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ANÁLISE DO TEXTO “MOBILIZAÇÃO COPERNICANA E DESARMAMENTO

PTOLOMAICO” DE PETER SLOTERDIJK

In: SLOTERDIJK, Peter (1992). Mobilização copernicana e


desarmamento ptolomaico: ensaio estético. trad. de HeidrunKrieger
Olinto. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.pp. 49-74.

1. O que é a modernidade
Para Sloterdijk, “o modernismo foi uma revolta contra o evidente, foi exclusivismo em
permanente movimento e mantinha o seu princípio revolucionário pela sua força de exclusão”. É
exclusão contra o que parecia evidente, no sentido de “naturalidade” ou tradição ou apatia em
relação as coisas que permaneciam ao abrigo da rotina e da falta de questionamento sem “serem
atingidas pela lâmina da reflexão despertando-as de seu sono ontológico”.

 Para o filósofo a modernização do mundo deixou pouca coisa intocada, porque nada
escapou à transformação das evidências.
“Quase nada escapou à transformação das evidências. A eliminação das condições
irrefletidas foi bem-sucedida em nosso século, impondo ás consciências condições
modernas de reflexão” (SLOTERDIJK, 1992:50).

 “A modernidade caracteriza-se pelo afeto anti-ontológico e rejeita a origem”.


 Essa modernidade é caracterizada pela reflexividade interessando pelas evidências após
o término das evidências e pela estrutura do real.

“Uma reflexão que pretende iniciar-se corretamente está interessada na


ruptura com meras repetições a favor de um discurso organizado sobre
fundamentos mais apropriados para a repetição e com mais força de
verdade em relação às dubiosas narrativas que preencheram a nossa
consciência até agora […] Este “evento” força um início novo do
discurso. Este novo discurso apresenta-se, entretanto, como
antinarrativa, como não-mito e, portanto, como argumentação que
termina com as repetições da doxa. O novo discurso, rejeitando a
repetição inerte de discursos rotinizados, reivindica, ao mesmo tempo,
a condição de palavra primeira e atingir as próprias origens.
(SLOTERDIJK, 1992:52-53).

2. Nicolau Copérnico e as Revoluções Celestes: uma narrativa da modernidade

Nas Revoluções Celestes publicado em 1543, ano da morte do seu autor, Copérnico
demonstra através de cálculos matemáticos e observações empíricas que “a terra não se
encontra no centro do universo, como pensava a era cristã, mas correspondia a uma pequena
estrela errante movimentando-se num universo vazio segundo as leis geométrico-físicas.
Para Sloterdijk, embora Copérnico provoca o descentramento da terra em reflexões
audaciosas, porém o interesse da mudança coperniciana não se encontra na esfera físico
cosmológica. O que ofendia era o narcisismo da espécie ao negar a pátria do homem a sua
posição no centro do universo.

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O choque copernicano demonstrou que não percebemos o mundo como é, mas que
precisamos imaginar a sua “realidade” pela reflexão, contrariando a impressão dos sentidos
para “compreender” como ela é. Copérnico provou que nunca houve levantar do sol: “Eis o
dilema: quando o sol se levanta, o sol não se levanta. Não há correspondência entre a nossa
visão e a razão informada pela astrofísica.
“A compreensão física moderna do mundo da matéria desmente a “aparência dos sentidos”
de forma mais radical do que qualquer conceção metafísica de “mundos de essência”
(1996:56).
Copernicanismo significa, do ponto de vista epistemológico, a dessubstancialização
progressiva de todas as condições ptolomaicas ingênuas.
O choque copernicano se reflete em todas as esferas da modernidade:

 a filosofia kantiana da subjetividade foi chamada revolução copernicana do


pensamento, porque este modelo fez com que as ideias críticas se voltassem para o
interior “revolucionando as ideias tradicionais sobre as ideias”. As lentes
copernicanas levou a partir da Crítica da Razão Pura a aprender a perceber as
inevitáveis auto-ilusões, mas distanciado das conceções de mundo fundada em
ilusões.
 Nas psicologias modernas da profundidade de Mesmer e Puységur sobre Freud e Jung
até Grof e Erikson iniciou uma mudança copernicana em que passaram a considerar
a realidade dos mecanismos mentais inconscientes como subjacentes às
autoconsciências.
 Na estética, o modernismo estético rompe com os dogmas da arte fundadas sobre a
imitação da natureza e sobre as chamadas harmonias naturais. A rutura com “a ilusão
ptolomaica permite a abertura de mundos mágicos intocados por uma estética
copernicana amimética. Cores, sons, palavras, figuras adentram o espaço vazio de
uma nova imaginação e aí ressoam com a força original.” A modernidade estética é
essencialmente um copernicanismo radical, porque aceita com entusiasmo o risco do
descentramento, vive a aventura da construção “autónoma” transmimética…
A revolução copernicana que tumultuou “o mundo real” corresponde segundo Sloterdjik a uma
mobilização:“A revolução copernicana corresponde à mobilização do mundo e das
representações do mundo até o ponto em que tudo se torna possível.”
Uma vez destruídos pelas revoluções copernicanas os mundos dos fenómenos na
imaginação, podemos imaginar também, a destruição real das representações.
[…] Se for verdade que não encontramos verdade sobre o mundo naquilo que
vemos, ouvimos e sentimos dele numa postura preceptiva passiva primordial,
mas que precisamos imaginá-lo além dos testemunhos sensoriais e lê-lo como
escrita cifrada então é próprio dessa verdade provocar vertigem quando
refletimos sobre ela. Quem não sentir vertigem não está informada (1992:61-
62).

