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CURITIBA
2019
DÉLRICK DOS ANJOS RAMOS
LETÍCIA FERNANDA CHAGAS DE OLIVEIRA
CURITIBA
2019
DÉLRICK DOS ANJOS RAMOS
LETÍCIA FERNANDA CHAGAS DE OLIVEIRA
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________
Prof. Dr. Otto Leopoldo Winck
Pontíficia Universidade Católica do Paraná
_____________________________________
Profa. Dra. Tallyssa Izabella Manchado Sirino
Pontíficia Universidade Católica do Paraná
Agradeço ao meu marido, Marcos de Castro Leal Junior, pelo amor, paciência e
prestatividade durante esse processo. Você é o melhor revisor que nosso trabalho
poderia ter, e o melhor marido do mundo. Te amo, para sempre!
Agradeço ao meu sogro e sogra, Marcos e Cristiane, pelo acolhimento e suporte que
viabilizaram o presente trabalho, e também a conclusão da minha graduação. Não
sou capaz de expressar minha gratidão, que é imensa e eterna.
Eu, Délrick, agradeço ao apoio de meus pais José Rubens Ramos e Roseli dos
Anjos Ramos por sempre fazerem o melhor que puderam para me dar- me um bom
estudo e me orientar -me durante minha infância e adolescência.
Sou muito grato também a minha companheira Fernanda Inglat que sempre se
mostrou muito engajada e interessada com o assunto, me ajudando- me com
discussões acerca do assunto e também com muito amor. Foi preciso ter muita
paciência para lidar com um formando escrevendo seu projeto de conclusão de
curso, te amo- te por isso.
Nós, Delrick e Letícia, agradecemos àa Natália Closs pela ideia inicial que deu
formato ao nosso trabalho. Sem você, esse trabalho não existiria.
Agradecemos ao pProfessor Otto por ter direcionado a temática de nosso TCC para
Dom Casmurro. É um livro que nos marcou e nos acompanhou a vida inteira, e não
poderíamos ter tido uma indicação melhor.
Eu, Letícia, agradeço a meu amigo Delrick pela parceria um tanto única, desde o
primeiro dia em que entrei na PUCPR. Sem você, eu não teria chegado tão longe.
Não tinha outro jeito de terminar a faculdade a não ser escrevendo o trabalho mais
importante da graduação, com você. Obrigada por mais essa conquista. Te amo!
E eu, Délrick, fico feliz de ter conhecido a minha amiga e parceira Letícia pois sei
que posso contar com ela para tudo; seja conversar e se divertir ou realizar
atividades acadêmicas tão importantes quanto o trabalho final. A realização deste
mostrou que amigos podem trabalhar em equipe sem brigas ou desentendimentos.
Sem ela, esses anos letivos não teriam sido tão incríveis, é uma amizade que
certamente quero levar para a vida. Amo-te.
“É que tudo se acha fora de um livro falho,
leitor amigo. Assim preencho as lacunas
alheias... assim também podes preencher
as minhas”
(Dom CasmurroASSIS, capítulo 591981, p.75).
RESUMO
EsteO presente estudo teve como objetivo principal compreender como, através da
obra Dom Casmurro, as relações de gêneros enraizadas no sistema patriarcal a
dominação masculina está representada e se legitima na obra “Dom Casmurro” de
Machado de Assis. A narrativa se passa no final do século XIX, e o romance é
narrado em primeira pessoa por Bento Santiago. Desta forma, fez-se necessário
analisarpara viabilizar a análise, foi investigado o papel da mulher emdesse
narrador-personagem dentro da sociedadeobra, tomando como base osverificando
como indícios que representavam a dominação masculina se legitima na narrativa
apresentada por Bentinhoem sua narrativa, inserindo o contexto social patriarcal no
qual a obra se encontra. Indícios estes que definem palavras pejorativas como
oblíqua e dissimulada dita por Bento, para construir a Capitu esperta e curiosa, que
perturba a ordem patriarcal. Portanto, foi verificado na análise que lugar esse
narrador ocupa como homem socialmente e familiarmente na obra e de que modo é
feita a construção da figura mulher e a sua percepção a respeito de Capitu. O
discurso do narrador parte de um lugar que o evidencia como um cultuador do modo
patriarcal, que silencia as mulheres, assim como é o caso da personagem Capitu.
Além disso, foi possível identificar as relações entre o discurso constituinte da
literatura, o poder e o patriarcalismo, formando uma ligação que subalterniza as
figuras femininas, tendo em vista que, na obra em questão, elas estão sob a
perspectiva única do dono e senhor da narrativa. A pesquisa é de cunho qualitativo e
bibliográfico e, para alcançar o objetivo, buscamosbuscou-se estudos basilares
como os de Pierre Bourdieu (2019), Elisabeth Badinter (1993), Mário de Alencar
(1959), Sonia Guarita do Amaral (2009), John Gledson (1991), Ruth Silviano
Brandão (2006), Robert Schwarz Pierre Bourdieu (1998), Elisabeth Badinter, Mário
de Alencar, Sonia Guarita do Amaral, John Gledson (1991), John Kenneth Galbraith
(1999), Ruth Silviano Brandão (2006), Robert Schwarz (1991), entre outros. A partir
das análises, foi possível observar conceitos e conexões sobre o patriarcalismo e as
estratégias discursivas de Bentinho, como e com quais objetivos e intenções o
narrador se coloca. O estudo está divido em duas partes: , primeiro, referente aa
análise daos personagens masculinos e suas respectivas relações com o
patriarcadoconstrução e validação da masculinidade das personagens homens da
obra, bem como a presença da masculinidade tóxica nas ações do narrador-
personagem; Em seguida, quanto a Capitu e como essa personagem é exposta à
dominação masculina em questão. e por segundo as consequências das atitudes
deles em Capitu. Finalizando o trabalho, procuramos entender como se revela o
discurso literário e como Bentinho constrói esse discurso a respeito de Capitu. Ao
longo da pesquisa, pudemos perceberfoi possível verificar que a masculinidade de
José Dias, Tio Cosme, Pádua e Escobar são testadas e desqualificadas pelo
narrador e também pela sociedade patriarcal; Bentinho é a voz unilateral da
narrativa e, em sua posição de dominador social, utiliza de atitudes aqui
classificadas como tóxicas, para se relacionar com as outras personagens na obra;
E Capitolina é a representação central da mulher fora dos padrões esperados para a
época, sofrendo os efeitos de uma sociedade patriarcal que legitima a dominação
masculina.
