo de urbanização no Brasil nerabilidade social e ambiental, sobretudo
e no mundo, agora sob a luz de novas quando o debate em torno das mudanças
preocupações e desafios globais. Não por climáticas confirma o que já era esperado:
acaso, a discussão concentra-se em torno a população pobre será a mais fortemente
dos países em desenvolvimento, afinal, afetada pelas alterações no clima projetadas
segundo estimativas da Organização das para um futuro não muito distante. Portanto,
Nações Unidas (ONU), vivemos um mo- se a transição urbana é um processo de
mento único na história da humanidade: mão única, será nas favelas e nos países em
pela primeira vez teremos mais da metade desenvolvimento que os processos tornar-
da população mundial residindo em áreas se-ão mais complexos.
classificadas como urbanas. Segundo as Em seu livro, Planeta favela, Mike Davis
mesmas estimativas, em 2030, teremos (2006) evidencia sua preocupação em re-
um adicional de cinco bilhões de pessoas lação à generalização das favelas. De modo
vivendo em cidades. geral, o autor se vale de um conjunto expres-
Se, por um lado, receia-se que essa sivo de dados e informações sobre os mais
situação agrave os desafios já enfrentados diversos países para provar sua idéia cen-
pelos países em desenvolvimento, por outro, tral: a “favelização” do mundo. Tendo como
como sugere o subtítulo do Relatório da ponto de partida o relatório da UN-Habitat
ONU, este seria um momento simbólico para de 2003, que aborda os desafios das favelas
refletir sobre os potenciais positivos que o no mundo, Davis procura mostrar que, a
crescimento urbano pode trazer. Ou seja, despeito das diversas formas e expressões
não se trata de imaginar um cenário caótico que podem ter, as favelas constituem o

* Sociólogo e doutor em Demografia. Pesquisador colaborador do Núcleo de Estudos de População (Nepo/Unicamp) e


do Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp). Bolsista de pós-doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Pauo – Fapesp.

R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 24, n. 2, p. 345-347, jul./dez. 2007


Ojima, R. As Cidades Invisíveis

principal pólo de concentração da pobreza, população urbana. Porém, sua concepção


sobretudo nos países que passam por um de favela é muito pragmática, como quase
processo de urbanização mais acelerado. todas as estimativas globais podem ser, pois
O autor destaca, ainda, a existência de considera cinco dimensões1 para classificar
uma exploração imobiliária nos moldes mais uma habitação como favela.
perversos dentro das favelas, pois, ligeira- Neste sentido, mesmo que exista reco-
mente diferente da realidade brasileira, as mendação para adaptar os critérios segundo
principais favelas africanas, por exemplo, particularidades regionais, não é possível
organizam-se em torno de alguns poucos incluir dimensões sociais importantes, como
proprietários que colocam à “disposição” acesso a saúde e educação, bem como
desta parcela empobrecida da população aspectos culturais e padrão de consumo
barracos sem nenhuma infra-estrutura. dessa população.
Para se ter uma idéia da dimensão dessa Embora o caso brasileiro ainda seja
exploração, na favela de Kibera, em Nairóbi preocupante, a África, de maneira geral,
(Quênia), onde se aglomeram mais de 800 encontra-se em situação muito mais grave,
mil pessoas, sem água potável, sem esgoto diante da total ausência de políticas sociais
e sem instalações sanitárias, os “locatários” que busquem minimizar as vulnerabi-
tornam-se escravos das favelas, sobrevi-
lidades sociais e da exploração imobiliária
vendo com renda mensal de menos de 30
dentro das favelas. Segundo o relatório da
dólares.
UN-Habitat (2006, p.40), em um quadro
Embora as diferenças regionais sejam
comparativo global, o Brasil está em fase
importantes e, em certa medida, contenham
de estabilização das taxas de crescimento
nas denominações locais (favela, slums,
das favelas, enquanto a maior parte da África
pueblos jovenes ou katchi obadi) as raízes
dos processos sociais que as configuram, Sub-Sahariana encontra-se em situação
a verdade é que essa parcela da população gravíssima, devido às já elevadas pro-
torna-se mais expressiva diante da transição porções de população em favelas, somadas
urbana prevista para os próximos anos. às altas taxas de crescimento.
Dessa forma, é importante que esteja claro Humanidade excedente? É a pergunta
sobre o que se está falando ao usar o termo colocada por Davis (2006) para pensar os
favela. processos que se configuram nos limites
Para isso, é necessário avançar em dessa favelização do mundo. A informali-
abordagens metodológicas que permitam dade do mundo econômico cresce lado a
analisar as realidades em termos compara- lado com a população favelada e, mesmo
tivos, caso contrário, dizer que o mundo está que não sejam totalmente coincidentes,
se tornando uma grande favela pode ser se sobrepõem de modo integrado. Enfim,
uma generalização muito pouco significa- aumenta o número de pessoas invisíveis em
tiva. Segundo o State of the world’s cities cidades invisíveis. Invisíveis aos olhos do Es-
2006/7, publicado pela UN-Habitat (2006), tado e alheios ao mercado formal, tornam-se
as taxas de crescimento da população em figurantes em um filme em que os protago-
favelas são equivalentes àquelas para a nistas não querem ser reconhecidos.

1 Segundo definido por um grupo de trabalho em novembro de 2002 pela UN-Habitat, para ser considerada habitação
em favela, o domicílio deve se enquadrar em pelo menos uma das seguintes privações: 1) durabilidade da habitação; 2)
densidade domiciliar máxima de três pessoas por cômodo; 3) acesso suficiente a água potável; 4) acesso a instalações
sanitárias; e 5) posse legal da terra ou alguma forma de proteção legal.

346 R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 24, n. 2, p. 345-347, jul./dez. 2007
Ojima, R. As Cidades Invisíveis

Referências bibliográficas

UN-HABITAT. State of the world’s cities ________. The challenge of slums: global
2006/7. London, Earthscan, 2006. report on human settlements 2003. London,
Earthscan, 2003.

Recebido para publicação em 31/07/2007.


Aceito para publicação em 12/11/2007.

R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 24, n. n. 2, p. 345-347, jul./dez. 2007 347

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