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ABInv

Aprendizagem Baseada na Investigação

Organizado por:
José Armando Valente
Maria Cecília Calani Baranauskas
Maria Cecília Martins

Editora – NIED/UNICAMP
2014 – Campinas/SP
Sistema de Bibliotecas da UNICAMP
Diretoria de Tratamento da Informação
Oscar Eliel – CRB 8/6934

ABInv - Aprendizagem baseada na investigação /


Organizado por José Armando Valente, Maria
Cecília Calani Baranauskas e Maria Cecília Martins.
Ab58 - Campinas, SP: UNICAMP/NIED, 2014.

1 recurso online (371 p.) : digital, arquivo(s) PDF.

ISBN 978-85-88833-09-8.

1. Tecnologia educacional. 2. Aprendizagem base-


ada na investigação. 3. Laptops educacionais. I. Valente,
José Armando. II. Baranauskas, Maria Cecília Calani. III.
Martins, Maria Cecília.

ABInv Aprendizagem Baseada na Investigação 


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Versão.pdf do livro disponível em http://www.NIED.UNICAMP.br/?q=livros

Capas
Gustavo Tomazi
Diagramação & Tratamento de Imagens
Amilcar D’Angelis

Revisão & Edição de Texto


Larissa de Souza Oliveira
Sumário

Sobre os autores 07

Agradecimentos 15

Apresentação 17

Parte 1 – O Projeto, A Metodologia, Dinâmica de Formação 23

Capítulo 1 – Síntese do Projeto Original “O Laptop Educacional e a


Educação Baseada na Investigação:
25
do estudo de fatos científicos para o fazer científico”
– José Armando Valente
Capítulo 2 – ABInv Aprendizagem Baseada na Investigação
– A Metodologia – Maria Cecília Calani Baranauskas e 43
Maria Cecília Martins
Capítulo 3 – Concepções espontâneas, mãos na massa e
reflexões nas práticas de investigação – Dinâmica de Formação
65
– Maria Cecília Martins, Maria Cecília Calani Baranauskas, Larissa de
Souza Oliveira

Parte 2 – O Movimento ABInv na Escola 101

Capítulo 4 – Entre trenas, hortas, pedras e supermercados:


a formação de professores e os efeitos do ABInv na escola 103
– Gislene Basso de Paula e Fernanda Maria Pereira Freire
Capítulo 5 – Estudar Ciência ou Fazer Ciência?
135
– Maria Helena Nogueira de Sá
Capítulo 6 – Já fazemos pesquisa. Que novidade tem essa tal
165
investigação? – Flávia Martins Guimarães Fung
Parte 3 – O ABInv na Sala De Aula 193

Capítulo 7 – Crianças e borboletas: aprendizados


195
e transformações – Juliana Conde e Fernanda Maria Pereira Freire

Capítulo 8 – Alimentação e Saúde: aprendendo investigando


225
– Ellys Sylmara Ferrari Cartarozzi e Maria Helena Nogueira de Sá

Capítulo 9 – Penas e Beterraba: uma história de investigação


249
coletiva. – Sandra Santa Rosa Cozoli e Maria Helena Nogueira de Sá

Capítulo 10 – Investigando um problema bem abaixo dos nossos


273
pés – Maria Luisa Gasparini e Maria Helena Nogueira de Sá

Capítulo 11 – Descobrindo sobre o corpo, a alimentação e a


saúde – Gisele Flávia Oliveira Giachetto, Valéria Alves dos Santos 289
Salgado e João Vilhete Viegas d’Abreu

Capítulo 12 – Investigando a Química Digestiva – Lucia Helena


317
Caldas e Ann Berger Valente

Parte 4 – Considerações Finais 345

Capítulo 13 – Refletindo sobre o ABInv – M. Cecília Martins, M.


Cecília C. Baranauskas, Larissa de Souza Oliveira, José Armando 347
Valente
Sobre os Autores e Equipe do Projeto
Organizadores:

José Armando Valente: Doutor pelo Massachusetts Institute of


Technology - MIT (1983) e Livre Docente pela Universidade Estadual de
Campinas - UNICAMP (2005). É professor Titular do Departamento de
Multimeios, Mídia e Comunicação do Instituto de Artes, pesquisador
do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) e coordenador
do Grupo Gestor de Tecnologias Educacionais (GGTE) da UNICAMP.
É professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Tópicos de pesquisa incluem a criação de ambientes de
aprendizagem baseados no uso de tecnologias digitais na educação e o
estudo do potencial destas tecnologias como ferramenta educacional. 

Maria Cecília Calani Baranauskas: Professora Titular no Instituto de


Computação (IC) e Pesquisadora do Núcleo de Informática Aplicada
à Educação (NIED), UNICAMP. Bacharel e Mestre em Ciência da
Computação e Doutora em Engenharia Elétrica pela UNICAMP (1993).
Foi agraciada com o Diploma do Mérito Educacional “Prof. Darcy
Ribeiro” em 2006 e o ACM SIGDOC Rigo Award em 2010. Interesses
de pesquisa: interação humano-computador em seus diferentes
formalismos (Semiótica Organizacional, Design Universal e Design
Participativo) na análise, design e avaliação de sistemas em contextos
de design para e-Cidadania e e-Inclusão. Tem coordenado e participado
de pesquisas recentes relacionadas à Tecnologia em Educação (ex. XO-
UNICAMP; UCA-UNICAMP; ABInv).

Maria Cecília Martins: Pedagoga (1985). Mestre em Educação (1994) e


Doutora em Multimeios (2003) pela UNICAMP (Universidade Estadual
de Campinas). Desde 1989 atua no NIED (Núcleo de Informática
Aplicada à Educação) da UNICAMP em pesquisas com ênfase em:
Informática na Educação, Formação de Professores, Tecnologias e
Ambientes de Aprendizagem, Tecnologias Interativas na Educação,
Interação Humano-Computador e Semiótica Organizacional. Nos
últimos anos participou de projetos de pesquisas do NIED relacionados
ao uso de Laptops Educacionais nas escolas: Um Computador por
Aluno – UCA-UNICAMP (2009-2012); XO-UNICAMP (2009-2012);
Aprendizagem baseada na Investigação - ABInv (2012-2013).

7
Profissionais da EMEF José Benigo Gomes – Sud Mennucci/SP

Gislene Basso de Paula: Graduada em Matemática pela Faculdades


Integradas Urubupungá (2008) e em Pedagogia, pós-graduada em
Gestão Educacional. É coordenadora Pedagógica da EMEF José Benigo
Gomes, Sud Mennucci, SP. Desenvolveu atividades de gestão e de
formação de professores junto ao Projeto UCA (Um Computador por
Aluno) na escola (2010-2013). Participou do Projeto de Pesquisa ABInv
(Aprendizagem Baseada na Investigação) nos anos de 2012 e 2013 .

Juliana Aparecida dos Santos Souza: Graduada em Normal Superior


pela Faculdades Integradas Urubupungá (2005), Graduada em Letras
(2007) e Pós Graduada em Psicopedagogia (2008). Realizou curso de
Aperfeiçoamento em Tutoria à Distância para o Programa Aluno Monitor
Aprender, em Parceria com a Microsoft. Leciona como professora de
PEB I pela prefeitura municipal de Sud Mennucci/SP. Participou do
Projeto UCA (Um Computador por Aluno) desenvolvendo atividades
pedagógicas com uso de laptops educacionais na EMEF José Benigo
Gomes em 2013.

Profissionais da EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar – Campinas/SP

Flávia Martins Guimarães Fung: Graduada em Pedagogia; especialista


em Gestão Escolar; Metodologia de Ensino, Psicopedagogia, Expertise
em Educação a Distância, Ética Valores e Cidadania; Mestra em
Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida; vinte e oito anos
de experiência como educadora nas funções docente e gestora escolar.
Atuou como coordenadora e tutora de Ensino Superior no modelo
de Educação à Distância e é docente universitária em instituições de
ensino particular. É orientadora pedagógica na Escola Municipal de
Ensino Fundamental de Campinas que participa do Programa UCA (Um
Computador por aluno) desde 2010, atuando como supervisora/apoio
técnico de pesquisa.

8
Gisele Flávia Alves de Oliveira Giachetto: Graduada em Pedagogia
pela Universidade Paulista. Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Tecnologia Educacional. De 2008 e 2010 fez um curso de
pós-graduação na UNICAMP, se formando especialista em: “A Pesquisa
e a Tecnologia na formação docente”. Atua há 13 anos como professora
na Rede Municipal de Campinas, no ensino fundamental. Participa do
Projeto UCA (Um Computador por Aluno) desenvolvendo atividades
pedagógicas com uso de laptops educacionais na EMEF Elza Pellegrini
de Aguiar desde 2010. Projetos midiáticos desenvolvidos na escola:
Alunos Monitores UCA, Rádio na escola, blog como ferramenta
pedagógica e implantação da robótica no currículo do 5º ano.

Lúcia Helena Caldas: Graduada em Ciências Biológicas pela Univer-


sidade Metodista de Piracicaba. Com experiência na área de Educação,
atuando como professora de Ciências no Ensino Fundamental e
Biologia no Ensino Médio onde desenvolveu trabalhos científicos
envolvendo o uso das tecnologias digitais como apresentações e
simulações. Conhecimentos e aplicações na área tecnológica utilizando
à informática aplicada à educação como projetos de aprendizagem
por investigação.  Participa do Projeto UCA (Um Computador por
Aluno) desenvolvendo atividades pedagógicas com uso de laptops
educacionais desde 2010, quando teve início a fase II do projeto piloto
UCA do Ministério da Educação (MEC).

Valéria Alves dos Santos Salgado: Graduada em Pedagogia pelo


Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (2001). Pós-graduada
(2012) em Ensino de Ciências e Matemática para os anos iniciais,
pela Faculdade da Educação da UNICAMP. Atua como Professora no
ensino fundamental da Rede Municipal de Campinas desde 2000, e
como professora na rede estadual desde 1991. Utiliza Tecnologia na
Escola desde 2004. Participou do Projeto UCA (Um Computador por
aluno) desenvolvendo atividades pedagógicas com uso de laptops
educacionais na EMEF Elza Pellegrini de Aguiar de 2010 a 2013. Projetos
midiáticos desenvolvidos na escola: Alunos Monitores UCA, Rádio na
escola, Robótica Educacional e blog.

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Profissionais da EMEF Dr. Airton Policarpo – Pedreira/SP

Ellys Sylmara Ferrari Cartarozzi: Graduada em Pedagogia pela


Universidade Estadual de Campinas (2005). É professora de Educação
Básica I da EMEF Dr. Airton Policarpo e professora do EJA (Educação
de Jovens e Adultos) da Secretaria Estadual de Educação. Tem
experiência na área de Educação há 27 anos, com ênfase em Ensino-
Aprendizagem. Participa do Projeto UCA (Um Computador por
Aluno) desenvolvendo atividades pedagógicas com uso de laptops
educacionais na EMEF Doutor Airton Policarpo desde 2010. É bolsista
do CNPq desde 2012, realizando experimentos de pesquisa e tecnologia
na escola.

Maria Luisa Gasparini: Graduada em Pedagogia Pela Universidade


Estadual de Campinas. Atua na área de educação no Ensino Funda-
mental e Educação Infantil no município de Pedreira – SP, desde 1989.
Participa do Projeto UCA (Um computador por Aluno) desenvolvendo
atividades pedagógicas com uso de laptops educacionais na E.M.E.F.
“Dr. Airton Policarpo” (Pedreira-SP) desde 2010.

Sandra Santa Rosa Ramos Cozoli: Graduada em História e Pedagogia,


conclusão em 1995 e 1997, pela Faculdade de Ciências e Letras “Plínio
Augusto do Amaral”, atual UNIFIA. Pós-graduada em psicopeda-
gogia na Metrocamp, conclusão em 2004. Atualmente é aluna do
curso de Artes Visuais – FAAL – Faculdade de Administração e Artes
de Limeira - concluirá em 2014. Tem experiência na área de educação,
lecionando desde o ano de 1991 tanto na área infantil, como no ensino
fundamental I (séries iniciais); No ano de 2004 foi coordenadora das
EMEIs Prefeitura Municipal de Pedreira; Participa do Projeto UCA
(Um Computador por Aluno) desenvolvendo atividades pedagógicas
com uso de laptops educacionais na EMEF Doutor Airton Policarpo
desde 2010.

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Equipe do projeto ABInv junto ao NIED (Núcleo de Informática
Aplicada à Educação)-UNICAMP

Ann Berger Valente: Graduada em Desenvolvimento da Criança do


Eliot Pearson Dept of Child Study - Tufts University (1979). Mestre em
Tecnologia Educacional no School of Education - Harvard University
(1982) e Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de
Campinas (1998) na área de neurologia. Tem experiência nas áreas de
Tecnologia na Educação, Monitoramento e Avaliação, Desenvolvimento
Social e Educação Especial. Atuou cerca de 10 anos como especialista
de informática no ensino fundamental e participou como pesquisadora
no Projeto ABInv. Atualmente é consultora da UNESCO no estudo de
políticas de tecnologias digitais no âmbito do Programa UCA. Também
é membro do conselho deliberativo do CDI-Campinas.

Fernanda Maria Pereira Freire:  Graduada em Fonoaudiologia na


Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1984); mestrado (1999)
e doutorado (2005) em Linguística pela Universidade Estadual de
Campinas. Fez pós-doutorado no Instituto de Computação (IC) pela
Universidade Estadual de Campinas. É pesquisadora do Núcleo de
Informática Aplicada à Educação (NIED) e professora participante do
Programa de Pós-graduação em Linguística do Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL) na Universidade Estadual de Campinas. Atua nas
áreas de Informática na Educação, Educação à Distância, Linguagens e
Tecnologias, Neurolinguística. 

Jacqueline de Oliveira Veiga Iglesias: Graduada em Licenciatura Plena


em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Goiás - Unidade
Universitária Morrinho (2009). Mestranda na Faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Especialista em
Psicopedagogia Educacional e Clínica pelo Instituto Adventista de
São Paulo (IASP) (2012). Em 2012 participou do Projeto de Pesquisa
“Aprendizagem Baseada na Investigação“ (ABInv) desenvolvido pelo
Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) da Universidade
Estadual de Campinas.

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Jane Patrícia Santin Santana: Graduada em Matemática pela Univer-
sidade Bandeirante de São Paulo (1999) e em Pedagogia pelo Centro
Universitário UNISEB (2011). Pós-graduada Matemática da Educação
pela Faculdades Integradas Urubupungá (2005) e em Gestão Educa-
cional pela Faculdade Interativa COC (2009). É professora desde 1997,
na área de exatas. Exerceu a função de professor coordenador e
assessor pedagógico junto à Secretaria de Educação de Sud Mennucci.
Atualmente é Gestor Educacional da EMEF José Benigo Gomes.
Participa do Projeto UCA (Um Computador por Aluno) desenvolvendo
atividades pedagógicas com uso de laptops educacionais na EMEF
José Benigo Gomes desde 2010 e em 2012 participou do Projeto ABInv.

João Vilhete Viegas d’Abreu: Graduado em Engenharia Elétrica/


Eletrônica (1986). Mestre em Engenharia Eletrônica (1994) e Doutor
em Engenharia Mecânica (2002), ambos pela UNICAMP. Desenvolve
pesquisas que envolvem a utilização da Robótica Pedagógica
para implementação de ambientes de aprendizagens, ferramentas
computacionais, tecnologia educacional e formação continuada de
professores. Coordenou projetos de desenvolvimento de dispositivos
robóticos para pessoas com deficiência e tecnologias e mídias
interativas na escola. Atuou na implementação da Robótica Pedagógica
no projeto UCA/UNICAMP. É pesquisador e atual coordenador do
Núcleo de Informática Aplicada à Educação - NIED/UNICAMP.

Larissa de Souza Oliveira: Graduada em Letras pela Faculdade


Anhanguera de Campinas (2009) e graduanda em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Atua como Revisora
de Textos e atualmente é pesquisadora bolsista do NIED (Núcleo de
Informática Aplicada à Educação) no Projeto ABInv. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Ensino de Língua Portuguesa,
Tecnologia Educacional e Educação Não Formal.

Manoel Lourenço Filho: Graduado em Ciências Econômica, formado


pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Pós-
graduado em Economia Financeira pelo Instituto de Economia da
UNICAMP e, com Capacitação em Gestão de Projetos pela Faculdade
de Engenharia Química da UNICAMP. Atua no Núcleo de Informática
Aplicada à Educação (NIED/UNICAMP) na função de Economista.

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Marciel Consani: Doutor em Ciência da Comunicação pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP, 2008),
com Mestrado (IA-UNESP, 2003) e graduado em Artes/Música, possui
Licenciatura Plena em Educação Artística e Especialização em Tecnologia
da Educação (PUC-SP). Atualmente é pós-doutorando vinculado ao
Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Universidade Estadual
de Campinas (NIED-UNICAMP) e professor do curso de Licenciatura
em Educomunicação do Centro de Comunicação e Artes (CCA) da
ECA/USP. Com experiência em produção de materiais didáticos nas
áreas de EaD, Mídia e Artes, atua, principalmente, na formação de
comunicadores e educadores.

Maria Helena Nogueira de Sá: Graduada em Educação, curso de


Pedagogia, pela Universidade Estadual de Campinas (1980). Mestre em
Educação pelo Departamento de Administração Escolar, Universidade
Estadual de Campinas (1995). Diretora e coordenadora pedagógica
da rede particular de ensino em escolas de Educação Infantil e
Ensino Fundamental I, desde 1988. É formadora do Projeto UCA (Um
Computador por Aluno) desenvolvendo atividades pedagógicas com
uso de laptops educacionais na EMEF Doutor Airton Policarpo desde
2011.

Sylas de Oliveira dos Santos: Graduado em Educação Física, com


licenciatura plena, pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie. Especialista
em Treinamento Personalizado pela UniFMU, e em Gestão do
Currículo na área da Educação pela USP. Atua na área de Atividades
Físicas, com carreira em academias de Médio/Grande porte. Tem
experiência como personal trainer, instrutor, professor e coorde-
nador, com destaque para o desenvolvimento e coordenação de
atividades de qualidade de vida e avaliação física. Atualmente atua
como professor-coordenador na área da educação com tecnologia.
Atua na educação pública desde 2006. Participou do Projeto UCA
(Um Computador por Aluno) na EE Jamil Pedro Sawaya, São Paulo, SP
(2011-2012).

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14
Agradecimentos
Este livro foi possível graças a várias parcerias estabelecidas ao
longo do Projeto de pesquisa, ao apoio e esforço de muitas
pessoas e instituições.
Agradecemos aos autores que abrilhantaram essa obra
com o produto do trabalho que desenvolvem na escola.
A todos os membros que integraram a equipe de pesquisa
pelo apoio e realização de várias frentes de trabalho que um
projeto deste porte demanda.
Ao Núcleo de Informática Aplicada à Educação da
UNICAMP (NIED), pelo apoio a viabilização deste Projeto de
pesquisa desde a sua concepção.
Ao apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) para o projeto de pesquisa referenciado
neste livro (processo #550382/2011-9).
Ao Ministério da Educação (MEC), pelo aporte financeiro
para desenvolvimento de ações de formação articuladas à
pesquisa. Assim, em 2013, 6 bolsistas atuaram como formadores
no curso FCABInv (Formação continuada para implantação da
metodologia de Aprendizagem Baseada na Investigação) realizado
no período de junho a novembro.
Às Secretarias de Educação Básica dos municípios de
Campinas, Pedreira, Sud Mennucci e São Paulo que viabilizaram
a participação das escolas na pesquisa bem como o afastamento
e deslocamento dos professores e gestores para as atividades
de formação realizadas na UNICAMP em Campinas. Estes órgãos
também mantiveram nas escolas o apoio técnico ao uso dos
laptops educacionais UCA (Um computador por Aluno). Ao NTE,
que no caso de Campinas, operacionalizou este apoio técnico na
escola deste município participante da pesquisa.
Aos profissionais que participaram direta ou indiretamente
deste Projeto de pesquisa nas três escolas municipais: EMEF
José Benigo Gomes (Sud Mennucci - SP), EMEF Professora Elza
Maria Pellegrini de Aguiar (Campinas - SP), EMEF Doutor Airton
Policarpo (Pedreira - SP). Aos profissionais da Escola Estadual
Professor Jamil Pedro Sawaya do município de São Paulo que

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participaram de atividades iniciais deste Projeto de pesquisa,
em especial a diretora Marcia Aparecida Ramos e o coordenador
pedagógico Sylas Oliveira Santos.
Especial agradecimento aos diretores: Edna Aparecida de
Faria da escola de Pedreira-SP; Nislei Regina Prudêncio (2012) e
Jane Patrícia Satin Santana (2013) da escola de Sud Mennucci-SP;
Luis Gustavo Merlo (2012) e Cleodice Ferreira Machado (2013)
da escola de Campinas-SP. Estes diretores desde 2010 firmaram
parcerias das escolas com a Universidade essenciais para ações
de implantação e formação UCA-UNICAMP bem como com o
projeto de pesquisa ABInv em 2012 e 2013.
Além dos profissionais das escolas, agradecemos também
pais e alunos que ativamente participaram de atividades desta
pesquisa em suas unidades escolares.
A todos, nosso profundo reconhecimento e agradecimento.

Os organizadores.

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Apresentação
M. Cecília Martins1
M. Cecília C. Baranauskas1, 2
José Armando Valente1, 3

Este livro reflete resultados do projeto de pesquisa ABInv


(Aprendizagem Baseada na Investigação) realizado nos anos de
2012 e 2013 envolvendo três escolas públicas municipais das
cidades de Pedreira, Sud Mennucci e Campinas, no Estado de
São Paulo. Estas escolas participaram desde 2010 do Projeto
UCA (Um Computador por Aluno), iniciativa do Governo Federal
que viabilizou recursos para formação de profissionais e para a
implantação de laptops educacionais em espaços escolares. O
objetivo do nosso projeto de pesquisa neste contexto era estudar
o impacto da abordagem educacional baseada na investigação
nas práticas pedagógicas, nas atividades curriculares, no uso de
laptops educacionais e na aprendizagem dos alunos.
O trabalho com tecnologias em processos educacionais
oferece desafios fascinantes quando o centramos nas pessoas,
suas ações, interações sociais e aprendizagens que estabelecem
ao longo de suas vidas. Estes desafios envolvem tomar contato
com as especificidades das máquinas integrando-as ao que
fazemos, pensamos, nos contextos em que vivemos e em
momentos diferenciados de nossas ações. Envolvem ainda
prospectar e promover cenários educacionais nos quais os atores
do cotidiano escolar (alunos, professores, gestores, funcionários)
possam vivenciar ações potencializadoras de suas possibilidades
enquanto indivíduos que pensam, sentem, realizam ações,
expressam suas ideias, dúvidas e constantemente, ao logo da
vida, aprendem e se desenvolvem a partir das reflexões que
realizam.

1 Núcleo de Informática Aplicada à Educação, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).


2 Instituto de Computação, Departamento de Sistemas de Informação, Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP).
3 Instituto de Artes, Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação, Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP).

17
Falar de tecnologias na educação envolve ainda prover
tempos e espaços da escola para realização de encontros de
formação de profissionais com o compartilhamento de reflexões
sobre “ensino e aprendizagem”, sobre as práticas pedagógicas
colocadas em ação com o uso de tecnologias. Este fazer
educacional implica centrar a atenção nos alunos, em como as
tecnologias, que estão inseridas em suas vidas, poderiam favorecer
os aprendizes em seus desenvolvimentos. Nestes termos,
portanto, pesquisar sobre tecnologias na educação mais do que
ver o que a tecnologia pode fazer para as pessoas, leva-nos para
o que as pessoas querem fazer com a tecnologia, quais demandas
emergem, como incrementar a tecnologia (equipamentos,
interfaces e aplicativos) de forma a atender e promover a atuação
dos indivíduos. Situando este contexto de pesquisa em escolas,
interessa-nos pensar nos aprendizes, que conhecimentos trazem
consigo, quais curiosidades e questionamentos lançam e, ainda,
que cenários educacionais podem ser encaminhados de forma
a potencializar os vários percursos do seu desenvolvimento, as
ações e reflexões que realizam, bem como as interações sociais
que estabelecem.
É neste contexto que este Livro está inserido, abordando
os fundamentos, o processo de encaminhamento e resultados
obtidos no Projeto ABInv (Aprendizagem baseada na Investigação).
“Aprendizagem baseada na Investigação“ é uma
perspectiva de pesquisa que busca conciliar alguns fatores que
viabilizam ambientes de aprendizagem necessários ao contexto
educacional atual, entre eles o envolvimento de professores e
alunos em situações práticas de processos de investigação
científica relacionadas ao cotidiano; a alocação de recursos
financeiros e tecnológicos para subsidiar ações articuladas à
prática escolar, espaços para a formação, orientação e a troca de
ideias entre professores; contextos para proposição, discussão e
divulgação dos trabalhos desenvolvidos.
O fomento a processos de aprendizagem baseados na
investigação científica nas escolas foi promovido pelas dinâmicas
de trabalho encaminhadas pela equipe de pesquisadores do
Projeto ABInv em Seminários de Formação realizados com a equipe

18
de professores e gestores vinculados a este contexto de formação
e pesquisa. Os Seminários de Formação e Acompanhamento –
presenciais e a distância (via Web-Conferências) – eram realizados
com esta equipe de pesquisa e representantes das escolas que
assumiram o compromisso de fomentar o envolvimento de outros
professores bem como de seus alunos no desenvolvimento de
cenários a serem realizados em suas escolas.
O processo de formação na ação dos profissionais
envolvidos neste contexto de pesquisa (professores, gestores,
pesquisadores) se desenvolveu com foco na realidade da escola
e no contexto da sala de aula com o uso dos laptops educacionais
por professores, alunos e gestores, tendo como pressupostos a
interação e a reflexão sobre a prática pedagógica, o currículo,
as tecnologias e a abordagem da aprendizagem baseada na
investigação. A metodologia de formação continuada e pesquisa
encaminhada no Projeto ABInv procurou apresentar referenciais
iniciais para que as escolas identificassem outras perspectivas
para realizar mediações com seus alunos, desenvolvendo um
trabalho pedagógico focado em contextos que potencializam a
aprendizagem baseada na investigação científica. Nesta situação,
os professores e gestores puderam também assumir um papel
de investigador, projetando suas hipóteses para as respostas dos
alunos sobre um dado contexto, conceito, fenômeno ou tema.
Puderam também gerar registros de dados (desenhos, imagens,
relatos, falas dos alunos), e realizar análises e reflexões sobre os
resultados obtidos na investigação realizada com a classe. Assim,
esta vivência serviu para mostrar a relevância de se estimular
o interesse, a curiosidade, seja da criança ou do adulto, em
compreender o processo pelo qual atribuímos sentido ao mundo
e descobrimos ou criamos relações.

SOBRE O LIVRO: CONCEPÇÃO E DESIGN

Este livro surge nas dinâmicas de trabalho encaminhadas nos


Seminários de Formação do Projeto, como uma forma de registrar,
documentar e refletir sobre o trabalho desenvolvido e seu
percurso. Como todas as atividades encaminhadas ao longo do

19
Projeto, a concepção e escritura do livro também foram resultados
de dinâmicas específicas pensadas para esse fim e realizadas nos
encontros de formação. A começar pela definição do formato
para o livro. Uma das dinâmicas do III Seminário (Setembro 2013)
envolveu a análise de prós e contras de 3 formatos possíveis: o
tradicional (acadêmico), o formato de narrativa ilustrada e o de
história em quadrinhos. A partir de exemplos de cada um dos
formatos e de discussão de vantagens e desvantagens de cada
um frente aos objetivos do livro, os participantes decidiram pela
narrativa ilustrada.
Sobre o conteúdo, ficou definido que os capítulos ilustra-
tivos do trabalho nas escolas estariam organizados segundo
uma estrutura contendo: uma seção de Introdução para situar
a Escola, Tema trabalhado, características da Classe envolvida;
uma seção para contar sobre o experimento considerando os
itens do processo de investigação; e finalmente uma seção de
Reflexão sobre o aprendizado na investigação realizada na escola
contendo a voz do professor, a voz do aluno e a do pesquisador.
Assim, por exemplo, os capítulos da Parte 3 são textos
escritos pelos professores envolvidos no Projeto na escola,
incluindo a voz do pesquisador que interagia com o professor
no encaminhamento dos cenários de investigação com seus
alunos. Essa escrita também foi trabalhada em uma dinâmica
do IV Seminário (Outubro de 2013), envolvendo a produção de
um pôster, confeccionado com cartolina, tesoura, cola e canetas
coloridas, que organizasse a narrativa que seria contada no
capítulo em questão. Esse “exercício” foi realizado pelo professor
com apoio do pesquisador com o qual interagia na prática
do Projeto; cada pôster, apresentado para todos e discutido,
representou o design dos capítulos da Parte 3.
Dessa maneira, o livro é um produto do trabalho conjunto
e articulado de todos os envolvidos e está organizado em
quatro Partes: a primeira apresenta a concepção do Projeto, as
bases metodológicas que permearam o seu desenvolvimento
e as dinâmicas de formação encaminhadas nos dois anos de
realização da pesquisa. A segunda parte apresenta o movimento
do Projeto na Escola na perspectiva dos gestores e supervisores

20
que atuaram e refletiram sobre esse processo. A terceira parte
apresenta a percepção dos professores e pesquisadores, na
medida em que conta sobre as dimensões práticas do Projeto
em sala de aula. A quarta parte propõe uma reflexão geral acerca
de todo o trabalho desenvolvido nesses dois anos.
Dessa forma, a Parte 1 apresenta um aprofundamento
teórico dos nossos pressupostos ao pensar nesse Projeto. Ela
também trata da metodologia que pensamos e que serviu de
base para propor as dinâmicas de formação e acompanhamento
do trabalho dos pesquisadores, supervisores e professores que
estavam em ação nas escolas.
A Parte 2 do livro é composta por três capítulos que
apresentam os percursos do Projeto em cada uma das escolas
evidenciando como os cenários de investigação ocorreram
nestas trajetórias. Nas escolas, desde o início do Projeto, havia um
trabalho compartilhado entre a gestão escolar e os professores
participando da concepção e implantação de cenários de
investigação científica com os alunos. Essa característica foi
fortemente explorada pelas supervisoras do Projeto ABInv na
escola e os resultados são tratados nesses capítulos.
A Parte 3 retrata a visão dos professores bolsistas do Projeto
que desenvolveram cenários de investigação com suas classes.
Em cada um destes relatos há também a visão do pesquisador
que esteve envolvido diretamente com a metodologia científica
proposta pelo Projeto ABInv e viabilizada nas escolas.
Na Parte 4 fazemos uma síntese dos principais pontos de
destaque dos trabalhos dos supervisores, professores, pesqui-
sadores e alunos que participaram ativamente deste Projeto,
o que aprenderam, no que se desenvolveram, identificando
as semelhanças e diferenças nos contextos das três escolas.
Também apresentamos traços da meta reflexão que cada um dos
participantes trouxe ao nosso último encontro de formação, o V
Seminário ABInv, ocorrido em Dezembro de 2013.

Boa Leitura!

21
Capítulo 1 - Visão Geral do Projeto
“O Laptop Educacional e a Educação
Baseada na Investigação: do estudo de
fatos científicos para o fazer científico”
José Armando Valente

INTRODUÇÃO

A ideia para a elaboração desse Projeto surgiu de duas situa-


ções que ocorreram quase que simultaneamente, porém em
contextos diferentes. Uma foi a partir de um levantamento da
literatura sobre o uso de laptops na educação quando encontrei
um documento baseado em uma entrevista com Alan Kay,
primeiro pesquisador a propor, em 1968, que cada criança tivesse
o seu próprio computador. Embora ele tenha feito essa proposta
quando ainda nem existia a ideia do computador pessoal, assim
que os laptops começaram a chegar às mãos dos alunos na
primeira década dos anos 2000, Kay notou que, diferentemente
do que ele esperava, os recursos oferecidos por essas máquinas
não estavam sendo usados para que os alunos pudessem fazer
ciência, mas estavam sendo utilizados em um contexto no qual
os alunos continuavam a serem ensinados sobre ciências.
A outra situação ocorreu visitando escolas que estavam
implantando os laptops em suas práticas. Quando perguntava
aos professores e alunos como eles estavam usando essas
tecnologias, em geral eles reportavam que estavam usando os
laptops para “fazer pesquisa”. Na verdade, quando observado
sobre o que realmente realizavam, “fazer pesquisa” significava
utilizar o Google para buscar alguma informação na internet ou
em alguma base de dados.
Assim, o presente Projeto foi proposto com a intenção
de criar nas escolas que estavam participando do Projeto Um
Computador por Aluno (Projeto UCA), vinculadas ao Núcleo
de Informática Aplicada à Educação (NIED) da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), as condições para que os
Parte 1

alunos pudessem utilizar os laptops para desenvolver atividades


no sentido do “fazer científico” e, com isso, poder dar um passo
além da fase de somente estudar fatos científicos.
A proposta de Kay para que cada aluno tivesse o seu
computador foi realizada em 1968, após ter visitado Seymour
Papert no Massachusetts Institute of Technology (MIT), quando
esse pesquisador estava iniciando seu trabalho com o Logo. Kay
ficou impressionado com o fato de as crianças estarem usando o
computador para resolver problemas complexos de matemática e
entendeu que cada criança deveria ter o seu computador portátil.
A proposta de Kay foi materializada em 1972 com o Dynabook,
desenvolvido pelo Learning Research Group (LRG), criado por
Kay, como parte do laboratório Xérox Park (KAY, 1975).
O Dynabook foi criado pensando nas crianças e na
educação. A proposta era que cada criança usasse esse
computador para concretizar suas ideias por meio da construção
de simulações. As crianças poderiam simular fenômenos de
ciências e com isso aprender sobre modelos, sobre conteúdos
de física, química, biologia e de matemática, usados no processo
de modelagem. Assim, mais do que o hardware ou software, Kay
idealizava seu computador portátil como um meio para expressar
e comunicar o que as crianças estavam pensando; deveria ser
como um instrumento musical com o qual o usuário desenvolve
uma relação pessoal e usa o instrumento para fazer música. O
Dynabook deveria ser um instrumento cuja música seria as ideias
(THE BOOK AND THE COMPUTER, 2002; KONGSHEM, 2003).
A possibilidade de cada aluno ter o seu próprio computador
começou a ser concretizada em 1989, quando o Methodist
Ladies’ College, em Melbourne, Austrália, propôs que cada aluna
da 5ª série1 tivesse o seu computador pessoal. Essa experiência
se estendeu para as demais séries, até que todas as alunas da 5ª
à 12ª série tivessem o seu próprio laptop (JOHNSTONE, 2003). O
“P” do denominado “PC – Personal Computer” foi levado a sério
e os computadores eram literalmente pessoais (STAGER, 2003).

1 Optamos por manter a nomenclatura “série” ao invés de “ano” – atualmente adotada pelo
sistema educacional brasileiro – para facilitar a referência à bibliografia consultada que ainda usa
tal denominação.

26
Capítulo 1

Desde 2001 diversas escolas e sistemas educacionais nos Estados


Unidos da América também passaram a implantar laptops para
cada aluno – 1-1 laptop, ou 1-1 computing, como é conhecido.
Os argumentos para o uso dos laptops na situação 1-1,
em geral, versam sobre a melhora do desempenho do aluno
nos assuntos disciplinares, avaliada pelos testes nacionais ou
internacionais, inclusão social de alunos de classes socioeco-
nomicamente desfavorecidas e preparação para o mercado de
trabalho. No entanto, os resultados que mais se sobressaem das
experiências tratadas na literatura indicam que a maior parte dos
projetos está em uma fase de adaptação ao uso da tecnologia.
As evidências indicam que houve melhora substancial em alguns
aspectos, porém nenhuma mudança significativa foi observada,
principalmente nos resultados dos testes de avaliação sobre o
desempenho do aluno nas disciplinas curriculares (VALENTE,
2011).
Para alguns pesquisadores mais críticos essas evidências
não são suficientes para justificar os gastos e os problemas
enfrentados na implantação de projetos usando os laptops na
situação 1-1. O próprio Kay tem manifestado em artigos e
entrevistas que somente implantar ou prover acesso aos com-
putadores ou laptops não vai alterar a maneira como a educação
é desenvolvida, muito menos esperar que essa tecnologia
tenha um impacto significativo no desempenho dos alunos.
Os computadores só fazem sentido se forem implantados para
enriquecer o ambiente de aprendizagem e se nesse ambiente
existir as condições para favorecer o aprendizado de cada aluno.
Nesse caso, os computadores são extremamente importantes
para a criação dessas condições – eles passam a ser necessários
como um instrumento musical para produzir música!
Porém, na visão de Kay esses ambientes de aprendizagem
não estão sendo implantados. Muito pelo contrário. Ele observou
que a maneira como, por exemplo, Ciência é tratada na escola,
não tem nenhuma relação com o fazer ciência. Não é dada
ao aluno a oportunidade de lidar com as incertezas, com os
questionamentos, com os modelos incompletos ou imprecisos,
que podem ser depurados com a ajuda das tecnologias, dos

27
Parte 1

colegas, do professor ou de especialistas (THE BOOK AND THE


COMPUTER, 2002). Em geral, os computadores são usados para
acessar fatos já confirmados, para reproduzir grande parte do
que é feito com o lápis e papel, como pode ser apreendido dos
diversos estudos relativos à implantação dos laptops em algumas
escolas. De fato, quando perguntamos aos professores de
algumas escolas brasileiras, que estão implantando os laptops na
situação 1-1, como essa tecnologia está sendo usada, a resposta
mais comum é “para fazer pesquisa”. No entanto, “fazer pesquisa”
significa buscar informação na internet, corroborando com o que
Kay já havia observado. Nesse sentido realmente a concepção de
Kay sobre o Dynabook ainda permanece como um sonho.
Por outro lado, o desenvolvimento de novas propostas
tecnológicas, como laptops mais baratos e voltados para as
necessidades educacionais, e o grande desejo de provocar
mudanças nos sistemas educacionais têm contribuído para a
disseminação de projetos usando laptops na situação 1-1.
O Projeto UCA (Um Computador por Aluno) implantado
pelo Ministério da Educação (MEC/SEED, 2007) prevê, entre as
mudanças a serem realizadas com a introdução dessas tecno-
logias na escola, a alteração na maneira como os assuntos
curriculares são trabalhados em sala de aula. Isso não significa
a alteração dos conteúdos curriculares, mas propor uma nova
abordagem pedagógica baseada na investigação com o obje-
tivo de criar a possibilidade de o aluno vivenciar as concepções
propostas por Kay, no sentido do aluno, por exemplo, fazer
ciência ao invés de estudar os conhecimentos acumulados
sobre ciências. Porém, como já foi mencionado por Kay,
somente a presença das tecnologias não garante as mudanças
pedagógicas tão necessárias e desejadas. Assim, o projeto “O
Laptop Educacional e a Educação Baseada na Investigação: do
estudo de fatos científicos para o fazer científico” ou “Projeto ABInv
- Projeto Aprendizagem Baseada na Investigação”, como ficou
conhecido, desenvolvido com o apoio do CNPq2, foi elaborado

2 Projeto financiado pelo CNPq, Número do processo: 550382/2011-9. Agradeço a colabo-


ração das colegas do NIED, Maria Cecília C. Baranauskas, e Maria Cecília Martins no desenvolvi-
mento do Projeto.

28
Capítulo 1

para responder as seguintes questões: como fomentar processos


de mudanças nas atividades de sala de aula no sentido de
implantar uma abordagem pedagógica baseada na investigação?
É possível identificar a passagem do “estudar fatos científicos”
para situações nas quais professores e alunos estão engajados
em processos de “fazer ciência”?

O QUE SIGNIFICA ABORDAGEM PEDAGÓGICA BASEADA NA


INVESTIGAÇÃO?

Nas últimas semanas do ano de 2010 os principais sites de notícias


como UOL, Terra, mencionaram um fato importante do ponto de
vista educacional e científico. Crianças de 8 a 10 anos publicaram
o resultado de um trabalho científico no Biology Letters da Royal
Society do Reino Unido, sobre a visão das abelhas e a capacidade
delas relacionarem cor e espaço (BLACKAWTON, 2010). Um
aspecto interessante desse trabalho foi o fato de ter sido realizado
pelas crianças, com ajuda de um cientista da universidade local
e do professor da classe. Os alunos idealizaram as questões,
desenvolveram as hipóteses sobre as respostas, propuseram os
experimentos (ou “games” como eles descreveram) para testar as
hipóteses, desenharam as figuras com lápis e papel, analisaram
os resultados e escreveram o relatório. O cientista e o professor
orientaram o trabalho do ponto de vista educacional e o cientista
treinou as abelhas e transcreveu as palavras dos alunos em um
texto. Esse trabalho foi realizado fora do domínio da sala de aula
e, como consta no texto publicado, mostrou que fazer ciência
“real” em espaços públicos pode estimular o interesse das
crianças e dos adultos em compreender o processo pelo qual
nós atribuímos sentido ao mundo. Outro aspecto interessante
desse trabalho é como ele foi pensado: como games, ou seja,
brincadeiras com regras.

“Brincadeiras permitem que os seres humanos (e


outros mamíferos) descubram (e criem) relações e
padrões. Quando se adiciona regras para jogar, um
game é criado. Esta é a ciência: o processo de brin-
car com regras que permitem que se revelem pa-

29
Parte 1

drões inéditos de relações que possam estender


nossa compreensão coletiva da natureza e da na-
tureza humana. Quando pensada dessa maneira,
a educação científica se torna um processo mais
esclarecido e intuitivo de fazer perguntas e elabora-
ção de games para abordar essas questões. Mas,
porque o resultado de todo game é imprevisível,
fomentar essa “bagunça”, motor da ciência, é funda-
mental para a boa educação científica (e mesmo a
educação criativa em geral)”. (BLACKAWTON, 2010).

Se esses alunos da Blackawton conseguiram “fazer ciência


real”, por que nossos alunos não podem fazer o mesmo?
A abordagem que está sendo proposta do aprender pela
investigação pode ser enquadrada no que tem sido descrito
como “educação pela pesquisa” (BAGNO, 2010; DEMO, 2007;
MARTINS, 2005; NOVA ESCOLA, 2010). Pesquisa levada a sério,
como definida por Bagno (2010, p. 18) – “a investigação feita
com o objetivo expresso de obter conhecimento específico e
estruturado sobre um assunto preciso”. No entanto, como afirma
Bagno (2010), a pesquisa pode abranger um amplo espectro
desde ações mais corriqueiras do dia a dia, até mesmo o
desenvolvimento da ciência, o avanço tecnológico e a formação
de pesquisadores. Infelizmente, no contexto escolar, a “pesquisa”
tem sido interpretada e usada para substituir provas ou outros
meios de avaliar os alunos. Em geral, “fazer um trabalho de
pesquisa” se resume na criação de grupos de alunos para levantar
informação sobre um determinado assunto e relatar em um texto
o resultado dessa pesquisa, a ser entregue para o professor.
No sentido de evitar diferentes interpretações sobre o que
está sendo proposto como aprendizagem pela investigação, foi
enfatizado o aspecto da investigação científica, preservando
as características fundamentais de uma pesquisa científica,
ou seja, a formulação de questões que sejam de interesse dos
alunos e cuja temática conste do currículo escolar; a definição
de um projeto com objetivos claros e bem definidos; a busca da
informação em fontes confiáveis para o embasamento teórico
da questão; realização de ações práticas para a obtenção de
dados, análise e interpretação desses dados; produção de meios

30
Capítulo 1

para representar e documentar os resultados alcançados; e


divulgação e socialização dos resultados da investigação. Ou
seja, criar condições para que os alunos de todos os anos do
ensino básico possam estar envolvidos com os fundamentos
da pesquisa científica e com isso possam aprender sobre os
conteúdos envolvidos no desenvolvimento de um projeto de
investigação – sobre como fazer uma pesquisa científica, sobre
os recursos tecnológicos envolvidos na realização das diferentes
ações e tarefas, e aprender a aprender (VALENTE, 2008).
O termo “aprendizagem baseada na investigação” tem sido
usado no contexto internacional. Em um artigo que apresenta os
resultados de uma análise preliminar de trabalhos científicos da
área de ensino de ciências que adota a metodologia de pesquisa
baseada em design (PBD), para pesquisa e desenvolvimento de
ambientes educativos mediados pelas tecnologias de informação
e comunicação (TIC), Ramos, Giannella e Struchiner (2009)
afirmam que “A teoria norteadora mais adotada para fundamentar
essas pesquisas e orientar o desenvolvimento das intervenções
educativas foi a da aprendizagem baseada em investigação”.
Esses autores afirmam ainda que:

“Essa abordagem vem sendo apontada no campo


do Ensino de Ciências como um dos possíveis cami-
nhos para superar modelos tradicionais de ensino-
aprendizagem. Segundo Savery (2006), a abordagem
da aprendizagem baseada em investigação se origina
da filosofia de John Dewey, que pressupõe como
ponto de partida do processo de aprendizagem, a
curiosidade do aluno. Essa teoria pressupõe que
apenas a transmissão de fatos científicos não é
suficiente para desenvolver o conhecimento dos
estudantes sobre os fenômenos estudados (DEHAAN,
2005; HOLLIMAN; SCALON, 2004) e, na prática, in-
cluem uma série de etapas, como “formular questões
autênticas e significativas, planejar tarefas, coletar
recursos e informações” (KRAJCIK, 2002, p. 411)”.
(RAMOS; GIANNELLA; STRUCHINER, 2009).

Os resultados observados por Ramos, Giannella e Struchiner


(2009) estão em consonância com o trabalho de Littleton,

31
Parte 1

Scanlon e Sharples (2012), editores do livro “Orchestration


Inquiry Learning”, cujo conteúdo é dedicado à elaboração de
teorias e exemplos práticos sobre “inquiry learning”. Esse termo
foi traduzido por “aprendizagem pela investigação” uma vez
que no campo da Ciência, a melhor tradução para “inquiry” é
“investigação”. Dentre as diferentes definições apresentadas no
livro para o “inquiry learning”, a que mais se adapta ao que está
sendo trabalhado no Projeto ABInv é a utilizada pela National
Science Foundation:
“Aprendizagem baseada na “investigação” envolve
um processo de exploração do mundo natural e ma-
terial, e que leva a fazer perguntas, fazer desco-
bertas, coletar dados para responder as questões,
e testar rigorosamente as descobertas na busca de
nova compreensão”. (SCANLON; ANASTAPOULOU;
KERAWALLA, 2012, p. 8)

Outro aspecto que chama atenção no trabalho de Ramos,


Giannella e Struchiner (2009) é o fato de a metodologia abordada
ficar restrita ao âmbito da ciência. Na verdade, como menciona
Bagno (2010), a investigação pode ser utilizada em todas as
áreas, como em língua portuguesa, arte, história, matemática.
Além disso, a investigação não precisa estar restrita a uma classe
ou a uma determinada série, podendo envolver a escola toda,
uma classe, um grupo de alunos ou mesmo um aluno.

OBJETIVOS DO PROJETO ABINV

Auxiliar a implantação da abordagem educacional baseada na


investigação em algumas escolas do Projeto UCA e estudar o
impacto dessa nova abordagem no uso dos laptops, nas atividades
curriculares e na educação dos alunos. Especificamente,

a) Auxiliar o processo de implantação dos laptops nas escolas


envolvidas no Projeto, focando a formação dos gestores
e professores na integração dos laptops na abordagem
educacional baseada na investigação em todas as disciplinas
do ensino fundamental;

32
Capítulo 1

b) Documentar as atividades de investigação desenvolvidas


usando os laptops;
c) Criar um repositório dessas atividades de modo que possam
ser disseminadas e compartilhadas com outras escolas e
com a comunidade em geral;
d) Disseminar os produtos e os conhecimentos construídos.

METODOLOGIA EMPREGADA

A metodologia proposta foi a da Pesquisa-Ação, um tipo de


pesquisa social com base na observação de fenômenos as-
sociados à ação e à resolução de problemas, mas contando
com o pesquisador como um participante ativo do processo
e envolvido com os participantes de modo cooperativo e
participativo (THIOLLENT, 2004). As propostas temáticas para
o desenvolvimento das investigações foram definidas pelos
pesquisadores juntamente com professores e alunos, tendo
como base o currículo escolar em desenvolvimento. O papel
dos pesquisadores foi o de fomentar e auxiliar, principalmente,
a formação dos professores para que pudessem dirigir um
“olhar” criativo e pedagógico na apropriação dos laptops pelos
professores e alunos, segundo essa nova abordagem.
O Projeto foi desenvolvido em três escolas do Estado de
São Paulo e duas escolas no Estado do Pará. No Estado de São
Paulo participaram do Projeto ABInv as seguintes escolas:

• EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar, localizada no bairro


Parque D. Pedro II, em Campinas (SP). Essa escola atende
alunos do Ensino Fundamental;
• EMEF Dr. Airton Policarpo, localizada no município de Pe-
dreira (SP). Atende alunos do Ensino Fundamental;
• EMEF José Benigo Gomes, localizada no município de Sud
Mennucci (SP), distrito de Bandeirantes D’Oeste. Atende
alunos do Ensino Fundamental.

No Estado do Pará, as seguintes escolas foram envolvidas:

33
Parte 1

• Escola Estadual Jerônimo Milhomen Tavares, na cidade de


Limoeiro do Ajuru;
• Escola Estadual de Ensino Médio Profa. Antonia Rosa, na
cidade de São João da Ponta.

Esse livro reporta os trabalhos e atividades realizadas


somente com as três escolas do Estado de São Paulo.
Quando o Projeto iniciou em setembro de 2011, a
infraestrutura computacional relativa ao desenvolvimento
do Projeto UCA, como servidores e rede sem fio, já tinha sido
implantada. As escolas já tinham recebido os laptops para serem
utilizados pelos alunos e professores; os professores já tinham
sido formados por intermédio de um curso de especialização que
foi realizado pelos pesquisadores do NIED/UNICAMP juntamente
com profissionais do Núcleo de Tecnologia Educacionais (NTE)
do município de Campinas (VALENTE; MARTINS, 2011).
As atividades e os procedimentos realizados foram:

a) Auxílio no processo de implantação dos laptops nas escolas


envolvidas no Projeto, focando a formação nos gestores
e professores na integração dos laptops na abordagem
educacional baseada na investigação em todas as disciplinas
do ensino fundamental.

Os detalhes do processo de formação de gestores e


professores estão descritos no Capítulo 3. Ele pode ser visto
com um processo de formação continuada em serviço, pois os
professores e gestores foram formados trabalhando com seus
alunos, implantando atividades de investigação e usando essas
experiências para depurar concepções teóricas e práticas sobre
essa abordagem pedagógica.
Como primeira atividade, foi realizado um seminário no
qual o Projeto foi apresentado aos professores e gestores das três
escolas que participavam do Projeto UCA. A adesão ao Projeto
ABInv foi de livre escolha dos gestores e professores, eles poderiam
continuar a trabalhar no Projeto UCA, sem necessariamente
estar envolvido no Projeto ABInv. Outro aspecto importante foi

34
Capítulo 1

a oferta de uma bolsa para um dos supervisores da escola no


sentido de poder coordenar as atividades na escola e uma bolsa
para um dos professores realizar atividades com os seus alunos.
Além disso, o Projeto previa também um pesquisador bolsista
vinculado ao NIED/UNICAMP para acompanhar a formação e o
desenvolvimento das atividades na escola.
Assim, as escolas e as respectivas equipes no início do
Projeto são mostradas na Figura 1. Os detalhes sobre o desen-
volvimento do Projeto são descrito no Capítulo 2.

Figura 1. Escolas e respectivas equipes envolvidas no Projeto

No NIED/UNICAMP havia um grupo de pesquisadores


que dava suporte ao desenvolvimento do Projeto nas escolas; a
figura do Supervisor UCA, pesquisador que fazia a ponte entre
a equipe do NIED e a respectiva escola; e o Professor Bolsista,
que era do quadro da escola e recebia uma bolsa do Projeto
para ajudar a coordenar as atividades de implantação da nova
abordagem pedagógica na escola.
O foco da formação foi a integração da abordagem baseada
na investigação com as atividades curriculares que os professores
desenvolviam em suas respectivas salas de aula, como descrito
no Capítulo 2. Essa integração iniciou como uma atividade
realizada no primeiro seminário, na qual foi solicitado que os
participantes registrassem sua concepção espontânea sobre três

35
Parte 1

questões: o que é ciência, o que é pesquisa e o que é método


científico. Essa mesma atividade foi solicitada que fizessem com
os seus alunos. Com esse pequeno experimento teve início todo
o processo de formação, que gradativamente foi depurando as
concepções sobre como trabalhar com os alunos levantando
questões relativas ao tópico curricular sendo estudado; como
decidir juntamente com os alunos o que é uma boa questão para
ser investigada; como criar experimentos práticos para serem
implementados e, com isso, coletar dados para responder as
questões sendo investigadas; e como analisar e apresentar os
resultados dos experimentos e responder as questões levantadas.
Todos esses aspectos do processo de implantação aprendizagem
baseada na investigação eram discutidos em Seminários nos quais
participavam a equipe de pesquisadores do Projeto, Supervisores
UCA, Professores Bolsistas, professores das três escolas. Em 2012
foram realizados três Seminários e em 2013 foram cinco.
Os exemplos de atividades descritas na Parte 3 desse livro
é uma mostra do que foi realizado pelos professores e gestores
nas três escolas. Os alunos exploraram os recursos da mobilidade
oferecidos pelos laptops, trabalhando em diferentes espaços
da sala de aula e de outros espaços internos da escola, bem
como o pátio. Eles foram encorajados a desenvolver projetos
colaborativos, dividindo tarefas de modo que os experimentos
pudessem ser realizados, os dados registrados e analisados.

b) Documentação das atividades de investigação desenvolvidas


usando os laptops.

Parte da coleta de dados foi realizada pelo próprio aluno


utilizando o laptop para produzir fotos, vídeos e gravação de
entrevistas. Todas as atividades realizadas por intermédio dos
laptops são automaticamente armazenadas nos laptops. Assim
foi possível obter, automaticamente, o registro das atividades
realizadas e, com isso, foi possível acompanhar o processo de
uso dos laptops no desenvolvimento das atividades realizadas
por cada aluno. O registro desse material foi importante para dar
suporte ao professor no sentido de acompanhar e entender as
atividades desenvolvidas por seus alunos no laptop.

36
Capítulo 1

Além disso, as atividades foram registradas por meio de


vídeos, fotos, que tanto o Supervisor UCA, como o Professor
Bolsista ou mesmo o professor das disciplinas ou seus alunos
realizavam. As atividades realizadas nos cadernos também foram
documentadas e usadas para comparar com o que acontece no
lápis e papel e o que acontece nos laptops, permitindo entender
o processo de transição de um meio impresso, para o meio
digital. Esses materiais eram analisados e usados para serem
apresentados e discutidos nos seminários.

c) Criação de um repositório dessas atividades de modo que


possam ser disseminadas e compartilhadas com outras
escolas e com a comunidade em geral.

O material produzido nas escolas, bem como os materiais


elaborados para serem discutidos nos seminários eram
armazenados em um repositório que foi criado como sendo
portal do Projeto (PORTAL ABINV, 2014). Ele tem a função de
disseminar os resultados do Projeto, mediante uma área que é
aberta e acessível ao público em geral; e uma área reservada,
cuja função foi a de servir como meios para produção e troca de
informação entre os participantes.

d) Disseminação dos produtos e dos conhecimentos


construídos

Os resultados do Projeto foram disseminados utilizando


diferentes meios. Foram realizados em 2012 e 2013 sete
Seminários. Em novembro de 2012 ocorreu um Fórum na
Unicamp que contou com apresentações das Escolas que realizam
atividades relacionadas ao Projeto ABInv. Além disso, foram
publicados diversos artigos e trabalhos relacionados ao Projeto,
levantamento de dados sobre o tema “aprendizagem baseada na
investigação”, pôsteres, vídeos e fotos produzidas. Esse material
pode ser acessado no Portal do Projeto ABInv (PORTAL ABINV,
2014).

37
Parte 1

Nesse sentido, as atividades que os alunos, professores,


gestores e pesquisadores desenvolveram, juntamente com o
conhecimento construído, foram descritos e documentados,
constituindo um repositório de “conhecimento” gerado pelas
escolas. São experiências contextualizadas na realidade das
escolas e que podem ser disseminadas e usadas como objetos de
reflexão das próprias escolas ou de outras pessoas ou instituições
educacionais, criando a possibilidade de saltos para outros níveis
mais elevados de construção (PRADO; VALENTE, 2002).

SÍNTESE DOS PRINCIPAIS RESULTADOS

Como foi mencionado anteriormente, o Projeto ABInv foi


constituído para poder responder as seguintes questões: como
fomentar processos de mudanças nas atividades de sala de aula
no sentido de implantar uma abordagem pedagógica baseada
na investigação? É possível identificar a passagem do “estudar
fatos científicos” para situações nas quais professores e alunos
estão engajados em processos de “fazer ciência”? Os resultados
indicam que essas questões foram respondidas.
Primeiro, a abordagem pedagógica do “aprender baseado
na investigação” foi apropriada por diversos professores das três
escolas participantes do Projeto. Esses professores e gestores
foram capazes de trabalhar diversos assuntos curriculares usando
essa nova abordagem. Os laptops tiveram um papel importante,
servindo para acessar informação, realizar tarefas e registrar
as ações que os alunos realizaram. O contexto criado permitiu
verificar essa passagem do simplesmente acessar informação e
estudar os fatos científicos para o fazer ciência, no sentido de
explicitar a pergunta, propor experimentos, coletar e analisar
dados e disseminar os resultados. Os capítulos que constituem a
Parte 3 deste livro são uma mostra do que foi realizado nas três
escolas.
Segundo, os gestores das escolas também se apropriaram
das concepções da aprendizagem baseada na investigação e
foram capazes de auxiliar o processo de implantação dessa
abordagem da respectiva escola, como indicam os capítulos que

38
Capítulo 1

constituem a Parte 2 desse livro.


Terceiro, a elaboração de uma metodologia de como
implantar na escola a abordagem da aprendizagem baseada
na investigação. Os Capítulos 2 e 3 deste livro explicitam
a metodologia e todos os passos de como foi o processo de
formação continuada e em serviço, propiciando ao mesmo
tempo a formação dos professores e gestores, e implantação
de uma nova pedagogia na sala de aula. O trabalho prático
com os alunos permitiu que os professores e gestores fossem
gradativamente mudando as concepções teóricas sobre o que
significa fazer pesquisa. A equipe de formação, com base nos
resultados práticos produzidos pelos professores e gestores,
pôde intervir, auxiliando-os a depurar e ser capaz de realizar
atividades de investigação cada vez mais elaboradas.
O quarto resultado importante foi a criação do repositório
das atividades de investigação envolvendo exemplos de atividades
curriculares que podem ser desenvolvidas por intermédio da
pedagogia da aprendizagem baseada na investigação, e utilizando
os laptops. O registro no Portal ABInv do material elaborado e
das atividades realizadas pode ser entendido como exemplos
que podem ser aplicados em sala de aula.
Finalmente, os conhecimentos construídos ao longo
do desenvolvimento do Projeto ABInv permitiu que todos os
participantes pudessem elaborar suas concepções do que
significa a aprendizagem baseada na investigação, refletindo,
analisando e, com isso, incrementando as teorias já existentes e
identificadas na literatura. Certamente a equipe de pesquisadores
tem uma compreensão muito mais profunda e significativa sobre
a abordagem educacional baseada na investigação e o papel
dos laptops na realização dessas atividades. Os depoimentos de
alunos, professores e gestores indicam que foi possível:

a) Transformar a aprendizagem, em algo divertido,


tornando bastante acessível os princípios de Ciência e
Tecnologia;
b) Tomar consciência do método científico e de como
transformar questões do cotidiano e de interesse dos

39
Parte 1

alunos em um tema relacionado com o currículo, e


desenvolvido por intermédio da investigação;
c) Pensar, raciocinar, buscar por meio de erros e acertos a
solução de problemas.
d) Desenvolver a autoestima, habilidades científicas,
solidariedade e colaboração entre os alunos, professores
e gestores das escolas;
e) Desenvolver uma melhor relação entre universidade
e escola pública, mostrando que é possível o trabalho
conjunto, colaborativo, realmente uma parceria na
qual todos ganham.

O Projeto ABInv possibilitou o desenvolvimento da abor-


dagem pedagógica que utiliza os recursos dos laptops em si-
tuações de aprendizagem baseada na investigação. A implantação
do Projeto nas escolas, envolvendo a formação dos gestores e
professores, a realização de investigação em praticamente todas
as áreas do conhecimento e envolvendo todos os níveis do Ensino
Fundamental foi muito estimulante e contagiante. Os capítulos
deste livro descrevem os resultados desse Projeto, mostrando
que os alunos estavam não só estudando os fatos científicos,
mas fazendo pesquisa, utilizando métodos e técnicas de como
gerar o conhecimento científico. Isso provocou o envolvimento
de colegas, professores, membros da comunidade escolar e pais
que se interessavam por saber como os experimentos estavam
acontecendo, e querer conhecer os resultados obtidos pelos
alunos. O grande desejo é que esse engajamento bem como
essa abordagem pedagógica possam realmente continuar a ser
parte das atividades curriculares nas escolas. E que esse livro
possa disseminar esses conhecimentos possibilitando que outras
escolas possam também implantar a aprendizagem baseada na
investigação.

40
Capítulo 1

REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Pesquisa na Escola – o que é, como se faz. São Paulo:


Ed. Loyola, 24ª edição, 2010.
BLACKAWTON, P.S. et al Blackawton bees: Colour and spatial
relationships in bees. Biology Letters, Royal Society Publishing,
Dezembro de 2010. Disponível em: http://rsbl.royalsociety
publishing.org/content/early/2010/12/18/rsbl.2010.1056.full.
pdf+htm. Acessado em: janeiro de 2014.
DEMO, P. Educar pela Pesquisa, Campinas: Ed. Autores Associa-
dos, 8ª edição, 2007.
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41
Parte 1

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42
Capítulo 2 - ABInv Aprendizagem
Baseada na Investigação:
A Metodologia
Maria Cecília Calani Baranauskas e Maria Cecília Martins

SITUANDO O PROJETO

A concepção da “Educação Baseada na Investigação”, conforme


originalmente proposta e descrita no Capítulo 1, foi situada no
contexto real e prático que tínhamos dentro do Projeto UCA-
UNICAMP, que passamos a denominar Projeto ABInv. Mais do
que passar “do estudo de fatos científicos para o fazer científico”,
nosso desafio no contexto situado era ainda maior: era neces-
sário ressignificar o “fazer pesquisa” da busca na Internet; era
necessário reconhecer e entender as concepções dos envolvidos
também para “ciência” e “método”, antes de nos lançarmos na
aventura da “Aprendizagem Baseada na Investigação”. Partindo
das concepções espontâneas dos envolvidos era possível iden-
tificar os significados atribuídos pelas pessoas a estes termos e
isso era relevante, pois eram referências que permeavam a ação
delas em seus contextos (escola-prática educativa, universidade-
pesquisa). Além disso, era necessária uma abordagem pedagógica
em que professores e alunos pudessem se engajar em “fazer
ciência” usando características do laptop na situação 1-1, como
a conectividade, a mobilidade e as facilidades na realização de
atividades digitais, de forma articulada ao conteúdo curricular.
A proposta do presente Projeto envolveu instigar nos
professores e alunos uma prática de aprendizagem potencializada
por processo de investigação, utilizando os laptops educacionais
como um dos recursos. Portanto, nesse cenário a tecnologia
deixa de ter o foco principal para ser coadjuvante no processo.
Parte 1

ESCOLAS PARCEIRAS, EQUIPE E TAREFAS

Aprendizagem baseada na Investigação1 é um contexto de pes-


quisa e formação desenvolvido com escolas públicas UCA-
UNICAMP2 do Estado de São Paulo a partir de maio de 2012.
As escolas e as respectivas equipes que integraram este Projeto
de pesquisa, bem como o núcleo de pesquisadores ao seu final
estão especificados na Figura 1. O trabalho em cada uma das
escolas foi acompanhado por um bolsista do Projeto, que pode
ser um pesquisador da universidade, um gestor ou professor da
própria escola.

EQUIPE FCAbINV 2013


Formação Continuada Aprendizagem Baseada na Investigação

NIED - UNICAMP
josé Armando Valente
Maria Cecília Calani Baranauskas
Maria Cecília Martins
Fernanda M. P. Freire
João Vilhete V. d’Abreu
Manoel Lourenço Filho
Ann Berger Valente
Larissa de Souza Oliveira

Campinas Pedreira Sud mennucci


Supervisor Bolsista Supervisor Bolsista Supervisor Bolsista
Flávia Martins Maria Helena Gislene Basso de
Guimarães Fung Nogueira de Sá Paula

Professoras Bolsistas Professor Bolsista Professor Bolsista


Gisele Flávia Alves de Ellys Symara Ferrari Juliana Aparecida
Oliveira Cartarozzi dos Santos Souza
Valéria Alves dos
Santos Salgado

Figura 1. Equipe ABInv

1 É uma ação de pesquisa projetada na instância “ABInv – Aprendizagem baseada na Investi-


gação, do projeto UCA-UNICAMP-CNPq intitulado “O Laptop Educacional e a Educação Baseada
na Investigação: do estudo de fatos científicos para o fazer científico”, conforme processo CNPq
550382/2011-9, desenvolvido por pesquisadores do Núcleo de Informática Aplicada à Educação
(NIED) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Maiores detalhes sobre esta instância
de pesquisa acessar: www.nied.unicamp.br/ABInv.
2 Mais informações sobre o Projeto UCA, MEC: www.uca.gov.br e sobre ações de formação
e implantação do uso do laptop educacional UCA na UNICAMP ver UCA-UNICAMP:
www.nied.unicamp.br/ucaunicamp

44
Capítulo 2

As tarefas específicas relativas às Escolas dos profissionais


envolvidos no Projeto, que permitiram também seu registro
de resultados e reflexão em capítulos deste livro, foram assim
sumarizadas:

Professor Bolsista:
• Envolvimento em Atividades da Aprendizagem Baseada na
Investigação em sala;
• Coleta de Dados e Registro da Investigação;
• Análise de Dados da Investigação;
• Documentação sobre os Resultados.
Supervisor Bolsista:
• Suporte às Atividades do Professor Bolsista;
• Suporte à possível extensão da investigação no contexto
da Escola (com outros professores);
• Relatório Geral da Investigação no contexto da Escola.
Participaram deste Projeto de pesquisa três escolas
que atuam no Projeto UCA/MEC em parceria com o Núcleo e
Informática Aplicada à Educação (NIED) da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP), no Estado de São Paulo: Escola
Municipal de Ensino Fundamental Professora Elza Maria Pellegrini
de Aguiar (Município de Campinas), que em 2013 contava com
22 Professores e 390 alunos em seu quadro; Escola Municipal
de Ensino Fundamental Doutor Airton Policarpo (Município de
Pedreira), que em 2013 contava com 23 Professores e 378 alunos;
e Escola Municipal de Ensino Fundamental José Benigo Gomes
(Município de Sud Mennucci), que em 2013 contava com um
quadro de 21 Professores e 270 alunos.
Estas escolas integraram, desde 2010, o Projeto UCA,
que visava fomentar a qualidade educacional relacionada ao
uso dos laptops na escola. Este projeto, nos últimos três anos,
viabilizou estrutura operacional, tecnológica e de formação para
que professores e gestores das escolas pudessem utilizar laptops
educacionais com os alunos. A presença de laptop educacional
na escola, em termos práticos, significava a possibilidade de cada

45
Parte 1

aluno ter o seu computador, aliando essa tecnologia aos demais


recursos e materiais educacionais que tradicionalmente fazem
parte do processo de ensino e aprendizagem. A partir de 2011
as três escolas públicas, referenciadas anteriormente, além de
atuarem no Projeto UCA, aderiram a este Projeto de pesquisa,
coordenado e desenvolvido por pesquisadores do NIED da
UNICAMP.
Os encaminhamentos teóricos, metodológicos e operaci-
onais desta pesquisa visavam conciliar alguns fatores que via-
bilizam ambientes de aprendizagem necessários ao contexto
educacional contemporâneo, entre eles: o envolvimento de ges-
tores, professores e alunos em situações práticas de pesquisa
relacionadas ao cotidiano, a alocação de recursos financeiros e
tecnológicos para subsidiar ações articuladas na prática escolar,
espaços para a formação, orientação e a troca de ideias entre os
profissionais envolvidos, contextos para proposição, discussão e
divulgação dos trabalhos desenvolvidos.