a figura dela é subalternizada por esse discurso de Bento, que a coloca como uma
mulher fora dos padrões julgando-a por não ser a mulher dona de casa que a
sociedade idealiza.O presente trabalho tem como objetivo analisar como a
dominação masculina se apresenta na obra de Machado de Assis, “Dom Casmurro”,
considerando o contexto social e histórico em que a obra está inserida.
se as escolas da rede estadual de São Paulo que oferecem o ciclo único, possuem
melhores resultados no IDESP que as escolas que oferecem o ciclo misto. Já que
esse é um dos motivos alegados pela secretaria de Educação de São Paulo para a
proposta de reorganização escolar em 2015, busca-se nessa análise a veracidade
dessa afirmação feita pela Secretaria. Será que realmente as escolas exclusivas
possuem melhores indicadores de qualidade que as escoas não exclusivas? Será
que o IDESP é um indicador de qualidade suficiente para classificar a qualidade do
ensino de uma instituição escolar? A partir desse pressuposto, foram analisados
resultados do IDESP de 43 escolas da rede estadual do município de Guarulhos do
ano de 2008 até o ano de 2015. Entre elas estão escolas que oferecem ciclo único e
ciclo misto, oportunizando assim a possibilidade de uma comparação. De acordo
com a análise dos dados, não foi identificada tal discrepância entre os resultados do
IDESP obtidos pelas escolas, não podendo ser um argumento decisivo para ser
usado pela Secretaria como motivo para reorganização.
O texto do resumo deve ter entre 150 e 500 palavras. O texto do resumo deve conter
a apresentação do tema, o problema ou objetivo geral da pesquisa, a metodologia, e
os principais resultados. Deve ser redigido em parágrafo único, mesma fonte do
trabalho, e espaçejamento linhas simples. Resumo resumo rsumo resumo resumo
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resumo.
This study aimed to understand how male domination is represented and legitimated
in the work "Dom Casmurro" by Machado de Assis. The narrative takes place in the
late nineteenth century, and the novel is narrated in the first person by Bento
Santiago. Thus, to enable the analysis, the role of this narrator-character within the
work was investigated, verifying how male domination is legitimized in his narrative,
inserting the patriarchal social context in which the work is placed. The research is of
a qualitative and bibliographical nature and to reach the objective we sought basic
studies such as Pierre Bourdieu (2019), Elisabeth Badinter (1993), Mario Alencar
(1959), Sonia Guarita do Amaral (2009), John Gledson (1991), Ruth Silviano
Brandão (2006), Robert Schwarz (1991), among others. The study is divided into two
parts: first, referring to the analysis of the construction and validation of the
masculinity of male characters in the work, as well as the presence of toxic
masculinity in the actions of the narrator-character; Then, about Capitu and how this
character is exposed to the male domination in question. Throughout the research, it
was possible to verify that the manhood of José Dias, Uncle Cosme, Padua and
Escobar are tested and disqualified by the narrator and also by the patriarchal
society; Bentinho is the unilateral voice of the narrative and, in his position as social
dominator, uses attitudes classified here as toxic to relate to the other characters in
the work; And Capitolina is the central representation of women outside the expected
standards of the time, suffering the effects of a patriarchal society that legitimizes
male domination.
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................10
2 MASCULINIDADE E SUA CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA.....................13
2.1 VISÃO DETERMINISTA E CONSTRUTIVISTA DOS GÊNEROS.................15
2.2 DOMINAÇÃO MASCULINA E SUAS ORIGENS...........................................16
3 A CONTRIBUIÇÃO DO PATRIARCADO PARA A FORMAÇÃO DA FIGURA
MASCULINA NA SOCIEDADE..................................................................................24
3.1 O PATRIARCADO..........................................................................................24
3.2 O PATRIARCADO NA SOCIEDADE BRASILEIRA........................................26
4 CONSTRUÇÃO DA MASCULINIDADE COMO TÓXICA.............................28
5 CONTEXTUALIZAÇÃO DO AUTOR E OBRA..............................................30
5.1 O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DA OBRA...........................................33
6 ANÁLISE DA OBRA......................................................................................36
6.1 A DOMINAÇÃO MASCULINA NAS PERSONAGENS HOMENS DA OBRA 36
6.1.1 José Dias: O agregado Bajulador...............................................................38
6.1.2 Tio Cosme e a Masculinidade Sexual Corrompida...................................41
6.1.3 Pádua e o rompimento com a Dominação Masculina..............................42
6.1.4 Escobar: o preço social da demonstração afetiva...................................44
6.1.5 Bentinho: a análise de uma Masculinidade Tóxica..................................45
6.2 CAPITU: O RETRATO DA MULHER EXPOSTA A DOMINAÇÃO
MASCULINA................................................................................................................49
6.3 CAPITU COMO UMA MULHER A FRENTE DE SEU TEMPO......................54
7 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES....................................................................57
REFERÊNCIAS...........................................................................................................59
11
1 INTRODUÇÃO
1
Tradução dos autores. .