O que significa perceção contemporânea: é “movimentar-se no cume do insuportável e ao


mesmo tempo aliviar o insuportável pela procura de um nicho, uma esperança, uma pequena
cegueira – um estado provisório” (1992:62).
Como “desarmamento ptolomaico” entende Sloterdijk – como a “volta consciente da
vertigem copernicana de representação para a nova consciência. Trata-se da reivindicação de
uma teoria de cultura alternativa em relação a rede conceitual definida por categorias
armamentistas da visão do mundo copernicana. Essa cultura estética alternativa é uma teoria
crítica da mobilização e dos sucessos da modernidade copernicana. Está em causa uma

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reavaliação em termos de céticos a perspetiva estética da criatividade da modernidade em
função da revindicação da perceção estética. É a queda da criatividade em relação a escola
da perceção, técnica da desbrutalização da técnica, arte do tratamento artístico, lógica da
preservação em relação as formas e visões estratégica, informática, industrial e cognitiva do
mundo. Isso é possível porque “A antiga ignorância revela-se cristalinamente clara
comparada ao estado das mentes modernas saturadas de informação”. (1992:64).
Essa crítica estética ptolomaica ressurge através das perceções estéticas dos artistas e das
características do neo, do renascimento e retorno estético de uma empresa cultural da última
década:
“Tudo que ressurgir nos últimos tempos poderia confundir o mais convicto
adepto do progresso. Os anos cinquenta, o trágico, o mito, a violência, os corpos,
a intransparência, a tonalidade, o sutiã, o pathos, o sagrado, o sublime, as ligas,
a ópera, o ornamento, a intriga, Nietzsche, a teleologia, a ternura, o símbolo, a
fidelidade, o sentido do possível” (1992:65).

É apenas aparentemente que este movimento da empresa cultural e artística tem uma aura
conservadora, pois trata-se de um movimento corretivo no processo dos impulsos
copernicanos e ptolomaicos de mobilização e desmobilização. As raízes desse movimento
estético ptolomaico funda-se nos resíduos antropológicos imunes a mobilizações: a título de
exemplo, a configuração das nossas perceções do levantar do sol que representa a verdade
dos olhos, apesar das conceções astrofísicas e do eros que é a verdade da psique.
Existe, de acordo com a arte atual, uma espécie de racionalidade ptolomaica,
uma razão ingénua, um direito irredutível dos fenómenos, uma dignidade
original do levantar do sol, uma seriedade respeitável do literal, do fugaz, do
“evidente”. Quem não tiver medo da retomada de modelos de pensamento pré-
katiano, poderia dizer que o mundo reconquistou o seu direito contra as
representações do mundo. O olho de um ptolomeu não contempla imagens do
mundo, sejam ptolomaicas sejam copernicanas; mas é o mundo que lhe mostra
o mundo. Como o mundo é algo que dentro de limites se mostra por si próprio,
confirma e molda os nossos órgãos perceptivos. O nosso conhecimento orgânico
do mundo é formado pelos gestos soberanos de mostrar e encobrir realidades do
mundo. […] Mesmo se audição e a visão perdessem sua função em relação aos
resultados micro e macrocosmologicos da investigação da natureza, tanto a visão
quanto a audição conservam o seu significado no contexto mesocósmico do
mesmo modo como no momento em que o primeiro homem levantou a cabeça,
desde o momento em que os órgãos visuais e auditivos sintonizaram com a
realidade de mundos sonoros e luminosos. A estética pós-moderna, de um modo
geral, articula a reabilitação da sensibilidade mesocósmica do mundo vivencial
em relação às estéticas de mobilização (SLOTERDJIK, 1992:66).

Se as teorias estéticas modernas evitam, renunciam, proíbem no domínio da compreensão das


formas estéticas quer na capacidade de reprodução positivas das tensões formas e na forma
da apresentação das obras, já as estéticas pós-modernas acrescenta o que é omitido. As
antigas vanguardas estéticas, apesar das suas diferenças tinha uma espécie de consenso anti-
harmónico, antitradição, anticonsonância alojado nas camadas profundas do sentido figurado
que hoje perde a sua rigidez e obrigatoriedade em função da lógica processual persuasiva.

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