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UNIVERSIDADE SALVADOR

CURSO DE DIREITO

ALYNA CHRISTYNA MARTINS MAGALHÃES

A POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ A


PARTIR DA TEORIA DO PRECEDENTE CONSOLIDADA PELO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL: ANÁLISE CRÍTICA DO ARTIGO 489

Salvador
2017
ALYNA CHRISTYNA MARTINS MAGALHÃES

A POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ A


PARTIR DA TEORIA DO PRECEDENTE CONSOLIDADA PELO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL: ANÁLISE CRÍTICA DO ARTIGO 489.

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito


da Universidade Salvador – UNIFACS, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Vicente Vasconcelos Coni Júnior.

Salvador
2017
TERMO DE APROVAÇÃO

ALYNA CHRISTYNA MARTINS MAGALHÃES

A POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ A


PARTIR DA TEORIA DO PRECEDENTE CONSOLIDADA PELO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL: ANÁLISE CRÍTICA DO ARTIGO 489.

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Salvador –


UNIFACS, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Vicente Vasconcelos Coni Júnior__________________________


Titulação e instituição: _____________________________________________

Nome: _________________________________________________________
Titulação e instituição: _____________________________________________

Nome: _________________________________________________________
Titulação e instituição: _____________________________________________

Aprovada em ________ de _______________________ de 2017.


AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, principalmente ao meu pai Cicero e à minha vó Cleonice, que
me mostraram o melhor caminho a seguir, me incentivando e acreditando sempre em meus
projetos. À minha mãe Daisy, meu avô Raymundo e minha madrasta Elaine, por terem sido
essenciais durante todo esse trajeto.
Agradeço aos amigos da Procuradoria Geral do Estado da Bahia e da Associação dos
Procuradores do Estado da Bahia, onde me foi oportunizado estagiar durante dois anos de puro
aprendizado, sob os cuidados de Doutora Cristiane Guimarães.
Em especial, agradeço ao Espírito Santo, presente em todos os momentos da minha vida,
principalmente nos que pensava estar sozinha.
RESUMO

O presente trabalho se propõe a demonstrar a possibilidade de combate ao decisionismo judicial,


localizado no paradigma da filosofia da consciência, com a utilização de preceitos trazidos pelo
atual Código de Processo Civil. Com isso, visa o aprimoramento da segurança jurídica e da
formação e utilização dos precedentes judiciais, além de conformar o sistema jurídico brasileiro
com a normatividade constitucional e processual vigente. Será explanada, também, a necessidade
de transposição de paradigmas de conhecimento, na tentativa de superação da crise da jurisdição
contemporânea, trazendo como resposta a aplicação do dever de fundamentação contido no bojo
dos artigos 93, inciso IX da Constituição Federal e 489 da Lei nº 13.105 de 2015. Para tanto, será
usada pesquisa documental e bibliográfica, adotando-se o método indutivo para se chegar às
conclusões desta monografia.

Palavras Chave: Ativismo judicial; Decisionismo; Fundamentação; Precedentes Judiciais.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 06

1 DIREITO COMPARADO: CIVIL LAW E COMMON LAW 09

1.1 Característica dos sistemas 10

1.2 Os juízes dos sistemas 14

1.3 Poder interpretativo e segurança jurídica 17

1.4 Os paradigmas jurídicos e a distinção dos tipos de ativismo judicial 21

2 “DECIDO CONFORME MINHA CONSCIÊNCIA”: O DIREITO ATRAVÉS DA


AUTONOMIA DO MAGISTRADO 27

2.1 Aspectos do ativismo judicial 27

2.2 Permanência no paradigma da gnosiologia em detrimento do giro linguístico 32

3 O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O DEVER DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES


JUDICIAIS 43

3.1 A motivação judicial 43

3.2 Análise do artigo 489 do Código de Processo 45

4 CONCLUSÃO 72

REFERÊNCIAS 76
INTRODUÇÃO

Após a vigência da Carta Magna de 1988, apresentou-se um cenário (de direitos da 4ª


geração1) de democracia e intervencionismo, o que criou a necessidade de implementação de
ferramentas ensejadoras da execução de garantias constitucionais: normas abrangentes que
permitissem a realização de direitos de forma satisfatória2.
Com a atualização das leis no Brasil, objetivando sempre a pertinência fático-jurídica,
houve o advento da elaboração do Novo Código de Processo Civil em 2015, com a fortificação
da Teoria dos Precedentes3, influenciando os magistrados a, cada vez mais, aplicarem os
entendimentos já sedimentados em casos semelhantes, futuramente.
O método trazido por esta Teoria fora importado do common law, de origem inglesa, o
qual se embasava não na jurisprudência (instrumento este do civil law, trazido pela cultura
romano-germânica e que deu origem ao ordenamento brasileiro), mas na força do precedente
como instrumento fortalecedor da coerência dos julgamentos4.
Ocorre que, no Brasil, frequentemente há dissidências em relação à aplicação de
precedentes emanados de órgãos superiores, sendo um dos fatores responsáveis por isso o
ativismo judicial que, no decorrer deste trabalho, será explorado.
Como consequência da implementação de uma Teoria dos Precedentes no novo Código de
Processo Civil, com uma estrutura inversa da aplicada no direito estrangeiro, a segurança jurídica
torna-se suscetível ao que as Cortes superiores dizem o que é o Direito.
A importação de um sistema jurídico que não foi o originariamente adotado pelo país
implica em certa incoerência quando na prática. Antes de alguma teoria ou entendimento externo
ser adotado como molde, imprescindível é a realização de uma pré-análise da realidade
contemporânea do país que receberá um novo instituto, percebendo as implicações que tal
situação poderá gerar, evitando posteriores problemas de incompatibilidade entre o real sentido
democrático constitucional e instrumentos que visam um “progresso” do judiciário.

1
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 571.
2
BOBBIO, Norberto, 1909. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, p. 9-11.
3
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação
dos efeitos da tutela. 10ª. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, v. 2, p. 441-453.
4
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito – UFPR. n. 47, 2008, p. 11-58.
6
Desde logo, se faz necessário esclarecer que este trabalho não defende o cerceamento do
direito-dever dos magistrados de ajustar as normas para serem aplicadas em concreto quando
decidindo processos que necessitam de uma leitura tangível. O que se pretende é deixar
inequívoco que não há incompatibilidade entre seguir um sistema de precedentes e ter liberdade
para decidir os casos práticos, aplicando-se o direito nos liames da democracia.
Assim, serão analisados quais caminhos um processo e seus desfechos podem percorrer
para alcançarem a tutela do direito esperado, localizando, neste meio, a segurança jurídica
mantenedora da eficácia futura desta decisão tomada.
Destarte, imprescindível o questionamento: como promover um sistema que importe em
real evolução de uma sociedade democrática de direito, assegurando, ao mesmo tempo, o
fortalecimento dos precedentes e, consequentemente, da segurança jurídica?
Para responder tal questionamento, o presente trabalho se propõe, primeiramente, a
apresentar pressupostos teóricos para a implementação de um modelo de sistema virtuoso, se
fazendo necessário o estudo histórico da sociedade gestora do common law, assim como também
do civil law, esclarecendo como surgiram os ideais que regem tais sistemas e quais fatores foram
cruciais para o desenvolvimento destes corolários.
Posteriormente, em segundo capítulo, se caminhará para uma análise da necessidade de
desvinculação dos magistrados, atualmente localizados no paradigma da filosofia da consciência,
dos seus entendimentos pessoais, para proferirem sentenças mais condizentes com a realidade de
cada caso, abstendo-se de interferências advindas de sua leitura de mundo, sendo, em termos
condignos, imparcial. Evidente que não se almeja a sua pureza absoluta no momento do
julgamento, mas a subordinação pertinente ao sistema que compõem.
Os juízes fazem parte, logicamente, de um sistema jurídico, o qual deve vincular a decisão
de quem tem o controle maior no processo. É de fácil percepção que deve, sim, haver uma
submissão dos juízes a este sistema, questão que consiste em levar em consideração todo o
arcabouço jurídico que se tem para fundamentar as decisões por eles tomadas, sendo defeso o
embasamento em questões que não digam respeito à lide trazida para sua análise, sob perigo de
deturpação da função da jurisdição e, por consequência, do processo5.

5 GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral
do processo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 147.
7
Como dito, não se defende a neutralidade do julgador, mas sua imparcialidade 6, que
implica no obedecimento a um dos maiores princípios processuais do nosso sistema, qual seja, o
princípio do juiz natural7.
Mister a observação dos pressupostos teóricos da formação da decisão judicial, analisando
quais elementos são imprescindíveis a sua realização e, ainda, do que ela deve se revestir para ser
aplicada e respeitada, frise-se, posteriormente como precedente lato sensu. Neste sentido, o
terceiro capítulo analisará o artigo 489 do Código de Processo Civil vigente, apontando os
elementos que dão legitimidade à decisão judicial, expondo as falhas que o decisionismo
apresenta como empecilho à maior eficácia do instituto da fundamentação.
Em conclusão, suceder-se-á à inegável importância do estudo de determinados pontos da
teoria das decisões8, de modo mais contextualizado com o tema que será tratado aqui, analisando,
sobretudo, o poder que está nas mãos dos togados, não se esquecendo, no entanto, dos deveres
que eles têm para com a sociedade como servientes a esta; sem ela não haveria razão de ser
daqueles.
Numa sociedade autointitulada “democrática de direito” devem ser estabelecidos limites
claros à atuação daqueles que dizem protegê-la.
Quando se parte dos pressupostos de uma sociedade prima facie positivista, onde a norma
deve ser norteadora de todas as coisas, acabamos por criar irrealidades e arbitrariedades, pois se
pensa no ideal e, a partir daí, são produzidas leis que, inegavelmente, prestar-se-ão a criar
hipóteses que não condizem com a realidade. Como será aqui defendido, o direito é (ou deveria
ser) fruto e não origem do sistema.
Levando-se em conta o que foi observado e caminhando para o resultado obtido pelas
pesquisas realizadas ao longo do trabalho, fica clara a necessidade de emoldurar o ativismo
judicial consoante dos ditames legais, repaginando-o sob uma perspectiva mais adequada e
madura.

6
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre:
Fabris, 1989, p. 32.
7 Para mais informações sobre o tema, vide: LONGO, Luís Antônio. O princípio do juiz natural e seu conteúdo
substancial. In: PORTO, Sérgio Gilberto (org). As garantias do cidadão no processo civil. Porto Alegre, Livraria do
Advogado, 2003.
8
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 79-
90.
8
1. DIREITO COMPARADO: CIVIL LAW E COMMON LAW

Quando se fala em Direito, deve-se atentar para de que forma ele surgiu e se desenvolveu
nos países que são referência quanto aos sistemas do common law e civil law. Por se tratar de
povos diversos, a evolução do Direito fluiu por várias vertentes e não apenas pela seara
positivista9. O Direito não é apenas lei escrita, mas história, costumes e desenvolvimento.
Assim, tratando-se de direito comparado e da tentativa de importação de determinado
instituto como, por exemplo, a teoria dos precedentes, imprescindível é a pesquisa,
primeiramente, da base do Direito do país originário, de onde surgiu o objeto, em que momento
ele foi pensado, em que realidade e espaço histórico foi aplicado e quais os corolários que
guiavam a sociedade da época. Todas essas questões são essenciais e indissociáveis do interesse
de querer aplicar em outro país sistema que não foi gestado por ele próprio. Então, prossegue-se
para a análise desse assunto.
No civil law temos a sobreposição das leis sobre os costumes ou tradição, de modo que a
lei se origina dedutivamente, partindo-se da teoria até o alcance da lei abstrata que, só então, será
aplicada no mundo fático10. Já quando se fala de common law se parte de uma ideia de
supremacia dos costumes, onde não há a rígida necessidade de produção legislativa prima facie
para que haja uma segurança das relações sociais, tendo a tradição força suficiente para gerir a
sociedade, significando lei não apenas normas escritas, mas, imprescindivelmente, os costumes,
utilizando-se o método empírico de Francis Bacon11.
Percebe-se, portanto, que o civil law subordina-se à força da lei, enquanto que no common
law há vinculação com a cultura do seu povo, condicionando o comportamento, os tipos de
litígios e as relações públicas consoante o stare decisis12.
Adiante, mais pontos serão esclarecidos sobre estes dois principais sistemas jurídicos,
lançando-se as bases para a explanação das questões que serão tratadas nos capítulos seguintes.