12
da protagonista e a partir de tal análise verificar, se, por exemplo, houve ou não a
traição de Capitu e Escobar. Porém, é necessário abordar os elementos externos
da sociedade em que o livro se passa, bem como a sociedade real do escritor
Machado de Assis, questionando possíveis comportamentos abusivos e tóxicos por
parte de Bento Santiago, até mesmo utilizando-os por parte de Machado como uma
crítica à sociedade da época.
Mesmo que seja necessária certa cautela em se estudar uma relação literária
esculpida em uma sociedade totalmente patriarcal, tradicional, conservadora,
perpassando por momentos políticos turbulentos nos últimos dez anos antes da
conclusão de Dom Casmurro, a masculinidade tóxica (termo bastante recente para
definir o comportamento prejudicial de um homem na sociedade em que o mesmo
está inserido) em Bentinho pode ter sido um dos fatores fundamentais na
construção de um dos textos literários mais célebres da literatura nacional.
Ao questionarmos apenas a personagem feminina Capitu acerca do
adultério, tendemos a não realizar uma reflexão profunda dos elementos que
constroem a personagem de Bento Santiago, ignorando-se, portanto, o momento
em que o aludido personagem conduz a narrativa permeado de uma masculinidade
e virilidade imposta diante do contexto social do período histórico.
Em muitas análises realizadas sobre a obra “Dom Casmurro” não há uma
reflexão profunda dos elementos que constroem a personagem de Bento Santiago,
ignorando-se, portanto, o momento em que o aludido personagem conduz a
narrativa permeado de uma masculinidade e virilidade imposta diante do contexto
social do período histórico.
Neste sentido, qual seria a real contribuição das condutas de Bentinho na
construção de Dom Casmurro? Teria a personagem, a partir de uma masculinidade
tóxica, contaminado o relacionamento com a outra protagonista e transferido esse
cenário para o relato de sua história?
O presente trabalho se dedicará a visualizar, diante do contexto do momento
histórico, como a mencionada masculinidade de Bentinho, seus comportamentos,
condutas e atitudes direcionaram a trama e contribuíram robustamente para o
desenvolvimento de toda a história do livro. Podemos confiar no relato de Bentinho
ao inseri-lo em uma sociedade patriarcal, bem como sua própria estrutura familiar
que também apresenta sua formação pautada nesse regime, aliado à unilateralidade
de relato de um personagem masculino? A masculinidade tóxica inserida a este
13
[...] reclamam seus direitos de cidadãs por inteiro, pretendem ganhar a vida
fora do lar e já anunciam: ‘’Para trabalho igual, salariosalário igual’’. A
maioria dos homens reage com hostilidade ao movimento de emancipação
das mulheres. [...] Ccomo observa Annelise Maugue com exatidão, os
homens temos homens têm medo (MAUGUE apud BADINTER, 1993, pg.
15).
Há, ainda, outra linha de pensamento descrita pela autora, reservada à visão
feminista sobre o diferencialismo de gênero que tem ênfase no papel e na
caracterização da mulher. A autora cita algumas correntes dessa visão, mas para o
presente trabalho é necessário o enfoque em como o masculino é visto percebido e
se constrói dentro dessa corrente, de um âmbito geral; já as correntes feministas se
preocupam, por lógica, com a mulher e suas considerações. PConclui-se, portanto,
segundo a pela autora que a base da visão diferencialista culmina em um gênero
sendo valorizado acima do outro. BADINTER (1993, p. 27) instrui que:
[...] o fato de que a ordem do mundo, tal como está, [...] ou, o que é ainda
mais surpreendente, que a ordem estabelecida, com suas relações de
dominação, seus direitos e suas imunidades, seus privilégios e suas
injustiças, salvos um poucos acidentes históricos, perpetue-se apesar de
tudo então facilmente, e que condições de existência dais mais intoleráveis
possam permanentemente serem vistas como aceitáveis ou até mesmo
como naturais (BOURDIEU, 2019, p.11).
Como estamos incluídos como homem ou mulher, no próprio objeto que nos
esforçamos por aprender, incorporamos, sobre a forma de esquemas
inconscientes de percepção e de apreciação, as estruturas históricas da
ordem masculina; arriscamo-nos, pois, a recorrer, para pensar a dominação
masculina, a modos de pensamento que são eles próprios produtos da
dominação”. (BOURDIEU, 2019, p.17)
Ele busca historicizar esses pensamentos que parecem ser naturais, tanto no
campo simbólico quando nas práticas, contestando assim essa dominação
masculina mesmo quando esta se configura de forma a parecer legítima, até mesmo
para mulheres. Para realizar tal feito, o autor classifica como “arbitrária em estado
isolado, a divisão das coisas e das atividades” (BOURDIEU, 2019, p. 21) que se
relacionam ao sexo feminino e ao masculino dentro de uma sociedade. E acerca
dessa arbitrariedade que parece não ter uma origem histórica, remetendo o
20
Lembrar que aquilo que, na história, aparece como eterno não é mais que
um produto do trabalho de eternização que compete a instituições
interligadas tais como a família, a igreja, a escola, e também, em uma outra
ordem, o esporte e o jornalismo [...], é reinserir na história e, portanto,
devolver à ação histórica, a relação entre os sexos que a visão naturalista e
essencialista dela arranca [...]. (BOURDIEU, 2019, p.8).