PORTAL DO PROJETO DE PESQUISA

O histórico de ações do Projeto ABInv, bem como materiais pro-


duzidos ao longo de seu desenvolvimento foram apoiadas pelo
Portal (Figura 2) desenvolvido para esse fim:

mapa do site acessibilidade contato configuração do site


buscar
página inicial
Larissa de Souza Oliveira preferências desfazer sair
você está aqui: página Inicial
conteúdo visão edição propriedades compartilhamento
navegação

Página Inicial EQUIPE FCAbINV 2013 apoio

Formação Continuada Aprendizagem Baseada na Investigação


Equipe

NIED - UNICAMP
Eventos
José Armando Valente
Maria Cecília Calani Baranauskas
Produção
Maria Cecília Martins
Fernanda M. P. Freire
Notícias
M. Elisabette B. B. Prado
Material Interno
João Vilhete V. d’Abreu
Manoel Lourenço Filho
Ana Berger Valente
Larissa de Souza Oliveira

Figura 2. Portal do Projeto ABInv (www.nied.unicamp.br/ABInv).

46
Capítulo 2

O Portal, além de servir de repositório de materiais tanto


para os pesquisadores como para os profissionais envolvidos na
condução dos projetos de investigação nas escolas (supervisores
e professores bolsistas), também organiza o espaço de ações e
de divulgação de resultados do Projeto.

A METODOLOGIA ABInv:
PRESSUPOSTOS INICIAIS

Aprendizagem baseada na investigação é uma forma diferente da


convencional de trabalhar com os assuntos curriculares: é fazer
ciência em vez de estudar os conhecimentos acumulados sobre
ciência; é pensar que a “aprendizagem baseada na investigação”
vai além da reprodução dos conteúdos pré-estabelecidos e de
resultados de busca na Internet. É sabido que o conhecimento
gerado pela aprendizagem não se traduz como verdade absoluta,
mas como parte de um processo de indagação; que cada um tem
uma concepção espontânea sobre um dado assunto, que não é a
explicação “culta” do dicionário ou de um cientista, por exemplo.
Assim, ao aprendizado e à maneira de pensar o aprendizado não
interessam apenas a busca de informação, mas principalmente a
indagação que a precede.
Qualquer processo de aprendizagem ou formação pela
investigação tem que abrir possibilidades de indagar sobre
a realidade percebida, ainda que de maneira informal. Esta
indagação leva à formulação de possíveis explicações, suposições
(ou hipóteses) sobre algum fenômeno, em geral feitas com base
na observação. Havendo tais hipóteses, é possível pensar em
cenários experimentais para testá-las, buscando respostas à
indagação inicial. É importante ressaltar que esta indagação não
parte apenas do cientista ou do pesquisador: todas as pessoas
indagam, o professor também indaga, pois ele experimenta o
que assume na prática, mesmo que isso não seja feito de uma
maneira sistemática e formal; da mesma forma, o aluno também
indaga e o faz naturalmente, embora em geral não seja esse o
comportamento promovido pela maioria dos métodos de ensino.
Cabe à escola saber fazer uso das indagações do aluno, como
base e motivação para sua aprendizagem.

47
Parte 1

Além das possibilidades de indagar, é importante consi-


derar que há sempre um conhecimento anterior sobre os con-
ceitos, que não é necessariamente uma definição formal, mas
uma concepção espontânea, que cada indivíduo traz sobre uma
série de fenômenos cotidianos que experimenta. Cabe à escola
situar conceitos que os alunos estão estudando considerando as
referências que trazem consigo, acolher as indagações, promover
contextos de investigação e experimentação, sistematizações
dos conceitos vivenciados na prática pelos aprendizes, articu-
ladas ao cotidiano dos alunos, dos professores e de suas práticas
escolares.
No construtivismo, autores como Piaget3 e Papert4, para
citar alguns, assumem claramente que o conhecimento depende
de uma postura ativa do aprendiz; construir conhecimento im-
plica em sua aquisição e organização por parte do aprendente;
estes são processos nos quais os conhecimentos prévios e as
experiências vividas por cada um influenciam o que se aprende e
a forma como se aprende.

CIÊNCIA, PESQUISA E MÉTODO: A ETIMOLOGIA DAS PALAVRAS E


ALGUNS MITOS

A palavra Ciência tem origem no latim scientia


(“conhecimento”), o mesmo do verbo scire (“saber”) que designa
a origem da faculdade mental do conhecimento5. Em uma visão
cronológica, a ciência nasceu como uma tentativa de achar
respostas para os questionamentos humanos, como “o que há lá
fora?”, “do que o mundo é feito?”, “qual é o segredo da vida?” e
“como chegamos até aqui?”6 .

3 PIAGET, J. (1977) A Tomada de consciência. São Paulo: Edições Melhoramentos e Editora da


Universidade de São Paulo.
4 PAPERT, S. (1985). Logo: computadores e educação. São Paulo. Editora Brasiliense. 253p.
Publicado originalmente sob o título de: Mindstorms: children, computers and powerful ideas.
New York, Basic Books, 1980.
5 BLOCH, Oscar; WARTBURG, Walther von. Dictionnaire étymologique de la langue française
(em francês 2 ed. Paris: Presses Universitaires de France, 2004. 682 p. ISBN 2-13-054426-6)
6 British Broadcasting Corporation (BBC) - The History of Science, Power, Proof and Passion -
Apresentado por Michael Mosley

48
Capítulo 2

Uma pesquisa é um processo sistemático de construção


de conhecimento que tem como metas principais gerar novos
conhecimentos e/ou corroborar ou refutar algum conhecimento
pré-existente. É basicamente um processo de aprendizagem
tanto do indivíduo que a realiza quanto da sociedade na qual
esta se desenvolve7. Pesquisa pode ser entendida como um
conjunto de atividades orientadas e planejadas pela busca de
um conhecimento.
Método, palavra de origem grega que se refere a certo
caminho que permite chegar a um fim: “metá” (reflexão,
raciocínio, verdade) + “hódos” (caminho, direção)8. O método
que delimita o modus da obtenção do conhecimento é chamado
de epistemologia. Em ciência, em geral, o método “científico”
é constituído por uma série de passos que se têm de tomar
de forma sistemática para atingir um determinado objetivo9.
Em geral o chamado “método científico” está, na imaginação
popular, muito associado ao estudo de fenômenos particulares e
a algumas disciplinas das áreas das Ciências (como, por exemplo:
Física, Biologia, Química); entretanto, não se restringe a estas
Ciências, conforme bem coloca Schwartzman:

“(...) da mesma maneira que as Ciências Naturais, as


Ciências Humanas e Sociais fazem uso de observa-
ções sistemáticas, modelos matemáticos, análises
estatísticas e experimentos, ao tratar de fenôme-
nos sociais - instituições, movimentos populacionais,
comportamentos, atitudes, preferências, conflitos,
tecnologias”. (S. SCHWARTZMAN, sociólogo, mem-
bro titular da Academia Brasileira de Ciências)10

Outro mito que se observa na crença popular é o de que


o “fazer ciência” não é para todos, de que o aprendizado por
investigação seria apenas para os “alunos maiores”, na disciplina
de Ciências. Bem, algumas respostas a este mito o leitor pode

7 Wikipedia
8 Dicionário Etimológico em http://www.dicionarioetimologico.com.br
9 Wikipedia
10 www.proficiência.org.br/article.php3?id_article=490

49
Parte 1

encontrar nos capítulos da Parte 3 deste livro, especialmente os


que tratam investigações realizadas com alunos do primeiro ano
(Capítulos 7 e 9).
Sumarizando, de forma simplificada podemos entender
Ciência como Conhecimento, Saber; Pesquisa/Investigação co-
mo processo sistemático de construção de conhecimento ou
Processo de aprendizagem (do indivíduo, da sociedade); e Mé-
todo Científico como modo de fazer Pesquisa, Modelo de
Processo, Meta-Modelo (Figura 3).

O META-MODELO ABInv EM POUCOS PASSOS

1. O Meta-modelo ABInv reconhece que o aluno também tem


concepções espontâneas para o que é “Ciência”, “Método
Científico” e “Pesquisa” e busca de início conhecê-las para situá-las
no contexto do processo de aprender com base na investigação.
Esse processo é importante para a tomada de consciência do
professor sobre o conhecimento que os alunos trazem para a
sala de aula e também para os próprios alunos ressignificarem o
processo investigativo.

2. A apreensão da realidade, do que nos rodeia e, sobretudo, do


que nos gera interesse é feito mediante o questionar, indagar
e pesquisar. O Meta-modelo ABInv acredita na curiosidade do
aluno e em sua habilidade em questionar sobre os fenômenos
que o cerca e o interessa. O processo investigativo, então, inicia-
se com a pergunta do aluno para o fenômeno ou problema em
estudo.

3. Quem responde a pergunta? O Professor? O Google? Even-


tualmente alguém, uma “memória transativa11”, pode ter uma
resposta para a pergunta e bastaria ao aluno, então, apenas
conhecer “onde” ou “com quem” obter a resposta. Se a resposta

11 Uma combinação da memória do indivíduo com a memória que ele pode acessar porque
conhece alguém que conhece aquela informação, Sparrow B., Liu J., Wegner D.M. Google Effects
on Memory: Cognitive Consequences of Having Information at Our Fingertips, SCIENCE VOL 333
AUGUST 2011.

50
Capítulo 2

é definitiva, isto é, não é questionável, então o processo ficou


limitado ao esquema pergunta-resposta; caso contrário, um
processo investigativo de fato pode ter início. Isto significa
que o aluno poderá gerar ele próprio “explicações” (respostas)
testáveis para o fenômeno ou pergunta que, na linguagem
formal, chamamos de hipóteses.

4. Se as possíveis explicações são “testáveis”, então é admissível


planejar um experimento para examiná-las. Ao ser executado, o
experimento poderá fornecer elementos (dados) que, ao serem
interpretados, confirmem ou não as explicações (hipóteses) e
respondam a pergunta inicial ou gerem outras perguntas a serem
investigadas, reiniciando o processo.

Vale lembrar que o processo de investigar poderá levar o


aluno a imergir em um processo de reflexão não apenas sobre
seu conhecimento no assunto em questão, mas também sobre
as próprias concepções espontâneas para o que é “Ciência”,
“Método Científico” e “Pesquisa” (Figura 3).

Figura 3. Meta-modelo ABInv de Investigação

51
Parte 1

SOBRE A PERGUNTA DE INVESTIGAÇÃO

Como vimos anteriormente, o processo de investigação demanda


perguntas de uma natureza específica. Então, o que determina
se uma pergunta é interessante do ponto de vista da investigação
científica?12
Perguntas cuja resposta pode ser encontrada diretamente
em uma determinada fonte de conhecimento, por exemplo,
perguntando ao Google, ao dicionário, ao Professor ou a outra
pessoa; não são adequadas, a menos que o aluno questione tais
respostas e queira comprovar sua veracidade. Ainda, perguntas
cuja resposta é uma questão de opinião não são adequadas ao
processo investigativo. Uma boa pergunta, do ponto de vista
do processo investigativo, é aquela que sugere explicações
testáveis.  Isso significa que você pode planejar e realizar um
experimento para respondê-la.
Ainda, além do fato de ser testável, a pergunta deve ser
formulada com clareza, de tal maneira que seja viável obter
respostas a partir do experimento. Por exemplo, com a pergunta
“Iluminar artificialmente uma planta faz com que ela cresça?”,
você pode medir a altura e pode planejar um experimento no
qual ilumina artificialmente uma planta e mantém um registro de
seu crescimento. Por outro lado, se a pergunta de investigação
é “O que acontece se você iluminar artificialmente uma planta?”,
ela se torna muito vaga (muitas coisas podem acontecer). Qual o
efeito que queremos observar e medir? Devemos ser específicos
na formulação da pergunta.

SOBRE A HIPÓTESE

Uma hipótese é uma proposição que prevê como a alteração em


uma parte do experimento afetaria os resultados. Ela geralmente
descreve a relação entre duas variáveis. Usualmente ela segue o
formato “Se eu mudar isso... então aquilo acontecerá”.

12 Referência: Pacote do estudante da Feira de Ciências do Google https://www.googlesciencefair.


com/content/pt_BR/student-pack.html

52
Capítulo 2

E o que são variáveis em um experimento?

Uma variável é uma condição ou fator que pode afetar


o resultado de seu experimento. Por exemplo, muitas coisas
podem afetar o crescimento de uma planta: temperatura, luz
solar, quantidade de água, oxigênio, a concorrência com outras
plantas, e assim por diante. Duas categorias de variáveis devem
ser consideradas: as independentes e a dependente.

• Variável independente: é o que você altera em um


experimento.
• Variável dependente: é o que você mede em um
experimento.

Suponhamos que a pergunta de investigação seja: Como


os níveis de irrigação afetam a altura de uma planta? Possíveis
variáveis ​​independentes poderiam ser:  água, luz solar, fertili-
zante, temperatura, sendo que a variável independente que
nos interessa nessa pergunta específica é a  água. A variável
dependente no caso em questão é a altura da planta, medida
em centímetros.
Note que uma hipótese não é apenas um palpite, é uma
espécie de “explicação” que se pode verificar em um experimento
planejado para esse fim. Nesse exemplo, uma hipótese poderia ser
a rega diária da planta X afeta positivamente (ou negativamente)
seu crescimento.

SOBRE O EXPERIMENTO (PROCEDIMENTO E ANÁLISE)

Planejamento e execução do experimento envolvem: preparar


o cenário onde se realizará o experimento, os materiais que
serão utilizados, especificar o plano de ações, a coleta de dados,
registro de dados e de observações. Ainda, fazem parte do
experimento a análise de dados (categorização, interpretação,
etc.), a conclusão e documentação de todo o processo. Ainda,
as medidas (e unidades de medida) que serão tomadas devem
ser informadas. A descrição das ações deve ser feita passo a

53
Parte 1

passo e deve ser tão clara tal que qualquer pessoa possa repetir
a experiência (como uma receita).

COMO REGISTRAR E MOSTRAR O RESULTADO?

Tabelas e gráficos são uma boa maneira de mostrar os resultados


(numéricos) da investigação. Nesse caso, deve-se verificar se
eles têm um título, se os itens que estamos comparando estão
listados, se eles informam o que está sendo medido, incluindo as
unidades utilizadas na medição, se os valores estão escritos na
grade. Também são registros: fotos, vídeos, anotações, desenhos,
etc. Tais registros, que são imagéticos, devem ser acompanhados
de descrições, comentários e observações que ajudem na
interpretação dos dados.

COMO ESCREVER A CONCLUSÃO?

A conclusão é um espaço para explicar tudo o que você aprendeu


(e como), também para avaliar o sucesso do experimento e se
você pensa em mudar alguma coisa em sua abordagem. Um
possível formato para uma conclusão envolve:

• Breve declaração informando o que os resultados


mostram. Faça referências a padrões em seus gráficos ou
a dados que comprovem ou sugiram as declarações feitas.
Isso significa que sua hipótese estava correta?
• No geral, o que esses resultados significam em relação
ao assunto que você escolheu investigar? Eles são
importantes? Por quê? Sua investigação levanta novas
questões? Você poderia aprimorar a investigação de
alguma forma? Existem outros aspectos que devem ser
pesquisados ​​no futuro?

A título de exemplo:

Suponha que se tem a seguinte Pergunta:

54
Capítulo 2

• Qual a influência do horário da merenda no desempenho


dos alunos? ou
• O horário da merenda influi no desempenho escolar dos
alunos?
Para essa pergunta, uma possível Hipótese poderia ser:
• Quanto mais cedo os alunos merendarem no período,
melhor desempenharão nas atividades escolares;
Nessa Hipótese identificamos as seguintes Variáveis:
• Variável dependente [o que será medido]: medida de
desempenho dos alunos nas atividades escolares
• Variáveis independentes [o que se muda];: horário no
qual a merenda será servida; outras: teor proteico dos
alimentos, quantidade servida, etc.

Para testar a Hipótese na busca de respostas à Pergunta de


investigação, devemos então planejar um experimento. O plane-
jamento do Experimento envolve a definição de procedimentos,
materiais a serem utilizados e medidas a serem tomadas, forma
de registro e organização dos dados, análise e conclusão. No
caso de nosso exemplo poderíamos ter:

• A cada semana a merenda será servida em um momento


diferente [exemplo: antes da aula, no meio do período e
depois da aula];
• O desempenho dos alunos é medido [exemplo: conclusão
das atividades do dia];
• Cada professor registra e informa diariamente a
porcentagem da turma que concluiu as atividades;
• Os dados são organizados, por exemplo, em tabelas;
• Análise [exemplo: estatística] sobre os dados fornece
resultados;
• Conclusão é tecida a partir dos resultados, face à hipótese
e como resposta à pergunta inicial.

Eventualmente novas perguntas podem surgir a partir da


conclusão, com base em lições aprendidas com o experimento,
reiniciando o ciclo de investigação.

55
Parte 1

SITUANDO O META-MODELO ABInv DE INVESTIGAÇÃO NO


PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

Quando fomos colocadas frente ao desafio de propor uma


metodologia para uma “aprendizagem/formação baseada na
investigação”, ficou claro, em primeiro lugar, que era necessário
conhecer as concepções espontâneas dos envolvidos para
Ciência, Pesquisa e Método Científico. Era preciso também que
os professores tomassem consciência de sua prática, revissem
conceitos e mitos em relação às possibilidades da aprendizagem
baseada na investigação.
Assim, podemos identificar três momentos pelos quais os
professores passaram que marcaram seu processo de formação
para a investigação. No primeiro, as concepções espontâneas
dos participantes (professores e equipe) para o que é Ciência,
Pesquisa e Método Científico foram trabalhadas em prática
participativa conduzida logo no primeiro encontro (maio de 2012)
do Projeto ABInv (Figura 5). O segundo marco ocorreu no quinto
encontro (agosto de 2013) quando a tomada de consciência para
“angústias” e conflitos os levaram revisitar conceitos e refinar seus
planos de investigação na prática com os alunos. O terceiro marco
corresponde aos últimos encontros, nos quais há a constatação
geral da apropriação da abordagem e metodologia ABInv em sua
prática. A Figura 4 ilustra esses três marcos, que também estão
situados na linha do tempo do Projeto (Figura 7).
Concepções Espontâneas
Iniciais Refinamentos Planos
O que é Ciência? de Investigação
Investigação
Problemas? Cenários

Perguntas? Escola
Alunos

?? ?
O que é Pesquisa? Hipóteses?
Professores

Variáveis

?
Conteúdos
dependentes?

O que é Método Científico?


?
??? ? ??
? ? ?? Experimentos
Variáveis
independentes? Conhecimento
27
Experimentos?
Aprendizagens

Figura 4. Três marcos do processo de formação dos professores

56
Capítulo 2

MARCO 1. E O QUE OS RESULTADOS DA CONCEPÇÃO


ESPONTÂNEA REVELARAM

Figura 5. Artefatos utilizados em prática participativa

Resultados da prática participativa com a definição (anônima)


de cada participante para o que é Ciência, Pesquisa e Método
Científico foram representados em tagclouds: nuvens de pa-
lavras em que o tamanho destas é relativo à sua ocorrência
nas definições. As tagclouds geradas (ver Figura 4) sugerem
Ciência, Pesquisa e Método Científico como sinônimos de
“estudo”, palavra que tem 38% de ocorrências na definição de
Ciência, 42% de ocorrências na definição de Pesquisa e 20%
na definição de Método Científico. Também, Ciência é definida
como Conhecimento (38% de ocorrências da palavra), Pesquisa
como Investigação (processo) (33% de ocorrências da palavra)
e Método Científico como Metodologia (meta-modelo) (40% de
ocorrências da palavra). Ainda, as nuvens de palavras revelam
Ciência associada a fenômenos (da natureza, do ser humano),
Pesquisa associada à busca de informação (com tecnologia) e
Método Científico associado a alguma forma de sistematização.

57
Parte 1

MARCO 2. ANGÚSTIAS E O PROCESSO DE REFINAMENTO

O segundo marco do Projeto acontece quando os professores


se dão conta de que conduzir um processo de aprendizagem
baseada na investigação não significava apenas colocar numa nova
roupagem suas práticas anteriores. O processo agora inicia com
uma pergunta, e não era qualquer uma que seria interessante para
condução de um processo de investigação, a pergunta deveria
ser do aluno, trazida por ele, novas dinâmicas seriam necessárias
na sala de aula (e também fora dela). Mais ainda, o processo de
investigação envolve novos conceitos e a orquestração de novos
elementos - hipóteses, variáveis dependentes e independentes,
etc. - no cenário de construção do experimento. Novos desafios
tinham que ser encarados com impacto direto nos Planos de
Investigação que estavam construindo para suas práticas com os
alunos.

MARCO 3. FINALMENTE CENÁRIOS DE INVESTIGAÇÃO NA


ESCOLA

A partir do Marco 2 novos instrumentos e apoio dos Supervisores


bolsistas do Projeto junto aos Professores envolvidos se
mostraram necessários e de fato registraram situações em que
cenários genuínos de aprendizagem baseada na investigação
aconteceram nas Escolas. Tais cenários mostram o novo espaço
(físico) da Escola, não mais restrito apenas à sala de aula, mas
estendido ao pátio em seus vários “cantos”, como laboratório
vivo dos experimentos conduzidos, analisados e documentados.
Mostram também o envolvimento dos gestores, dos funcionários
e de outros personagens no que “acontecia” no entorno. Uma
nova dinâmica para conteúdos e conhecimentos havia sido
inaugurada; os capítulos da Parte 3 ilustram alguns desses
cenários de investigação, seus atores e a orquestração das partes
na aventura de novas aprendizagens. A Figura 6 ilustra aspectos
dos cenários construídos nas Escolas.

58
Capítulo 2

Figura 6. Algumas cenas da investigação nas Escolas

Entre um marco e outro, vários instrumentos baseados ou


não em computador eram utilizados no processo de formação
e estão ilustrados na Figura 7. Entre estes artefatos havia
documentos editados online no Googledocs, formulários online,
sessões de web-conferência, práticas participativas de várias
naturezas, além do contato pessoal de todos os participantes nos
oito encontros presenciais de formação, onde se compartilhavam
as narrativas, as angústias e também as alegrias do conhecimento
construído.

59
Parte 1

O ABInv EM SUA LINHA DO TEMPO

Os três marcos do processo de aprendizagem podem ser


identificados também na linha do tempo do Projeto (Figura 7).
O eixo X na Figura 7 representa as datas dos eventos formais
do Projeto: os 08 Seminários presenciais de formação e as 03
Web-Conferências que ocorreram nos anos de 2012 e 2013.
No eixo Y está representado o processo de aprender de toda a
equipe; a curva na figura está, portanto, representando a curva
de aprendizado da equipe ao longo do tempo. Os três marcos
apresentados anteriormente estão representados nessa curva:
Marco 1, das concepções espontâneas (II e III Seminários em
2012); Marco 2, do Refinamento (II Seminário de 2013); e Marco
3, (Final do Projeto) quando de fato o ABInv está permeando
plenamente a prática dos alunos e professores envolvidos, nas
Escolas.

Livro - Formato Registros LIVRO


Analise de (relatos e
Pergunta dados reflexões)
Hipótese
Variáveis 4o
Experimento Livro - Conteúdo

Aprofundamento
na prática 3o
2o “Escravos de Jó”

GDOCS
Mostra
Trab. Refinamento
Escolas

1o
2a. Web
Conf

1 . Web
a
Plano de
Conf Investigação
Concepções nas Escolas

Concepções
4o
nas Escolas
espontâneas
Como encontrar uma pergunta científia interessante?
3o Como escrever uma boa hipótese?
2o Como planejar o experimento (procedimento)?
O que são variáveis em um experimento?
Como mostra o resultado?
Como escrever a conclusão?

II-Sem III-Sem IV-Sem I-Sem II-Sem III-Sem III-Sem V-Sem


11/Maio/2012 10/Agosto/2012 26/Outubro/2012 28/Junho/2013 09/Agosto/2013 20/Setembro/2013 18/Outubro/2013 05/Dez/2013

26
Web-Conf Web-Conf Mostra Trab Livro
14/06/2012 13/09/2012 Escolas
Dezembro/2012

Figura 7. Linha do Tempo do Projeto ABInv

60
Capítulo 2

O início do processo se dá com o levantamento das con-


cepções espontâneas da equipe para os conceitos essenciais no
processo de investigação: Ciência, Pesquisa e Método Científico;
afinal, era necessário desvendar as crenças que cada um carrega-
va a respeito das possibilidades de se pensar uma metodologia
de aprendizagem baseada na investigação. Atividade análoga foi
levada pelos professores a suas Escolas e eles próprios puderam
também investigar sobre as concepções espontâneas de seus
alunos para esses três conceitos. Essa atividade com os alunos foi
importante para que os professores revisitassem suas próprias
crenças e acreditassem no potencial da aprendizagem baseada
na investigação. Segue-se então um processo de planejamento
para a investigação, que é acompanhado via Web-conferências
que intercalam os encontros presenciais. Ao final do primeiro
ano do Projeto, sinais de elementos do processo de investigação
eram evidenciados na mostra de trabalhos dos alunos, que ocor-
reram nas Escolas.
Embora o processo ABInv começasse a ser experimentado
nas Escolas, foi no segundo ano do Projeto, após o que cha-
mamos de “Refinamento”, que seguiu-se uma sequência de
aprofundamentos nos conceitos e no formalismo do processo
de investigação, que de fato parece ter levado o grupo à cons-
tatação de que sua prática e de seus alunos estava de fato
diferente do que faziam antes (com temas geradores ou projetos,
por exemplo). Os conceitos da pergunta de investigação, hipó-
teses, variáveis do experimento, seguidos dos procedimentos
de registro, análise de dados e conclusões foram de fato apro-
priados pelos professores e seus alunos e esse processo é
mostrado nos capítulos da Parte 3 deste livro. Nesse segundo
ano, as Web-conferências foram substituídas por um processo
de acompanhamento mais direto nas Escolas; a figura de um
mediador e novos artefatos (representados na Figura 7, por
exemplo, o documento Googledocs) apoiaram o trabalho sendo
desenvolvido pelos professores no dia a dia da Escola, com toda
complexidade do real de seu cotidiano.
O ápice do Projeto é a própria elaboração do livro e a
reflexão que demandou sobre o processo de aprendizado de

61
Parte 1

cada um e das suas práticas, de como cada um se viu depois do


trabalho no Projeto. O próximo Capítulo detalha toda a dinâmica
de formação do ABInv.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários autores têm reconhecido que a habilidade para planejar,


conduzir e interpretar investigações científicas pode levar ao
desenvolvimento de pensamentos de alta ordem, além de
oferecer uma abordagem significativa para que os aprendizes
desenvolvam seu conhecimento do mundo e possam nele
intervir. As tecnologias contemporâneas ao acesso da maioria das
pessoas, neste Projeto representadas pelo laptop que cada aluno
utiliza, potencializam as possibilidades para descobertas; com
elas tem-se uma memória coletiva para se “buscar” informação,
pode-se observar a animação de fenômenos, com elas pode-se
interagir na construção de conhecimento. Ao mesmo tempo,
esse não é um processo trivial para o cenário da Escola e
seus atores; desafios de várias naturezas surgem: entre eles a
necessidade de desconstruir certos mitos e transgredir práticas
vigentes, reconhecendo no aluno a possibilidade de indagar
independentemente da sua idade, de ter sua própria explicação
para os fenômenos que o cercam e o interessam; reconhecendo
que o processo de investigação científica não se dá apenas na
disciplina de Ciências, mas pode estar dentro de qualquer sala
de aula e além dela.
A metodologia ABInv representa nossa proposta para
facilitar aos envolvidos nos processos formais e informais da
Educação a aventura do aprendizado baseado na investigação. É
um pouco desse envolvimento formal e informal que encontramos
nos Capítulos que se seguem, no relato dos professores (Parte
3 do Livro) sobre sua vivência ABInv junto aos alunos, com
eles próprios e com os pesquisadores do Projeto. Também os
supervisores e pesquisadores que acompanharam de perto
o movimento ABInv nas Escolas deixam aqui o rastro de seu
próprio movimento na apropriação de práticas e na significação
que constroem para os conceitos propostos no modelo ABInv

62
Capítulo 2

(Parte 2 do Livro).
Juntos os atores, em cena e fora de cena, todos indagam: o
pesquisador naturalmente, mas também o aluno, e principalmente
o professor. Desnecessário é concluir, depois de citar o grande
Mestre, Educador Brasileiro, Paulo Freire:

“Fala-se hoje, com insistência, diz ele, “no professor


pesquisador”. No meu entender o que há de pes-
quisador no professor não é uma qualidade ou uma
forma de ser ou de atuar que se acrescente à de
ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a
indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa
é que, em sua formação permanente, o professor
se perceba e se assuma, porque professor, como
pesquisador”. (FREIRE, 1997, p 32)13

 
 

13 FREIRE, P. (1997) Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo,
Paz e Terra.

63
Capítulo 3 - Concepções espontâneas,
mãos na massa e reflexões nas práticas
de investigação: Dinâmica de Formação
Maria Cecília Martins, Maria Cecília Calani Baranauskas,
Larissa de Souza Oliveira

Este capítulo aborda dinâmica de formação encaminhada nos


08 encontros presenciais (Seminários de Formação e de Acom-
panhamento) e nas 02 Web-conferências realizados no Projeto
ABInv. Em 2012 ocorreram 03 Seminários e 02 Web-conferências
que reuniram as equipes de pesquisadores e de profissionais
das escolas participantes desta pesquisa. Em 2013 a agenda de
trabalho envolveu a realização de 05 seminários presenciais, além
de comunicações online entre as equipes. Como evidenciado
no gráfico da Figura 1, cada Seminário presencial contava com,
em média, 30 participantes distribuídos entre as equipes de
pesquisadores (UNICAMP-NIED), visitantes, profissionais do
NTE-Campinas e as equipes das escolas (gestores e professores).
Houve regularidade na frequência das equipes nos Seminários
encaminhados nos dois anos da pesquisa.

Figura 1. Gráficos de participação das equipes em


Seminários realizados no Projeto de Pesquisa.
Parte 1

Em cada seminário havia uma agenda de atividades que


se diferenciava em propósito, formato, dinâmica de trabalho
e buscava articular o foco da pesquisa naquele momento, o
entendimento do grupo em relação ao contexto e a prática no
cotidiano dos professores e dos alunos. Nestes encontros eram
estabelecidas as bases conceituais do Projeto e de seu referencial
metodológico: entendendo a escola como espaço para
promoção de contextos que fomentem a aprendizagem baseada
na investigação articulada com uma visão situada do processo
de inclusão do laptop educacional no cotidiano escolar. Nestes
eventos os participantes também relatavam vivências ocorridas
nas escolas relacionadas ao contexto da pesquisa. Os espaços de
interação promovidos nos Seminários possibilitava que o grupo
conhecesse o que ocorria em cada comunidade escolar e a troca
de ideias entre as equipes. As dinâmicas de trabalho encaminhadas
a cada evento forneciam apoio e possibilitavam reflexões sobre o
que havia ocorrido bem como apresentavam pontos de referência
para que os grupos pudessem dar os próximos passos em relação
à aprendizagem baseada na investigação no contexto escolar.
Para situar o conjunto de atividades realizadas apresentamos
um Histórico dos Seminários ABInv (Tabela 1) ocorridos em 2012
e 2013. No início deste histórico é interessante observar que no
I Seminário de 2012 o foco ainda era o compartilhamento de
encaminhamentos UCA na escola. Como relatado nos capítulos
anteriores (Capítulos 1 e 2) o Projeto de Pesquisa ABInv estudou
e propôs a implantação da abordagem educacional baseada
na investigação em algumas escolas participantes do Projeto
UCA e endereça impactos desta abordagem no cenário escolar,
nos atores envolvidos (gestores, professores e alunos) e suas
aprendizagens, nas atividades curriculares e no uso dos laptops
na escola.
Nestes termos, o primeiro Seminário de 2012 tinha como
foco o compartilhamento de vivências das escolas com o Projeto
UCA no início do novo ano letivo. Na atividade “Tá acontecendo
na minha Escola”, professores e gestores mostraram o plano de
trabalho tendo como referência a vivência anterior do grupo nas
ações de Formação e de Acompanhamento encaminhadas pela

66
Capítulo 3

equipe UCA-UNICAMP nos anos de 2010 e 2011. Ao longo do


evento cada grupo apresentou os “Cenários UCA” em andamento
nas escolas evidenciando assim processos e resultados
relacionados ao uso dos laptops educacionais com os alunos1.
Nas apresentações das escolas neste Seminário foi
possível observar que as diferentes realidades escolares traçaram
seus próprios percursos de integração dos laptops às práticas
escolares. Nos relatos, o laptop educacional estava integrado
ao cotidiano da escola e havia certa autonomia dos professores
e alunos em relação ao uso do equipamento nas atividades
escolares. Ou seja, os cenários apontavam a ocorrência de
uma apropriação das possibilidades tecnológicas que o laptop
educacional oferecia tanto para o professor quanto para o aluno.
As produções das classes nestes ambientes de aprendizagem
serviam de registro do percurso dos alunos ao longo do ano
e, uma vez materializadas em vários formatos (slides, pôsteres,
blogs), podiam ser compartilhadas na escola, com colegas e/ou
pais em exposições e atividade de encerramento semestral ou
do ano letivo. Nos relatos dos “Cenários UCA” podia-se perceber
um envolvimento dos alunos com os conteúdos estudados e que
novas aprendizagens puderam ser desencadeadas na prática
escolar envolvendo também a realização de “pesquisas na Web”.
Porém, enquanto contexto de formação e de viabilização
de cenários de aprendizagem era necessário ir além das
conquistas já obtidas e dos resultados compartilhados pelas
escolas. E, como o movimento ascendente que o desenho de
uma “espiral” sugere, novas possibilidades pedagógicas seriam
lançadas nos próximos desafios de formação. Assim, a partir
de maio de 2012 foram iniciados os Seminários de Formação e
Acompanhamento focados no Projeto de Pesquisa ABInv. A nova

1 Para a implantação dos laptops educacionais nas escolas participantes do Projeto UCA hou-
ve vários seminários de formação encaminhados no contexto UCA-UNICAMP. Agendas e apre-
sentações ocorridas nestes eventos estão disponíveis em www.nied.unicamp.br/ucaunicamp/
encontros-de-formacao. Vídeos-sínteses sobre estes eventos estão no canal www.youtube.com.
br/ucaunicamp. Alguns artigos também descrevem cenários de uso de tecnologias nas escolas
e processos de formação encaminhados pela equipe UCA-UNICAMP: VALENTE, J.A.; MARTINS,
M.C. (2011 e 2012). Estas publicações evidenciam metodologias de formação de gestores e pro-
fessores bem como dinâmicas de trabalho realizadas nas escolas que revelam articulações do uso
laptop educacional com conteúdo curricular em atividades realizadas com alunos.

67
Parte 1

ênfase de formação e pesquisa previa mobilizar (re)significações


do fazer pedagógico e também promover outros contextos
de aprendizagens significativos que considerassem o que os
alunos trazem consigo em termos de conhecimento, ideias, as
curiosidades que têm sobre o mundo e sobre seu cotidiano. O
processo investigativo é integrado ao aprender e a tecnologia
fica como pano de fundo, como ferramenta para a ação e reflexão
dos alunos.
A “investigação científica” evidenciada no referido Projeto
buscava articular características fundamentais de uma pesquisa
científica e do universo escolar (dinâmica de trabalho, currículo),
isto é: a formulação de questões que fossem de interesse dos
alunos e cuja temática constasse do currículo escolar; formulação
de uma investigação com objetivos claros e bem definidos; a busca
de informação em fontes confiáveis para embasamento teórico de
uma dada questão escolhida para a investigação realizada pelos
alunos e professores; elaboração de experimentos, ações práticas
para a obtenção de resultados relacionados ao questionamento
com o qual os alunos estivessem envolvidos em uma dada
dinâmica escolar; análise e interpretação dos dados; produção de
meios para representar e documentar os resultados alcançados;
a divulgação e socialização dos resultados da investigação. Ou
seja, nesta perspectiva a ação pedagógica colocava foco também
no envolvimento dos alunos com o processo de pesquisa
científica. Isso demandava encaminhar práticas pedagógicas
nas quais os alunos pudessem aprender sobre os conteúdos ao
longo das atividades de formulação de uma questão, elaboração
de suas hipóteses sobre tal questionamento, identificação de
variáveis relacionadas ao fenômeno em estudo, formulação de
experimentos, observação, coleta e sistematização de dados,
bem como reflexão sobre o processo e resultados obtidos na
situação prática vivenciada e alicerçada nas dinâmicas e interações
estabelecidas na escola.
Assim, as agendas e práticas de cada encontro buscavam
discutir e refletir sobre as atividades realizadas até então nas
Escolas e propor dinâmicas que trabalhassem novos conceitos
ou refinassem os conceitos aplicados e preparassem os próximos

68
Capítulo 3

passos. A Tabela 1 especifica os eventos realizados neste Projeto


de pesquisa, com respectiva programação. Nela podem ser
observados vários tipos de atividades: apresentação e discussão
de resultados anteriores pelos professores e supervisores
ou exposições inspiradoras pelos pesquisadores; atividades
chamadas “mãos na massa”, em geral práticas participativas
que buscavam explorar algum conceito; também atividades
chamadas “lição de casa”, que preparavam os passos seguintes
na condução do Projeto.

Tabela 1 – Histórico dos Seminários ABInv


Seminários Cronograma de Atividades
1. Trocando ideias: Plano de Ação UCA 2012 (atividade
em grupo);
Iº 2. Plano de Ação 2012 (UCA na escola + Formação Continu-
Seminário ada)- 4 escolas (Campinas, Pedreira, São Paulo, Sud
Mennucci) apresentam o planejamento;
16/Março/2012 3. “Tá acontecendo na minha escola!” - Professores dos
04 municípios apresentam “Cenários UCA” (em an-
damento) nas escolas.
1. Atividade 01 “MÃO NA MASSA”: Concepções Espontâ-
neas de Fenômenos Naturais;
IIº 2. Atividade 02 “Lição de Casa”: Propor uma investiga-
Seminário ção em seu contexto escolar para coletar e analisar as
Concepções Espontâneas dos Alunos para Ciência, Mé-
11/Maio/2012 todo Científico e Pesquisa;
3. Vídeo-animação: Método Científico (em português);
4. Constituição da Equipe do Projeto UCA/CNPq em SP.
1. Relato sobre Web-conferência em 14/06/2012;
2. Retomada a “lição de casa” lançada no II Seminário
(maio/2012). Cada Escola apresenta dados colhidos
com os alunos, análise e reflexão sobre os resultados;
3. Equipe UCA-UNICAMP apresenta resultados do II Se-
IIIº minário: a) Concepções Espontâneas de ciência, pes-
Seminário quisa e método científico; b) Resultados da atividade
10/Agosto/2012 “mão na massa”: Desenvolvimento de Cenários para
trabalhar concepções espontâneas de fenômenos natu-
rais com alunos na escola;
4. Atividade “lição de casa“: Plano e Execução de uma
atividade completa de investigação a ser conduzida na
Escola.

69
Parte 1

Seminários Cronograma de Atividades


IVº 1. Relato sobre Web-conferência em 13/09/2012;
Seminário 2. Retomada a “lição de casa” lançada no III Seminário;
3. Atividade “Mão na Massa”: Refletir sobre “cenários de
26/Outubro/2012 aprendizagem baseados na investigação” e como
eles se alinham ao currículo e à prática dos professores.
Mostra Atividade “Lição de casa” Especificar Evento para Mostra
Trabalho Escolas de Trabalhos na Escola - exposição dos alunos sobre as
investigações por eles realizadas.
Iº Seminário 1. Retomada de Conceitos – ABInv, Reflexões sobre a
FCABInv - prática;
curso Formação 2. Relatos de atividades das escolas no primeiro semestre
Continuada de 2013;
“Aprendizagem 3. Atividade 01 “Mão na Massa”: Cenários “mão na mas-
baseada na sa”, discussão das respostas da atividade realizada nas
Investigação” Escolas;
4. Atividade 02 “Lição de Casa” Preparação de experi-
28/Junho/2013 mento a ser encaminhado nas escolas.
2º Seminário
FCABInv - 1. Apresentações das Escolas sobre a “Lição de Casa”:
curso Formação plano do experimento a ser realizado em setembro nas
Continuada Escolas (inclui pergunta, hipótese, variáveis e plano de
“Aprendizagem execução do experimento);
baseada na 2. Revisão dos Planos/Experimentos das escolas;
Investigação” 3. Lição de Casa: Execução do experimento de investiga-
ção planejado na Escola.
09/Agosto/2013
1. Atividade 01 Apresentações das Escolas: resultados
3º Seminário parciais com descrição do plano do experimento ree-
FCABInv - laborado - inclui levantamento  junto aos alunos  de
perguntas de pesquisa científica e seleção de pergun-
curso Formação tas testáveis e escolha de uma; Levantamento junto aos
Continuada alunos  de hipóteses relativas à pergunta selecionada
“Aprendizagem e seleção de hipóteses que possam ser verificadas em
baseada na experimento - com explicitação das variáveis depen-
Investigação” dentes e independentes; e plano de execução do experi-
mento (métodos e materiais, coleta e registro de dados,
20/Setembro/2013 análise e conclusões sobre como os resultados respon-
dem ou não a pergunta inicial.

70
Capítulo 3

Seminários Cronograma de Atividades


2. Atividade 02 “Mão na Massa” - “Escravo de Jó”: em
grupos, participantes realizam análise de respostas
3º Seminário dos pares para o experimento. Para fazer esta análise
FCABInv - consultam plano da investigação preenchido no goo-
gledocs e respondem: “Eu entendi que a pergunta é...”,
curso Formação “Eu entendi que a hipótese é... (variável dependente e
Continuada variável independente)”,”Eu entendi que o experimento
“Aprendizagem é... (quem faz: o que usa)”;
baseada na 3. Atividade 03 Supervisores apresentam síntese das
Investigação” ações de formação relacionadas ao ABInv encaminha-
das na escola no período (agosto a setembro): destaque
20/Setembro/2013 a estratégias, atividades, resultados, reflexões;
4. Atividade 04 Dinâmica para Organização livro ABInv:
Pensando sobre os formatos – prós e contras.
1. Apresentações dos Professores sobre Investigação re-
alizada pelos alunos na escola – Registros e Análises
4º Seminário de dados (pelos alunos e pelos professores), Resulta-
FCABInv - dos do experimento;
2. Apresentação: O movimento do ABInv na Escola (conta-
curso Formação do pelos supervisores);
Continuada 3. Validação dos resultados da atividade “Escravos de Jó”
“Aprendizagem (III Seminário);
baseada na Investi- 4. “Mão na Massa” - Dinâmica para construção dos ca-
gação” pítulos da parte 3 do Livro ABInv – O movimento ABInv
na Sala de Aula (contado pelos professores e pesquisa-
18/Outubro/2013 dores);
5. Apresentação e Discussão dos Resultados (dinâmica
para o livro).
1. Apresentações dos Professores “O ABInv na Sala
5º Seminário de aula” (parte 3 do livro) – síntese da Reflexão do
FCABInv - capítulo;
2. Apresentações dos Supervisores “O movimento do
curso Formação ABInv na Escola” (parte 2 do livro) – síntese da Refle-
Continuada xão do capítulo;.
“Aprendizagem 3. Meta-reflexão ABInv (Concepções Espontâneas,
baseada na Investi- Concepções Espontâneas nas Escolas, Planos de In-
gação” vestigação, Refinamento, Aprofundamento na Prática
- Pergunta, Hipóteses, Variáveis, Experimentos, Regis-
05/Dezembro/2013 tro, Análise de dados, Resultados – LIVRO – relato de
reflexões).

71
Parte 1

Assim, nos Seminários ocorridos nos dois anos da pesquisa


foram encaminhadas dinâmicas de formação que propunham
atividades práticas nomeadas “Mão na Massa” ou disparadas
para serem realizadas na escola, nomeadas “Lição de Casa”.
Os processos encaminhados e resultados obtidos na escola
geralmente eram compartilhados nos seminários de formação
subsequentes.
A Figura 2 exemplifica uma dessas dinâmicas de Formação
encaminhada no II Seminário de 2012, quando o Projeto ABInv
foi iniciado e quando o contexto da pesquisa foi apresentado aos
participantes.

Figura 2. Espiral - Dinâmica de Formação do II Seminário de 2012

72
Capítulo 3

No início do II Seminário, como ilustrado na espiral da


Figura 2, houve uma atividade prática com o levantamento das
concepções espontâneas do grupo a respeito de três questões:
“O que é ciência?”, “O que é pesquisa?” e “O que é Método
Científico”2.
Em sequência foi apresentada uma animação em vídeo
sobre “Método Científico”3. Esta animação ilustra as etapas do
processo de investigação: o reconhecimento do problema, o que
já se sabe sobre ele; a observação; o levantamento de hipótese;
o experimento; registro e análise de dados; conclusões e novas
indagações. O vídeo apresentava de forma mais concreta o que
significava “fazer pesquisa” na concepção do Projeto. Possibilitou
neste início de trabalhos um alinhamento de significados,
necessário para o acordo de diálogos que seriam estabelecidos
posteriormente. Após conversas em torno do conteúdo do vídeo,
os participantes realizaram a atividade “Mão na Massa” que
propunha um “Cenário Hipotético” da prática escolar disparado
por uma questão que intrigava um dado aluno em relação a
fenômenos naturais. A atividade solicitava que cada grupo
explicitasse quais encaminhamentos o professor hipotético daria
ao contexto e que possibilidades de atuação vislumbravam para
os alunos. O enunciado da atividade é descrito a seguir.

2 Os dados obtidos nesta atividade foram analisados pela equipe de pesquisa e apresentados
ao grupo no seminário subsequente. Ademais, foram sistematizados em uma publicação interna
do NIED: Memo 2012 – “Dados de Referência para as ações do Projeto ABInv.” Disponível em:
http://www.nied.unicamp.br/ojs/index.php/memos
3 Vídeo sobre Método Científico (legendado em português) utilizado no II Seminário ABInv rea-
lizado em 11/05/2012. Este vídeo foi utilizado no evento para ilustrar o que seria um processo de
investigação, quais etapas integram um método científico e, diante do exemplo prático narrado
no vídeo, dar referências de que tal iniciativa era possível de ocorrer no cenário escolar. Link fonte
na Web em Inglês: desenho animado do Youtube sobre método científico: https://www.youtube.
com/watch?v=B8YK-zmLaZA

73
Parte 1

Quadro 1 - Atividade “Mão na Massa”: Concepções Espontâneas de Fenôme-


nos Naturais – dinâmica em Grupos, com base em um cenário hipotético.

Você está em sua sala de aula, com a turma do ____ ano e um aluno che-
ga com uma pergunta que o intriga sobre um fenômeno natural (por ex.
_____). O que você faz?

a) Responde a pergunta. Desenvolva: o aluno fica satisfeito?


O aluno faz novas perguntas? etc.
b) Pede ao aluno que faça uma pesquisa na Internet sobre o
fenômeno. Desenvolva: como o aluno faz a pesquisa na
Internet? Que palavras-chave utiliza no mecanismo de
busca? Como interpreta os resultados da busca? Como
traz a você os resultados? Como seleciona as fontes de
informação? (em quem acredita? Porquê?)
c) Inicia um Processo de Investigação? Desenvolva.

Dinâmica: Os professores, em grupos, discutem o cenário hipotético e


registram a resposta do Grupo aos itens a, b e c.

Obs. cada Grupo expõe seus resultados da discussão na Atividade de


Socialização.

A “Lição de Casa” (Quadro 2) encaminhada neste evento


propunha que os grupos iniciassem um processo de investigação
na escola já colocando os alunos no centro da atividade. No
evento seguinte, III Seminário ocorrido em agosto/2012, as
escolas apresentaram como encaminharam a atividade e que
dados obtiveram.

Quadro 2 – Encaminhamento da “Lição de Casa”

Lição de Casa

Propor uma investigação em seu contexto escolar para coletar e analisar


as Concepções Espontâneas dos Alunos para Ciência, Método Científico
e Pesquisa.

Resultados a serem apresentados e discutidos no Seminário seguinte.

74
Capítulo 3

O foco da “Lição de Casa” era identificar “concepções


espontâneas” dos alunos para as três questões descritas ante-
riormente. Para isso cada grupo deveria planejar como iria enca-
minhar o experimento na escola, coletar e analisar as respostas
dos alunos e fazer uma apresentação da prática encaminhada
no Seminário subsequente. Nas apresentações dos professores
e gestores a respeito das concepções espontâneas dos alunos
para os três questionamentos havia uma série de reflexões sobre
o encaminhamento da atividade no contexto escolar. Vários
grupos destacaram que, indiretamente, os conceitos e noções
expressos pelos alunos sobre os três termos revelavam uma
dada perspectiva da prática pedagógica realizada na escola. Por
exemplo, tagclouds geradas a partir das respostas dos alunos
(Figura 3) sugerem a associação de Ciência ao conteúdo da
disciplina de Ciências (corpo humano, animais, etc.), Método
Científico às atividades realizadas pelos cientistas e Pesquisa à
busca de informação na Internet ou em livros didáticos.

EMEF Profa ELZA M. P. de Aguiar EMEF JOSÉ BENIGO GOMES EMEF Dr. AIRTON POLICARPO
5a ano Profa Gisele - 27 respostas 5a ano - Profa Jane - 20 respostas 5a ano - Profa Sylmara - 25 respostas

O que é Ciência? O que é Ciência? O que é Ciência?

O que é Pesquisa?
O que é Pesquisa? O que é Pesquisa?

O que é Método Científico? O que é Método Científico?


O que é Método Científico?

Figura 3. Concepções Espontâneas dos alunos

75
Parte 1

Realizar a “Lição de Casa” e refletir sobre ela foi relevante


para colocar os grupos em atuação no contexto escolar já desde
o início do Projeto. Nesta situação, os professores puderam
assumir um papel de investigador, projetando suas hipóteses
para as respostas dos alunos e com isso gerar registros de dados
(desenhos, frases, falas dos alunos), realizar análises e reflexões
sobre os resultados obtidos na investigação realizada com a
classe. Neste sentido esta vivência serviu para mostrar a relevância
de se estimular o interesse, a curiosidade, seja do aluno ou do
professor, em compreender o processo pelo qual estabelecemos
relações e atribuímos sentido ao mundo. Pode-se dizer também
que esta vivência serviu de referência para os professores
pensarem outras perspectivas para realizar mediações com seus
alunos, desenvolvendo um trabalho pedagógico desencadeado
a partir do levantamento das “concepções espontâneas” sobre
um dado contexto, conceito, fenômeno, tema.
A espiral da Figura 4 evidencia a dinâmica da formação
encaminhada no III Seminário de 2012.

Figura 4. Espiral - Dinâmica de Formação do III Seminário de 2012

76
Capítulo 3

No início deste evento cada escola apresentou resultados


da “Lição de Casa” proposta no evento anterior. Os grupos
descreveram processos e resultados obtidos com a realização
da investigação encaminhada junto aos alunos, coleta e análise
das concepções espontâneas para os termos Ciência, Pesquisa
e Método Científico. Neste evento os pesquisadores também
apresentam resultados de atividade do Seminário anterior
referentes às concepções espontâneas do grupo para os
mesmos três termos. Em outro período da agenda, a equipe de
pesquisa também apresentou os resultados da “Mão na Massa”
do evento anterior, relativos às resoluções dos grupos para
os “Cenários Hipotéticos” de práticas escolares. A partir das
apresentações e reflexões ocorridas neste evento, uma nova
“Lição de Casa” foi apresentada aos grupos para ser encaminhada
nas escolas.
O desafio proposto envolvia o planejamento de uma
atividade de investigação de forma mais completa, partindo desta
vez de uma indagação colhida junto aos alunos, identificação
de hipóteses da classe para a questão levantada no grupo,
delineamento de um experimento no qual os próprios alunos
pudessem fazer suas observações baseadas em fatos. Cada grupo
então deveria pensar em como iria encaminhar uma investigação
na escola, seguindo todas as etapas especificadas na animação
em vídeo mostrada no primeiro encontro. Aliado a este recurso
(vídeo), outra referência apresentada para orientar os grupos no
delineamento da investigação na escola foi um “Meta-Modelo”
(Figura 5) do processo de “como” fazer Pesquisa, conforme
apresentado no Capítulo 2.

77
Parte 1

Figura 5. Meta-modelo ABInv de Investigação

Este diagrama agrupava as etapas da investigação em


três grandes blocos e especificava pontos essenciais para serem
formulados nos planos das equipes. Este instrumento serviu
de base para os grupos especificarem como iriam realizar uma
atividade completa de investigação na escola.

PLANO E EXECUÇÃO DE UMA ATIVIDADE COMPLETA DE INVES-


TIGAÇÃO A SER CONDUZIDA NA ESCOLA.

Para acompanhar os grupos na realização das primeiras “Lições


de Casa” (II e III Seminários) nas escolas, foram realizadas Web-
conferências que viabilizavam o diálogo entre as equipes mesmo
a distância. Estes eventos foram significativos para acompanhar,
trocar ideias sobre os cenários de investigação em andamento
com os alunos. As Figuras 6 e 7 mostram telas do sistema utilizado
para o estabelecimento destas interações. Cada Web-conferência
tinha a duração de aproximadamente duas horas e na agenda
havia tempo para cada equipe relatar o encaminhamento das

78
Capítulo 3

atividades na escola e para reflexões do grupo a respeito das


práticas relatadas. A Figura 6 ilustra os participantes conversando
sobre a agenda de atividades do dia na primeira Web-conferência.
Neste evento cada grupo abordou o andamento do experimento
de obtenção das concepções espontâneas dos alunos para
Ciência, Pesquisa e Método Científico.

Figura 6. Uso de Sistema de Web-Conferência (Adobe Connect) em


14/06/2012 (10:30 h às 12:00 h), discutindo Encaminhamentos da “Lição de
Casa”: Plano e Execução da Investigação em andamento no contexto escolar

A Figura 7 ilustra três momentos da Web-Conferência


realizada em setembro de 2012. Em torno do diagrama das etapas
do processo de investigação, os participantes expressaram seus
entendimentos sobre o que deveria ser realizado no período
e como estavam implementando a “Lição de Casa”, que desta
vez envolvia o planejamento de uma atividade completa de
investigação na escola. Nas outras duas telas aparecem os slides
com textos e imagens utilizadas pelos grupos para compartilharem
as etapas da investigação encaminhada junto aos alunos.

79
Parte 1

Figura 7. Ilustração de conteúdo em discussão em Web-Conferência

Neste processo de delineamento de cenários de inves-


tigação realizados junto aos alunos, algumas orientações para
os professores foram agregadas ao meta-modelo ABInv de
investigação. Com estes encaminhamentos, os profissionais que
conduziam este Projeto de pesquisa alicerçavam a especificação
de alguns pontos do planejamento da atividade na escola:

• Qual problema será investigado pelos alunos?


• Quem está investigando?
• O que eles já conhecem sobre o problema?
(concepções espontâneas)
• Quais são as perguntas dos alunos para o problema?
• Quais são as hipóteses (explicações testáveis) deles?

80
Capítulo 3

Cenário Experimental
• Que material será utilizado no experimento?
• Qual dado vai ser coletado?
• Como será o registro do dado?
• Como será feita a análise dos dados registrados?
• Como a análise dos dados responde às hipóteses?
A partir dessas orientações, os professores elaboraram os
planos de investigação registrando-os em um formulário online
(Figura 8).

Figura 8. Questionário online sobre o Plano de Investigação

Estes instrumentos possibilitavam a sistematização do


planejamento e da implementação da investigação na escola. O
compartilhamento dos processos viabilizavam informações para
que os pesquisadores acompanhassem e dialogassem com as
equipes sempre que necessário. A organização e sistematização

81
Parte 1

de dados sobre a vivência encaminhada junto aos alunos


também era útil para as escolas realizarem suas apresentações
nos Seminários do Projeto. No processo de planejar, executar e
relatar a investigação encaminhada com os alunos, os professores
especificavam a relação com o currículo e com seu plano
pedagógico para o período letivo.
O instrumento apresentado a seguir foi elaborado
para evidenciar as dinâmicas de trabalho encaminhadas pelo
professor e mais especificamente as ações que os alunos estariam
realizando no processo investigativo. O intuito era nortear o
encaminhamento da prática de investigação na escola bem como
o relato do processo por parte do professor.
O Processo Investigativo na Ação do Aluno (percepção, cons-
trução de conhecimentos).

1. Quais as perguntas que os alunos fizeram para o problema


levantado no fenômeno estudado. Exemplifique.
2. Como coletaram respostas dos alunos (dinâmica de
trabalho encaminhada pelo professor)?
3. Qual é o experimento realizado pelos alunos?
4. Como os dados do experimento foram registrados pelos
alunos?
5. Os dados foram analisados pelos alunos de forma a serem
utilizados para responderem as perguntas da investigação?
Sim, Não, Por quê?
6. Resultado da participação do aluno no processo de
investigação. “A voz do aluno” – O que o aluno comenta
sobre a investigação científica da qual ele participou. Qual
a “consciência”, percepção do aluno sobre o processo de
investigação que ele realizou?
7. Comentar o resultado da construção de conhecimento vi-
venciada pelo aluno na sua concepção enquanto professor.

No IV Seminário realizado em 26/10/2012 as escolas


(duplas: professor-supervisor) apresentaram os resultados
obtidos em relação à condução da atividade de investigação com
os alunos. Os cenários educacionais focados na “aprendizagem

82
Capítulo 3

baseada na investigação” desencadearam vivências na escola


articulando etapas do método científico, em contextos geralmente
ligados ao cotidiano dos alunos, promovendo o estudo de
sua realidade integrado a algum conteúdo escolar. Assim, por
exemplo, temas como destino de lixo, consumo de energia elétrica,
nutrição e qualidade da água de córregos próximos às escolas,
foram pesquisados. Os cenários promoveram a investigação
de ideias por parte do aluno, da classe e de seus professores
(Figura 9). Potencializaram algumas conexões entre disciplinas
como ciências, matemática, geografia, história, português,
educação artística, entre outras.

[Fig. 9-A]. Fazendo tinta


com produtos naturais
(1º ano – Pedreira)

83
Parte 1

[Fig. 9-B]. Registro de aluno sobre objetos


e medidas (5º ano – Sud Mennucci)

[Fig. 9-C]. Gráfico com dados


do experimento: tempo de
banho e consumo de água
(5º ano – Campinas)

Figura 9(A, B, C). Ilustração de experimentos, coleta e tabulação de dados


gerados nas investigações encaminhadas nas escolas em 2012

No início do segundo ano do Projeto ABInv foi elaborado


um instrumento para orientar o refinamento de um novo “Plano
de Investigação” a ser realizado na escola. Havia a orientação de
que até o próximo Seminário cada grupo fizesse:

• levantamento junto aos alunos de perguntas de pesquisa


científica;

84
Capítulo 3

• escolha de uma das perguntas testáveis e encaminhamento


de um levantamento junto aos alunos de hipóteses
relativas à pergunta selecionada;
• Seleção de hipóteses que pudessem ser verificadas em
experimento;
• Plano do Experimento (materiais e métodos, coleta e
registro de dados, análise e conclusões sobre como os
resultados respondem ou não a pergunta inicial).

O instrumento apresentado a seguir foi elaborado para


orientar o registro compartilhado do processo de investigação
encaminhado na escola. A edição colaborativa visava também
apoiar os grupos na sistematização de informações necessárias
para o encaminhamento da “Lição de Casa” do I Seminário de
2013 – Preparação de uma Investigação a ser encaminhada na
escola. Para cada equipe (professor, gestor e pesquisador) foi
compartilhado um documento no Googledocs que ia sendo
preenchido na medida em que as atividades eram planejadas
pelo professor na escola. Por estar online e compartilhado, todos
podiam acessar o registro a qualquer momento e trocar ideias
sobre o plano e a investigação em andamento. Basicamente o
documento organizava o plano na especificação do problema
da investigação, as perguntas e hipóteses dos alunos, quais
variáveis poderiam impactar no resultado da investigação, que
experimento seria encaminhado, como seria o registro e análise
dos dados e quais resultados teriam sido obtidos na investigação.
Era solicitado ainda que o professor comentasse o que os
alunos achavam da atividade de investigação que vivenciaram
e elaborasse uma reflexão sobre a construção de conhecimento
proporcionada por esta prática pedagógica, como exemplificado
a seguir:

85
Parte 1

Registrando o processo de investigação no Gdocs colabora-


tivamente

O Problema – Conte aqui sobre o tema da investigação.


• Qual problema será investigado pelos alunos?
• Quem está investigando?
• O que eles já conhecem sobre o problema? (concepções
espontâneas)

As Perguntas - Conte aqui sobre quais perguntas foram levan-


tadas e como isso foi feito.
• Quais são as perguntas dos alunos para o problema?
• Como foram coletadas as respostas dos alunos? (dinâmica
de trabalho encaminhada pelo professor)

As Hipóteses – Conte sobre as hipóteses, quais são elas? Como


foram levantadas? Quais são testáveis? Quais não são testáveis?
• Quais foram as hipóteses levantadas (explicações testáveis)
por eles?
• Quais hipóteses foram selecionadas para investigação?
Justifique a seleção.

As Variáveis – Comente sobre as variáveis da hipótese, que con-


dição ou fator pode afetar o resultado da sua investigação?
• Qual (ou quais) é (são) a(s) variável/eis independente(s)? - o
que você muda em um experimento.
• Qual é a variável dependente? - o que você mede em um
experimento.

O Experimento – Detalhe o passo a passo do experimento


• Qual é o experimento realizado pelos alunos?
• Que material é utilizado no experimento?

86
Capítulo 3

Os Dados – Conte sobre a coleta de dados do experimento, o


que vai ser coletado, como?
• Qual dado vai ser coletado?
• Que instrumento(s) é/são utilizado(s) na coleta de dados?

O Registro – Escreva aqui sobre a forma de registro dos dados,


de que forma e quem vai realizar o registro? Utilizando qual
instrumento?
• Como os dados do experimento foram/estão sendo
registrados pelos alunos?
• Onde o registro do dado está sendo feito?

A Análise – Comente sobre como será/foi realizada a análise dos


dados coletados.
• Como será feita a análise dos dados registrados?
• Os dados foram analisados pelos alunos de forma a serem
utilizados para responderem as perguntas da investigação?
Sim, Não, Por quê?

Resultados – Escreva sobre os resultados parciais do processo de


investigação.
• Como os resultados da análise de dados do experimento
respondem a pergunta da investigação?

Reflexão sobre a participação do aluno no processo de


investigação.

•  “A voz do aluno” - O que o aluno comenta sobre a


investigação científica da qual ele participou? Qual a
“consciência”, percepção do aluno sobre o processo de
investigação que ele realizou?
•  “A voz do Professor” - Comente sobre o resultado da
construção de conhecimento vivenciada pelo aluno na sua
concepção enquanto professor

87
Parte 1

No III Seminário, ocorrido em setembro de 2013, os do-


cumentos gerados no GDocs foram utilizados em uma dinâmica
de trabalho nomeada “Escravos de Jó”, ilustrada na Figura 10.

“ESCRAVOS DE JÓ”: PARTICIPANTES EM GRUPO REALIZAM


ANÁLISE DE RESPOSTAS DOS PARES PARA O EXPERIMENTO E A
CIRCULAM

Nesta atividade os participantes realizavam análise das infor-


mações descritas explicitando o entendimento do grupo para
a pergunta, a hipótese e o experimento encaminhados na inves-
tigação. Após determinado tempo cada grupo entregava sua
análise para o grupo seguinte e recebia outro GDocs com a
descrição da investigação de outra escola e assim sucessivamente
até o documento da investigação retornasse ao próprio grupo.

Figura 10. Dinâmica participativa para revisão do


Plano de Investigação das Escolas por pares

88
Capítulo 3

Os resultados da prática “Escravos de Jó” foram então


sintetizados pelos pesquisadores para análise e apresentação
no Seminário seguinte. A Figura 11 ilustra uma das folhas de
respostas que circulou na atividade.

Grupo 1 - Investigação Sud Mennucci (Juliana, Gislene, Fernanda)

Tema:

Eu entendi que a pergunta é:

Grupo 1 As lagartas só comem folhas?


Grupo 2 As lagartas só comem folhas?
Grupo 3 As lagartas só comem folhas?

Eu entendi que a hipótese é...
Variável dependente:
Variável independente:

Grupo 1 Entendemos que a hipótese que é testável é que há variedade de alimentos que as
lagartas comem.
Variável dependente: são os alimentos.
Variável independente: não nos ficou claro. Será que a lagarta do couve só come
couve?
Grupo 2 Variável dependente: Diferentes tipos de alimentos (folhas, insetos e bananas)
Variável independente: caixas de sapatos e condições térmicas para manter a lagarta
viva.
Grupo 3 Variável dependente: diferentes tipos de alimento.
Tem-se a dúvida da variável dependente: a lagarta vai comer ou não?
Variável independente: condições ambientais controladas. Dúvida – Independente:
alimento oferecido.

