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Abstract Introdução
1 Centro de Ciências da
This study aims to test the associations between Ao longo das últimas décadas a redução dos óbi-
Saúde, Universidade
Federal de Santa Catarina, infant mortality from preventable causes in tos entre os menores de um ano de idade confi-
Florianópolis, Brasil. Brazil and socioeconomic factors, including gurou-se como uma das principais metas na área
2 Faculdade de Odontologia,
those pertaining to health services and invest- da saúde em diversos países. Como conseqüên-
Universidade de São Paulo,
São Paulo, Brasil. ments. This was an ecological study using 296 cia, uma acentuada redução na mortalidade in-
3 Programa de Pós-gradu- Brazilian counties (municipalities) with more fantil pôde ser observada. Esse declínio, ao serem
ação em Gestão de Políticas
than 80,000 inhabitants each as the analytical analisados os dados de países dos cinco conti-
Públicas, Universidade do
Vale do Itajaí, Itajaí, Brasil. units. Kruskall-Wallis and ANOVA tests were nentes, entre 1950 e 1994, chegou a 70% 1. Ten-
performed to compare independent variables dência de queda também foi observada no Brasil.
Correspondência
according to infant mortality quartile, and Enquanto em 1980 morriam no país, em média,
A. F. Boing
Departamento de Saúde Pearson and Spearman’s correlation coeffi- 82,8 crianças a cada mil nascidas vivas, em 2004
Pública, Centro de Ciências cients were computed to test the associations. As a taxa equivaleu a 26,6 2. A redução da taxa de
da Saúde, Universidade
Federal de Santa Catarina.
the infant mortality quartile from preventable fecundidade, a melhoria das condições gerais de
Campus Universitário causes increases, there is a gradual decrease in vida e na provisão de serviços de saúde, além de
Florianópolis, SC the municipal human development index, per políticas voltadas à saúde infantil são apontados
88040-900, Brasil.
boing@ccs.ufsc.br
capita gross domestic product, households with como determinantes dessa tendência 3,4,5.
bathrooms and indoor plumbing, total health Ainda assim, o coeficiente de mortalidade in-
expenditures per inhabitant, and physicians per fantil no Brasil permanece alto e o seu declínio
1,000 inhabitants, and an increase in the Gini em muitos momentos e lugares mascarou uma
coefficient. Improved socioeconomic conditions dilatação na diferença de óbitos entre pobres,
and public health investments are strongly as- com maiores taxas, e ricos 2,6. Tal desproporcio-
sociated with reduction of infant mortality from nalidade é expressa no estudo de Wagstaff 7 que,
preventable causes. This knowledge should per- ao analisar os dados de óbitos em menores de um
meate actions aimed at minimizing the number ano de nove países em desenvolvimento, apon-
and unequal distribution of such deaths. tou o Brasil como detentor da maior desigualda-
de social na mortalidade infantil.
Infant Mortality; Infant Mortality Rate; Health Muitas causas de óbitos infantis são conside-
Services; Socioeconomic Factors radas evitáveis, ou seja, os conhecimentos e as
tecnologias já existentes permitem intervenções
eficazes de modo que tais condições jamais ou
raramente evoluam a óbito. O estudo da distri- no Sistema de Informações sobre Nascidos Vi-
buição do coeficiente de mortalidade infantil por vos (SINASC – http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/
causas evitáveis segundo condições sócio-eco- deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvbr.def, acessado em
nômicas e de serviços de saúde, pela natureza do 14/Mar/2006).
próprio indicador, permite identificar injustiças
sociais e fornece importantes subsídios para a Variáveis independentes
implementação de políticas públicas equânimes
e adequadas às distintas realidades do país. Dife- • Índice de Desenvolvimento Humano
renças nos valores do indicador entre grupos po- Municipal (IDHM)
pulacionais e regiões podem indicar que conhe-
cidas medidas de prevenção de óbitos infantis O índice abrange três dimensões: a educação, a
não estão sendo empregadas de modo igualitário. longevidade e a renda dos municípios. Ele va-
Portanto, o objetivo desse estudo é investigar a ria de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1
associação entre indicadores sócio-econômicos e (desenvolvimento humano total). Foi utilizado o
de serviços e investimentos em saúde e a mortali- índice referente ao ano 2000 extraído do Atlas do
dade infantil por causas evitáveis nos municípios Desenvolvimento Humano no Brasil 11.
brasileiros com mais de 80 mil habitantes.