9
ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Introdução à teoria e à filosofia
do direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 41-46.
10
BOAVENTURA, Edivaldo M. Metodologia da Pesquisa: Monografia, Dissertação, Teses. São Paulo: Atlas,
2004, p. 358.
11
FIGUEIREDO, L. L. Os Métodos Dedutivo e Empírico de Pensamento: influências no Sistema Jurídico do
Civil Law e Common Law. In: Rodolfo Pamplona Filho; Nelson Cerqueira; Gilson Alves de Santana Júnior. (Org.).
Metodologia da pesquisa em Direito. 1ed. Salvador: 2010, v. 1, p. 341-362.
12
Do latim “stare decisis et non quieta movere”, ou seja, “mantenha aquilo que já foi decidido e não altere aquilo
que já foi estabelecido”.
9
1.1. CARACTERÍSTICA DOS SISTEMAS

O common law, de berço inglês e influenciado pelo Direito Romano, surgiu incialmente
com a conquista da Normandia13, no ano de 1066 e, posteriormente, com a implementação do
Feudalismo, tendo sido apresentado não para regular as relações entre os cidadãos, mas como
solução para os juízes conseguirem resolver processos, mostrando-se gerado não pela sociedade
em sua generalidade, mas advindo da nobreza e para a nobreza, ou seja, para solucionar as
questões públicas e não particulares.
O objetivo dos Tribunais Ingleses, com a formação de um sistema baseado nos Tribunais
de Westminster, era aplicar um direito comum, uniforme e possível de aplicação em todo seu
território, em detrimento dos direitos particulares, o que forneceria segurança às questões
públicas14. Vale ressaltar que, antes desse período, as Cortes tinham alcance local e aplicação
também local, não havendo uniformização de direito nos feudos.
Ao contrário do que possa se pensar, observa-se uma rigidez maior neste momento no
common law em comparação ao início do civil law, já que, aqui, eram necessárias regras de
contingência para uniformizar as soluções para os problemas públicos que surgiam, ordenando as
questões. No civil law, há a necessidade de maior flexibilidade, visto a extensão em que era
estudado e aplicado, como será visto adiante.
Com o desenvolvimento das culturas e das novas relações existentes no passar dos anos, o
common law, direito público, acessível apenas ao rei e à nobreza, se mostrou robusto e
insuficiente para solucionar questões que surgiam no âmbito social. Para que um cidadão não
integrante da política tivesse a oportunidade de ver uma questão sua ser resolvida através do
Direito, havia a necessidade de, primeiramente, direcionar-se ao chanceler do rei, interlocutor
deste15.
Devida tamanha burocracia, houve um movimento que fez surgiu a equity law16, gerando
a facilitação da solução das pretensões dos cidadãos ingleses, através dos próprios chanceleres,

13
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução por Hermínio A. Carvalho. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.p. 359.
14
PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a Common Law, Civil Law e o Precedente Judicial. In: MARINONI, Luiz
Guilherme (Coord.). Estudos de Direito Processual Civil – homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 03.
15
DAVID, op.cit., p., 371.
16
Ibid., p. 375. Lei da equidade (tradução livre), vertente do direito consuetudinário, baseada no equilíbrio entre as
partes.
10
que davam diretamente a resposta aos direitos levados à apreciação do rei. Somente com a
ocorrência da Judicature Acts17, no século XIX, na Inglaterra, e com o Civil Action18, em 1938,
nos Estados Unidos, que se obteve a junção do common law com a equity.
Não obstante a Inglaterra e os EUA adotem o common law, os Estados Unidos se
distanciam da rigidez empregada a este sistema. Isso muito se dá pela estrutura geopolítica dos
dois países: enquanto na Inglaterra se tem maior inflexibilidade quando se trata de precedente e
sua aplicação, nos EUA, o stare decisis permite maior variação quando na análise de casos
semelhantes, não obstante a observância das binding precedents19.
Importante deixar claro, desde já, que há dois tipos de precedente. O precedente
persuasivo, que é valido como ratio decidendi, não tendo força vinculante, apenas servindo à
fundamentação das decisões; e o precedente vinculante, tendo força obrigatória de aplicação 20.
Em momento oportuno será dada mais ênfase nestes conceitos que, por ora, são suficientes.
Devido a organização do Estado americano, não se pode falar, como é habitual no Brasil,
de precedentes de aplicação geral, vez que sua divisão, por questões históricas, fez surgir estados
mais autônomos e que, por tal razão, instrumentalizaram-se de direitos locais fortes, ressalvados
os precedentes formados pela Suprema Corte, que é de observância de todos os estados.
Partindo agora para a análise do civil law, a sociedade romanística que lhe deu origem era
dotada de características que visavam a justiça e a moral (lançando, posteriormente, essas bases
na sociedade renascentista do século XIV - XVI), com fins de criar regras de convivência21 entre
os cidadãos diante das relações cada vez mais complexas devido o aperfeiçoamento
socioeconômico da época.
As regras do Direito Romano, com o passar do tempo, foram se tornando obsoletas e
complexas para serem aplicadas. Diante disso, no decorrer da Idade Média, a sociedade foi

17
Atos de poder (tradução livre).
18
Sistema adversarial (tradução livre).
19
Precedentes vinculantes (tradução livre). SARLET, Ingo Wolfgang; TESHEINER, José Maria Rosa;
FERNANDES, Juliano Gianechini. Instrumentos de Uniformização da Jurisprudência e Precedentes
Obrigatórios no Projeto do Código de Processo Civil. Porto Alegre, 2013. Disponível em:
http://www.tex.pro.br/home/artigos/175-artigos-set-2013/4751-instrumentos-de-uniformizacao-da-jurisprudencia-e-
precedentes-obrigatorios-no-projeto-do-codigo-de-processo-civil Acesso em: 16 jun. de 2017.
20
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação
dos efeitos da tutela. 10ª. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, v. 2, p. 455-456.
21
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução por Hermínio A. Carvalho. São Paulo:
Martins Fontes, 2002, p. 39.
11
deixando-o para trás, o que deu lugar ao direito do mais forte, revelado pelo Corpus Iuris Civilis
Justiniano22, distanciando-se da moral.
Na Europa Continental do período retratado foi estudado nas universidades o Direito
Romano e as Escolas de Direito Natural. Este estudo se desenvolveu, primeiramente, através de
doutrina que, em momento posterior, originou as leis positivadas, sendo disseminados cada vez
mais pelas universidades da Europa, propagando-se esse direito antigo, agora aperfeiçoado pelas
relações privadas23.
Com os estudos sobre o tema, vai ocorrendo o distanciamento dos ideais teológicos,
iniciando-se a observação do homem e colocando-o, juntamente com sua razão, no centro de
todas as coisas, surgindo, assim, a ideia dos direitos inatos ao homem e o universalismo na baixa
Idade Média24.
Esse processo de demonstração de direitos universais e imutável vai levar a um
sentimento de identidade entre os povos da Europa, que restringirá a ideia da lei do costume
apenas às questões menores existentes antes do século XIII, como direito de família e, ainda,
somente sendo permitido o uso do costume se este condissesse com as ideias de justiça e
generalidade25. Toda essa questão de preferência por leis universais, posteriormente, abrirá
caminho para a codificação, que será aceita facilmente, vez que a identidade das comunidades
europeias se deu na propagação, pelas universidades, dos direitos naturais.
Com a chegada do Renascimento, no final do século XIV, a economia foi amadurecendo e
se desenvolveu, deixando mais complexas as relações sociais, o que foi dando lugar a regras de
convivência e de comércio. Assim, observa-se o verdadeiro renascimento do direito que estivera
adormecido desde a idade das trevas26. Agora, se espera um direito com bases romanas, mas
repaginado, atento às questões contemporâneas que abarquem a economia, a segurança das
relações privadas, para que a evolução iminente seja estável.
É claramente observado aqui que o direito romano-germânico foi criado e evoluiu
independentemente do poder real/público, como ocorrera no direito inglês.

22
Constituição civil dos povos (tradução livre). BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições da filosofia do
direito, São Paulo: Ícone, 1995, p. 64.
23
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução por Hermínio A. Carvalho. São Paulo:
Martins Fontes, 2002, p. 41-42.
24
Ibid., p. 46-47.
25
Ibid., p. 53-54.
26
Ibid., p. 52-53.
12
Para que houvesse o sucesso da recepção da codificação e ela fosse adotada por toda a
Europa, deixando definitivamente de lado os costumes e regras teológicas, deveria ser
implementada em momento pertinente, por ideais que gerassem afinidade entre os povos que
seriam alcançados por este direito escrito.
Momento mais oportuno não havia, senão na Revolução Francesa, em 1789. A
promulgação do Código Napoleônico (1804) inseriu nos povos outra visão de mundo que
facilmente foi adotada pela Europa, fazendo com que a ideia de universalidade ganhasse cada vez
mais força27.
Através do Código Civil Francês, foram surgindo códigos nacionais que tinham o intuito
de reproduzir a codificação revolucionária. Neste momento, os ensinamentos das universidades e
as normas de condutas sociais cederam lugar para o que estava agora em foco: a produção de leis.
Assim, indo de encontro às normas de conduta social e direito universal pregado nas
universidades, progressivamente os códigos foram se enrijecendo e se tornando normatizadores
de costumes locais, se assemelhando ao que era no século XII, mas em nível nacional28,
confiando-se na ficção de que a lei escrita seria sinônimo de igualdade.
Com a valorização da legislação nacional, o Estado foi se fortalecendo e o direito público
foi tomando o protagonismo e implementando a justiça distributiva e o nacionalismo no lugar do
direito universal, gerando a supremacia da lei como corolário de igualdade, produto
revolucionário da codificação, até em sociedades que não sofreram esta revolução diretamente29.
É importante se fazer um breve relato do histórico do Brasil no que se refere ao tema aqui
tratado. Com a colonização portuguesa pôde-se vislumbrar uma primeira tentativa de legislação
não codificada na época das capitanias hereditárias, em 1534, que não obteve muito sucesso
devido à falta de uniformidade das regras ali estabelecidas. No seguir dos anos e com a
progressiva autonomia da colônia, foram sendo criados governos, leis e constituições, sendo a
primeira Constituição criada em 182430.

27
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução por Hermínio A. Carvalho. São Paulo:
Martins Fontes, 2002, p. 67.
28
Ibid., p. 68-70.
29
Ibid., p. 71.
30
VILLA, Marco Antonio. A História das Constituições Brasileiras. 200 anos de luta contra o arbítrio. São Paulo:
Leya, 2011, p. 7-13.
13
Assim, percebe-se que o common law é um sistema que parte do específico para
estabelecer a regra geral. Situação completamente oposta é encontrada no civil law, sistema
dedutivo.