Eu entendi que o experimento é...


Quem faz:
O que usa:

Grupo 1 Comprovar a pergunta através do experimento


Quem faz: alunos e professores
O que usa: caixas, as folhas, a lagarta, outros alimentos.
Grupo 2 Quem faz: Os alunos
O que usa: Lagarta e ambiente propício e alimentação adequada.
Grupo 3 Quem faz: alunos
O que usa: Experimento controlado - caixa com lagarta e alimentos.

Figura 11. Ilustração de Resultado da Dinâmica “Escravo de Jó”: Respostas


dos 03 grupos para pergunta, hipótese, experimento do cenário de
investigação de uma das escolas

89
Parte 1

A relevância desta prática vem do fato que vendo o que o


outro entende por pergunta de pesquisa, hipótese, experimento,
há uma reflexão sobre o próprio entendimento desses conceitos
na prática de cada um. Isso significa aprender sobre os conceitos
em questão a partir do conceito situado, isto é, do dado que vem
da prática desses conceitos com os alunos. Isso é muito diferente
de tentar “aprender” sobre os conceitos a partir de referências
externas, já prontas, isto é, formalizadas por outros, para então
“aplicá-los”. Tais referências externas, fontes diversas da literatura
acadêmica ou didática são relevantes para situar o entendimento
do professor em sua ação, de forma a sustentar sua reflexão
sobre a prática.

DINÂMICA PARA CONSTRUÇÃO DOS CAPÍTULOS DO LIVRO


ABInv

Este livro também foi fruto das dinâmicas conduzidas no


Projeto ABInv. A ideia de elaborar um livro sobre o Projeto
foi apresentada ao grupo no primeiro Seminário de 2013 e
verificado o interesse da equipe em dar encaminhamento a esta
iniciativa, nos eventos subsequentes, algumas atividades “Mão
na Massa” foram elaboradas para especificação da forma e
conteúdo dos capítulos. No III Seminário de 2013 três formatos
foram apreciados com cada grupo especificando prós e contras
para cada um deles. Houve votação e tabulação de dados. A
Figura 12 ilustra o formato 2 – Narrativa ilustrada, a tabulação de
prós e contras para este design e gráfico com os resultados da
votação.

90
Capítulo 3

[Fig. 12-A]

[Fig. 12-B]

[Fig. 12-C]

Figuras 12 (A, B, C). Exemplo de Formato para conteúdo do livro,


análise e votação do grupo

91
Parte 1

Para a construção dos conteúdos dos capítulos do Livro


ABInv, no IV Seminário de 2013 foi encaminhada a atividade
“Mão na Massa” que solicitava que cada grupo criasse um pôster
para descrever o cenário de investigação desenvolvido com os
alunos na escola. Para compor o pôster foram disponibilizados
materiais como tesoura, papel, cola e impressos com a descrição
da investigação elaborada no GDocs e os slides com textos e
imagens utilizados nas apresentações dos professores ocorridas
nos Seminários anteriores (Figura 13).

Figura 13. Elemento gráfico da Mão na Massa


“Construção dos Capítulos do livro”

A Figura 14 ilustra equipes e pôsteres sendo produzidos


na atividade Mão na Massa.

Figura 14. Dinâmica “Mão na Massa” relacionada ao livro ABInv

92
Capítulo 3

A partir dos materiais gerados e diálogos estabelecidos


nesta dinâmica de trabalho, cada grupo pôde dar continuidade
à discussão do conteúdo e à escrita de seus capítulos por meios
de outras interações estabelecidas entre os autores nos meses
subsequentes.

DISCUSSÃO SUCINTA DOS AVANÇOS TEÓRICO, EXPERIMENTAL E


PRÁTICO OBTIDOS NO PROJETO

A abordagem da aprendizagem baseada na investigação, tema


deste livro, abrange: concepção, práticas metodológicas e
implantação nas Escolas. Conforme apresentado no Capítulo 2,
o ABInv parte do pressuposto de que todo e qualquer processo
de aprendizagem ou formação por investigação tem que abrir
possibilidades de indagar. Além disso, considera que há sempre
um conhecimento anterior sobre os conceitos, que não é
necessariamente formal, mas uma concepção espontânea, que
cada indivíduo carrega sobre uma série de fenômenos cotidianos
que experimenta. Assim, a abordagem propôs retomar os
conceitos espontâneos para situá-los no cotidiano das práticas
escolares ao longo do desenvolvimento do Projeto. A origem e
base do processo são os próprios conceitos de Ciência, Pesquisa
e Método Científico, que estão, num nível mais alto, sendo
reconstruídos também. Para os pesquisadores, o desenvolvimento
do Projeto também é parte de um processo investigativo, que
envolveu:

a) Estabelecimento das bases conceituais do Projeto e do


seu referencial metodológico: entendendo a Escola como
espaço para promoção de contextos que fomentem a
aprendizagem baseada na investigação, articulada com
uma visão situada do processo de inclusão do laptop
educacional no cotidiano escolar;
b) Experimentações de cenários articulados com o referencial
metodológico da pesquisa através de práticas realizadas
em diversos contextos pedagógicos desenvolvidos nas
escolas;

93
Parte 1

c) Realização de Seminários de Formação (presenciais e


a distância) com gestores, professores das escolas e
pesquisadores, com dinâmicas de trabalho que buscavam
articular interesses de pesquisa com a prática no cotidiano
dos professores e dos alunos; tais dinâmicas visavam
apoiar a vivência da comunidade escolar em atividades
direcionadas ao fomento da aprendizagem baseada na
investigação, com o uso de tecnologias de informação e
comunicação (tais como laptops educacionais, máquinas
fotográficas e filmadoras digitais);
d) Registro de processos de significação dos envolvidos
no Projeto (alunos, professores, pesquisadores, gestão
da Escola) utilizando várias mídias incluindo a web, a
fotografia e o vídeo como ferramentas;
e) Meta-reflexão e lições aprendidas.

A participação nos 08 Seminários presenciais evidencia


a presença contínua das escolas, além do número constante
de envolvidos (média de 30 participantes por evento). Tais
eventos representam espaços de compartilhamento, diálogos e
troca de ideias entre vários segmentos do Projeto: a equipe de
pesquisa, professores, gestores, alunos, estagiários, técnicos das
escolas, profissionais de Secretaria de Educação dos municípios,
formadores de Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE), alunos
da Universidade. Ao longo dos dois anos de pesquisa a ideia foi,
a cada encontro, ampliar a atuação do grupo com experiências
mais sistematizadas e novas reflexões e compartilhamento dos
processos e resultados obtidos entre participantes deste Projeto.

VIVÊNCIAS NA ESCOLA DA APRENDIZAGEM BASEADA NA


INVESTIGAÇÃO ARTICULADAS COM USO DE TECNOLOGIAS.

Neste Projeto algumas vivências baseadas na abordagem da


aprendizagem baseada na investigação foram desencadeadas nas
escolas. Os processos e resultados obtidos foram compartilhados
nos eventos de formação e acompanhamento realizados na
pesquisa (Figura 15). A análise dessas experiências possibilitou

94
Capítulo 3

verificar a importância da realização de ações práticas e contex-


tualizadas na realidade escolar. Tais vivências foram viabilizadas
pela formação constante do professor, apoiando o aprimoramento
do trabalho pedagógico nas escolas de forma a incluir o laptop
educacional no contexto de investigação nas práticas educativas.

[Fig. 15-A]

[Fig. 15-B]

95
Parte 1

[Fig. 15-C]

[Fig. 15-D]

Figura 15 (A, B, C, D). Registros compartilhados nos Seminários do Projeto.


As imagens ilustram: Interações, dinâmicas de trabalho, relatos de
experiências compartilhados pelas equipes envolvidas na pesquisa

96
Capítulo 3

Essas experiências compartilhadas a cada Seminário


evidenciam resultados da abordagem metodológica adotada no
Projeto e nos mostram a competência dos professores em aceitar
o desafio proposto pela pesquisa para transformar a práxis do
cotidiano. Elas também nos revelam que a docência na escola
pública tem empenho em sistematizar suas práticas, observá-
las e refletir sobre elas com a perspectiva do conhecimento
acadêmico.
As ações de formação e pesquisa encaminhadas neste
contexto também incentivaram que alguns dos resultados das
atividades desenvolvidas nas escolas fossem apresentados pelos
próprios alunos e professores em eventos de finalização de ano
letivo realizados nestas instituições de ensino, como ocorrido
em 2012, por exemplo. Esses eventos, além de promoverem
o envolvimento dos alunos e professores na documentação,
organização e explicitação dos conhecimentos construídos em
situações práticas, são importantes para o desenvolvimento
pessoal e profissional dos professores, bem como para o
desenvolvimento dos alunos do ponto de vista de expressão e de
utilização de recursos tecnológicos na exposição de suas ideias
para outros públicos.
Alguns relatos de professores e gestores, que participaram
das ações de formação no âmbito do projeto de pesquisa (como
por exemplo, Seminários e Web-conferências realizados em
2012), mencionaram que a abordagem pedagógica baseada na
investigação tem contribuído para a implantação na escola de
um “velho sonho”, apesar de estar proposto nos PCN (Parâmetros
Curriculares Nacionais), ele só começou a ser implantado na
realidade escolar a partir das vivências fomentadas por este
Projeto de pesquisa.
No trecho evidenciado a seguir, a orientadora pedagógica
de uma das escolas participantes da pesquisa, expressa, em
suas reflexões, impactos e repercussões iniciais da abordagem
“aprendizagem baseada na investigação” em sua realidade esco-
lar. Ela destaca o trabalho que normalmente ocorre nas escolas
em torno de “pesquisa escolar” e dinâmicas de trabalho en-
caminhadas com alunos; faz um contraponto com as novas

97
Parte 1

perspectivas surgidas a partir da participação do grupo neste


projeto de pesquisa, que fomenta o contato dos alunos e pro-
fessores com o processo de investigação científica em cená-
rios escolares visando “desenvolvimento da capacidade de
observação, descrição, análise e construção de saberes pela par-
ticipação ativa dos alunos”. A gestora relata também que a
perspectiva trazida por este Projeto de pesquisa foi incorporada
ao Projeto Político Pedagógico da escola em 2013, fato este que
viabilizou inserção desta abordagem nas pautas de reuniões
de planejamento pedagógico (tempos de Trabalho Docente
Coletivo – TDC).

“A proposta de aprendizagem baseada na inves-


tigação chega na escola como um recurso de avanço
da proposta metodológica existente. O Projeto Político
Pedagógico (PPP) da EMEF Elza já integra a prática
de pesquisa enquanto recurso de aprendizagem e
aprofundamento de estudos, porém percebi, en-
quanto Orientadora Pedagógica, a necessidade de
aprimorar a visão dos docentes sobre o que era a
“pesquisa escolar”.
O conceito de pesquisa utilizado baseava-se na
prática de pesquisa bibliográfica para acrescentar
informações sobre um ou outro tema, para ampliação
dos textos do livro, exposição oral dos assuntos por
pequenos grupos de alunos, confecção de cartazes
etc. Surgiam também pequenas “aventuras” expe-
rimentais que culminavam na escrita de relatos
de experiência. Era preciso ir além, pois o objetivo
de ensino da escola visa ao desenvolvimento da
capacidade de observação, descrição, análise e
construção de saberes pela participação ativa, que
precisava de uma estratégia que favorecesse seu
alcance. Parte dos tempos de Trabalho Docente
Coletivo (TDC) foi dedicada ao estudo e planejamento
de propostas de ensino utilizando aprendizagem
baseada na investigação. A diferenciação do con-
ceito de pesquisa escolar para o de aprendizagem
investigativa foi o ponto inicial. Assim, reviu-se com
os professores um pouco de metodologia científica e
debateu-se como aplicar este caminho de construção

98
Capítulo 3

de conhecimento nas diversas áreas do saber e com


foco na proposta curricular da escola.”

[trechos de relato de F. M. G. F., Orientadora Peda-


gógica EMEF Elza, dezembro de 2012]

Pode-se destacar que nas ações encaminhadas neste


Projeto de pesquisa, novos espaços foram abertos para que cada
escola elaborasse cenários educacionais que pudessem fomentar
a “aprendizagem baseada na investigação” com vivências
que articulassem etapas do método científico, em contextos
geralmente ligados ao cotidiano dos alunos, promovendo, assim,
o estudo de sua realidade de forma integrada aos conteúdos
escolares.
No processo de formação para a aprendizagem baseada
na investigação, como proposto em nosso Projeto, a construção
dos conceitos se dá a partir do envolvimento na prática destes, e
isso acontece com todas as partes envolvidas, existe uma relação
simbiótica do conceitual com a prática, em todos os níveis: no
envolvimento do aluno com o conteúdo sendo investigado, na
vivência do professor em sua sala de aula com seus alunos, o
que está observando, como está planejando e conduzindo o
processo de investigação de seus alunos, como está reportando
e refletindo sobre sua prática. Da mesma maneira, há um
processo de investigação em curso também no próprio processo
de formação dos professores. Nesse sentido, também a dinâmica
de formação proposta com seus artefatos, atividades e reflexões
esteve consistente com os princípios e práticas mediadoras da
aprendizagem baseada na investigação.  

99
Parte 1

REFERÊNCIAS

VALENTE, J.A.; MARTINS, M.C. (2011) O Programa Um Computador


por Aluno e a formação de professores das escolas vinculadas à
UNICAMP. Revista Geminis (UFSCar). 2(1): 116-136. Disponível
em: http://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/
article/view/43. Acessado em: Fevereiro 2014.
VALENTE, J.A.; MARTINS, M.C. (2012) Preparing Teachers to Use
Laptops Integrated to Curriculum Activities: the experience of
One Laptop per Student project at Unicamp. Anais Conferência
“Constructionism 2012: Constructionism: theory, practice
and impact”, Atenas, Grécia, 21 a 25 de Agosto de 2012, p.
250-259. Disponível em: http://constructionism2012.etl.ppp.
uoa.gr/ Acessado em: Fevereiro 2014.

100
Capítulo 4 - Entre trenas, hortas, pedras
e supermercados: a formação de profes-
sores e os efeitos do ABInv na escola
Gislene Basso de Paula1 e Fernanda Maria Pereira Freire2

INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta o processo de formação de professores


da EMEF José Benigo Gomes, localizada no município de Sud
Mennucci, estado de São Paulo, no âmbito do Projeto de Pesquisa
“Aprendizagem Baseada na Investigação” (ABInv), financiado
pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e desenvolvido
pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) da
Universidade Estadual de Campinas.
A formação que deu início a um movimento educacional
na escola teve sua origem no Projeto UCA (Um Computador por
Aluno), em 2010, quando recebemos 310 laptops para serem
integrados ao currículo escolar. Naquele momento a formação
se concentrou nas possibilidades pedagógicas oferecidas pelo
dispositivo e foi a partir desse primeiro passo que pudemos
construir uma formação baseada no Método de Investigação
Científica, usando a tecnologia como aliada.

QUEM SOMOS?

Nossa escola está localizada no distrito de Bandeirantes D’Oeste


na cidade de Sud Mennucci, distante 627 km da capital de
São Paulo. É um município pequeno que foi, recentemente,
reconhecido nacionalmente como “Cidade Digital”, por ser a
primeira cidade do país a oferecer internet banda larga 100%
gratuita para toda população por meio da tecnologia wireless3.

1 Coordenadora Pedagógica da EMEF José Benigo Gomes.


2 Pesquisadora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/UNICAMP).
3 http://www.sudmennucci.sp.gov.br/index.php/sud-menucci/dados-economico,
acessado em 04/março/2014.
Parte 2

A escola funciona em dois períodos. Pela manhã, atende a


127 alunos do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e 44 alunos
das Etapas I e II matriculados na Escola Municipal de Ensino
Infantil Pingo de Luz, que faz uso das mesmas instalações.
No período da tarde, a escola abriga 106 alunos matriculados
no Fundamental I (1º ao 5º ano). Treze funcionários, entre
bibliotecários, inspetores e agentes de limpeza trabalham
na escola, além de 21 educadores e 03 profissionais gestores,
sendo uma diretora e uma coordenadora pedagógica para cada
ciclo.
Antes de se filiar ao Projeto UCA, a escola contava com um
laboratório de informática com 30 computadores em perfeitas
condições de uso conectados à internet, o que possibilitava a
realização de pesquisas e trabalhos escolares orientados por uma
monitora de informática. Em datas e horários pré-estabelecidos
este espaço era aberto à comunidade, uma vez que nem todos
os moradores tinham condições de adquirir um computador
pessoal, mesmo recebendo sinal de internet gratuito.
A chegada dos laptops UCA dinamizou o uso do
laboratório da escola. Os pais, motivados pela presença dos
laptops em suas casas, se interessaram por aprender a usar a
ferramenta. Por essa razão, a escola formou duas turmas de pais
que passaram a frequentar aulas com a monitora sobre noções
básicas de informática, acesso às redes sociais e utilização de
ferramentas de comunicação. A escola tornou-se, então, um
espaço de letramento digital para a comunidade em geral.
Até então, a ideia de “pesquisa” que circulava na escola
era a de consulta em obras de referência sobre um tema escolar
indicado aos alunos pelo professor, em função do conteúdo
tratado em sala de aula. Essa ideia ganhou maior amplitude com
a descoberta, por professores e alunos, da internet e sua imensa
base de dados sobre todo tipo de assunto. Essa era a “pesquisa”
que até então conhecíamos e praticávamos.

104
Capítulo 4

2012 - O INÍCIO DA FORMAÇÃO NA ESCOLA: A PASSAGEM DO


UCA PARA O ABInv

A coordenadora do Ensino Fundamental II participou do Projeto


UCA como formadora dos professores desde o seu início, em
2010, quando a escola recebeu os equipamentos. Em meados de
2012, com a implantação do Projeto de Pesquisa ABInv (CNPq),
assumiu também a função de supervisora no Projeto, passando a
ser responsável pelas ações de formação na escola envolvendo,
desta vez, o Método de Investigação Científica.
Até então, a formação dos professores tinha como meta
introduzir os softwares e aplicativos do laptop no processo escolar,
integrando-os ao currículo visando fomentar o aprendizado
dos alunos. Foi então, a partir das observações e análises feitas
durante esse período, que foram planejadas e postas em ação
novas atividades de formação focalizando propostas educacionais
baseadas na investigação.
Esta nova proposta surpreendeu os professores que não
se sentiram, de início, preparados para se envolver no processo.
Era tudo muito novo. Por essa razão, a formação no contexto do
ABInv se iniciou com uma professora de Matemática, atualmente
diretora da escola, que assumiu o desafio. Pouco a pouco, foi
se estabelecendo uma parceria entre formadora e professora
em formação, que resultou em um processo de aprendizagem/
formação compartilhado. Ao mesmo tempo em que ambas se
formavam em relação à abordagem do Método de Investigação
Científica, analisavam como o laptop poderia ser integrado a
esse cenário e como poderiam, aos poucos, expandir a proposta
na escola, envolvendo outros professores.
A partir do conhecimento e da experiência da Professora
de Matemática e com base nos conteúdos curriculares dos 5º e
6º anos, percebemos que os conceitos de área e de perímetro
poderiam ser explorados por meio do Método de Investigação.
Segundo a professora, os alunos apresentavam dificuldade para
utilizar instrumentos de medição, uma vez que esses conceitos
geométricos são, na maior parte das vezes, ensinados de forma
superficial aos alunos, não lhes permitindo relacionar, de forma

105
Parte 2

significativa, a teoria estudada em sala de aula às situações do


dia a dia.
Antes mesmo de iniciar o trabalho educacional envolvendo
os conceitos geométricos, achamos por bem introduzir aos
alunos algumas noções sobre o Método de Investigação. Em
um primeiro momento, fizemos um levantamento junto aos
alunos sobre o que compreendiam por “Ciência”, “Pesquisa” e
“Método Científico”. Os alunos escreveram em filipetas suas
“concepções espontâneas” sobre cada um desses termos, que
foram, posteriormente, coladas na lousa para serem analisadas
coletivamente (Figura 1).

Figura 1. À direita filipetas coladas na lousa,


à esquerda aluno escrevendo em sua filipeta.

106
Capítulo 4

Vejamos algumas das respostas para a palavra “Ciência”,


fielmente transcritas4 a seguir (Figuras 2, 3 e 4):

Figura 2. Ciencia é experiencia é investigar,


Descobrir, aprender e fazer calculos.

Figura 3. Matematica, coisa importante, experiencia logica

Figura 4. É o que estuda os fenomênos e seres que existem


ou já existiu antes do ser humano ter aparecido. Também
estuda os fosseis e plantas de todo tipo.

A análise de todas as respostas mostrou que elas se


subdividiram, basicamente, em dois grupos de alunos: (i) o dos
alunos que têm uma noção básica do termo “ciência” e que
conseguem, usando palavras próprias, chegar à conclusão de que
Ciência é pesquisa (Figuras 2 e 3); e (ii) o dos alunos que vinculam

4 Como essas atividades foram realizadas em sala de aula e recolhidas pelas professoras, não
foi possível realizar a rescrita dos textos, razão pela qual alguns deles apresentam problemas de
diferentes ordens (ortografia, concordância, pontuação, entre outros) que aqui foram mantidos
para preservar o modo como os alunos se expressaram naquele determinado momento.

107
Parte 2

a palavra “Ciência” com o nome da disciplina “Ciências” que


estuda o corpo humano, os seres vivos, os fenômenos naturais,
etc. (Figura 4)
Na sequência, perguntamos o que entendiam por
“Pesquisa” (Figuras 5 e 6).

Figura 5. Pesquisa é procurar dados, investigar em livros


ou computador, levantar Perguntas e pesquisar.

Figura 6. É descobrir uma coisa importante. A pesquisa é feita para tira as


duvidas que temos e ajudar a nos desenvolver.

Figura 7. É quando pesquisamos algo, por exemplo, sobre os índios, como


eles viviam, que comidas eles comem e outros. Podemos pesquisar em
cadernos, computador, dicionários etc.

Os dois primeiros alunos (Figuras 5 e 6) apresentam


respostas mais próximas daquilo que pretendíamos colocar
em prática com eles – procurar dados, levantar perguntas, tirar
dúvidas – e esse tipo de resposta foi dada pela maior parte dos
alunos, mostrando que eles têm uma noção do que significa
pesquisar para além do que fazem na escola. Já o aluno da

108
Capítulo 4

Figura 7, para se expressar, lança mão de um exemplo vivenciado


no dia anterior na aula de História, demonstrando que a sua
concepção de pesquisa é escolarizada e menos abrangente.
Finalmente, vejamos o que dizem os alunos sobre “Méto-
do Científico” (Figuras 8, 9 e 10).

Figura 8. Método cientifico e o que desenvolve as coisas

Figura 9. É um modo de prova a ciências e fazer a ciência etc.

Figura 10. Científico e um Programa que mede a temperatura


do ar e da chuva.

Alguns alunos associam a expressão “Método Científico” à


noções como desenvolver ou provar alguma coisa (Figuras 8 e 9).
Boa parte dos alunos, no entanto, apresentou respostas pouco
precisas, demostrando que a expressão lhes era desconhecida.
Outros alunos, ainda, se arriscaram a associá-la com algum tipo
de medida, como faz o aluno da Figura 10; coincidentemente,
naquele dia chovia e a temperatura estava amena, o que, talvez,
tenha influenciado a sua resposta. Observa-se que a repetição de
parte do texto - que mede a temperatura – pode ser interpretada
como uma hesitação: provavelmente o aluno começou a escrever,
parou, pensou e retomou a sua resposta.

109
Parte 2

Independentemente das respostas dos alunos terem sido


mais ou menos ajustadas aos sentidos formais de “Ciência”,
“Pesquisa” e “Método Científico”, este levantamento nos mostrou
que os alunos são capazes de expressar o que pensam quando
instigados a fazê-lo. Mostrou, também, que teríamos que
concretizar esses conceitos por meio de ações educacionais
para que ganhassem sentido, de fato. Foi com esse espírito
que iniciamos a formação da professora de Matemática e da
própria formadora, por meio da implantação de uma proposta
pedagógica baseada no Método de Investigação Científica.

AINDA EM 2012 – ESPAÇO GEOMÉTRICO, PERÍMETRO E ÁREA

Professora envolvida: Jane Patrícia Satin Santana5


Turma: 6º ano
Quantidade de Alunos: 26
Objetivo: Auxiliar os alunos na compreensão de conceitos geométricos
relacionando a teoria e a prática.

Motivadas pelos resultados que obtivemos a partir do levan-


tamento do que sabem os alunos sobre “Ciência”, “Pesquisa”
e “Método Científico”, decidimos fazer algo parecido para
sondar o que os alunos compreendiam pela expressão “Espaço
Geométrico” (Figuras 11, 12 e 13).

Figura 11. Significa para mim um território (lugar vazio)

5 Agradecemos à Profa Jane, primeiro, pela sua disponibilidade em participar da primeira experi-
ência ABInv na escola e, segundo, pelo incondicional apoio que vem prestando ao Projeto como
diretora da escola, a partir de 2013.

110
Capítulo 4

Figura 12. É um lugar – territorio – é um espaço.

Figura 13. Onde tem um espaço livre.

Vários alunos relacionaram “espaço geométrico” a um lugar


ou, ainda, a um território; porém, alguns deles afirmam que para
este “espaço” ser “geométrico” precisa ser/estar “vazio” ou “livre”
(Figuras 11 e 13). Para avançarem na reflexão dissemos a eles que
todos nós ocupamos um lugar no mundo e que, portanto, todos
temos o “nosso espaço”. Pedimos, então, que relacionassem os
espaços aos quais pertencem (Figuras 14, 15 e 16):

Figura 14. Em minha casa eu ocupo meu quarto, meu banheiro;


na minha escola, a minha carteira; na sociedade, o universo,
no país e no lugar da minha cidade.

111
Parte 2

Figura 15. Na minha casa: eu ocupo meu quarto e outros cômodos. Na


escola: meu lugar e meu espaço de aluna. No grupo de amigos: sou amiga
de todos e ocupo um lugar importante de sempre ser amiga de todos.

Figura 16. Eu ocupo na sala, cozinha, banheiro, no quarto, no coração da


minha família. Na escola eu ocupo a carteira, banheiro, a sala etc. Já nos
meus amigos eu ocupo a amizade, a confiança, o segredo etc.

No caso destes três alunos, observamos que apenas o


primeiro deles (Figura 14) se restringiu ao contexto de espaço
físico/geográfico; os demais (Figuras 15 e 16), ressignificam a
palavra “espaço” para se referirem a um lugar afetivo, quando
falam de seus amigos e família. Na tentativa de aproximá-los da
noção de “espaço geométrico”, introduzimos um novo elemento:
as medidas. Perguntamos aos alunos que instrumentos eles
conheciam que serviam para medir o espaço (Figuras 17, 18 e 19).

Figura 17. régua, GPS, trena, computador, telescópio, fita métrica, linha de
pedreiro, velocímetro de carro

112
Capítulo 4

Figura 18. régua, trena, GPS, mão, passo, linha corrente, corda.

Figura 19. A medir o espaço e uma regua de medir.

Figura 20. Instrumentos de medição trazidos pelos alunos para a escola.

113
Parte 2

Notamos que muitos alunos conheciam vários instrumentos


de medição e nos surpreendemos com algumas respostas como
as que consideraram o GPS, o telescópio e o velocímetro do carro
(Figura 17). Por outro lado, uma minoria de alunos se restringiu a
elencar um único instrumento de uso comum na escola: a régua.
Como “compromisso de casa” solicitamos que os alunos
trouxessem para a escola alguns instrumentos de medição para
que pudéssemos manipulá-los conjuntamente (Figura 20).
Preparamos, então, uma atividade que denominamos
“Expectativa X Realidade”. Distribuímos entre os alunos uma
tabela contendo uma lista de objetos (borracha, papel sulfite,
lousa, quadra poliesportiva) cujas alturas e larguras deveriam
ser estimadas por eles e registradas nas colunas: “Eu acho que
mede (largura)” e “Eu acho que mede (altura)”6. Em seguida, com
o auxílio de um instrumento de medição apropriado, os alunos
deveriam conferir suas expectativas e anotar a medição exata nas
colunas correspondentes – “Mede exatamente (largura)” e “Mede
exatamente (altura)” (Figura 21).

Figura 21. Tabela da atividade “Expectativa X Realidade”.

6 A depender do objeto, altura ganhou sentido de comprimento, como no caso da quadra


poliesportiva.

114
Capítulo 4

O grande desafio foi pensar na medição de áreas grandes,


como a quadra poliesportiva da escola e o quarteirão no qual
ela se localiza. Como os alunos não chegavam a um consenso a
respeito do “melhor” instrumento para realizar a tarefa dividimos
a classe em quatro grupos e sorteamos entre eles uma régua de
madeira (1 metro), uma fita métrica comum, uma trena pequena
e uma grande (Figura 22).

Figura 22. Grupos de alunos e seus instrumentos de medição.

115
Parte 2

Em campo, os alunos começaram a medir a quadra da es-


cola anotando as medidas na tabela, como mostra a Figura 23.

Figura 23. Alunos medindo a quadra e tomando notas na tabela

116
Capítulo 4

Com a experiência de medir a quadra poliesportiva, os


alunos logo concluíram que o instrumento mais indicado para
medir o quarteirão era, sem dúvida, a trena grande, que permi-
tiria uma medição mais rápida e precisa (Figura 24). Ao compa-
rarem os resultados dos diferentes grupos, notaram que aqueles
que utilizaram as trenas pequena e grande chegaram a resul-
tados semelhantes, enquanto os grupos que usaram a régua e
a fita métrica apresentaram divergências significativas. Percebe-
ram, assim, que o uso de um instrumento não adequado pode
resultar em equívocos.

Figura 24. Medição do quarteirão da escola

117
Parte 2

Durante a atividade os alunos questionaram qual deveria


ser o ponto inicial da medição, se zero ou um. Percebemos que
os alunos não sabiam usar de forma correta os instrumentos de
medição. Passamos a mostrar a eles como utilizar esses instru-
mentos e, ao mesmo tempo, chamamos a atenção para o fato de
que quase tudo ao nosso redor pode ser medido. Assim, os alu-
nos experimentaram medir um mesmo objeto e/ou espaço com
diferentes instrumentos, chegando à conclusão de que para cada
objeto existe um instrumento que melhor se adequa à medição,
tornando-a mais precisa, simples e rápida.
Em meio a este processo, percebemos que a dinâmica
das aulas havia mudado: os grupos de alunos trabalhavam com
afinco para comprovar suas expectativas de medidas para vários
tipos de objetos, aproximando-se cada vez mais das medidas
reais. Transformamos os dados anotados à mão nas tabelas em
gráficos de barras, para que os alunos visualizassem quais grupos
estavam fazendo estimativas mais próximas às medidas reais dos
objetos.
Somente após essa série de explorações é que introduzimos
os conceitos de área e de perímetro esperando que os alunos
os relacionassem às atividades anteriores: o conceito de “área”
à ideia de “espaço que pode ser ocupado” e o conceito de
“perímetro” ao “contorno deste mesmo espaço”. Em seguida, a
professora introduziu as fórmulas matemáticas para cálculo da
área do quadrado e do retângulo (LxL) e a fórmula para calcular
o perímetro (soma de todos os lados de uma figura) para que
os alunos as aplicassem em relação aos objetos que já haviam
medido. Dessa maneira, os alunos conseguiram relacionar a
linguagem matemática às explorações que haviam feito com
vários objetos/espaços. Os resultados deste trabalho foram
apresentados pelos alunos para as demais turmas no auditório
da escola, sob a orientação da professora.
Esta primeira atividade investigativa foi um momento
de aprendizagem importante, não apenas para os alunos, mas
especialmente para a professora e a formadora que, em princípio,
também não conheciam o Método de Investigação Científica
e foram, pouco a pouco, aprendendo a planejar e a executar
junto aos alunos esse outro modo de ensinar a aprender. Para

118
Capítulo 4

tanto, observávamos cuidadosamente a reação dos alunos,


suas perguntas e soluções encontradas para os problemas
que propúnhamos, para que pudéssemos construir a fase
subsequente.
Gradualmente, percebemos o sentido da aprendizagem
baseada na investigação, adquirimos confiança e, assim,
transmitimos maior segurança aos demais professores que, à
distância, assistiam o nosso trabalho, constatando que era possível
modificar a dinâmica da aula, tornando-a mais interessante e
atrativa sem perder de vista os objetivos educacionais.
Esta primeira investigação serviu, ainda, para orientar a
elaboração de um novo plano de formação, desta vez mais robusto,
uma vez que havíamos, nós mesmas, passado pela experiência de
colocar em ação atividades educacionais baseadas no Método
de Investigação Científica. Percebemos que a movimentação dos
6º anos fora das salas de aula atiçou a curiosidade de alunos
e professores que, aos poucos, percebiam que a aprendizagem
podia acontecer em outros espaços.
Ultrapassado esse primeiro desafio e considerando que
os professores já haviam se apropriado dos laptops (re)iniciamos
a formação dos professores em 2013 focalizando o Método de
Investigação Científica e procurando despertar o “pesquisador”
que há em cada professor e em cada aluno.

2013: ABInv E UCA JUNTOS

Durante o ano de 2013 organizamos os encontros de formação


mensalmente, durante o horário das ATPC (Atividades de
Trabalho Pedagógico em Conjunto) que têm duas horas de
duração. Tínhamos aprendido, na prática, algumas lições sobre
o Método de Investigação durante o trabalho que realizamos no
ano anterior com os alunos do 6° ano. E que lições foram essas?
A Tabela 1 mostra quais foram: a primeira coluna descreve o
que aprendemos e a segunda coluna descreve em que contexto
aprendemos cada lição.

119
Parte 2

Tabela 1 – Lições aprendidas com o ABInv em 2012.


Lições Contexto
o objetivo educacional do professor conceitos de área e perímetro
1
deve estar claramente estabelecido
é preciso ter uma boa noção, com correlacionar a teoria e a prática;
base na experiência do professor, de compreender as fórmulas mate-
2
quais são as dificuldades mais co- máticas e usá-las de acordo com
muns no aprendizado deste objetivo a situação
os alunos sempre têm alguma noção levantamento do significado de
sobre qualquer assunto, mas isso só termos que serão explorados pelo
3 pode ser constatado se o professor professor (espaço geométrico)
lhes der espaço para falar/escrever o
que pensam/sabem
o professor tem mais condições de novas perguntas a partir das res-
fazer os alunos compreenderem e postas prévias dos alunos (espaços
refletirem sobre o conteúdo pro- que ocupam)
4
blematizando as ideias iniciais dos
alunos sobre o assunto em questão
(concepções espontâneas)
exploração do conteúdo utilizando medições de diferentes objetos
5
materiais pertinentes a ele utilizando diferentes instrumentos
preparação de materiais ajustados elaboração de tabelas
6 à atividade que extrapolam o livro
didático
atividades coletivas e individualiza- organização dos alunos em pe-
7
das quenos grupos
socialização dos resultados parciais comparação das medições realiza-
alcançados pelos alunos e apoio do das pelos diferentes grupos
8
professor na construção de análises
e conclusões dos alunos
9 avaliação continuada da atividade atenção às falas e ações dos alunos
propor diferentes formas de repre- construção de gráficos
sentar um mesmo conteúdo visando
10
facilitar sua visualização e compre-
ensão
introdução da formalização do con- conceitos de área e perímetro; fór-
11 teúdo a partir das explorações rea- mulas matemáticas
lizadas

120
Capítulo 4

Lições Contexto
contextualização da linguagem for- retomada das atividades práticas
12 mal de medição usando as fórmulas
matemáticas
síntese do que foi aprendido preparação da apresentação feita
13
no auditório da escola

Certamente, essas lições não poderiam ser reproduzidas


em qualquer contexto, mas poderiam nos orientar na condução
da formação de outros professores, e foi o que aconteceu. Além
disso, no ano de 2013, realizamos a formação sistemática e em
sala de aula de uma professora que atua no 1° ano com alunos
entre 6 e 7 anos (ver capítulo 7). Assim, os professores em for-
mação já haviam visto os resultados do trabalho da professora
de matemática e, neste momento, podiam acompanhar o desen-
volvimento de uma nova investigação, desta vez, com crianças
pequenas.
Essas duas experiências, desenvolvidas por duas colegas,
deram concretude à proposta do Projeto ABInv facilitando o seu
entendimento, bem aos moldes do que elas mesmas fizeram
com seus alunos. Nos nossos encontros de formação os profes-
sores podiam acompanhar as atividades que se desenvolviam no
1° ano e fazer perguntas sobre as dificuldades de planejamento,
elaboração e condução dos trabalhos com os alunos. Podiam,
ainda, repensar suas práticas pedagógicas rotineiras e projetar
pequenas mudanças que, supunham, poderiam melhorá-las.
Muitas ideias de atividades de investigação surgiam nos encon-
tros de formação, ocasião em que discutíamos coletivamente
formas de colocá-las em ação com os alunos, o que provocou
o surgimento de parcerias entre professores de disciplinas e/ou
turmas diferentes, potencializando iniciativas interdisciplinares.
Gradativamente, todos os professores inscritos no curso
de 2013, cerca de 60% do corpo docente, desenvolveram em sala
de aula alguma atividade de investigação. (Tabela 2):

121
Parte 2

Tabela 2 – Perguntas de investigação levantadas pelos professores em


formação.
Professor Série Qtd. de Pergunta
Disciplina Alunos
6° ano A Em qual dos três supermercados
Reinaldo Celis 22 da cidade é mais barato com-
Matemática prar os itens da “cesta básica”?
Ivone 7ª Série A Mitos e verdades
Lourenço, Karla sobre a Coca-Cola:
Concórdia, Língua
25
Angélica Portuguesa, - Desgasta o Osso?
Garcia, Redação, - Desentope pia?
Paula Emiko Ciência e Inglês - Limpa Ferrugem?
6° ano B
Ariete Leite e Todas as pedras são capazes de
História 20
Sônia Tognoli produzir fogo através do atrito?
Geografia
Cleonice 2° ano A 18
Paladar: Processo de
Santos e e
identificação dos tipos de gosto
Fátima Nunes 3° ano A 14
Juliana Pinto e 4° ano A 22 e
O processo da Ferrugem
Ivonete Ponce 5° ano A 26

Embora esse movimento tenha sido apenas iniciado,


observamos que os professores conseguem instigar seus alu-
nos a formularem perguntas de investigação, o que permite o
desenvolvimento de atividades mais estimulantes em que os
alunos buscam informações, analisam, refletem, trocam ideias
entre si, bem diferente das atividades de “pesquisa” que fazíamos
até então. Essas iniciativas têm sido bem aceitas pelos alunos, que
participam e se envolvem em suas atividades de forma efetiva.
Exemplo disso é o projeto de investigação desenvolvido pelo
Prof. RC, de Matemática, com a turma do 6º ano, sobre “Qual
dos mercados da cidade é o mais indicado para comprar itens da
cesta básica” (Figura 25).

122
Capítulo 4

Figura 25. Apresentação dos


Grupos do 6º ano do Projeto
Supermercado.

OS IMPACTOS DO ABInv NA ESCOLA

Após a conclusão dos dois Projetos de Investigação desenvolvidos


em 2012 e 2013, percebemos tanto nos alunos-investigadores
quanto nos professores algumas mudanças. Vejamos, primei-
ramente, o impacto do Projeto nos alunos:

PARTICIPAÇÃO: Todos os alunos da turma se envolveram de


forma muito responsável com as atividades. Notamos aumento
de interesse, de participação e de comprometimento com os
estudos, resultados pedagógicos bastante positivos.

MOTIVAÇÃO: Os alunos se mantiveram entusiasmados durante


todo o processo de investigação. A vontade de descobrir
coisas novas e de realizar os experimentos foi tamanha que
ultrapassou os muros da escola fazendo com que as famílias
se envolvessem também, o que contribuiu para o processo de
ensino e aprendizagem. Veja, a título de exemplo, o que diz a
mãe da aluna BA, do 1º ano que investigou sobre a alimentação
das lagartas (ver capítulo 7):

123
Parte 2

“Chegou me contando do projeto, a divisão dos grupos,


as caixinhas coloridas... Ela chegou em casa contando
que a tia Jú e a Gi iam fazer um trabalho com as
lagartas. Aí, no outro dia, ela chegou falando que ela
foi procurar as lagartas: ela, a tia e os amiguinhos.
Cada um colocou na sua caixinha a lagarta, e que ela
havia colocado uma banana com casca. Perguntou o
que a lagarta comia, aí eu disse para ela que era folha
e ela disse: ’mas, nós colocamos banana!’. No outro
dia ela chegou em casa e me disse: ‘Mãe, a minha
lagarta não deu nenhuma mordidinha na banana
que a gente colocou’; aí eu falei: ‘Filha, a lagarta
come folha!’. Passou uns dois dias e ela chegou: ‘Mãe,
você não sabe o que aconteceu: A minha lagartinha
morreu sequinha, de fome, porque ela não gosta de
banana’.”

Mãe da aluna BA do 1º ano

AUTONOMIA: Os alunos passaram a realizar as atividades com


maior autonomia, diminuindo, assim, a dependência do professor.
Muitas vezes, buscavam informações novas que não haviam sido
solicitadas. Dessa forma, durante os trabalhos surgiram novos
questionamentos e dúvidas que puderam ser esclarecidas e
socializadas entre todos. Além disso, essa maior participação dos
alunos permitiu correlacionar as atividades a outros conteúdos
escolares, tornando-as mais ricas em detalhes e descobertas. Veja
a história de LC, que decidiu adotar uma lagarta como animal de
estimação e cuida, sozinha, da sua alimentação, considerado o
que aprendeu no Projeto de Investigação realizado em sala de
aula:

“A Lô chegou em casa toda empolgada com a lagarta.


A professora tinha mostrado e ensinado para ela, que
a lagarta ia virar casulo e depois ia virar borboleta. A
professora tinha aqui na escola as lagartinhas e estava
ensinando. Aí, com os dias, ela foi se envolvendo
com a lagarta e saiu procurando, porque ela queria
uma lagarta. Ela achou duas lagartinhas e começou
a criar as lagartas. Todo dia saía para procurar
comidinha para por para as lagartas comerem. E ela

124
Capítulo 4

está esperando essa lagarta virar casulo, para virar


borboleta. Ela achou a lagarta e pegou amor por ela,
virou seu bichinho de estimação. Ela pegou tanto
amor que todos os dias ela sai para procurar folhas
para colocar para a lagarta dela e aí ela acha a folha
e se ela vê um risquinho, já vem perguntar: ‘Mãe foi
a lagarta que comeu aqui? Essa folha tinha lagarta?’.
Hoje ela achou duas folhas diferentes que a lagarta
tinha mordido, uma que ela comeu pouquinho e
outra que comeu muito.”

Mãe da aluna LC do 1º ano

COMPREENSÃO: Observamos que os conteúdos curriculares


desenvolvidos por meio do Método de Investigação Científica,
foram melhor compreendidos pelos alunos, incluindo aqueles
que apresentam dificuldades de aprendizagem. Supomos que
a experimentação dá sentido à teoria e à formalização dos
conteúdos. As avaliações realizadas pelas professoras envolvendo
os conteúdos tratados mostraram que os alunos aprenderam
e foram capazes de traduzir em palavras o que estudaram/
investigaram.

SOCIALIZAÇÃO: Durante as atividades de investigação, perce-


bemos uma maior aproximação entre os alunos, até mesmo com
aqueles que são mais retraídos e tímidos. Todos se envolveram
e participaram das atividades, contribuindo para o trabalho em
grupo (Figura 26). Antes, percebíamos que alguns alunos não
eram acolhidos pelos demais, talvez pelo modo de falar, vestir
ou se comportar. Surpreendentemente, observamos que, pouco
a pouco, esses alunos foram inseridos nos grupos e que as
supostas “diferenças” foram diluídas de forma natural.

125
Parte 2

Figura 26. Trabalho


em equipe.

DISCIPLINA: Não foram observadas, durante as atividades de


investigação, atitudes de indisciplina, ao contrário, houve uma
considerável diminuição de conversas paralelas entre os alunos.
Essa mudança disciplinar contribuiu significativamente para
aumentar a atitude de atenção dos alunos e otimizar o tempo
das aulas (Figura 27).

126
Capítulo 4

Figura 27. Disciplina e atenção durante as aulas.

Em relação aos professores também observamos mu-


danças positivas:

PLANOS DE ENSINO: Notamos que os professores que parti-


ciparam do Projeto criaram o hábito de estudar e seguiram uma
rotina para a preparação das aulas. Muitas vezes foi preciso
elaborar mais de um plano, uma vez que parte da condução
do processo estava nas mãos dos alunos, razão pela qual era
necessário estar bem preparado para orientá-los e munido de
diversas informações. Assim, os professores perceberam que
precisam ser, antes de tudo, “um estudioso”.

127
Parte 2

AVALIAÇÃO: Percebemos uma mudança no “olhar” do profes-


sor. Os alunos passaram a ser vistos de forma diferente e o
professor passou a avaliá-los, também, de forma diferente,
sem, necessariamente, recorrer a provas ou testes escritos. Os
professores passaram a levar em conta o que o aluno faz ao
longo do processo de aprender um determinado conteúdo, uma
vez que as atividades baseadas no Método Científico permitem
visualizar o aluno “em ação”, isto é, fazendo, perguntando,
pensando, compartilhando, etc.. Percebemos, assim, que pro-
fessor e aluno podem aprender juntos, embora os objetos de
aprendizagem sejam diferentes:
“A avaliação foi realizada diariamente. Observei a
participação de cada aluno e suas contribuições. Não
foi necessário aplicar uma avaliação escrita porque
os alunos demonstraram na prática o que vinham
aprendendo em cada fase do Projeto. Nos intervalos
das aulas eu fazia perguntas para ver se os alunos
sabiam, se estavam seguros para me responder e se
conseguiam falar de forma bem clara o que real-
mente haviam aprendido.
Eu também aprendi com o Projeto. Quando iniciamos
eu pensava que as lagartas que se alimentam com
folhas poderiam também comer frutas (banana).
Sabia que a lagarta passava pelo processo de meta-
morfose para virar borboleta, mas não imaginava
que uma pequena lagarta encontrada em uma folha
de couve se tornasse borboleta num curto tempo
e, menos ainda, estando dentro de uma caixa de
sapatos.
Como professora, este tipo de trabalho me ensinou que
o aluno é capaz de formular perguntas interessantes
para servir como tema de pesquisa e que ele vai
além: se arrisca ao formular suas hipóteses e vai em
busca de respostas.”
Professora JS – Projeto Lagartas

128
Capítulo 4

AFETIVIDADE: Criou-se um laço de afeto e de amizade entre


professores e alunos, ambos passaram a ter uma convivência
mais harmônica e uma relação de confiança um com o outro.
Acreditamos que este será um diferencial importante para a
sequência dos trabalhos e que favorecerá outras situações de
aprendizagem.

“Ao realizar a atividade de matemática por meio da


investigação tivemos a oportunidade de fazer um
experimento. Primeiro, realizamos uma busca do
conhecimento prévio do aluno; logo depois, fomos
à campo medir espaços reais do cotidiano escolar
do aluno (quadra, o quarteirão da escola, o sulfite).
Desse modo, entender a unidade de medida passou
a fazer sentido a eles e foi possível demonstrar que
existem fórmulas matemáticas que surgiram para
facilitar o cálculo de alguns conceitos que devemos
dominar. Assim, naquele período de investigação,
tornaram-se claras as ideias de área e de perímetro.
A postura diante da aula mudou, o envolvimento
aluno-professor mudou. O grupo se envolveu e pôde
comprovar suas suspeitas referentes às medidas
dos objetos, experimentando ao medir pequenas
e grandes dimensões, o que tornou o objetivo da
atividade claro e marcante. A relação de confiança
entre nós também se fortaleceu, já que a metodologia
aplicada pôde gerar autoestima nos alunos e criou
entre nós um laço de fidelidade e de respeito. Fez
também com que a indisciplina se reduzisse, assim
como elevou o rendimento em matemática.
Como educadora tive a certeza de que os alunos
têm dúvidas complexas nesta passagem do concreto
para o abstrato e de que precisamos investigar bem
a fundo o que aprenderam sobre determinados
conceitos lógico matemáticos para, a partir dali,
ampliar este conhecimento. Aprendi que o que pode
ser claro e objetivo para mim (educador), também
pode ser confuso e difícil na concepção do aluno.”

Professora JP, bolsista do ABInv em 2012

129
Parte 2

MOTIVAÇÃO: Os resultados positivos do trabalho em sala de


aula fazem com que o professor passe a pensar sobre a sua
prática profissional de forma diferente. Os professores tornam-se
curiosos, como os alunos, e desejam aproveitar essa experiência
em novas frentes, com novos temas e outros alunos, visando
alcançar resultados similares.

“O método se mostrou bastante satisfatório porque


permite uma melhor divisão de tarefas e indicou
claramente como os alunos se relacionam. (...)
Mostrou, também, quais tarefas, sejam de síntese ou
de análise, deviam necessariamente ser realizadas
em conjunto com outras.
Por meio deste projeto, notei que alguns alunos têm
imensa dificuldade de socialização, participação
em sua própria casa, local em que realizam
constantemente exercícios de cálculo. A atividade se
mostrou dinâmica e exigiu a participação de quase
todos os alunos. Obtivemos resultados expressivos,
principalmente na questão social e, também, na
resolução de problemas cotidianos. Posso afirmar que
o trabalho coletivo, a visita a campo e a resolução
de problemas de natureza lógico-matemática será
uma ótima dinâmica para se propor no próximo ano
letivo, pois além de os alunos se identificarem com
o trabalho, se mostraram mais dedicados e curiosos
para obterem os resultados do tema abordado.”

Professor RC – Projeto do Supermercado

A experiência do ABInv levantou, ainda, algumas questões


em relação ao Plano Político Pedagógico da escola, o que nos
levou – direção, orientação pedagógica e professores - a rever
alguns de seus pontos. São eles:

GESTÃO DEMOCRÁTICA: Proposta da gestão de 2013, a práti-


ca democrática está totalmente inserida nas atividades inves-
tigativas, uma vez que permitem que todos participem do
processo de ensino e aprendizagem. Com este espírito, cada um,
em seu espaço e em sua função, pode contribuir no processo,
começando pelo próprio aluno que tem a oportunidade de

130
Capítulo 4

conhecer e estudar temas que surgem a partir de seus interesses


e curiosidades, em conformidade com os conteúdos escolares.

AUTONOMIA: O professor, embora ciente dos conteúdos previstos


para o nível de escolaridade que leciona, tem autonomia para
elaborar e executar seus planos de ensino. O Projeto mostrou
à comunidade escolar que é possível ousar, crescer, ir além das
propostas contempladas pelos livros didáticos.

“Nas aulas de História foi trabalhado o texto “A vida


humana no paleolítico”: como o homem sobrevivia
neste período, destacando a pedra lascada e seus
utensílios. Nas aulas de Geografia foi trabalhado
um texto sobre os tipos e os processos de formação
e transformação das rochas e seus usos. Dessa
forma, os alunos levantaram seus questionamentos
e hipóteses, acabando por escolher a questão: “Será
que uma rocha em atrito com outra rocha (pedras)
pode produzir fogo, como na teoria apresentada do
homem paleolítico?”
A partir daí criamos juntos um plano que pudesse
esclarecer essa dúvida. Tivemos autonomia para
desenvolver uma atividade diferenciada que não
estava presente no material didático que utilizamos,
mas que fazia parte do conteúdo trabalhado e era
uma curiosidade dos nossos alunos. Foi interessante,
pois os alunos participaram e se empenharam
coletivamente. Trouxeram materiais na data marcada,
ficaram curiosos e exaltados quando conseguiram
produzir faíscas com a pedra e com perspectiva de
obter o fogo, mas que, infelizmente, não foi possível.
Entretanto, a produção do pensamento investigativo
e a organização do processo de análise da experiência
foram, também, uma descoberta tão satisfatória e
importante como a do fogo.”

Professora AL – Projeto Pedras

131
Parte 2

TRANSDISCIPLINARIDADE: Este item, apesar de constar nas


propostas da escola nos últimos anos, não se concretizava no
dia a dia escolar, exceto quando a comunidade elaborava em
conjunto um projeto específico ou uma festividade (carnaval,
festa junina, folclore, etc.). Entretanto, as atividades em sala de
aula baseadas no Método de Investigação Científica mostram a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade acontecendo de
forma natural e espontânea: quando se vê, um assunto já levou
a outro, o que acaba por envolver outra disciplina ou área do
conhecimento, outros professores, grupos de alunos, turmas, etc.
É o que tem acontecido, por exemplo, com o projeto dos
alunos da 7ª série, Mitos e Verdades sobre a Coca-Cola, desenvolvido
por quatro professores: Língua Portuguesa, Redação, Ciências e
Inglês. O projeto se iniciou a partir de conteúdos previstos em
Língua Portuguesa e Inglês a respeito do consumismo e das
influências norte-americanas em nosso cotidiano, o que levou os
alunos a falarem sobre o consumo da coca-cola entre os jovens.
No decorrer das discussões, os alunos fizeram perguntas sobre a
fórmula do refrigerante, o que motivou a inclusão da professora
de ciências.
Durante os encontros de formação, as professoras en-
volvidas neste projeto demonstravam certo receio em dar conti-
nuidade ao trabalho, exatamente pelo seu caráter interdisciplinar
em que cada professor assume um papel importante na execução
dos trabalhos e a sua continuidade depende do cumprimento do
plano do colega. Nestes encontros, os professores discutiam e
elaboravam um plano, distribuindo funções e responsabilidades.
Esses ajustes não são simples de serem feitos porque é im-
prescindível ouvir e respeitar a opinião de cada um para que se
possa construir um consenso entre os envolvidos.
Também observamos efeitos na comunidade escolar,
em especial, em relação aos pais dos alunos à participação e
comprometimento.

132
Capítulo 4

PARTICIPAÇÃO: Pelo movimento que este tipo de atividade vem


gerando na escola, em especial em um município pequeno, o
assunto acaba sendo do conhecimento de todos os que com-
põem a comunidade: alunos, professores, gestores, funcionários,
pais e comunidade. Todos sabem o que está acontecendo e
acabam, cada um ao seu modo, encontrando uma forma de
contribuir, ajudar e participar direta ou indiretamente da rea-
lização do projeto.

“Achei o projeto ótimo porque percebi que as crianças


aprenderam que as lagartas sobreviveriam se
comessem couve. Vi as lagartas dentro das caixinhas
comendo e as crianças empolgadas andando com
essas caixinhas para todo lado da escola, trazendo
lagartas de casa e contando para todo mundo que
as lagartas que comeram couve viraram borboletas.
Um dia as crianças me pediram para eu ajudar a
procurar lagartas na horta e achamos mais de 20 em
um único pé de couve. Quando o projeto terminou
tivemos que retirar todas as verduras da horta,
porque as lagartas tinham se alastrado por toda
parte. As crianças não queriam que isso acontecesse
e ficaram tristes ao ver que a horta estava vazia.”

Funcionária RM – Agente de Limpeza

COMPROMISSO: Foi possível notar o compromisso das famílias


com a educação dos filhos. Os projetos de investigação
causaram um efeito muito bom na relação escola/família, criando
uma parceria verdadeira. Provocou a aproximação de ambos,
estabelecendo papéis, funções e responsabilidades de cada um.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esperamos ter mostrado como as práticas pedagógicas baseadas


no Método de Investigação Científica foram significativas para a
nossa escola nos últimos dois anos. Tais práticas fizeram parte
dos encontros de formação e de estudo coletivo, contribuindo
para a formação e o aprendizado do corpo docente e gestor
envolvido direta ou indiretamente no Projeto ABInv.

133
Parte 2

Acreditamos que os professores que se engajaram na


proposta ABInv levarão consigo essa vivência e a expandirão para
outros conteúdos, outras turmas e, alguns, para outras escolas.
Aqueles professores que ainda não se sentiram preparados ou
motivados para entrar neste movimento poderão, nos próximos
anos, aproveitar os materiais produzidos pelos colegas e,
talvez, modificar suas práticas. Para que isso aconteça é preciso
que a escola consolide esta abordagem em seu Plano Político
Pedagógico, visando garantir sua continuidade e propiciando
condições para a formação continuada de seus professores. O
primeiro passo nesta direção já foi dado.
Os resultados do ABInv também foram positivos para os
alunos que passaram a se dedicar mais aos estudos, sobretudo
pelo fato de os conteúdos escolares serem desenvolvidos levando
em consideração suas expectativas, curiosidades, dúvidas e
anseios, sem deixar de lado a proposta curricular. Os alunos
foram ouvidos, ganharam voz e isso fez diferença. Sentiram-
se motivados para aprender, fazer coisas, pensar sobre o que
fazem. Da mesma forma, os professores renovaram suas práticas,
reinventaram a sala de aula, dando espaço para o imprevisível
que movimenta a escola e a vida.

134
Capítulo 5 - Estudar Ciências
ou Fazer Ciência?
Maria Helena Nogueira de Sá1

INTRODUÇÃO

Este capítulo busca relatar a experiência do Projeto ABInv du-


rante os anos de 2012 e 2013 na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Dr. Airton Policarpo, que fica localizada no alto de
um dos tantos morros que compõem a Serra da Mantiqueira no
município de Pedreira, cidade com 42.000 habitantes no interior
do Estado de São Paulo. A escola oferece o curso de Ensino
Fundamental I em período integral. Seus 380 alunos entre 6 e 10
anos moram, em maioria, no seu entorno.
A EMEF “Dr. Airton Policarpo” foi uma das escolas parti-
cipantes do Projeto UCA, tendo sua equipe pedagógica passado
por um processo de formação de 180 horas nos anos de
2010 e 2011. Essa equipe é formada por 22 professoras, duas
coordenadoras pedagógica, diretora e diretora assistente. É neste
cenário que o Projeto ABInv entra nesta escola, no ano letivo
de 2012, propondo às professoras trabalhar com seus alunos o
desenvolvimento de atividades em que pudessem fazer ciência.
O momento era propício, pois alunos e professores já
estavam familiarizados com os recursos dos laptops educacionais
disponibilizados na escola pelo Projeto UCA. Já havia uma rotina
de uso das máquinas que incluía desde uma logística de requisição
e devolução das mesmas, bem como uma disciplina de uso,
dentro e fora das salas de aula, que garantiam uma otimização
do tempo destinado às atividades pedagógicas propriamente
ditas. Se por um lado a formação dos anos de 2010 e 2011 foi
fundamental para o desenvolvimento do Projeto ABInv em 2012,
por outro a experiência deste ano veio enriquecer sobremaneira
o trabalho realizado em 2013.

1 Pesquisadora do Projeto ABInv junto ao Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/


UNICAMP).
Parte 2

Neste relato será abordado o processo de formação pelo


qual passou a equipe de professores durante esses dois últimos
anos. O texto é apresentado sob o ponto de vista do profissional
da área da Educação que foi encaminhar ações de formação na
escola como bolsista do Projeto de Pesquisa ABInv, junto à equipe
do Núcleo de Informática Aplicada à Educação, NIED/UNICAMP.

UMA METODOLOGIA DE FORMAÇÃO QUE DEU CERTO.

Entrar no cotidiano de uma escola e propor parceria de trabalho


com suas professoras sem fazer parte do quadro de funcionários,
requer alguns cuidados. É necessário ouvir todos os personagens
que compõem esse cenário tão rico em relações, lutas, desejos,
dificuldades e aprendizagem. Como surpervisora do Projeto ABInv
na escola de Pedreira, desenvolvendo ações de formação, percebi
a necessidade de fazer um planejamento em comum acordo com
cada professora, além de ter a anuência da equipe gestora, se
quisesse obter sucesso no meu trabalho. Era necessário entender
a dinâmica da escola, desde os horários de aula e recreio, até
as relações interpessoais que ali se estabeleciam. Não foram
poucas as vezes que me senti como uma intrusa na sala dos
professores – espaço privado para comentários, reclamações e
reivindicações.
Era preciso planejar cada ação respeitando os limites
formais e velados desse espaço de relações de poder. Ganhar
a confiança de cada professora foi uma estratégia acertada.
Dialogar sempre na primeira pessoa do plural foi criando um laço
afetivo e ao mesmo tempo profissional que, na maioria das vezes,
reverteu em favor do trabalho desenvolvido com os alunos.
Uma das primeiras propostas de ação foi fazer um
planejamento de nossas atividades. Antes mesmo de iniciar o
trabalho com os alunos foi importante abordar com as professoras
cada um dos tópicos abaixo para, só depois, iniciar a construção
do cenário de investigação a ser desenvolvido:

• Diagnóstico da turma de alunos;


• Conhecer o currículo da série/ano;

136
Capítulo 5

• Estudo do material didático adotado;


• Conhecer o planejamento do professor e os conteúdos a
serem estudados;
• Definição de assuntos que poderiam gerar um tema para
o experimento;
• Inserir o professor em todo o processo, inclusive levando
em consideração seus desejos, limitações, habilidades;
• Propor o tema aos alunos;
• Planejar as etapas do experimento em parceria com o pro-
fessor.

Uma vez definidos os itens acima e iniciados os expe-


rimentos, o acompanhamento dos trabalhos passou a ser parte
importante de todo o processo de supervisão e orientação das
professoras. Neste momento já havia uma receptividade muito
grande por parte da equipe gestora e docente à minha presença
nas reuniões e caminhadas pelos corredores da escola. Quando
as portas das salas de aula me foram abertas para que eu
acompanhasse de perto o desenvolvimento dos experimentos
percebi que havia uma relação de confiança e cooperação entre
nós. Basicamente, a rotina de meu trabalho na escola foi pautada
pelas seguintes atividades:

• Observação de sala de aula nos dias de execução do ex-


perimento;
• Reuniões individuais para orientação e ajustes da atuação
do professor;
• Encontros presenciais de acordo com a necessidade (em
média duas vezes por mês);
• Comunicação por email;
• Registro escrito das etapas do experimento;
• Participação em Seminários com a equipe do NIED (even-
tos estes que foram fundamentais para o encaminhamen-
to das etapas);

137
Parte 2

COMO FOI CONDUZIDA A INVESTIGAÇÃO ABInv – 2012.

As atividades de 2012 relacionadas ao Projeto ABInv ocorreram de


abril a dezembro na escola. Os encontros de formação semanais
contaram com participação de 16 professoras, a diretora e duas
coordenadoras pedagógicas.
A seguir serão destacados os elementos que enfatizam o
movimento ocorrido na escola para a composição de cenários
de investigação: (1) as respostas espontâneas de professores e
alunos sobre o que é ciência, pesquisa e método científico; (2) a
criação de cenários de aprendizagem baseada na investigação e
(3) o desenvolvimento dos experimentos.

VAMOS RESPONDER, ALUNOS E PROFESSORES: O QUE É CIÊNCIA?

O primeiro encontro presencial, com o objetivo de iniciar o tra-


balho de formação da equipe pedagógica e gestora da EMEF “Dr.
Airton Policarpo”, já teve como tema a discussão dos conceitos
de Ciência, Método Científico e Pesquisa. As professoras e
coordenadoras foram convidadas a participarem do mesmo
processo que seria proposto para os alunos: dar respostas
espontâneas para a definição dos três conceitos acima. Além
disso, foi pedido que se colocassem no papel de pesquisadoras e
levantassem hipóteses do que achavam que seriam as respostas
dos seus alunos.
No Quadro 1, temos o exemplo da primeira tarefa exe-
cutada. No documento elaborado foram listados alguns passos
como referência do que o professor deveria focar em seu pla-
nejamento da investigação que iria realizar com seus alunos.

138
Capítulo 5

Quadro 1 - Primeira atividade por escrito realizada pela equipe pedagógica.


ATIVIDADE A SER APRESENTADA NO SEMINÁRIO DE
10/08/2012

APRENDIZAGEM BASEADA NA INVESTIGAÇÃO


O Processo da Investigação no cotidiano escolar

O professor deverá planejar e executar a investigação pensando também


nas etapas do método científico.
Projeto: Resultados da Investigação sobre Concepções Espontâneas dos
Alunos para “Ciência”, “Método Científico” e “Pesquisa”.

- Passos da aprendizagem por investigação:

A indagação: O que meus alunos pensam ou sabem que é ciência, método


científico e pequisa?

1 – Pelas observações que faço dos meus alunos, o que percebo que eles
sabem dos três assuntos? (minhas inferências)
2 – Quais respostas eu suponho que darão? (minhas hipóteses)
3 – Que experimento farei para testar minhas hipóteses? Qual design terá
o experimento, ou seja, o que farei para testar minhas hipóteses? (o expe-
rimento)
4 – Como irei analisar os resultados? (análise)
5 – Como irei apresentar esses resultados?

Após o planejamento e execução desta “tarefa” - verificar


as concepções espontâneas dos alunos para as palavras ciência,
método científico e pesquisa - os professores compartilharam
seus relatórios sobre o encaminhamento deste experimento.
No relato exemplificado a seguir, o professor explicita suas
expectativas em relação às respostas de seus alunos, possíveis
facilidades ou dificuldades. O professor também nos dá ideia
da sua intenção, do procedimento adotado para encaminhar
a atividade com seus alunos, do tempo gasto na execução do
trabalho e suas percepções em relação à atuação da classe. No
documento, ele também lista as respostas obtidas para cada
uma das três palavras e, ao final, expressa sua reflexão a partir
dos dados colhidos no experimento às respostas de seus alunos,
indicado no Quadro 2.

139
Parte 2

Quadro 2 - Formulário informativo do Professor abre respostas dos alunos.


Relatório do experimento – Respostas espontâneas dos alunos

Professora MLG: Ao questionar meus alunos sobre o que é Ciência, Método


Científico e Pesquisa, segundo minhas hipóteses, esperava respostas claras
e com conhecimento prévio, porém, achei também que teriam dificuldades
e que relacionariam Ciências à disciplina estudada que está inserida na
grade curricular. O Experimento foi feito com as questões citadas. Utilizei
folha de linguagem para registro, lápis e caneta, quadro negro com as
questões escritas por mim. Antes das questões serem lançadas não fiz
nenhum levantamento das hipóteses dos alunos, queria saber mesmo o
que eles pensavam sobre o assunto. Para responder as questões, a turma
demorou 45 minutos. Percebi que tiveram dificuldades e interpretei esse
momento mais ou menos assim: “Tem tanta coisa que a professora ensina
sobre ciências, e agora?”