[...] na qual a divisão entre os sexos, tal como a conhecemos, se produz; ou,
em outros termos, de tratar a análise objetiva de uma sociedade organizada
de cima a baixo segundo o princípio androcêntrico (a tradição cabila), como
uma arqueologia objetiva de nosso inconsciente, isto é, como instrumento
de uma verdadeira socioanálise. (BOURDIEU, 2019, p.14).
21
A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a
ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social
do trabalho, distribuição bastante restrita das atividades atribuídas a cada
um dos dois sexos, de seu local, de seu momento, seus instrumentos; é a
estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado,
reservado aos homens, e a casa, reservada às mulheres; ou, no interior
desta, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o
estábulo, a agua e os vegetais; é a estrutura do tempo, a jornada, o ano
agrário, ou o ciclo de vida, com momentos de ruptura, masculinos, e longos
períodos de gestação, femininos. (BOURDIEU, 2019, p.24)
Aqui, é possível fazer uma relação teórica quanto a explicação biológica para
a dominação masculina, com as ideias expostas por Elisabeth Badinter acerca da
explicação sociobiológica dentro da visão determinista sobre a caracterização da
masculinidade, onde em que a biologia humana também é levada em consideração
para explicar a construção do ser humano homem e suas características
masculinas.
Outros signos corporais também são símbolos da divisão imposta para cada
um dos sexos, como a cintura feminina para o teórico. A cintura é símbolo de
“fechamento do corpo feminino, braços cruzados sobre o peito, pernas unidas,
vestes amarradas, que, como inúmeros analistas apontaram, ainda hoje se impõem
às mulheres nas sociedades euro-americanas atuais.” (BOURDIEU, 2019, p.33). O
próprio ato sexual, segundo Bourdieu, se aplica- se como uma “relação social de
dominação” (BOURDIEU, 2019, p.42) onde em que o masculino possui o papel
ativo e de dominação, e a mulher se ocupa da passividade e “do reconhecimento
erotizado dessa dominação” . (BOURDIEU, 2019, p.42)..
Na obra, podemospode-se visualizar a descrição erotizada da mulher,
inclusive com atribuição à culpa pela vontade de Bento em praticar relações sexuais,
mesmo estando em um seminário. A cena é ilustrada no trecho em que, após
presenciar uma mulher caindo na rua e, acidentalmente, ver a cinta-liga que ela
utilizava, Bento descreve o despertar de seus desejos sexuais: “Dali em diante, até o
seminário, não vi mulher na rua, a quem não desejasse uma queda.” (ASSIS, 1981,
p.73). O trecho é complementado, logo em seguida, com o pensamento:
[...] É, por exemplo, o caso dos ritos ditos de separação, que tem por função
emancipar o menino em relação a sua mãe e garantir sua progressiva
masculinização, incitando-o e preparando-o para enfrentar o mundo exterior.
(BOURDIEU, 2019, p.48)
[...] Daí a pouco interrompi um romance que ela tocava, com o pedacinho
de papel na mão. Expliquei-lho; ela teclou as dezesseis notas. Capitu achou
à toada um sabor particular, quase delicioso; contou ao filho a história do
pregão... (ASSIS, 1981, p. 121)
encerradas em uma espécie de cerco invisível (do qual o véul não é mais do
que a manifestação visível), limitando o território deixado aos movimentos e
aos deslocamentos de seu corpo – enquanto os homens tomam maior lugar
com seu corpo, sobretudo em lugares públicos” (BOURDIEU, 2019,p.53)
3.1 O PATRIARCADO
poder em seus submetidos. Porém, o que faz com que a dominação do senhor
persista é a submissão pessoal dos subordinados em relação à ordem imposta, que
excede a tradição e passam a ser ilimitadas e arbitrárias. Ele explica:
Para Badinter, o homem, por ser parido por uma mulher, é sempre mais difícil
e mais demorado de ser criado. Ela compara a situação inversa, se a mulher fosse
parida por um homem para exemplificar sua visão, concluindo que o patriarcado é
uma criação masculina para equiparar essa notória desvantagem.
2
Generally “toxic masculinity” is used to refer to a loosely interrelated collection of norms, beliefs,
and behaviors associated with masculinity, which are harmful to women, men, children, and society
more broadly. [...] The deployment of the first term “toxic” expresses the harmfulness of the practices
and discourses that comprise this notion of masculinity. Norms, beliefs, and behaviors often
associated with toxic masculinity include: hyper-competitiveness, individualistic selfsufficiency [...],
tendency towards or glorification of violence (real or digital, directed at people or any living or non-
living things), chauvinism (paternalism towards women), sexism (male superiority), misogyny (hatred
of women), rigid conceptions of sexual/gender identity and roles, heteronormativity (belief in the
naturalness and superiority of heterosexuality and cisgenderness), entitlement to (sexual) attention
from women, (sexual) objectification of women, and the infantilization of women (treating women as
immature and lacking awareness or agency and desiring meekness and “youthful” appearance).