1.2. OS JUÍZES DE CADA SISTEMA

Diferentemente da realidade vivida no seio do civil law, na França, a Inglaterra não


experimentou o embate de uma revolução para criar seu sistema de julgamento. Por tal razão, não
havia a necessidade de restringir a aplicação da lei31 pelos juízes sob o perigo de reestabelecer-se
o status quo ante de dominação e absolutismo, seja pelo poder legislativo ou quaisquer outros
métodos limitativos, inobstante a necessidade de submissão ao common law.
Com o estudo do sistema inglês e romano-germânico surgiram teorias para tentar explicar
a função do juiz nestes cenários.
No que diz respeito ao common law, inicialmente surgiu a ideia de que o juiz era
declarador da lei, criando-se a teoria declaratória. Essa premissa fora pregada por William
Blackstone32, onde a base do direito era tida nos costumes, sendo o juiz não criador do direito,
mas declarador dele, visto a pré-existência dos costumes na sociedade e, inclusive, dos
precedentes firmados em relação a questões já postas em juízo, que são a essência do direito
aplicado no common law. Em polo oposto, criou-se a teoria constitutiva, defendida por
Bentham33, em que o juiz criava a lei, já que possuía law-making authority34 e o precedente
apenas evidenciava o direito, sendo a decisão fruto da atividade criativa do magistrado.
Nesta toada, formou-se a discussão sobre o papel do juiz no processo e,
consequentemente, da força da decisão judicial. Donald Neil MacCormick35 revela a fragilidade
da argumentação das duas teorias. Com a questão da superação dos precedentes, os defensores da
teoria declaratória se viram postos em xeque, vez que, no caso de haver a necessidade de
revogação de um precedente que não se fazia mais necessário, o juiz deveria constituir que

31
É valido ressaltar a existência de produção legislativa nos países de direito inglês, não sendo este o requisito
determinante de common law ou de civil law.
32
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 17,
n. 68, out. 2009, p. 12.
33
Ibid., p. 13.
34
Autoridade legislativa (tradução livre).
35
MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do Direito. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins
Fontes, 2006, p. 345-358.
14
aquela mera declaração antes aplicável, hoje não mais tem eficácia. Em sentido oposto, os
adeptos à teoria constitutiva também tiveram que reconhecer que, se o juiz cria o direito, ele
legisla, inclusive, quando da necessidade de revogação de um precedente, por exemplo.
Não obstante as diferenças relatadas, ambas as teorias acreditavam no dever de respeito
aos precedentes, inclusive por suas origens comuns ao common law.
Pela aceitação, por parte da teoria constitutiva, de que revogar um precedente seria
legislar, os juízes sentiram-se mais confortáveis em se posicionarem ao lado da teoria
declaratória. Marinoni36, com este desfecho, demonstra que o stare decisis não se restringe tão
somente ao sistema inglês37, sendo também possível esta aplicação em sistemas que são adeptas à
teoria declaratória, como o direito romano-germânico e, ao mesmo tempo, que essa teoria não se
contradiz ao stare decisis. Assim, o que distancia de logo os sistemas inglês e romano-germânico
é o fato de o primeiro ser estabelecido sobre o direito advindo de precedentes e o segundo, do
direito nascido pela lei.
Distanciando-se da rigidez do common law inglês, o sistema americano possui como fonte
do direito, além dos costumes e dos precedentes (case law), as leis (statute law), sendo que este
último existe para estabelecer apenas as exceções ao case law. Como bem traz René David:

A proliferação das leis é considerável nos Estados Unidos nos nossos dias. Como em
outros países, tornou necessárias certas medidas, visando pôr ordem no direito legislado
de modo a facilitar aos cidadãos e aos juristas o seu conhecimento. No que respeita ao
direito federal, como ao direito de cada Estado, compilações – oficiais ou privadas –
foram feitas com este fim, comportando novas edições ou informações periódicas.

[...]

Num país de common law não se consideram como plenamente normais regras que não
sejam regras jurisprudenciais; vê-se nos códigos uma simples obra de consolidação, mais
ou menos bem realizada, e não, como nos países da família romano-germânica, um
ponto de partida para a elaboração e o desenvolvimento dum novo direito38.

36
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 17,
n. 68, out. 2009, p. 14.
37
O stare decisis foi criado somente no século XIX, com o amadurecimento dos conceitos de rule of precedent e
binding precedents, muito após a criação do common law, fato que atesta a não implicação de um com o outro.
38
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução por Hermínio A. Carvalho. São Paulo:
Martins Fontes, 2002, p. 465.
15
De acordo com Humberto Rohden, crear39 é a manifestação da essência em forma de
existência, vez que criar é a transição de uma existência para outra existência, derivada da
creada. Assim, a obrigatoriedade de um precedente não significa o resultado de uma creação do
juiz (precedente vinculante), mas sim de uma real criação, em termos técnicos, que nada mais é
do que o obedecimento direto à lei.
Teresa Arruda Alvim Wambier mostra em que se baseou o direito inglês:

O common law não foi sempre como é hoje, mas a sua principal característica sempre
esteve presente: casos concretos são considerados fonte do direito. O direito inglês,
berço de todos os sistemas de common law, nasceu e se desenvolveu de um modo que
pode ser qualificado como “natural”: os casos iam surgindo, iam sendo decididos.
Quando surgiam casos iguais ou semelhantes, a decisão tomada antes era repetida para o
novo caso. Mais ou menos como se dava no direito romano 40.

Com o desenvolver das sociedades adeptas ao civil law, em especial na França, passada a
antiga ordem, onde o título de juiz era comprado ou herdado41 através da classe aristocrática e
havia o sentimento de propriedade sobre tal função, foi dado lugar a uma realidade de
fiscalização dos juízes pelo Poder Legislativo através das noções de Montesquieu 42, impedindo
qualquer ideia que remetesse ao antigo regime.
Pelos receios vividos logo após o momento revolucionário, o cuidado vigoroso para
restringir as possibilidades de tirania pelos magistrados fez com que estes apenas fossem tidos
como boca da lei. Numa ocasião de não correspondência do caso com a lei, dúvida ou conflito
entre as normas, levava-se a questão ao Parlamento43.
Luiz Guilherme Marinoni demonstra como se comportava esse período revolucionário:

39
ROHDEN, Humberto. O Drama Milenar do Cristo e do Anticristo. São Paulo: Alvorada, 1972, p. 3.
40
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o estado de direito -
Civil law e common law. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 57, n. 384, p. 53-62, out, 2009, p. 54.
41
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 17,
n. 68, out. 2009, p. 28.
42
Vide mais em: MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
43
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 17,
n. 68, out. 2009, p. 32 apud “Os tribunais judiciários não tomarão parte, direta ou indiretamente, no exercício do
poder legislativo, nem impedirão ou suspenderão a execução das decisões do poder legislativo” (Título II, art. 10);
“reportar-se-ão ao corpo legislativo sempre que assim considerarem necessário, a fim de interpretar ou editar uma
nova lei” (Título II, art. 12); “as funções judiciárias são distintas e sempre permanecerão separadas das funções
administrativas. Sob pena de perda de seus cargos, os juízes de nenhuma maneira interferirão com a administração
pública, nem convocarão os administradores à prestação de contas com respeito ao exercício de suas funções” (Título
II, art. 12). (Lei Revolucionária de agosto de 1790) (Vide: CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Montesquieu? A
expansão e a legitimidade da justiça constitucional, Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, p. 272).
16
Para a revolução francesa, a lei seria indispensável para a realização da liberdade e da
igualdade. Por este motivo, entendeu-se que a certeza jurídica seria indispensável diante
das decisões judiciais, uma vez que, caso os juízes pudessem produzir decisões
destoantes da lei, os propósitos revolucionários estariam perdidos ou seriam
inalcançáveis. A certeza do direito estaria na impossibilidade de o juiz interpretar a lei,
ou, melhor dizendo, na própria Lei. Lembre-se que, com a Revolução Francesa, o poder
foi transferido ao Parlamento, que não podia confiar no judiciário 44.

Devido ao constitucionalismo45, trazido também pela Revolução Francesa, houve a


superação da imagem do juiz mero declarante da lei, de maneira que, hoje, ele exerce papel
equivalente ao juiz do sistema inglês. Este tem a gerência do exercício do poder judicial,
condicionado ao precedente; aquele também possui esse poder, contudo não submetido ao
precedente, incialmente, mas à jurisprudência e à Constituição, esta última trazendo o destaque
do princípio da legalidade, onde o referencial normativo é supralegal, sendo por ela estabelecidas
as diretrizes do direito e, concomitantemente, servindo de limite para a fixação jurisprudencial.

1.3. PODER INTERPRETATIVO E SEGURANÇA JURÍDICA

Partindo-se da análise da realidade do sistema civil law e da pretensão de prever todos os


casos fáticos em lei visando o controle dos magistrados, é necessária a observação da chamada
Cassation, a Corte de Cassação, criada inicialmente na França, em 179046. Esta Corte tinha a
função de, reforçando o intuito de contenção da atividade jurisdicional, averiguar as causas em
que não havia a subsunção do fato à norma, seja por não haver previsão ou pela aplicação
incorreta da lei. Vale ressaltar que ela não possuía função jurisdicional em sua origem, sendo-lhe
atribuída tal competência somente em momento posterior.
Diante da realidade de um Parlamento repleto de causas que lhe eram encaminhadas pelo
fato de o juiz não poder interpretar a lei, a Cassation teve como função primordial, como o nome
já diz, de cassar as decisões destoantes do que era determinado pela lei. Posteriormente, tendo em
vista a evolução das relações socioeconômicas e o anseio pela celeridade das resoluções dos

44
MARINONI, Luiz Guilherme. A Transformação do Civil Law e a Oportunidade de um Sistema
Precedentalista para o Brasil. Revista Jurídica, Porto Alegre, ano 57, n. 380, p. 45-50, jun. 2009, p. 46.
45
LÔBO, Paulo. Constitucionalização do Direito Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4,
n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/507>. Acesso em: 16 jun. 2017.
46
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2010. Conferência proferida no Congresso de Direito
Processual, realizado pelo Instituto dos Advogados do Paraná. Disponível em:
<www.marinoni.adv.br/baixar.php?arquivo=files_/Conferência_IAP2.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2017, p, 2.
17
conflitos (o método da interpretação autorizada, quando se necessitava ser levada a questão ao
Legislativo, era um tanto quanto delongada), outras atribuições lhe foram concedidas, como o
poder de estabelecer qual interpretação seria aplicável ao caso apresentado47.
Neste caminhar, percebe-se a tendência a uma uniformização do direito estabelecido na
sociedade, reconhecendo-se o papel do Poder Judiciário, e não do Legislativo, de não somente
declarar do direito, mas interpretá-lo48. Como fruto de tal proceder, fora estabelecido o parâmetro
à segurança jurídica, servindo esta de instrumento em favor da própria fiscalização dos juízes,
para que não se corresse o risco de reestabelecer-se o antigo regime.
No que diz respeito ao common law, a segurança jurídica desse regime tinha como base os
precedentes. É sabido que, pela realidade diversa enfrentada pelo civil law e common law, estes
sistemas desenvolveram-se por caminhos diferentes. Como na realidade inglesa jamais se
necessitou limitar a atuação do juiz pelo modo de aplicação da lei, a segurança jurídica desse
sistema foi trazida através do seu direito base, qual seja, o costume, que gerou os precedentes e o
stare decisis. Através desses institutos, tornou-se possível aos cidadãos prever que consequência
seria aplicada quando na realização de determinada conduta. Tal previsibilidade também era
possível no direito Francês, como fora dito, mas decorrente da lei escrita.
O papel do precedente, no direito inglês, somente tomou cunho vinculante a partir do
século XIX, com o julgamento do leading case Beamish vs. Beamish, pelo Lorde Campbell, em
1861. Segundo a professora Gisele Leite:

Neste sistema, a ideia de vinculação do julgado precedente às demandas semelhantes


surgiu nos idos do século XIX, quando a Câmara dos Lordes admitiu o caráter
vinculativo das suas próprias decisões nos casos Beamish versus Beamish em 1861,
referendado no caso London Street Tranways versus London County Council, este
último tido como o mais célebre case. Restou decidido pelo Lord Halsbury que seria
mais sensato para a sociedade que fossem estabilizados os litígios com uma solução por
vezes, até mesmo, inadequada, do que eternizar as incertezas e inseguranças 49.