Respostas dos alunos (4º Ano B – 20 alunos)

O que é Ciência? aprender//um projeto científico//matéria (disciplina escolar)//


um projeto que se usa bastante habilidade//legal, com ela eu aprendo sobre a água
poluída e o mundo sujo//é controle remoto
O que é Método Científico? é projeto//onde os cientistas trabalham//é um pro-
jeto científico//onde os cientistas usam para fazer pesquisa//para mim é ciência, eu
acho
O que é pesquisa? uma coisa que todos gostam porque eu aprendo sobre a vida
dos animais e formigueiro //o UCA é uma pesquisa //é um meio da gente descobrir as
coisas//computador
Conclusão: A princípio, esperava mais de meus alunos, esperava respostas mais
claras e formais. Questionei-me e percebi que as crianças responderam aquilo que
nós, professores, ensinamos: uma Ciência relacionada a conteúdo, a matéria escolar.
Eu aprendi com meus alunos que se quisermos formar cientistas e pessoas capazes
de grandes descobertas temos que educá-los para a observação, registro e reflexão.

Nesta primeira atividade, os professores puderam viven-


ciar na prática o encaminhamento de uma investigação com
seus alunos e eles próprios percorreram etapas do método
científico: tinham suas concepções prévias sobre o que os alunos
conseguiriam fazer, em que teriam mais dificuldade; delinearam
e encaminharam um experimento, coletaram dados, fizeram
observações da prática encaminhada, analisaram seus dados
e realizaram suas reflexões. Em alguns casos, como ilustra o
relato apresentado anteriormente, o professor, ao se debruçar

140
Capítulo 5

sobre as respostas de seus alunos, refletiu sobre o processo de


aprendizagem, a necessidade de propor contextos de formação
que potencializem a atuação dos alunos de forma que eles
consigam também realizar suas observações, registros e reflexões
sobre o que estão estudando, vivenciando.

CRIAÇÃO DE CENÁRIOS DE APRENDIZAGEM BASEADA NA


INVESTIGAÇÃO

A vivência desta “tarefa” por parte dos professores com seus


alunos, do planejamento à execução e reflexão, possibilitou
que, na prática, a escola conduzisse os primeiros passos na
materialização de cenários de aprendizagem orientados a
investigações científicas. Assim, enquanto formadora, pude
constatar alguns elementos desta proposta de pesquisa em ação
na escola:

“... uma abordagem pedagógica que passa a


considerar a possibilidade de o aluno fazer ciência ao
invés de estudar os conhecimentos acumulados sobre
ciências” e “propiciar situações nas quais professores
e alunos estejam engajados em processos de “fazer
ciência” 2

A etapa seguinte propunha o desenvolvimento de um


experimento com os alunos utilizando-se do método científico
de pesquisa. O processo de formação dos professores para o
planejamento dos experimentos teve como foco orientá-los de
como trabalhar com a metodologia para pesquisa de assuntos
que já estavam definidos no currículo de cada série. Colocava
também o aluno como protagonista de uma atividade de
investigação, explicitando questionamentos e hipóteses que
tem a respeito de algo, a delinear e realizar um experimento, a
coletar e analisar dados e, enfim, a expressar suas considerações
a respeito do que vivenciou na pesquisa realizada na escola.

2 VALENTE, J. A.; MARTINS, M. C.; BARANAUSKAS, M. C. Laptop Educacional e Educação baseada


na Investigação: do Estudar fatos científicos para o fazer Ciência. IN: SAMPAIO, F. F.; ELIA, M. F.
Projeto um computador por aluno: pesquisas e perspectivas, Rio de Janeiro: NCE/UFRJ, 2012. P. 81

141
Parte 2

Houve três reuniões com toda a equipe para sensibilizá-la


de como trabalhar com o método científico. Para uma atividade
completa de investigação se faz necessário seguir alguns passos:

1. problematização - a(s) pergunta(s)


2. levantamento de hipóteses
3. observação
4. discussão e análise dos dados
5. conclusão

No processo de investigação deveria ficar explícito por


parte dos alunos e professoras:

1. as atividades de planejamento
2. coleta e registro de dados

Ao optarmos por exercitar a aprendizagem pela inves-


tigação, também pretendíamos abordar:

• o trabalhar por projeto interdisciplinar


• a execução de um portifólio
• a utilização dos recursos do laptop educacional a serviço
do Projeto.

Também começamos a delinear o cenário do experimento


que queriam encaminhar com seus alunos. A Figura 1 ilustra uma
atividade realizada no horário de reuniões pedagógicas, na qual
as professoras definiram as etapas de seus experimentos.

142
Capítulo 5

Figura 1. Professores em atividade de formação na escola.

DESENVOLVIMENTO DE CENÁRIOS DOS EXPERIMENTOS

Um dos objetivos - a integração dos projetos com os temas


do material didático “Ler e Escrever”, adotado pela escola -
foi alcançado, pois definimos os temas/problemas a serem
investigados pelos alunos e sua relação com os conteúdos
propostos em cada série. Passamos, então, a desenvolver as
etapas da aprendizagem baseada na investigação com os alunos
de cada turma.
No ano letivo de 2012 cada turma escolheu um tema. A
seguir são especificadas as séries e temáticas encaminhadas com
as classes, o problema da investigação, o experimento realizado
e os resultados obtidos sob a ótica do professor.

143
Parte 2

1ºs anos – Tema: Índios do Brasil

O Problema: Descobrir como fazer tintas utilizando produtos


naturais.

O Experimento: Fazer tintas a partir de sementes e plantas e


descobrir qual solvente fixará melhor sua cor.
Resultados: Os alunos concluíram que a melhor tinta foi a que
utilizou de óleo de cozinha como solvente da semente de uru-
cum, como mostra a Figura 2.

Figura 2. Aluna participa do experimento em sala de aula.

144
Capítulo 5

2ºs anos – Tema: Animais do Pantanal

O Problema: Por que o joelho do Tuiuiú dobra para trás quando


ele anda?

O Experimento: Achar respostas à pergunta através de uma


webquest. Desenvolver um protótipo do esqueleto das pernas
do Tuiuiu.

Resultados: Apesar das diversas tentativas como: observação


do esqueleto, montagem das pernas em um protótipo da ave
em madeira e observação de um mecanismo, as crianças não
mudaram suas convicções de que o joelho do Tuiuiú dobra para
trás.

Figura 3. Alunos realizam o experimento explorando as partes do corpo da


ave de acordo com as imagens do laptop.

145
Parte 2

3ºs anos – Tema: Astronomia

O Problema: Quais são as condições ambientais necessárias para


a manutenção de um ser vivo?

O Experimento: Criar três condições ambientais diferentes: o


natural, um ambiente frio – geladeira; um ambiente escuro –
armário da sala, e observar o que acontece com os vasos de
crisântemo, mostrado na Figura 4.

Resultados: As hipóteses das crianças se comprovaram. Somente


o vaso que ficou na geladeira causou surpresa por não ter sofrido
com a baixa temperatura. Descobriu-se, depois, que o crisântemo
se adapta perfeitamente ao frio.

Figura 4. Vasos na sala de aula.

146
Capítulo 5

4ºs anos – Tema: Lixo

O Problema: Descobrir o tempo que leva a decomposição de lixo


orgânico e inorgânico em dois ambientes: no solo da escola e
numa floreira na sala de aula.

O Experimento: Enterrar os seguintes resíduos sólidos: sacolinha


plástica de supermercado, folha de revista, banana, laranja e
maçã, indicado na Figura 5.

Resultados: Concluíram que o solo em que os resíduos foram


enterrados degradou mais rapidamente os resíduos do que o da
floreira dentro da sala. Surpreenderam-se com a maçã, que ao
ser desenterrada, praticamente ficou intacta, porém desidratada.

Figura 5. Crianças desenterrando objetos.

147
Parte 2

5º anos – Tema: Plantio

O Problema: Descobrir quais são as condições ideais para o


plantio e crescimento da alface e cebolinha.

Experimento: Comparar os dois processos escolhidos: o plantio


de sementes e o plantio de mudas em floreiras e no solo da
escola, como mostra a Figura 6.

Resultados: Apesar de muitas variáveis a serem observadas e


acidentes naturais (formigas), concluíram que as plantas que mais
se desenvolveram formam as mudas em terra vegetal plantadas
nas floreiras e não no solo.

Figura 6. Plantio de sementes.

148
Capítulo 5

E O ANO CHEGOU AO FIM...

O caminho percorrido por professores e alunos partiu das


definições dos experimentos a serem realizados por cada turma.
Nessa etapa, as crianças tinham voz ativa e interagiam umas
com as outras trocando ideias e argumentando seus pontos de
vista. As professoras, por sua vez, passaram a desenvolver as
atividades seguindo as demandas dos alunos ao mesmo tempo
em que seguiam as orientações da formadora, dos Seminários na
UNICAMP e Vídeo Conferências, realizados pelo Projeto.
Estabeleceu-se uma dinâmica de trabalho que encontrou
um tempo e espaço na rotina da escola bastante adequado e
eficiente. Cada classe seguiu com o seu experimento de acordo
com suas necessidades e demandas, sem pular etapas. Não
havia um cronograma comum a todos que pudesse interferir
no ritmo das diferentes turmas. Outro ponto importante a ser
ressaltado é que as hipóteses e conclusões das crianças sobre o
objeto de estudo foram rigorosamente respeitadas, não havendo
interferência ou indução por parte das professoras.
Em meados do mês de novembro de 2012, a maioria
das classes já havia terminado seu experimento e chegado a
conclusões. Foi o momento, então, de socialização dos resultados
e elaboração de material de exposição para a comunidade
escolar. O interesse das famílias em visitar as exposições e assistir
aos vídeos3 elaborados para o evento foi grande.
Entre os alunos e professoras não havia um sentimento de
alívio por terem conseguido realizar os experimentos, tampouco
de “missão cumprida”, mas sim um sentimento de satisfação
e orgulho, pois se percebia neles uma vontade de continuar
o Projeto, mesmo porque muitas perguntas ainda ficaram em
aberto: Afinal, por que será que a maçã enterrada não apodreceu?
E as sementes do 5º ano C que se desenvolveram muito mais que
as do 5º ano A, que estavam a centímetros de distância umas
das outras? Se os vasos de crisântemos fossem trocados por
outra espécie de flor, o que teria acontecido? E o Tuiuiú, afinal,

3 Os cinco vídeos sobre os cenários de investigação encaminhados em 2012 podem ser acessa-
dos no link: http://www.youtube.com/ucaunicamp

149
Parte 2

dobra ou não seu joelho para trás quando anda? Terminar o ano
letivo com perguntas ainda a serem respondidas foi o melhor
cenário que se poderia desejar, pois demonstrava que alunos e
professores tinham, de fato, experienciado uma metodologia de
ensino-aprendizagem na qual o conhecimento não tinha data
nem local para começar e acabar.

O ANO LETIVO DE 2013

A meta para este ano era a de aperfeiçoar as etapas de uma


investigação científica trazendo novos conceitos e procedimentos
para que os experimentos chegassem o mais próximo possível
das etapas de um método científico. O solo era fértil, pois os
resultados positivos dos anos anteriores serviam de incentivo aos
desafios propostos.
A mesma metodologia de formação das professoras,
descrita no início desse relato, foi seguida, porém enfatizaram-
se conceitos importantes como, por exemplo, o de variáveis
de um experimento – a dependente e as independentes, que
já haviam sido utilizadas nos experimentos anteriores, mas não
tão explicitamente. Também se buscou um maior detalhamento
e rigor na documentação e registro das etapas e resultados
dos experimentos. Era o momento de pedir que as professoras
fizessem mais reflexões sobre os encaminhamentos, redefinissem
procedimentos e registrassem suas conclusões baseando-se em
dados qualitativos e quantitativos gerados pelos experimentos.
Basicamente, todo o processo de refinamento dos experimentos
foi pautado por um roteiro elaborado pelos pesquisadores do
NIED.

150
Capítulo 5

ROTEIRO

1. O problema e o tema da investigação.


2. Como encontrar uma pergunta científica interessante?
Quais perguntas foram levantadas pelos alunos e como o
procedimento foi feito?
3. As hipóteses - Como escrever uma boa hipótese? O que é
uma hipótese testável.
4. As variáveis – O que são variáveis em um experimento?
As variáveis da hipótese, que condição ou fator podem
afetar o resultado da investigação?
5. Como planejar o experimento. Os procedimentos.
6. Como mostrar o resultado. Os dados coletados.
7. O registro. As formas de registro dos dados e instrumen-
tos utilizados.
8. A análise dos dados coletados. Os resultados.
9. Como escrever a conclusão.
10. Reflexão sobre a participação do aluno no processo de
investigação.  

Esse foi um exercício realizado pelos professores de forma


constante e intensa, fosse pelos encontros presenciais na escola
com a formadora ou nos Seminários realizados na UNICAMP,
quando todas as escolas participantes do Projeto ABInv se
encontravam para compartilhar suas experiências.
As apresentações das professoras nos Seminários do
Projeto realizados na UNICAMP, para compartilhamento dos
trabalhos encaminhados nas escolas, mostravam familiaridade e
autonomia para descreverem as etapas de seus experimentos com
muito mais propriedade do que no ano anterior. Nos exemplos
de experimentos realizados em 20134 e descritos a seguir nota-
se a preocupação de definirem as variáveis do experimento, fato
que não aconteceu em 2012.

4 Estes cenários de investigação estão descritos na Parte 3 deste livro, a saber: 1º ano no
Capítulo 9, o 4º ano no Capítulo 10 e o 5º ano no Capítulo 8.

151
Parte 2

1º ano – Penas e beterraba

O Problema: É possível, através de tingimento, fazer com que


uma pena branca fique igual a uma pena naturalmente colorida?

O Experimento: Através da tinta da beterraba tingir penas brancas


e comparar sua cor com penas naturais.

Variável Dependente: O grau de coloração atingido pelo tingi-


mento, indicado na Figura 7.

Variáveis Independentes: Beterraba crua e cozida, Temperatura


da água – natural e quente, Tempo - horas e dias.

Resultados: As crianças chegaram à conclusão que a melhor


maneira de conseguir um bom tingimento das penas brancas é
deixá-las de molho na tinta da beterraba por pelo menos dois
dias.

Figura 7. Primeira tentativa de tingimento.

152
Capítulo 5

4º ano – Solo e erosão

O Problema: Por que tem solos tão diferentes no espaço da


escola? Por que tem locais com erosão?

O Experimento: Observar dois tipos de solo, um com vegetação


e outro desgastado, a partir da rega diária, simulando a chuva.

Variável Dependente: Erosão no solo da escola.

Variáveis Independentes: Indicadas na Figura 8.

Solo Plano
sem vegetação

Solo Plano
com vegetação
Figura 8. Locais delimitados para as observações diárias.

Resultados: Os alunos concluíram que a erosão é um processo


demorado, mas que no solo sem vegetação pôde ser observado
e medido.

153
Parte 2

5º ano – Alimentação e Saúde

O Problema: É possível com apenas R$10,00 comprar produtos


alimentares que possam suprir minhas necessidades nutricionais/
calóricas de 1 dia de atividade intensa?

O Experimento: Imaginar-se em um passeio no parque (atividade


física/alimentação). Brincar de ir ao supermercado e realizar com-
pras atendendo ao número de calorias necessárias e o valor
estipulado.

Variáveis Dependentes: 1ª - O consumo de 1818 Kcal, ou seja,


o gasto gerado pelas atividades que farão no dia do passeio;
2ª - valor nutricional de suas compras de acordo com a pirâmide
alimentar, produtos indicados na Figura 9.

Variáveis Independentes: Atividade física realizada no dia e o


valor energético gasto; Alimentos ingeridos e seus valores nutri-
cionais e calóricos; Custo dos alimentos escolhidos.

Resultados: Os alunos concluíram que é possível comprar ali-


mentos com R$10,00 atendendo às necessidades calóricas de um
dia de atividade intensa e com bom valor nutricional.

Figura 9. Embalagens para o Supermercado.

154
Capítulo 5

AVALIANDO O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

Mais um ano chegou ao fim. Se tínhamos como meta o


aperfeiçoamento das etapas de uma investigação científica e,
portanto, trazer novos conceitos e procedimentos para que os
experimentos chegassem o mais próximo possível das etapas de
uma metodologia de pesquisa científica, podemos dizer que a
meta foi alcançada.
Não houve uma avaliação formal dos alunos para medir
o grau de participação, motivação e aprendizagem pelo qual
passaram. Mas havia sinais explícitos de que os temas abordados
e a metodologia empregada para o desenvolvimento dos
experimentos estavam adequados a cada faixa etária e faziam
sentido às crianças. Havia muito entusiasmo por parte dos
alunos.
As crianças do 1º ano, sempre mais espontâneas e
imediatistas, lançavam hipóteses para suas indagações que nem
sempre poderiam ser testadas como, por exemplo, tingir as
penas das aves com sangue de animais, pois julgavam ser esse o
método utilizado pelos índios. Já os maiores, do 4º ano, sentem-
se culpados ao lançarem a hipótese de que parte do desgaste
dos barrancos da escola era causada pelo uso inapropriado que
eles mesmos faziam. A turma do 5º ano perseguiu a resposta
da grande questão do experimento, avaliando seus hábitos
alimentares, calculando e recalculando suas compras para que os
R$10,00 fossem bem empregados.
No ano de 2013, as professoras e alunos desenvolveram
o ritmo do trabalho sem que houvesse a necessidade de uma
intervenção mais frequente da formadora. Por parte das pro-
fessoras, percebi uma autonomia maior para tomar decisões,
fazer escolhas, planejar atividades. Em relação aos alunos, uma
motivação para mostrar resultados. Houve também uma maior
familiaridade com os laptops e seus aplicativos e, portanto, re-
gistros mais elaborados como gráficos, imagens, fotos e textos.
Os alunos, quando indagados sobre qualquer aspecto dos
seus experimentos, brigavam entre si para falarem. Todos queriam
mostrar o quanto estavam atualizados e sabiam o que estavam

155
Parte 2

testando. Além disso, eles foram requisitados a estudarem mais


sobre o assunto escolhido, no caso do 4º ano – Erosão do Solo,
e do 5º ano - Nutrição e Saúde, isso foi fundamental para dar
sustentação às suas indagações e orientação para a busca de
respostas. De fato, houve um processo de trabalho mais consis-
tente, com respaldo teórico e atividades práticas. Um equilíbrio
importante para quem deseja desenvolver uma aprendizagem
significativa.

AVALIANDO O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DOS PROFESSORES

Vários instrumentos foram utilizados para acompanhar de perto


o desempenho dos participantes da formação ABInv na escola
“Dr. Airton Policarpo”. Houve uma preocupação em manter os
professores interessados durante todo o processo e, para isso,
a diversificação de situações avaliativas foi muito importante.
Houve o cuidado de acompanhar desde o planejamento das
atividades até a elaboração de relatórios, apontando os resultados
da experiência.
A participação nos seminários e em fóruns de reflexão, a
partir de conteúdos estudados à distância, também foi avaliada. A
participação nos trabalhos em grupos nos encontros presenciais,
apresentações em slides utilizando aplicativos do laptop, além
de relatos orais em reuniões individuais com as professoras de
cada série: todos esses instrumentos serviram para termos uma
avaliação contínua do desempenho dos cursistas, ao mesmo
tempo em que eles também indicavam caminhos e sugestões
para o trabalho da formadora.

SÍNTESE DAS AVALIAÇÕES DO CURSO FEITA PELOS PARTICIPANTES

Ao final da formação foi aplicada uma autoavaliação aos cursistas


e, após análise, pudemos verificar que :

• Os cursistas gostaram das estratégias utilizadas para o


curso de formação. Muitos acharam que todas elas fo-
ram importantes, mas a maioria julgou que os encontros

156
Capítulo 5

coletivos em horário pós-aula e as intervenções em sala


de aula foram mais eficientes.
• Consideram necessária a presença e participação nos Se-
minários promovidos na UNICAMP e a participação em
fóruns como estratégias de formação importantes. Mui-
tos deles não puderam participar por questões logísticas
de locomoção e horário disponível. Consideram que esses
encontros proporcionaram a troca de experiências com
as professoras das outras escolas participantes do Projeto
ABInv.
• Quanto ao uso dos laptops pelos alunos, reconhecem que
eles propiciam mudanças produtivas no processo de en-
sino e de aprendizagem, auxiliam na aprendizagem e au-
mentam o interesse dos alunos em relação aos assuntos
do currículo. Em função disso, há um aumento de repertó-
rio dos alunos e das professoras, o que leva a uma melhor
qualidade das aulas. A maioria das professoras considera
que o uso do laptop modificou ou melhorou a sua prática
em sala de aula e um aumento na motivação e desempe-
nho dos alunos.
• Em relação aos aspectos negativos, todas as professoras
apontam para a falta de um técnico de informática que
preste serviço permanente para resolução de problemas
relacionados às máquinas, à internet e na organização da
retirada e devolução dos laptops feitas pelos alunos.
• Quanto ao apoio dos profissionais do NIED foram res-
saltados alguns aspectos, tais como: a presteza e obje-
tividade para esclarecer dúvidas, boas sugestões para o
desenvolvimento dos trabalhos e respeito às dificuldades
de cada elemento do grupo.
• Quando perguntado quais palavras escolheriam para re-
sumir os resultados alcançados na escola ao término do
Projeto, as palavras escolhidas foram: Conhecimento, Des-
coberta, Interação, Incentivo, Expectativa, Alegria, Suces-
so, Excelência.

157
Parte 2

Os gráficos na Figura 10 ilustram as respostas em relação


às estratégias de formação encaminhadas na escola e percepção
dos professores em relação aos impactos do uso do laptop nas
atividades realizadas pelos alunos:

Melhor estratégia de formação


10
8
6
4
2
0
todas encontros observação intervenções orientação
presenciais de sala na sala ind.

Uso dos laptops


aumento do interesse do aluno 4
auxílio ensino aprendizagem 6
novo repertório 3
mudanças produtivas 4
qualidade das aulas 6
0 1 2 3 4 5 6 7

Figura 10. Gráficos com tabulação da avaliação dos professores sobre


estratégias de formação e impactos do uso dos laptops nas atividades
encaminhadas na escola.

158
Capítulo 5

RESULTADOS DA SUPERVISÃO NO DESENVOLVIMENTO DOS


EXPERIMENTOS

No início do Projeto, em 2012, percebemos que valeria a pena


investir na formação das professoras para o entendimento
das etapas do método científico de investigação para que os
experimentos a serem desenvolvidos com os alunos trouxessem
novos conhecimentos.
As professoras, a princípio, insistiam que já faziam pesquisa
nos moldes do que estávamos propondo. Havia uma resistência
em ousar, em deixar de lado a metodologia de ensino pautada
na busca de assuntos via internet e cópia de textos, quase
sempre inadequados à compreensão dos alunos. Houve longas
discussões para justificar o que gostaríamos que acontecesse:
propiciar situações em que as crianças fossem estimuladas a
pensar, raciocinar e buscar, por meio de acertos e erros, a solução
para um problema que demandasse um experimento. Afinal, o
que significa fazer ciência com crianças pequenas senão orientá-
las seguindo a sua curiosidade natural?
Essa etapa de formação teórica, com atividades práticas
e escrita de propostas para serem elaboradas com os alunos,
foi de fundamental importância para o desenvolvimento dos
experimentos. Ao longo do processo, as professoras puderam
distinguir a diferença entre a pesquisa que desenvolviam com
seus alunos – que se aproximava mais de uma procura – e a
pesquisa que buscava respostas para um problema e, portanto,
produzia um novo saber.
O meu desafio, através do Projeto ABInv, era o de intervir
no ambiente da escola levando em consideração os saberes das
professoras e dos alunos, e proporcionar experiências e recursos
para que pudessem responder suas perguntas. O relato de uma
das professoras confirma os avanços feitos neste sentido:

“No início, achava que seria muito difícil as crianças


de 1º ano desenvolverem uma experiência seguindo
o método científico. Seguir as etapas do processo
era um desafio que eu considerava ser difícil. Com
o desenvolvimento e a boa condução da formadora

159
Parte 2

e professora, as crianças foram correspondendo e se


soltando a cada etapa, atendendo as expectativas. Eu
posso afirmar que aprendi muito nesse processo e é
algo que certamente aplicarei em outras situações de
ensino-aprendizagem”.

(SSRC: Professora do 1º ano)

Com relação ao uso dos recursos da tecnologia de infor-


mação e aplicativos disponíveis nos laptops educacionais, foi
orientado que eles deveriam ser utilizados na medida da ne-
cessidade do desenvolvimento do experimento. Na maioria
dos experimentos o uso dos laptops veio a serviço do Projeto
desenvolvido pela classe. Nos experimentos dos alunos das
séries finais (4º e 5º anos), eles foram utilizados para digitação
das observações, realização de gráficos e tabelas para análise
dos dados coletados, além de desenhos e fotos como formas de
registros.
Outro ponto que cabe ressaltar é que na prática
pedagógica da escola havia uma tendência de repetir atividades
que obtiveram sucesso nos anos anteriores. Talvez por receio do
novo, muitas professoras sugeriam que utilizassem como objeto
de pesquisa assuntos, temas ou atividades que já haviam sido
desenvolvidas com seus alunos anteriormente. Essa era outra
barreira a ser quebrada. O relato da professora elucida bem o
que ocorreu:

“Quando nos foi colocado para desenvolver um


experimento seguindo o método científico, pensa-
mos em ter como objeto de estudo um assunto já
desenvolvido nos anos anteriores: o plantio de hor-
taliças. Já tínhamos, nós professoras, um conheci-
mento prévio das estapas a serem desenvolvidas
com os alunos, porém, neste ano, seguindo as etapas
do método científico, desenvolvemos um novo olhar
para essa atividade.”

(ESFC. Professora do 5º ano A)

160
Parte 2

Todos os experimentos aconteceram dentro dos prazos


estabelecidos e obtiveram sucesso. Podemos dizer que atende-
ram as etapas do método científico dentro das limitações das
diferentes faixas etárias das crianças. Essa nova forma de fazer
pesquisa trouxe um novo repertório e metodologia para sala de
aula.
O acompanhamento semanal das atividades desenvolvidas
deu o suporte necessário às professoras, que foram ganhando
segurança ao mesmo tempo em que viam os resultados do
processo dos trabalhos de pesquisa e experimentação. O
entusiasmo do alunado, sem dúvida, contribuiu para realimentar
o compromisso das professoras com o Projeto.
Outros ganhos podem ser apontados: ao optarmos por
exercitar aprendizagem baseada na investigação, chegamos bem
próximo da metodologia do trabalho curricular por projetos,
propiciando a interdisciplinaridade, a elaboração de registros que,
em alguns casos, constituiu-se em um portifólio; a dinâmica da
sala de aula passou a ter outras configurações desde o mobiliário e
disposição das carteiras até a incorporação do ambiente externo,
uma vez que os laptpos permitiam a mobilidade dos alunos
aos locais dos experimentos. Essa metodologia – aprendizagem
baseada na investigação - também propiciou uma troca de
informação mais intensa entre as partes diretamente envolvidas
no processo de ensino e aprendizagem - alunos e professores -
bem como toda a comunidade escolar, muitas vezes atingindo os
familiares dos alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem sombra de dúvida, o ABInv proporcionou um modelo de


ensino e aprendizagem que envolveu e estimulou os professores
e alunos da EMEF “Dr Airton Policarpo” a utilizarem de uma
metodologia de pesquisa e experimentação. O período de for-
mação das professoras foi fundamental para a troca de infor-
mações, de experiências, de levantamento e saneamento de
dúvidas relacionadas a como desenvolver um projeto de inves-
tigação e colocá-lo em execução. Foi interessante orientar as

161
Parte 2

professoras nas reuniões de equipe quando planejavam e


construíam o cenário da investigação, ao mesmo tempo em que
observava as atividades em sala de aula: dois momentos que se
completavam e se realimentavam mutuamente.
Podemos afirmar que o saldo da formação realizada durante
esses dois anos foi positivo por um lado, mas, por outro, não
foi suficiente para criar-se uma cultura de formação continuada
prevendo, nos planejamentos anuais da escola, a manutenção
das condições necessárias à continuidade de iniciativas de
formação dos docentes. Um exemplo é a supressão das reuniões
de equipe, no ano de 2013, para discussão e orientação dos
trabalhos desenvolvidos. O terreno se mostrou fértil, mas ainda
faz-se necessário uma política de gestão que mantenha reuniões
da equipe pedagógica, para que seja realizada a discussão da
prática de sala de aula, o relato de experiências e exposição de
pontos de vista do grupo docente.
Muitos outros aspectos também contribuem para dar
sustentabilidade ao Projeto, como apontaram as professoras nas
suas avaliações: manutenção dos laptops e acesso à internet, a
presença de um técnico em informática na escola, são importantes
aspectos de infraestrutura material. Além disso, ações que deem
visibilidade aos trabalhos desenvolvidos, chamando assim a
atenção de colegas de outras escolas, de pais e até da Secretaria
de Educação, também são fundamentais para que deixem suas
marcas no espaço escolar.
Mas, mais que tudo, é fundamental a manutenção de
um ambiente que preserve a vontade e curiosidade de adultos
e crianças em fazer perguntas e desenvolver uma investigação
para respondê-las. Não podemos garantir que tocamos todas
as professoras, mas aquelas que se dedicaram a aprender uma
metodologia de ensino baseada na investigação, certamente
levarão essa experiência para outras situações. Se isso acontecer,
será esse o grande legado deixado pelo Projeto ABInv.
E, para terminar, gostaria de voltar à questão título deste
capítulo - Estudar Ciências ou fazer Ciência?
Passados os dois anos de pesquisa nesta escola, posso
afirmar que uma coisa não exclui a outra, ao mesmo tempo

162
Parte 2

em que uma complementa a outra. Sim, porque foi muito im-


portante para as crianças terem acesso aos livros, ao laptop, à
aula expositiva, ou seja, estudar a discilplina de Ciências Físicas,
Biológicas e da Natureza, como define o currículo de cada série.
A rotina da sala de aula baseada na leitura e respostas dos
questionários do livro didático, da aula expositiva, da correção
coletiva das lições de casa, o que trouxe informações importantes
para o desenvolvimento dos experimentos, trouxe conhecimento
e repertório para que os alunos formulassem perguntas, levan-
tassem hipóteses, discutissem os dados e chegassem a conclu-
sões com argumentações baseadas nos estudos que desenvol-
veram. O grande ganho do Projeto ABInv na rotina da sala de aula
foi proporcionar aos alunos a aplicação desses conhecimentos
em um experimento prático. Após esse período de convivência
com professores e alunos, acompanhando todo o processo
de desenvolvimento dos experimentos, tenho segurança em
dizer que é importante estudar Ciências e fazer Ciência. E não
estudar Ciências ou fazer Ciência. Arrisco dizer que o melhor
seria: estudar Ciências para fazer Ciência.

REFERÊNCIAS

ABInv 2012/Pedreira,SP. Canal ucaunicamp: www.youtube.com/


ucaunicamp
Vídeo: Aprendizagem baseada na Investigação – Projeto Animais do
Pantanal – 2º ano - EMEF Airton Policarpo, Pedreira, SP. Publica-
ção: Dezembro/2012. Disponível em: http://www.youtube.com/
watch?v=R0ewAsZawqc
Vídeo: Aprendizagem baseada na Investigação - Experimentando
condições ambientais necessárias para manutenção de um ser
vivo: Crisântemo no frio, sem luz, na sala - 3° ano - EMEF Airton
Policarpo, Pedreira, SP. Publicação: Dezembro/2012. Disponí-
vel em: http://www.youtube.com/watch?v=hATj3wlV1tY
Vídeo: Aprendizagem baseada na Investigação - 4° ano - Lixo or-
gânico e inorgânico e tempos de decomposição - EMEF Airton
Policarpo, Pedreira, SP. Publicação: Dezembro/2012. Disponível
em: http://www.youtube.com/watch?v=5qeQAdDrLiY

163
Parte 2

Vídeo: Aprendizagem baseada na Investigação - Projeto Plan-


tio - 5° ano - EMEF Airton Policarpo, Pedreira, SP. Publicação:
Dezembro/2012. Disponível em: http://www.youtube.com/
watch?v=cHBoJ6UJA0k
Vídeo: Aprendizagem baseada na Investigação - Como os Índios
fazem tinta para se pintar? 5° ano – EMEF Airton Policarpo,
Pedreira, SP. Publicação: Dezembro/2012. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=6SdkBCan_xI

164
Capítulo 6 - Já fazemos pesquisa.
Que novidade tem esta tal investigação?
Flávia Martins Guimarães Fung1

“Despertar a curiosidade, inata ao homem e viva-


císsima no menino, eis o primeiro empenho do pro-
fessor num método racional. Da curiosidade, nasce
a atenção; da atenção, a percepção e a memória
inteligente.“ Rui Barbosa

INTRODUÇÃO

UCA, ABINV E A ESCOLA

Para o ensino há sempre questões a se pensar e práticas a se


aprimorar. Foi com esta visão que a equipe gestora da EMEF
Elza Maria Pellegrini de Aguiar, uma escola da Rede Municipal
de Ensino de Campinas, aceitou o convite  feito por pesquisa-
dores do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/
UNICAMP), parceiros do Projeto UCA (Um Computador por Aluno),
para incluir a escola no Projeto de pesquisa ABInv (Aprendizagem
Baseada na Investigação). A proposta feita tinha por objetivo
apresentar aos docentes a abordagem educacional basea-
da  na  investigação científica como uma estratégia de ensino a
ser integrada na organização das atividades curriculares e para
aplicação das possibilidades do uso dos laptops. A proposta
foi analisada sob a ótica dos benefícios que trariam aos alunos
e, inicialmente, avaliou-se que esta seria, para eles, uma
oportunidade de potencializar uma relação ativa com os estudos
e com a aprendizagem.
Além disto, a participação no Projeto seria um avanço
da proposta metodológica existente, pois o Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola já integra a prática de pesquisa
enquanto recurso de aprendizagem e aprofundamento de es-
tudos. Havia, porém, a necessidade de aprimorar a visão dos
1 Orientadora Pedagógica da EMEF Professora Elza Maria Pellegrini de Aguiar.
Parte 2

docentes sobre o que era a pesquisa científica na escola, uma


vez que esse conceito na prática era relacionado à busca de
informações em várias fontes e na elaboração de materiais
para exposição na escola. Era preciso ir além, pois o objetivo
de ensino da escola é visar o desenvolvimento da capacidade
de observação, descrição, análise e construção participativa
de saberes, e precisava de uma estratégia que favorecesse seu
alcance. 
A parceria requereu, por um lado, a disposição da escola em
envolver a equipe docente no programa de formação continuada
contando, para tanto, com a cessão de tempos pedagógicos para
estudo, comprometimento de realização e acompanhamento
de resultados de planos pilotos feitos pelos professores. Por
outro lado, o apoio dos pesquisadores na preparação partilhada
de estudos a serem desenvolvidos, a organização de debates
referentes à abordagem educacional baseada na investigação
usando as TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação)
como instrumentos tanto no processo de desenvolvimento
de planos de trabalho, como também auxiliando o processo
de elaboração e realização das investigações por parte dos
alunos. A escola ganharia com o aprimoramento do trabalho
docente, além do desenvolvimento cognitivo e social dos alunos,
enquanto a academia ganharia com a conquista de um lócus de
estudo.
O lançamento da proposta aos docentes foi realizado pelo
Professor José Armando Valente em junho de 2012 e a partir de
então começou a tomar corpo dentro da escola. Nos primeiros
momentos, percebeu-se a instalação de confusão entre pesquisa
escolar e aprendizagem baseada na investigação, apenas no
“fazer” é que acabamos com esta confusão e estabelecemos
a diferenciação clara do que era cada um destes termos. Para
provocar as primeiras reflexões na escola, passamos a dialogar
com os principais pensadores brasileiros sobre o tema, fazendo
estudos dos textos de Pedro Demo2, Marcos Bagno3, Jorge Santos

2 DEMO, P. Saber Pensar é Questionar. Brasília: LiberLivro, 2008.


3 BAGNO, Marcos. Pesquisa na Escola o que é como se faz. 21 ed. São Paulo: Loyola, 2007.

166
Capítulo 6

Martins4 e posteriormente de autores estrangeiros, tais como


Mercer e Littleton5, Eileen Scanlon6 e Sharples7 que explanam
sobre a investigação sob o prisma do inquérito, do perguntar. Com
base nestas leituras, debateu-se como aplicar este caminho de
construção do saber nas diversas áreas do conhecimento e com
foco na proposta curricular da escola.
Para auxiliar na gestão da implantação do Projeto ABInv
e no apoio aos pesquisadores, foram integrados à equipe de
pesquisa dois componentes da escola: Um para a supervisão,
atividade designada a mim que sou a Orientadora Pedagógica da
escola; e outro para um aplicador do processo que, na ocasião,
ficou a cargo de somente uma professora. Até o final de 2013,
nos tornamos quatro componentes, pois novos professores
foram integrados ao grupo devido ao reconhecimento de
seu bom desempenho na prática pedagógica investigativa.
Dificuldades não faltaram, mas mesmo diante de todas elas e de
algumas resistências, havia uma intenção coletiva que permitiu
a constituição do que é hoje parte da proposta pedagógica da
escola:
“A ambição de potencializar mentes, de dar oportuni-
dades a nossos alunos para se fazerem produtores de
conhecimento, pois a sociedade atual requer pessoas
capazes de aprender, de realizar e de descobrir coisas
continuamente, não meros reprodutores de informa-
ções”. (PMC, 2012, p.75)

O ESPAÇO ESCOLAR E A COMUNIDADE APRENDIZ

A EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar atende as turmas do 1º


ao 9º ano e tem mais de 400 alunos matriculados. Conta com
uma equipe de 22 professores para cumprir uma carga de 30

4 MARTINS. J. S. Projetos de Pesquisa: estratégias de ensino aprendizagem em sala de aula.


Aramazém do Ipê. SP. 2007.
5 MERCER, Neil; LITTLETON, Karen. Dialogue and development of children’s thinking. London:
Routledge, 2007.
6 SCANLON, et all. Mobile technologies: prospects for their use in learning in informal science
settings. Journal of Interactive Media in Education, 21(5), 1-17. 2005.
7 SHARPLES, et all. Towards a Theory of Mobile Learning. UK: University of Birmingham, 2005.

167
Parte 2

horas/aula por semana. A comunidade atendida é de crianças e


adolescentes residentes na Região do Ouro Verde, em Campinas/
SP, filhos da classe D e E, cuja fonte de renda familiar é, na grande
maioria dos casos, produto do vínculo empregatício dos pais ou
responsáveis com a indústria e o comércio, existindo também o
grupo de pequenos empreendedores locais.
É característica da comunidade acreditar que a escolarização
das crianças e jovens é a oportunidade de ascensão econômica e
conquista de melhorias na qualidade de vida das famílias. Existe a
marca histórica, que tem se tornado um mito referente aos alunos
da escola, que é a busca do ingresso em escolas técnicas como o
COTUCA (Colégio Técnico da UNICAMP) ou ETEC Bento Quirino,
após completarem o ensino fundamental. A comunidade local
é esclarecida quanto a seus direitos, são politizados e exigentes
quanto à qualidade do serviço educacional prestado.
Pensando neste contexto, nas exigências do mercado
de trabalho, nos desafios naturais da integração dos alunos na
futura vida adulta e no direito dos estudantes de terem acesso
à escola pública de qualidade, os educadores buscam elencar
habilidades, saberes e competências que serão exigidos desta
geração. Conscientes da responsabilidade que têm, os professores
buscam tornar a experiência escolar impactante positivamente
na formação intelectual e sociocultural dos aprendizes.
Os índices de qualidade de ensino apresentados pelo IDEB
demonstram constante melhoria no aprendizado. Já alcançamos
os almejados 6.2 pelos alunos do ensino fundamental dos anos
iniciais, e chegamos aos 5.2 nos anos finais, em 2011. (BRASIL,
2012).
As crianças de 6 a 11 anos apresentam-se ávidas ao
aprendizado e envolvem-se em toda proposta oferecida, pedindo
sempre mais. Os adolescentes exigem muita criatividade e
dinamismo, propostas desafiadoras e inovadoras para que se
integrem ao processo de aprendizagem e obtenham um leque de
conhecimento cada vez maior. Este desafio nos torna inquietos e
dispostos a conhecer novos caminhos de ensino e oportunidades
para conquistar o bom desenvolvimento dos alunos, e é neste
espírito que acolhemos a proposta do Projeto ABInv.

168
Capítulo 6

APRENDIZAGENS, TENTATIVAS E DESCOBERTAS

PROVOCANDO IDEIAS

Logo que a proposta ABInv foi apresentada, os docentes


entenderam que o que estava sendo proposto já era feito na
escola e apresentaram certo incomodo de terem que estudar algo
aparentemente tão corriqueiro. Porém, o conceito de pesquisa
então utilizado baseava-se na prática de pesquisa bibliográfica
para acrescentar informações sobre um ou outro tema, para
ampliação dos textos do livro didático, exposição oral dos
assuntos por pequenos grupos de alunos, confecção de cartazes,
etc. Surgiam também pequenas “aventuras” experimentais que
culminavam na escrita de relatos de experiência. Para quebrar
esta percepção identificou-se que seria interessante envolver
toda a escola na “Lição de Casa nº 1”, que os pesquisadores do
NIED haviam proposto no II Seminário ABInv - encontro de todas
as escolas participantes do Projeto.
A “lição nº 1” requeria o levantamento de concepções
espontâneas do significado dos termos pesquisa, ciência e método
científico, sugerindo que a dinâmica para coleta dos dados fosse
realizada com os alunos da turma da professora bolsista. Porém,
ao analisar a oportunidade de usar a tarefa para mobilizar todos
os docentes e para conhecer os tipos de conceitos apresentados
por cada faixa etária, fizemos a atividade nas 13 turmas da escola,
tendo como apoio os professores regentes do 1º ao 5º ano e dos
professores de História, Geografia e Ciências do 6º ao 9º ano.
Para catalogar os conceitos espontâneos das crianças,
no ciclo I8 gravamos uma roda de conversa sobre as questões e
reunimos desenhos com legendas feitos pelos alunos. No ciclo
II as professoras filmaram os alunos respondendo as questões.
No ciclo III e IV os professores desenvolveram o trabalho
em duas etapas: na primeira as respostas foram elaboradas
individualmente e na segunda utilizando debate e releitura dos
conceitos, trios de alunos foram ampliando suas respostas até

8 Na Rede Municipal de Ensino de Campinas os ciclos são organizados em: ciclo I com os 1º, 2º
e 3º anos; ciclo II com os 4º e 5º anos, ciclo III com 6º e 7º anos e ciclo IV com os 8º e 9º anos.

169
Parte 2

chegarem a uma construção coletiva de conceitos. A Figura 1


apresenta a quantidade de respostas coletadas por ano escolar
e por questão, totalizando seiscentos e sessenta e seis respostas.

Metodologia
Respostas

Pesquisa
Total de
Grupos
Código

Ciência
Grupo

- 1° ano do Ensino
1 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar
Fundamental
53 13 19 21
- 3° ano do Ensino
2 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar
Fundamental
49 19 13 17
3 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar - 9° ano 67 23 22 22
4 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar - 2° A 80 28 27 25
5 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar - 8ª A 66 22 22 22
6 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar - 4° A 69 23 23 23
7 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar - 6° A 84 28 28 28
8 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar - 7° A 56 18 13 25
9 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar - 5° ano - Profª. Gisele 67 27 19 21
10 EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar - 5° ano - Profª. Valéria 75 25 27 23
Figura 1. Quantificação de respostas espontâneas por ano escolar.

Após a coleta dos dados, a equipe de pesquisa do NIED


fez o estudo do material e a escola também. Observando que
os conceitos formulados sofrem interferência de fatores sociais
conforme a idade dos alunos, no ciclo I predominou o uso social
que as famílias fazem dos termos, relacionado à vivência de
pesquisa de preços ou informações no computador, no ciclo II
a relação estabelecida foi com invenção e busca de respostas às
coisas que não se sabe bem; já nos ciclos III e IV percebe-se a
relação dos termos à disciplina escolar de Ciências. O conceito de
método científico foi o mais distante do vocabulário dos alunos
e as respostas foram formuladas por uma relação sonora com
outras palavras pelas crianças muito pequenas, ou, pelas demais
turmas, por associação com instrumentos e técnicas de estudo.
As palavras recorrentes nas respostas estão representadas pela
Figura 2.

170
Capítulo 6

Figura 2. Palavras recorrentes das três questões

Estas informações auxiliaram um debate sobre como


os alunos confundem a busca de informações com pesquisa
e ciência, o que precisaria ser revisto. Era necessário entender
que possuir muitos dados e informações sem saber fazer uso
destes, ou ter a capacidade de pensar sobre eles, não era obter
conhecimento. Outro fato importante a ser elucidado é o de
que um click nos sites da internet não pode ser considerado
um método de pesquisa, pois, além de não o ser, pode levar à
coleta de informações equivocadas ou superficiais. A pesquisa
virtual é um dos recursos de contato com novos saberes, mas é
preciso conhecer fontes confiáveis e desenvolver a capacidade
de analisar, relacionar e aplicar os conhecimentos. Além do mais,
o que se deseja não é apenas a aquisição de conhecimentos
prontos, é aprender a formular e construir os conhecimentos
através da investigação.
O uso do novo termo “investigação científica” não era
apenas uma questão semântica, mas ideológica. E então o grupo
foi convidado a colocar a mão na massa, elaborando planos de
investigação e aplicando-os em suas aulas. As experiências iniciais
ocorreram no trimestre final de 2012 e elas mesmas serviram de
objetos de estudo e análise das vantagens e problemas que o

171
Parte 2

uso da abordagem de aprendizagem baseada na investigação


traria para a qualidade de ensino da escola.

APRENDER FAZENDO: PRIMEIROS PASSOS

A inserção ou adequação de uma prática pedagógica requer


a compreensão dos processos pelos professores e o interesse
em utilizá-los em seus espaços de ensino. Assim, no início
dos estudos sobre a abordagem de aprendizagem baseada na
investigação os docentes elaboraram, de modo individual, planos
de investigação hipotéticos para se apropriarem do método. O
plano começava na escolha do tema e assunto a ser tratado
com uso da metodologia investigativa, em seguida era preciso
criar uma situação imaginária tentando elencar perguntas que
os alunos poderiam fazer sobre o assunto a ser estudado e,
finalmente, descrever como desenvolveriam uma investigação
junto aos alunos para encontrar respostas as indagações.
Fazer perguntas, ação cotidiana de professores que elabo-
ram exercícios para fixação de aprendizagem, não foi uma tarefa
tão simples como se pensava. Professores geralmente pensam em
perguntas com base em conhecimentos que já foram ensinados
para verificar se foram aprendidos. A dinâmica da investigação
é diferente, faz-se perguntas para obter conhecimentos. Assim,
o estudo sobre perguntas problemas foi integrado ao programa
de formação e a compreensão de que um dos potenciais que se
desenvolve em alunos e professores com este trabalho é o de
manter viva a curiosidade dos estudantes.
Com a pergunta elaborada pelo viés da curiosidade, a
fase seguinte foi optar por técnicas de investigação, deixando
a pesquisa bibliográfica, quando fosse necessário usá-la, para o
final do processo. Nesta etapa, foi necessário estudar com o grupo
docente os procedimentos de investigação mais adequados a
cada situação de estudo e à pergunta elaborada, tendo em vista
que os alunos seriam personagens ativos da proposta.

172
Capítulo 6

Desenhado o plano, os professores foram convidados à


aplicação da proposta para que verificassem a reação dos alunos,
tanto no que se refere à participação no processo quanto ao
aprendizado adquirido. As professoras dos anos inciais do ensino
fundamental foram as que realizaram as primeiras práticas na
escola. Nos anos finais a prática iniciou-se pelas mãos dos
professores de Matemática e Geografia, e posteriormente de
História.
Mesmo imperfeita enquanto técnica, a proposta foi
impactante para quem tentou ousar fazer alteração na sua prática
e a ideia foi contagiando a escola. Muitas dúvidas surgiram e
como eu estava em processo de aprendizagem em relação ao
contexto da pesquisa ABInv, não possuía condições imediatas de
responder a todas as indagações e elas foram sendo respondidas
durante a tarefa de auxiliar os professores na elaboração dos
planos de trabalho e execução de cenários de investigação com
seus alunos. Uma dúvida em específico era se a metodologia
poderia ser utilizada para qualquer disciplina do currículo. A
questão foi levada a debate em encontros de formação ABInv
e ao obter resposta positiva a este questionamento, iniciou-se a
articulação de cenários de investigação nas diferenciadas áreas
do conhecimento. O tema compôs o corpo de estudos realizados
na formação ocorrida na escola e a análise dos modos de fazer
investigação nas ciências sociais e na linguagem se tornou uma
das ações realizdas durante a supervisão do Projeto na escola.
Após um ano e meio tornou-se normal usar a abordagem
da investigação para qualquer matéria do currículo, sendo as
diferenças apenas de procedimentos utilizados. O caminho foi
associar cada campo de conhecimento com as metodologias
pertinentes a eles, assim como são desenvolvidos nas Univer-
sidades. Desta maneira, a escola encontrou seu caminho e, aos
poucos, foi reconhecendo que o método científico, embora
identificado de imediato mais com ciências naturais, pode abarcar
todos os campos de estudo inseridos no currículo escolar.

173
Parte 2

NOVOS ENTENDIMENTOS

Quando os professores compreenderam o processo, ficou


bem clara a diferença entre pesquisa escolar e aprendizagem
baseada na investigação. A transição metodológica tem ocorrido
paulatinamente, em ritmo mais acelerado para alguns do que
para outros docentes. Durante a formação encaminhada na
escola construiu-se o seguinte comparativo:

Transição metodológica
Pesquisa Escolar Aprendizagem por investigação
Tema Curricular Tema Curricular e Transversal
Roteiro feito pelo professor Planejamento com aluno
Predomina a pesquisa passiva Predomina a pesquisa ativa
Reprodução do saber Reelaboração de saberes
Interdisciplinaridade

A semelhança entre as duas abordagens é a relação obri-


gatória com o currículo estabelecido, sendo que pela aborda-
gem investigativa os estudos acabaram por envolver com mais
facilidade os temas transversais definidos no Projeto Político
Pedagógico da escola.
A primeira e mais importante diferença está na relação do
aluno com o trabalho, pois ele sai da posição de coletor passivo
de informações para pesquisador ativo, de inquerido para a
posição de inquisitor sobre os assuntos a serem aprendidos.
Quando o aluno é chamado a responder perguntas feitas pelo
professor para orientar uma pesquisa, ele apenas reproduz
informações prontas que encontra em alguma fonte; quando
o aluno faz perguntas ao assunto e investiga, ele constrói seu
próprio entendimento, fazendo assim a reelaboração de saberes.
O planejamento de estudo também traz o aluno para ação ativa, o
docente não mais define sozinho o roteiro do trabalho, este deve
ser feito pelos dois atores do processo de ensino aprendizagem,
ensinante e aprendiz. Com uso desta abordagem é possível
ocorrer momentos em que o professsor também aprende e que
o aluno também ensina.

174
Capítulo 6

Percebeu-se ainda que a aprendizagem baseada na in-


vestigação traz em si princípios que se integram ao Projeto
Político Pedagógico da escola, princípios estes expressos tam-
bém nos pilares da educação da UNESCO (2010), sendo eles:
aprender a fazer, aprender a aprender, aprender a solucionar
desafios e aprender a conviver. O aprender a fazer está diretamen-
te ligado à oportunidade de adquirir habilidades técnicas para
desenvolvimento de investigação, lidando com recursos que
na aprendizagem passiva não teriam contato, sejam eles labo-
ratoriais ou tecnológicos. O aprender a aprender exige dos
alunos o uso de vários processos mentais desenvolvendo-se a
capacidade de perceber as próprias lacunas de conhecimento, de
elaboração de questionamentos, de observação objetivada, de
seleção de dados, de comparação, de análise e de síntese. Para
solucionar os desafios da investigação os aluno têm de organizar
o trabalho de modo estratégico e eficiente, aprender a tra-
balhar em grupo, fazer anotações de suas observações e tomar
decisões adequadas à cada situação proposta, a própria elabo-
ração do plano de investigação é um momento de tomada de
decisão.
A expansão dos espaços de convivência que a aprendiza-
gem baseada na investigação requisita também é extremamente
interessante para o desenvolvimento da cidadania. Entende-se
que neste processo a cidadania dá-se pela condição de conviver
com diferentes agrupamentos sociais com os quais a interação
permite a obtenção de conhecimento. Este movimento propicia a
construção de relacionamentos para o trabalho e desenvolvimento
da cultura do fazer científico.
As condições impostas pela aprendizagem baseada na
investigação também provocaram a necessidade de interlocução
entre várias disciplinas para busca de respostas às perguntas
problemas, pois um único campo do conhecimento não dava
subsídio para a coleta, análise ou execução dos relatórios de
estudo. Em todo momento a Matemática e a Língua Portuguesa
foram suporte para qualquer cenário, seja pela necessidade de
interpretação de informações ou pela ordenação e tabulação de
dados.

175
Parte 2

Para os anos iniciais, a prática de integrar temas de áreas


diversas em um projeto de aprendizagem vem sendo desenvolvida
naturalmente, assim a integração das disciplinas para busca de
resposta das investigações fluiu com maior naturalidade. Já nos
planos de investigação do anos finais do ensino fundamental,
o diálogo para elaboração de projetos integrados aconteceu
como tarefa da formação, com diálogos entre docentes dos
mesmos ciclos que buscaram integrar os conteúdos de suas
disciplinas dentro de um único tema e, depois disto, um dos
docentes estimularia os alunos ao encontro de uma pergunta
investigável e os demais iriam envolvendo suas disciplinas para
apoiar o estudo em questão. Parcerias de sucesso neste exercício
se deram entre Ciências, Matemática e Língua Portuguesa,
Geografia e Matemática, Artes e História; e um cenário hipotético
foi elaborado integrando Inglês e Educação Física.

OS CENÁRIOS DE INVESTIGAÇÃO: ACOMPANHAMENTO E


OBSERVAÇÕES

Com acertos e consertos interessantes, cenários foram surgindo


ao longo dos trimestres letivos. Desde os pequenos alunos,
que iniciam sua convivência com a escola no 1º ano do ensino
fundamental, até os alunos que se despedem de nós ao final do
9º ano, todos puderam viver um pouco deste desafio junto à
equipe pedagógica.
Durante os primeiros estudos, a prática da ideia com
crianças pequenas parecia menos favorável do que com os
alunos maiores. Engano total, pois o que se verificou é que
as crianças são mais espontâneas e curiosas, assim elencam
muitas perguntas sobre qualquer assunto ou objeto de estudo
que se apresente a elas. A exploração experimental está mais
próxima de sua forma de contato com o mundo do que para o
adolescente, por exemplo, que já começou a usar da abstração
para aprender. A mesma dinâmica se dá na elaboração das
hipóteses: sem a barreira do medo de errar, o estudante dos
primeiros anos do ensino fundamental expressa mais suas ideias
usando da criatividade, inclusive, para imaginar as respostas à

176
Capítulo 6

sua pergunta; já os alunos maiores exigem de si mesmos uma


hipótese elaborada pela lógica.
O tema que atraiu as docentes do ciclo I em 2012 foi
“a alimentação”. O primeiro ano tinha a curiosidade de saber
como os alimentos eram feitos. A professora os fez colocar a
mão na massa, literalmente, pois desenvolveu uma experiência
culinária produzindo docinhos deliciosos com leite em pó, açúcar
e margarina e, assim, as crianças foram descobrindo como se
dá a “mágica” da transformação dos ingredientes em um prato
saboroso. Os alunos do segundo ano investigaram sobre as
frutas e seu valor nutricional. Este estudo foi motivado pela
pergunta “por que os adultos sempre mandam crianças comerem
frutas?”. Esta pergunta levou a outras e assim a investigação foi
se desenrolando e possibilitando o aprendizado sobre vitaminas,
fibras, sais minerais, higiene alimentar e valor medicinal das
frutas. O terceiro ano quis saber o que provoca a obesidade e o
que é alimentação saudável, para tanto, foram estudar os tipos
de alimentos e para que serviam cada um deles. Para responder
à pergunta-problema fizeram o acompanhamento semanal da
alimentação que tinham em casa e, posteriormente, uma seleção
do que podia ser considerado saudável ou não, buscaram ver
a relação das práticas alimentares das famílias e o peso dos
familiares, descobriram algumas práticas comuns entre as famí-
lias que apresentavam membros com sobrepeso.
“Os animais” foi o grande foco de investigação durante
o ano de 2013 para as turmas do 1º e 2º anos, além de compor
o currículo deste ciclo é um tema de bastante interesse dos
alunos. Questões referentes aos animais de estimação podem ser
pesquisadas na própria vizinhança, pois muitos criam cachorros,
gatos e pequenas aves. Para responder questões sobre grandes
animais, nada melhor do que uma visita a um Parque Ecológico
e, assim, foram todos para Paulínia/SP ver de perto animais de
outras terras, como o leão, a onça pintada, etc. A professora do
1ª ano aproveitou para ensinar letras e números neste contexto
e, a do 2º ano, para consolidar o processo de alfabetização. As
perguntas feitas por crianças de seis a sete anos podem ser muito
divertidas e certamente representam questões que nós adultos

177
Parte 2

gostaríamos de fazer, mas não nos sentimos mais à vontade para


perguntar. No quadro de giz, a professora se fez de escriba e
registrou todas as indagações e depois as hipóteses formuladas,
respectivamente no quadro esquerdo e direito da Figura 3.

Qual a altura do pescoço da


girafa e do bico do tucano?

Porque o Mico-leão dourado


é dourado?

O que os animais comem?

Como as mães cuidam dos


filhotes?

Pescoço de Girafa = 50m,


20m, 31m, 7m, 6m, 80m,
43m.

Bico do Tucano = 30 cm

Porque é a cor dele, a cor


parece do leão, o pelo
parece juba.

Carne, ração, carnívoros


comem carne e os herbí-
voros comem flor, folhas,
fruto e amendoim.
Tratam bem, dão carinho,
dão leite.

Figura 3. Questões e hipóteses elencadas na aplicação do cenário


investigativo Animais.

178
Capítulo 6

Após os estudos, os alunos foram desafiados a fazer


um painel de classificação de animais domésticos e selvagens
no primeiro ano e o segundo ano foi, ao longo dos estudos,
construindo seu próprio “Alfabetário Animal”, e para cada
bichinho uma ficha de investigação foi registrada no laptop
educacional. A turminha trabalhou tão bem que na chegada da
letra G ganharam uma mascotinha do projeto, a GIGI, e para
exposição de seus trabalhos no “Encontro de Sabores e Saberes”9
cada um pintou uma linda tela sobre seu animal preferido, como
indicado na Figura 4.

Figura 4. Imagens referentes ao Projeto Animais


desenvolvido pelas turmas do 1º e 2º anos.

9 Encontro de Saberes é um evento anual de mostra de estudos realizados durante o ano letivo,
no qual cada turma expõe os novos aprendizados adquiridos aos visitantes externos e a comuni-
dade interna da escola.

179
Parte 2

Nas aulas de Educação Física (2012), os alunos do ciclo II e


III foram investigar a relação entre peso e medida de meninos e
meninas para descobrir se os estudantes de 9 a 11 anos estavam
ou não dentro da faixa de obesidade ou de subpeso, assim
aprenderam a medir o Índice de Massa Corporal (IMC). Este cenário
surgiu devido à questões levantadas pelos alunos referentes à
atividade física, alimentação e saúde. O projeto contou também
com o estudo do valor nutricional dos alimentos, que gerou uma
nova pergunta: A alimentação oferecida pela escola está correta?
Esta investigação fez com que os alunos requisitassem a presença
da nutricionista do CEASA para alguns esclarecimentos. A Figura
5 mostra as medidas de altura dos alunos.

Figura 5. Pesquisando a relação entre altura, peso e massa corporal.

As turmas do 3º e 4º anos também elaboraram um ce-


nário de estudo sobre girassol e, sobre esta planta, o que mais
os impressionava era o fato dela acompanhar a direção do sol.
Os processos de estudo ainda foram muito próximos à pesquisa
escolar, mas duas etapas importantes do ABInv foram praticadas:
o aluno planejar e elaborar perguntas novas sobre os assuntos
apresentados pela professora. Da curiosidade sobre o girassol
surgiram as seguintes questões que foram respondidas pelos

180
Capítulo 6

alunos: O que é preciso para que a planta seja cultivada? Por que
ela acompanha a direção do sol? Qual é a utilidade da semente
do girassol, além de servir de alimento para algumas aves? Qual
é o valor terapêutico da semente?
No ensino do ciclo II observamos uma diferente apro-
priação do processo por parte das professoras. Os trabalhos
desenvolvidos em 2012 com os alunos do 4º ano ainda ficaram
muito próximos da pesquisa escolar, a técnica de investigação
era proposta pela docente para responder questões que eram
apresentadas por ela, utilizando-se, para tanto, de experimentos.
O conteúdo referente a “medidas” foi bastante explorado com
uso de técnicas da investigação experimental, na qual coleta
de dados, medições, comparações, organização de gráficos e
tabelas, foram utilizadas.
Em 2013, com novos alunos e com a compreensão do
que é aprendizagem baseada na investigação, as perguntas feitas
pelas crianças sobre vários assuntos foram se constituindo em
cenários de investigação. Aos poucos, técnicas científicas vêm
sendo incluídas como técnicas de aprendizagem. Destaca-se
aqui a comparação de “medidas de comprimento” com a de
“volume”. As crianças ficaram dividas entre as que acreditavam
que a transformação numérica proposta pela Matemática era
reprodução da realidade e as que achavam que era apenas uma
invenção dos matemáticos. Para eliminar esta dúvida, fizeram
uma balancinha acoplada a uma fita métrica e pesaram “em
centímetros” vários objetos, depois voltaram à técnica matemática
para verificar se os valores seriam iguais. Através da investigação
as “descrenças” foram eliminadas.
Os quintos anos foram, desde o início, os pioneiros de
aplicação da nova proposta metodológica, este fato se deve à
compreensão e engajamento das docentes responsáveis pelas
turmas. As professoras, que já utilizavam jogos, experimentações
e pesquisas de campo em sua dinâmica de ensino, adaptaram-
se rapidamente ao método e propuseram estudos referentes ao
tratamento e consumo de água, além de envolverem a robótica
pedagógica com o ensino de conteúdos de matemática e
ciências, utilizando-se também da oportunidade para introduzir

181
Parte 2

a leitura e escrita de gêneros textuais associados aos registros


científicos. Para a investigação sobre “Água”, organizaram em
relatório as práticas do uso da água nas residências (1), escola
(2) e instituição - Shopping Dom Pedro - (3), e elencaram ações
que podem ser consideradas sustentáveis e não sustentáveis,
como indicado na Figura 6. Também fizeram uma viagem de
estudo no “Barco Escola” e aprenderam muito sobre a relação
do homem com os recursos hídricos. A proposta foi apresentada
para outras professoras e todos os alunos do ciclo II (4º e 5º
anos) se envolveram nos estudos.

Figura 6. Alunos em aula atividade do Projeto Água: Shopping Dom Pedro,


Barco Escola e experiências em sala de aula.

182
Capítulo 6

Nos ciclo III e IV, referentes às turmas de 6º a 9º anos,


a prática da aprendizagem baseada na investigação vem se
construindo conforme cada professor vai se apropriando do
processo, em tempos e formas diferentes. A organização dos
tempos pedagógicos precisou ser revista entre 2012 e 2013, as
aulas foram organizadas para que ao menos uma vez na semana
cada professor contasse com 1 hora e 40 minutos em cada
turma, pois com 50 minutos de trabalho ficava muito difícil para
desenvolver as etapas da investigação. Outros temas propostos
pelos ciclos finais do ensino fundamental são indicados no
Quadro 1.

Quadro 1. Síntese dos temas das investigações dos ciclos III e IV.
Série/Disciplina Pergunta
7º ano Quais as diferenças entre os efeitos da presença
Geografia humana na paisagem urbana e rural?
IDH – Os índices de desenvolvimento humano de
nosso bairro representam a realidade nacional?
6º, 7º e 8º O vocabulário das músicas nacionais das décadas
Língua Portuguesa de 70, 80 e 90 é diferente da música nacional atual?
Nós conseguimos entender facilmente?
6º, 7º e 9º anos Desafios matemáticos
Matemática
1 – São sete irmãs, cada uma delas tem um irmão.
Quantos filhos são ao todo na família?
4– Se dois é bom e três é demais, o que são quatro
e cinco?

Projetos em parceria com ciências e geografia.


6º, 7º e 9º anos 6º e 7º anos – Rocha e Água
Ciências
9º ano – Processo Digestivo – Enzima:

Como se dá o processo de digestão?


É o ácido ou a enzima que atua na digestão?
6º ao 9º ano As pessoas sabem para que serve cada um dos car-
História gos que votaremos em 2012?
Educação Especial Como as pessoas que possuem necessidades espe-
6º a 9º ciais se relacionam com o mundo? Audição, visão,
mobilidade, comunicação.

183
Parte 2

Observando o quadro sintético dos cenários de investigação


desenvolvidos com as turmas de ciclo III e IV pode-se observar
um misto entre perguntas testáveis e não testáveis, questões
elaboradas por professores e outras por alunos. O fato revela o
caminho das descobertas de um novo método de aprendizagem,
não o aprendizado, que inclusive não se encerrou ao final do
Projeto de pesquisa ABInv; ele permanecerá acontecendo para
docentes, gestores e alunos a cada nova criação de cenários
investigativos, pois uma vez iniciada a experiência, ela vai aos
poucos se tornando parte do processo de ensino e aprendizagem
de docentes que sentiram bons resultados na elaboração e
aquisição de saberes pelos alunos.
Supervisionar a integração do ABInv na prosposta pe-
dagógica da escola contando com a disposição de tantos do-
centes em experimentar o processo, requereu o compromisso
de estudar, junto com o professor, como provocar o espírito
inquisitor nos alunos em diversos cenários, e diferentes áreas
do conhecimento. A necessidade de atender a todos serviu para
que eu aprendesse tanto do método quanto dos conteúdos, e
também do potencial dos profissionais que compõem a equipe
docente que oriento. Esta percepção e conhecimento ampliado
favoreceu a qualidade do material elaborado para a formação e
para o acompanhamento individual de cada um.