31
que temos teatro é negar um fato; dizer que não o temos, é publicar uma vergonha”
(ASSIS, 2008c, p. 112).
Para Mário de Alencar, Machado de Assis “recuou” da profissão de
criticocrítico quando percebeu a responsabilidade que tinha nas costas. O autor
ainda cita que Machado como crítico não tinha espírito de luta e muito menos
coragem, escolhendo assim outra profissão. Declara Alencar (1959, p.9):
via montada a história dos homens. A revolução dessa obra, que parece cavar um
fosso entre dois mundos, foi uma revolução ideológica e formal: aprofundando o
desprezo às idealizações românticas e ferindo no cerne o mito do narrador
onisciente, que tudo vê e tudo julga, deixou emergir a consciência nua do indivíduo,
fraco e incoerente. O que restou foram as memórias de um homem igual a tantos
outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas. (BOSI, 2002, p. 177).
2009). Em 1831 o país estava muito conturbado por conta da rivalidade entre os
conservadores e os liberais, portanto Dom Pedro I foi pressionado pela população e
obrigado a abdicar ao trono, deixando no Brasil apenas seu filho de cinco anos de
idade, Dom Pedro ll. O menino iria ser coroado apenas com dezoito anos, em 1840,
sendo orientado pelo ex-ministro de negócios estrangeiros de seu pai, José
Bonifácio até o dia em que recebesse a coroa. José criou a Regência Trina para
comandar o Império em espera à maioridade do princípepríncipe. Porém, o período
regional (nomeado assim o período em que se esperava Dom Pedro ll atingir a idade
para tornar-se imperador) acabou atingindo uma das maiores crises durante o
Império e, utilizando isso mais a polarização partidária como argumento, o
parlamento decidiu coroar o princípepríncipe antecipadamente com o objetivo de
pacificar a nação.
Todos esses detalhes são essenciais em “Dom Casmurro” e em outras obras
de Machado de Assis, pois o autor em seus romances faz constantemente
referências e/ou alegorias ao império. Segundo John Gledson, a obra é inserida no
gênero realismo, pois é entendido como “a intenção do romancista de revelar,
através da ficção, a verdadeira natureza da sociedade que está retratando"
(GLEDSON, 1991, p. 13).
Gledson ainda comenta sobre os rótulos precipitados que a população
colocava em Machado de Assis, sendo acusado de alienado e sem preocupação
social (considerando que o realismo deve ter uma denúncia social). O tradutor inglês
mostrou em sua obra “Ficção e história” que Machado faz sim suas denúncias,
porém de forma minuciosa e em detalhes despercebidos. O crítico complementa
afirmando que o autor possui uma intimidade incrível com a história do Brasil,
enchendo seus romances com referências a história local (GLEDSON, 1991, p. 13).
Com Dom Casmurro, isso não é diferente: Gledson faz uma análise precisa
da família do Bentinho, tornando possível reconhecer muitos aspectos semelhantes
com a família do Dom Pedro ll. Por exemplo, os pais de ambos possuem o mesmo
nome (Pedro) e “saem” da vida dos filhos enquanto as crianças estão com cinco
anos de idade: O pai de Bentinho morre e o pai de Dom Pedro ll vai embora do
Brasil para Portugal; Assim como o príncipe teve um conselheiro, (José Bonifácio)
Bentinho também tem (José Dias); A regência trina criada por José Bonifácio tinha
três integrantes, e na casa de Bentinho há três integrantes igualmente: A mãe (Dona
Glória), o tio (Tio Cosme) e a prima (Prima Justina). Outra coincidência ocorre na
36
relação de idade pois, com quinze anos, Dom Pedro ll torna-se Imperador e, com a
mesma idade, Bentinho dá seu primeiro beijo. O ato ocorre no capítulo do livro
intitulado “O penteado”:
Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro,
até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e... Grande foi a
sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com
uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. (ASSIS, 1981, p. 48)
explicitando que “Dom Casmurro” foi feito para ser desvendado e tentar ser
explicado em uma época em que o cientificismo estava ainda em desenvolvimento,
tornando ainda mais desafiador o desdobramento para explicá-lo com métodos
científicos (GLEDSON, 2005). Segundo Luís Augusto Fischer, Machado de Assis
escreveu sabendo exatamente o tamanho desse desafio e com a noção dessa
mudança:
6 ANÁLISE DA OBRA
Para identificar trechos do livro onde Bento Santiago insere em seu relato
parcial e unilateral a visão dos fatos através de uma perspectiva masculina tóxica,
será analisada a retórica que constrói e legitima a dominação masculina dentro da
sociedade representada no livro. Para isso, a descrição das personagens
masculinas pelo narrador será investigada, bem como a relação dos homens
presentes na obra com a principal personagem feminina do livro, a amiga de infância
de Bentinho, Capitolina.
Ao decorrer da análise à luz dos teóricos que embasam o presente trabalho,
possíveis contradições que resultariam em falácias nos relatos do narrador-
personagem da história serão exploradas, e conexões quanto ao comportamento
masculino da época e do contexto histórico serão fundamentais para entender a
possível deturpação de visão de tais relatos.