47
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. 2 ed. Porto
Alegre: Fabris, 1999, p. 39-44.
48
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Coord.). Teoria do Processo:
panorama doutrinário mundial. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 540.
49
LEITE, Gisele. Civil law versus common law. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 10 fev. 2017. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=2532_Gisele_Leite&ver=2628>. Acesso em: 19 jun.
2017.
18
Deste modo, o intuito da adoção do precedente vinculante, momento posterior à aplicação
do precedente (ainda não obrigatório) aos casos semelhantes, era senão garantir ainda mais a
segurança jurídica na sociedade.
Não obstante às diferenças, muitos pontos em comum existem entre os sistemas aqui
tratados.
Com a evolução dos séculos, qualquer sociedade se desenvolve economicamente e
socialmente, fazendo com que o direito também tenha que ser progressivo para tutelar as questões
que ali surjam. Desse modo, independente da origem do direito em cada locus, é imprescindível
que seus cidadãos tenham segurança para, cada vez mais, progredir, independentemente de ser
essa segurança baseada em leis ou em costumes, acarretando uma verdadeira convergência
evolutiva50.
Ocorre que, no civil law, por se ter admitido a possibilidade de o juiz interpretar a lei, esta
já não bastava, por si só, como alicerce da segurança jurídica, já que ela pode ser variável ao
passar pela criticidade do magistrado.
A lei escrita não possui a velocidade de atualização que requer a realidade fática das
relações a serem tuteladas pelo direito. Por isso mesmo que o juiz do sistema romano-germânico
possui igual, senão maior atividade interpretativa e criativa que o juiz common law.
Assim, muitos críticos51 apontam que a mácula do sistema romano-germânico foi a
negação do poder interpretativo do juiz, que acarretou o objetivo ilusório da produção legislativa
que antevisse todos os casos fáticos e promovesse segurança jurídica. Como depois foi aceita a
interpretação do magistrado, voltou-se contra o sistema a ideia da previsibilidade das
consequências das condutas baseada na lei.
O civil law teve problemas em impedir, de forma plena, a insegurança jurídica, tendo em
vista as questões interpretativas e de previsibilidade legislativa que, apesar da evolução do direito
romano-germânico, ainda se mantinham, não obstante a existência de barreiras impeditivas dessa
anomalia, como o constitucionalismo e o controle de constitucionalidade.
No panorama contemporâneo, não é difícil verificar as destoantes decisões a respeito de
caso semelhantes. Como bem dito por Luiz Guilherme Marinoni:

50
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabres Editor, 1993, p. 123.
51
MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a
necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito – UFPR. n.47, 2008.
19
O direito processual costuma se preocupar com a igualdade no processo - ou seja, com a
igualdade de tratamento no interior do processo – e com a igualdade ao processo - isto é,
com a simétrica disponibilidade de técnicas processuais -, mas se esquece, por desprezo
à realidade da vida e dos tribunais, da igualdade perante as decisões. O dizer, insculpido
na velha placa colocada sobre a cabeça dos juízes, de que a lei é igual para todos,
constitui escárnio a aqueles que, diariamente, assistem colegiados de um mesmo
tribunal, ou mesmo tribunais estaduais ou regionais distintos, proferindo decisões
diferentes para casos absolutamente iguais52.

Desta maneira, abre-se espaço para ser possível adentrar mais profundamente no tema
aqui proposto, afastando-se um pouco da temática trazida por Marinoni, no que tange à
importação do sistema de precedentes americano como saída às controvertidas decisões que se
veem diariamente, contudo, não deixando de lado seus ensinamentos no que diz respeito à
essencial dissociação do stare decisis do common law; aproximando-se, por outro lado, da visão
do filósofo Lenio Luiz Streck53.
Rodolfo de Camargo Mancuso explica de forma elucidativa o cuidado que deve ser
tomado ao importar institutos não originários do nosso sistema. Se mostra totalmente
desinteligente trazer modelos jurídicos que não se enquadrarão na cultura interna, fazendo-se
necessária a extração, somente, dos princípios ativos54 contidos no sistema estrangeiro para
otimização local.
Na visão de Lenio Streck e Georges Abboud, o Brasil não poderia instituir um sistema de
precedentes, vez que este é gerado não a partir da instituição por uma lei, mas sim fruto de uma
evolução histórica: “Por isso mesmo é que devemos tirar lições do sistema de precedentes do
common law para melhor compreensão do ‘sistema de vinculação jurisprudencial’ (e não de
precedentes) criado pelo CPC no Brasil” 55.
No civil law brasileiro não há muita eficácia na uniformização de jurisprudência e na
aplicação de leis.
Com todo o sentimentalismo de empoderamento magistral, cada juiz se vê independente
do sistema que habita, enxergando-se capacitado para aplicar o seu direito e então,

52
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2010. Conferência proferida no Congresso de Direito
Processual, realizado pelo Instituto dos Advogados do Paraná. Disponível em:
<www.marinoni.adv.br/baixar.php?arquivo=files_/Conferência_IAP2.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2017, p. 3.
53
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 6.
54
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 176.
55
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando?, p.
175-182. In: DIDIER JR, Freddie et al (org.). Coleção Grandes Temas do Novo CPC: Precedentes. ed. Salvador:
Juspodivum, 2015, p. 176.
20
posteriormente, escolher um artigo da lei que se enquadre na sua tomada de decisão, e não o
contrário56.
Prossegue lecionando Marinoni, enfaticamente:

O juiz que contraria a sua própria decisão, sem a devida justificativa, está muito longe do
exercício de qualquer liberdade, estando muito mais perto da prática de um ato de
insanidade. Enquanto isto, o juiz que contraria a posição do tribunal, ciente de que a este
cabe a última palavra, pratica ato que, ao atentar contra a lógica do sistema, significa
desprezo ao Poder Judiciário e desconsideração para com os usuários do serviço
jurisdicional57.

Diante do panorama enfrentado hoje, a sociedade esbarra cotidianamente em decisões


conflitantes com o Direito e com seus pleitos. Proferindo tais decisões estão juízes que se
“amparam” nos conceitos amplos de normas jurídicas e na (mais perigosa) sapiência do seu
direito, dificultado a uniformidade e segurança pretendida em qualquer sociedade que vise
evoluir economicamente, tudo em função do sentimento de liberdade que o decisor defende como
exercício do seu dever.
Da leitura desse trabalho não deve ser entendido que o juiz deverá ter cerceado seu direito
de interpretação, a não ser que lhe queiram delegar faculdades contrárias à ordem
constitucionalizada.
Assim, adiante, tentar-se-á tocar nos pontos nocivos da utilização da ordem jurídica,
demonstrando os perigos do juiz solipsista.

1.4. OS PARADIGMAS JURÍDICOS E A DISTINÇÃO DOS TIPOS DE ATIVISMO


JUDICIAL

A análise dos paradigmas jurídicos mostra-se necessária para que se entenda o modo de
desenvolvimento do método interpretativo adotado em cada época e diante de cada circunstância
social, mostrando-se imperiosa para munir a crítica a respeito da posição do juiz diante da norma.

56
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 14.
57
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2010. Conferência proferida no Congresso de Direito
Processual, realizado pelo Instituto dos Advogados do Paraná. Disponível em:
<www.marinoni.adv.br/baixar.php?arquivo=files_/Conferência_IAP2.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2017, p. 26.
21
O professor Antônio Junqueira de Azevedo58 elenca em três os paradigmas jurídicos. Pelo
primeiro paradigma, entendido como paradigma da lei, diante do trauma deixado pelo
absolutismo do regime totalitário assolador da França, almejou-se o obedecimento puro e simples
da lei, sendo utilizado o silogismo, acreditando que todas as soluções para os conflitos estariam
nela. Como uma consequência inevitável, apareceram os casos que demandavam maior esforço
cognitivo, não se enquadrando na mera subsunção.
O segundo paradigma inicia-se após o final da Primeira Guerra Mundial, sendo chamado
de paradigma da modernidade. Diante do distanciamento das aflições do antigo regime e,
portanto, da mudança de posição do juiz, passou ele a figurar como intérprete e não mais mero
“boca fria da lei”. Nesta toada, a lei passara a ser mais flexível, surgindo conceitos mais amplos
para serem maleados pelos magistrados. Aqui ainda não se fala em ativismo judicial, mas em
arbitrariedade, para além da discricionariedade.
Chegado os dias atuais, novas necessidades surgiram, assim como exigências, como traz
Antônio Junqueira: “O tempo que estamos a viver, em primeiro lugar, não se conforma com as
noções vagas que tudo fazem depender do juiz nem, por outro lado, deseja, pura e simplesmente,
uma volta ao passado com a lei abstrata e geral” 59.
O Direito deve solucionar conflitos, sem, entretanto, perturbar a ordem social e o terceiro
paradigma – da pós-modernidade – trata disso. Migrando o foco da percepção do juiz para o caso
concreto, ficam ultrapassados os conceitos abertos utilizados para o livre motivacionismo do
interprete, ainda mais diante de uma constitucionalização. Palavras de ordem como interesse
público acabam por perder o sentido, caracterizando-se por fórmulas vazias, enquanto os anseios
tornam-se cada vez mais qualitativos. Marcelo Benacchio e Sávio Ibrahim Viana lecionam que,
neste paradigma “cabe o constante diálogo entre fato e lei na concreção da norma jurídica
incidente” 60.
Tendo em vista que o artigo apresentado por Antônio Junqueira fora posto antes da
promulgação do Código Civil de 2002, já havia o combate de termos e previsões contidos no
projeto que indicavam o atraso frente ao paradigma da pós-modernidade e, nas palavras do

58
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. V.94, 1999, p. 3-12. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67429. Acesso em: 08 ago. 2017.
59
Ibid., p. 08.
60
BENACCHIO, Marcelo; VIANNA, Sávio Ibrahim. O ativismo judicial e a ordem econômica, p. 147-170. In:
Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 148.
22
próprio professor, “conforme tudo o que foi dito, vê-se bem que nada disso corresponde aos dias
que correm” 61.
Por certo, a atitude de condicionar a decisão ao caso pode trazer, prima facie, um
desconforto quando se trata de segurança jurídica. Entretanto, esta questão não pode ser mudada
diante de um preconceito. Não há como realizar o processo sem preferir seu objeto lato sensu,
qual seja, o caso concreto. Eventuais mudanças de posicionamento serão pertinentes caso a
questão não corresponda aos moldes do seu paradigma. Forçar uma aplicattio visando segurança
jurídica gera um resultado deteriorante para os que pretendem estabelecer um sistema de
precedentes.
É neste paradigma da pós-modernidade que fica latente o ativismo judicial, observados os
direitos e garantias trazidos no bojo da Constituição Federal.
Valido também é esclarecer o significado dos termos ativismo judicial e decisionismo.
A função da jurisdição é extremamente necessária frente às diretrizes que a Constituição
traz. Um juiz inanimado não cumprirá seu dever jurisdicional se não fizer direitos se efetivarem.
Da mesma forma, não o fará caso desfigure a Constituição para fazer valer seus conceitos
de justiça. Assim, é possível a verificação de uma razoabilidade no que diz respeito ao equilíbrio
entre a ordem posta e a aplicação do direito através do juiz de acordo com a evolução temporal,
sendo a lei condicionada a esta.

Não se pode confundir, portanto, a adequada/necessária intervenção da jurisdição


constitucional com a possibilidade de decisionismos por parte de juízes e tribunais. Seria
antidemocrático. Com efeito, defender um certo grau de dirigismo constitucional e um
nível determinado de exigência de intervenção da justiça constitucional não pode
significar que os tribunais se assenhorem da Constituição. 62

Não é possível admitir a existência de um terceiro gigante 63 justificando tal fato na


complexidade dos conflitos atuais, alegando ser inderrogável a competência apenas do Poder
Judiciário para tanto. É absolutamente inconstitucional aceitar a sobreposição deste poder em

61
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. V.94, 1999, p. 3-12. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67429. Acesso em: 08 ago. 2017, p. 10.
62
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 192.
63
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Safe, 1993, p. 32.
23
detrimento do Legislativo e Executivo diante da Teoria Tripartite e do artigo 60, parágrafo 4º,
inciso III da Constituição Federal64.
O desequilíbrio é consectário do protagonismo judicial, consoante palavras de
Montesquieu, esclarecendo que “se (o judiciário) estiver ligado ao Poder Legislativo, o poder
sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse
ligado ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor” 65.
Alessandra Lopes Santana de Mello leciona que, diante da atual mora dos demais poderes,
a magistratura mais atenta é necessária, entretanto, não pode se confundir com decisionismos:

Tal fenômeno não se confunde com o “fazer políticas”, a pretexto de interpretar e aplicar
a lei. Tampouco, consiste em conferir ao juiz uma “carta branca” ou poderes ilimitados a
decidir o caso concreto de acordo com sua exclusiva opinião, valores pessoais,
preferencias ideológicas e políticas. Esta prática, flagrantemente abusiva, pode ser
nominada como “decisionismo judicial” e deve ser evitada66.