• Coeficiente de Gini (Gini)
e com transferências do Sistema Único de Saúde reunidos em outro conjunto. Padrões distintos
(SUS). O dado refere-se ao ano 2002 e é prove- entre esses dois grupos de regiões vêm sendo
niente do Sistema de Informações sobre Orça- descritos na literatura em relação a outros des-
mentos Públicos em Saúde (SIOPS – http://siosp. fechos em saúde 13,14.
datasus.gov.br, acessado em 20/Mar/2006). Para as análises estatísticas, foi utilizado o
programa Stata 9 (Stata Corp., College Station,
• Médicos por mil habitantes Estados Unidos).
Tabela 1
Estatística descritiva dos indicadores sócio-econômicos e de saúde. Municípios brasileiros com mais de 80 mil habitantes, 2000-2002 (N = 296).
CMI: coeficiente de mortalidade infantil; IDHM: índice de desenvolvimento humano municipal; PIB: produto interno bruto.
* Teste de Kolmogorov-Smirnov.
Tabela 2
Matriz de correlação entre os indicadores sócio-econômicos e de saúde. Municípios brasileiros com mais de 80 mil habitantes, 2000-2002.
CMI: coeficiente de mortalidade infantil; IDHM: índice de desenvolvimento humano municipal; PIB: produto interno bruto.
* Significativo no nível de 1%.
de médicos por mil habitantes. Foi, ainda, identi- (Tabela 4). Os municípios das regiões Norte, Nor-
ficada correlação positiva entre a mortalidade in- deste e Centro-Oeste agrupados tiveram maior
fantil por causas evitáveis e o coeficiente de Gini. mortalidade infantil por causas evitáveis e piores
Percebe-se também alta correlação positiva entre indicadores sócio-econômicos e de investimen-
PIB per capita do município e o número de médi- to e serviços de saúde em relação ao grupo que
cos por mil habitantes e PIB per capita e IDHM. reuniu os municípios das regiões Sul e Sudeste.
A distribuição das variáveis independentes Quanto à mortalidade, o coeficiente é aproxima-
segundo os quartis de mortalidade pode ser ob- damente 40% superior no primeiro grupo quan-
servada na Tabela 3. Os municípios que compu- do comparado ao segundo.
seram os quartis com maior mortalidade infantil
por causas evitáveis apresentaram também me-
nor IDHM (p < 0,001). O mesmo ocorre com o PIB Discussão
per capita, com a proporção de pessoas que vi-
vem em domicílios com banheiro e água encana- A análise de informações geradas mediante da-
da, com a despesa total com saúde por habitante dos secundários sempre requer cautela. Em par-
e com o número de médicos por mil habitantes ticular a construção do coeficiente de mortalida-
(p < 0,001). O inverso é observado com o coefi- de infantil, que é bastante sensível às limitações
ciente de Gini (p < 0,001). dos Sistemas de Informações em Saúde (SIS)
A Figura 1 mostra a distribuição conjunta da brasileiros. O SIM, cujos dados foram utilizados
mortalidade infantil por causas evitáveis segun- no numerador do desfecho, apresenta como de-
do os quartis de PIB per capita e de distribuição ficiências o preenchimento inadequado das De-
de renda (coeficiente de Gini). Quando se com- clarações de Óbitos e a subnotificação de mortes.
para o grupo de municípios que está no quar- No entanto, conta com grande cobertura, decor-
til de melhor distribuição de renda (quartil 1) e rente, sobretudo, pela notificação do óbito ser
também de maior PIB per capita (quartil 4) com compulsória e pelo formulário de sua declara-
o grupo antagônico, ou seja, com a pior distribui- ção ser distribuído gratuitamente 15. Nos últimos
ção de renda e menor PIB per capita vê-se que há anos o registro de óbitos no grupo de causas mal
uma acentuada sobre mortalidade no município. definidas tem sido reduzido em todo o Brasil,
Enquanto no primeiro a média de mortalidade entretanto uma pior qualidade nos dados ainda
infantil por causas evitáveis é igual a 7,3 por mil é identificada nas regiões rurais do Norte e do
nascidos vivos, no último o coeficiente equivale a Nordeste 12. O SINASC apresentou nos últimos
18,2, isto é, uma sobremortalidade de aproxima- anos uma acentuada melhoria na qualidade da
damente 150%. informação gerada, além da destacada amplia-
A desigualdade geográfica na distribuição ção geográfica de sua cobertura 16. Há, porém, a
dos indicadores investigados também é evidente exemplo do SIM, problemas de subnotificação.
Tabela 3
Média dos indicadores sócio-econômicos e de saúde segundo os quartis do coeficiente de mortalidade infantil por causas evitáveis. Municípios brasileiros
com mais de 80 mil habitantes, 2000-2002.