[...] Ser homem significa não ser feminino; não ser homossexual, não ser
dócil, dependente ou submisso; não ser afeminado na aparência física ou
nos gestos; não ter relações sexuais nem relações muito intimas com outros
homens; não ser impotente com as mulheres. (BADINTER, 1993, p.117)
José Dias recebe dois capítulos para explicar sua história e relação com a
família Santiago. No primeiro deles, chamado de ‘’Um dever Amaríssimo’’ (ASSIS,
1981, p. 15), o narrador se preocupa em ironizar o uso dos superlativos que a
personagem costumava empregar em suas falas, fazendo um gancho com o
capítulo anterior ‘’A denúncia’’ (ASSIS, 1981, p. 13.) que, apesar de não ser sobre o
agregado, trata de uma fofoca feita pelo mesmo acerca da relação de Bentinho e
Capitu.
Segundo o dicionário Soares Amora, o superlativo é usado para demonstrar
uma característica num grau muito excessivo (SOARES, 2009, p. 700). É possível
notar ironia por parte do narrador quanto ao uso excessivo dos superlativos por José
Dias, podendo estar associado ao hábito de aumentar histórias, conforme o trecho
abaixo:
como pedia então, meu pai já não podia dispensáa-lo. Tinha o dom de se fazer
aceito e necessário” (ASSIS, 1981, pg. 16), marca-se pelo narrador, através de
insinuações, da visão que Dom Casmurro tinha, agora na velhice, acerca da
masculinidade de José Dias.
A partir do teórico Pierre Bourdieu, é possível classificarmos o comportamento
de José Dias como associações ao comportamento esperado por mulheres naquela
sociedade. Conforme exemplifica Bourdieu (2019, p.97), sobre símbolos sociais que
definem cada um dos gêneros, onde eleele define que esses signos designam as
coisas a serem feitas, a manipulação que o personagem utiliza pode ser vista como
subjetiva e característica possivelmente associada às mulheres.
Durante o capítulo IV, Dom Casmurro se preocupa em descrever a aparência
de José Dias detalhadamente:
[...] e vi-o passar com sas suas calças brancas engomadas, presilhas,
rodaque e gravata de mola. Foi um dos últimos que usaram presilhas no Rio
de Janeiro, e talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que lhe
ficassem bem esticadas. A gravata de cetim preto, com um aro de aço por
dentro, imobilizava-lhe o pescoço; então então da moda. (ASSIS, 1981, pg
157).
[os signos] se apresentam como coisas a serem feitas, ou que não podem
ser feitas, naturais ou impensáveis, normais ou extraordinárias, para tal ou
qual categoria, isto é, particularmente para um homem ou para uma mulher
(e de tal ou qual condição). (BOURDIEU, 2002, verificar a página2019, p.
97)
42
andar como sempre andaram, com seu vagar e paciência, e não com este tique-
taque afrancesado” (ASSIS, 1981, p.g 73). Sobre este último trecho, retomando as
ideias de Alfredo Bosi sobre o complexo colonial (BOSI, 1994, p.g 11), é possível
estabelecer um paralelo que aproxime a sociedade brasileira com os padrões sociais
franceses o que, novamente, se conecta com os teóricos franceses Pierre Bourdieu
e Elisabeth Badinter citados neste trabalho. .
Foi possível, então, perceber que o narrador desqualifica a masculinidade de
José Dias. Esse processo é iniciado quando Dom Casmurro ironiza a fala dessa
personagem por utilizar demasiadamente de superlativos. Em seguida, o narrador
cita características que assemelhariam José Dias das mulheres, como a
ardilosidade, a preocupação excessiva com sua aparência, e com relação ao zelo
deste para com o narrador. Além disso, podemos observar que o narrador afasta o
agregado de seu núcleo familiar, equalizando sua posição social a de um escravo.
Porém, ainda que sua masculinidade seja descreditada, José Dias é visto
como dominador social por ser homem dentro de uma sociedade patriarcal, então
ele é capaz de qualificar mulheres dentro da obra, e é dele a principal visão que
Bentinho tem de Capitu.
[Tio Cosme] já não dava para namoros. Contam que, em rapaz, foi aceito de
muitas damas, além de partidário exaltado; mas os anos levaram-lhe o mais
do ardor político e sexual, e a gordura acabou com o resto de ideias
públicas e específicas.”(. (ASSIS, 1981, p.g 17).
de realizar tal feito. (ASSIS, 1981, p.g 17). Conseguimos visualizar que o narrador
zomba da virilidade de Cosme, que é questionada por conta dae sua aparência.
Retomando as ideias de Pierre Bourdieu, o desempenho sexual e a ação
sexual em questão se configuram como uma “relação social de dominação”
(BOURDIEU, 2002, verificar a página-construção social dos corpos2019, p.42), onde
o masculino possui o papel ativo e de dominação, e a mulher se ocupa da
passividade e “do reconhecimento erotizado dessa dominação” . (BOURDIEU, 2019,
p.42). (BOURDIEU, 2002, verificar a página-construção social dos corpos). Além
disso, acerca da virilidade masculina, o autor afirma que é:
Dessa forma, ao não ser capaz de realizar um bom desempenho sexual, Tio
Cosme é colocado como menos homem e tem sua masculinidade
estilhaçadaquestionada através da perspectiva desse narrador.