Apropriando-se de um conceito pregado em direito penal, consoante professor Adolfo


Velloso, o solidarismo penal, equivalente ao ativismo judicial no processo civil é, inicialmente,
gerado através da justiça midiática que apregoa a necessidade de ser o juiz mais ativo em
questões que são o objeto do momento nos veículos de comunicação:

Sabe-se que tal posição filosófica é conhecida no direito penal com a denominação de
solidária geradora do solidarismo penal e este, por sua vez, gera o solidarismo ou
decisionismo judicial, que se caracteriza na tendência doutrinaria que procura fazer com

64
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas,
pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de
sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se
aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o
respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova
proposta na mesma sessão legislativa.
65
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 156-157.
66
DE MELLO, Alessandra Lopes Santana. Subjetivismo e ativismo judiciais: é preciso compreendê-los, p. 35-63.
In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 50.
24
que os juízes sejam cada vez mais ativos, mais viris – não obstante mais piedosos –,
mais comprometidos com seu tempo e decididos a viver perigosamente, com a Verdade
e com a Justiça67.

Continuando sua crítica, Velloso afirma que há temas que são eminentemente técnicos e
outros políticos “e tudo que é político tem a ver com o exercício do Poder, condicionado desde
sempre por um cúmulo de fatores conhecidos: a economia, a sociologia, o direito, a igreja, as
forças armadas, os sindicatos, os meios de comunicação etc.” 68.
Evidente que decidir imprescinde uma parcela subjetiva, já que toda interpretação parte de
uma pré-compreensão69. Entretanto, isso não pode ferir a imparcialidade judicial, inclusive diante
dos ditames constitucionais.
Deste modo, conhecer a que título o magistrado se posiciona ao julgar direcionará a
crítica que lhe será dirigida. Assim, faz-se mister especificar qual ativismo judicial aqui se critica.
O juiz federal Eduardo José da Fonseca Costa demonstra a existência de três categorias de
ativismo: socialista, publicista e gerencial70.
O ativismo socialista é caracterizado pelo oposicionismo drástico a uma realidade liberal
clássica, utilizando-se o juiz de um ativismo autoritário “sócio-equilibrante” nas palavras de
Eduardo Costa71, configurado pelo juiz gnóstico que não hesita em figurar de maneira parcial no
processo, ultrapassando normas sob a justificativa de “assegurar” o direito do mais fraco diante
de uma equalização social. Assim, “juiz bom é o juiz-Robin-Hood” 72
e o processo torna-se
propriedade coletiva.
Ao contrario do ativismo socialista, o ativismo publicista apregoa a autoridade
incontestável do Estado, sendo as partes vistas como “doentes inferiores” 73
que precisam ser
tratados pelo poder do juiz, como atestado da plenipotência desta instituição. O processo passa a
ser um instrumento de dominação do Estado-juiz, alimentando a “libido dominandi estatal” 74.

67
VELLOSO, Adolfo Alvarado. O garantismo processual. Trad. Glauco Gumerato Ramos, p. 13-34. In: Fredie
Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 28.
68
Ibid., p. 30.
69
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método, 3ª edição. Tradução Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Editora
Vozes, 1999, p. 389-390.
70
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Uma espectropia ideológica do debate entre garantismo e ativismo, p. 171-
186. In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p.
184.
71
Ibid., p. 178.
72
Ibid., p. 178.
73
Ibid., p. 180.
74
Ibid., p. 181.
25
Enfim, o ativismo gerencial corresponderia ao Estado liberal moderno. O processo é visto
como uma “microempresa gerenciável pela macro empresa judiciária” 75
, sendo a força motriz
deste modelo não as partes ou o juiz, mas a administração judiciária, utilizando-se com mais
afinco, por exemplo, os meios alternativos de solução de conflitos como a mediação e
conciliação. Aqui o poder discricionário do juiz se afigura para regular o ótimo funcionamento do
processo.
Observado que o Brasil adota, na maioria das vezes, sistemas mistos, não é diferente
quanto ao modelo de ativismo, se é que isto pode ser indicado com segurança, já que, por se falar
em ativismo, fica à consciência determinante do juiz “decidir” em que tipo de ativismo se
enquadrará.
Ocorre que, independente de posicionamento político ou condicionamento a este, o
ativismo pode acontecer em qualquer sociedade na qual exista um Poder Judiciário que contenha
magistrados solipsista, como bem trazido por George Abboud e Nelson Nery Júnior:

Ou seja, o ativismo não possui ideologia ou orientação política pré-definida. Pode ser
extremamente liberal (análise puramente econômica do direito) ou de extrema esquerda
(viés marxista). O que efetivamente caracteriza o ativismo é a substituição da legalidade
vigente e do texto constitucional pelo senso de justiça e pelas convicções pessoais do
magistrado da ocasião76.

De toda sorte, verifica-se a associação do Judiciário brasileiro, ressalvadas suas


peculiaridades, aos três modelos de ativismo. Assim, o apontamento a ser aqui realizado
direcionar-se-á a eles que, de maneira geral, tomam por alicerce a consciência de promoção da
igualdade social, exacerbado empoderamento judicial e pragmatismo processual, todos eles
olvidando a necessidade primeira de observância da Constituição Federal em proveito de
decisionismos solipsistas.

75
COSTA, Eduardo José da Fonseca. Uma espectropia ideológica do debate entre garantismo e ativismo, p. 171-
186. In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p.
182.
76
JUNIOR, Nelson Nery, ABBOUD, Georges. Ativismo judicial como conceito natimorto para consolidação do
Estado Democrático de Direito: as razões pelas quais a justiça não pode ser medida pela vontade de alguém. p.
525-546. In: Fredie Didier JR. et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013,
p. 530.
26
2. “DECIDO CONFORME MINHA CONSCIÊNCIA”: O DIREITO ATRAVÉS DA
AUTONOMIA DO MAGISTRADO
2.1. ASPECTOS DO ATIVISMO JUDICIAL

Atestada a falha do antigo modelo subsuntivo, devido às lacunas ainda persistentes diante
do esclarecimento de que a lei não tem a capacidade de prever todas as situações fáticas77,
observou-se a necessidade de dar mais poder ao juiz para que este adequasse o caso a um
procedimento que fosse mais eficaz à consolidação dos direitos das partes, tornando-se necessária
a criação de um mecanismo que possibilitasse a modelação de conceitos mais abertos.
A partir de conceitos jurídicos indeterminados78, possibilitava-se às partes e ao juiz
escolher que tipo de procedimento ou tutela aplicar naquele processo. Pode-se dizer, então, que
há um leque, composto por leis, que permite a escolha de alguns conceitos abertos, para que
sejam lapidados, objetivando o melhor resultado possível.
Neste sentido, com o desenvolvimento das constituições para trazerem em seu bojo
direitos sociais, foram incorporadas normas que tendiam à satisfação e promoção dos anseios
populares79, acarretando produção legislativa que teria efetividade somente quando posta em
prática, visto seu nível de vagueza para amparar a todos os cidadãos, fato este que, sem dúvidas,
aumentou o poder discricionário80 do juiz. O entendimento trazido por Mauro Capeletti traduz
este cenário:

É manifesto o caráter acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e


de atuação da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é certo, que a diferença
em relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de grau e não de conteúdo: mais
uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda interpretação é criativa, e que
sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na atividade jurisdicional.
Mas, obviamente, nessas novas áreas abertas à atividade dos juízes haverá, em regra,
espaço para mais elevado grau de discricionariedade e, assim, de criatividade, pela
simples razão de que quanto mais vaga a lei e mais imprecisos os elementos do direito,

77
CAPPELETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução Carlos Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antônio
Fabris, 1999, p. 31-42.
78
GONDINHO, André Pinto da Rocha Osório. Codificação e cláusulas gerais. Revista Trimestral de Direito Civil.
Rio de Janeiro: v. 2, p. 3-25, jan-mar. 2000.
79
WERNECK VIANA, Luiz. Poder Judiciário, “positivação do direito natural” e política. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro: Editora Acadêmica, n. 18, 1996, p. 268.
80
Quando aqui se diz discricionário, refere-se ao conceito essencial da palavra, qual seja, significação para além da
letra da lei, não se confundindo com arbitrariedade.
27
mais amplo se torna também o espaço deixado à discricionariedade nas decisões
judiciárias81.

A fundamentação dessa explanação baseia-se no direito fundamental à tutela jurisdicional


efetiva (art. 5º, XXXV, CF). Entretanto, o sistema cedeu a tal ponto que, diante de um hard
case82, na impossibilidade de subsunção, somente o juiz teria a capacidade de saber a melhor
solução. Mediante a fundamentação “adequada”, o juiz alimentaria a norma aberta e os conceitos
indeterminados, aplicando-os aos casos.

Ou seja, o Código já nasce com um déficit de democracia ao deslocar o problema da


concretização dos direitos dos demais Poderes e da Sociedade em direção ao Judiciário.
Trata-se, evidentemente, de um grande paradoxo: como é possível que um Código, cuja
pretensão maior é o incremento de mecanismos de acesso à justiça, aposte no ativismo
judicial como um dos seus corolários?83.

Despiciendo acreditar que deve ser seguida a estrita letra da lei para que ela se cumpra
integralmente. Certamente, necessária é a figura de um interprete para guiar à melhor solução
para a questão apresentada em concreto.
A discussão que se apresenta aqui diz respeito ao poder do juiz para decidir, indicando a
melhor solução para o processo, sempre sob a influência do sistema que o rodeia.
O processo é composto por partes, pelo juiz e, principalmente, pelo caso concreto diante
da realidade onde está inserido. Neste sentido, válida é a análise a respeito das cláusulas gerais,
que serão vistas no terceiro capítulo deste trabalho, ao ser observado o artigo 489 do Código de
Processo Civil.
De origem americana, o termo judicial activism é utilizado em todas as decisões que são
tomadas sem haver previsão expressa na Constituição84. “O que efetivamente caracteriza o
ativismo é a substituição da legalidade vigente e do texto constitucional pelo senso de justiça e
pelas convicções pessoais do magistrado da ocasião” 85.

81
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre:
Fabris, 1993, p. 42.
82
“Quando uma ação judicial especifica não pode ser submetida a uma regra de direito clara, estabelecida de
antemão por alguma instituição, o juiz tem, segundo tal teoria, o “poder discricionário” para decidir o caso de uma
maneira ou de outra.” DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Martins Fontes, São Paulo, 2002, p. 127.
83
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 13.
84
ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 419.
85
NERY, Nelson Junior. ABBOUD, Georges. Ativismo judicial como conceito natimorto para consolidação do
Estado Democrático de Direito: as razões pelas quais a justiça não pode ser medida pela vontade de alguém, p. 525
28
Para alguns autores como Streck, Georges Abboud e Nelson Nery Júnior, qualquer que
seja a forma de ativismo judicial, este é considerado pernicioso, já que se funda em convicções
pessoais do juiz e de suas concepções pessoais sobre o “seu” direito, ficando à margem de
qualquer sistema normativo constitucionalizado86.

De nossa parte, entendemos que o ativismo é pernicioso para o Estado Democrático de


Direito não podendo, portanto, diferenciar-se entre o bom e o mau ativismo. Ativismo é
toda decisão judicial que se fundamenta em convicções pessoais, senso de justiça do
intérprete em detrimento da legalidade vigente, legalidade aqui entendida como
legitimidade do sistema jurídico e não como mero positivismo estrito ou subsunção do
fato ao texto normativo87.

O verdadeiro sentido do Estado do Bem-Estar Social se finca nos Poderes Executivo e


Legislativo quando se espera deles a “persecução e concretização de políticas públicas voltadas
ao atendimento das necessidades fundamentais do indivíduo e da coletividade” 88 as quais podem
receber a atribuição de instituições ativistas, mas quando a problema é visto sob o aspecto do
direito material, o Poder Judiciário, como um todo, devera decidir, e não a subjetividade de um
juiz político.