ANALISANDO PROCESSOS E RESULTADOS

ENSINANDO OS ENSINANTES

Desenvolver um programa de formação continuada para equipe


docente em uma unidade de ensino público, tem um desafio
em particular: a rotatividade do corpo docente. As docentes do
1º ao 5º ano permaneceram na escola durante os dois anos em
que desenvolvemos a formação, mas, quanto aos docentes do
6º ao 9º ano, a situação não é a mesma. Professores de Ciências,
Geografia, Educação Física e Inglês, professor adjunto (professor
substituto) e os docentes que complementam as cargas horárias
de Matemática e Português mudaram de um ano para outro,

184
Capítulo 6

totalizando oito novos componentes na equipe e gerando a


perda de cinco professores que tinham bom engajamento na
proposta. Este movimento exige a retomada dos estudos iniciais
para integração de quem está chegando, além do auxílio para
que se adaptem à forma de inserção da proposta ABInv na
metodologia de ensino e currículo de cada disciplina/turma.
Por outro lado, essa rotatividade pode trazer uma boa
oportunidade de mobilização da expansão do movimento ABInv
caso os conceitos e práticas aprendidos pelos que foram para
uma nova escola sejam aplicados em outras unidades de ensino,
o que para educadores que acreditam na proposta se torna
vantagem. Diante dos fatos, a proposta ABInv foi apresentada
para vinte e nove professores e três gestores. Entre participar
dos estudos e discussões e realizar atividades práticas com seus
alunos, verifica-se cerca de 60% de aplicabilidade do aprendizado
durante estes dois anos. Podemos observar esta distribuição no
Quadro 2:

Quadro 2. Análise global do Projeto ABInv na escola


2012 2013
Participantes dos estudos 10 ciclo I e II 7 ciclo I e II
ABInv na escola 9 ciclo II e III 8 ciclo III e IV
Desenvolvedores de atividades 7 ciclo I e II 6 ciclo I e II
práticas com alunos 6 ciclo III e IV 5 ciclo III e IV
Todas as turmas Todas as turmas
Classes (séries, ciclos) 7 ciclo I 6 ciclo I
7 ciclo II 7 ciclo II
Encontros de Estudo Coletivo de
12 08
professores
Docente com que se fez reuniões 02 ciclo I e II 0 ciclo I e II
individuais de orientação 03 ciclo III e IV 2 ciclo III e IV

No ano de 2012, os trabalhos desenvolvidos foram indi-


viduais, cada professor com seus alunos - uma experimentação
tímida da proposta - e aconteceram no último trimestre letivo,
com exceção às docentes do 5º ano que atuavam juntas no
Projeto de robótica educacional e outros, sempre planejando

185
Parte 2

em parceria e de modo interdisciplinar. Este período, porém, foi


suficente para verificar quais pontos precisavam ser esclarecidos,
como cada cenário de investigação precisava ser planejado e
como a participação ativa dos alunos no aprendizado o torna
mais significativo e estimulante.
Descobrimos que não sabíamos muito sobre a metodologia
científica ou sobre sua aplicação como método de ensino
para alunos do Ensino fundamental. Percebemos que nossa
experiência estudantil e formação profissional nos possibilitou
compreender melhor métodos tradiconais do que construtivistas;
aprendemos por meio deles, esta era a nossa área de conforto
e precisávamos sair dela. Tendo sido chamados a fazer ciência,
sermos mediadores dos alunos nesta forma de aprender, este
seria nosso novo lugar no processo de ensino aprendizagem.
Ao longo do processo de formação na escola e interação
com os professores, estudos foram encaminhados para o fomento
de compreensões de etapas do método científico e eliminação
de dúvidas, visando a elaboração de planos de cenários de
investigação pelos professores para a realização com seus alunos.
Ao longo da supervisão, dois itens referentes à metodologia
científica destacaram-se como difíceis de assimilar e praticar:
pergunta testável e variáveis (dependentes e independentes) –
este último ainda em aprendizagem por mim. Para sanar esta
dificuldade, o estudo de definições foi articulado no processo de
interação com os professores na composição e viabilização dos
cenários de investigação na escola, compartilho explicações10
que favoreceram a superação das dificuldades encontradas:

“pode-se dizer que um problema é testável cientifi-


camente quando envolve variáveis que podem ser
observadas ou manipuladas. As proposições que se
seguem podem ser tidas como testáveis: Em que me-
dida a escolaridade determina a preferência político-
partidária? A desnutrição determina o rebaixamento
intelectual? Técnicas de dinâmica de grupo facilitam
a interação entre os alunos? Todos estes problemas

10 Para maior compreensão sobre perguntas testáveis e não testáveis, sugiro um passeio pelo
link: https://www.googlesciencefair.com/pt/competition/previous-years - Esta referência foi apre-
sentada aos participantes do Projeto em evento de formação. 

186
Capítulo 6

envolvem variáveis suscetíveis de observação ou de


manipulação. É perfeitamente possível, por exemplo,
verificar a preferência político-partidária de deter-
minado grupo, bem como o seu nível de escolaridade,
para depois determinar em que medida essas vari-
áveis estão relacionadas”. GIL (2008, p. 34)

“A variável independente é aquela que afeta


(Richardson et. al., 1985), influencia (Kerlinger, 1979)
ou determina uma outra variável (Lakatos & Marconi,
1983; 1985). Segundo Bowditch e Buono (1992) é
aquela variável que ocorre anteriormente ou são
manipuladas para causar um certo efeito. As variá-
veis dependentes são aquelas afetadas ou explicadas
pelas independentes, variando de acordo com as
mudanças nas independentes (Richardson et. al.,
1985). Para Lakatos e Marconi (1983, p.163; 1985,
p.131) a variável dependente “... consiste naqueles
valores (fenômenos, fatores) a serem explicados ou
descobertos, em virtude de serem influenciados,
determinados ou afetados pela variável indepen-
dente; é o fator que aparece, desaparece ou varia à
medida que o investigador introduz, tira ou modifica
a variável independente; a propriedade ou fator
que é efeito resultado, consequência ou resposta a
algo que foi manipulado (variável independente)”.”.
(PEREIRA, 1996)

No ano de 2013, a parceria entre colegas dos anos finais


do Ensino Fundamental surgiu. Muitas investigações foram
realizadas com duas disciplinas envolvidas, sendo a mobilizadora
desta organização a docente de Ciências – uma pesquisadora –
que fez parceria com Língua Portuguesa e Matemática, e a de
História, que propôs trabalhar em parceria com Artes. Esta nova
estrutura garantiu maior segurança para os professores e trouxe
a perspectiva de pesquisa multidisciplinar, um mesmo objeto de
investigação estudado sob óticas complementares ou utilizando-
se de ferramentas de diversas matérias, assim como é o raciocínio
humano no cotidiano, um pensamento integrado.

187
Parte 2

SOCIALIZAÇÃO DOS CENÁRIOS DE INVESTIGAÇÃO NA ESCOLA

Partilhar é uma formar de aprender a fazer e de apresentar


resultados de aprendizagem para a comundiade escolar, e esta
prática foi realizada em três momentos distintos: nos TDCs
(trabalho docente coletivo), reuniões semanais realizadas para
estudos de caso, formação docentes, planejamento pedagógico e
trocas de experiências entre os professores; nas Web-conferências
e Seminários na UNICAMP; e na mostra de trabalhos pedagógicos
da escola (Encontro de Saberes e Sabores).

Os Seminários foram essenciais para a compreensão
do que é ABInv e como utilizar esta proposta para mobilizar
melhorias na aprendizagem. Entre as dinâmicas utilizadas nestes
encontro fomos chamados a por a “Mão na Massa”, atividades
que permitiam que supervisores e professores vivessem a
experiência do fazer científico para o ensino escolar, percebendo
as dificuldades e encantamentos do processo. Os momentos de
compartilhamento das práticas das escolas enriqueciam as ideias
e revelavam o grau de curiosidade dos alunos, a capacidade
criativa do professor para superar os desafios e mantinham todos
estimulados para continuar, mesmo quando alguns concertos
precisavam ser feitos. As trocas de experiências e orientações
também aconteciam à distância, pelas web-conferências a barreira
geográfica foi rompida e pudemos acompanhar o desenrolar dos
processos nas outras escolas parceiras deste estudo.
Nos “Encontros de Sabores e Saberes” a festa é outra,
a escola torna público os trabalhos pedagógicos realizados
durante o ano, a comunidade escolar pode aprender com os
alunos, entender o que vem acontecendo na escola com o novo
movimento pedagógico. Os alunos se sentem importantes, os
pais orgulhosos e os professores realizados pelo reconhecimento
do trabalho.

188
Capítulo 6

GESTÃO DAS MUDANÇAS

Mudanças se fazem necessárias sempre que observamos que as


práticas habituais não estão trazendo os resultados desejados,
no caso da nossa escola estes resultados estão diretamente
ligados ao aprendizado dos alunos. Creio que não só a nossa
escola tem verificado que os alunos não aprendem tão bem ou o
tanto quanto almejamos, mas aqui na EMEF Elza resolvemos fazer
algo que pudesse alterar este quadro: experimentar o processo
de aprendizagem baseada na investigação. Esta decisão envolveu
mudanças no jeito de fazer a escola e, para isto, foi necessário
estabelecer um plano de gestão de mudança.
À primeira vista parecia que gerenciar este processo
seria simples, bastaria promover a formação dos professores e a
provisão de recursos para execução dos planos de investigação
que a implantação estaria pronta, mas as coisas não são tão
simples assim. Tirar as pessoas de sua rotina e mexer com
crenças provoca instabilidade para todos os envolvidos. Uma
aula tradicional parece causar um silêncio produtivo na escola,
o cenário de quietude faz todos crerem que tudo vai bem, mas
quando se propõe uma metodologia de investigação o sossego
é posto em risco, pois a aprendizagem ativa gera movimento e
novos ruídos, que tiram as pessoas de seu lugar de controle e
conforto.
Além de professores e alunos outras pessoas da escola
são impactadas: as funcionárias de serviços gerais passam a
ser mais requisitadas durante as aulas para auxiliar na limpeza
das salas e espaços de aprendizagem, que sofrem efeitos dos
pequenos acidentes “científicos”; a exploração de novos espaços
da escola para realização de estudos altera a rotina e a percepção
das inspetoras, que se preocupam em manter “a segurança” de
todos os alunos que estão fora das “quatro paredes”, expressa
estranhamento com a presença de alunos e professores nos
espaços externos fora do horário de intervalo. Conflitos novos
acontecem e a gestão precisa interromper seus afazeres para
auxiliar na solução de problemas que não ocorreriam na aula
tradicional. O uso de equipamentos exige apoio de técnicos,

189
Parte 2

compra de materiais, organização de agendamento de recursos


que antes ficavam guardados por longo tempo. Ainda temos a
negociação entre os professores para definir quem fará parte
das formações externas realizadas na Universidade e tratar das
sensações de menor ou maior valia que surgem nesta dinâmica.
Nem toda curiosidade pode ser resolvida dentro do espaço
escolar ou com os recursos que temos e surge a necessidade
de estabelecer parcerias externas, requisitar agendamento de
visitas, transporte, lanche para ser levado para fora da escola,
preparação dos equipamentos para registro das investigações
externas - laptop portátil, máquina fotográfica, filmadora,
gravador, autorização dos pais para que seu filho saia da escola,
etc.
Os pais, enquanto atores do processo de ensino e
aprendizagem de seus filhos, também precisam ser orientados
pela escola. Ainda temos a necessidade de compreensão de
que a saída da escola não é um passeio, é um estudo, que os
experimentos não são uma forma de “enrolar a aula”, eles são
a aula. Alguns pais perguntam por que os professores não
dão os conceitos prontos para as crianças decorarem e assim
aprenderem mais rápido, e é preciso explicar que o aprendizado
significativo estimula a memória permanente e não o oposto.
Ter um bom vínculo com os pais, estabelecendo a confiança
no profissionalismo das decisões pedagógicas da escola, faz a
diferença e, para isso, é preciso estudar, avaliar os efeitos do
trabalho realizado e ajustar as falhas constantemente.
Aos poucos a comunidade escolar vai entendendo a
proposta, se habituando, colhendo os frutos e ajudando a
constituir o jeito “ELZA” de fazer a aprendizagem baseada na
investigação, mas ainda há muito a ser feito para podermos dizer
que esta metodologia faz parte do cotidiano escolar. Estamos
como bebês: dando os primeiros passos, caindo, levantando
e pedindo apoio constante, apoio este que chega pelas mãos
de toda a equipe de educadores das escolas participantes do
Projeto e dos pesquisadores do NIED/UNICAMP nos encontros
proporcionados pelos Seminários do UCA/ABInv: “O Laptop
Educacional e a Aprendizagem Baseada na Investigação”.

190
Capítulo 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre os debates sobre os desafios da escola formal deste século


encontra-se o questionamento sobre qual é a sua identidade,
valor e função social diante de uma sociedade em que o acesso
à informação é muito fácil. Sobre este tema trago, para reflexão,
a ideia de que ter informação não é sinônimo nem de possuir
conhecimento, nem de ser capaz de produzi-lo ou utilizá-lo. Com
base neste pensamento, compreendo que a escola é o espaço
ideal para desenvolver a capacidade de produzir, adquirir e utilizar
o conhecimento, sendo esta sua função atual. Assumindo esta
tarefa, as instituições de ensino obterão novo valor social, pois
contribuirão efetivamente na formação de mentes pensantes.
Educaremos pessoas capazes de perceber, entender e intervir
na realidade de modo eficiente e eficaz, tanto pelo trabalho que
exerçam quanto pelas ações sociais mais rotineiras, trazendo
melhorias de condições de vida às suas comunidades locais, que
refletirão em benefícios à sociedade global.
A aprendizagem baseada na investigação é um caminho
coerente com o trabalho que os novos tempos requerem das
escolas, traz dinamismo ao processo de aquisição e apreensão
de conhecimento, correspondendo melhor ao perfil do
comportamento da geração da era tecnológica, cuja inquietação
e perfil dispersivo exigem que a ação educativa os mantenha
atraídos aos objetos de aprendizagem com processos ativos que
considerem sua atenção inventiva. Se assim fizermos, a identidade
da escola será a do espaço de recriação e criação de saberes, da
potencialização do fazer e da inovação.
Os passos iniciais foram dados, a escola propõe-se a dar
continuidade a esta linha de ensino, trazendo esta experiência,
inclusive, como base de reflexão de como organizar a escola
em tempo integral, desafio que o MEC (Ministério da Educação)
lançou a todas as escolas brasileiras. Este será um novo capítulo
a ser escrito, mas certamente os aprendizados adquiridos e
aqui apresentados estarão integrados aos novos feitos e novos
contos.

191
Parte 2

REFERÊNCIAS

BRASIL. IDEB. Resultados e Metas: Elza Maria Pellegrini de Aguiar,


Emef Professora. Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/
resultado/resultado/resultado.seam?cid=3385160. Acessado
em: Dezembro de 2012.
GIL. A C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ª edição. São
Paulo: Ed Atlas. 2008.
PEREIRA, M.F. Mudança estratégica em uma organização hospi-
talar: um estudo de caso dos últimos 20 anos – Florianópolis:
UFSC. 1996.
PMC (Prefeitura Municipal de Campinas). PPP-2011- Projeto
Político Pedagógico: EMEF Elza Maria Pellegrini de Aguiar. 2012.
UNESCO. Educação um tesouro a descobrir: relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o
século XXI. Trad. Guilherme J. F. Teixeira. Brasília. 2010

192
Capítulo 7 - Crianças e borboletas:
aprendizados e transformações
Juliana Conde1 e Fernanda Maria Pereira Freire2

INTRODUÇÃO

Neste capítulo apresentamos o trabalho de investigação científica


que desenvolvemos em 2013 com alunos de 6 a 7 anos, do
1° ano da Escola Municipal José Benigo Gomes, na cidade de
Sud Mennucci, região noroeste do Estado de São Paulo. Estas
crianças estão em processo de aquisição de leitura e escrita,
objetivo geral desse nível de escolaridade. Por essa razão, direta
ou indiretamente, as atividades realizadas em sala de aula
relacionam a fala, o desenho, a leitura e a escrita, respeitando os
ritmos de aprendizagem das crianças.
A ideia de introduzir essa abordagem de ensino-
aprendizagem surgiu, de forma natural, durante o desenvolvi-
mento de uma unidade curricular específica, “Natureza e
Sociedade”. As crianças fizeram muitas atividades dentro e fora
da sala de aula, ocasião em que puderam observar vários animais
que habitam o jardim e a horta da escola. Por fim, assistimos a
história digitalizada “A primavera da Lagarta”, de autoria de Ruth
Rocha, que conta a vida de uma pequena lagarta em processo de
metamorfose e os seus conflitos com os outros bichos que viviam
no jardim. Após a exibição do vídeo, realizamos em conjunto a
interpretação e a exploração do texto bem como dos elementos
do livro: capa, título, nome do autor, etc (Figura 1).

1 Professora do Ensino Fundamental da EMEF José Benigo Gomes.


2 Pesquisadora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/UNICAMP).
Parte 3

Figura 1. Capa do livro A primavera da lagarta.

Foi então que os alunos começaram a fazer uma série de


perguntas sobre a lagarta e a borboleta, protagonistas da história:

• As borboletas comem as mesmas coisas que as abelhas?


• Taturana é lagarta?
• Como a lagarta vira borboleta?
• Por que as lagartas comem folhas?
• Lagartas comem somente folhas?
• Por que a lagarta vive na flor?
• Todas as lagartas viram borboletas?

Percebemos que a curiosidade das crianças era uma


boa oportunidade para introduzirmos atividades baseadas no
Método de Investigação Científica. Supúnhamos que o interesse
dos alunos seria um ponto de partida importante para realizar
uma atividade por meio da qual poderiam aprender a observar, a
registrar e a verbalizar suas observações, compartilhando com os
colegas suas hipóteses e dúvidas e, assim, em conjunto, elaborar
conclusões.

196
Capítulo 7

INICIANDO A INVESTIGAÇÃO: PERGUNTA E HIPÓTESES

Essa proposta foi sustentada por uma série de outras atividades


curriculares que têm como objetivo principal propiciar situações
em que a fala, o desenho, a leitura e a escrita façam sentido
para a criança. Trata-se, como já foi dito, de uma classe em
fase de alfabetização. Por essa razão, pedimos às crianças que
desenhassem em folhas de papel sulfite a parte da história
que mais haviam gostado. Algumas delas, além de desenhar,
escreveram partes do texto que recordavam. Nosso objetivo
era analisar, desta vez individualmente, a compreensão do que
as crianças haviam ouvido (leitura da história pela professora)
e visto (ao assistirem ao vídeo) e como representavam essa
compreensão (desenho e escrita).
Com o objetivo de encenar a metamorfose da lagarta em
borboleta tematizada pela história, planejamos uma atividade
lúdica no jardim da escola. Distribuímos entre os alunos uma
bexiga estreita e comprida, tipo espaguete, para representar uma
lagarta. Depois de cheias, as crianças desenharam olhos e boca
na bexiga. Em seguida, oferecemos papel branco recortado com
o formato de asas de borboleta. As crianças coloriram as asas e
as colaram na bexiga, voando, enfim, com suas borboletas pelo
jardim (Figura 2).

Figura 2. Momentos do trabalho no jardim da escola: à esquerda, a roda de


conversa e, à direita, os alunos com suas borboletas.

197
Parte 3

Foi durante esta atividade, em meio a nossa “roda de


conversa”, que um aluno voltou à questão “As lagartas comem
somente folhas?”, despertando a curiosidade dos colegas.
Decidimos, então, guardar uma das lagartas que encontramos no
canteiro de couve da horta em uma caixa de sapatos juntamente
com uma folha de couve.
No dia seguinte, abrimos a caixa e as crianças verificaram
que a lagarta tinha comido a folha e defecado. Retomamos a
pergunta feita pelo aluno no dia anterior: será que as lagartas
só comem folhas? Nossa intenção era levantar, junto aos
alunos, suas hipóteses sobre a alimentação das lagartas.
Todas as crianças disseram que as lagartas comem outras
coisas também e passaram a dizer em voz alta os nomes dos
alimentos para que a professora os anotassem no quadro branco
(Figura 3):

LISTA DE ALIMENTOS
- Alface - Jabuticaba
- Rúcula - Formiga
- Melancia - Joaninha
- Cebolinha - Minhoca
- Cenoura - Mosquito
- Banana
- Maçã
- Goiaba
- Almeirão
Figura 3. Alimentos que os alunos supunham que a lagarta comesse.

Definimos, assim, a pergunta - As lagartas comem


somente folhas? - como questão de investigação com base em
dois fatores: (i) por fazer parte do rol de perguntas levantadas
pelos alunos e (ii) por ser facilmente testável através de um
experimento específico. Além disso, já tínhamos em mãos as

198
Capítulo 7

hipóteses das crianças que surgiram de maneira espontânea


em sala de aula, em meio as nossas discussões, disparadas pela
observação do que havia acontecido com a lagarta coletada
casualmente. Passamos, então, a planejar um experimento que
fosse possível de ser realizado em sala de aula pelos alunos.

O EXPERIMENTO: PREPARATIVOS

Para subsidiar o desenvolvimento do experimento com os


alunos, procuramos na internet diferentes formas de acomodar
as lagartas. A dica do site de objetos educacionais do Ministério
da Educação3 foi a que nos pareceu mais adequada: usaríamos
caixas de sapato com pequenos furos na tampa para permitir
a entrada de ar. Preparamos 6 caixas de sapato iguais com 20
furinhos de 3mm na tampa.
Tendo como referência as hipóteses das crianças,
assumimos como variável dependente o tipo de alimento
oferecido às lagartas e, como variáveis independentes, outros
fatores relacionados ao modo como acondicionaríamos as
lagartas que fariam parte do experimento. Restava, então,
selecionar os alimentos e coletar as lagartas.
Em sala de aula, retomamos com os alunos os alimentos
que pensavam fazer parte da dieta das lagartas, organizando-os
em três grupos: bichos, folhas e frutas (Figura 4); selecionamos
um alimento de cada um dos grupos, tomando o cuidado de
escolher alimentos fáceis de serem encontrados, razão pela qual
decidimos por folhas de couve, formiga e banana.

3 http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/bitstream/handle/mec/22122/Toda%20lagarta%20
vira%20borboleta...%20ou%20mariposa%20-%20pontociencia.pdf?sequence=1 (acessado em
04/março/2014).

199
Parte 3

Figura 4. Organização dos alimentos em grupos.

O próximo passo era coletar as lagartas. No jardim da


escola não encontramos nenhuma lagarta; na horta e nas folhas
da hortelã, os alunos encontraram duas lagartas de espécies
diferentes que foram guardadas em uma caixa de sapato. Embora
empolgados com a “caça às lagartas”, constatamos que o número
de lagartas era insuficiente para o experimento. Pedimos aos
alunos que procurassem em suas casas, no entanto, as chuvas que
antecederam o dia combinado para que trouxessem as lagartas
impediram os alunos de procurarem pelo bichinho. Frustrados,
decidimos visitar novamente a horta da escola e, para nossa
surpresa, encontramos nas folhas de couve fezes de lagarta. As
crianças passaram a procurar pelas lagartas e encontraram várias
delas, além de uma porção de ovinhos (Figura 5).

200
Capítulo 7

Figura 5. Alunos procurando pelas lagartas no canteiro de couve.

Cada lagarta foi colocada em uma caixa, sendo que, em


duas delas, colocamos folhas de couve; em outras duas caixas,
pedaços de banana e nas outras duas restantes, formigas
mortas. As demais lagartas coletadas, que não seriam usadas
no experimento, foram acondicionadas em uma única caixa com
folhas de couve.
Para viabilizar a observação da alimentação das
lagartas, organizamos os alunos em 6 grupos: 5 grupos de 4
alunos e 1 grupo de 5 alunos. Cada grupo recebeu a sua caixa
e, em comum acordo, escolheram seus nomes: Mel, Lilica,
Rosinha, Nina, Poli e Cristal (Tabela 1). Notamos que todos os
grupos escolheram nomes femininos, um indício de que as
crianças estavam atentas ao fato de a palavra “lagarta” ser um

201
Parte 3

substantivo feminino. O experimento durou 5 dias. No primeiro


dia, cada grupo arrumou a sua caixa, colocando a lagarta e o
alimento indicado.

Tabela 1 – Distribuição das lagartas entre os grupos.


Grupo Lagarta Alimento
1) DO, LC, MO, VI Mel couve
2) AL, IN, LS, OT Lilica couve
3) BA, LG, MC, ME Rosinha banana
4) AM, KQ, LR, JA Nina banana
5) DI, JU, ML, VH Poli formiga
6) ED, KA, MS, IS, FE Cristal formiga

O EXPERIMENTO: REGISTROS DOS ALUNOS

Todos os grupos receberam uma ficha de acompanhamento


na qual deveriam registrar suas observações relacionadas à
movimentação da lagarta, presença ou não de fezes, presença
ou não de marcas de “mordidas” no alimento. Os critérios de
observação presentes nas fichas foram definidos pelos alunos,
sob orientação da professora, a partir do que haviam notado em
relação à primeira lagarta coletada. Eles haviam percebido que a
folha de couve estava diferente, a lagarta havia mudado de lugar
e que haviam alguns pontinhos pretos pela caixa que deveriam
ser fezes. Assim, estabelecemos esses três fatores como critérios
de observação, como se pode ver na Figura 6.

202
Capítulo 7

Figura 6. Exemplo de ficha de acompanhamento das lagartas cujas caixas


tinham folhas de couve.

Nos dias subsequentes os grupos abriam suas caixas,


observavam seu conteúdo e faziam as anotações na ficha, no dia
indicado (Figura 7).

Figura 7. Ficha preenchida pelas crianças do Grupo 1.

203
Parte 3

Diariamente as caixas eram fotografadas para registro das


mudanças ocorridas e para, assim, servir de complemento às fichas
de acompanhamento. Além disso, filmamos todos os momentos
em que os grupos abriam as caixas para, posteriormente,
analisarmos suas reações.
Os alunos do grupo que observavam o alimento couve,
surpreendiam-se ao constatarem que suas lagartas cresciam e
engordavam, dia a dia. Os demais grupos (banana e formiga),
no entanto, se decepcionavam pelo fato de não observarem
mudanças significativas nas caixas, ficavam com a esperança de
o próximo dia ser diferente. No dia seguinte, ao abrirem a caixa,
os alunos ficavam tristes ao notarem que as lagartas, ao invés
de crescerem, estavam “encolhendo”. Veja na Tabela 2 o que as
crianças puderam observar, dia a dia:

Tabela 2 – Fotografias do conteúdo das caixas do experimento.

Grupo 1 e 2: lagartas e folhas de couve

Grupos 3 e 4: lagartas e pedaços de banana

204
Capítulo 7

Grupos 5 e 6: lagartas e formigas mortas

Após os 4 primeiros dias de observação, as duas lagartas


(Mel e Lilica) que estavam nas caixas que continham folhas de
couve, comeram, defecaram, cresceram e engordaram, sendo
assim, os alunos dos grupos 1 e 2, concluíram que as lagartas se
alimentam de couve.
Já em relação às lagartas Rosinha (grupo 3) e Nina
(grupo 4), que ficaram nas caixas contendo banana, foi possível
observar que nos dois primeiros dias elas comeram um pouco
e defecaram pouco também, mas, no terceiro dia, os alunos
se depararam com uma das lagartas morta e seca (Rosinha).
A Nina, apesar de apresentar vida, parecia fraca, já que pouco
se movimentava. Assim, os alunos dos grupos 3 e 4, não
conseguiram concluir, definitivamente, se as lagartas comem ou
não banana.
O mesmo aconteceu com os grupos 5 e 6 que observaram
as lagartas que ficaram nas caixas com formigas (Poli e Cristal).
Apesar de algumas formigas terem desaparecido de uma das
caixas, sugerindo que a Cristal havia comido algumas delas,
também, no terceiro dia de observação, a lagarta estava morta.
A outra caixa não apresentava sinais que sugerissem que Poli
havia se alimentado ou defecado. Assim, os alunos dos grupos 5
e 6, também não souberam responder com certeza se as lagartas
comem ou não formigas.
Depois do último dia de observação, montamos em
sala de aula um mural com as fotos tiradas diariamente pelos
grupos durante as observações (Figura 8). Cada grupo expôs

205
Parte 3

oralmente os resultados de suas observações em uma sessão


plenária, relatando aos colegas o que aconteceu a cada dia,
apontando e explicando as fotos do mural.

Figura 8. Mural com fotos do acompanhamento diário das lagartas.

DÚVIDA NO AR: NOVO EXPERIMENTO E UMA BOA SURPRESA

Terminada a sessão plenária, as crianças concluíram, com certeza,


que as lagartas “comem couve”, já que as duas lagartas que
estavam nas caixas com couves cresceram, se movimentaram
e defecaram. No entanto, uma dúvida ficou no ar: será que as
lagartas também comem banana e formiga?, já que das quatro
lagartas que se alimentaram com esses dois tipos de alimentos,
duas sobreviveram: uma da caixa com a banana e outra da caixa
com as formigas.
Diante dessa nova interrogação, decidimos fazer um
novo experimento, desta vez, apenas com os alimentos
banana e formiga. Os grupos foram reorganizados, de
modo que os alunos que estavam nos grupos 1 e 2 (couve),
fossem subdivididos entre os grupos 3, 4, 5 e 6 (grupos que
observaram as formigas e a banana). Buscamos novas lagartas

206
Capítulo 7

na horta da escola, colocamos nas 4 caixas (duas com bananas


e duas com formigas) e iniciamos uma nova observação durante
3 dias.
Mais uma vez os grupos organizaram suas caixas. Os alunos
dos novos grupos 1 e 2 ficaram responsáveis por acompanhar
as caixas com lagartas e banana: colocaram a fruta dentro da
caixa, sendo uma inteira com casca e uma metade sem casca,
para observarem se a presença da casca faria alguma diferença
na alimentação do animal. Os grupos 3 e 4 ficaram com as caixas
contendo formigas: colocaram 15 formigas em cada caixa.
Os grupos receberam novas fichas de acompanhamento
que deveriam ser preenchidas de acordo com suas observações.
O método de observação foi o mesmo do primeiro experimento:
diariamente os alunos faziam o registro e as caixas eram
fotografadas. A Tabela 3 mostra o que as crianças observaram ao
longo dos três dias do segundo experimento:

Tabela 3 – Fotografias do conteúdo das caixas do experimento 2.

Grupo 1 e 2: lagartas e bananas com e sem casca

207
Parte 3

Grupos 3 e 4: lagartas e formigas mortas

Foi possível notar que as lagartas que estavam nas caixas


das bananas comiam a fruta e defecavam, mas não cresciam
e pareciam fracas: quase não se movimentavam, tinham uma
aparência murcha, pareciam estar secando. Novamente, uma
delas chegou sem vida ao final da observação.
Já as duas lagartas que tinham como fonte de alimento
as formigas, apesar de os alunos terem observado sinais de
que haviam comido pedaços do alimento (algumas formigas
desapareceram e outras estavam despedaçadas), defecaram
pouco e também chegaram mortas ao final dos 3 dias.
Terminado o segundo experimento, produzimos um
texto coletivamente apresentando todas as fases que havíamos
vivenciado nos experimentos. À medida que os alunos descreviam
as atividades, escrevíamos na lousa mantendo a originalidade de
suas falas. Terminado o texto, relemos em voz alta o que havíamos
escrito com a finalidade de revisar e melhorar a estrutura do texto,
adequando-a para o formato escrito e substituindo algumas
palavras (Figura 9).

208
Capítulo 7

PRODUÇÃO DE TEXTO COLETIVA


- EXPERIMENTO COM AS LAGARTAS

FOMOS NA SALA ASSISTIR A ESTÓRIA “A


PRIMAVERA DA LAGARTA” DA AUTORA
RUTH ROCHA. NA ESTÓRIA OS BICHI-
NHOS DE JARDIM CORRIAM ATRÁS DA
LAGARTA. ELA FORMOU UM CASULO.
QUANDO OS BICHINHOS CHEGAVARAM
ELA TINHA VIRADO BORBOLETA. DEPOIS
DE OUVIR A ESTÓRIA, DECENHAMOS
PARTE DA ESTÓRIA QUE MAIS GOS-
TAMOS. TODOS GANHARAM BEXIGAS
QUE ERAM AS LAGARTAS. COLORIMOS
AS ASAS E COLAMOS NA BEXIGA PARA
ELA VIRAR BORBOLETA. FOMOS ATÉ O
JARDIM DA ESCOLA BRINCAR COM AS
BORBOLETAS. APÓS, FOMOS NA HORTA
PROCURAR LAGARTAS. ENCONTRAMOS
OVINHOS E TAMBÉM LAGARTINHAS.
COLOCAMOS TUDO DENTRO DE CAIXAS
ENCAPADAS. FORMAMOS SEIS GRUPOS
ONDE CADA GRUPO COLOCOU UM ALI-
MENTO DENTRO DA CAIXA. DURRANTE
4 DIAS OBSERVAMOS SE ELAS COME-
RAM OS ALIMENTOS, QUE ERAM: COU-
VE, FORMIGA E BANANA. AS LAGARTAS
QUE ESTAVAM NA CAIXA COM FOLHAS,
COMERAM, DEFECARAM, CRESCERAM,
FORMARAM CASULOS E TRANSFORMA-
RAM EM BORBOLETAS. JÁ NAS CAIXAS
COM FORMIGA E BANANA, NOTAMOS
QUE COMERAM E DEFECARAM POU-
QUINHO. NÃO CRESCERAM E MORRE-
RAM. ACHAMOS QUE AS LAGARTAS
MORRERAM PORQUE NÃO GOSTAM DE
BANANA E FORMIGA.

Figura 9. Transcrição fiel do texto coletivo, posteriormente, copiado da lousa


pelos diferentes grupos.

No texto os alunos concluem que as lagartas comem


folhas (couve) e que este alimento é apropriado para que ela

209
Parte 3

possa se alimentar, crescer, engordar e sobreviver; comem


também pedacinhos de frutas (banana) e de animais (formigas)
quando não têm folhas para comer, mas que elas não gostam
destes alimentos: as lagartas, então, comem pouco, não crescem,
não engordam e ficam fracas até morrerem.
Terminados os dois experimentos, lembramos da caixa
com as lagartas que não haviam sido observadas. Na sala de
aula, abrimos a caixa e as crianças, maravilhadas, observaram
que as lagartas haviam formado casulos. Ficaram ansiosos com a
possibilidade de os casulos virarem borboletas. Três dias depois,
abrimos novamente a caixa dos casulos e, para a surpresa de
todos, dela sairam lindas borboletas amarelas que voaram pela
sala. As crianças não continham a alegria!

AFINAL, O QUE AS CRIANÇAS APRENDERAM?

Em uma atividade em que as crianças foram convidadas a


desenhar e a escrever o que mais haviam gostado do Projeto das
Lagartas, chamou nossa atenção o texto de DO, apresentado na
Figura 10.

Figura 10. Texto de DO: Borboletas saindo da caixa. A lagarta morre porque
ela come formiga.

Nos espantamos com a afirmação que faz: “A lagarta


morre porque ela come formiga”. DO participou no experimento
1 do grupo 1, que observou a lagarta Mel, que se alimentou

210
Capítulo 7

de couve e sobreviveu. Na repetição do experimento, DO


observou uma das lagartas que se alimentava de formiga e
morreu. Durante a construção do texto coletivo, em relação
aos alimentos banana e formiga, as crianças concluiram que “as
lagartas morreram porque não gostam de banana e formiga”
(vide Figura 9). Embora o escrito de DO não esteja totalmente
equivocado, achamos por bem, verificar junto às crianças o
que, de fato, elas haviam compreendido em relação à pergunta
inaugural da nossa investigação: “As lagartas comem somente
folhas?”. Para analisar a compreensão das crianças a respeito da
pergunta de investigação, especificamente, fizemos uma nova
atividade, desta vez perguntando a elas: “O que eu aprendi no
projeto de investigação sobre o que as lagartas comem?”. As
respostas constam nas Figuras 11, 12, 13, 14 e 15.

Eu aprendi que as lagartas comem folha de couve e


as lagartas não comem formiga e também não comem banana.
Figura 11. Resposta de OT.

Eu não sabia que a lagarta


virava borboleta.
Aprendi que a lagarta (come) couve.
Figura 12. Resposta de KQ.

A lagarta vira borboleta. Eu aprendi que a lagarta não come formiga.


Figura 13. Resposta de MS.

211
Parte 3

Eu não sabia que as lagartas faziam xixi. Eu não sabia que as lagartas
comiam banana, formiga e couve. Eu gostei muito desse projeto.
Figura 14. Resposta de JU.

A lagarta morta porque comeu formiga.


A lagarta come folha de couve.
Figura 15. Resposta de DO.

No dia em que fizemos essa pergunta, apenas 18 alunos


estavam em sala de aula. Como se pode constatar, houve
uma variabilidade de respostas, mas a maioria das crianças
compreendeu que couve foi o alimento mais adequado para as
lagartas. A Tabela 4 mostra a resposta de todos os alunos e a
Tabela 5 o panorama geral das respostas.

Tabela 4 - Conjunto de respostas dos alunos.


O que eu aprendi no projeto de investiga-
Aluno Alimento
ção sobre o que as lagartas comem?
Couve
A lagarta come folha de couve e também não
LG <não formiga>
come formiga e também não come banana.
<não couve>
Eu descobri que as lagartas comem folha de
KA Couve
couve.
Couve
Eu aprendi que as lagartas comem couve e
AM < + ou - formiga>
mais ou menos comem formigas e banana.
<+ ou - couve>

212
Capítulo 7

O que eu aprendi no projeto de investiga-


Aluno Alimento
ção sobre o que as lagartas comem?
VI Eu aprendi que as lagartas comem folhas. Folhas
Eu não sabia que a lagarta virava borboleta. Couve
KQ
Aprendi que a lagarta (come) couve.
Eu aprendi que as lagartas comem folha de Couve
OT couve e as lagartas não comem formiga e <não formiga>
também não comem banana. <não couve>
Eu aprendi que a borboleta e a lagarta co- Couve
BA mem folha de couve – que ela não come a <não formiga>
banana ela não come a formiga. <não couve>
LC Ela não (come) formiga. <não formiga>
Lagarta come couve. Couve
ML <não formiga>
Lagarta não come formiga banana. <não couve>
A lagarta vira borboleta.
MS <não formiga>
Eu aprendi que a lagarta não come formiga.
Eu aprendi que ela come verdura e fruta e Verdura e Fruta
IS
poquinha formiga. <pouca formiga>
JA Eu aprendi a lagarta come folha de couve. Couve
MC Eu aprendi que a lagarta come couve. Couve
A lagarta come folha de couve. Vira borbo-
AL Couve
leta.
Eu não sabia que as lagartas faziam xixi.

Eu não sabia que as lagartas comiam bana- Couve, banana e


JU
na, formiga e couve. Eu gostei muito desse formiga
projeto.
Eu não sabia que as lagartas comem couve.
LS Couve
Eu não sabia que as lagartas viram casulo.
ED Eu aprendi que as lagartas comem couve. Couve
A lagarta morta porque comeu formiga.
DO Couve
A lagarta come folha de couve.

213
Parte 3

Tabela 5 - Tipos de respostas.


Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Tipo 4 Tipo 5 Tipo 6
couve couve
verdura
<não < + ou - couve e fruta couve,
<não
formiga> formiga> (folha, banana
formiga> <pouca
verdura) e formiga
<não <+ ou - formiga>
couve> couve>
04 01 09 02 01 01
≅ 22% ≅ 5,5% ≅ 50% ≅ 11% ≅ 5,5% ≅ 5,5%

A maioria dos alunos (≅ 77,5%) compreendeu o resultado


dos dois experimentos, embora expressem diferentemente essa
compreensão. Esse é o caso dos alunos que deram respostas
classificadas como 1, 2 e 3. Quatro desses alunos usam uma
afirmação para o alimento couve e, em seguida, uma negação
para os dois outros tipos de alimentos; um aluno é menos
categórico em relação aos alimentos formiga e banana e, por
isso, usa a expressão “mais ou menos”. Metade dos alunos (50%),
no entanto, apenas diz que a couve é o alimento que as lagartas
comem.
Pode-se interpretar que as respostas do tipo 4, 5 e
6, sugerem que quatro dos dezoito alunos (22%) ou não
compreenderam totalmente os resultados dos experimentos ou
não conseguiram elaborar suas respostas satisfatoriamente.
Ainda assim, consideramos que essa sondagem foi
positiva, especialmente porque revelou que, além do entusiasmo
e do engajamento dos alunos durante a atividade baseada no
Método de Investigação Científica, eles também aprenderam.
Desfez, ainda, a ambiguidade da resposta dada por DO (Figura
10) que, produtivamente, desencadeou uma nova pergunta da
professora para os alunos.

214
Capítulo 7

DEPOIMENTO DO PROFESSOR

O projeto de investigação foi um grande sucesso com a nossa


turma. O interesse dos alunos pelo experimento foi aumentando
e a cada fase surgiam várias curiosidades, o que o tornava
ainda mais estimulante. O tema abordado ajudou os alunos a
entenderem a importância desses pequenos seres que fazem
parte da nossa natureza (lagartas – borboletas). Hoje eles têm um
olhar diferente, valorizam esses pequenos animais e os protegem.
Alegram-se quando encontram uma borboleta no jardim, pois se
recordam de todo o processo que ela passou para chegar ao
estado em que se encontra.
Todos os alunos contribuíram no desenvolvimento dos
trabalhos, participaram ativamente, transformaram-se em alunos
mais críticos e reflexivos, acreditando que poderiam encontrar
respostas para as suas curiosidades. Tornaram-se mais tolerantes
e respeitosos em relação à opinião e ao trabalho do colega, fruto
da mudança de atitude que ocorreu durante as observações
dos experimentos. Surpreendeu-me o engajamento dos alunos
que traziam de suas casas as lagartas que encontravam em suas
hortas e jardins.
O movimento entre a sala de aula, a escola e as famílias
mostra como um projeto desse tipo pode contribuir para melhorar
essas relações, fundamentais para o aprendizado dos alunos. A
assiduidade dos alunos nas aulas tornou-se ainda maior: não
faltavam com receio de perder um dia de observação das lagartas.
Assim, as aulas ficaram mais dinâmicas, o foco de atenção dos
alunos deslocou-se da figura do professor para se concentrar
nas descobertas e hipóteses explicativas que os próprios alunos
levantavam. Professor e alunos caminharam juntos em busca de
soluções para os problemas que se apresentavam ao longo do
trabalho. Notamos, ainda, uma melhora na relação afetiva entre
alunos e entre os alunos e o professor, dada a co-dependência
entre todos na condução dos trabalhos. Alguns alunos,
antes distantes por timidez ou, até mesmo, por se sentirem
marginalizados por alguns colegas, ganharam vida no grupo,
participando e contribuindo em pé de igualdade.

215
Parte 3

Percebendo o interesse da classe pelo modo como


conduzimos os trabalhos no Projeto, fizemos adaptações nos
demais conteúdos escolares para que os alunos trabalhem com
afinco e prazer. Essa mudança de abordagem na condução das
aulas/conteúdos tem contribuído para o aproveitamento dos
alunos que expressam melhor suas ideias e opiniões, relacionam
e/ou aproximam a fala da escrita, sentem-se seguros diante de
suas respostas e se arriscam na tentativa de atingirem os objetivos
propostos.
O Projeto não terminou. Continuamos a cuidar das lagartas
que são tratadas pelos alunos com folhas de couve, com base na
conclusão que chegaram após os experimentos realizados. Nos
finais de semana, os alunos distribuem as caixas entre si e as
levam para casa. No início da semana, trazem suas caixas para a
escola e compartilham com os seus colegas o que observaram
durante aquele período. Quando as lagartas se transformam em
borboletas, os alunos entendem a importância de as libertarem
das caixas, conscientes de que o jardim é o melhor lugar para elas.
Para nós, professores, a vivência deste Projeto contribuiu
para a nossa formação, fazendo-nos repensar a forma de lecionar
e mudando o nosso olhar. Hoje, quando planejamos as aulas,
pensamos, primeiro, em como podemos propor um determinado
conteúdo de modo a despertar o interesse e a vontade dos
alunos em querer aprender, motivando-os a participarem das
atividades ativamente. Pudemos perceber que o aluno é capaz
de conduzir o seu próprio aprendizado desde que sua atenção e
ação sejam orientadas pelo professor. Desta maneira, instaura-se
um processo colaborativo entre os alunos que produz grandes
resultados.
O trabalho pedagógico baseado no Método de Investigação
Científica produziu efeitos nas relações entre os alunos e o
conhecimento, entre os alunos e seus pares, entre os alunos e
a professora. As aulas tornaram-se mais dinâmicas incindindo
positivamente no envolvimento dos alunos e diminuindo os
episódios de indisciplina. Os pais tornaram-se mais presentes e
atentos à aprendizagem dos filhos, que contavam a eles o que
estavam investigando na escola.

216
Capítulo 7

DEPOIMENTO DOS ALUNOS

Os alunos têm demonstrado que os experimentos fizeram sentido


para as suas vidas: além de aprenderem de uma maneira prática
e curiosa, estabeleceram uma relação afetiva com as lagartas.
Muitas das crianças adotaram as lagartas como animais de
estimação, cuidam delas com carinho e aplicam o conhecimento
que aprenderam, por isso, as alimentam com folhas de couve.
Após a conclusão dos experimentos, pedimos aos alunos
que escrevessem e/ou desenhassem o que haviam “mais
gostado” do Projeto das Lagartas. Nossa intenção era analisar o
modo como as crianças perceberam as atividades desenvolvidas
e como seriam capazes de representar essa percepção por meio
do desenho, da leitura e da escrita. As Figuras de 16 a 20 mostram
a produção de algumas crianças. Para facilitar a leitura, à direita,
reescrevemos o texto utilizando a escrita padrão.

Eu gostei da parte que ela se transformou em borboleta.


Figura 16. Depoimento de LG.

Eu gostei quando ela era uma lagarta e a lagarta virou um casulo. Quando a
gente abriu a caixa ela saiu voando.
Figura 17. Depoimento de OT.

217
Parte 3

Eu gostei da parte que a borboleta dormiu e virou casulo.


Figura 18. Depoimento de KA.

Eu gostei que ela comeu a folhinha.


Figura 19. Depoimento de MC.

Eu gostei quando a gente foi na horta caçar lagartas para fazer o projeto
Figura 20. Depoimento de VI.

218
Capítulo 7

Considerando todas as produções, observamos que cerca


de metade das crianças da turma escreveu sobre a transformação
das lagartas em borboletas, certamente um momento mágico
do qual não se esquecerão, como no caso de LG (Figura 16).
Outros alunos escreveram e desenharam sobre esse processo
de transformação fazendo uso do termo “casulo”, uma palavra
nova para eles, aprendida durante as aulas, como no caso de
OT e KA (respectivamente Figuras 17 e 18). Outros escreveram
e desenharam sobre os experimentos propriamente ditos, como
no caso de MC (Figura 19), incluindo sua fase de preparação,
como é o caso de VI (Figura 20).

DEPOIMENTO DOS PAIS

No decorrer do Projeto alguns pais chegaram a comparecer na


escola em busca de maiores informações sobre o Projeto com
as lagartas. Segundo eles, os filhos chegavam em casa cheios de
euforia e novidades sobre as suas observações com as lagartas
em sala de aula.
Terminado o Projeto, como de praxe, organizamos uma
reunião com os pais. Na sala de aula, o que mais chamou a
atenção deles foi o mural com as fotos das lagartas ao longo dos
experimentos. Percebemos que eles também estavam curiosos,
razão pela qual explicamos o que cada uma delas significava.
Os pais identificavam qual era a lagarta que seu filho havia
observado, pois, em casa, o aluno já havia contado. Foi muito
gratificante constatar que o envolvimento dos alunos havia
extrapolado a sala de aula e que os pais estavam integrados ao
nosso trabalho (ver capítulo 4).
Foi também curioso saber dos pais dos alunos que
observaram as lagartas que se alimentaram de banana e de
formigas, que seus filhos ficaram “indignados” com o não
crescimento de suas lagartas e com a morte delas. Alguns alunos
ficaram muito tristes e pediram aos pais que viessem à escola
pedir à professora para trocar o alimento por folhas de couve,
cientes que estavam de que as lagartas não gostavam dos outros
alimentos. Em contrapartida, os pais dos alunos que ofereceram

219
Parte 3

às lagartas folhas de couve falaram da alegria que os filhos


demonstraram ao constatarem, dia a dia, o crescimento de seus
bichinhos. Veja o que diz CD, mãe de LG, cujo depoimento oral
foi transcrito fielmente a seguir:

“Um dia a tarde, o LG chegou em casa contando que


a professora tinha montado seis grupos para ver o
crescimento/desenvolvimento da lagarta: Em dois
o alimento era formiga, em outros dois o alimento
era banana, e dois grupos eram alimento couve. Em
um determinado dia ele chegou chorando, porque
no grupo dele estavam todos tristes porque a lagarta
deles tinha morrido. Aí eu disse para ele que não era
o alimento adequado para ela, a lagarta. Aí passou
dias, uma coleguinha trouxe uma outra lagarta, e ele
disse que novamente a professora colocou lá banana
para essa lagarta comer, e ele disse: “Mãe, ela vai
morrer de novo!”, eu falei: “Meu bem, não é para a
mãe que você tem que falar, você tem que falar para
a professora: porque só o meu grupo tem que ter ba-
nana? Dê couve para ela que assim ela não vai mor-
rer!!!” (CD, mãe da aluna LG)

Vários pais contaram, ainda, que passaram a procurar com


seus filhos lagartas em hortas e plantas e os ajudavam a cuidar
delas para poderem acompanhar o processo de metamorfose do
animal.

DEPOIMENTO DO PESQUISADOR

A releitura do trabalho realizado com este grupo de alunos


com enfoque no Método de Investigação Científica levanta
vários pontos de reflexão que merecem atenção. Seleciono, no
entanto, alguns deles por considerá-los importantes pelo fato de
terem influenciado mais diretamente os resultados alcançados:
(i) o próprio método e suas características, (ii) a mobilização
e o direcionamento da atenção das crianças e, finalmente, (iii)
a construção de uma interação produtiva entre pesquisador,
professora e a orientadora pedagógica da escola.

220
Capítulo 7

Começo pelo Método de Investigação Científica. Tal


abordagem pode parecer, à primeira vista, um conjunto de
procedimentos rigorosamente organizado – levantamento de
perguntas junto aos alunos, seleção de uma pergunta pertinente
e testável, levantamento de hipóteses, definição de variáveis
dependentes e independentes, elaboração e preparação do
experimento visando responder, de forma inequívoca, a uma
pergunta de investigação. O que se viu no Projeto das Lagartas,
no entanto, foi bem diferente.
Vimos um trabalho pedagógico centrado no aluno e
orientado por procedimentos (de investigação) - orquestrados
por uma professora atenta às reações de seus alunos e ciente
de seu objetivo educacional - que deram forma à exploração;
à observação (de alunos e professora); ao levantamento de
hipóteses e sua tradução por meio do desenho, da fala e da escrita;
à comparação de registros e suposições; ao compartilhamento
de experiências e saberes; à construção de conclusões; à geração
de novas perguntas e conhecimentos. Esse lugar assumido
pela professora - de quem sabe onde quer chegar e aberto a
diferentes possibilidades que surgem no decorrer do processo -
contribuiu para a qualidade da sua mediação pedagógica (aluno/
professora, aluno/aluno, aluno/conhecimento). Suas intervenções
junto aos alunos mostram que não basta saber transformar um
determinado conteúdo escolar em uma sequência de passos
voltados à investigação; é preciso saber transformar esses passos
em práticas significativas para os alunos que, em conjunto,
formam um cenário real de investigação e de aprendizagem.
O ponto inicial do Método de Investigação Científica,
levantar perguntas dos alunos a partir do que estão vivendo na
escola, foi preponderante para a professora mudar o seu olhar
sobre eles. Surpreendida com a capacidade e rapidez com que as
crianças foram capazes de expressar suas dúvidas e curiosidades -
fortemente motivadas pela leitura feita em classe sobre a história
da lagarta - a professora reorientou o seu fazer pedagógico.
Liberta das tarefas escolares previamente organizadas pelos
materiais didáticos que, em geral, preconizam um caminho único

221
Parte 3

para a aprendizagem, a professora4 pôde elaborar criativamente


atividades ajustadas aos seus objetivos e às necessidades de seus
alunos, dando espaço para que eles manifestassem ao seu modo
saberes, dúvidas e desejos. Pôde, assim, não só ensinar sobre o
que comem as lagartas, mas sobre respeito (aos animais e aos
colegas), tolerância (em relação a opiniões diferentes), paciência
(aguardar a próxima observação; aguardar a eclosão das
borboletas), ajuda mútua (divisão e rodízio de tarefas no grupo).
Pôde, ainda, do ponto de vista do aprendizado mais formal, criar
condições para que as crianças desenhassem, falassem, lessem
e escrevessem de forma contextualizada e significativa, porque
consideravam uns aos outros interlocutores e leitores atentos.
E foi assim, em meio às atividades escolares, que aprenderam a
escrever e ler tabelas, a construir um texto coletivo e reflexivo, a
copiar as conclusões a que chegaram juntos em seus cadernos,
não mecanicamente, como é comum na escola, mas atribuindo-
lhe sentido. Práticas com a linguagem, essenciais para que as
crianças entrem no mundo da leitura e da escrita por caminhos
próprios, mediados pelo adulto, são o objetivo final desse nível
de escolaridade.
À medida que as atividades em sala de aula aconteciam,
a professora percebia nos alunos interesse, curiosidade,
engajamento, alegria, mobilizando neles a atenção, segundo
aspecto a ser destacado.
De acordo com Vygotsky (1926/2004) a criança se move
pela sua motivação e pelas suas expectativas, duas palavras
que bem poderiam resumir o comportamento desses alunos
e que incidem, diretamente, na atitude de atenção. Do ponto
de vista neurolinguístico, a atenção dirigida é imprescindível
para qualquer aprendizado e o seu declínio em sala de aula
se manifesta de diferentes maneiras: indisciplina, distração,
desinteresse, conversa paralela, agressividade (COUDRY; FREIRE,

4 Cabe aqui um agradecimento especial à orientadora pedagógica da escola e supervisora no


projeto ABInv, Gislene Basso de Paula, pela dedicação, competência e companherismo ao longo
de todo o processo da professora e dos alunos.

222
Capítulo 7

2005). Para manter a atenção dos alunos é preciso envolvê-los


em atividades significativas e relevantes, e controlar as condições
ambientais em níveis compatíveis com os órgãos dos sentidos
(COUDRY; FREIRE, op. cit., p. 28), tal como a professora fez ao
planejar e conduzir os trabalhos com seus alunos.
Segundo Vygotsky, a atenção infantil é orientada e dirigida
quase exclusivamente pelo interesse e, por isso, a causa natural
da distração da criança é sempre a falta de coincidência de duas
coisas: do interesse propriamente dito e das ocupações que são
propostas como obrigatórias (VYGOTSKY, 1926, pg. 162). Ainda,
segundo o autor, reconhecer a relevância do interesse infantil
não condena o professor a segui-lo de modo impotente:

“Ao organizar o meio e a vida da criança nesse meio,


o pedagogo interfere ativamente nos processos
de desenvolvimento dos interesses infantis e age
sobre eles da mesma maneira que influencia todo o
comportamento das crianças. Entretanto, sua regra
será sempre uma: antes de explicar, interessar; antes
de obrigar a agir, preparar para a ação; antes de
apelar para reações, preparar a atitude; antes de
comunicar alguma coisa nova, suscitar a expectativa
do novo. Assim, em termos subjetivos, para o aluno a
atitude se revela antes de tudo como certa expectativa
da atividade a ser desenvolvida” (VYGOTSKY, 1926,
pg. 163).

E foi exatamente dessa forma que a professora conquistou


junto aos seus alunos uma orientação produtiva da atenção,
base de todo e qualquer aprendizado. Mas isso não ocorreu de
pronto. Construimos, ao longo da nossa convivência no Projeto
ABInv, uma interação, de fato. Além dos encontros mensais,
que foram decisivos para o delineamento do trabalho aqui
apresentado, interagimos sistematicamente à distância, por

223
Parte 3

meio de mensagens eletrônicas. Fomos, pouco a pouco,


construindo, pela escrita compartilhada, a proposta do trabalho,
discutindo seu desenvolvimento, trocando pontos de vista,
analisando as ações das crianças até, finalmente, escrevermos o
que aqui está, também à distância. Nessa troca de mensagens
pude, claramente, perceber o aprendizado e a transfomação, não
só dos alunos, mas especialmente, da professora.

REFERÊNCIAS

COUDRY, M. I. H.; FREIRE, F. M. P. O trabalho do cérebro e da lin-


guagem: a vida e a sala de aula. Campinas: REVER - Produção
Editorial e Revisão de Texto, 65 p., 2005 (Coleção Linguagem e
Letramento em foco).
VYGOTSKY, L. S. A psicologia e a pedagogia da atenção. In:
VYGOTSKY, L. S. A psicologia e a pedagogia da atenção. Cap.
VII. São Paulo: Martins Fontes, (1926) 2004. 149-180p.

224
Capítulo 8 - Alimentação e Saúde:
aprendendo investigando
Ellys Sylmara Ferrari Cartarozzi1 e Maria Helena Nogueira de Sá2

INTRODUÇÃO

Este texto trata sobre uma investigação realizada em 2013 na


Escola Dr. Airton Policarpo, em Pedreira-SP, com uma turma
de 28 alunos do 5º ano, sendo 11 alunos com defasagem na
aprendizagem, dentre esses, 7 alunos repetentes. Todos eles
frequentam a escola em período integral. Com exceção de um
aluno, que veio transferido de outra Unidade Escolar, todos os
outros participam do Projeto UCA desde 2011.
A familiaridade da classe com tecnologia, em especial
com laptop educacional, facilitou a integração deste recurso em
atividades realizadas em sala de aula. A maioria dos alunos possui
maior dificuldade em Leitura e Escrita, escrevem com muitos
erros ortográficos dificultando, assim, sua leitura e entendimento.
Eles demonstram maior interesse em Matemática, gostam de
desafios, mas ainda apresentam dificuldade na realização das
quatro operações e resolução de problemas. Nas disciplinas
de Ciências, História e Geografia, parecem que estão sempre
descobrindo algo novo. Interessam-se com entusiasmo quando
realizam pesquisas.
Neste contexto, o Projeto ABInv veio acrescentar uma
metodologia de ensino e aprendizagem compatível com o perfil
da turma e necessidades que demonstram ter para a efetiva
aprendizagem dos conteúdos do currículo do 5º ano. Para
estimulá-los ainda mais, o uso das tecnologias disponíveis na
escola como laptops, lousa digital, máquina fotográfica e acesso
à internet, veio contribuir sobremaneira no desenvolvimento do
experimento.

1 Professora do Ensino Fundamental da EMEF Doutor Airton Policarpo.


2 Pesquisadora do Projeto ABInv junto ao Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/
UNICAMP).
Parte 3

O TEMA DA INVESTIGAÇÃO: ALIMENTAÇÃO E SAÚDE

A investigação percorreu na perspectiva de estabelecer uma relação


entre hábitos alimentares e saúde dos alunos. Esta investigação
se deu no contexto do ABInv na sala de aula pelo fato de os
alunos, desde o segundo bimestre, estudarem o tema “Saúde e
Alimentação” e, portanto, já possuírem um conhecimento prévio
da relação entre os alimentos que consomem e os benefícios ou
malefícios que eles podem proporcionar à sua saúde.
Para investigar esse tema, numa aula normal, pedi aos
alunos que formulassem perguntas relacionadas ao assunto e os
informei da possibilidade de desenvolvermos uma investigação
científica com a finalidade de responder essas perguntas. As 11
perguntas a seguir mostram alguns dos questionamentos que os
alunos tinham no momento, as concepções espontâneas sobre
o assunto:

1. Comer somente coisas doces faz bem para a saúde?


2. Gostaríamos de saber quantas calorias cada um de nós
pode comer por dia e como podemos descobrir as calorias
de um alimento (sem ler o valor nutricional dos alimentos
nas embalagens, como se pode saber?)
3. Se uma pessoa comer duas vezes, ou seja, repetir o prato
que está comendo, engorda mais?
4. Qual seria a combinação correta dos alimentos em uma
refeição?
5. Nossa alimentação na escola é saudável, chegamos em
casa e comemos outros tipos de alimentos que não são
servidos na escola. Isso é bom para nossa saúde? Nos
ajuda em algo?
6. Será que a combinação de alimentos na escola está
correta? Achamos que salsicha não faz bem para a saúde,
mesmo assim a escola nos serve, por quê?
7. Por que temos paladares diferentes? Uns gostam de um
alimento outros não. Por que isso acontece?
8. Quem come bons alimentos é mais inteligente do que
aquele que se alimenta mal?

226
Capítulo 8

9. A nossa alimentação influi nas doenças que existem?


(câncer, derrame, infarto).
10. Por que nosso rendimento escolar é melhor de manhã?
À tarde somos mais lentos e distraídos? A alimentação
influi nisso ou serão outros fatores?
11. Será que os alimentos mais caros são os melhores?

Observando mais detalhadamente estes questionamentos,


é interessante destacar que ao explicitarem suas “curiosidades”
os alunos dão indícios do que “gostariam de saber”, deixam
transparecer ideias que têm sobre o que estão estudando e
como articulam o que estão aprendendo com o seu cotidiano,
com a vida que pulsa ao seu redor bem como nas relações
sociais que estabelecem. Assim, alguns dos questionamentos
dos alunos colocam em destaque diferenciados fatores que
permeiam a temática em estudo e impactos reais em suas vidas,
tais como: econômicos (“alimentos mais caros são melhores?”),
funcionamento orgânico (“quem come bons alimentos é mais
inteligente”), hábitos sociais e/ou pessoais e implicações na saúde
(“repetir o prato... engorda mais”, “Comer somente coisas doces faz
bem para a saúde?”).
Do conjunto de perguntas formuladas pelos alunos,
escolhemos a de número 11 para ser a nossa pergunta de
investigação, pois julgamos que ela contemplaria as perguntas
de número 2 e 4 também. Depois de algumas discussões,
formulamos uma pergunta desafiadora:
“É possível com apenas R$10,00 comprar produtos
alimentares que possam suprir minhas necessidades nutricionais/
calóricas de 1 dia de atividade intensa?”
Para que os alunos pudessem responder este questio-
namento, foi encaminhado um cenário de investigação que
demandava que eles revelassem suas hipóteses sobre a questão
norteadora. Pensamos em um experimento a partir do qual
os alunos pudessem agir em um dado contexto, observando
os resultados obtidos e abrindo espaços em sala de aula para
que, ao final do processo, pudessem revelar respostas para o
questionamento inicial. O contexto de investigação proposto

227
Parte 3

para a classe foi: Passar um dia em um parque realizando algumas


atividades físicas buscando comer e ingerir líquido de forma
suficiente.
Em relação ao “passeio no parque”, de imediato os alunos
tomaram conhecimento do tempo, do tipo de atividades que
realizariam e do respectivo gasto calórico. Os alimentos para
serem consumidos neste dia de atividade deveriam ser adquiridos
pelo aluno considerando o valor de R$ 10,00. Na “compra dos
alimentos” os alunos deveriam observar os valores nutricionais e
calóricos. Ao final, os alunos desenvolveriam suas reflexões sobre
as atividades realizadas e os alimentos consumidos no passeio
levando em consideração a tabela de referência (atividades
físicas/tempo de duração/consumo energético) disponibilizada
via livro didático no início dos trabalhos realizados.
Neste desafio proposto a classe esteve envolvida em
montar um “supermercado” na sala a partir de embalagens
de produtos trazidas de casa. Para isso, a turma organizou
os alimentos considerando a pirâmide alimentar e atribuiu
preços para cada elemento, tendo como referência folhetos de
supermercados da região. Os alunos foram às compras e, em
seguida, organizaram e analisaram os dados colhidos (alimentos
comprados – valor calórico, atividades realizadas – gasto
energético) no experimento realizado e explicitaram sua opinião
sobre as escolhas feitas por eles e a realização de uma refeição
diária balanceada (considerando a pirâmide alimentar).
Para aprofundar a descrição da dinâmica de trabalho
encaminhada com a classe, a seguir detalharemos o processo
de investigação: pergunta, hipóteses, variáveis, experimento, os
dados obtidos e reflexões realizadas pelos alunos.

O EXPERIMENTO E SUAS ETAPAS

Para que a pergunta desafiadora fosse respondida, usamos uma


situação fictícia para envolver os alunos: propusemos que eles se
imaginassem participando de uma atividade extracurricular na
qual aconteceria um passeio de um dia inteiro, em um parque fora
da escola, no qual teriam que levar comida e bebida suficientes

228
Capítulo 8

para esse dia de atividades intensas. Para tanto, desenvolvemos


um cenário do experimento, que atendia a um planejamento,
simulamos a ida a um supermercado localizado em nossa cidade,
o qual foi montado em nossa sala da Biblioteca, com embalagens
de produtos usados, trazidos por todos envolvidos na pesquisa.
Como procedimento metodológico em uma investigação
científica, foram identificadas variáveis dependentes e inde-
pendentes que precisaram ser estabelecidas: como variáveis
dependentes, temos o valor calórico gasto no dia do passeio: 1818
kcal e porções dos grupos alimentares que devemos consumir
por dia de acordo com a pirâmide alimentar; como variáveis
independentes, temos atividades físicas realizadas no dia e o valor
energético gasto; alimentos ingeridos e seus valores nutricionais
e calóricos; custo dos alimentos escolhidos.

PRIMEIRA ETAPA DO EXPERIMENTO

Estabelecemos sequências de atividades para guiar o experimento,


tais como: os alunos deveriam trazer embalagens de produtos que
consomem em suas casas e colocar preços nessas embalagens;
informamos aos alunos sobre as atividades que desenvolveriam
no dia do passeio (Tabela 1); calcularam, de acordo com a
tabela do livro didático, o consumo energético das atividades
que seriam desenvolvidas; fizeram as compras sem olhar o valor
nutricional e calórico informados nas embalagens e fizeram
escolhas de acordo com os estudos realizados ou vontades; após
as compras, somaram os valores calóricos dos produtos (agora
observando a embalagem); os alunos avaliaram se conseguiram,
com suas compras, chegar ao valor calórico aproximado que as
atividades demandariam e, depois, se as escolhas estavam de
acordo com a tabela alimentar que orienta como deve ser uma
refeição balanceada de um dia.
As atividades determinadas para o dia de passeio fictício
foram as seguintes:

229
Parte 3

Tabela 1 - Atividades para um dia de passeio.


Atividade Tempo (horas) Valor calórico gasto (Kcal)
Andar de bicicleta 1:30 450
Caminhada 1:00 230
Jogar Peteca 1:30 120
Descansar (sentados) 1:30 85
Caminhar acelerado 1:30 270
Pular corda 1:30 220
Descansar 1:30 43
Dançar 1:00 400
TOTAL 1818 Kcal

Os alunos fizeram compras no “supermercado” montado


na sala de aula, para escolher os produtos que iriam consumir
durante o dia do passeio. No dia combinado foram às compras,
como mostram as Figuras 1, 2, 3 e 4:

Figura 1. Organização de Figura 2. Disposição de preços em


embalagens e figuras de frutas e embalagens de produtos.
legumes, seguindo os itens da
pirâmide alimentar.