ContudoPorém, assim como acontece com José Dias, Tio Cosme é imerso na
cultura patriarcal da época que dita regras de comportamento e postura para que um
homem seja masculinamente caracterizado como tal, e é, portanto, uma
personagem reprodutora dessa postura de dominação e imposição social. Bourdieu
escreve sobre o privilégio de ser homem como uma cilada, onde a virilidade deve
ser afirmada em toda e qualquer circunstância possível. (BOURDIEU, SLA Q
ANO2019, p.g 88). É por essa razão que, ainda no capítulo VI, Tio Cosme força
Bentinho a subir em um cavalo, afirmando que é saber executar tal atividade é
característica fundamental de um homem:
“[...] - Deve acostumar-se. Padre que seja, se for vigário na roça, é preciso
que monte a cavalo; em aqui mesmo, ainda não sendo padre, se quiser
florear com os outros rapazes, e não souber, há de queixar-se de você,
mana Glória. (ASSIS, 1981, p.g 17).
“A primeira ideia de Pádua, quando lhe saiu o prêmio, foi comprar um cavalo
do Cabo, um adereço de brilhantes para a mulher, uma sepultura perpétua
de família, mandar vir da Europa alguns pássaros, etc.; mas a mulher [...] a
mulher é que lhe disse que o melhor era comprar a casa, e guardar o que
sobrasse para acudir às molestias grandes. Pádua exitou muito; afinal, teve
de ceder aos conselhos de minha mãe, a quem D. Fortunata pediu auxílio.”
(ASSIS, 1981, pg.28).
perde sua condição esseêencial de homem dentro daquela sociedade em que está
inserido.
A resposta da mãe de Bentinho quanto à confissão acerca do suicídio que
pretendia cometer marca a visão da masculinidade estilhaçada que esse narrador
descreve da personagem ao leitor, quando Dona Gloria, a mãe de Bentinho,
responde, dentre outras coisas, “Seja homem.” (ASSISssis, 1981, p. 28). A
afirmação categórica de Dona Glória remete a visão daquela sociedade quanto ao
ser masculino, que deve provar coragem para se afirmar homem. Acerca da
temática, Bourdieu escreve:
Fiquei tão entusiasmado com a facilidade mental do meu amigo, que não
pude deixar de abraça-lo. Era no pátio; outros seminaristas notaram a nossa
efusão; um padre que estava com ele não gostou. - A modéstia, disse-nos,
não consente esses gestos excessivos; podem estimar-se com moderação”
(ASSISssis, 1981, p. 107).
Portanto, Escobar pode ser visto na obra como uma figura que
descaracterizaria o homem masculino desde o momento em que é descrito
detalhadamente pelo narrador, inclusive características físicas, atitude incomum com
relação aos demais personagens homens da obra. Dom Casmurro escreve: “Os
olhos de Escobar eram dulcíssimos [(…].) Realmente era interessante de rosto, a
boca fina e chocarreira, o nariz fino e delgado” (ASSIS, 1981ssis, 1993, p. 87117).
Em outro trecho, a intimidade, tida como incomum para dois homens na
época, é detalhada e confirmada: “Escobar também se fez mais pegado ao coração.
As nossas visitas foram se tornando mais próximas, e nossas conversações mais
íntimas”. (ASSIS, 1981, p. 119). (Assis, 1993, p. 117). É interessante notar que até
Capitu percebe a aproximação não ordinária dos rapazes: “ “ [Capitu] viu as nossas
despedidas tão rasgadas e afetuosas, e quis saber quem era que me merecia tanto
Capitu viu na janela as nossas despedidas tão rasgadas e afetuosas e quis saber
quem era que merecia tanto”. (ASSIS, 1981, p. 88). (Assis, 1993, p. 117).
É possível estabelecer que a relação de Escobar e Bento Santiago é
incomum para dois homens à luz da perspectiva heteronormativa, para a época na
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qual está inserida. Conforme teoriza Badinter, para a sociedade patriarcal ser
homem significa “não ter relações muito intimas com outros homens” (BADINTER,
1993, p. 117). Essa condição, automaticamente, reflete na sociedade da obra a
preocupação com a quebra de masculinidade das duas personagens, inclusive pelo
narrador, que descreve de forma discreta a afetividade entre Bento e Escobar. Essa
cautela pode ser vista em:
Varanda”, ao ouvir a conversa de José Dias com sua família sobre seu possível
romance com sua vizinha Capitu, o menino é tomado por um despertar de
consciência ao, só a partir desse momento, perceber seu sentimento amoroso por
Capitu: “Só agora entendia a emoção que me davam essas e outras confidências”.
(ASSIS, 19819, p. 24). É possível notar durante todo o capítulo que Bentinho se
apresenta como ingênuo ao não conseguir sozinho identificar seu sentimento de
amor por Capitolina. Durante o capítulo XIV, novamente, o narrador afirma:
“Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do amar”. (ASSIS, 19819, p. 24).
Penso que ameacei puxá-la a mim. Não juro, começava a estar tão
alvoroçado, que não pude ter toda a consciência dos meus atos: mas
concluo que sim, porque ela recuou e quis tirar as mãos das minhas; depois,
talvez por não poder recuar mais, colocou um dos pés adiante e outro atrás,
e fugiu com o busto. Foi este gesto que me obrigou a reter-lhe as mãos com
força. O busto afinal cansou e cedeuy, mas a cabeça não quis ceder
também e, caidacaída para tráztrás, inutilizada todos os meus esforços,
porque eu já fazia esforços leitor amigo. Não conhecendo a lição do
Cântico, não me acudiu estender a mão esquerda por baixo da cabeça dela;
demais, este gesto supsupõeõe um acordo de vontades, e Capitu, que me
resistia agora, aproveitaria o gesto para arrancar-se à outra mão e fugir-me
interiamenteinteiramente. Ficamos naquela luta, sem estrépito, porque
apesar do taque e da defesa, não perdiamosperdíamos a cautela
necessarianecessária para não sermos ouvidos lá de dentro; a alma é cheia
de mistérios. Agora sei que a puxava; a cabeça continuou a recuar, ateaté
que cansou; mas então foi a vez da boca. A boca de Capitu iniciou um
movimento inverso, relativamente à minha, indo pra um lado, quando eu a
buscava do lado oposto. Naquele desencontro estivemos, sem que ousasse
um pouco mais, e bastaria um pouco mais… (ASSIS, 1981, p.53).