A visão que prestigia a discricionariedade judicial, mormente no âmbito da jurisdição


constitucional, incorre no equívoco de conferir status de juiz político ao ministro do STF
em vez de visualizá-lo como juiz vinculado ao direito. Não pode prevalecer o
entendimento de que o Ministro do STF seria um ator político, logo, não estaria
completamente vinculado ao direito, porque poderia perseguir diversos fins. Quando se
dá esse espaço de atuação discricionário para o julgador, ele deixa de ser um Juiz de
direito e passa a ser um juiz estrategistas, juiz com interesse, juiz ideológico, juiz ativista
de uma causa, juiz oportunista etc. (...) No Estado Democrático de Direito, o Judiciário
tem o dever de demonstrar os fundamentos jurídicos que o fizeram decidir dessa ou
daquela maneira. Desse modo, ainda que o juiz considere injustas as figuras, por
exemplo, da revelia, da usucapião, da prescrição - apenas para ficarmos nesse exemplo -

– 546. In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p.
530.
86
ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 421.
87
JUNIOR, Nelson Nery, ABBOUD, Georges. Ativismo judicial como conceito natimorto para consolidação do
Estado Democrático de Direito: as razões pelas quais a justiça não pode ser medida pela vontade de alguém. p.
525-546. In: Fredie Didier JR. et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm,
2013, p. 528.
88
RAMOS, Glauco Gumerato. Aspectos semânticos de uma contradição pragmática: O garantismo processual
sob o enfoque da filosofia da linguagem, p. 245-253. In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e
Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 249.
29
deverá aplicá-las quando for o caso, porque são contempladas na legislação vigente que,
por sua vez, vincula sua atividade decisória89.

Mesmo diante de uma constitucionalização democrática a interpretação foge desse


parâmetro para seguir os moldes variantes de cada consciência pensante que esteja diante do
processo90. Com esse nível de variação, consequências como dificuldade em uniformização de
jurisprudência e sentenças guiadas pelo livre convencimento é o mínimo esperado.
O pensamento solipsista se dá quando é cedido espaço ao determinismo de uma questão
pela consciência emanada de um único sujeito. Tal hipótese se encaixa de forma perfeita em um
totalitarismo91. Não é preciso ir tão longe para chegar a essa conclusão. Apesar de haver leis
escritas, não são poucos os episódios de “interpretações” desmanteladoras de qualquer
constituição que exista em um cenário social, a exemplo da Venezuela e Cuba.
O processo legislativo não é previsto sem um fim – a elaboração das leis passa por um
burocrático trâmite para obedecerem ao princípio democrático. A interpretação, por outro lado,
não pode passar ao largo desses preceitos constitucionais. É um tanto quanto contraditório
permitir-se ainda essa conduta exercida pelo judiciário brasileiro. Diante da segurança jurídica, a
credibilidade iguala-se a zero.
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, defende a interpretação
constitucional frente à judicialização que decorre, em verdade, do constituinte e não do
Judiciário.

O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo
e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas
normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar,
bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado
ou incapaz de produzir consenso. Os riscos da judicialização e, sobretudo, do ativismo
envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade
institucional do Judiciário para decidir determinadas matérias92.

Há de se fazer uma diferenciação: os princípios gerais do direito não se confundem com


os princípios constitucionais. Enquanto estes têm a função de agrupar o ordenamento jurídico

89
ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 441.
90
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 22.
91
Maciel de Barros, Roque Spencer. O Fenômeno Totalitário. Edusp/Itatiaia, 1990, p. 16-17
92
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/eadcnj/mod/resource/view.php?id=47743. Acesso em: 05 set. 2017.
30
frente à Constituição, desde 1988, dentro de uma atmosfera democrática, fazendo com que toda e
qualquer lei se submeta ao animus constitucional; os princípios gerais do direito são parâmetro
tão somente quando há lacuna ou obscuridade normativas. Como pregado por Lenio em
Hermenêutica Jurídica e(m) crise, “os princípios gerais do direito adquirem um significado
apenas quando considerados em conjunto com o restante do sistema jurídico: dai a necessidade
de pressupô-lo como uma totalidade” 93.
Com o fortalecimento do Estado e, cada vez mais, aparecendo ele como regulador dos
direitos sociais, mais especificamente no século XX, surge Hans Kelsen, com sua teoria pura do
direito94, de início se afastando do positivismo exegeta em direção ao normativo. Enfrenta a
difícil tarefa de interpretação do direito como problema semântico e não sintático.
Assim, na teoria pura do direito, Kelsen traz sua a moldura semântica, onde é possível
fazer-se a interpretação nestes parâmetros. Inobstante a evolução trazida pelo jurista, houve uma
valorização da teoria em detrimento da pragmática. Por isso que, segundo Lenio95, sua teoria
pregava a interpretação pura da lei – pura no sentido de não analisar a prática.
Como saída às lacunas da teoria pura do direito de Kelsen96, delegou-se esta atribuição
aos magistrados, o que demonstra, portanto, as feições de um positivismo não exegético (juiz
boca da lei), mas normativista. Entretanto, percebe-se que o problema da subjetividade persiste,
delegando a escolha do “melhor” direito ao juiz.
Um dilema apresentado por Lenio Streck demonstra como o positivismo não possui uma
completude que dê cabo a aporia do ativismo. Para se afastar dele, propõe-se um modo
interpretativo puramente subsuntivo. Mas, em relação aos casos difíceis, volta-se sem resposta à
entrega da questão ao crivo interpretativo do direito de cada juiz97.
A perspectiva que transparece é de haver dois direitos e que a última palavra sempre será
dada pela posição subjetiva do interprete. Evidente que nos hard cases o juiz precisará analisar a
situação para além da literalidade normativa, entretanto, isso não lhe autoriza partir de uma
interpretação subjetiva em substituição dos parâmetros advindos do sistema que compõe.
93
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 88.
94
Para mais informações sobre o tema, vide: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. Joao Baptista
Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
95
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 36-37.
96
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. Joao Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 247.
97
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 56.
31
Vistas as coisas mais de perto, verifica-se que a existência de uma “lacuna” só é
presumida quando a ausência de uma tal norma jurídica é considerada pelo órgão
aplicador do Direito como indesejável do ponto de vista da política jurídica e, por isso, a
aplicação - logicamente possível – do Direito vigente é afastada por esta razão político-
jurídica, por ser considerada pelo órgão aplicador do Direito como não equitativa ou
desacertada98.

Nos dizeres do próprio Kelsen99, evidenciando a que nível o decisionismo pode chegar, a
lacuna normativa é tida não quando há ausência de previsibilidade legislativa para o caso, mas
quando o interprete determina que a norma é indesejável.

2.2. PERMANÊNCIA NO PARADIGMA DA GNOSIOLOGIA EM DETRIMENTO DO


GIRO LINGUÍSTICO

Para o entendimento do giro ontológico-linguístico que aqui será defendido, necessária se


faz a explanação dos paradigmas anteriores a este, entendendo-se, assim, como se deu a evolução
da filosofia no campo hermenêutico que influencia diretamente o campo jurídico.
O primeiro paradigma, da ontologia, surgiu da metafisica clássica, onde o sentido
emanava do próprio objeto, ou seja, o sentido do objeto era imanente a ele. Corrente defendida
por Aristóteles, as coisas possuíam uma essência e era ela que proporcionava o sentido100.
A partir do Renascimento, do homem localizado no centro de todas as coisas em
detrimento do conhecimento teológico, o sujeito passa a ser assujeitador, não havendo mais
sentido contido propriamente no objeto, mas emanado da consciência do sujeito. Assim, o
segundo paradigma, da filosofia da consciência, iniciado pelo cogito de Descartes “sei que nada
sei”101, posiciona o sentido no pensamento do sujeito através da duvida metódica.
Seguindo a linha do decisionismo, esse paradigma solipsista permite a utilização de
conceitos ensimesmados, que não permitem qualquer forma de crítica devido à simples

98
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. Joao Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 172.
99
Ibid., 172.
100
LEITE, Gisele. A verdade das decisões judiciais ou a filosofia do CPC/2015. Revista Prolegis. Disponível em:
http://www.prolegis.com.br/a-verdade-das-decisoes-judiciais-ou-a-filosofia-do-cpc2015. Acesso em: 21 jul. 2017.
101
DESCARTES, Rene, Discurso do Método. Descartes – Vida e Obra, Rio de Janeiro: Nova Cultural, 1996, p. 65-
127.
32
significação já adquirida de sua mera enunciação102, igualando-se a uma verdade incontestável
advinda de interpretações diversas de princípios gerais do direito. Como já dito a respeito destes,
os princípios gerais do direito não são parâmetros de constitucionalidade/legitimidade (para isso,
existem os princípios constitucionais), sendo controverso utilizá-los descriteriosamente e sem
condicioná-los ao sistema jurídico em vigor.
O subjetivismo nas decisões ou, mais especificamente, no momento da elaboração da
decisão pelo interprete, aparece no livre convencimento baseado no sujeito consciente de suas
próprias convicções. Tal fato possibilita infinitas soluções ao processo, tendo em vista a variação
de posicionamentos pessoais que pode ter um interprete.
O que se aponta aqui é a falta de segurança jurídica que circunda o processo, variando ela
(se for possível dizer que a segurança jurídica varia sem comprometer sua natureza) consoante o
entendimento do juiz. Esse é um dos argumentos que podem ser levantados diante da
possibilidade da aplicação do sistema de precedentes a nível nacional: é impossível estabelecer
um stare decisis quando não se respeitam as leis e o sentido que delas emanam, levando-se em
consideração que estão contidas numa realidade democrática, ainda mais quando se fala de um
sistema que é criado de dentro para fora e inconcebível sua instituição por lei.
Frente a este cenário de “inúmeros judiciários”, variáveis de acordo com quem julga a
causa, não é possível confiar no sucesso de uma implementação do sistema de precedentes.
A análise do solipsismo judicial demonstra a incompatibilidade desse modelo
hermenêutico diante de uma democracia. A própria linguagem dos magistrados, no momento de
proferir a decisão, denunciam os elementos estruturantes de um subjetivismo que afeta de modo
negativo o julgamento.
De acordo com Hans-Georg Gadamer103, deve existir um mínimo de objetividade no
modo interpretativo empregado pelos julgadores devido à ontologia constrangedora que emana
das coisas. Essa visão ontológica do caso concreto, juntamente ligada à linguagem pública, diga-
se, a interação intersubjetiva das experiências, resulta na melhor observação da situação posta em
discussão e numa melhor aplicação da lei. Nisso se configura o terceiro paradigma enfrentado

102
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 27.
103
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método, 3ª edição. Tradução Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Editora
Vozes, 1999, p. 174-187.
33
pela filosofia, qual seja, o giro ontológico linguístico, proposto por Martin Heidegger104 no século
XX. Assim, o sentido dá-se no dizer, na interação entre o saber da linguagem do sujeito com a
linguagem coletiva, diga-se, o espiralado do conhecimento do sujeito pensante105.
A interpretação conforme os entendimentos do magistrado não se coadunam com a
realidade de uma nação constitucionalizada. Há uma limitação ideológico na consciência do
julgador que o fecha prematuramente às questões existentes fora de suas convicções, as quais
deveriam ser essencialmente consideradas para o correto deslinde da questão. A realidade do
processo possui um imbricamento para além das paredes dos tribunais.
A percepção de que se está contido num sistema de leis que não está adstrito aos “casos
fáceis” de subsunção (e, diga-se, estes também necessitam de uma análise hermenêutica) remete à
importante imprescindibilidade do giro ontológico linguístico106.
Consoante Luís Werneck Vianna, o ponto de partida para uma teoria da justiça deveria ser
encontrado internamente na cultura política pública, aqui compreendidas as tradições, assim
como os princípios fundamentais implicitamente aceitos, que embasaram a formação dessa
sociedade107.
Trazendo a ideia de igualdade substancial aristotélica, onde se tem que “se as pessoas não
são iguais, não receberão coisas iguais108”, por que um caso igual a outro poderia receber solução
destoante do primeiro?
Numa democracia, tem-se o corolário da igualdade no processo diante de vários
instrumentos ensejadores do exercício da igualdade, como o contraditório, a ampla defesa, a
paridade de armas, para citar alguns. Não deveria ser diferente com o interprete no momento de
decidir o caso.
Não obstante a nova égide do Código de Processo Civil de 2015, sobre bases dos
precedentes vinculantes, ainda há fortes marcas do código anterior que perpetuam a falta de
igualdade nas decisões.