Tabela 4
Média dos coeficientes de mortalidade infantil por causas evitáveis segundo as regiões do país. Municípios brasileiros com mais de 80 mil habitantes,
2000-2002.
Norte + Nordeste
+ Centro-Oeste 99 15,374 0,731 0,601 208,539 67,789 105,292 3,321 0,708
Sul + Sudeste 197 10,908 0,805 0,542 352,814 94,573 136,724 3,447 1,262
CMI: coeficiente de mortalidade infantil; IDHM: índice de desenvolvimento humano municipal; PIB: produto interno bruto.
ta. Já o número de estabelecimentos de saúde Pelotas, Rio Grande do Sul, Costa et al. 25 afirma-
por 10 mil habitantes no município não apre- ram que os serviços de saúde não beneficiam
sentou diferença estatisticamente significante aqueles que mais necessitam de sua atenção,
entre os quartis do desfecho. Esse resultado mas sim que concentram esforços nas popula-
pode ser explicado pelo fato de que um maior ções que deles menos dependem. Assim, o seu
número desses estabelecimentos no municí- potencial papel de reduzir mortes e desigualda-
pio não necessariamente reflete uma melhor des fica parcialmente prejudicado. Preocupante
atenção primária ou um setor de média e alta também é que em diversos países o aumento
complexidade melhor estruturado e equipado. no gasto global em saúde tem ocorrido princi-
A importância da atenção primária em saúde palmente por um acréscimo no gasto privado,
na mortalidade infantil também é descrita por o que poderá causar uma distorção ainda maior
Macinko et al. 23 que, ao avaliarem o impacto do no tocante à eqüidade do sistema de saúde.
Programa Saúde da Família nesse desfecho, en- Reduzir a taxa de mortalidade infantil por
tre 1990 e 2002, descreveram que um aumento causas evitáveis no país é fundamental, entretan-
de 10% na cobertura do programa foi associado to há desafios adicionais. Um deles é diminuir a
com uma queda de 4,5% no coeficiente de mor- desigualdade na distribuição dos óbitos entre os
talidade infantil do país. Além da qualidade da estratos sociais e as regiões geográficas. Olhares
assistência médica, a descentralização do siste- e ações iguais para realidades distintas apenas
ma de saúde tem sido descrita como importante acentuarão as desigualdades, havendo necessi-
fator na redução dos óbitos infantis evitáveis 23. dade, portanto, de políticas públicas coerentes
Campos et al. 24 descrevem, inclusive, que no com cada realidade. A alocação de recursos e o
Município do Rio de Janeiro houve redução do desenvolvimento de estratégias sociais e de saú-
impacto das condições de vida na mortalidade de devem levar essa realidade em consideração.
infantil ao longo das últimas décadas em função A compreensão do papel protagonista das con-
do aumento de importância de programas de dições de vida sobre a mortalidade infantil por
vacinação, reidratação oral e atendimento às in- causas evitáveis também deve permear as ações
fecções respiratórias agudas. Porém, ao analisa- que visem à minimização da magnitude e da de-
rem dados de duas coortes de nascidos vivos em sigualdade dos óbitos infantis evitáveis.
Resumo Colaboradores
O objetivo desse estudo foi testar as associações entre A. F. Boing trabalhou na concepção da pesquisa, na co-
a mortalidade infantil por causas evitáveis no Brasil leta e análise dos dados, na pesquisa bibliográfica e na
com indicadores sócio-econômicos e de serviços e in- redação do artigo. A. C. Boing atuou na concepção da
vestimentos em saúde. Trata-se de um estudo ecológi- pesquisa, na pesquisa bibliográfica e na redação e revi-
co, cujas unidades de análise foram os 296 municípios são crítica do artigo.
brasileiros com população superior a 80 mil habitan-
tes. Realizaram-se os testes de Kruskall-Wallis e ANOVA
para identificar diferenças significativas entre os
quartis de mortalidade infantil segundo as variáveis
independentes, e foram calculados os coeficientes de
correlação de Pearson e de Spearman para testar as as-
sociações entre todas as variáveis. Os municípios que
compuseram os quartis com maior mortalidade in-
fantil por causas evitáveis apresentaram também me-
nor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal,
Produto Interno Bruto per capita, pessoas que vivem
em domicílios com banheiro e água encanada, des-
pesa total com saúde por habitante e médicos por mil
habitantes; e maior coeficiente de Gini. A compreensão
do papel protagonista das condições sócio-econômicas
e de investimentos em saúde sobre a mortalidade in-
fantil por causas evitáveis deve permear as ações que
visem à minimização da magnitude e da desigualdade
desses óbitos.
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