230
Capítulo 8

Figura 3. Organização dos produtos Figura 4. Usando dinheiro, fazendo


e compras. contas, escolhendo produtos.

Nesse processo não houve qualquer interferência da


professora e supervisora no sentido de orientá-los nas suas
escolhas. A nossa única participação foi ajudá-los na soma dos
valores gastos por cada um, que não poderia exceder R$10,00.
Após a realização das compras e reflexão dos alunos sobre como
gastaram os R$10,00, surgiram algumas conclusões interessantes,
tais como:

• “Comprei coisas que não fazem bem à saúde”


• “Comprei coisas não saudáveis”
• “Comprei errado porque comprei muita gordura”
• “Não comprei frutas e sei que isso é ruim”
• “Como era brincadeira, comprei errado. Se fosse de verda-
de não compraria o que peguei.”.

As respostas dos alunos demonstram que eles se preo-


cupavam em nos informar que sabiam que haviam comprado
“errado”. Parece-nos que eles gostariam de demonstrar que
aprenderam a importância de ter uma alimentação saudável, mas
que ao serem expostos às embalagens de chocolate, refrigerantes
e salgadinhos, essas eram as suas preferências de alimentação.
Em uma observação mais detalhada em relação ao
processo de aprendizagem da classe, as respostas revelam
que os alunos estabelecem relações entre suas opções alimen-
tares e possíveis impactos na saúde, revelam também que, ao

231
Parte 3

estabelecerem comparação entre a “compra” dos produtos e a


pirâmide alimentar, sabem explicitar o que foi além ou aquém
do saudável. Uma das respostas também nos leva a refletir
sobre dinâmicas de trabalho e impactos sobre processos de
aprendizagem da classe. Tal resposta evidencia uma postura
diferenciada do aprendiz diante de contextos “lúdicos” e “reais”.
Isso talvez reflita o formalismo dos espaços escolares que nem
sempre articulam os conteúdos dos livros didáticos aos “saberes”
dos alunos, que “colhem” indícios das aprendizagens apenas via
provas avaliativas que “marcam” o que indivíduo conhece em
contraposição às próprias ações e reflexões construídas pelos
próprios alunos nestes cenários de investigação.
Após a brincadeira de supermercado, os alunos somaram
o valor calórico dos alimentos que compraram e o compararam
com o valor do consumo calórico que as atividades do dia de
passeio exigiriam de seus metabolismos (Figuras 5 e 6).

Figura 5. Registrando sua compra. Figura 6. Observação dos valores


calóricos nas embalagens.

A partir dessa primeira etapa do experimento, sugerimos


que cada aluno fizesse uma reflexão sobre sua compra, o valor
calórico estabelecido e valor nutricional desejado, e levantasse
hipóteses sobre como poderia fazer adequações para responder
ao problema proposto: “É possível com apenas R$10,00 comprar
produtos alimentares que possam suprir minhas necessidades
nutricionais/calóricas de 1 dia?”

232
Capítulo 8

Algumas respostas ao questionamento inicial deste


processo de investigação nos surpreenderam como, por exemplo,
a de um aluno que comprou alimentos que alcançaram o dobro
das calorias necessárias para o dia do passeio e que levantou
duas soluções para resolver o problema: não participar de uma
das atividades ou doar parte do que comprou para outro colega
que estivesse necessitando de mais calorias na sua alimentação
do dia.
Traremos alguns exemplos de respostas dos alunos para
a nossa pergunta reflexiva “Você acha que os R$10,00 foram
suficientes para comprar os alimentos para o nosso dia de
passeio (nutricional e calórico)? Obteve os valores calóricos e foi
saudável? Por quê?”, como indicado na Tabela 2.
Tabela 2 - Respostas dos alunos, lista de alimentos e suas calorias.
Aluno (a) Resposta O que comprou?
Sim, eu acho que sim porque Leite, “Danone”, macarrão,
eu comprei bastante frutas. Mas molho de tomate pronto,
quantidade não é qualidade e mexerica, melancia, uva,
Karen
preço (alto) não é bom alimento. morango, maçã, banana.
Peguei coisas baratas, mas com (1846 Kcal)
bastante qualidade.
Não, porque eu gastei dinheiro só Mexerica, maçã, chocolate,
Juan com alimentos não saudáveis e “coca zero”, “Fanta laranja”
comprei só duas coisas boas. (628 Kcal)
Não, porque eu comprei muita Bolacha de chocolate, sal-
coisa calórica e sem nutrientes gadinho “Fabitos”, suco de
Beatriz porque predominou a vontade laranja, “Danoninho”, água
de comer, mais do que comprar mineral “Bioleve”, água
certinho. “Legítima”. (824 kcal)
Se eu fizesse exercícios por 5 ho- 3 águas, óleo de soja, 2
ras e meia eu precisaria balance- molho de tomate, caldo
Guilherme
ar os alimentos com as calorias e de carne, suco de uva. (476
nutrientes. Kcal)

Na Tabela 2, a aluna Karen explicita relações que


estabelece para refletir sobre os dados gerados por ela durante
o experimento, bem como os resultados obtidos: quantidade e
qualidade de alimentos, relação de valor financeiro e qualidade
do alimento. Ela também evidencia o seu êxito a partir da

233
Parte 3

aquisição de vários componentes da pirâmide alimentar (frutas).


É interessante observar que este possa ser um alimento não
frequente em sua alimentação, ou das crianças em geral de sua
idade/realidade. É a partir destes aspectos que a aluna compõe
sua opinião em relação a sua vivência na atividade.
A aluna Beatriz explicita sua compreensão em relação
aos alimentos escolhidos em sua compra (“produtos calóricos
e sem nutrientes”). Explicita ainda o fator mobilizador para esta
tomada de decisão (“vontade de comer/comprar certinho”). Sua
resposta nos revela que apesar de ter conhecimento do que seria
um “alimento saudável” há um fator pessoal que interfere ou
que deve ser considerado em sua tomada de decisão (“vontade
de comer”, preferência, gosto). Suas reflexões dão indícios de
pontos que ainda estão em articulação em seu processo de
aprendizagem e que poderão ser realinhados na formulação de
suas novas escolhas.
Em sua fala, o aluno Guilherme deixa transparecer o
processo lógico que estabelece diante dos dados que obtêm no
experimento que realiza, ou seja, sua reflexão pondera que a ação
que realiza (o tempo de atividade física) deve estar articulada
com tipo e quantidade de alimentos (calorias/nutrientes) a serem
consumidos.

SEGUNDA ETAPA DO PRIMEIRO EXPERIMENTO: ADEQUANDO AS


COMPRAS

Novamente estabelecemos uma sequência de atividades para


guiar o experimento, foram elas: análise e reflexão dos alunos
sobre as compras que fizeram em relação à variável dependente:
valor calórico gasto no dia do passeio de 1818 kcal; refazer as
compras num supermercado virtual; comparar as duas compras
e tirar conclusões.
Nesta etapa do experimento observamos que alguns
fatores poderiam alterar a soma das calorias como, por exemplo,
os valores calóricos dos produtos exibidos nas embalagens
correspondentes a porções. Portanto ao comprarem um litro
de refrigerante deveriam estipular quantos mililitros (ml)

234
Capítulo 8

consumiriam no dia e multiplicá-lo pelo valor calórico estabe-


lecido: 200 ml. Ou seja, teriam que multiplicar o valor calórico
pelo número de porções. Decidimos também que eles comeriam
duas porções de cada item dos produtos comprados. Com
relação ao custo dos alimentos, também houve questionamentos
interessantes: como poderíamos resolver o problema de quem
comprou uma dúzia de ovos se ele não iria comer todos eles?
Decidiu-se que nesses casos a compra seria feita por unidade,
pois ao comprar 2 ovos e não toda a caixa, haveria a possibilidade
de gastar o dinheiro em outros itens.
Cada aluno recebeu de volta a tabela de compras em
que havia anotado os itens comprados, valor gasto e o total de
calorias que os itens escolhidos proporcionariam. Estabeleceu-se
que deveriam somar duas vezes o total de calorias, pois iriam
se alimentar duas vezes ao longo do dia do passeio. Foram
feitas observações para ajustes nos casos de erros na soma,
discrepância muito grande do resultado no total de calorias e
sugestão de como poderiam adequar a compra.
Notamos que apenas duas crianças excederam o valor de
1818 Kcal estabelecido como teto para as compras. A maioria
comprou itens que, somadas as calorias, ficaram muito abaixo do
valor necessário (1818 Kcal) como mostra a Tabela 3. Na Figura 7,
o aluno confere o valor calórico dos alimentos.

Tabela 3 - A segunda compra.


Valor da Valor Diferença
Aluno
compra gasto (em Kcal) Hipóteses
(a)
(em Kcal) (em R$) para as 1818
Iria ficar fraca, sem energia para
Ingrid 1100 8,80 - 718
fazer as brincadeiras.
Evelyn 1316 9,20 - 490 Devo fazer menos exercício.
Eu poderia comprar coisas me-
Eduardo 1066 10,00 - 752
lhores.
Poderia deixar de comprar algu-
Karen 1846 10,00 +28
mas coisas.
Errei. Tenho que diminuir o tem-
Julia 1505 9,30 - 312
po de cada atividade.
Juliana 1458 9,80 - 360 Eu me alimentaria duas vezes.

235
Parte 3

Figura 7. Observação da tabela de valor


calórico dos alimentos.

SEGUNDO EXPERIMENTO: UMA COMPRA VIRTUAL

A professora, junto com os alunos, decidiu propor uma terceira


compra no supermercado. Desta vez, seria um supermercado
virtual e com opções de compra mais sofisticadas. Os alunos
receberam uma tabela com 100 itens de alimentos variados,
especificados em porções ou unidades, garantindo, assim, uma
compra mais correta em temos de calorias que iriam adquirir.
A professora selecionou os itens a serem oferecidos
baseando-se nas embalagens que trouxeram de casa e nos gostos
dos alunos por determinados alimentos. Também introduziu
pratos prontos, pois essa era outra dificuldade apresentada
na compra anterior uma vez que o aluno que quisesse comer
macarronada teria que comprar um pacote inteiro de macarrão e
uma lata inteira de molho. Nesta nova compra ele poderia optar
por uma lasanha pronta, por exemplo. Além disso, garantiríamos
que todos tivessem as mesmas oportunidades de compra, já
que no experimento anterior eles levavam as embalagens para
suas carteiras na sala de aula para verificar os valores calóricos
informados nelas. Chegamos a pensar que os últimos alunos a
fazerem suas compras poderiam ter ficado sem algumas opções
de produtos. Neste novo formato, essa variável ficou descartada,
pois todos tinham uma tabela para realizarem suas compras
“virtuais”. Os alunos também utilizaram a calculadora dos
laptops para somar valores e passaram muito tempo calculando
e recalculando suas compras, como mostra a Tabela 4.

236
Capítulo 8

Tabela 4 - Alguns dos itens do supermercado virtual.


Valor Quantidade
Produto Porção Preço
energético vendida
Ovo cozido 1 unidade 16 Kcal 1 dúzia R$ 2,50
Ovo frito 1 unidade 105 Kcal 1 dúzia R$ 2,50
Pão de forma 1 fatia 62 Kcal 1 pacote 500g R$ 3,50
Pão francês 1 unidade 135 Kcal 1 unidade R$ 0,25
Batata chip 30 gramas 160 Kcal 1 pacote 50g R$ 2,00
Pastel de carne 1 unidade média 84 Kcal 1 unidade R$ 2,50
Batata frita 100 gramas 267 Kcal 1 quilo R$ 4,00
Cenoura crua 120 gramas 54 Kcal 1 quilo R$ 1,50
Tomate 1 unidade  25 Kcal 1 quilo R$ 4,50
Macarrão
1 pacote 376 Kcal 1 pacote R$ 0,80
miojo
Leite 1 copo (200 ml) 119 Kcal 1 litro R$ 2,00
Iogurte natural 1 pote  79 Kcal 1 unidade R$ 1,20
Todinho 200 ml 166 Kcal 1 caixinha R$ 1,00
Barra de cho- 1 unidade
4 quadrados 133 Kcal R$ 4,50
colate (110g)
Bolacha reche-
1 unidade 80 Kcal 1 pacote R$ 1,50
ada
Maçã 1 unidade 56 Kcal 1 unidade R$ 0,50
Laranja 1 unidade   37 Kcal 1 dúzia R$ 2,50
Bolo de cho-
1 fatia média 540 Kcal 1 unidade R$ 4,50
colate
Água 1 garrafa     0 Kcal 1 unidade R$ 1,00
Coca Cola 1 copo (200 ml)  86 Kcal 1 unidade R$ 3,00

Por fim chegaram a uma compra sem antes tentar


convencer a professora a aumentar o valor que poderiam gastar,
pois as opões eram apetitosas. Também pediram que o recreio
fosse antecipado, pois o supermercado virtual havia aguçado a
fome! A professora leu atentamente cada nova compra desse
segundo experimento e comparou os novos dados com os do
primeiro experimento, como indicado nas Tabelas 5 e 6.

237
Parte 3

Tabela 5 - Comparação dos dois experimentos.


Valor da Valor da Valor Valor
compra compra gasto gasto
Aluno (a)
(em Kcal) (em Kcal) (em  R$) (em  R$)
1º experimento 2º experimento 1º experimento 2º experimento
Wallerson 1878 1522 10,00 9,50
Camili 614 1542 10,00 9,50
Jenifer 1236 1352 10,00 10,00
Ingrid 1100 2150 8,80 9,40
Nícolas 1776 1756 10,00 10,00
Evelyn 1316 1832 9,20 6,10
Ivan 898 1812 10,00 9,50
Clayton 922 1718 9,50 8,20
Eduardo 1066 1732 10,00 9,50
Heloisa 1082 1078 6,00 10,00
Karen 1846 1840 10,00 10,00

Tabela 6 - Diferença do valor calórico das duas compras.


Diferença em Kcal Diferença em Kcal
Aluno (a) para as 1818 kcal para as 1818 kcal
1º experimento 2º experimento
Wallerson +60 -296
Camili -1204 -276
Jenifer - 582 -466
Ingrid -718 +332
Nícolas -42 -62
Evelyn -490 +14
Ivan -920 -6
Clayton -896 -100
Eduardo -752 -86
Heloisa -736 -740
Karen +28 +22

Pode-se observar na Tabela 6 uma diferença significativa


entre o total de calorias das compras do 1º experimento em
relação à do 2º experimento. Os alunos também reconheceram

238
Capítulo 8

que fizeram uma compra com muito mais critério e cuidado.


A Tabela 7 destaca algumas conclusões os alunos:

Tabela 7 - Justificativa da segunda compra.


Aluno (a) Resposta O que comprou?
Eu achei que essa compra Macarrão, molho de tomate,
melhor que a outra, porque leite, pão francês, maçã, bo-
Ingrid
pude ver o valor energético e lacha wafer, abacate e pipoca
tinha mais coisas saudáveis. doce. (1522 Kcal)
Eu achei que foi uma coisa Bolacha água e sal, gelatina,
boa para nos ensinar, gostei macarrão, maçã e “miojo”.
Nicolas
muito desse trabalho e minha (1756 Kcal)
compra foi boa.
Água, “todinho”, molho de
Eu achei muito difícil, mas eu
tomate, macarrão, salada de
Ivan cheguei quase lá.
fruta e manga. (1812 Kcal)

Essa compra foi melhor


do que a outra, pelo valor Macarrão, quibe, salada de
energético e pelos produtos, fruta, maçã, manga e pera.
Eduardo
tive uma chance de arrumar a (1732 Kcal)
compra anterior.

TERCEIRA ETAPA DO EXPERIMENTO: FINALIZAÇÃO

Segundo as pesquisas realizadas em livros didáticos, internet


e conversa com nutricionista, chegamos à conclusão de que
para uma boa saúde devemos nos alimentar corretamente,
observando a Pirâmide Alimentar. Considerando isso, agora era
a hora de testar se a compra realizada por cada um também
atendia os critérios da pirâmide e, assim, ser considerada boa
do ponto de vista nutricional. Não podemos esquecer que a
pergunta do experimento levou ao desdobramento de duas
variáveis dependentes. Retomando a pergunta: É possível com
apenas R$10,00 comprar produtos alimentares que possam suprir
minhas necessidades nutricionais/calóricas de 1 dia de atividade
intensa? Portanto as variáveis dependentes são: 1ª - Valor calórico
gasto no dia do passeio: 1818 kcal; 2ª- Porções dos grupos

239
Parte 3

alimentares que devemos consumir por dia de acordo com a


pirâmide alimentar, mostrada na Figura 8. Na Figura 9, a aluna
trabalhando com a pirâmide.

Figura 8. Pirâmide Alimentar utilizada nas atividades de investigação.

Figura 9. Comparação entre a lista de alimentos e a Pirâmide Alimentar.

240
Capítulo 8

Os alunos retornaram à última compra nos moldes do


supermercado virtual, agora observando a Pirâmide Alimentar e
procuraram seguir as sugestões de alimentos saudáveis. Estavam
aptos para realizar uma boa compra procurando responder a
pergunta chave do experimento. Trabalharam mais rapidamente
em relação às outras vezes e pareciam tranquilos. Em seguida,
observaram seus resultados da compra quanto aos alimentos,
valores calóricos e energéticos. Partimos então para uma reflexão
quanto à forma da realização do experimento, como se sentiram
durante e depois do experimento, o que gostaram e aprenderam,
se foi bom ou ruim e, principalmente, e se conseguiram atingir
seus objetivos. A seguir na Tabela 8, destacamos algumas
considerações dos alunos sobre a atividade:

Tabela 8 - Conclusões dos alunos sobre o experimento.


“Eu, agora, consegui os alimentos corretos para suprir minhas energias e as
calorias necessárias. Durante o experimento parecia um quebra-cabeça que
não dava para montar, mas no final eu vi que era muito simples, bastava ter
atenção. Valeu muito, porque foi uma grande descoberta para mim e todos
nós.” Ingrid
“Eu aprendi que com somente R$10,00 eu consigo comprar alimentos que
podem suprir minhas necessidades por um dia de intensa atividade física.
Gostei muito dessa experiência, valeu a pena o esforço. Consegui aprender
muito.” Júlia
“Eu consegui suprir minhas necessidades e acertar os preços. Senti que podia
comprar o que queria comer, me senti independente. Valeu a pena, porque a
gente vai precisar dessa experiência mais para frente. Gostei, achei legal e me
senti realizado. O que foi bom, é que isso vai me ajudar no futuro e ruim foi
ter que calcular o valor energético certinho.” Eduardo
“Agora eu acho que consegui certinho. Não vou passar mal, porque os
alimentos que comprei têm poucas calorias e não vou engordar. Durante o
processo eu fiquei na expectativa de conseguir e quando vi que consegui valeu
a pena o esforço. Eu gostei muito desta experiência, porque aprendi muito e
foi muito bom.” Karen

No geral, todos os alunos concluíram que conseguiram


com sucesso realizar suas compras e adoraram a conquista desse
aprendizado que ocorreu de forma diferente e prazerosa, como
mostrado na Figura 10.

241
Parte 3

Figura 10. Fotografia da classe na finalização do projeto.

REFLEXÕES E CONCLUSÕES: A VOZ DO PROFESSOR

Ao concluirmos esse projeto, pudemos perceber como os alunos


aprenderam a valorizar uma vida saudável, alimentando-se
corretamente ou procurando mudar seus hábitos alimentares.
Os alunos aprenderam a reconhecer quais hábitos alimentares
irregulares poderiam prejudicar a saúde e o que fazer para
modificar seu estilo de vida, assumindo seus erros e acertos
em relação a sua alimentação. Prova disso foi o resultado das
avaliações do 3° bimestre, cujo tema era Alimentação e Saúde (O
corpo dinâmico): os alunos obtiveram as maiores notas dentre
todas as matérias.
As leituras das embalagens identificando as informações
existentes nelas, a composição nutricional dos diferentes alimentos
e o valor necessário de nutrientes para suprir suas energias
gastas, contribuíram para a organização dos conhecimentos
construídos sobre o tema. Vários cálculos foram efetuados

242
Capítulo 8

para que os alunos pudessem chegar às conclusões, colocando


a Matemática como uma disciplina próxima dos problemas
do cotidiano. Interessantíssimo foi como raciocinavam, como
realizavam os cálculos de forma única, cada um do seu modo
e em nenhum momento reclamavam em fazê-los. As diferentes
situações criadas durante o experimento serviram ainda mais
como estímulo à aprendizagem.
Esse projeto não me deixou cair numa única forma
de ensinar, de ajudar no aprendizado do aluno, mas sim
propiciou reformas simples, um novo referencial transformador
e modernizador do compreender e aprender. A proposta do
trabalho é lançada aos alunos, provoca uma série de reações,
desperta a experiência e o conhecimento trazidos por eles,
acrescenta a intervenção do professor, concilia o aprendizado
tradicional com o tecnológico (livros didáticos, lousa, caderno,
laptops, vídeos, lousa digital e outros), para dar significado ao
que será realizado. Os alunos podem aceitar e rejeitar, construir e
reconstruir, duvidar ou acreditar, debater, expor opiniões e refletir
sobre o que está sendo trabalhado. “Tudo flui, nada persiste, nem
permanece o mesmo”. (Heráclito de Éfeso)
A escola é o espaço adequado para o início dessas
mudanças. Ao investirmos no processo de aprendizagem baseada
na investigação, em descobertas, lutamos por uma educação
diferenciada. Eis aí a grande oportunidade. É um investimento
a longo prazo, porém, de grandes resultados. Lidar com seres
humanos é ter que pensar no “talvez”: nada é exato, a verdade
é relativa, não existe o certo ou o errado. Investirmos nesse
método de pesquisa é estarmos sempre procurando renovar
nosso olhar, refletir sobre nossos atos, buscar novos processos
para alcançarmos um aprendizado melhor.
Nessa trajetória vem sendo conquistada a clareza, em
especial pelo exercício do ensinar, de que o ensino numa
perspectiva plena não pode estar dissociado da pesquisa e da
produção de conhecimento constante.

243
Parte 3

A VOZ DO ALUNO

Durante esse projeto pude constatar, enquanto professora,


que os alunos puderam, através do cenário de investigação
que participaram, perceber a importância de aprender como
se alimentar, quais são as principais refeições de um dia,
a quantia das porções necessárias para seu crescimento e
desenvolvimento.
Ao longo da constituição deste aprendizado pode-se dizer
que a “voz do aluno” esteve sempre presente nos questionamentos
que faziam, nos diálogos que estabeleciam, nos registros que
elaboravam. Eles puderam se expressar em vários momentos
deste cenário de aprendizagem: nas interações estabelecidas
com os colegas e com o professor; nas ações realizadas como, por
exemplo: estudo da pirâmide alimentar, procura de ingredientes
nos rótulos dos alimentos; coleta de dados; observações sobre
a qualidade de sua alimentação e suas escolhas alimentares.
As Figuras 11-A à 11-F ilustram momentos de envolvimento
dos alunos ao longo das dinâmicas de trabalho relatadas
neste texto.

[Fig. 11-A]. A participação


dos alunos ocorreu desde
o início, quando colocaram
os preços nas embalagens
dos produtos que levaram
para as compras no
supermercado feito por eles
na escola.

244
Capítulo 8

[Fig. 11-B]. Fazendo o


reconhecimento do que
iriam estudar, questionando,
dialogando e pesquisando.

[Fig. 11-C]. Muitas vezes uns


alunos ajudavam os outros,
principalmente quando havia
dúvidas dos valores calóricos e
energéticos dos produtos.

[Fig. 11-D]. Essa aluna fez e


refez várias vezes seus cálculos,
pois não conseguia alcançar
seus objetivos. Sendo uma boa
aluna, ficava muito brava com
seus erros.

245
Parte 3

[Fig. 11-E]. Quando


perceberam que se tornaram
uma equipe e que podiam
construir o conhecimento e
fazer as descobertas juntos,
tudo ficou mais fácil e
prazeroso.

[Fig. 11-F]. Em vários


momentos realizavam
estudos, articulavam
informações, não
se cansaram ou
desanimaram em
nenhum instante.
Brincavam entre eles
formando, às vezes,
uma disputa para o
elemento final
da pesquisa.

Figuras (11-A à 11-F). Imagens da classe em momentos de investigação e


comentários da professora sobre essas vivências.

246
Capítulo 8

A VOZ DO PESQUISADOR:

O tema escolhido pela professora do 5º ano para desenvolver


um problema utilizando-se do método de investigação científica
era Alimentação/Energia/Saúde. Julgávamos que esse tema
propiciaria muitos questionamentos não só por parte dos alunos,
mas também de todos os envolvidos no Projeto AbINV. E isso, de
fato, se confirmou.
No início do ano nos preocupamos em levantar com os
alunos o que sabiam sobre o assunto, suas indagações, inferências
e respostas às tantas perguntas que levantavam. O assunto
também acrescentava dados a uma observação que preocupava
a professora: os alunos se alimentavam mal no almoço servido na
escola. Pesquisamos com os alunos se eles comiam corretamente,
o que gostavam e desgostavam de comer nas refeições da escola
e qual seria o cardápio ideal. Quando compararam o cardápio
da escola e o que haviam idealizado, surgiu uma pergunta
interessante: É possível se fazer um cardápio para refeições de
uma semana que seja gostoso e ao mesmo tempo saudável?
Mas essa indagação não era simples de ser respondida,
pois ela pressupunha um aprofundamento nos estudos para se
entender o conceito do que é uma alimentação saudável. Isso
não era problema algum, pelo contrário, seria uma oportunidade
valiosa para que os alunos estudassem e pesquisassem sobre o
assunto. Mas a variável – refeição gostosa - era muito subjetiva.
Além disso, teríamos que ter cuidado para não haver juízo de
valor sobre os hábitos alimentares de cada família, sobre os
gostos pessoais e possíveis críticas ao cardápio da escola.
Sendo assim, no primeiro semestre, tivemos tempo de
maturação, reflexão e redefinição da pergunta para desenvolver
o experimento sem, entretanto, abandonar o tema: alimentação,
energia e saúde. À medida que os alunos se aprofundavam
no conhecimento de assuntos como pirâmide alimentar, os
grupos alimentares e seus nutrientes, conceito de caloria, valor
energético, entre outros, iam formulando novas perguntas
e indicando caminhos a serem seguidos. Por fim chegou-se a
uma pergunta testável: “É possível com apenas R$10,00 comprar

247
Parte 3

produtos alimentares que possam suprir minhas necessidades


nutricionais/calóricas de um dia de atividade intensa?”. Essa
definição foi feita por etapas e com a participação de todos os
envolvidos no Projeto: alunos, professora, pesquisadora.
Houve a preparação de um cenário que propunha uma
situação fictícia: um passeio de um dia inteiro fora da escola
com atividades físicas, em que os alunos deveriam levar seu
próprio lanche. Além disso, dispunham de um valor em dinheiro,
que limitaria suas compras. Pronto, esse foi um desafio muito
adequado para crianças do 5º ano, que ainda gostam de brincar
de faz-de-conta. Para chegarem aos resultados e conclusões
finais, um longo caminho foi percorrido e houve a necessidade
de se refazer o experimento por três vezes, para se testar novas
hipóteses.
Mas o tempo, sempre o tempo, é o culpado pela falta de
oportunidade para complementar as atividades ou desenvolver
os desdobramentos que o experimento propiciou. Se tivesse
havido tempo seria a hora de retornar ao cardápio da escola,
nosso problema inicial. Seria interessante analisar esse cardápio
do ponto de vista nutricional e calórico, compará-lo com o
cardápio ideal que fizeram no início do ano, antes de terem se
dedicado aos estudos sobre o tema e, talvez, propor um cardápio
para a escola. Por outro lado, esse mesmo tempo nos ajudou
a desenvolver o experimento sem pressa e respeitando o ritmo
de cada aluno. Pudemos acompanhar as hipóteses levantadas e
conclusões de cada um dos alunos, sem exceção. Isso leva um
tempo precioso na rotina de sala de aula, que felizmente nos foi
permitido ter.
É fato que a investigação deixou em aberto muitas
indagações e possibilidades de outros experimentos, que
certamente irão aflorar ao longo da vida escolar desses alunos
e da vida profissional da professora. Acredito que a minha ajuda
na condução do Projeto mais do que orientar o uso de vários
recursos, inclusive os laptops UCA, ou planejar atividades com
a professora, foi a de criar situações para que ela e seus alunos
pudessem, de fato, formular e responder suas perguntas e assim
desenvolver um trabalho de autoria inédito e verdadeiro.

248
Capítulo 9 - Penas e Beterraba:
uma história de investigação coletiva
Sandra Santa Rosa Ramos Cozoli1 e Maria Helena Nogueira de Sá2

INTRODUÇÃO

Como professora do primeiro ano da Escola Municipal de Ensino


Fundamental “Dr. Airton Policarpo”, de ensino integral, na cidade
de Pedreira, Estado de São Paulo, fui instigada, no segundo
semestre de 2013, a realizar esse experimento de investigação
científica. A escola possui 376 alunos, sendo 23 do primeiro ano
A, os quais estão em processo de alfabetização e letramento.
O fato dessas crianças ainda estarem na fase de
alfabetização não significa que não estão aptas a participarem
de uma metodologia de aprendizagem baseada na investigação.
Entretanto, nessa fase é muito importante o intermédio do
professor entre a criança e o objeto de estudo (destacando
as práticas de oralidade e estimulando a curiosidade como
uma experiência valiosa e prazerosa). As crianças por si só
já são curiosas, facilitando o nosso trabalho de investigação.
Evidentemente, sabemos que não basta apenas a curiosidade
natural das crianças, mais do que isso é preciso um chamariz que
as impulsionem ao encontro da investigação científica. Nesse
sentido, é importante todo um trabalho desenvolvido dentro da
sala de aula, utilizando-se dos mais diversos recursos como um
alicerce, além dos seus conhecimentos prévios.
Nessa perspectiva, este capítulo descreve uma experiência
realizada na nossa escola: “Penas e beterrabas: uma história
de investigação coletiva”, um entrelaçar de acontecimentos
inesperados no espaço escolar e conhecimentos prévios dos
alunos.

1 Professora do Ensino Fundamental da EMEF Doutor Airton Policarpo.


2 Pesquisadora do Projeto ABInv junto ao Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/
UNICAMP).
Parte 3

O estudo da classificação do reino animal e da cultura


indígena brasileira conectou-se com o aparecimento de um filhote
de passarinho no pátio da escola e com o arroz servido no almoço,
que ficou tingido com o caldo da salada de beterraba (servida
uma vez por semana na nossa escola). Assim, da conexão entre
conteúdos escolares e eventos ocorridos na vida desses alunos,
surge a pergunta: “Seria possível, através de tingimento, fazer
com que uma pena branca fique igual a uma pena naturalmente
colorida?”. Essa indagação gerou hipóteses espontâneas por
parte dos alunos, surgindo assim a nossa investigação.
Este capítulo é composto pelo relato do ponto de vista
dos alunos, dos quais eu, professora, sou a escriba e, portanto,
tem uma linguagem mais informal, seguido das minhas reflexões
e comentários.

PENAS E BETERRABA: A HISTÓRIA CONTADA PELAS CRIANÇAS

Certo dia, um menino chamado Nikolas achou um passarinho no


parque da nossa escola e o entregou para o professor Vagner,
pois estávamos tendo aula de Educação Física. Fomos todos para
classe e mostramos para professora Sandra que tirou várias fotos
do passarinho com a gente, como mostra na Figura 1.

Figura 1. Passarinho na sala de aula.

250
Capítulo 9

Não sabíamos que a partir daquele dia começaríamos a


ser pesquisadores...
Naquela mesma semana, a professora começou a falar
sobre as aves e pediu para que nós trouxéssemos “objetos” para
montarmos o Museu das Aves. Dia a dia foram aparecendo penas,
ninhos e ovos. Todos colaboraram, até as professoras das outras
séries. Comparamos cada um dos itens, principalmente as penas
e percebemos que elas (as penas) tinham formas, tamanhos e
cores diferentes, como indicado na Figura 2.

Figura 2. Diferentes tipos de penas e ninhos.

Durante a conversa, nossa colega Ketellyn falou que as


penas do cocar que a professora usou no Projeto Índios, eram
mais escuras do que as penas que nós tínhamos trazido, Figuras
3 e 4.
“O cocar da foto que a professora está na tribo parece
natural o que ela trouxe aqui, não parece!”

251
Parte 3

Figura 3. Projeto Índios.

Figura 4. Cocar da professora.

Nossa! Foi uma agitação, pois todos queriam acertar de


qual ave eram aquelas penas coloridas do cocar da professora.
”Será que não eram naturais?” Lá fomos nós, pesquisarmos na
internet... (como mostra a Figura 5.)

252
Capítulo 9

Figura 5. Pesquisa no laptop UCA.

Então a professora veio com uma pergunta: “Será que a


pena do cocar foi tingida?”, e ficou aquela dúvida... “Será?”. E
lá vem a professora com outra pergunta: “É possível, através de
tingimento, fazer com que uma pena branca fique igual a uma
pena naturalmente colorida?”
A maioria dos alunos, respondeu que “sim”. O Nicolas Rian
falou:
“Com a beterraba poderia dar certo porque quando
comemos salada de beterraba, ela deixa o arroz branquinho, da
cor dela”.
Mas como vamos fazer?
A Tais respondeu: “Pega a beterraba, corta ao meio e passa
na pena. Pronto. A pena vai ficar colorida!”.
“E a beterraba deve ser crua ou cozida?”- perguntou a
professora.
A Tais respondeu crua, mas a Camilli achou que deveria
fazer com a beterraba cozida. Foi de novo aquele alvoroço... Já
que era para experimentar, então faríamos dos dois jeitos! Pronto,
resolvido!
E o Bruno deu outra ideia: “E se a gente amassasse a
beterraba dentro de um pote e colocasse a pena junto? Acho que
daria mais certo!”

253
Parte 3

Nossa... Quantas ideias! No dia seguinte, colocamos em


prática o nosso primeiro experimento! Estávamos nos sentindo
verdadeiros cientistas! Fomos ao pátio da escola, sentamos em
roda e a professora cortou a beterraba ao meio. (Figura 6)

Figura 6. Primeiro passo da experiência.

De novo o agito, porque na hora que a professora cortou


a beterraba, saiu um caldinho bem escuro e todos falaram: “Claro
que vai ficar colorida, olha o caldinho! Parece sangue!” (Figura 7)
Todo mundo ficou entusiasmado!

Figura 7. Beterraba cortada ao meio, penas brancas.

254
Capítulo 9

Os ajudantes do dia, Murilo e Agatha começaram a passar


a beterraba crua na pena, Figuras 8 e 9.

Figura 8. Murilo passando a beterraba crua na pena.

Figura 9. Agatha passando a beterraba crua na pena.

255
Parte 3

A expectativa era grande, será que vai dar certo? Depois


todos os alunos também colocaram a mão na massa. Figuras 10
e 11.

Figura 10. Obtendo a cor na pena.

Figura 11. Participação de todos no experimento.


E você deve estar se perguntando, deu certo? Ficou
colorida?
Ficamos um pouco tristes, não ficou como pensávamos. Na
hora até ficou um pouquinho mais tingida, mas quando secou...
ficou bem clarinha. E isso também aconteceu no dia seguinte,
quando fizemos com a beterraba cozida. (Figura 12).

256
Capítulo 9

Figura 12. Primeiros resultados.

Mas nem tudo estava perdido! Quando vimos que não


havia dado certo com a beterraba cozida, surgiu uma nova ideia.
Ela estava na nossa frente e não poderíamos desperdiçar esse
momento!

Figura 13. Beterraba cozida e seu caldo.

A ideia era... a água que foi cozida a beterraba! (Figura 13).


“E se a gente colocasse a pena nessa água?” – perguntou a Tais.

257
Parte 3


Todos nós concordamos na hora! E lá se foram as
quatro peninhas brancas mergulhadas no caldinho vermelho...
(Figura 14).

Figura 14. Penas de molho na água da beterraba cozida.

Elas mergulharam na sexta-feira e quando nós chegamos


segunda feira na escola... Que surpresa! (Figura 15).

Figura 15. Resultado das penas (secas) depois de terem ficado de molho.

258
Capítulo 9

Colocamos ao sol para secar e mesmo assim a cor ficou


forte! Foi uma alegria! A pena branca ficou com uma cor tão
bonita. A professora fez uma nova pergunta:
“Será que se deixassem as penas somente algumas horas,
ficariam como essas?”
Alguns comentaram que ficariam da mesma cor, outros
falaram que ia ficar bem clarinha. No mesmo dia, colocamos
novas penas brancas no caldinho e de hora em hora íamos
observar como tinham ficado. Deixamos duas penas de um dia
para o outro.
Nós percebemos que a cada hora a cor ia ficando mais
forte, mas não chegou ao mesmo tom daquela que ficou no
caldinho por dias. Ficou mais parecido com aquela que a gente
passou a beterraba cortada. Já a pena que deixamos um dia
inteiro no caldinho ficou mais forte, mas não chegou no mesmo
tom, como mostra a Figura 16.

Figura 16. Comparando o resultado das penas em cada fase, depois de seca.

O nosso experimento não tinha acabado e ainda tínhamos


que ver como iria ficar o tingimento das penas com a beterraba
amassada. Cozinhamos novamente a beterraba, amassamos e
colocamos as penas por baixo dela. (Figura 17).

259
Parte 3

Figura 17. Beterraba cozida, amassada e as penas por baixo.

A cada hora íamos ver como estava. Dava para perceber


que as penas no final do dia estavam quase iguais à cor das penas
do caldinho: elas ficaram amassadas e não tão bonitas. Quando
secaram elas ficaram mais claras. (Figura 18).

Figura 18. Resultado das penas na beterraba amassada e após algumas horas.

260
Capítulo 9

Depois de todas essas experiências, percebemos que o


tempo faz a diferença, que quanto mais tempo a pena “ficar com
a beterraba”, mais cor vai ter.
Ao falar de tempo, a professora lembrou que ela tinha
deixado beterrabas e penas em um pote com caldinho com a
professora Cátia. Ela iria nos mostrar a cor que teria no dia que a
professora Sandra estivesse ausente. O potinho ficou esquecido
na sala da professora Cátia e quando a professora Sandra
lembrou-se de pegar, vejam a nossa surpresa! (Figura 19).

Figura 19. Resultado do tingimento das penas após uma semana.

Era estranho! A água secou e ela ficou muito escura! Mas


a gente não pode negar que o tempo faz mudar a cor da pena!
Para terminar, nós resolvemos escrever essa história com
ajuda de todos os alunos da classe e da nossa professora Sandra,
mostrado na Figura 20.

261
Parte 3

Figura 20. Professora como escriba.

E nós gostamos tanto que queremos escrever um livro


para nossa escola. E como nosso amigo Murilo disse:

“Agora somos cientistas, escritores e ilustradores!”

DESCREVENDO AS ETAPAS DE UM EXPERIMENTO CIENTÍFICO


DESENVOLVIDO COM CRIANÇAS DO 1º ANO

O TEMA GERADOR, AS PERGUNTAS, O PROBLEMA

O passarinho desencadeou a ideia de construirmos o “Museu da


Ave” – uma coletânea de objetos relacionados a ela. Podemos
dizer que esse era o cenário do qual surgiriam perguntas
interessantes para investigar, ou mais que isso, para serem objeto
de experimentação.
Apesar de serem crianças pequenas, ainda em processo
de alfabetização, optei por seguir com rigor as etapas de uma
investigação científica, mesmo que isso não ficasse claro a elas,
pois a curiosidade, o pensamento egocêntrico e a fantasia das
crianças dessa faixa etária, são características que não devem

262
Capítulo 9

ser tolhidas. Também são muito impacientes e imediatistas


para verem os resultados de suas ações. Além disso, seria
uma oportunidade de eu, professora do grupo, aprofundar a
aprendizagem de como desenvolver um experimento que havia
iniciado no ano passado (2012), no Projeto ABInv.
Portanto, estávamos no caminho correto: havia uma
pergunta que partiu de observações baseadas em fatos do
cotidiano – as penas naturais, as coloridas artificialmente e
o pigmento da beterraba. Essa pergunta gerou hipóteses
espontâneas por parte dos alunos. E essas hipóteses eram
testáveis. Então era possível desenvolver um experimento para
responder o nosso problema: “É possível, através de tingimento,
fazer com que uma pena branca fique igual a uma pena
naturalmente colorida?”.

AS HIPÓTESES DAS CRIANÇAS

Na hora da conversa os alunos afirmaram com convicção que a


pena branca poderia ser tingida. Um dos alunos citou que poderia
ser tingida com a beterraba, que daria certo, pois o arroz branco
fica vermelho com a beterraba e a pena também ficaria. Todos
foram unânimes em concordar que uma pena branca, se tingida,
poderia ficar igual a uma pena naturalmente colorida. Mas houve
algumas discordâncias quanto ao procedimento e começavam a
surgir algumas hipóteses:

• Cortando a beterraba ao meio e passando-a na pena, já


pegaria a cor.
• Deveria deixar a pena algum tempo em contato com a
beterraba.
• A beterraba deveria ser crua ou cozida?
• Devemos cozinhar a beterraba, amassá-la e deixar as pe-
nas por algum tempo nesse purê.
• Deve-se deixar a pena ao Sol para secar.

263
Parte 3

ESTRUTURANDO O EXPERIMENTO – DEFININDO AS VARIÁVEIS

Decidimos restringir o número de variáveis a serem testadas no


experimento para que pudéssemos chegar a algumas conclusões.
À medida que as crianças revissem suas hipóteses poderíamos
testar outras variáveis. Portanto, definimos assim as variáveis:

Variável dependente:
• Penas naturais coloridas.
• Penas brancas.
Variável independente:
• Beterraba crua.
• Beterraba cozida.
• Tempo: horas, dias.
O EXPERIMENTO

Após o surgimento da pergunta de investigação, tivemos que


adquirir as penas brancas, pois as coloridas tinham em número
razoável no nosso “Museu da Ave”. Houve a escolha da beterraba
a ser utilizada e como havia a dúvida de como utilizá-la, isto é,
se deveria ser cozida ou crua, optamos pelas duas alternativas.
Devido ao imediatismo desta faixa etária, os alunos tinham ideia
que passando somente a beterraba na pena, esta já seria tingida.
Após a primeira e segunda etapa, eles perceberam que a cor
ficava fraca.
Desenvolveram-se, neste momento, novas hipóteses.
Mudou-se o ponto de vista inicial, o que gera novo conhecimento.
No momento que elas observam a água que a beterraba foi
cozida, surge uma nova ideia: colocar as penas nesta água.
Outro ponto importante no experimento foi o fato das
penas ficarem um fim de semana inteiro imersas na água com
a tinta da beterraba. Isso determinou a conclusão final: que o
tempo em que fica de molho, em contato com a tinta, determina
a coloração mais forte das penas.

264
Capítulo 9

VOZ DO PROFESSOR

O que chamou a minha atenção foi o fato dos alunos, após verem
a água que a beterraba foi cozida, de imediato terem a ideia de
colocar as penas na vasilha, surgindo neste momento uma nova
hipótese. Percebemos que aos poucos os alunos descobriram
que o tempo faz a diferença na ação do nosso experimento.
Isso se comprova quando eles colocam a pena na beterraba
amassada e dizem de imediato que o melhor seria dias, porque
pouco tempo não mudará muito coisa. Neste trabalho, os alunos
conseguiram visualizar e entender que o tempo faz a diferença
na pigmentação/coloração da pena.
Nós trabalhamos diariamente em pequenos grupos na
sala de aula: agrupamentos produtivos, quatro crianças em cada
grupo. Tivemos também o momento da roda de conversa, no
qual conversarmos sobre algum tema. Temos como combinado
que quando quiser falar, precisamos levantar a mão e esperar a
vez, assim cada um consegue ouvir os outros e todos participam
em ordem. Mas, quando eu comuniquei que eu precisaria anotar,
gravar ou filmar as ideias deles para a minha professora, que
estava curiosa em saber sobre a nossa investigação, tudo mudou.
Desde o início do experimento de investigação científica,
os alunos começaram a ter um comportamento diferenciado,
além de interagirem mais entre si, o respeito em ouvir e concordar
ou não com a hipótese do colega foi algo que sobressaiu. Além
disso, observamos o fato de alunos tímidos se exporem mais
ao querer dar a sua opinião, alunos estes que muitas vezes não
conseguem ter grandes resultados em atividades escritas, mas se
superaram na oralidade e explicitação de suas hipóteses.
A realização desse experimento de investigação científica
foi de grande valia tanto para os alunos quanto para mim, pois
proporcionou uma interação maior entre eles, como também
o respeito mútuo. Acredito que o experimento excedeu as
expectativas de uma investigação cientifica e proporcionou a
interação social.

265
Parte 3

VOZ DO ALUNO

Para exemplificar a motivação dos alunos na realização do


experimento e na discussão dos dados e resultados observados
pela classe, destacamos um aluno em específico, que chamou
atenção ao longo da investigação e, principalmente, na produção
de texto em atividade realizada em sala de aula.
O aluno Bryan, 6 anos e 10 meses, no início do ano era um
pouco mais tímido, tinha uma certa vergonha de falar devido a
alguns problemas de fala e dicção (faz umas trocas de fonemas e
ruídos ao falar). No ano anterior, inclusive, conversava pouco com
sua professora. Todavia, nas atividades da investigação científica
este aluno prestava muita atenção e, no momento de resgate
do que havíamos feito, sempre lembrava detalhes do processo.
Nos momentos de produção do texto, a professora como
“escriba” buscava anotar, porém o aluno, nestes momentos, não
chegava a falar muito. Mas, quando trazíamos a filmadora para
classe, era muito interessante observar que ele falava tudo. Nós
perguntávamos sobre o experimento, ele levantava a mãozinha
querendo participar. Em um destes momentos Bryan conta
todo o experimento, em detalhes de como ele aconteceu. Um
determinado dia, com a filmadora ligada, ele disse para toda a
classe: “gente, vamos ajudar a professora? Nós vamos escrever
como aconteceu o nosso projeto das penas”. Bryan lembrava
muito do processo e eu incentivava: “nossa isso mesmo! Que
legal o que você falou!” Aos poucos, Bryan ficava cada vez mais
envolvido: “ah posso falar então, posso falar?”. Foi interessante
observar isso, pois ele se expressava bem menos no começo do
primeiro semestre e agora, com as atividades que realizou na
investigação, ele estava mais a vontade para falar.
Traremos, a seguir, alguns momentos do relato do Bryan.
É interessante observar que o aluno explicita, logo de início
em sua fala, que tem clareza do processo de investigação que
realizou com seus colegas e professora em sala de aula. De forma
objetiva diz: “A gente fez um projeto das penas para passar na
beterraba... para ver como que fica... mais escura mais clara”. Ao
relatar a atividade realizada em sala de aula, o aluno mostra as

266
Capítulo 9

penas brancas e as tingidas com beterraba (Figura 21). Apresenta


também o desenho no computador elaborado pelas crianças
(Figura 22), o qual ilustra um aluno tingindo a pena branca com
caldo da beterraba.

Figura 21. Aluno destaca a coloração das penas obtidas na investigação.

Figura 22. Desenho na tela do laptop sobre o experimento realizado.

”Tudo começou assim com as penas brancas... daí a gente foi pensando como
ficaria se a gente colocasse a beterraba. As primeiras [penas brancas] que
o Murilo e a Agatha passou... quando eles passaram a beterraba na pena,
a pena ficou clarinha, não ficou tão escura assim como a gente pensou que
ia ficar.. Mas outro dia quando a gente tentou passar num caldinho, assim
escuro da beterraba, daí ficou muito escura... ficou três dias [no caldinho]”

267
Parte 3

Em sua fala o aluno deixa transparecer o envolvimento


com a investigação, o pensamento reflexivo e as expectativas
antes de observar os resultados do experimento. Revela também
clareza sobre o procedimento que realizavam (passar a beterraba
na pena) e os dados que estavam observando (“pena ficou
clarinha”). Além disso, ele mostra que diante dos resultados e
reflexões a classe busca realizar novo experimento realizando um
dado ajuste (deixar a pena de molho no caldinho da beterraba).
Enfim, como indicado na Tabela 1, seu relato evidencia o que os
alunos faziam, como faziam, o que observavam e as conclusões
que elaboravam a respeito. O aluno e seu relato apontam outras
variáveis que foram incrementadas no experimento dando, assim,
continuidade a investigação.

Tabela 1 – Passos do experimento relatados por Bryan.


Ação/procedimento Observação/reflexão
1: Passar a beterraba na pena branca Pena branca fica com coloração clara
2: Mergulhar pena branca no caldo Pena branca fica com coloração mais
da beterraba por um determinado escura
tempo (3 dias)

No trecho a seguir, o aluno evidencia que foram realizadas


várias etapas na investigação, faz uma comparação dos resultados
obtidos em cada situação (diferenciada intensidade de coloração
nas penas) e explicita a correlação que estabelece (intensidade
da coloração com tempo de tingimento das penas). (Figura 23).

Figura 23. Aluno mostra diversidade de coloração das


penas obtidas na investigação.

268
Capítulo 9

“quanto mais a gente faz isso nosso projeto fica “mais grande”... todas as pe-
nas que “tá” aqui na mesa ficaram assim... a gente tentou colocar para ver...
para ela ficar escura a gente tentou um montão de vezes. Essa, essa, essa...
Tem essa aqui também que a gente deixou muitos dias, mas ela ficou, assim,
meio marrom”

O aluno também dá destaque à forma que elaboram o


registro da investigação (desenhos no laptop) bem como a
produção de um livro com textos e ilustrações da classe sobre
a investigação que realizaram: “o desenho... a gente tá montando
um livro das penas, desse projeto”. (Figura 24).

Figura 24. Desenhos da classe ilustrando investigações realizadas.

VOZ DO PESQUISADOR

Como nos surpreendemos com as crianças. E, quanto menores são,


mais nos surpreendem. Quando iniciei o trabalho de orientação
da professora Sandra com seus alunos do 1º ano buscávamos
um tema que, como nas outras turmas, conciliasse o conteúdo
programático a ser desenvolvido com um fato do cotidiano.
Desenvolver uma investigação científica que fizesse sentido a
elas e ao mesmo tempo acrescentasse uma nova metodologia
de pesquisa, de ensino e de aprendizagem e de construção de
conhecimento, parecia uma tarefa difícil. Mas não foi. Se ficarmos
atentos ao que as crianças falam, fazem e observam, teremos
uma infinidade de opções para se desenvolver uma investigação.

269
Parte 3

E foi isso que aconteceu com a turma do 1º ano de 2013 da


escola Dr. Airton Policarpo: um filhote de passarinho que o professor
de Educação Física trouxe para a sala de aula desencadeou uma
avalanche de perguntas sobre as características das aves e seus
hábitos. As crianças trouxeram objetos relacionados aos pássaros
e montaram um “museu”. E, claro, algumas penas apareceram.
Quem nunca pegou uma pena e se encantou com suas cores? E
suas texturas, tamanhos e formatos? As crianças e a professora
passaram a se preocupar em saber se as penas que trouxeram
para o museu da sala eram “falsas” ou naturais. Queriam saber
se algumas delas eram pintadas e, se fossem, como poderiam
parecer tão “de verdade”.
A partir daí surgiu a pergunta que nortearia a investigação:
Como poderíamos pintar as penas para que ficassem parecidas
com as naturalmente coloridas? Uma das crianças se lembrou do
arroz que comeu no almoço da escola, tingido pelo caldo da salada
de beterraba servida no mesmo prato. Claro, a beterraba poderia
ser um pigmento que tingiria as penas! E assim se desenvolveu o
experimento, seguindo os passos de uma investigação científica
sob a orientação atenta e cuidadosa da professora.
Com crianças dessa faixa etária é preciso saber ouvir
para, assim, dar-lhes voz. Nem sempre elas observam e fazem
o que gostaríamos e cabe ao professor redefinir caminhos e dar
espaço para que o imprevisto faça parte do processo. Esquecer
algumas penas num pote com água e encontrá-las duas semanas
depois apodrecidas e sem água alguma, leva a turma a formular
outras perguntas e hipóteses. Começa-se outro experimento?
E se os alunos se interessarem mais por esse fato do que pelo
tingimento das penas? Não podemos deixá-los sem respostas.
Trabalhar nesta metodologia é tratar o conhecimento em espiral,
uma pergunta leva à outra, e à outra, e assim por diante.
Mais do que os resultados do experimento, que neste caso
foram muito positivos, a dinâmica da sala de aula, a abertura para
perguntas e consequentemente a pesquisa e compartilhamento
das descobertas, são o grande legado deixado a esse grupo
ao passarem pela experiência da aprendizagem baseada na
investigação.

270
Capítulo 9

Quem no início do ano diria que penas e beterrabas


levariam um grupo de crianças de seis anos a vivenciar um processo
de investigação científica tão bem planejado e executado?
Sem sombra de dúvida, a implantação de uma abordagem
pedagógica baseada na investigação, proporcionou situações
em que professora e alunos puderam “fazer ciência”. Eu, como
a participante deste trabalho, fui gratificada em poder ajudar na
condução da pesquisa, viabilizando uma rica experiência através
do Projeto ABInv.

271
Capítulo 10 - Investigando um
problema bem abaixo de nossos pés
Maria Luisa Gasparini1 e Maria Helena Nogueira de Sá2

INTRODUÇÃO

Este capítulo aborda uma investigação realizada em 2013 na


Escola Dr. Airton Policarpo, em Pedreira, SP, com uma turma
do 4º ano, com vinte e três alunos de idade entre oito e nove
anos. As crianças são alegres, interessadas e muito curiosas,
adoram atividades diferentes que fogem da rotina do dia a dia,
assim como eu, a professora! Portanto, atividades partindo de
um experimento tornam nossas aulas ricas em conhecimento e
descobertas, além de prazerosas, instigantes e motivadoras.
A questão desencadeadora da investigação foi “Por que
tem solos tão diferentes no espaço da escola? Por que tem locais
com erosão?”. Com este o ponto de partida, os alunos realizaram
um experimento observando se haveria erosão em dois tipos
de solo, um com vegetação e outro desgastado, a partir de
rega diária desses espaços, simulando a chuva. A seguir vamos
detalhar como esta vivência ocorreu na escola, os percursos e
resultados obtidos.

COMO É POSSÍVEL REALIZAR UM TRABALHO DE EXPERIMEN-


TAÇÃO CIENTÍFICA NA ESCOLA?

Este era o primeiro desafio que os professores encontraram ao


iniciarem a atuação no Projeto ABInv. Para começar uma proposta
de trabalho que pudesse desencadear num experimento, optei
por selecionar alguns temas que fossem de interesse dos
alunos e fizessem parte do Ensino de Ciências, não que fazer
parte do ensino de Ciência fosse prioridade, pois sabemos que

1 Professora do Ensino Fundamental da EMEF Doutor Airton Policarpo.


2 Pesquisadora do Projeto ABInv junto ao Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/
UNICAMP).
Parte 3

um planejamento escolar pode ser flexível. Mas, a meu ver,


era uma boa oportunidade para “casar” currículo, disciplina e
conhecimento, proporcionando, assim, a transversalidade nas
aulas.
Solo, Erosão, Vegetação e Clima foram os temas que
selecionei para trabalhar com os meus alunos. No livro didático
há inúmeras fotos ilustrativas de solos com erosão e é comum nos
atermos a imagens impressas ou vídeos sem nos darmos conta
de que no espaço em que moramos ou circulamos há problemas
semelhantes aos apontados nos livros e documentários. Foi para
isso que chamei a atenção dos alunos: o espaço interno da nossa
escola. O terreno da escola é bastante acidentado. As salas de
aula, uma das quadras cobertas e gramado do fundo ficam no
topo do terreno e para chegar até esses locais há duas opções:
uma rampa cimentada bastante larga e íngreme, e uma escadaria
de dois lances coberta por toldo, que nos abriga da chuva.
Apesar disso, as crianças criam atalhos em seus deslo-
camentos subindo pelos barrancos laterais que são gramados.
O resultado disso é um solo desgastado, sem vegetação e, em
alguns pontos, com sulcos causados pela enxurrada (Figura 1).

Figura 1. Analisando o solo da escola.

274
Capítulo 10

Enfim, reconhecemos um problema a ser investigado, pois


temos um exemplo de má conservação de solo bem próximo de
nós e que, além disso, torna a aparência da escola desagradável.
Por tudo isso, a escolha da temática de investigação contemplou
um tema bem abaixo de nossos pés.

PLANO PARA A REALIZAÇÃO DO EXPERIMENTO

Antes de iniciar a atividade era importante que as crianças


tivessem um conhecimento prévio sobre erosão e quais fatores
influenciam para que isso aconteça. Comecei com uma roda de
conversa questionando: Por que tem solos tão diferentes no
espaço da escola? Vocês sabem o que é erosão? Quais fatores
causam a erosão? A vegetação é importante para o solo? (Figura 2).

Figura 2. Local de encontro da roda de conversa e pesquisa sobre erosão.

Para o envolvimento com a investigação que seria realizada,


os alunos também elaboram representações gráficas que davam
referências sobre como o grupo visualizava fatores como: tipos

275
Parte 3

de solo (plano, com declive), ausência ou presença de vegetação


e de irrigação da chuva (Figura 3).

Figura 3: Desenho de aluno retratando: (1) terreno plano da escola sem


chuva, (2) com chuva, (3) com chuva e vegetação, (4) Terreno da escola
com declive sem chuva, (5) com chuva, (6) com chuva e vegetação.

A partir daí, passamos a delinear o que seria o nosso


experimento. O primeiro passo envolveu a definição de uma
pergunta clara, objetiva e testável, que propiciasse hipóteses. A
pergunta que mais agregava as tantas outras indagações poderia
ser resumida na seguinte questão: Quais fatores causam erosão
no solo da escola?
A enxurrada causada pelas chuvas foi um dos fatores que
levantamos. Também chamava atenção as diferenças entre o solo
desgastado pelo uso inadequado dos alunos e o coberto por
grama. Fomos, então, andar pela escola e escolher os lugares
que seriam observados. O nosso plano seguia algumas etapas
estabelecidas pela metodologia ABInv. Depois de definida a
pergunta, passamos a pensar em quais seriam as variáveis do
nosso experimento que determinariam as nossas observações.
A variável dependente, ou seja, aquela que pode ser de
alguma forma medida no experimento, foi a erosão do solo, e

276
Capítulo 10

as variáveis independentes, ou seja, aquilo que muda em um


experimento, foram o “Solo Plano com Vegetação” e o “Solo
Plano sem Vegetação”, Figuras 4 e 5.
Delimitamos os espaços que seriam observados com
estacas e barbante. O experimento constituiria em regar as
áreas escolhidas com a mesma quantidade de água duas vezes
ao dia, por duas semanas, simulando a chuva. Uma régua seria
utilizada como medida para verificar mudanças visíveis da terra,
caracterizando assim um processo de erosão.

Figura 4. Solo 1 – sem vegetação.

Figura 5. Solo 2 – com vegetação.

277
Parte 3

Para registrar nossas observações, utilizamos uma tabela


individual e um diário de bordo coletivo, como mostra a Figura 6.

Figura 6: Registro coletivo.

Em atividade na sala de aula, os registros das observações


ocorridas no dia anterior eram retomados pelo professor
antes da classe sair para realizar suas novas observações. Esta
dinâmica pode favorecer o incremento dos textos do que era
observado pelos alunos. Nos registros iniciais ficou evidente
que vários alunos ainda não se identificavam como autores do
fato observado, pois escreviam na coleta de dados: “a professora
disse”, “meu colega falou que ali aconteceu isso”. A visão pessoal
do aluno no dado observado foi um aspecto que aos poucos foi
sendo trabalhado no sentido de apoiar os alunos a explicitarem
suas próprias reflexões e a se identificarem como autores do que
estavam documentando.
Além de possibilitar o exercício da produção e expressão
textual e a representação gráfica, este trabalho também envolveu
a exploração de conteúdos matemáticos como o cálculo de
perímetro e área. Após as observações e registro de dados do
experimento, ocorriam momentos de reflexão e socialização com
o grupo em uma mesa redonda disposta fora de sala de aula
(vide Figura 2).

278
Capítulo 10

AS HIPÓTESES DOS ALUNOS E SUAS OBSERVAÇÕES AO LONGO


DO EXPERIMENTO

“O que vai acontecer com os nossos terrenos? Vai mudar alguma


coisa?” Essas foram as perguntas que lancei para que os alunos
refletissem sobre nosso problema e levantassem hipóteses.
Analisando as respostas de todos, as mais reincidentes foram:
“Vai ficar do mesmo jeito”; “Não vai crescer grama”; “Vai formar
barro”.
Nessas respostas é interessante observar que alguns
alunos não conseguiam prospectar o que poderia ocorrer, outros
apontavam possíveis impactos em relação à vegetação e outros
em relação ao solo. Ou seja, mesmo atrelando o contexto de
aprendizagem a um espaço diariamente habitado pelos alunos,
necessariamente não há uma constatação imediata do que ocorre
no dia a dia e os impactos que causam, por exemplo, a chuva, o
vento, o movimento contínuo das pessoas no solo, etc.
As Figuras 7 e 8 ilustram a irrigação do solo, os alunos
observando e elaborando seus registros:

Figura 7. Solo 1 - sem vegetação.

279
Parte 3

Figura 8. Solo 2 - com vegetação.

Após uma semana de rega diária, as crianças fizeram as


seguintes observações: “Cada vez que molhamos, a água leva um
pouco de terra.”; “Apareceram pedras, elas estavam embaixo da
terra que escorreu.”; “Formaram alguns buraquinhos“; “Cada dia as
poças são maiores.”; “Quanto mais molhamos, mais rápido a água
penetra porque a terra está mais fofa”; “A água penetra na terra
mais devagar e escorre menos”; “As poças são pequenas”; “A raiz
da grama não deixa a água passar.”.
Este é um ponto importante na metodologia ABInv: alunos
mobilizados por um questionamento, realizando um experimento
no qual podem testar variáveis e fazer suas próprias observações.
Assim, neste cenário de investigação, atentamos a este outro
ponto importante desse tipo de trabalho: a necessidade de
registrar o máximo possível os dados coletados para que as
conclusões tivessem respaldo. Utilizávamos tabelas nas quais os
alunos registravam suas observações, uma para cada tipo de solo
investigado (Tabela 1). Também utilizamos fotografias, registro
de relatos orais e escritos.

280
Capítulo 10

Tabela 1 – Instrumento utilizado para registro de dados pelos alunos.

Tabela para o registro diário

NOME:_______________________________________________ 4º ANO______

INVESTIGAÇÃO - SOLO X EROSÃO

SOLO 1 = SEM VEGETAÇÃO

DATA
Houve erosão?
O solo absorveu toda água?
O solo demorou para absorver toda água?
Criou uma poça?
Escorreu toda água?
Houve chuva?
Observe as medidas da régua.

Observações gerais:

Após o período de uma semana, quando anotamos as


primeiras observações, o experimento avançou para a segunda
semana. Os alunos permaneciam interessados, ávidos a per-
ceberem as modificações que aconteciam nos dois terrenos
delimitados.

OBSERVAÇÃO DOS ALUNOS APÓS DUAS SEMANAS.

Duas semanas foram programadas para realizar a investigação.


Foi gratificante constatar a alegria das crianças ao identificarem
os resultados do experimento em andamento. As Figuras 9
e 10 ilustram os alunos interagindo e coletando dados nos
experimentos realizados. Ao lado das figuras, estão dispostas
frases que ilustram as observações realizadas pelos alunos nesta
fase da investigação.

281
Parte 3

Registros com observações


dos alunos (Figura 9)
“Está aparecendo muitas pedras.”
“A terra está mais arenosa e branca.”
“A terra está quebrando.”
“Está aparecendo a marcação da
régua: 5 mm.”
“Dentro da terra tem raiz que suga a
água que fica na poça.

Figura 9. Solo 1 - sem vegetação.

Registros com observações


dos alunos (Figura 10)
“A água para na grama e escorre de-
vagar, é a raiz da grama que faz isso“.
“A grama não deixa toda água ser
absorvida.”
“A grama suga a água.”
“Tanto o solo sem grama e com grama
tem raiz que suga a água como se
fosse uma boca.”
“A marcação da régua apareceu
1 mm”.

Figura 10. Solo 2 - com vegetação.

Na segunda semana, faltando três dias para finalizar


as observações, começaram aparecer novidades no solo sem
vegetação: o terreno mudou de cor, ficou mais arenoso, apa-
receram muitas pedras e a régua demarcava que a terra
abaixou cinco milímetros. Observando o solo com a vegetação,
foi engraçado que apenas no finalzinho do experimento os
alunos perceberam que a grama cresceu um pouco e ficou
mais verde.

282
Capítulo 10

A ANÁLISE DOS DADOS E CONCLUSÕES

Ao final das duas semanas de observação, dos dois tipos de solos


demarcados, os alunos identificaram mudanças como a erosão
de alguns centímetros no solo sem vegetação e, no solo com
vegetação, não houve erosão e a grama cresceu.
Segundo as crianças a erosão é um processo demorado,
elas perceberam isso na medição com a régua. Os alunos
entenderam que os problemas com o desgaste do solo estão bem
diante de nós e que eles mesmos podem cuidar do espaço que
estão inseridos. Conservar a vegetação ajuda na conservação do
solo. O mau uso dos espaços por parte dos alunos ao escalarem
os barrancos ao invés de utilizarem as escadas, foi outro fator
relevante para desgaste do solo. As crianças perceberam que,
somados a esses fatores, uma chuva constante agravou as
condições do solo, que passou a perder terra, apareceram pedras
e houve mudança da cor nas áreas demarcadas no experimento
(terra mais escura no solo sem vegetação e grama mais verde no
solo com vegetação).
A erosão, embora seja um processo demorado, é um
fator prejudicial ao planeta e, por isso, as crianças sugeriram que
poderiam colocar placas de alerta na escola onde tem gramado,
preparar e distribuir panfletos para as outras salas, bem como
palestras ministradas por elas no sentido de informar e alertar
os alunos da escola sobre um problema que está tão próximo de
todos nós.