104
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes; Bragança
Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006, p. 113.
105
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 35.
106
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 245.
107
WERNECK VIANA, Luiz. Poder Judiciário, “positivação do direito natural” e política. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro: Editora Acadêmica, n. 18, 1996, p. 264.
108
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Torrieri Guimarães. 6.ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 102.
34
O intuito primeiro do legislador do novo Código não foi fortalecer o precedente para
uniformização jurisprudencial. Este foi o instrumento. O objetivo principal fora desabarrotar o
Poder Judiciário na tentativa de torná-lo mais célere e efetivo109. Esqueceu-se que o direito não
serve apenas à solução de conflitos, mas, principalmente, diante de uma sociedade democrática, à
efetivação dos direitos sociais apregoados pela Constituição Federal.
Observando o sentimento evolutivo trazido no bojo do CPC diante da instituição do
sistema de precedentes (inobstante ensejado pelo objetivo de desafogar o judiciário), o que se
percebe é que não se esperou a real fortificação do sistema e já foram inseridos instrumentos que
autorizam maior poder discricionário ao juiz, fincando mais ainda as bases do pensamento
solipsista.
A elaboração de um novo Código de Processo Civil e o esforço para sua produção, de
acordo com Lenio Streck, é ferozmente atacada quando possuímos um arcabouço jurídico, mais
especificamente súmulas, que poderão enfraquecer a ordem emanada da nova legislação110.
No Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 489, parágrafo primeiro, inciso IV111
tem-se que não se considerará fundamentada a decisão que não enfrentar todos os fundamentos

109
Amaral, Guilherme Rizzo. Segurança Jurídica: Objetivo do projeto do novo CPC é desafogar o Judiciário.
Revista Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-out-27/guilherme-amaral-objetivo-
projeto-cpc-desafogar-judiciario. Acesso em: 02 ago. 2017.
110
STRECK, Lenio Luiz. Poder aos juízes: A juristocracia do novo Código de Processo Civil. Revista Consultor
Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-set-18/lenio-streck-juristrocracia-projeto-codigo-processo-
civil#top. Acesso em: 06 jul. 2017.
111
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o
registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a
questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada
pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a
existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
35
trazidos no processo. Tal previsão teria o condão de proteger o jurisdicionado e a sociedade como
um todo de decisões arbitrárias e em desconformidade com as regras jurídicas. Entretanto, tal
artigo parece não ter sido bem recepcionado pela classe dos julgadores.
Em afronta direta à referida determinação, temos entendimento do Superior Tribunal de
Justiça que, em junho de 2016, decidiu, no julgamento de embargos declaratórios no Mandado de
Segurança nº 21.315-DF112, que o juiz não está obrigado a enfrentar todos os argumentos
expostos pelas partes, defendendo, sem a devida fundamentação, a não aplicação da nova
disposição do Código de Processo do parágrafo primeiro, inciso IV, do artigo 489. Assim, não há
eficácia da mudança normativa se o juiz possui o direito de livre convencimento, inclusive se este
embasar-se na sua consciência destacada do sistema jurídico no qual está contido.
Para demostrar mais atitudes descaracterizadoras da legislação, vale citar o julgamento da
questão de ordem no Recurso Especial 1063343113, na oportunidade em que a parte se viu
obrigada a continuar litigando, não obstante a apresentação do seu pedido de desistência recursal,
tendo a Corte fundamentado a decisão de prosseguimento do julgamento no fato de aquele
recurso ter sido escolhido como paradigma e no interesse público, atitude que afrontara
diretamente o artigo 501 do Código de Processo Civil vigente à época, correspondente ao artigo
998 atual. Sobre o tema, Nelson Nery Júnior e Georges Abboud afirmam que:

Não se pode simplesmente suprimir direitos dos particulares sob a mera alegação de que
haveria interesse público e que estes se sobreporiam ao privado.

Nem se trata de afirmar que o direito à desistência recursal possui natureza de direito
fundamental. O que se pretende demonstrar é o equívoco de se suprimirem direitos,
faculdades e a própria lei com base, tão somente, em suposto interesse público.

[...]

§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada,
enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a
conclusão.
§ 3o A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade
com o princípio da boa-fé.
112
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus nº 21.315, da primeira seção do Superior Tribunal de
Justiça, Brasília, DF, 15 jun. 2016. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=+21315&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true
>.Acesso em: 22 jul. 2017.
113
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Questão de Ordem no Recurso Especial 1063343, Brasília, DF, 17 dez.
2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?id=937548>.Acesso em: 11 set. 2017
36
Assim, o que de fato merece exame sobre as mencionadas decisões do STJ é indagar-se
em que circunstâncias essa medida se coaduna com o Estado Democrático de Direito ao
afastar a legalidade vigente em função do interesse público. Seria possível, desse modo,
aumentar/diminuir prazo prescricional em razão do interesse público? Ou, ainda,
modificar-se regime de nulidade em virtude de interesse público? 114

[...]

Por conseguinte, não é porque em nosso sistema existem sumulas vinculantes e decisões
judiciais dotadas de efeito vinculante que a lei não possui efeito vinculante 115.

Já quando se fala do Supremo Tribunal Federal, oportuna a alusão ao Agravo de


Instrumento 375011116, onde houve a dispensa do requisito de admissibilidade
prequestionamento de um recuso extraordinário, fundamentando a ora Ministra Ellen Gracie tê-lo
feito para assegurar o estabelecimento do posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a
matéria.
Por tais razões, as leis devem indicar as limitações aos Poderes, diante da real supremacia
da democracia e cidadania, e não o oposto. Lenio Streck relaciona essa situação diretamente com
o processo e as decisões contidas nele numa crítica feita antes mesmo da vigência do novo
Código – na elaboração do seu anteprojeto, mas a análise ainda é muito válida:

O processo (falo aqui do processo jurisdicional, mas essa observação serve também ao
processo legislativo) deve servir como mecanismo de controle da produção das decisões
judiciais. E por quê? Por pelo menos duas razões: a uma, porque, como cidadão, eu
tenho direitos, e, se eu os tenho, eles me devem ser garantidos pelo tribunal, por meio de
um processo; a duas, porque, sendo o processo uma questão de democracia, eu devo com
ele poder participar da construção das decisões que me atingirão diretamente (de novo:
isso serve tanto para o âmbito político como para o jurídico)117.

O processo deve ser solucionado pelas regras, preceitos, princípios, normas e


entendimentos jurídicos que tenham eficácia diante do panorama contemporâneo ao problema. O
juiz será a figura que decidirá como será dada a resolução, o que não significa dizer que a

114
JUNIOR, Nelson Nery, ABBOUD, Georges. Ativismo judicial como conceito natimorto para consolidação do
Estado Democrático de Direito: as razões pelas quais a justiça não pode ser medida pela vontade de alguém. p.
525-546. In: Fredie Didier JR. et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm,
2013, p. 538.
115
Ibid., p. 540.
116
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 375011, Informativo 364. Relator: Ministra Ellen
Gracie. Brasília, DF, 05 de outubro de 2004. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo365.htm#Transcricoes>. Acesso em: 11 set. 2017.
117
STRECK, Lenio Luiz. Poder aos juízes: A juristocracia do novo Código de Processo Civil. Revista Consultor
Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-set-18/lenio-streck-juristrocracia-projeto-codigo-processo-
civil#top. Acesso em: 06 jul. 2017.
37
aplicação da letra fria da lei resta suficiente, nem, por outro lado, que o juiz decida conforme sua
consciência. O que se quer mostrar aqui é que a hermenêutica aplicada ao interpretar deve
observar a perspectiva ontológica e linguística na qual o assunto é colocado. O posicionamento
de Streck revela o quão pernicioso é a manutenção do paradigma da subjetividade na prática
judiciária.

Numa palavra final: acreditar que a decisão judicial ou a promoção de arquivamento (ou
um pedido de absolvição feitos pelo MP) são produtos de um ato de vontade (de poder)
nos conduz inexoravelmente a um fatalismo. Ou seja, tudo depende(ria) da vontade
pessoal (se o juiz quer fazer, faz; se não quer, não faz...!). Logo, a própria democracia
não depende(ria) de nada para além do que alguém quer...! Fujamos disso! Aliás, a
hermenêutica surgiu exatamente para superar o assujeitamento que o sujeito faz do
objeto (aliás, isso é o que é a filosofia da consciência...!)118.

Exsurge, nesse momento, a importância da linguagem. O que seria a lei senão letra morta
frente à ausência de linguagem que permitisse sua interpretação. Além disso, não se pode
entender a lei ensimesmada, vez que ela existe diante de um povo e para esse povo.
Não é crível fazer-se uma interpretação descolando a lei do local onde foi gerada e para
quem foi gerada. Portanto, não se vê congruência na percepção da lei senão condicionada à
linguagem. Assim defende o professor Glauco Gumerato Ramos:

O Direito tornar-se-á algo concreto quando materializado através da linguagem (=ato de


fala) externada pela autoridade estatal competente, por meio da sentença judicial e do ato
administrativo. Quando isso acontece, torna-se norma individual e concreta de
observância obrigatória devido à força vinculativa própria do ontologicamente jurídico.
Portanto, o Direito NÃO é algo dado (=entregue) pelo ordenamento jurídico, mas SIM
algo construído através de um caminho dialético constitucionalmente marcado pela
ampla defesa e pelo contraditório. Eis aí a função do PROCESSO: ser um caminho
regrado por ampla defesa e contraditório através do qual será construído o Direito que
deverá imperar num determinado caso concreto. O Direito não teria vida sem o processo;
este, seria inútil se não fosse para criar aquele. E tudo isso passa pela dinâmica da
linguagem. 119

Como Ernildo Stein120 afirma, o acesso a algo se dá pela mediação do significado e do


sentido. Dessa forma, não prevalece o paradigma da ontologia clássica e da subjetividade frente à
interpretação que deve ser feita pelo juiz. Significar algo por si mesmo, ou atribuir-lhe

118
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 22.
119
RAMOS, Glauco Gumerato. Aspectos semânticos de uma contradição pragmática. O garantismo processual
sob o enfoque da filosofia da linguagem, p. 245-253. In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e
Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 246.
120
STEIN, Ernildo. Exercícios de Fenomenologia. Limites de um paradigma. Ijuí: Editora Unijuí, 2004, p. 150-170.
38
significação a partir da leitura da consciência própria, não condiz com a necessidade de mediação
de significados que contém a linguagem pública.
Para tentar uma solução diante da dificuldade interpretativa das leis, Gadamer121 defendeu
a ideia de que não pode haver interpretação por etapas, devido ao fato de que você não interpreta
a lei para ela mesma, mas diante de circunstancias cruciais para que se consiga extrair seu
pertinente significado, se fazendo necessário, então, a análise dos casos práticos122.
Corroborando com este posicionamento, Lenio Streck diz que não interpretamos para
compreender, mas, pelo contrário, compreendemos para, só então, interpretar123. Por isso, o
sentido somente pode ser visto quando na aplicação, no caso concreto, já que “interpretar não é
apenas fixar o sentido da lei referenciando-se tão somente ao texto, mas só é possível uma
interpretação verossímil diante do problema concreto e suas circunstancias”124 vistas como um
todo inseparável. Não existe interpretação em abstrato. Apostar na razão teórica é acreditar na
possibilidade de respostas antes das perguntas125.
O sujeito interpretativo deve estar fora de si para ter a capacidade de transcender sua
razão para, na intersubjetividade, compreender a prática e o que nela pode ser aplicado. Hoje, no
entanto, caminha-se em sentido inverso: amolda-se o fato à norma126, desfigurando-o.
Consequentemente, o resultado disso não pode ser considerado direito, muito menos justiça, vez
que, produzindo uma realidade diferente da primeira apresentada, a partir desse “amoldamento”
aplica-se um direito a qualquer coisa menos àquilo que foi dado ao magistrado para resolver.
Nessa medida, é preciso ressaltar que só pode ser chamada de pós-positivista uma teoria do
direito que tenha, efetivamente, superado o positivismo.
Pode-se achar que, por defender uma interpretação não solipsista, recaia no positivismo
exegeta, onde o juiz é a boca da lei. No entanto, isso não ocorre, vez que, diante do
posicionamento aqui adotado, não há a possibilidade de enquadramento no positivismo, pois,

121
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método, 3ª edição. Tradução Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Editora
Vozes, 1999, p. 436-448.
122
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 50.
123
Ibid., p. 50.
124
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 480.
125
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 37.
126
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 577.
39
diante dos hard cases não é deixado ao crivo do juiz decidir conforme sua consciência, como é
feito tanto na teoria positivista quanto na normativista. O que se propõe é o modo de
interpretação intersubjetivo, melhor dizendo, para além do sujeito interpretador, incluído na
realidade do caso que julga e, evidente, sob giro ontológico-linguístico e os princípios
constitucionais127. Integrado a este intercâmbio, a observância da nova ordem de respeito
jurisprudencial trazido pelo diploma processual se impõe, como trazido por Lenio Streck:

(...) quando o CPC afirma a obrigatoriedade de juízes e tribunais observarem súmula


vinculante e acordão vinculantes não há nesse ponto uma proibição de interpretar. Quem
pensa isso parece estar ainda com os pés – ou a cabeça – na interpretação analítica do
século XIX, modalidade do positivismo da common law equiparável ao positivismo
exegético francês e ao pandectismo alemão. O que fica explicito é a obrigatoriedade de
os juízes e tribunais utilizarem os provimentos vinculantes na motivação de suas
decisões para assegurar não apenas a estabilidade, mas a integridade e a coerência da
jurisprudência128.