(“ele não pode agir de outro modo” sob pena de renegar-se), mas sem se
impor a ele como uma regra ou como o implacável veredicto lógico de uma
espécie de cálculo racional. Essa força superior, que pode fazê-lo aceitar
como inevitáveis, ou ouvidos, isto é, sem deliberação nem exame, atos que
seriam vistos pelos outros como impossíveis ou impensáveis, é a
transcendência social que nele tomou corpo e que funciona como amor fati,
amor do destino, inclinação corporal a realizar uma identidade constituída
em essencial social e assim transformada em destino. (BOURDIEU, 2019,
P.87)
3
sexism (male superiority), misogyny (hatred of women), rigid conceptions of sexual/gender identity
and roles. (Sculos, 2017)
52
Essas insinuações de que Capitu era uma mulher traidora estão de forma
implícita no texto. Como álibi para reforçar a posição de Capitu como adúltera e,
atingir o efeito de surpresa para Bentinho, até então visto como ingênuo, o narrador
atesta que não suspeitava de sua esposa até a morte de Escobar. Um exemplo
encontra-se no capítulo “Eembargos de terceiro” que relata sobre a chegada de
Bentinho em casa após ter ido sozinho a um concerto de ópera, já que sua esposa
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alegou estar com dor de cabeça e mal do estomago. Quando ele chega em casa,
encontra Escobar no corredor e Capitu bem de saúde, como relata a seguir:
Capitu estava melhor e até boa. Confessou-me que apenas tivera uma dor
de cabeça de nada, mas agravara o padecimento para que eu fosse divertir-
me. Não falava alegre, o que me fez desconfiar que mentia, para me não
meter medo, mas jurou que era a verdade pura. (ASSIS, 1981, p. 125).
Capitu é facilmente perjura, visto que ela acabara de jurar que havia
exagerado uma dor de cabeça que sentia, para que pudesse sair e
espairecer. O resultado foi que ela se achava sozinha quando bento voltou
pra casa e encontrou Escobar na soleira da porta. (GLEDSON, 1991, p. 34).
A outra personagem da obra que utiliza seu poder social como homem para
rotular a menina de “desmiolada” enquanto tenta romper a relação de Bentinho e
Capitu, é José Dias:
Capitu riscava sobre o riscado, para apagar bem o escrito. Pádua saiu ao
quintal, a ver o que era, mas a filha á tinha começado outra cousa, um perfil,
que disse ser o retrato dele, e tanto podia ser dele como da mãe; fê-lo rir,
era o essencial.[...] - Vocês estavam jogando o siso? Perguntou. Olhei para
o pé de sabugueiro que ficava perto; Capitu respondeu por ambos. –
Estávamos, sim, senhor, mas Bentinho ri logo, não aguenta. – Quando eu
cheguei à porta, não ria. –Já tinha rido das outras vezes, não pode. Papai
quer ver? (ASSIS, 1981, p.27).
Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te
com a malícia que aprender de ti”. Mas, eu creio que não, e tu concordarás
comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que
estava uma dentro da outra, como a fruta dentro da casca. (ASSIS, 1981, p.
152)
Portanto como foi visto, fica entendido que Capitu não foi uma mulher que
representava a expectativa da sociedade patriarcal. Outro exemplo disso é que para
as meninas dentro da obra, apenas eram consideradas “boas moças” aquela que
possuíam maestria na arte da costura ou nas habilidades de casa sem espaço para
aprender ler e escrever. Isso é observando durante o capítulo intitulado “Aas
curiosidades de Ccapitu”, onde a personagem feminina não pôde estudar Llatim
porque, segundo o Padre Cabral, “Llatim não era língua de meninas” (ASSIS, 1981,
p. 44). Essa situação pode exibir um paralelo entre a posição do homem e da mulher
e a grande diferença entre os dois gêneros no sistema patriarcal, tendo em vista que
enquanto Bentinho aprendia latim, Capitu bordava na sala de casa.
É importante considerar que toda a história é escrita do ponto de vista de
alguém que acredita ter sido traído: um homem que se sente ameaçado e traído por
uma mulher fora dos padrões muitas vezes considerada esperta, atraente e forte.
Sobre a honra masculina ameaçada e o papel da mulher como oposto ao esperado
dentro da sociedade patriarcal, Bourdieu comenta:
para que o interlocutor acredite que, de fato, Capitu cometeu adultério. E como
essas relações de poder na sociedade estão ligadas com a fala do narrador, Capitu
é influenciada a se comportar de acordo com os interesses da classe dominante que
nesse caso, é o Bentinho. Portanto, é assim que suas atitudes quando criança são
usadas contra ela, sempre voltando ao fator do homem ser o centro e o poder dentro
da obra.
Análise da obr
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7 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
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REFERÊNCIAS