MINHAS REFLEXÕES E CONCLUSÕES – VOZ DO PROFESSOR

A intenção de meu trabalho foi partir de um contexto da escola e


do cotidiano dos alunos para configurar um cenário prático com
condições reais de experimentação no qual os alunos pudessem
atuar e fazer suas observações. A ênfase foi dar sentido ao
conhecimento baseado na busca de relações entre os fenômenos
naturais e sociais. Nesta investigação foi possível promover a
transversalidade entre as disciplinas, pois trabalhamos Ciências,
Língua Portuguesa, Geografia, Matemática e Artes por meio de

283
Parte 3

experimento, registro reflexivo, o objeto de pesquisa (o solo) e


os materiais (perímetro, área, tabela e medidas, a representação
através de desenhos).
O interesse e a participação dos alunos foram excepcionais,
houve um grande aprendizado no que diz respeito ao processo
da investigação, a elaboração de registros de dados com as
observações do grupo, a análise de tabelas que listavam as
medidas da régua e suas próprias conclusões sobre a ocorrência
ou não da erosão. Mesmo assim, algumas crianças ainda dão
explicações que demonstram que, devido ao seu estágio de
desenvolvimento, um artificialismo infantil se faz presente. Digo
isso por um fato que chamou minha atenção: a resposta de três
alunos que afirmaram que “a terra tem raiz, uma raiz que fica
dentro, bem no meio, e suga a água como se fosse uma boca”.
Essa “artificialização” de fenômenos naturais demonstra que,
para algumas crianças dessa faixa etária, mesmo participando
do experimento diariamente, ainda é difícil chegar a conclusões
menos fantasiosas.
O trabalho com investigação científica na escola faz
com que o aluno se torne a peça principal no processo de
aprendizagem, abre espaço para discussão, busca de respostas
e socialização das conclusões. O apoio de recursos tecnológicos
também contribui para que o processo de aprendizagem seja
mais estimulante e eficaz. Percebo, também, que este é um
processo que não acaba, pois muitas conclusões as quais os
alunos chegaram ainda deixaram em aberto outras questões
sem respostas. E, assim, poderíamos explorá-las e desenvolver
outras investigações. Foi interessante também observar que esta
vivência incrementou dinâmicas de trabalho realizadas na escola
de forma a demandar um comportamento bem mais ativo do
aluno no seu processo de aprendizagem: colocando no papel
suas perguntas, questionamentos, registrando dados em uma
tabela, anotando suas observações e fazendo reflexões. Quando
uma criança tinha um pouco mais de dificuldade em fazer o
registro, algum colega interagia como, por exemplo: “Não é aqui
ó... Mas eu não vi aquilo... Vai lá pertinho que você vai ver... Ah!
agora eu tô vendo”.

284
Capítulo 10

Assim, no meu ponto de vista, o interesse e a participação


dos alunos foram excepcionais: Eles participavam, colaboravam,
havia divisão de tarefas para realizar o experimento, houve grande
aprendizado. Em alguns dias, quando atrasava um pouquinho a
realização do experimento, logo os alunos perguntavam: “Hoje
nós não vamos lá ver o experimento, professora? Não vamos
medir, não vamos molhar?”. E eu logo dava o retorno: “Vamos
sim, a gente só está atrasado um pouquinho”.
É interessante ter referências sobre o que as crianças
pensam ao longo do processo de investigação, suas observações,
hipóteses e justificativas em relação ao fenômeno que observam
e como há um processo dinâmico em constante transformação.
Assim, pude constatar falas bem marcantes, como, por exemplo:
“a terra está quebrando, está quebrando mesmo, começa a ficar
que nem uma bolachinha” ou ainda “a raiz está sugando a água,
por isso que não está escorrendo”.
A realização da investigação em espaços externos à
sala de aula gera um cenário dinâmico, com as crianças se
movimentando, trabalhando em grupos, manuseando materiais
para coleta de dados, tais como régua, caderno e laptop. Como
tudo era combinado antes, em sala de aula, não havia muito
tumulto nas atividades realizavas ao ar livre. Estas atividades
possibilitaram a interação com alunos de outras salas e também
com os funcionários da escola. Em várias dessas interações deu
para perceber que há o interesse da comunidade escolar por este
tipo de trabalho. Crianças menores, dos primeiros e segundos
anos, falavam: “será que quando a gente tiver no quarto ano a
“prô” vai fazer isso também?”. As cozinheiras e merendeiras
buscavam saber o que os alunos estavam fazendo. Mas o que
mais me chamou atenção foi o envolvimento de um senhor que
trabalha na escola cuidando do portão, da entrada e saída dos
alunos, pais e funcionários. Várias vezes quando estava com
minha turminha encaminhando a investigação na escola, via o
senhor “Dito” lá no meio, ouvindo, olhando e participando. Aos
poucos este profissional foi se envolvendo com o problema de
erosão do solo da escola, trazendo plantas e fazendo um tipo de
“reflorestamento” na escola.

285
Parte 3

Enquanto realizava esse tipo de trabalho na escola, percebi


que meus colegas também ficavam curiosos e às vezes entravam
na minha sala para ver o que estava fazendo. Há interesse por
esta dinâmica de trabalho, mas há também o receio de não “dar
conta” do conteúdo programático.
Sem dúvida, há um processo de apropriação e de
reformulação de fazeres em sala de aula. Posso dizer que eu
estou construindo isso. Uma coisa que eu consigo fazer hoje, e
a proposta do ABInv tem me ajudado muito nessa evolução, é
conseguir realizar uma investigação científica sem prejudicar a
grade curricular que deve ser cumprida.

A VOZ DO PESQUISADOR

O Experimento desenvolvido pelo 4º ano possibilitou


alguns encontros interessantes. O primeiro deles foi entre o
assunto tratado no livro didático de Ciências - Solo, Erosão,
Vegetação e Clima - e um problema real no espaço da escola: a
erosão dos barrancos.
Por ter sido um experimento realizado fora da sala de
aula, no espaço comum a todos, também proporcionou o
encontro de grupos de crianças com olhares curiosos, fazendo
perguntas. Na época em que os alunos do 4º ano andavam pela
escola buscando o melhor local para delimitar o solo que seria
escolhido para o experimento, o porteiro se interessou pela
atividade e se prontificou a ajudá-los a cercar um espaço: outro
encontro valioso que proporcionou trocas de experiências entre
eles enquanto o senhor batia as estacas no solo seco e duro.
Esta investigação trouxe a possibilidade dos alunos
observarem (e agora com olhos de “cientistas”) o espaço em que
circulam diariamente. A opção de usar o próprio terreno do pátio
ao invés de fazer uma simulação dele no laboratório, por exemplo,
fez toda a diferença. Comparar as fotos de erosão que buscaram
na internet com o que viam ali, aproximou uma realidade distante
em que eles vivem, a uma realidade bem debaixo de seus pés!

286
Capítulo 10

Controlar as variáveis não foi fácil. Tínhamos dúvidas se a


simulação da chuva era verossímil e se as crianças conseguiam,
de fato, medir o escoamento da terra com uma simples régua
escolar. Mas isso não foi tão importante, pois o que marcou a
experiência desse grupo foi a possibilidade de interferir no
espaço físico em que habitam, dar sentido ao que estudam nos
livros e assistem na televisão e, sobretudo, propor mudanças.
Foi uma pena não ter havido tempo para que desenvolvessem
atividades de conscientização dos colegas para uso adequado
das áreas verdes da escola, era o que gostariam de ter feito. Como
são crianças curiosas e determinadas, espero que as possíveis
mudanças que ocorrerão nos terrenos que delimitaram, durante
o período de férias escolares, sejam o estímulo que precisam
para dar continuidade ao experimento.

287
Capítulo 11 - Descobrindo sobre
o corpo, a alimentação e a saúde
Gisele Flávia Alves Oliveira Giachetto1, Valéria Alves dos Santos
Salgado2 e João Vilhete Viegas d’Abreu3

INTRODUÇÃO

Faz parte da prática pedagógica das Unidades Educacionais


da Rede de Campinas a elaboração, no início do ano letivo, do
Projeto Político Pedagógico, no qual a equipe docente e gestores
delineiam os eixos temáticos que serão trabalhados em cada
trimestre. No coração deste projeto está o currículo da escola.
Na EMEF. Professora Elza Maria Pellegrini de Aguiar, o currículo
é desenvolvido por “Eixo Temático”, que utiliza como referência
Pistrak (1981) e Paulo Freire (1987), dentre outras teorias. Para
Pistrak (1981) evidencia que a escola, além de ser um lugar para
estudo de conteúdos, também desenvolve o aprendiz para o
mundo social e o trabalho. Com isso, demonstra que, tanto na
prática educativa como na prática social, há dimensões a serem
alcançadas pelos aprendizes que vão além dos muros da escola.

Um dos princípios a ser considerado pelas Diretrizes
Curriculares (CAMPINAS, 2012) é a promoção de uma postura
investigativa do aluno, proporcionando-lhe situações didáticas
planejadas que contribuam para o desenvolvimento de novos
conhecimentos. Neste contexto, abordagens interdisciplinares,
pesquisas a partir de temas geradores, estudo do meio e tantas
outras propostas metodológicas que promovem o espírito
investigativo, devem ser analisadas e incentivadas junto aos
professores. Muitas reflexões de Vygotsky (2001) também
foram trazidas para a esta Diretriz Curricular, mesmo porque,
para Vygotsky (2001), a escola tem papel fundamental no
desenvolvimento humano. Para além da família, a escola promove

1 Professora do Ensino Fundamental da EMEF Professora Elza Maria Pellegrini de Aguiar.


2 Professora do Ensino Fundamental da EMEF Professora Elza Maria Pellegrini de Aguiar.
3 Pesquisador do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/UNICAMP).
Parte 3

aprendizagens da vida em grupo e constitui-se num lugar


específico para que as crianças, jovens e adultos sistematizem
conhecimentos, principalmente por meios dos chamados
conceitos científicos.
Neste contexto, no terceiro trimestre do ano 2013, na
Escola Elza, o tema gerador foi “Diversidade Cultural”. Para
trabalhar este tema, nós do 5º ano realizamos um estudo sobre
diferentes culturas pensando nos alunos cujos familiares são
oriundos de diversas regiões do país. Durante o estudo, a cultura
alimentar de cada região chamou a nossa atenção e resolvemos
nos aprofundar no assunto, já que “Alimentação e Saúde” era um
dos componentes curriculares a ser desenvolvido no quinto ano,
de acordo com as Diretrizes de Campinas.
No momento do estudo deste componente curricular, em
função da Escola Elza ser participante do Projeto Um Computador
por Aluno (UCA) e também do projeto Aprendizagem Baseada
na Investigação (ABInv), foi possível, do ponto de vista de
sala de aula, o desenvolvimento de atividades práticas de
pesquisa, interessantes para a compreensão do problema
“Alimentação e Saúde”. Essas atividades de pesquisa envolveram
aspectos metodológicos de uma investigação científica, tais
como: definição de um tema a ser investigado; elaboração de
perguntas para a investigação; levantamento de hipóteses sobre
o problema investigado; definição de variáveis (dependentes
e independentes) que podem interferir no resultado de uma
experiência; elaboração do experimento; conclusões sobre o
processo de investigação realizado.
Neste contexto, “Alimentação e Saúde” foi definido como
o tema a ser estudado e passou a ser discutido e trabalhado numa
abordagem baseada na investigação científica, na qual alunos e
professoras, juntos, atuaram como pesquisadores construindo
seus próprios conhecimentos educacionais (Zeichner, 2001). Este
trabalho foi desenvolvido com as turmas de 5º ano A (29 alunos)
e B (29 alunos) da Escola Elza com a colaboração do pesquisador
João Vilhete, do NIED/UNICAMP, envolvendo um conjunto
de atividades. A seguir está descrito um breve histórico deste
processo e as etapas de todo este desafio.

290
Capítulo 11

BREVE HISTÓRICO DO PROCESSO DA INVESTIGAÇÃO NAS


TURMAS A E B

Na escola Elza são desenvolvidas atividades conjuntas na ten-


tativa de se trabalhar numa abordagem de “Ciclos de Aprendi-
zagem”, implantada desde 2006 pela Secretaria Municipal da
Educação. A proposta é que o currículo seja construído a partir
da definição coletiva dos temas que representem os problemas,
ocorrendo de forma transversal às disciplinas curriculares. Desta
forma se pensava em uma proposta menos excludente, na qual,
por um lado, o aluno pudesse ter maior tempo de aprendizagem
e a escola, por outro lado, novas formas de organização
do trabalho pedagógico. As atividades eram realizadas
entre as duas turmas de 5º ano. Segundo Freitas (2004), as
propostas pautadas pela organização em ciclos se diferenciam
das outras, pois:

“os ciclos propõem alterar os tempos e os espaços


da escola de maneira mais global, procurando ter
uma visão crítica das finalidades educacionais da
escola. Está em jogo mais do que simplesmente
liberar fluxos, ou sair-se bem em avaliações de
sistema ou, ainda, tirar a avaliação formal juntando
séries em planejamentos plurianuais. Eles são
mais que uma modernização – conservadora”.
(FREITAS, 2004, p. 11).

Neste contexto, com base na ideia de investigação


científica, inicialmente nos reunimos no laboratório de informática
(maior espaço da escola) com os alunos dos quintos anos A e B
e pedimos para que pensassem em questões que gostariam de
investigar sobre o tema “Alimentação e Saúde”, como mostra a
Figura 1.

291
Parte 3

Figura 1. Alunos dos 5ºs anos A e B reunidos para o início da investigação.

Numa primeira reunião em forma de debate, discutimos


sobre quais seriam os assuntos que poderiam ser tratados
em termos de “Alimentação e Saúde”. Dessa reunião surgiram
somente ideias. Na segunda reunião os alunos trouxeram um
conjunto de perguntas e foram selecionadas algumas delas. Na
terceira reunião, com base nas perguntas selecionadas, foram
levantadas hipóteses sobre como testar aquelas perguntas.
A seguir será descrito em detalhe o processo de investigação
dessas turmas envolvendo as etapas: elaboração e seleção de
perguntas; levantamento de hipóteses; definição de variáveis
dependentes e independentes; realização do experimento;
outras contribuições para estudo do tema; registro de dados;
reflexões e análise de dados e, por fim, conclusões sobre o
processo de investigação.

292
Capítulo 11

ELABORAÇÃO DE PERGUNTAS DE INVESTIGAÇÃO

Numa primeira fase do processo, as perguntas elaboradas


pelos alunos se relacionavam com o nível de conhecimento
inicial que possuíam e com o que lhes interessava saber sobre o
tema “Alimentação e Saúde”. Foram elaboradas pelos alunos as
seguintes perguntas:

1. Quantos tipos de alimentos existem no mundo?


2. Quais os tipos de alimentos que as crianças podem comer
todos os dias?
3. Quais alimentos trazem perigos para a saúde?
4. Quais alimentos causam depressão?
5. Quais os alimentos que combatem o colesterol?
6. Por que o sal faz mal a saúde?
7. Quais alimentos combatem a depressão, dor no corpo e
dor de garganta?
8. O alimento que tem gordura também tem outros nutri-
entes?
9. Que combinação de alimentos faz a gente ter dor de
barriga?
10. Quais alimentos causam espinha?
11. Os alimentos ácidos são nutritivos?
12. Há diferença na gordura animal e vegetal?
13. Por que a gordura faz a gente passar mal?
14. Quem não faz uma dieta balanceada, pode ter quais
órgãos prejudicados?
15. De onde vem o açúcar?
16. O que é gordura?
17. O que é açúcar?
18. Qual alimento causa ferida na boca?
19. O que tem no açúcar que faz mal a saúde?
20. Quais alimentos entopem o coração?
21. Quais alimentos deixam o intestino preso?
22. Qual alimento provoca diabetes?
23. Do que é feito o hambúrguer?
24. Qual alimento abaixa a pressão alta?

293
Parte 3

25. Quais alimentos ajudam no nosso crescimento?


26. Têm alimentos que adiantam a menstruação?
27. O que tem na “coca cola” que faz mal a saúde?
28. Quais alimentos geram energia no dia a dia?
29. Pimentão faz bem a saúde?
30. Qual a diferença de arroz branco e integral?
31. Como o alimento chega até o estômago?
32. O que acontece com o alimento no estômago?

Dado a amplitude da temática “alimentos e saúde”, os


questionamentos dos alunos também expressam a diversidade
de dúvidas ou de articulações, como: alguns buscam referências
de quais alimentos existem e de como são classificados, quais são
os componentes dos alimentos (sal, gordura, nutrientes), o que
é saudável para ser ingerido em uma alimentação diária, o que é
benéfico ou prejudica a saúde, que correlações há entre alimentos
e problemas no organismo (como colesterol, depressão, dores
no corpo, etc.).
Pode-se observar da indagação destes alunos, perguntas
muitas vezes relacionadas com o seu cotidiano, com a vida familiar.
Eles tinham interesse de tentar descobrir algum problema de
ordem médica, como: pressão alta do pai, obesidade do irmão,
diabetes da avó, e muitas outras perguntas que ouviam em casa
com seus familiares. Entretanto, estas perguntas tinham que ser
olhadas sob a ótica do tema em estudo, que é “Alimentação
e Saúde”. Ficou notório que os questionamentos dos alunos
estavam relacionados ao tema em estudo, porém, dada a
amplitude dos conteúdos envolvidos, houve a necessidade de
estabelecer um recorte, mas também buscando estabelecer
vínculos com a vida deles.

SELEÇÃO DE PERGUNTAS DE INVESTIGAÇÃO

Na segunda fase, das 32 perguntas originariamente elaboradas,


nós, professoras e alunos, decidimos investigar as duas últimas:
“Como o alimento chega até o estômago?” e “O que acontece com
o alimento no estômago?” Essa decisão se deveu ao fato de que

294
Capítulo 11

estas perguntas, do ponto de vista do currículo do 5º ano e à luz


da aprendizagem baseada na investigação, tratarem-se das que
denotavam passíveis de serem investigadas experimentalmente.
Porém, tínhamos que pensar em um experimento para testar essas
perguntas. Naquele momento, no debate, os alunos disseram que
no estômago havia um líquido importante, mas não sabiam a sua
função. A discussão continuou e o debate passou a ser conduzido
no sentido de identificar o que seria este líquido e o seu nome. Isso
nos levou a investigar o funcionamento do estômago e o papel
que o suco gástrico exerce no processo digestivo, e a pergunta
final ficou assim: Por que o suco gástrico é necessário? Com base
nesta pergunta, iniciamos um levantamento de hipóteses que
pudessem nos levar a uma resposta.

LEVANTAMENTO DE HIPÓTESES DE INVESTIGAÇÃO

Na aula seguinte, nos reunimos novamente para discutir sobre a


pergunta “Por que o suco gástrico é necessário?”, e as seguintes
hipóteses foram levantadas:

1. Porque separa o que é bom para o corpo ter saúde.


2. Ele ajuda a digerir os alimentos.
3. Ele desintegra o alimento que chega em pedacinhos e
transforma em gases.
4. Dissolve e separa os nutrientes, o que é bom vai para o
sangue.
5. Esse suco serve para limpar as coisas que ficam no
intestino delgado e grosso.
6. O suco gástrico dissolve e manda os nutrientes para o
sangue.
7. Ajuda a absorver a gordura e por isso que dá doenças.
8. Limpa todo o resto de comida do estômago.

Dentre as hipóteses levantadas, nós, professoras e alu-


nos, decidimos escolher a de número 2 “Ele ajuda a digerir os
alimentos” que, pelos conhecimentos prévios do grupo, é a que
mais se aproximava da resposta que pretendíamos. Sendo assim,

295
Parte 3

combinamos de fazer um experimento simulando o estômago


para testar esta hipótese.

DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS DEPENDENTES E INDEPENDENTES

O experimento consistiu em simular o movimento peristáltico do


estômago a partir do uso de suco de abacaxi, para simular o
suco gástrico, e alimentos diversos para demonstrar o processo
de digestão. O propósito de manipular e medir as variáveis num
experimento é captar causalidade (relação entre causa e efeito).
Por se tratar de uma simulação do funcionamento do estômago,
na qual interferem diversas variáveis, foi preciso definir as que
seriam dependentes e independentes no experimento. Para
simular a digestão, os materiais usados no experimento foram
os seguintes alimentos: bolacha “água e sal”, carne bovina cozida
e banana, e como suco gástrico o suco natural de abacaxi.
Definimos como variáveis independentes a bolacha “água e sal”,
a carne bovina cozida e a banana, e, como variável dependente,
o tempo que o alimento leva para se dissolver. Partimos do
pressuposto de que as variáveis independentes são responsáveis
pelas possíveis causas e as variáveis dependentes sinalizam os
efeitos. Além disso, duas variáveis podem ter altíssima correlação,
mas não necessariamente uma é causa da outra.

REALIZAÇÃO DO EXPERIMENTO

Antes de realizarmos o experimento com os alunos, por ques-


tões didático-metodológica nós, as professoras, realizamos
uma atividade de preparação, que podemos chamar de pré-
experimento, que consistiu em consultar em diferentes livros e
na internet alguns vídeos sobre o funcionamento do estômago.
Também conversamos com uma professora de Ciências que
trabalha na escola, a respeito de como fazer o experimento, quais
materiais usarmos e qual seria o melhor ácido para utilizar na
simulação (limão, vinagre ou suco de abacaxi). Ela nos orientou a
usar o suco de abacaxi porque contém enzimas e se parece mais
com o suco gástrico. Fizemos uma pequena lista desses materiais

296
Capítulo 11

e testamos o experimento alguns dias antes de colocarmos em


prática com os alunos, pois só assim teríamos segurança de que
tudo daria certo, como planejamos.
Decidimos partir para o experimento iniciando o trabalho
com grupos de quatro e cinco alunos. O material usado foi: saco
plástico para comida congelada (simulando o estômago), suco
natural de abacaxi (suco gástrico), bolacha “água e sal”, banana
e carne bovina cozida (alimentos). Cada aluno ficou responsável
por um trabalho: o primeiro aluno colocava os alimentos em
pedacinhos, um por vez, no saquinho com o suco natural de
abacaxi; o segundo apertava o saquinho, como se fossem
movimentos peristálticos; o terceiro cronometrava o tempo de
dissolução de cada alimento; e o quarto aluno fotografava o
experimento utilizando o laptop. Veja na Figura 2 o momento
deste experimento4: os alunos apertando o saquinho (estômago)
e observando o alimento dissolvido.

Figura 2. Fotos dos alunos no momento do experimento.

4 Produzimos um vídeo sobre o experimento realizado que pode ser acessado no link:
http://www.youtube.com/watch?v=eRxGDDY3PmU

297
Parte 3

O trabalho desenvolvido por meio da Aprendizagem


Baseada na Investigação sugere um ambiente em que os alunos
podem se organizar em grupos nos quais todos tenham uma
função importante, uma responsabilidade atribuída, autonomia
para tomar decisões e, ao mesmo tempo, certa liberdade para
se movimentar e organizar seu trabalho. De acordo com Demo:

“Transformar a sala de aula em local de trabalho


conjunto, não de aula, é uma empreitada desafia-
dora, porque significa, desde logo, não privilegiar o
professor, mas o aluno como, aliás, querem as teorias
modernas. Este deve poder se movimentar, comunicar-
se, organizar seu trabalho, buscar formas diferentes
de participação, a par de também precisar de silêncio,
disciplina, atenção nos momentos adequados [...] Em
vez de carteira individual, provavelmente seria me-
lhor mesas redondas. Em vez do silêncio obsequioso,
seria possível o barulho animado de um grupo inte-
ressado em realizar questionamentos reconstrutivos.”
(DEMO, 2011, p. 22).

Durante o experimento, os alunos conversavam sobre


cada etapa realizada trocando ideias e testando o melhor jeito
de segurar o saquinho, pegar os alimentos, tirar a foto, registrar
as observações do grupo e marcar o tempo. A Aprendizagem
Baseada na Investigação favorece que aluno e professor produzam
conhecimento próprio, naturalmente.

OUTRAS CONTRIBUIÇÕES PARA ESTUDO DO TEMA

Para enriquecer o trabalho, marcamos uma palestra com as


nutricionistas do CEASA para que falassem um pouco sobre
alimentação saudável, pois, ao observar o horário do lanche,
notamos que a maioria dos alunos jogava muita comida no
lixo, outros alunos ficavam sem comer ou comiam salgadinhos
que traziam de casa. Aproveitamos também para estudar
os nutrientes necessários para a nossa vida e as doenças que
poderíamos desenvolver na falta de alguns desses nutrientes.
Pedimos que alunos anotassem as perguntas que gostariam

298
Capítulo 11

de fazer para as nutricionistas e depois registramos no quadro


negro, coletivamente, um questionário com essas questões:

1. De quanto em quanto tempo devemos comer?


2. O que podemos comer no lugar do peixe?
3. Como deve ser a dieta de um atleta?
4. Se uma pessoa precisa emagrecer, ela pode comer frutas
a vontade?
5. O que devemos comer na adolescência?
6. Se nós tivermos excesso de nutrientes, o que pode acon-
tecer?
7. Têm alimentos que previnem o câncer? O que deixa o
açúcar branco?

Durante a palestra, que foi mais uma conversa, cada


aluno fez uma pergunta, porém muitas outras apareceram no
decorrer desta aula. Nós, professoras, também aproveitamos
para tirar algumas dúvidas que nos interessavam a respeito de
alimentação saudável. As nutricionistas apresentaram um pôster
com a pirâmide alimentar e um kit com informações sobre a
quantidade de gorduras que contém nas bolachas recheadas e
a quantidade de açúcares nos refrigerantes. No final os alunos
construíram sua própria pirâmide alimentar, recortando e colando
figuras de alimentos baseados no que aprenderam com a aula.
No outro dia, eles escreveram o que aprenderam e, no momento
do lanche, percebemos que os alunos comentavam sobre os
nutrientes contidos no prato, demonstrando o conhecimento
que haviam adquirido com o estudo em geral. Nesse sentido
Pedro Demo diz que:
Ser professor é substancialmente saber “fazer o
aluno aprender”, partindo da noção de que ele é
a comprovação da aprendizagem bem sucedida.
Somente faz o aluno aprender o professor que
bem aprende [...] A aprendizagem adequada é
aquela efetivada dentro do processo de pesquisa
do professor, no qual ambos - professor e aluno -
aprendem se sabem pensar e aprendem a aprender.
(DEMO, 2004, p. 80).

299
Parte 3

Como última atividade nós assistimos a dois vídeos,


anteriormente pesquisados, que evidenciam o trajeto do alimento
no estômago e o funcionamento do mesmo, links indicados nas
Figuras 3 e 4.

Figura 3. Funcionamento do sistema digestório.

Link: http://www.youtube.com/watch?v=Ii1BqYbtqpU

Figura 4. A digestão de um jeito que você nunca viu.

Link: http://www.youtube.com/watch?v=Om2i0zInP00

O primeiro vídeo mostrou o funcionamento do estômago


por dentro do ser humano, o caminho do alimento até chegar
ao intestino grosso. O segundo vídeo mostrou a mesma coisa
do primeiro, porém Beakman (personagem que é um cientista)
demostrou o caminho que o alimento faz por meio de um
boneco que tinha todos os órgãos responsáveis pelo processo da

300
Capítulo 11

digestão. Após os vídeos, no momento do debate, alguns alunos


relataram que a digestão não acontece apenas no estômago,
como haviam pensado, e sim continua no intestino delgado.
Durante a apresentação dos vídeos o silêncio tomou
conta da sala, principalmente no segundo (Mundo de Beakman)
sobre o funcionamento do estômago e a digestão. Alguns alunos
pediam para passar novamente, pois haviam perdido informações
que gostariam de anotar. Eles registravam em uma caderneta
ou caderno usado em sala de aula. Nós, professoras, pudemos
observar que mesmo os alunos mais agitados e também os
menos interessados pelo estudo estavam assistindo os vídeos
sem atrapalhar o trabalho.

REGISTRO E ANÁLISE DE DADOS

Após o experimento, que possibilitou simular o movimento


peristáltico do estômago a partir do uso de suco de abacaxi, cada
grupo expôs suas observações no coletivo e construímos juntos,
na lousa, uma tabela com o tempo que cada alimento levou para
se dissolver. Observamos que os grupos apresentaram tempos
diferentes e fizemos uma média do tempo de cada alimento:
bolacha “água e sal” (de 1 minuto a 1 min e meio), banana (de
30 a 40 segundos), carne bovina cozida (de 3 a 4 minutos) como
mostram as Figuras 5 e 6.

Figura 5. Tabela feita no quadro coletivamente sobre o experimento.

301
Parte 3

Figura 6. Registro feito coletivamente sobre a média de tempo que os


alimentos levaram para se dissolver.

Os alunos registraram suas descobertas no processador de


texto do laptop e posteriormente descreveram o experimento por
meio de diversos recursos tecnológicos como: slides, utilizando
as fotos que tiraram; gráficos; desenhos no Tux Paint; animações
no Scratch; relatórios no processador de texto. Destacaremos a
seguir, nos Quadros 1 e 2, e nas Figuras 7, 8, 9, 10 e 11, exemplos
destes formatos de trabalhos de conclusão do experimento:

Quadro 1 - Trechos de relatórios de alunos sobre o experimento.


“No dia 13 de setembro de 2013, nós, alunos do 5º ano B, fizemos uma
experiência que era a simulação de uma digestão, tinha saquinho que re-
presentava o estômago, o suco de abacaxi que representava o suco gástrico
e os alimentos: bolacha, carne e banana. A primeira etapa foi a seguinte:
nós colocamos a bolacha e começamos a apertar, no meu grupo tinha cinco
funções, era assim: a Yasmin apertava o saquinho, o José anotava, a Camila
cronometrava, a Laura colocava os alimentos no saquinho, e eu tirava as
fotos.” (Larissa)

“A observação foi de que no meu grupo a Eduarda teve que segurar o saqui-
nho em cima para a Fabrielli apertar a carne e também tivemos dificuldades
para amassar a bolacha, pois seus pedaços iam para todo lugar e a outra
observação foi a média de tempo para dissolver: bolacha - de 1 minuto a
1 minuto e 30, banana - de 30 a 40 segundos, carne - de 3 a 4 minutos.

302
Capítulo 11

A conclusão foi de que a banana foi a mais fácil, a mais difícil foi a carne,
pois ela é mais durinha e tinha nervos e a bolacha um pouco difícil porque
as partes iam para todo lado. E não podemos esquecer de que para essa
experiência dar igual, certinha, tinha que ser feita como uma máquina repre-
sentando o estômago.” (Ana Clara)

“Observei que cada grupo disse uma coisa diferente, no meu grupo a ba-
nana foi bem rápido, no grupo da Millena a banana escorregava na hora de
apertar porque é lisa, no grupo do Vitor teve que fazer mais força na hora
de amassar a carne, no grupo da Fabrielli tinha nervos em alguns pedaços
da carne, no grupo do Hudson a banana foi a mais demorada e o grupo da
Rebeca a bolacha foi a mais demorada.” (Camila)

Os trechos de alguns relatórios apresentados no Quadro 1


relatam as etapas do experimento, as funções de cada aluno no
grupo e as observações feitas por eles. Notem que um grupo
relatou que teve dificuldades para apertar o saquinho precisando
de ajuda. Ainda, na frase “E não podemos esquecer de que para
essa experiência dar igual, certinha tinha que ser feita como
uma máquina representando o estômago”, entendemos que
a aluna quis dizer que o experimento foi uma demonstração e
que o resultado depende da força que cada um tem ao apertar
o alimento. Então cada experimento apresentou um tempo
diferente e para ser igual o estômago teria que ser uma máquina,
assim o resultado seria mais aproximado do real.
Outra aluna observou que os resultados apresentados no
debate após o experimento foram diferentes para cada grupo.
Neste primeiro relatório, os alunos se preocuparam em escrever
sobre o tempo que cada alimento levou para se dissolver e mais
adiante, em outra aula, eles registraram sobre a importância do
suco gástrico na dissolução dos alimentos na digestão.
O gráfico da Figura 7 representa o tempo que cada
alimento levou para se dissolver totalmente. Os alunos já estão
familiarizados com este recurso, poucos alunos precisaram de
ajuda para utilizar o aplicativo de edição de gráficos do laptop
UCA.

303
Parte 3

Figura 7. Gráficos sobre o tempo que cada alimento levou para se diluir.

Para a elaboração dos slides abaixo (Figura 8), os grupos


tiveram que reunir todos os registros e fotos para, juntos,
descreverem as etapas do experimento com suas conclusões.
Percebemos que os alunos criaram designs para o slide de
diferentes formas, utilizaram conhecimentos tecnológicos que já
possuíam e aprenderam outros com o grupo.

Figura 8. Slide feito em grupo descrevendo a resposta ao


questionamento: Por que o suco gástrico é importante?

304
Capítulo 11

Após assistirem os vídeos, outros alunos preferiram


desenhar no Tux Paint o caminho que o alimento faz no estômago
até chegar ao intestino grosso. Na Figura 9, o aluno registrou os
seguintes conhecimentos:

“Quando mastigamos os alimentos, eles descem para


o esôfago, que vai para o estômago e se encontra
com o suco gástrico, vai para o duodeno, encontra
com o suco pancreático, vai para o intestino delgado
onde os nutrientes são separados das coisas ruins e
saem pelo intestino grosso.”

Figura 9. Desenho de um aluno feito no Tux Paint,


após assistir o vídeo sobre como acontece a digestão.

Também registraram seus conhecimentos por meio


do Scratch fazendo animações diversas sobre os vídeos que
assistiram, a palestra e o experimento, como mostra a Figura 10.

305
Parte 3

Figura 10. Animação feita por um aluno, no Scratch, sobre o experimento


simulando o suco gástrico no estômago.

No Quadro 2, a seguir, trazemos trechos dos relatórios


feitos pelos alunos após a conversa com as nutricionistas que
cuidam da dieta nutricional de nossa escola. Eles relatam sobre
o que os alunos aprenderam como: os intervalos de tempo
necessários para nos alimentarmos, a importância do peixe
para nossa saúde e o que pode substituí-lo, como deve ser a
alimentação de um atleta, a energia necessária para cada pessoa,
o doce da fruta, o perigo do açúcar e a definição dos grupos
alimentares.

Quadro 2 – Trechos de Relatórios de alunos após a conversa com as nutricio-


nistas do CEASA.
“No mês de setembro duas nutricionistas do CEASA fizeram uma palestra
sobre o tema do nosso trimestre, que é alimentação e saúde. Elas falaram
que nós precisamos comer de 3 em 3 horas, mas tem que ser algum alimento
leve. Uma das coisas que são essenciais para o corpo é o peixe porque
contém ômega 3, outro alimento que substitui o peixe é a castanha do
Pará. Um atleta precisa de uma quantidade maior de KJ (quilojoules) que é
a energia que nosso corpo precisa, um homem precisa de mais energia que
a mulher, para um trabalho braçal o homem precisa de 20.000 KJ e a mulher
13.000 e para um trabalho intelectual homem 12.000 KJ e a mulher 9.000 KJ.

306
Capítulo 11

Elas também falaram que não podemos comer frutas exageradamente, pois
elas contêm frutose que é um açúcar natural que também faz mal em excesso,
um diabético deve comer frutas moderadamente por causa da frutose.
Quando somos crianças devemos tomar bastante leite porque ele contém
cálcio, que faz bem para os ossos, mas devemos beber moderadamente,
pois o leite também contém gordura. O açúcar que compramos no
supermercado não é muito bom, pois ele passou por um processo e perdeu
todos os seus nutrientes, o açúcar melhor é o açúcar mascavo que é natural.
Elas também falaram sobre a quantidade de açúcar que contém na Coca
Cola e na batatinha Rufles”. (Gabriel Dias)

[...] “A pirâmide alimentar tem quatro grupos: o 1º grupo é dos energéticos,


o 2º é dos reguladores, o 3º é dos construtores e o 4º é dos açúcares e
gorduras. Você sabia que a lata de refrigerante tem aproximadamente 37
gramas de açúcar, a bolacha recheada tem 30 gramas de gordura e 95
gramas de açúcar e o salgadinho de batata tem 38 gramas de gordura?
Impressionante, mas isso é a realidade” [...] (Yasmin)

Lendo os textos escritos pelos alunos, nós percebemos


o quanto este trabalho de investigação é atrativo e importante
no sentido de trazê-los para a construção de conhecimento,
pois os alunos não aprendem para a escola e sim para a vida.
Pensando nisto, Bagno comenta sobre a distância entre a
escola e a comunidade, e que devemos aproveitar e valorizar os
profissionais próximos do bairro para um trabalho em conjunto.
O autor cita aquela frase velha e verdadeira:

“A vida é a melhor escola”. Mostrar que a escola


é também um lugar privilegiado para troca de
informações, para intercâmbios de experiências, e
que o trabalho do professor tem um sentido prático,
objetivo, válido. Já no século I antes de Cristo o
filósofo sêneca lamentava, com amargura: Non vitae,
sed scholae discimus, isto é: “Não aprendemos para a
vida, mas para a escola”. Que tal contribuirmos para
acabar com essa situação deplorável? [....] a função
da escola é preparar um cidadão consciente de seus
deveres e de seus direitos, apto para levar uma vida
digna em uma sociedade!” (BAGNO, 2010, p. 58).

307
Parte 3

Na Figura 11, temos algumas imagens da palestra com as


nutricionistas que mostraram um kit contendo as quantidades
de açúcares e gorduras das bolachas recheadas e refrigerantes.
Após os questionamentos feitos pelos alunos, as nutricionistas
confeccionaram a pirâmide alimentar no Tux Paint, também
usando recorte e colagem.

Figura 11. Pirâmide alimentar feita no Tux Paint e com recorte


e colagem, kit mostrando açúcares e gorduras de alimentos e
conversa com as nutricionistas do CEASA.

308
Capítulo 11

REFLEXÕES E CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

A Aprendizagem Baseada na Investigação proporciona que


o aluno exerça o efetivo papel de realizar uma investigação
científica, que trabalhe em equipe aprendendo a escutar e
outro e o considerar como parceiro; ela motiva o aluno a refletir
formulando hipóteses, fazendo suas interpretações e elaborando
textos próprios. Segundo Tereza Alexandre,

“A Ciência ensinada na escola deveria permitir


ao aluno um diálogo com o mundo, tendo como
parâmetros conceitos e critérios científicos. Através do
método científico o aluno é capaz de produzir novos
conhecimentos de natureza científica e se apropriar
desse conhecimento, de modo que seu olhar seja de
um investigador”. (ALEXANDRE, 2008, p. 3)

No experimento sobre a digestão, percebemos o grande


entusiasmo por parte dos alunos em participar, demonstrando
responsabilidade e interesse. Todos, de cada grupo, levaram
o trabalho a sério, anotando e tirando fotos de cada detalhe
do experimento. No momento do debate, levantavam a mão
insistentemente para falar da experiência e expor suas observa-
ções, muito diferente das aulas em que o professor fala e o
aluno escuta. A criança de hoje pede por um ambiente de
aprendizagem dinâmico e criativo, um lugar onde ela possa
aprender questionando, argumentando e trocando ideias com os
pares.
Também notamos que ao registrar suas descobertas por
meio de gráficos, slides, animações e relatórios, os alunos com
mais dificuldades em assimilar os conteúdos procuravam os
colegas para uma melhor explicação e os alunos com facilidade
na parte tecnológica ensinavam como fazer, por exemplo, um
gráfico. Em muitos momentos aprendiam uns com os outros
e nós, professoras, aproveitávamos para acompanhar e avaliar
o progresso de cada um, incentivando no avanço de suas
conquistas.

309
Parte 3

Os vídeos assistidos sobre a digestão, os livros da biblioteca


e a palestra sobre “Alimentação Saudável” foram importantes para
a pesquisa. Os alunos participavam naturalmente, colaborando
com o trabalho. A maioria das crianças registrava e elaborava
perguntas espontaneamente, revelando o quanto estavam
interessadas em aprender sobre o assunto estudado.

A VOZ DAS PROFESSORAS

Do ponto de vista do currículo desenvolvido por Eixo Temático,


a Aprendizagem Baseada na Investigação se denotou adequada.
Conhecimentos adquiridos durante a realização dos experimentos
certamente serão utilizados pelos alunos em outros contextos
escolares ou familiares.
O laptop UCA foi uma ferramenta que chegou à escola
em 2010, trazendo uma nova abordagem pedagógica e no
contexto aqui relatado, tornou-se facilitador no trabalho de
investigação sobre “alimentação e saúde” levando à produção de
conhecimentos pelos alunos e professores, ambos fazem ciência.
Neste tipo de trabalho o papel do professor é mediar, orientar
a investigação e, através da tecnologia, trazer inovação para o
processo de ensino e aprendizagem. Nesse trabalho, o uso do
laptop UCA enriqueceu a nossa prática, estimulou a inovação e
exploração de estratégias para trabalhar os conteúdos sendo,
portanto, o facilitador da investigação. Através do uso dessa
ferramenta inovamos a nossa prática, tivemos a possibilidade de
crescimento profissional e transformação no modo de trabalhar
os conteúdos das disciplinas e, além disso, contamos também
com a participação efetiva dos alunos.
A prática do ABInv em sala de aula trouxe inúmeras
contribuições: melhorou o rendimento dos alunos envolvendo
a participação nas aulas, o compartilhamento dos saberes, o
desenvolvimento das habilidades na escrita e expressão das
ideias, contribuindo para o desenvolvimento do aprendiz.
Também favoreceu o trabalho cooperativo entre os alunos
que experimentam, registram, analisam, discutem, comparam,
sintetizam e constroem conhecimento. Essa metodologia

310
Capítulo 11

diferenciada se tornou um desafio para nós, pois foi necessário


organizar o trabalho de outra maneira: assumindo uma parceria
com os alunos, exigindo atenção permanente no que diz
respeito ao ensino e aprendizagem. Nessa prática, o aluno teve
a oportunidade de fazer e refazer seu trabalho mantendo um
diálogo constante conosco.
A avaliação fez parte do processo, não tivemos que parar
para fazer uma prova, ela foi acontecendo naturalmente, dia a
dia, por meio de registros livres respeitando o ritmo de cada
aluno, observando o interesse pela investigação, a iniciativa pela
pesquisa, a apresentação dos relatórios, as animações no Scratch,
os desenhos no Tux Paint, os gráficos, bem como a participação
individual e em grupos.
O aspecto mais importante dessa experiência está no fato
de que os alunos e as professoras puderam ser autores de suas
aprendizagens e tiveram a possibilidade de desenvolver o senso
crítico, construção do conhecimento e resolução de problemas
em um ambiente de investigação. Enfim, desenvolveu-se no
ABInv uma experiência que certamente marcou a vida de
todos.

A VOZ DO PESQUISADOR

O início do processo investigativo da turma dos 5ºs anos Anos


A e B foi pautado por debates que aconteceram em reuniões
realizadas pelas professoras com alunos para definir como seria
realizado o experimento. Isso denota uma forma democrática de
tomada de decisões que, a meu ver, ainda que seja para nortear
a realização de uma atividade pedagógica, se constitui em uma
prática social interessante. Como pesquisador da Universidade
que orientou as professoras e participou de alguns experimentos
durante a realização deste trabalho de investigação científica,
alguns aspectos interessantes do trabalho, como um todo, foram
por mim identificados e serão comentados a seguir.

311
Parte 3

TEMPO

A importância dos tempos diferenciados para a dissolução


dos alimentos é outro aspecto investigativo interessante de se
destacar, pois revela o quão distinto foi a simulação do movimento
peristáltico para cada grupo. Na medida em que cada grupo tinha
os mesmos materiais para a realização do experimento esperava-
se que o resultado fosse muito similar de um grupo para outro.
Entretanto, a tabela da Figura 5 mostra que isso não ocorreu: para
o mesmo tipo de alimento, o tempo de dissolução foi diferente.
Esta discrepância, todavia, foi durante a análise dos resultados
dos experimentos um tópico de discussão e de indagação,
pois se as condições eram as mesmas por que os temos foram
diferentes? Chegou-se então a conclusão de que a força aplicada
por cada um ao realizar manualmente o movimento peristáltico
era diferente. A tomada de consciência, experimentalmente,
deste fato se constitui em uma rica constatação de que nem
sempre todas as variáveis de um experimento estão sob o nosso
controle. Isso denota que fundamentos como o questionar
reconstrutivo e problematizar, que fazem parte do processo de
se construir e reconstruir conhecimentos e verdades científicas,
foram respeitados. (MORAES, 2013).

VALORES DE REFERÊNCIA

O cálculo da média do tempo de dissolução a partir dos resultados


dos grupos e utilizar essa média como tempo de referência
são aspectos interessantes da medicina a se destacar. Isso, na
ocasião, foi discutido pelo pesquisador junto ao grupo de alunos
e professoras e os alunos puderam entender como é que se
definem os Valores de Referência muito usados para estabelecer,
por exemplo, se o nível de um determinado composto químico
no nosso organismo está ou não dentro do valor aceitável. Existe,
por exemplo, um Valor de Referência que define se a pessoa está
com o colesterol alto ou não.

312
Capítulo 11

SIMULAÇÃO DO ESTÔMAGO

O fato dos alunos identificarem a necessidade de utilizar uma


máquina para fazer o papel do estômago revela a percepção destes
de quão difícil era realizar o movimento peristáltico nas mãos, ou
seja, quão irreal era o processo se comparado com o estômago
humano. Esta constatação, digna de um verdadeiro processo
investigativo, denota o rigor científico utilizado pelos alunos do
5ºs anos A e B, dentro das suas faixas etárias, da realidade de
escola Elza no contexto do Projeto UCA e das condições materiais
disponibilizadas para o experimento. Porém, como se tratava do
uso do mesmo suco gástrico (suco de abacaxi), o que causou
essa diferença de tempo? Resposta à pergunta se constitui em
outro tema para uma futura investigação. Entretanto, já se pode
adiantar que é possível construir um dispositivo robótico que
simule o estômago realizando o movimento peristáltico de forma
uniforme.

APROPRIAÇÃO TECNOLÓGICA

A utilização de gráficos e slides elaborados no Laptop UCA, de


desenhos no Tux Paint, de animações em Scratch e relatórios
escritos denotam, por um lado, a apropriação tecnológica dos
alunos em poder representar em diferentes mídias digitais o
experimento desenvolvido e, por outro lado, o domínio do
conhecimento que estava em construção. Numa perspectiva
da metodologia científica, várias foram as abordagens que o
experimento suscitou tais como: capacidade de definir um tema
a ser pesquisado; definição de uma pergunta de pesquisa a um
objeto de estudo; levantamento e teste de hipóteses; realização
do experimento propriamente dito; obtenção e análise de dados
de pesquisa; e por fim, elaboração de um resultado. Tudo isso
realizado num contexto de trabalho de sala de aula no qual foi
possível perceber que os alunos e as professoras atuaram como
pesquisadores de igual para igual (ZEICHNER, 2001).

313
Parte 3

Por fim, vale destacar a afirmação das professoras de que a


prática do ABInv melhorou o rendimento dos alunos. Isto é muito
importante porque demonstra uma verdadeira contribuição com
a escola pública por parte dos pesquisadores da Universidade,
que se envolveram com o desenvolvimento deste trabalho.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, M. T. Ciência, Tecnologia, Metodologia Científica e


Pesquisa. Publicação interna do LEIA/FE/UNICAMP. Campinas,
2008.
BAGNO, M. Pesquisa na Escola – o que é, como se faz? SP, 24ª
edição, Ed Loyola, 2010.
DEMO, P. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associa-
dos, 2011.
DEMO, P. Professor do Futuro e Reconstrução do Conhecimento.
Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
CAMPINAS, Diretrizes Curriculares da Educação Básica para o
Ensino Fundamental – anos Iniciais: Um processo Contínuo de
Reflexão e Ação: Prefeitura Municipal de Campinas, Secretaria
Municipal de Educação, Departamento Pedagógico/Organiza-
ção e Coordenação: Heliton Leite de Godoy. - Campinas, SP,
2012.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e terra, 1997.
FREITAS, L. C. Ciclos ou séries? O que muda quando se altera a
forma de organizar os tempos espaços da escola? Trabalho
produzido para o GT 13 Educação Fundamental. Anais da 27ª
Reunião Anual da ANPEd, Caxambu (MG) de 21 a 24 de no-
vembro de 2004.
MORAES, R Pesquisar é processar conhecimentos e teorias: ca-
minhos diversificados e nunca concluídos de reconstrução. In:
STECANELA, N. (org.) Diálogos com a educação: a escolha do
método e a identidade do pesquisador. Caxias do Sul: Editora
da Universidade de Caxias do Sul - Educs, 2013.
PISTRAK, M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo:
Brasiliense, 1981.

314
Capítulo 11

VIGOTSKY, L. S. A Construção do Pensamento e da Linguagem.


São Paulo: Martins Fontes. 2001.
ZEICHNER K. M. Para Além da Divisão Entre Professor-Pesquisa-
dor e Pesquisador Acadêmico. GERALDI C. M. G; FIORENTINI
D.; FERREIRA, E. M. A. (Orgs). In: Cartografias do Trabalho Do-
cente. Campinas-SP, Mercado das Letras: Associação de Leitura
do Brasil-ALB, 2001.

315
Capítulo 12 - Investigando
a Química da Digestão
Lucia Helena Caldas1 e Ann Berger Valente2

INTRODUÇÃO

Como gostar de uma ciência sem saber o que ela é?


Para a maioria dos alunos, a disciplina de química se
identifica mais com definições clássicas, fórmulas e símbolos do
que com fenômenos relacionados ao seu dia a dia. O resultado
desse foco, persistente nas formalizações, é a perda da motivação
pelas aulas e desinteresse pelo aprendizado, formando alunos
que não reconhecem a química como uma ciência natural
podendo ser identificada na vida diária.
Felizmente, alguns docentes já incorporam em suas práticas
outras formas de abordagens e metodologias que valorizam o
interesse e a curiosidade dos estudantes pela natureza e seus
fenômenos, organizando atividades que permitem a exploração
e garantem ao aluno um papel ativo.

“Saber que ensinar não é transferir conhecimento,


mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção. Quando entro em
uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a
indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos,
a suas inibições, um ser crítico e inquiridor, inquieto
em face da tarefa que tenho - a ele ensinar e não a
de transferir conhecimento”. (FREIRE, 1996).

Conforme a linha pedagógica de Freire, elaboramos


atividades que permitiram que os alunos utilizassem todas as
informações observadas, coletadas, experimentadas e registradas,
chegando às suas próprias conclusões mediadas pelo professor.

1 Professora do Ensino Fundamental da EMEF Professora Elza Maria Pellegrini de Aguiar.


2 Pesquisadora do Projeto ABInv junto ao Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED/
UNICAMP).
Parte 3

Este capítulo descreve o trabalho desenvolvido em 2013,


durante as aulas de ciências com os alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental da EMEF “Elza Maria Pellegrini de Aguiar”, localizada
na cidade de Campinas – São Paulo. O 9° ano representa um
desafio dentro da escola por ser um ano de transição entre o
Ensino Fundamental e Médio. Na disciplina de ciências é um
momento de entrar em contato com conceitos formais que
abstraem da vivência e que, por essa razão, necessitam de um
elo com a experiência real para sua compreensão.
O projeto Aprendizagem Baseada na Investigação veio
ao encontro dessa proposta por permitir que as contribuições
das experiências e vivências dos alunos sejam consideradas e
valorizadas no processo de ensino e aprendizagem. Por meio dos
Seminários de Formação e do acompanhamento do pesquisador
feitos no decorrer do Projeto, foram oferecidas diversas
abordagens de práticas de investigação que visam a apropriação
do conteúdo fazendo com que o processo de aprendizagem
seja realmente significativo para os alunos e também para os
professores.
Através de três experimentos práticos os alunos do 9° ano
se aproximaram do conceito do que é “fazer ciência”, realizando
as observações necessárias para o levantamento de questões e
hipóteses, interpretaram os resultados e confirmaram ou não
suas afirmações iniciais. A realização dos experimentos facilitou
a interação entre o grupo de alunos e também com o professor;
estimulou suas percepções visuais, desenvolveu um clima de
“suspense” nas observações dos resultados ( já que não se sabia
o que ia acontecer no final de cada experimento) e fez com que
os alunos não se sentissem mais na obrigação de memorizar
as definições. Cada conclusão trazia um novo conceito e, nesse
momento, os termos técnicos utilizados eram introduzidos. Foi
dessa maneira que conseguimos abordar os conceitos de átomos,
moléculas, reações químicas, velocidade das reações químicas,
indicadores químicos, enzimas, nutrientes, ligações químicas e
unidades de medida.
Durante o desenvolvimento sempre mediamos e esti-
mulamos as atividades em grupos com discussões de fatos e

318
Capítulo 12

informações, elaboração dos relatos individuais ou coletivos, a


comparação das diversas explicações que surgiram no processo
e permitiram o desenvolvimento da capacidade crítica e a
construção coletiva do conhecimento. Nesse grupo heterogêneo,
cada um tinha o seu tempo de assimilação e apropriação, e isso
foi respeitado.

Como surgiu a investigação

Em um dos “Seminários de Formação” do Projeto ABInv, o grupo


de professores da escola Elza colaborava na elaboração de uma
investigação sobre a digestão de alimentos com os alunos do 5°
ano baseado no efeito digestivo do suco de abacaxi (Capítulo
11 deste livro). A discussão disparou a ideia de aproveitar
essa mesma atividade com o 9° ano como forma de explorar
as reações químicas. Para iniciar a discussão sobre substâncias
químicas, começamos a aula relembrando o funcionamento do
sistema digestório, conteúdo já desenvolvido no ano anterior (8º
ano). Dessa forma, os alunos tinham conhecimento dos órgãos
que atuam na digestão e sabiam da existência de dois tipos de
digestão: a mecânica e a química. O entendimento da digestão
química, porém, era superficial e, assim, serviu de gancho para
nossa exploração das reações químicas.
Realizamos, então, um experimento simples de verificação
das substâncias que podem digerir alimentos. Para testar a
pergunta “o suco de abacaxi tem um efeito digestivo?”, colocamos
um pedaço de clara de ovo cozida imersa no suco de abacaxi
e outro pedaço na água (para servir de experimento controle).
Após uma semana de observação, os alunos verificaram que
a clara de ovo que estava no suco de abacaxi fora totalmente
desintegrada, enquanto a que estava na água continuava íntegra.
(Figuras 1 e 2)

319
Parte 3

Figura 1. Clara de ovo no suco de abacaxi.

Figura 2. Clara de ovo na água.

320
Capítulo 12

Com isso, os alunos concluíram que as substâncias ácidas


digerem/desintegram os alimentos, usando o conhecimento
prévio de que o estômago contém ácido. Perguntamos para os
alunos: “Será que qualquer ácido pode digerir os alimentos?”.
Para nossa surpresa, a maioria da classe disse que sim porque o
ácido corrói, destrói e, portanto, qualquer ácido poderia digerir
os alimentos. Resolvemos, aproveitar esse raciocínio dos alunos
para embarcar em uma investigação seguindo os passos da
metodologia científica, proposta pelo Projeto ABInv.

ABACAXI E DIGESTÃO: MITO OU VERDADE?

Os alunos foram divididos em grupos e discutiram sobre a


atuação dos órgãos do sistema digestório na digestão mecânica
e química dos alimentos. Esse debate foi registrado por um
componente de cada grupo e compartilhado com toda a classe.
A partir daí, elaboramos um só texto que abrangeu todas as
informações trabalhadas pelos grupos. Durante essa dinâmica,
várias perguntas surgiram dos alunos:

• “Nosso sistema digestório poderia digerir o alimento sem


o suco gástrico?”
• “Do que será que é formado o suco gástrico?”
• “Por que na água a clara de ovo não se desintegrou?”
• “O que acontece com o alimento quando se junta com
o suco gástrico?”
• “O que tem no ácido que faz o alimento ser digerido
quimicamente no nosso corpo?”
• “Por que só o ácido pode digerir quimicamente os
alimentos?”

Ao debater os resultados observados, os alunos elaboraram


as seguintes hipóteses:

• “No suco gástrico tem algum nutriente forte, que deve


ser o ácido, e que consegue quebrar o alimento.”
• “Se o suco gástrico, que tem ácido, não existisse no nosso

321
Parte 3

corpo, do jeito que a comida entrasse ela sairia sem ser


digerida.”
• “Se não tivesse suco gástrico no nosso estômago, não
haveria a digestão dos alimentos.”
• “O suco gástrico é ácido porque ele precisa digerir e
absorver os nutrientes.”
• “O ácido do abacaxi, e de qualquer outra substância,
pode representar o ácido do estômago e assim podemos
observar que ele digere o alimento.”
• “Qualquer ácido digere quimicamente o alimento durante
a digestão.”

Das hipóteses levantadas pelos alunos, selecionamos para


investigar a conclusão a que a maior parte dos alunos chegou: a
de que qualquer ácido digere quimicamente os alimentos. Desta
forma, propomos investigar a reação química de vários ácidos
quando entram em contato com a clara de ovo cozida.
O objetivo do experimento era medir o grau de
desintegração da clara de ovo cozida colocada em diferentes
tubos de ensaio, imersa em diferentes soluções. Neste caso, as
variáveis independentes eram: água, vinagre, suco de limão e suco
de abacaxi. A clara de ovo imersa na água serviu de experimento
controle, já que sabíamos, pelo experimento anterior, que a clara
de ovo não se alteraria.
A variável dependente era o grau de desintegração da
clara de ovo, inicialmente sólida. Para tanto, foi criada uma escala
de 1 a 5:

1. Não houve desintegração - sem alterações.


2. Pouca desintegração - a clara de ovo começou a esfarelar.
3. Média desintegração - metade da clara de ovo está esfa-
relada e a outra metade ainda inteira.
4. Muita desintegração - a clara de ovo está quase que total-
mente esfarelada.
5. Total desintegração. - toda a clara de ovo esfarelou.

322
Capítulo 12

A Tabela 1 descreve o material usado na investigação.

Tabela 1 – Relação dos materiais da investigação com agentes ácidos na clara


de ovo.
Materiais da Investigação
Pedaços de clara de ovo cozida;
1 tubo de ensaio contendo suco de abacaxi;
1 tudo de ensaio contendo suco de limão
1 tudo de ensaio contendo vinagre;
1 tudo de ensaio contendo água.

Pretendíamos que os alunos chegassem à conclusão de que


nem todo ácido atua na desintegração/digestão de substâncias
e, a partir dela, chegassem ao conceito químico de enzimas como
moléculas fundamentais na digestão dos alimentos.
Esse experimento foi verificado em duas diferentes
situações, compondo dois conjuntos de análises: o primeiro
foi realizado em temperatura ambiente e, o segundo, em
temperaturas mais baixas, já que os tubos de ensaio foram
acondicionados em geladeira. A introdução dessa terceira variável
independente (temperatura) teve como objetivo a exploração de
processos químicos (verificando a influência desta na velocidade
das reações) a fim de que os alunos percebessem a necessidade
de temperaturas “normais”, como a do corpo humano (36,5°c),
para que a  enzima tenha uma ação eficiente, enquanto que
em temperaturas mais baixas essa velocidade fica mais lenta,
comprometendo o bom funcionamento do organismo.
Desta forma, esperávamos que os alunos percebessem
a importância da temperatura nas reações químicas, já que o
conjunto de tubos colocados na geladeira deveria apresentar
um processo químico muito mais lento que o conjunto da
temperatura ambiente. Queríamos que os alunos percebessem
que estávamos lidando com uma molécula química que atua
nas reações de um organismo vivo, dinâmico e que precisa estar
em boas condições para que todo o processo de digestão seja
realizado.

323
Parte 3

Diariamente os alunos registraram as observações dos


tubos de ensaio em tabelas, como mostra a Figura 3. Para cada
tubo construímos uma tabela com número de dias observados,
que variou de 1 a 7, versus o grau de desintegração da clara de
ovo no tubo de ensaio:

Figura 3. Registro de desintegração no suco e na água ao longo de 7 dias.

A análise dos resultados, além da observação direta do


processo de degradação da clara de ovo nas diferentes soluções,
foi feita utilizando a construção de tabelas e gráficos com o
auxílio dos laptops, cujo objetivo foi facilitar a compreensão
e a visualização dos dados pelos alunos, visando fortalecer as
explicações teóricas e práticas. (Figuras 4 e 5).

324
Capítulo 12

Figura 4. Os resultados representados em tabela e gráfico no Laptop UCA.

Figura 5. Os resultados representados em tabela e gráfico no Laptop UCA.

Os resultados apresentados pelos grupos não confirmaram


a hipótese inicial, pois apenas o tubo de ensaio que continha
o suco de abacaxi degradou completamente a clara de ovo,
enquanto que as outras soluções ácidas (suco de limão e vinagre)
não apresentaram alterações.

325
Parte 3

Assim, os grupos concluíram que não é o ácido que


digere o alimento, mas alguma outra substância presente no
suco de abacaxi que deve ser responsável pela degradação.
Curiosamente, alguns alunos só abandonaram a hipótese inicial
a partir da representação dos resultados em gráficos. Para eles, a
representação matemática deu maior concretude às observações:
“Achei que o suco de limão e vinagre tinha digerido também,
parecia só olhando, mas agora pelo gráfico dá pra ver bem
que foi só no suco de abacaxi que tem uma barra bem grande”
(comentário de um aluno ao interpretar o gráfico).
Quanto à temperatura, foi verificado que os tubos resfriados
apresentaram um processo muito lento de transformação. Os
grupos concluíram que em temperaturas mais baixas as reações
não acontecem do mesmo modo que ocorrem em temperatura
ambiente: o processo de ação fica mais lento, enquanto que na
temperatura ambiente a velocidade da reação é maior.
Ao fazerem os registros diários ao longo da semana, alguns
alunos perceberam que o suco de abacaxi provocou uma ação
diferenciada. Ao conversarem entre eles, a palavra “enzima” foi
citada por alguns e, a partir de então, novas perguntas surgiram
dos alunos:

• “Se a enzima está no corpo, ela vem com os alimentos que


ingerimos?”
• “Quais alimentos que comemos, além do suco de abacaxi,
possuem enzimas?”
• “A enzima pode ser visualizada por meio de microscópio?”
• “Qual a quantidade de enzimas que tem nos alimentos
que comemos e qual a quantidade necessária para nosso
corpo?”
• “Existe só um tipo de enzima?”
• “É possível uma pessoa nascer com problema e não pro-
duzir enzima?”
• “É possível uma pessoa não conseguir absorver a enzima
dos alimentos?”
• “A enzima tem um tempo de vida?”

326
Capítulo 12

• “A enzima é reaproveitada pelo organismo ou ela é elimi-


nada?”
• “Se não ingerirmos a enzima pelos alimentos podemos
produzi-la de outro modo?”
• “A enzima é viva?”
• “Quando uma pessoa morre, o que acontece com a enzi-
ma do corpo dela?”
• “Quais átomos formam a enzima?”

Os alunos não tinham conhecimentos abrangentes


sobre as enzimas, apenas levantaram a hipótese de que se não
é o ácido que digere a clara de ovo, então deve haver outra
substância presente no sistema digestório que atua na liberação
dos nutrientes dos alimentos e que essa substância poderia ser
a enzima. Durante as conversas dos grupos a palavra “enzima”
aparecia sem que compreendessem seu significado, apenas
por já terem ”ouvido falar” ou por terem lido em algum texto.
Passamos, então, a investigar o novo conjunto de perguntas dos
alunos: como será a enzima? Podemos visualizá-la? Existe só um
tipo de enzima para digerir todos os tipos de alimentos?
Nesse momento, ficamos sem saber como abordar com os
alunos do 9° ano a questão da natureza de uma enzima. O desejo
era “mostrar” uma enzima, levando os alunos a um laboratório
de alta tecnologia. Porém, mesmo se fosse viável esse contato, a
leitura e a interpretação da imagem gerada por um microscópio
eletrônico necessitam de conhecimentos científicos avançados.
Enfim, a molécula de enzima é uma noção abstrata e precisa ser
construída por representações, como no caso do experimento
que representou o modo de ação da enzima e não a enzima em si.
Procuramos outros recursos didáticos que pudessem nos auxiliar
a abordar a noção da molécula de enzima de três perspectivas
diferentes: tamanho, estrutura e função.

327
Parte 3

TAMANHOS: É POSSÍVEL MEDIR UMA ENZIMA?

Inicialmente, solicitamos aos alunos que procurassem


o menor objeto visível que encontrassem e realizassem sua
medição. Nessa atividade, a dificuldade foi a utilização das
unidades de medida. Usando apenas a régua, a menor medida
que chegaram foi a de um objeto do tamanho de 1 milímetro e
concluíram que embora fosse muito pequeno, ainda era visível.
(Figura 6).

Figura 6. Menores objetos visíveis.

Passamos a usar uma simulação digital chamada “A Escala


do Universo” (HUANG, 2012). A simulação foi utilizada para
compreender os níveis de organização e a possível localização da
enzima em um desses níveis, dando aos alunos a oportunidade
de interagir com escalas de grandezas micro e macroscópicas e
perceberem a existência de unidades tão pequenas que não são
visualizadas nem mesmo por meio da microscopia comum, e que
vão além do nível celular, como mostra a Figura 7.

328
Capítulo 12

Figura 7. A Escala do Universo.


Fonte: Huang (2012)

Para posicionar a enzima em um desses níveis, retomamos


a digestão dos alimentos e a atividade do menor objeto
encontrado. Após a exploração da simulação das maiores e
menores medidas registradas os alunos posicionaram na escala a
grandeza milímetro, já que este era o tamanho do menor objeto
encontrado por eles, e passaram a procurar qual seria o provável
tamanho de uma enzima. Partindo do princípio de que a enzima
atua na digestão, ela deveria ser comparada aos nutrientes
retirados dos alimentos, e, se esses entram na célula, então a
enzima é menor do que a célula.
Analisando as informações e navegando pelas dimensões
microscópicas dentro de uma célula, os alunos puderam observar
que as unidades registradas na simulação não são utilizadas
no dia a dia, mas necessárias para registrar o tamanho de algo
muito pequeno e invisível a olho nu. Dessa forma, chegaram
ao micrômetro, medida usada em microscopia que equivale à
milionésima parte do milímetro, medida do menor objeto que
haviam encontrado dividido em mil pedacinhos. Ao fazerem essa
comparação com o grão de pó que mal conseguiram medir com a
régua, um aluno exclamou: “É impossível, Dona!”, demonstrando
ter reconhecido a escala envolvida. Ainda, na simulação, os alunos

329
Parte 3

encontraram o nanômetro, uma medida ainda menor do que a


unidade anterior, e foi a essa altura que descobriram a existência
das moléculas de nutrientes como a glicose, representada na
simulação, e posicionaram a enzima no nível molecular.
O interessante dessa atividade foi notar a capacidade dos
alunos de relacionarem conceitos com termos já conhecidos por
eles: a medida nanômetro foi logo reconhecida por alguns como
algo que tinha a ver com nanotecnologia. Perceberam, enfim,
que a enzima é uma estrutura muito pequena, não visível pelo
microscópio óptico comum, formada por uma união de átomos
constituindo as moléculas.

MONTANDO MOLÉCULAS

Outra atividade desenvolvida usando o recurso digital como


apoio pedagógico foi uma simulação em forma de jogo
chamada “Construa uma molécula” (PhET, 2013). Neste jogo, os
alunos tinham que montar moléculas simples, unindo átomos, e
tomaram contato com os elementos químicos da tabela periódica
e sua importância na formação de substâncias presentes no
nosso cotidiano, como a molécula de água, glicose, gás oxigênio,
dióxido de carbono, entre outras, como indicado na Figura 8.

Figura 8. Simulação de montagem de moléculas.


PhET Interactive Simulations (2013)

330
Capítulo 12

A exploração dessa simulação ficou comprometida pelo


fato de terem ocorrido alguns problemas técnicos. Foi necessário
organizar três alunos por computador, o que comprometeu
a interação com o programa e o nível de reflexão dos alunos.
Mesmo assim, os grupos tiveram a experiência de montar
moléculas de diferentes formas e avançaram nos níveis do jogo.
A simulação ofereceu novas representações que provocaram as
seguintes perguntas e observações:

• “Porque um átomo é maior do que outro?”


• “Às vezes os átomos não se encaixam”
• “A molécula é formada de bolinhas de hidrogênio”
• “A molécula é formada de átomos”
• “As moléculas têm uma ordem”
• “Não dá certo (de encaixar) porque não é da mesma classe”
• “Não dá certo porque não tem ligação”

Essas falas espontâneas demonstram uma exploração


intuitiva conduzida pela simulação em que os alunos começavam
a adquirir novas referências e um vocabulário novo associado a
esses fenômenos.

ENZIMA E ESPECIFICIDADE

Apesar de não ter sido possível visualizar a enzima, pudemos


observar o seu modo de ação e, a partir das reflexões dos alunos
sobre os resultados dos experimentos anteriores, selecionamos o
próximo tópico para nosso processo de investigação: “A enzima
como nutriente que digere os alimentos e que está presente no
sistema digestório humano”.
A escolha desse tópico foi possível pelo fato de os
alunos terem confirmado, após os experimentos anteriores, que
a enzima presente no suco de abacaxi digeriu a clara de ovo.
Dessa forma, retomamos as perguntas dos alunos: “Será que essa
mesma enzima pode digerir qualquer outro alimento? No corpo
humano existem outras enzimas, além da presente no suco de
abacaxi? Será que existem outras enzimas?”.

331
Parte 3

E foi com a finalidade de responder a essas perguntas que


montamos um novo experimento para explorar outra enzima,
a “amilase” que digere o amido (carboidrato). O experimento
foi feito em duas etapas: a primeira, um procedimento para a
identificação de carboidratos entre vários alimentos, inclusive
a clara de ovo e, a segunda, a introdução da enzima da saliva
que atua exclusivamente nos carboidratos. Esperávamos mostrar
a ação diferenciada da enzima da saliva no carboidrato e não
na clara de ovo, cuja digestão já havia sido demonstrada pela
enzima do suco de abacaxi.
As hipóteses levantadas com os grupos foram bem
variadas. Alguns grupos afirmaram:

“Não irá acontecer nada nos alimentos, porque na saliva


só tem água que serve para umedecer e amolecer os
alimentos.”

Enquanto outros disseram:

“Os alimentos serão digeridos, porque a saliva tem enzima.”

Fizemos novamente uma abordagem da importância dos


nutrientes que compõem os alimentos na pirâmide alimentar
e a necessidade diária da alimentação adequada para o bom
funcionamento do organismo e, portanto, também para uma
boa digestão. Os alimentos foram colocados em seus grupos
nutricionais e escolhemos dois tipos de alimento de cada grupo
para testar a ação enzimática (Figura 9).

332
Capítulo 12

Figura 9. Separação dos alimentos em 3 grupos.

As variáveis independentes incluíram banana, óleo, man-


teiga, leite, amido de milho, queijo, batata e clara de ovo. Os mate-
riais usados são indicados na Tabela 2.

Tabela 2 - Materiais usados no experimento sobre a enzima na saliva.


Materiais da Investigação
Alimentos de grupos nutricionais diferentes como banana, batata, amido de
milho, queijo, leite, óleo e manteiga;
8 copos cada um contendo um alimento diferente separado pelos alunos de
acordo com os grupos nutricionais;
1 copo contendo saliva humana (recolhida dos próprios alunos, previamente);
1 frasco de tintura de iodo a 2%;
2 pipetas

Na primeira etapa do experimento, os alunos adicionaram


de 2 a 3 gotas de solução de iodo em cada alimento e observaram
a reação entre o marcador químico (reagente iodo) e sua interação
com moléculas de amido (carboidrato) produzindo uma alteração
na coloração do alimento, que se modifica entre os tons de
rosa claro e roxo quanto mais amido tiver (Figura 10). Para os
alimentos que não apresentam o nutriente amido/carboidrato,
não há alteração na cor, mantendo-se na mesma intensidade da
solução preparada (iodo diluído em água).

333
Parte 3

Figura 10. Adição solução de iodo em cada alimento.

Essa variação foi medida pela observação na alteração do


padrão de cor, sendo positiva (+) para reagiu e negativa (-) para
não reagiu (Figura 11). O resultado da variável dependente foi
marcado em papel (Figura 12).

Figura 11. Resultado da reação do iodo com os carboidratos.

334
Capítulo 12

Figura 12. Anotação da reação de iodo com os alimentos.

Observamos que os alunos tiveram certa dificuldade


em agrupar os alimentos nas categorias: proteínas, lipídios e
carboidratos. Entretanto, a reação química do iodo observada
pelos alunos os ajudou na classificação, ao menos, do grupo
alimentar dos carboidratos. Os diferentes tipos de alimentos
analisados que compõem a variação independente também
foram catalogados em uma tabela, organizada posteriormente.
Na segunda etapa do experimento outra solução, a saliva
humana, foi acrescentada em todos os copos com alimentos
e, após meia hora, os alunos observaram se houve reação ou
não nas amostras. Lembrando que todas as reações foram
analisadas por mudanças nos padrões de coloração, já que
nesse experimento trabalhamos com o marcador iodo, do qual
depende a ocorrência da reação química. Assim que fizeram as
observações, os alunos notaram que a mancha escura causada
pelo iodo nos alimentos que tinham amido/carboidrato havia

335
Parte 3

clareado, enquanto que algumas amostras em que a saliva não


fora adicionada continuavam com uma mancha bem escura
marcada pelo iodo.
Durante o experimento, um aluno de cada grupo anotava
as observações para futura elaboração de um relatório utilizando
os laptops. As formas de registros incluíram a elaboração de uma
tabela simples contendo as informações básicas observadas, do
tipo:

(+) para houve reação (que significa a mudança no padrão


da cor/identifica presença de amido/carboidrato)
(-) para não houve reação (não houve mudança no padrão
de cor/não identifica presença de amido/ carboidrato)

Figura 13. Refletindo sobre os resultados.

Destacamos alguns comentários dos alunos sobre o mar-


cador de iodo (Figura 13):

“Que o iodo muda a cor quando se une ao carboidrato,


pois as moléculas deles se unem.”

336
Capítulo 12

“Quando colocamos o iodo no carboidrato o iodo ficou


preto. Eu aprendi a separar alguns alimentos e que o iodo
é como um indificador.” (indicador)
“Aprendemos que... iodo é como identificar carboidratos”
“Concluímos que o Iodo se une ao carboidrato assim
ficando preto.”

Os comentários dos alunos a respeito da primeira etapa do


experimento mostram o início da noção do uso de uma reação
química como marcador. Explicaram a mudança de coloração por
uma reorganização ( junção) de moléculas, fazendo referência aos
conceitos explorados nas simulações. Além disso, perceberam
que o iodo identificou os alimentos (carboidratos) e procuraram
adquirir um novo termo técnico, “identificar” e “indificador”, ou
seja, “indicador”.
Num segundo momento, os alunos observaram a reação
da saliva com os alimentos e o marcador (Figura 14), e fizeram
novas anotações:

(+) Houve mudança no padrão de cor (a enzima da saliva


reagiu com o alimento/nutriente)
(-) Não houve mudança no padrão de cor (a enzima da
saliva não reagiu com o alimento/nutriente)

Figura 14. Processo de ação após um dia de aplicação da saliva humana


sobre o marcador iodo.

337
Parte 3

Destacamos, a seguir, alguns comentários dos alunos


sobre a reação enzimática:

“Os alimentos ficaram mais claros após a saliva por causa


da enzima que contém na saliva que digere os carboi-
dratos”
“A enzima na saliva agiu nos carboidratos”
“A cor normal dos carboidratos só voltou porque na nossa
boca existem as enzimas responsáveis pela digestão dos
carboidratos”
“A saliva digeriu os alimentos”
“após esperar meia hora concluímos que a saliva realmente
começa a fazer a digestão porque a saliva tem enzima”
“E a saliva digeriu o carboidrato assim o Iodo vai ficando
cinza”

Novamente os alunos fizeram referência a uma reação


química ao descrever o efeito da enzima encontrada na saliva,
ao observar uma ação diferenciada com os carboidratos. Essas
produções foram lidas coletivamente, discutidas e comparadas em
sala de aula, principalmente os resultados anotados pelos grupos
e suas conclusões. Fizemos um agrupamento das conclusões dos
grupos que abordaram a diminuição da intensidade da cor do
iodo nos alimentos, que haviam sido marcados anteriormente
como pertencentes ao grupo dos carboidratos, como sendo uma
ação química de uma enzima presente na saliva humana que
reage com o amido presente no alimento.
Sobre a relação dos vários experimentos, alguns alunos
fizeram as seguintes reflexões:

“Com todos esses experimentos pude entender que


realmente não são os ácidos os responsáveis pela digestão
e sim as enzimas, coisa que eu ainda confundia, que
para cada grupo tem uma enzima diferente responsável
por aquele grupo, e caso um dia eu precise separar
carboidratos das outras é só colocar Iodo.”

338
Capítulo 12

“Que existem mais de um tipo de enzimas e de maneiras


diferentes para serem encontrados. Ex (abacaxi, iodo,
saliva).”

Dessa forma, por meio da investigação do tamanho,


estrutura e função, foi possível abordar as perguntas dos alunos
sobre as enzimas. Apesar de não ver, concretamente, puderam
explorar representações do conceito abstrato de uma enzima.
Essas investigações subsidiaram a confirmação da hipótese de
que foi a enzima no suco de abacaxi, e não a acidez, que digeriu
a clara de ovo. Além disso, os alunos observaram a presença das
enzimas nos alimentos e também no corpo humano, por meio da
investigação de sua ação diferenciada nos alimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo daquilo que os alunos trouxeram de informações do


que já conheciam sobre digestão, proporcionamos reflexões
que valorizaram a atuação do aluno que, desta forma, se inte-
ressaram em aprofundar o estudo das enzimas relacionado
com a introdução de conceitos químicos iniciais como átomos,
moléculas e substâncias.
A utilização de vários instrumentos e estratégias de
ensino contribuiu efetivamente para a compreensão e respondeu
algumas questões iniciais apresentadas pelos alunos durante as
discussões como, por exemplo:

• A enzima é uma molécula formada por um agrupamento


de átomos.
• A enzima é essencial para que a digestão ocorra.
• Existe uma enzima para cada nutriente, então existem vá-
rios tipos de enzimas.
• Observando que a clara de ovo não desintegrou com a
saliva humana, mesmo após uma semana de observação,
e que no suco de abacaxi houve a degradação, concluíram
que não existe só um tipo de enzima.

339
Parte 3

• Embora seja difícil visualizar a enzima, pode-se observar


sua ação em alguns alimentos, como aconteceu nos expe-
rimentos realizados.

Durante este processo ficou evidente que os alunos, ao


fazer os experimentos, elaboraram novas questões. Os próprios
alunos perceberam que fazer ciência envolve a experimentação,
a observação e a reflexão que, por sua vez, gera novas perguntas.
Portanto, eles foram estimulados também a perguntar, algo que
os alunos do 9° ano já não faziam mais, pelo desinteresse no
volume de informações a serem memorizadas. Dessa forma, o
processo de investigação ajudou-os a retomar um pouco da
motivação em aprender.

A VOZ DO PROFESSOR

Definir as estratégias de ensino que serão adotadas pelo professor


no decorrer do ano letivo com uma determinada turma não é
das tarefas mais fáceis. Durante minha vivência pedagógica,
sempre fiquei intrigada pelo fato de os alunos iniciantes do
ensino fundamental gostarem muito das aulas de ciências e
com o passar dos anos escolares, no final do ensino médio, já
não manterem a mesma paixão por essas aulas, muitas vezes
rotulando-as chatas e cansativas. Obviamente os pequenos,
com sua curiosidade natural, trazem consigo a motivação para
as aulas que, se for mantida e estimulada, poderá resultar em
aulas muito interessantes. O que acontece muitas vezes é que as
aulas de ciências acabam por ser uma transmissão de conteúdo
imposta aos nossos alunos que estudam apenas para tirarem
notas, não conseguem aplicar os conceitos em situações diversas
e apenas decoram os conteúdos com a finalidade de passar de
ano. Assim, as aulas de ciências passam a ser desinteressantes e
desmotivadoras.
Diferentemente, quando a vivência do aluno é valorizada
na sala de aula, ele percebe que faz parte do processo de cons-
trução e que está inserido no meio natural onde os fenômenos
científicos acontecem. Percebem, ainda, que podem contribuir

340
Capítulo 12

nas atividades investigativas, utilizando vários materiais e


métodos, que respeitam o ritmo de cada aluno e garantem que
todos tenham uma aprendizagem significativa.
A utilização de experimentos em sala de aula provoca a
movimentação dos alunos que atuam diretamente nas atividades
e, naturalmente, surgem questionamentos interessantes rela-
cionados ao conteúdo que são registrados e normalmente
respondidos pela própria atividade que estão realizando. O
professor como mediador deve ter sensibilidade para perceber
que alguns alunos não atingem o objetivo pretendido apenas
com uma atividade, sendo necessárias outras intervenções para
que o objetivo seja atingido por todo o grupo, tal como aconteceu
durante o primeiro experimento, que mesmo visualizando que
nos outros ácidos (limão e vinagre) a clara de ovo não havia
desintegrado, mas apenas no suco de abacaxi, o entendimento
dos conceitos de que os ácidos não são responsáveis pela
digestão, para alguns alunos, só se deu após a construção e a
interpretação das tabelas e gráficos.
O uso dos recursos digitais como os laptops, as animações
e simulações oferecem inúmeras contribuições no processo de
ensino aprendizagem, aproximam o aluno do mundo em que
vivem rodeados pela tecnologia, permitem um dinamismo no
desenvolvimento das aulas, possibilitam a visualização daquilo
que não conseguimos realizar na escola, deixando o grupo de
alunos motivados e interessados. Os estudantes passam a ser
mais atuantes no projeto pedagógico.
É evidente que durante o desenvolvimento deste trabalho a
inserção de novas estratégias, o trabalho coletivo e o aprendizado
com a equipe envolvida na proposta, permitiu um novo olhar
para uma prática pedagógica rica e caracterizada pela eficiência
com que o aprendizado se dá, seja ele do aluno ou do professor.

341
Parte 3

A VOZ DO ALUNO

Nas atividades desenvolvidas ficou claro que os alunos avaliaram


positivamente e com entusiasmo as estratégias propostas
durante as investigações realizadas, principalmente pelo fato
de deixarem de ser apenas espectadores. A aula deixou de
ser monótona e previsível, centrada apenas na transmissão de
conteúdos, ineficiente, que cobra a memorização de informações
e não a compreensão de conceitos.
Levando em consideração a fala dos alunos durante as
aulas, uma grande teia de informações foi gerada, pois eles
trouxeram vivências que tornaram a atividade mais interessante
e mais próxima de suas realidades. Conforme foram fazendo
novas descobertas durante a realização dos experimentos, da
interpretação dos gráficos, dos jogos digitais e da exploração
das simulações, foram relacionando novos conceitos com as
informações prévias e, assim, compreendendo a linguagem
científica nesse contexto.
Em seus depoimentos, os alunos disseram que as várias
estratégias adotadas durante as aulas de ciências foram muito
importantes para “aprenderem a matéria”, pois tinham que
ficar imaginando as situações e não sabiam se estavam certos
ou errados e agora, podendo observar, experimentar e atuar, o
entendimento se tornou muito mais simples e interessante. Ao
término de uma dessas atividades uma aluna disse “Ah! Agora eu
sei alguma coisa de ciências: até agora eu não sabia nada”.
Em outra atividade, outro aluno comentou “... Eu não fazia
ideia desses tamanhos tão pequenos nem dos tão grandes: agora
deu pra ver bem como que é, porque fazendo a simulação a gente
consegue comparar os tamanhos daquilo que conseguimos ver
com aquilo que não conseguimos ver, como a molécula, por
exemplo.”.
Dessa forma fica evidente que o conhecimento é um
processo de interação no qual o aluno pensa, experimenta e
elabora conceitos tendo o professor como um mediador para
planejar, direcionar e organizar as muitas informações que
surgem no processo de modo a formalizá-la em conformidade
com o conhecimento científico aceito atualmente.

342
Capítulo 12

Voz do pesquisador

No papel de pesquisador tive várias funções nesse processo,


tanto na mediação entre a equipe de pesquisadores no NIED e
a escola, como no planejamento e registro das atividades junto
à professora, e na busca de recursos digitais que pudessem
subsidiar a investigação.
Ao longo deste processo, me interessei pela forma que os
alunos encontraram sentido nos experimentos, nas observações,
nos registros, nas discussões. Nós, professora e pesquisadora,
elaboramos os experimentos seguindo uma sequência lógica
do método científico. Entretanto, entre cada etapa ouvimos os
alunos e foi esta voz coletiva que direcionou a etapa seguinte.
O fascinante nesse processo foi a sua prática, apesar de o
experimento em si ter uma lógica fechada, isso não garante
que todos os alunos chegam à mesma conclusão. O mesmo
experimento foi vivenciado de formas diferentes, dependendo dos
conhecimentos, percepções e preocupações de cada um. Dessa
forma, os alunos fizeram conexões com outros conhecimentos
que nos levaram por caminhos inesperados como, por exemplo,
“o ácido que corrói o carro também deve digerir a comida” ou
a adolescente que diz que “tomaria um frasco inteiro de vinagre
se fosse para emagrecer”, como se a desintegração da comida
ingerida pudesse torná-la mais magra. Neste sentido, o fazer
ciência não é um acúmulo de fatos, mas sim o uso desses fatos
para compreender problemas e situações relevantes ao ser
humano.
Outro ganho encontrado na prática de dar voz aos alunos
foi poder captar quais conhecimentos foram evocados ao formular
suas perguntas e a qualidade emergente desse conhecimento. A
vivência nos experimentos deu a oportunidade de adquirir novo
vocabulário porque aprenderam os termos enquanto aplicavam
os conceitos. Por exemplo, a molécula de água que é formada
por “bolinhas de hidrogênio”; a indagação se “a enzima tem um
tempo de vida”; ou o termo “indificador” porque o iodo de fato
identificou os carboidratos. Apesar da impossibilidade de “pegar”
e “olhar” uma enzima, as investigações promoveram referências,

343
Parte 3

representações e imagens que puderam subsidiar a nomeação


desses fenômenos. Diferente da memorização de vocabulário, a
ser recitado na prova e depois esquecido, a aprendizagem baseada
na investigação proporcionou um contexto para construir novos
significados.

Referências

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HUANG, C.; HUANG, M. A Escala do Universo. Disponível em
<http://htwins.net/scale2/lang.html> Copyright 2012. Acesso
em 18 nov. 2013.
PhET Interactive Simulations. Construa uma Molécula.
Universidade de Colorado Boulder. Disponível em
<http://phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/build-a-molecule>
Acesso em 18 nov. 2013.

344
Capítulo 13 - Refletindo sobre o ABInv
M. Cecília Martins, M. Cecília C. Baranauskas,
Larissa de Souza Oliveira, José Armando Valente

O QUE SE OBSERVA NOS CAMINHOS TRILHADOS

É possível notar alguns invariantes que aconteceram no interior


da dinâmica do Projeto ABInv nas três escolas participantes, entre
eles a diversidade de ação extra classe, no entorno da escola, a
participação de outras partes interessadas e interação com as
demais turmas da escola. As ações externas à sala de aula se
mostraram presentes, e muitas vezes necessárias, ao longo do
processo de investigação de diversos professores como, por
exemplo, no projeto de Pedreira (Capítulo 8) que analisou o solo
da escola e no projeto de Sud Mennucci (relatado no Capítulo 4)
que, ao investigar sobre área e perímetro, realizaram a medição
de espaços externos à sala de aula (quadra esportiva e quarteirão
da escola). A participação de pais, funcionários e interação com
as demais turmas da escola foram observadas ao longo do
processo e também no final dele com exposições na sala de aula
ou para toda a escola, e depoimentos de pais sobre o impacto da
abordagem no cotidiano de seus filhos.
Outra característica comum foi a diversidade de recursos
utilizados ao longo dos projetos das escolas: laptop, lousa
digital, máquina fotográfica digital, livros didáticos e de leitura;
e a diversidade de meios em que a informação era articulada
e encontrada (busca de informação com os pais, na internet e
nos livros didáticos). Na proposição de cenários de investigação
nota-se, por parte do professor, uma preocupação em sanar
as dificuldades de aprendizagem de conteúdo (Jane – área e
perímetro, Sylmara – alimentação das crianças, Sandra – passarinho
na quadra da escola, Capítulo 9), de abstração, de entender um
fato ou conceito (como entender as Enzimas, no projeto da
Lúcia, Capítulo 12). Via-se no método científico um caminho para
buscar soluções para os problemas da realidade escolar. Nessa
perspectiva, o aluno esteve no centro das ações de aprendizagem
Parte 4

e, ao longo do trabalho desenvolvido na escola, vimos surgir


questionamentos, atividades práticas e diálogos estabelecidos
entre professor e aluno. Ademais, há uma notável evolução no
entendimento da metodologia científica, nas habilidades de tratar
e trabalhar o conhecimento ao longo do processo: o professor
vai ganhando elementos que o ajudam a compreender a forma
de trabalho, as etapas e a aplicação do método científico. Vimos
também que a multidisciplinaridade ganha espaço dentro dos
temas de pesquisa que requeriam diversos saberes, habilidades e
ferramentas para que a investigação fosse desenvolvida. Notamos
tanto uma aproximação quanto diversidade de temáticas de
investigação nas partes 2 e 3 deste livro. A seguir, faremos
algumas observações sobre essas questões que dizem respeito à
temática e ao formato das pesquisas científicas.

SOBRE O MOVIMENTO ABInv NA ESCOLA (PARTE 2)

No trabalho da supervisora do Projeto na escola de Sud Mennucci


(Capítulo 4), percebemos que houve uma mudança significativa
do ponto de vista do desenvolvimento e postura pessoal
diante da prática. A supervisora, que também era orientadora
pedagógica da escola, no início do Projeto participava de
cenários de investigação junto a um professor para por em
prática a metodologia de trabalho proposta nesta pesquisa.
Assim, os processos e reflexões construídos na prática foram
fundamentais para que este profissional pudesse desenvolver
o trabalho de formação de professores de forma mais ampla,
com todos os docentes da escola. Em seu relato, ela destaca
que aprendeu ao longo do processo, fazendo junto. No início
de suas atividades na escola, buscou desenvolver na prática o
entendimento da metodologia para que, a partir dos processos e
reflexões ocorridos, pudesse se sentir mais a vontade para iniciar
a orientação com os outros membros de sua equipe em um
processo de formação local. O que ela viveu com a Jane (primeira
professora a desenvolver a metodologia ABInv na escola) serviu
de referência para mostrar, na formação dos professores, o que
ela já tinha vivido no cotidiano da escola; não são referências

348
Capítulo 13

formais ou de livros, são compreensões construídas a partir da


sua própria vivência e da realidade escolar em questão. Além
disso, nota-se uma aproximação na sua relação com os pais, com
os alunos e professores, uma vez que ela participava ativamente
do processo de investigação e acompanhava o que ocorria em
termos de desenvolvimento dos alunos, o que gerou uma nova
interação entre a prática de trabalho da orientadora pedagógica,
professor e alunos.
Com a supervisora da escola de Pedreira (Capítulo 5), o
contexto de trabalho foi um pouco diferente dado que ela era
uma formadora externa à escola. Por não fazer parte do cotidiano
escolar, houve um grande esforço em estabelecer conexões, elos
com as professoras e alunos e com o dia a dia da escola, havia
a necessidade de sintonizar-se com o trabalho pedagógico que
acontecia: ouvir como o professor trabalha, o que ele precisa
desenvolver, como ele deseja realizar sua prática, qual o seu
conhecimento. O formador precisou então ajudar o professor a
construir o trabalho prático com os alunos a partir dos referenciais
desse profissional e de sua intencionalidade pedagógica, ex-
pressos em diálogos estabelecidos a cada visita do profissional
na escola. O trabalho de mediação com os professores acontecia
nos seminários do Projeto, nas reuniões de trabalho ocorridas na
escola e na participação do cotidiano escolar possibilitada pelos
professores na visita semanal deste profissional à escola ao longo
dos dois anos da pesquisa.

Em Campinas, como o ocorreu em Sud Mennucci, a
orientadora pedagógica também foi supervisora do Projeto na
escola (Capítulo 6) e pôde articular o planejamento pedagógico
da unidade de ensino na perspectiva do método científico;
encaminhar ações de formação com o corpo docente, podendo
assim esclarecer a diferença entre investigação e busca de
informação; dar suporte teórico, de materiais, de ideias e de
incentivo aos projetos de investigação que passaram a integrar
a rotina da escola. Além da interação com os docentes, a
orientadora pedagógica também estabeleceu diálogos com os
pais dos alunos visando a familiarização com essa perspectiva
de trabalho. Enquanto orientador pedagógico, este profissional

349
Parte 4

buscou contemplar as demandas emergidas na escola com a


ocorrência dos cenários de investigação, bem como sistematizar,
em reuniões de trabalho com o corpo docente, a prática ocorrida
no cotidiano da escola a partir do Projeto ABInv.

SOBRE O ABInv NA SALA DE AULA (PARTE 3)

Os relatos de cenários de investigação apresentados nesta seção


referem-se ao segundo ano do Projeto (2013) e abrangem o início,
meio e fim do Ensino Fundamental: duas turmas de primeiro ano,
uma turma do quarto e três do quinto ano e uma turma do 9º
ano.
Com os Capítulos 7 e 9 (1º ano – ano inicial do ensino
fundamental) percebemos uma semelhança na preocupação das
professoras com o desenvolvimento da leitura e escrita, trabalho
em grupo e interação entre as crianças e do aluno com sua família.
O lúdico está sempre presente nas etapas do processo através de
materiais, roda de conversa, livros infantis. A narrativa aparece na
contação de história ocorrida durante o trabalho de investigação
e também na sistematização do projeto (construção de história
coletiva a partir do que os alunos têm a dizer). A atuação das
crianças pequenas nos cenários de investigação evidencia que
elas são (e foram) ativas no processo. Os alunos foram ouvidos e
colocaram a mão na massa. Nota-se que o trabalho conjunto em
todas as etapas – coleta de dados, categorização, sistematização,
registro, expectativa do que ia acontecer e a observação do
que acontecia (avanços e retrocessos) – era um motor para o
envolvimento das crianças e desenvolvimento do Projeto. Nota-
se também a capacidade de envolvimento com a pesquisa,
curiosidade (todos participaram e se envolveram), o trabalho
coletivo, colaboração entre os pares, o respeito pelas ideias e
trabalho dos outros. Tudo isso se deveu pelo fato de haver uma
vivência conjunta; a possibilidade de estarem ao mesmo tempo
envolvidos no mesmo contexto proporcionando mais situações
para expressarem suas opiniões e para a troca de ideias. Ter
uma ação (realização de experimento e roteiro de observação) e
expectativa dessa ação (resultados do experimento ocorrendo em

350
Capítulo 13

um contexto real, prático e comum) auxiliava no aprendizado do


assunto de interesse. O aprendizado formal como, por exemplo,
ler e escrever, ocorria também enquanto os alunos atuavam na
pesquisa, era ferramenta necessária para anotarem e lerem os
dados e observações relatadas pela classe nos experimentos.
Destacamos a interdisciplinaridade que aconteceu nesses
projetos com algumas disciplinas curriculares comuns às duas
temáticas de investigação. Assim, por exemplo, no experimento
“penas” (Capítulo 9) a Leitura e Escrita, as Ciências Naturais foram
disciplinas trabalhadas bem como noções iniciais de reações
químicas, apesar de não fazer parte do currículo formal dessa
faixa etária.
Nos Capítulos 8, 10 e 11 deste livro (4º e 5º - anos
intermediários do ensino fundamental) também notamos o
trabalho envolvendo várias disciplinas: Leitura e Escrita, Ciências
Naturais, Química, Biologia, Matemática. Nestes projetos, houve
também uma preocupação com o ensino e sistematização
do conteúdo curricular, assim como o desenvolvimento de
habilidades de abstração dos alunos para que a compreensão
dos conceitos fosse melhor explorada.
No Capítulo 12 (9º ano – ano final do ensino fundamental),
dada à abstração conceitual relativa ao funcionamento de uma
enzima, houve uma busca de instrumentos que pudessem
ser incrementados nos experimentos de forma a auxiliar os
alunos no entendimento e no aprofundamento das discussões
encaminhadas com a classe. Neste projeto, assim como nos
demais, houve uma significativa interdisciplinaridade, através
do Português para formular as hipóteses, registrar as etapas do
experimento e as conclusões; da Matemática, ao formular gráficos;
da Química e Biologia, principais norteadoras do experimento.
Como podemos perceber, os capítulos das Partes 2 e 3
deste livro apresentam indícios práticos que nos permitem
refletir sobre os caminhos trilhados neste Projeto. Outras fontes
de informações dos percursos e resultados obtidos em cada
escola são as meta-reflexões da equipe ocorridas no seminário
de conclusão da pesquisa. A cada evento havia uma reflexão
sobre as práticas relacionada à investigação científica que

351
Parte 4

ocorria nas escolas, tanto nas apresentações dos grupos como


nos diálogos estabelecidos ao longo dos seminários. Ao final
do Projeto, com o encerramento dos cenários de investigação
encaminhados com os alunos, cada escola fez uma retomada
das apresentações resgatando os processos e resultados. Esta
reflexão a posteriori possibilitou aos participantes elaborar uma
“meta-reflexão”, destacando pontos relevantes em relação à
metodologia científica encaminhada nas escolas.
A próxima sessão irá evidenciar algumas das falas
apresentadas neste evento e que expressam as observações
efetuadas por quem trilhou o caminho proposto por esta pesquisa
nas escolas: os professores e orientadores pedagógicos.

META-REFLEXÃO SOBRE O PROJETO ABInv OCORRIDA NO V


SEMINÁRIO REALIZADO EM 05/12/2013

No último Seminário do Projeto, professores e supervisores


destacaram observações a respeito da sua vivência com cenários
de investigação na escola. As reflexões compartilhadas naquele
evento foram transcritas, agrupadas e organizadas em tópicos e
serão apresentadas ao longo desta sessão em forma de tabelas.
De uma forma geral, os assuntos compartilhados no
Seminário abordam a participação dos alunos nas atividades,
o interesse com os questionamentos lançados e com os
experimentos realizados, troca de ideias e diálogos estabelecidos
em vários momentos, tanto com os colegas como com os
professores. Em relação às práticas pedagógicas, o grupo
evidencia desafios, processos percorridos e êxitos obtidos.
Apresentam também dinâmicas de trabalho colocadas em ação
e impactos percebidos em sala de aula, em particular, e na escola
em geral. Em relação à formação dos profissionais na escola, são
evidenciados alguns pontos como fomento de uma “cultura de
formação continuada”, articulando reuniões para relato e reflexão
sobre os trabalhos pedagógicos em andamento na escola. Ainda
em relação ao sistema escolar atual, alguns desafios, como
remanejamento constante de professores nas unidades de ensino,
impactam tanto no encaminhamento de propostas de formação

352
Capítulo 13

dos profissionais da escola, como na solidificação de propostas


de trabalho colocadas em prática e avaliadas como positivas no
trabalho conjunto da escola.

DANDO VOZ AOS ALUNOS

As reflexões dos professores evidenciam a importância de se


considerar o que o aluno pensa ao longo da investigação que
estava em andamento. Nestes termos a professora Juliana
comenta que “quando se dá voz ao aluno, dá resultados”. Para
possibilitar a exposição de ideias dos alunos, a professora
evidencia ainda que a prática pedagógica deve abrir “espaços”
para que isso possa ocorrer: “a participação deles... eles gostam
muito de falar, então eles têm esse espaço também”.
Assim pode-se dizer que, nos cenários de investigação,
dar voz ao aluno significou dar espaço para eles falarem, levando
em consideração o que sabiam e detectando o que precisava
ser apreendido naquele momento. Viabilizar estes espaços de
atuação e interação demandou pensar estratégias que pudessem
favorecer o trabalho desenvolvido em sala de aula tornando-o
mais significativo, com participação e interesse dos alunos. É um
“falar” relacionado a um contexto em que todos estão envolvidos,
realizando alguma ação, expondo suas opiniões e dúvidas a
respeito do cenário da investigação em andamento. Dar voz aos
alunos aliado a proposição de cenários de investigação fomentou
a participação e a interação do grupo, como expressa a próxima
reflexão:

“o aluno está sempre envolvido fazendo alguma


coisa... Esse olhar investigativo leva o aluno a pensar
o tempo todo, a pensar naquilo que está construindo,
a resolver problemas. Depois desse conhecimento
que ele produziu, ele vai compartilhar no Blog... As
famílias vão ver em casa... Então é dinâmico” (Gisele)

Assim, de uma forma dinâmica, os cenários de investigação


fomentaram a ação e o pensamento bem como a sistematização
e reflexão sobre o fazer. E este “fazer compartilhado” parece ter

353
Parte 4

impactado positivamente na interação social, na exposição das


ideias e na atuação do grupo de forma colaborativa. No relato
a seguir há o destaque de que houve interação entre os pares
em vários momentos e o estabelecimento de diálogos em várias
dinâmicas encaminhadas pelo professor.

“no momento da interação com o objeto, as crianças


reconstroem suas hipóteses iniciais”;
“Interação com os pares foi realmente maravilhosa”;
“essa interação foi além da que já havia na sala. A
gente trabalhava em grupo, numa roda, na sala, no
pátio para fazer o experimento”;
“querem falar, dar a sua opinião... Então em
todo experimento eu acho que não foi só uma
investigação... Foi uma interação social, um projeto
social também” (Sandra)

OS CENÁRIOS DE INVESTIGAÇÃO

Vários outros aspectos foram evidenciados nas reflexões


compartilhadas do V Seminário do Projeto pelas equipes das
escolas. Reflexões estas que sistematizam pontos relevantes
vivenciados na prática em cada realidade. Na Tabela 1, por
exemplo, são apresentadas e discutidas algumas das observações
relativas aos cenários de investigação. Uma das reflexões aborda
a importância do grupo ter vivenciado as fases do método de
investigação, formulando e realizando experimentos, fazendo
anotações sobre o que estava sendo observado na investigação.
Aborda ainda que o processo de reflexão desencadeado, a partir
da investigação implementada, foi vivenciado tanto pelos alunos
como pelo professor. Outra reflexão listada na Tabela 1 remete
aos relacionamentos estabelecidos entre alunos e professores
nos cenários de investigação. Tais cenários foram alicerçados por
uma prática pedagógica orientada à constituição de “ambientes
coletivos de aprendizagem”, que foram sendo constituídos por
diálogos e relacionamentos que possibilitavam a evolução do
aprendizado do grupo como um todo.

354
Capítulo 13

Tabela 1 – Sobre Cenários de Investigação


Falas Comentário
“gosto de trabalhar no concreto, ven- Além de ouvir e envolver os
do o real, então fazer o experimento, alunos em um contexto prático foi
o registro, anotações na tabela... foi importante o encaminhamento de
bem marcante” (M. Luísa) ações diferenciadas como realizar
um experimento, observar e registrar
dados, etc. Isso significa que o fazer
não basta. O processo de reflexão
necessita de registros documentados
para análise.
“hoje eu estou com eles, chegamos Neste relato o professor dá ênfase ao
à conclusão que... [erosão] está bem processo e tempo que integram o ato
pertinho da gente e que nós pode- de investigação. A observação sobre
mos colaborar... se tivesse mais um a ação, coleta e reflexão sobre os
tempo íamos ver muitas coisas ain- dados possibilitam ao grupo (alunos
da...” (M. Luísa) e professor) formular conclusões
sobre o que está pesquisando e, em
alguns casos, tomar alguma atitu-
de em relação a um fato que está
ocorrendo no cotidiano ou na vida
do grupo. Mais ainda, fica claro ao
professor que o processo de inves-
tigação abre possibilidades de novas
indagações e continuidade do ciclo.
“uma palavra que marcou essa ativi- Neste relato a professora dá desta-
dade foi relacionamento... relacionar que de como foi possível “construir
ficou muito forte para mim nesse um ambiente coletivo de aprendiza-
trabalho de investigação... A gente gem”. Evidencia que relacionamen-
começou construindo uma relação to foi um ponto presente em todo
de empatia, de proximidade através o processo. Diálogos foram neces-
do diálogo... Para que essa proximi- sários para estabelecer empatia e
dade aconteça tem um trabalho de proximidade com os alunos e a ati-
observação inicial, o primeiro passo vidade encaminhada com a classe.
do nosso método... Depois a gente Observar e ouvir o que as pessoas
construiu um ambiente coletivo de trazem consigo foi fundamental para
aprendizagem... os alunos apren- estabelecer sentido no contexto de
dem, os professores aprendem... aprendizagem proposto. A mediação
Todos temos histórias, experiências, do professor junto aos aprendizes e
vivências, inquietações e trajetórias seus fazeres está sempre presente.
e nesse momento, nessas conversas, Nas várias etapas do processo de in-
muitas perguntas são levantadas...” vestigação o professor está junto e

355
Parte 4

Falas Comentário
“Depois incentivamos a curiosidade fomentando a participação, a siste-
deles, produzimos, identificamos, matização dos dados do experimen-
sistematizamos... Por fim, demos to e reflexão do grupo. Esse depoi-
espaço para ação... revendo o nosso mento também mostra a natureza
modo de pensar.... todo final de ex- cíclica do modelo de investigação.
perimento surgia outra pergunta...
acabava em um novo experimento”.
(Lúcia)
“restauramos os laços eu acho. O Nesta reflexão fica evidente o caráter
verdadeiro sentido de aprender e en- ativo e determinante dos envolvidos
sinar... Então acabo minha reflexão num processo de investigação.
com Paulo Freire... Mais que mulhe-
res e homens nos tornamos mais que
puros aparatos a serem treinados ou
adestrados. Nos tornamos seres da
opção, da decisão, da intervenção no
mundo” (Lúcia)
“observar como evoluiria o aprendi- Aqui a professora está comparando
zado... é óbvio que a turma que tra- o envolvimento dos alunos com o
balhou com investigação foi muito conteúdo em duas salas diferentes:
mais fácil chegar lá, não faziam muita uma com a metodologia do Projeto
força... lá na outra turma era mais di- e outra com práticas usuais e mostra
fícil... eu tinha que explicar de 50 mil maior envolvimento dos alunos na
formas diferentes para que eles com- primeira. Além disso, constata que as
preendessem o conceito.... A gente vê possibilidades de trabalho em deter-
que é muito rico quando se trabalha minado conteúdo não se esgotam e
com experimentos. Você trabalha até abrem espaço para relações com ou-
conceitos que não estão dentro da tros conteúdos.
proposta...” (Lúcia)

Na Tabela 2, são evidenciados os processos de construção


de conhecimento viabilizados nos Cenários de Investigação.
Há o destaque do envolvimento dos alunos em relação a sua
aprendizagem, do conhecimento sendo compartilhado com
colegas e familiares. Enfim, há indícios de que as “conquistas da
aprendizagem” são percebidas tanto pelos professores quanto
pelos alunos.

356
Capítulo 13

Tabela 2 – Cenários de Investigação: construção de conhecimento


Falas Comentário
“acho que antes eles pensavam as- Postura do aluno diante de sua
sim: estou aqui para aprender. O fato aprendizagem, de postura mais pas-
de verem que são tão importantes siva para uma mais ativa (aprendem e
como a gente, que eles também po- ensinam, colaboram com o que é en-
dem ensinar. Eles criam um pouco caminhado). Responsabilidade, par-
de responsabilidade. Pensam assim: a ticipação, colaboração.
aula só vai dar certo se eu participar,
então eu tenho que ajudar a profes-
sora.” (Juliana)
“eles levam até contribuição de casa O aluno por inteiro leva e traz conhe-
no que veem na sala de aula... os pais cimento de e para a casa; os pais se
contribuem e depois dividem com os envolvem naturalmente.
colegas... os pais passam a acompa-
nhar mais o que acontece na sala de
aula” (Juliana)
“ensino há 26 anos e foi a primeira Neste relato a professora, já com
vez que fiz um projeto desses dentro grande experiência com a prática pe-
da ciência, da saúde, da alimentação dagógica, destaca que encaminhar
deles... o foco era em relação a uma cenários de investigação foi uma ex-
boa alimentação... e foi isso que eles celente maneira “de ensinar e apren-
aprenderam... os alunos tiveram um der com” seus alunos. A dinâmica de
outro olhar... perceberam também trabalho possibilitou clareza em rela-
como o estilo de vida influi na saú- ção ao foco do trabalho encaminha-
de... a evolução deles foi muito gran- do em termos de temática e conteú-
de em todos os termos... foi uma ma- dos. Ao longo do processo pode ver
neira que achei excelente, de ensinar que os alunos “tiveram outro olhar” e
e aprender com eles, ver o que con- construíram novas percepções sobre
quistaram... as conquistas da apren- a saúde em suas vidas. A professora
dizagem foram também mostradas destaca que as “conquistas da apren-
através das notas bimestrais... mos- dizagem” também tiveram impacto
traram mesmo que aprenderam o que nas “notas bimestrais”, contexto este
fizeram... minha avaliação é baseada em que puderam “mostrar mesmo
em tudo o que eles fazem... usando que aprenderam o que fizeram”.
a experiência que eles tiveram. Deu
para perceber a facilidade que tive-
ram para aprender... eu aprendi com
eles e eles comigo, aprendemos
juntos...” (Sylmara)

357
Parte 4

O ALUNO NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ENCAMINHADAS NA


ESCOLA

Na Tabela 3 são compartilhadas percepções sobre a atuação


dos alunos nas práticas pedagógicas encaminhadas na
escola: envolvimento, colaboração, interesse pelos estudos e
aprendizagem.

Tabela 3 - O Aluno nos Cenários de Investigação


Falas Comentário
“vamos falar o que percebemos com Nota-se a percepção de alunos cria-
os alunos... esse trabalho favorece tivos, autônomos e parceiros.
que as crianças criem, eles não ficam
esperando tudo da gente, eles vão e
fazem... e também há parceria... esse
trabalho ajuda a trabalharem juntos,
um depende do outro e cada um tem
uma função” (Gisele e Valéria)
“consegui observar em relação aos As dinâmicas de trabalho que os
alunos... que eles se tornam envol- cenários de investigação requerem,
vidos, compromissados, se tornam parecem dar mais espaço para os
autônomos, colaborativos, solidários, professores e gestores perceberem
motivados, disciplinados, curiosos e as possibilidades dos aprendizes
questionadores” (Gislene) (criativos, autônomos, parceiros).
E, do ponto de vista do aprendiz,
estes contextos, por considerarem
seus questionamentos e opiniões e
também oferecerem espaços para
sua ação e seu dialogo sobre o que
estão debruçados, parecem favore-
cer o interesse, a participação e a
colaboração na prática educativa.
“é um trabalho que desperta o inte- Este relato evidencia o sentimento
resse pelos estudos, surge responsabi- dos alunos de estarem fazendo algo
lidade no ar investigativo... O aluno importante em relação ao conheci-
está sempre envolvido fazendo algu- mento que estão construindo nos
ma coisa... tem momentos usando o cenários de investigação.
laptop... em outros ele está registran-
do, escrevendo” (Valéria)

358
Capítulo 13

Falas Comentário
“outra parte que foi interessante Mudança de papéis e de postura
e que não vejo em outros lugares: sobre o que é típico da ação do pro-
crianças registrando, fazendo reflexão, fessor e da ação do aluno no con-
anotando... sempre é o professor que texto de aprendizado.
tá fazendo... e aqui, só deles estarem
refletindo sobre o porquê... foi inte-
ressante” (M. Luísa)
“o aluno pode ser protagonista de sua O aluno como protagonista, no
aprendizagem. Quando é instigado controle do seu processo de apren-
ele se torna participativo. Os alunos dizagem.
podem ser ou se tornar autônomos
(Gislene)”

PLANEJAMENTO “ABERTO” – NOVA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Na Tabela 4, são abordadas questões relativas à dinâmica de


trabalho em sala de aula e a vivência de um planejamento aberto,
possibilitando ajustes na prática pedagógica sempre que possível
e necessário, em decorrência dos processos e resultados gerados
nos cenários de investigação.

Tabela 4 – Planejamento ”Aberto” – Nova Prática Pedagógica


Falas Comentário
“antes eu tinha o conteúdo pronto, Há adequação do planejamento a
agora a gente elabora junto... o as- partir dos trabalhos encaminhados
sunto surge, a gente discute e aí já junto à classe e as interações estabe-
vejo qual caminho que eu devo se- lecidas com os alunos. Os processos
guir” (Juliana) encaminhados, resultados obtidos
e diálogos estabelecidos orientam
o caminho a seguir e a composição
dos conteúdos. A abordagem leva
o professor a uma forma de pla-
nejamento aberto, às incertezas e
possibilidades que surgem no con-
texto situado da atividade com seus
alunos.

359
Parte 4

Falas Comentário
“Nós já trabalhávamos em grupo em Trabalhar em grupo vai além da di-
nossa escola, grupos de 4 crianças em visão da sala em unidades menores
cada mesa... então eles já estavam (grupos); não é só questão de layout
acostumados com isso. Só que a in- da sala; mas de restruturação das
teração ali foi além dessa interação ações; exige compartilhamento, fa-
que já havia na sala. A gente traba- zer junto.
lhava em grupo, numa roda, na sala,
no pátio para fazer o experimento”.
(Sandra)
“isso muda a dinâmica de sala de Com essa fala, percebemos a que-
aula... é movimento o tempo todo... bra de um mito de que o movimen-
digamos assim... eles estão trabalhan- to, o barulho é sinal de indisciplina.
do o tempo todo. Tem muito barulho, Vemos aqui o “barulho” do bem; da
mas é um barulho que nós percebe- situação de aprender junto.
mos que está gerando aprendiza-
gem... Você vê que naquilo que estão
fazendo, estão evoluindo” (Gisele)
“... muda a dinâmica de sala de aula... A disciplina para as atividades é con-
quando a gente jogava um desafio, sequência natural do interesse do
os alunos tinham uma autodisciplina aluno não da imposição pela auto-
que não era imposta... as coisas fluí- ridade do professor.
am bacana porque eles estavam inte-
ressados no assunto” (M. Helena)

CONTEXTOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA NA ESCOLA

Na Tabela 5 orientadores pedagógicos evidenciam percursos


e processos percorridos na escola a partir da proposição e
implementação dos cenários de investigação: contextos únicos,
significativos, mobilizando várias ressignificações na prática
escolar, inclusive em relação aos instrumentos de fomento e
avaliação da aprendizagem.

360
Capítulo 13

Tabela 5 – Percepção dos Orientadores Pedagógicos em contextos de For-


mação continuada na Escola
Falas Comentário
“os professores tiveram que “plane- Este é mais um exemplo do “plane-
jar com”, muito diferente de “planejar jamento aberto” a que leva a meto-
para”. Neste caso [planejar para] é o dologia, observado pela orientadora
professor quem dá uma aula que ele pedagógica na ação dos professores
pensa, planeja, executa. O professor envolvidos.
que trabalha com investigação, pla-
neja com o aluno para que o proces-
so aconteça” (Flávia)
“isso foi algo que a gente viu: expe- Aqui a constatação da orientadora
rimentos integrados ao currículo e pedagógica de que a aprendizagem
provocando currículos... foi a partir baseada na investigação é ortogonal
do currículo que a gente começou a ao currículo, isto é, é possível traba-
pensar o planejamento... e como as lhar o conteúdo curricular com esta
meninas disseram... uma pergunta abordagem metodológica.
traz outra... então o currículo se re-
constrói”. (Flávia)
“houve mudança no lugar de cada um Neste relato da orientadora peda-
dos autores no espetáculo do apren- gógica fica evidente que a metodo-
der. Ninguém está mais no seu lugar, logia de formação encaminhada no
nem no espaço físico... ter compe- Projeto ABInv possibilitou que cada
tência para fazer... nós procuramos escola e cada profissional pudesse
juntos... cada um foi tentando achar construir o seu percurso de atuar
o seu jeito... Acredito que as pessoas nos cenários de investigação reali-
que experimentaram trabalhar com a zados com seus alunos. Não havia
investigação não vão conseguir vol- “receitas” a seguir, havia orientações,
tar para outros estágios... e na escola espaços para diálogos e comparti-
é um processo que está se construin- lhamento das práticas viabilizando
do... é um processo que não é linear, que aos poucos cada contexto fos-
que se mistura com outros”. (Flávia) se construindo “suas competências
para fazer” a prática pedagógica
nas bases propostas nesta pesquisa.
Neste relato a orientadora destaca
que o processo de construção da
prática pedagógica viabilizada nos
cenários de investigação não é linear
e que vai se misturando com outros
processos que ocorrem na escola.
Podemos dizer ainda que esta res-
significação é que vai viabilizando a

361
Parte 4

Falas Comentário
apropriação em cada um dos espa-
ços escolares, tornando-os únicos,
específicos e significativos para os
que deles participam.
“Não dá mais para acompanhar a es- Neste relato a orientadora peda-
cola como eu acompanhava antes... o gógica mostra que os impactos na
processo da relação docente-discente prática escolar também ocorreram
está acontecendo de outro jeito. Não na gestão em termos de constituir
adianta mais pedir no início do ano o plano anual de trabalho da equipe
que tal professor faça o planejamen- escolar e, ao longo do processo, es-
to e fazer “check lists” do que foi en- tabelecer ajustes que se mostrarem
sinado... e ver se o aluno tá apren- necessários em função das práticas e
dendo só pela “prova Brasil” e as resultados vivenciados nos cenários
provas trimestrais... Eu penso que a de investigação postos em ação pe-
forma antiga de fazer orientação pe- los professores com seus alunos. Há
dagógica não cabe tão bem ao pro- que se pensar também em articular
cesso ABInv. Tenho que ir me achan- outros processos e instrumentos de
do de outra maneira: como consigo fomento e avaliação das aprendi-
estar na sala com eles, uma vez que zagens dos alunos, bem como das
também tenho que ser co-aprendiz práticas pedagógicas encaminhadas
nesse processo, colaborando, estan- pela equipe escolar.
do presente... É preciso rever e des-
cobrir caminhos”. (Flávia)
“na comunidade todos são impacta- Neste relato é relevante observar que
dos porque você mexe com a vida os impactos ocasionados com a im-
de todo mundo. O inspetor tem que plantação dos cenários de investiga-
correr atrás de um recurso, tem que ção na escola demandam participa-
ajudar a olhar um aluno que está se ção mais ativa não só do aluno e do
movimentando. A direção da escola professor, mas também dos outros
fica desesperada, fica de cabelo em profissionais e gestores da escola. As
pé porque o “Uquinha” [laptop UCA] atividades ocorrem em diferenciados
vai para a casa com o aluno... há a tempos e espaços da escola e são
demanda de se tornar mais ativo no encaminhadas em varias dinâmicas
processo porque tem que colocar a de trabalho com diferenciados recur-
mão na massa sempre.” (Flávia) sos e isso demanda que mais gente
“coloque a mão na massa” e em vá-
rios momentos do percurso.

362
Capítulo 13

Falas Comentário
“há necessidade de aprender outras A abordagem pela investigação abre
formas de avaliar os alunos... ava- espaço para se reconhecer que no-
liar um processo, o que o aluno fez, vas formas de avaliar o desempenho
o que produziu... registros, relató- dos alunos são possíveis.
rios... professores que desenvolve-
ram os projetos saíram satisfeitos
com os resultados... perceberam que
existem outras formas e ensinar e
avaliar” (Gislene)
“temos este hábito... a gente faz, faz, O Fazer apenas não é mais suficiente;
mas não registra nada... então houve a reflexão sobre o processo deman-
necessidade de ensinar que não era da formas de registro sobre o que é
só fazer, os professores precisavam feito, que favorecem os processos de
documentar o que foi feito... tinha análise de resultados.
que ter relatório, precisava fotogra-
far, filmar e guardar esses registros”.
(Gislene)
“é possível trabalhar a interdiscipli- A orientadora pedagógica neste re-
naridade atendendo o currículo. Até lato destaca que a vivência com os
então a gente trabalhava a interdis- cenários de investigação realizada na
ciplinaridade na festa junina, no fol- escola possibilitou ao professor tra-
clore, em datas comemorativas. Mas, balhar conteúdos de diferenciadas
atendendo o currículo, a gente nun- áreas e elementos curriculares.
ca tinha conseguido. Isso é muito di-
fícil” (Gislene)
“participação da formação continua- Novamente, esta fala aponta para a
da... essa formação a gente percebe ideia de “planejamento aberto”, fle-
que faz diferença... querendo ou não xível, que deve acomodar o contexto
as pessoas ficam por dentro do que situado (e não o contrário).
vem acontecendo na escola... é pre-
ciso se manter informado... planejar
e replanejar, principalmente, se faz
necessário”. (Gislene)

363
Parte 4

PROJETO ABInv e METODOLOGIA: RESULTADOS

Na Tabela 6 estão agrupadas algumas reflexões do grupo a


respeito da metodologia utilizada no projeto ABInv e os resultados
alcançados, dentre eles: fomento à qualidade da aprendizagem;
reestruturação e refinamento da prática pedagógica alinhada
ao processo de investigação; aprendizagem continuada, situada
e compartilhada ocorrendo em vários contextos; registros e
reflexões sobre as dinâmicas de trabalho encaminhadas na
escola, estabelecimento de parcerias e colaborações bem como
constituição de espaços para diálogo e formação no cotidiano da
equipe escolar, aproximação da escola com os alunos e familiares.

Tabela 6 - Projeto ABInv e Metodologia: resultados


Falas Comentário
“a primeira relação que faço com os No ABInv, os professores e orienta-
resultados do Projeto é com a qua- dores pedagógicos foram desafiados
lidade da aprendizagem... A gente em seu controle sobre a condução
teve uma proposta de alguma coi- do processo de ensino/aprendiza-
sa que nos trouxesse qualidade de gem; eles precisavam estar abertos
aprendizagem... A gente que está lá para as perguntas dos alunos e não
dentro na escola atualmente vê que deles próprios, pré-planejadas. Nes-
a aprendizagem não é uma coisa se sentido precisaram compartilhar o
que está muito fácil de conquistar controle da situação com os alunos.
não... dar conta de alunos que têm
perguntas a fazer... este foi o impacto
assim mais provocador... ensinar pelo
viés do aprender, do ensinar a apren-
der”. (Flávia)
“apesar de ter participado do projeto Aqui fica claro o ponto de refina-
de investigação no ano anterior, esse mento da metodologia, conforme
ano a proposta foi diferente. A gente discutido no Capítulo 2. Inicialmen-
tinha um plano para preencher. Era te trabalhar o processo de “investi-
mais estruturado. E, no momento gação” pode ser confundido com o
que vi aquele plano, eu fiquei es- que muitos professores já realizam
pantada: achei que não ia dar conta. com “projetos” e “temas geradores”;
Então fui estudar, ler para tentar en- foi necessário uma abordagem mais
tender o que era isso. Adquirir essa sistemática e estruturada sobre o
segurança para passar para o grupo, processo de investigação (conforme
para mim levou um tempo” (Gislene) apresentado no Capítulo 3) para que

364
Capítulo 13

Falas Comentário
os professores se dessem conta de
que a proposta era outra.
“... trabalhar com aprendizagem por A divisão de controle com o aluno,
investigação... o professor tem que sua abertura para a pergunta/fala do
ter o espírito de pesquisador. Nós no- aluno, conforme discutido anterior-
tamos isso porque o professor tem mente, leva o professor à constata-
que estar preparado para também es- ção de que ele aprende também.
tar buscando... porque quando você
abre para o aluno [falar], pergunta
para ele... você tem que buscar o
tempo inteiro. Isso é muito bom para
nossa prática. Nós também cresce-
mos junto com o Projeto. Exige mais
tempo do professor e tem que estu-
dar... A gente aprende o tempo todo,
não tem como, é inevitável a questão
de aprender.” (Gisele)
“eu tive também algumas descober- Em seu relato a orientadora peda-
tas. Primeiro aprendi a organizar e gógica evidencia a relevância de ela-
valorizar os registros. Hoje tudo que borar registros sobre as práticas pe-
faço, eu tiro foto, gero relatório, or- dagógicas encaminhadas na escola.
ganizo em pastas... aprendi muito Estes registros são úteis para o esta-
com a Juliana quando mostrava os belecimento de reflexões dos profes-
textos dos alunos... comparando os sores nas reuniões de planejamento
registros dos alunos ela foi mostran- e avaliação, em atividades de forma-
do como o aluno evolui... aprendi ção de professores encaminhadas na
também a aguçar minha observa- escola e também para compartilhar
ção: passei a atentar aos detalhes”. com os pais a metodologia, proces-
(Gislene) sos e resultados obtidos nas dinâmi-
cas de trabalho encaminhadas junto
aos alunos.
“respeitar o tempo de aprendizado de Todos aprendem no processo ABInv:
cada um: do aluno, do professor e, o aluno, o professor e a orientadora
principalmente, do meu. Eu também pedagógica, conforme sua própria
tinha essa visão de que eu tinha que constatação. Não é necessário ter
saber e dominar tudo. Só depois de respostas prontas, em qualquer dos
um tempo fui perceber que eu tam- três níveis (aluno, professor, orienta-
bém precisava de um tempo para me dor), o importante é ter perguntas,
apropriar, que esse tempo também hipóteses, experimentar, registrar,
era necessário”. analisar resultados e compartilhar.

365
Parte 4

Falas Comentário
“Valorizar o contato e afetividade com Nesse processo, até as relações afe-
o aluno... eu percebi que quando a tivas entre as partes ficam diferen-
gente tem um contato mais próximo, tes, uma vez que todos estão juntos
ter essa afetividade com o aluno, no mesmo barco. O professor não é
trabalhar com eles se torna mais mais quem pergunta e espera/cobra
fácil. Ele te respeita mais. Ele vê em a resposta certa do aluno, mas aque-
você uma pessoa que pode confiar e le que orienta o processo de inves-
isso faz o aprendizado se tornar mais tigação. Se a família foi envolvida é
fácil”. porque o aluno levou informação
“Aproximação com as famílias... para casa, naturalmente; por exem-
com o Projeto houve aproximação, plo, comentando sobre as lagartas
pois eles sabem que eu fiz parte do na horta da Escola, não apenas para
processo”. atender uma “Lição de casa”.
“aceitar as mudanças. Aceitar que não
há só um meio de se fazer as coisas”.
(Gislene)
“eu gostei muito disso, foi importan- Aqui a professora comenta sobre a
te a conversa com vocês, que tivemos dinâmica de formação no ABInv (ver
no ano passado, um encontro quase Capítulo 3), como um processo que
todo mês. Isso me deixou bem tran- esteve compromissado com sua prá-
quila... nós tivemos a colaboração de tica na sala de aula.
todos, foi aberta uma parceria, até na
hora de colocar os autores no capítu-
lo do livro... eu acho que todo mun-
do cooperou, todo mundo ajudou e
foi bem legal, foi muito produtivo...”
(Sylmara)
“na elaboração do capítulo que regis- Promover a reflexão dos profissio-
tra cada passo do Projeto eu fiquei nais a partir de relatos sobre a prá-
surpresa com os resultados. Foi o tica viabiliza a sistematização das
momento em que eu pude rever tudo atividades, processos e propostas
o que tinha acontecido no período. pedagógicas realizadas na escola.
Com a correria do dia a dia eu não Além disso, a reflexão sobre a ação
tinha noção da grande evolução... que realiza permite identificar e ex-
quando as atividades foram desen- plicitar processos e resultados que
volvidas, quantas dúvidas foram le- muitas vezes não são percebidos
vantadas pelos alunos e como en- enquanto se realiza a atividade com
contramos respostas para elas juntos os alunos. Aqui também a professo-
e não só um, mas todos os alunos ra ilustra a quebra de um dos mitos
contribuíram muito. [No início da de que a aprendizagem baseada na

366
Capítulo 13

Falas Comentário
minha participação no Projeto] eu investigação seria só para os alunos
não acreditava que uma criança de maiores.
6 anos poderia levantar uma ques-
tão, fazer um projeto de investiga-
ção. Hoje vejo que eles foram além”.
(Juliana)
“Planos Futuros: Concluímos que o O impacto do Projeto ABInv se re-
ABInv fez diferença em nossa escola, flete na proposta da orientadora pe-
gerando um movimento diferente dagógica de abrir o processo a toda
e um envolvimento maior por parte a Escola, formalmente via seu plano
de todos. Sendo assim, pretendemos pedagógico.
incluir o Projeto na proposta pedagó-
gica da escola, de forma a garantir
que todos os professores desenvol-
vam, durante o ano letivo, ao menos
uma atividade investigativa com seus
alunos.” (Gislene)
”rotatividade do corpo docente... é O problema da rotatividade do corpo
desafio, pois não dá para você uni- docente na Escola demanda uma for-
ficar ação [enquanto gestão escolar, mação continuada, capitaneada pela
plano pedagógico]... não está todo orientadora pedagógica, para essa
mundo no mesmo passo, tem uns nova abordagem; esse esforço pode
que já compraram a ideia e estão ser realizado pelos próprios “pares”
lá fazendo, e tem outros que estão (aqueles que estão com o passo mais
chegando e nem têm ideia do que é à frente) junto aos demais.
isso... lidar com essa rotatividade é
um problema” (Flávia)
“sustentabilidade do Projeto, eu acho Sem dúvida que são muitas as “par-
que tem que ter um investimento, tes” envolvidas em qualquer ação
uma cultura da escola, e isso extrapo- inovadora de ensino; não é diferente
la até a escola, envolve o município, no ABInv. Ação de formação conti-
a secretaria de educação, em relação nuada na Escola, como comentado
a uma adoção de uma prática de for- anteriormente, é necessária e pode
mação continuada... Outra coisa é ser planejada de forma articulada às
ter um tempo para o grupo trocar o ações formais (da gestão da Escola
que é feito dentro da própria escola... em relação à Secretaria de Educa-
Deixar também alguns “marcos” dos ção), ou mesmo informais entre os
cenários realizados. Esses desdobra- próprios “pares”.
mentos se a gente conseguir fazer
seria um jeito de chamar a atenção
de outros professores e de outras
crianças”. (M. Helena)

367
Parte 4

AS PALAVRAS ESSENCIAIS

Para concluir, vale observar os momentos iniciais e finais do


caminho trilhado. Para tanto apresentamos pares de nuvens
de palavras que registram a essência dos conceitos de Ciência,
Pesquisa e Método Científico em dois momentos do caminho: o
primeiro e o último seminários ABInv. As nuvens de palavras (tag
clouds) foram obtidas da expressão da escrita livre e anônima
dos participantes dos dois Seminários para como cada um
definia Ciência, Pesquisa e Método Científico. O tamanho das
palavras é proporcional ao número de vezes que ela ocorreu nas
definições. Assim, as palavras mais “salientes” sugerem a essência
da concordância do grupo nas respostas. A Tabela 7 apresenta as
nuvens sobre o que é ciência, coletado em 2012 e em 2013.

Tabela 7 – O que é CIÊNCIA?


O que é Ciência (2º Seminário 2012)

O que é Ciência (5º Seminário 2013)

368
Capítulo 13

Conhecimento e Estudo se mantêm nos dois momentos e


Fenômenos perde destaque em 2013; lembrando que, no início,
Ciência era muito associada ao estudo dos fenômenos da natureza,
do corpo humano, como abordada na disciplina de “Ciências”.
Em 2013 há destaque para Descoberta, Processo, Prática, Mundo,
sugerindo o impacto do Projeto ABInv na ressignificação dos
envolvidos. Ciência parece perder um pouco a associação com o
cientista, para refletir também processo coletivo, social.
Na Tabela 8 são apresentadas as nuvens sobre o que é
pesquisa, coletado em 2012 e em 2013.

Tabela 8 – O que é PESQUISA?


O que é Pesquisa? (2º Seminário 2012)

O que é Pesquisa? (5º Seminário 2013)

369
Parte 4

Busca, Estudo e Informação se mantêm. Em 2013,


Investigação também aparece no infinitivo (Investigar). Outras
palavras relacionadas ao processo de investigação ganham
destaque (Fenômeno, Objeto, Experimento, Hipóteses, Variáveis)
e também palavras ligadas a ações (Ação, Estudo, Resposta,
Descobrir, Buscar/Busca, Testar, Conclusão), sugerindo um
processo sistemático de construção de conhecimento.
Na Tabela 9 constam as nuvens sobre o que é método
científico, coletado respectivamente em 2012 e 2013.

Tabela 9 – O que é MÉTODO CIENTÍFICO?


O que é Método Científico? (2º Seminário 2012)

O que é Método Científico? (5º Seminário 2013)

Em 2013, Procedimento ganha destaque em paralelo com


pesquisa, sugerindo o “como” fazer pesquisa. Método, Pergunta,
Hipóteses, Conclusão e Experimento ganham destaque, suge-
rindo elementos do meta-modelo. Palavras em menor destaque,
relacionadas ao refinamento do meta-modelo também emer-
giram: Comprovação/Comprovável, Estratégias, Técnicas, Meio,

370
Capítulo 13

Meta, Organizar, Sistematizada, Planejamento, Elaboração, Apro-


fundamento, Aprender, Reflexão.
Os resultados do Projeto ABInv reportados neste livro por
vários de seus atores não se fizeram sem que enfrentássemos
desafios de várias naturezas, angústias em questionar velhas
práticas e trilhar território novo, mas todos enxergamos luz no
final do túnel. Os profissionais que deixaram aqui sua contribuição
estiveram imersos num processo dinâmico de aprendizagem
baseada na investigação e o fizeram de maneira envolvente e
comprometida. A narrativa do Projeto ABInv certamente não se
esgota aqui. Como todo processo investigativo, novas indagações
devem estar motivando sua continuidade em algum tempo e
lugar. 
 

371

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