O sentido comum teórico129 traduz bem o problema da leitura de mundo dos juristas
aplicadas ao processo. Segundo Luís Alberto Warat, são utilizados complexos de saberes morais,
éticos, teológico, metafisico, politico, cientifico, todos produzidos a partir de um a priori
compartilhado, que se legitimam através dos discursos advindos dos órgãos institucionais. Assim,
a palavra que saia da boca do interprete, mesmo que não baseada na lei, mas sim no sentido
comum teórico, terá capacidade de se impor diante do caso, porque não é necessário, nessa
realidade, o real conhecimento dos signos, das leis ou da ideologia que embasará a decisão. A
mera reprodução já é suficiente, visto a legitimação pretérita do discurso.
O importante é utiliza-se de decisões anteriormente tomadas não pelo fato de
representarem uma jurisprudência estudada pelo interprete ou um precedente que tenha razão de
ser (que ainda não fora superado ou não é hipótese de distinção), mas em razão de já ter sido
proferida por um órgão qualitativo que possui credibilidade tanta que tudo que dali emana pode
ser utilizado por tabela, sem nenhum estudo critico ou legal anterior. Assim, o ato de julgar se

127
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 486-487.
128
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando?, p.
175-182. In: DIDIER JR, Freddie et al (org.). Coleção Grandes Temas do Novo CPC: Precedentes. ed. Salvador:
Juspodivum, 2015, p. 177.
129
WARAT, Luís Alberto. Introdução Geral ao Direito – Vol. 1. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994, p. 13-
18.
40
torna uma “riqueza reprodutiva a partir de uma intrincada combinatória entre conhecimento,
prestigio, reputação, autoridade e graus acadêmicos” 130.
A linguagem, neste cenário, toma uma posição coadjuvante, de apenas transmitir o
conteúdo do sentido comum teórico, não se presentando a fazer a interação intersubjetiva para
produzir, a partir do giro linguísticos, posições mais firmes e bem fundamentadas dentro do
sistema em que trabalha.
Assim, Ludwig Wittgenstein diz que “um ideal de exatidão não está previsto; não
sabemos o que devemos nos representar por isso – a menos que você mesmo estabeleça o que
deve ser assim chamado. Mas ser-lhe-á difícil encontrar tal determinação; uma que o satisfaça”
131
. Ou seja, se cada um atribuir o sentido que lhe convém às coisas, nada mais terá sentido
concreto ou estável, tendo em vista a independência de conceitos variantes infinitamente.
Corroborando com a ideia de giro linguístico ontológico, afastando a supremacia do
subjetivismo da teoria solipsista, o sujeito aqui não possui influência direta e única na
interpretação, já que as palavras não pertencem ao homem, mas à situação. A linguagem é apenas
expressa pelo homem diante do sentido que lhe é enviado pelo objeto (processo – caso concreto),
após a fusão dos horizontes132.
Através da leitura do filósofo Lenio Streck, a posição mais pertinente a se defender é a de
um interprete que terá não só a capacidade, mas o dever de interpretar de acordo com os
parâmetros democráticos constitucionais estabelecidos na sociedade onde serve, assim como em
observância às decisões anteriormente proferidas pelas cortes superiores e as suas próprias, em
respeito a si mesmo. Assim, “o intérprete a cada busca de sentidos se reinsere no círculo
hermenêutico buscando uma nova compreensão sobre o sentido do texto para aquele momento
histórico”133, por isso a pertinência em chamar não círculo, mas espiralado interpretativo.
Sendo o ato de interpretar o resultado de um caminho hermenêutico realizado pelo juiz,
deve ele obedecer a limites materiais que não permitam a subjetividade assujeitadora. Alessandra

130
FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1991, p. 91.
131
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigação Filosófica. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultura, 1999, p.
61.
132
ALBERTI, Verena. A existência na história: revelações e riscos da hermenêutica. Estudos históricos -
Historiografia, Rio de Janeiro, v.9, nº 17, p.31-57, 1996, p. 15-16.
133
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 207.
41
Melo134 cita esses limites, dizendo sê-los o sistema jurídico e as circunstâncias/elementos do
mundo do ser (o caso concreto), abarcados por uma visão coerente, unitária e sistêmica do
Direito.
O dever de fundamentação, por sua vez, se caracteriza como limite formal 135 que deve ser
observado pelo interprete.
Para decidir, o juiz deve, obrigatoriamente, fundamentar sua decisão no ordenamento
jurídico, definindo a ratio de sua escolha de forma coerente e obediente aos princípios
constitucionais e processuais, possibilitando, desta maneira, o exercício cidadão do contraditório
e da ampla defesa, eliminando qualquer vestígio de subjetividade perniciosa à obtenção do bem
da vida.
Com a visão pregada pelo Código de Processo Civil de 2015, um limite ético136 deve
impor a coerência entre as decisões emanadas do judiciário, assim como o respeito pelas decisões
proferidas por ele, corroborando com um sistema que obedece aos precedentes, fortalecendo a
instituição jurídica do seu próprio país, visando a segurança jurídica tanto das relações públicas
quanto das privadas. Afinal, a decisão proferida por um juiz tem condão público, ou seja, tem a
capacidade, e deve tê-la, de vincular toda a sociedade, brotando daqui a segurança jurídica para
determinar o comportamento social.
Deste modo, percebe-se que a interpretação da lei deve ser iluminada pelo intercâmbio de
informações contidas no momento contemporâneo de quem julga, qual seja, o sistema jurídico –
no qual estão as leis, o dever de fundamentação e a observância das decisões anteriormente
tomadas – não sendo mais possível aceitar determinações sujeitadas pela consciência isolada do
julgador.

134
DE MELLO, Alessandra Lopes Santana. Subjetivismo e ativismo judiciais: é preciso compreendê-los, p. 35-63.
In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 53.
135
DE MELLO, Alessandra Lopes Santana. Subjetivismo e ativismo judiciais: é preciso compreendê-los, p. 35-63.
In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 56.
136
Ibid., p. 57.
42
3. O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O DEVER DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES
JUDICIAIS

3.1 A MOTIVAÇÃO JUDICIAL

A Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso IX, traz o dever de fundamentação em
todas as decisões, no que tange ao exercício da magistratura, consoante seu caput. Corroborando
com tal disposição, os artigos 11 e 489, parágrafo primeiro, ambos do Código de Processo Civil,
demonstram também a necessária fundamentação das decisões que possuam conteúdo decisório,
sob pena de se tornarem nulas.
O pronunciamento judicial de cunho decisório, como norma jurídica individualizada, é
criado para ser aplicado ao caso sob julgamento, possuindo duas funções, sendo a primeira de
criar uma norma individualizada em si, com eficácia inter partes, para a solução das questões
tratadas no processo; e a segunda representada pela criação da ratio decidendi, que é o
precedente, tendo eficácia erga omnes vinculante de forma prospectiva137.
Nesta perspectiva, o devido processo legal se mostra como um limite constitucional aos
atos praticados por todos os poderes da República. Com a utilização deste princípio, tem-se o
dever de fundamentação de todas as decisões como necessidade frente ao Estado Democrático de
Direito. Segundo Calmon de Passos

Decidir sem fundamentar é incidir no mais grave crime que se pode consumar num
Estado de Direito Democrático. Se a fundamentação é que permite acompanhar e
controlar a fidelidade do julgador tanto à prova dos autos como às expectativas
colocadas pelo sistema jurídico, sua ausência equivale à prática de um ilícito e sua
insuficiência ou inadequação causa de invalidade.138

A motivação das decisões transparece a forma como o procedimento fora realizado e é


tomada como parâmetro de legalidade e legitimidade do processo. Como afirma Maurício

137
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 353.
138
PASSOS, José Joaquim Calmon de. O magistrado, protagonista do processo jurisdicional? In: Revista
brasileira de direito público, vol. 24. Belo Horizonte: Forum, jan/mar 2009, p. 14.
43
Ramires, “A história da exigência de fundamentação da decisão judicial é a história da contenção
do arbítrio do julgador” 139.
Rodrigo Ramina relaciona o dever de fundamentação com a devida apresentação de como
foram prestados os serviços jurisdicionais

Sob a ótica do Estado de Direito, a motivação é um ato estatal de prestação de contas;


um ato de demonstração de que a decisão ao final proferida é uma decisão formal e
materialmente fundada no Direito Vigente. Sob a ótica da segurança jurídica,
indissociavelmente vinculada à primeira, a motivação é um ato de esclarecimento,
integração e homogeneização do Direito, que, ao apresentar rationes decidendi e formar
uma jurisprudência, serve como referência para o julgamento de casos futuros. 140

Sob esta análise global, a realização direito fundamental ao contraditório é imprescindível


ao devido processo legal e, consequentemente, ao dever de fundamentação. Observada que esta
fundamentação somente será satisfatória se forem analisadas as argumentações trazidas tanto pelo
autor quanto pelo réu, afinal, o réu também pleiteia prestação jurisdicional, configurando-se isto
no seu direito de ser ouvido. Nesta mesma perspectiva, não se enquadra na devida fundamentação
pregada pelo diploma processual os pronunciamentos que decidem para além do pleito
estabelecido pelas partes, ou não fundamentam o dispositivo da sentença, configurando, assim,
afronta ao devido processo legal e, por outro lado, adulteram a função jurisdicional.

Há uma crença generalizada de que é o juiz quem deve escolher quais alegações das
partes são dignas de apreciação, filtrando aquilo que não considerar pertinente. Como
consequência, a motivação acaba se tornando uma exaltação das razões que
fundamentam o dispositivo, ignorando completamente tudo o que foi produzido pela
parte sucumbente. A decisão diz por que o vencedor venceu, mas não diz por que o
sucumbente perdeu. 141

Complementando esta investigação, o artigo 10 prega a proibição das decisões surpresas,


nas quais há utilização de fundamentação estranha ao processo, devendo ainda, observar a
imperiosa necessidade de pôr em contraditório mesmo as matérias que lhe sejam permitidas
julgar ex officio, portanto, presente o dever de fundamentação também nestas situações.
De toda sorte, será analisado adiante o conteúdo do artigo 489, que diz respeito ao dever
de fundamentação dos pronunciamentos judiciais de cunho decisório, como dever por muitas
vezes negativo, indicando o que seria uma decisão não fundamentada.

139
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010,
p. 35.
140
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 339.
141
Ibid., p. 228.
44
3.2 ANÁLISE DO ARTIGO 489 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O aspecto da fundamentação da decisão somente se acentua relevante com o advento do


artigo 93, incido IX da Constituição Federal, direito fundamental introduzido pela Emenda
Constitucional nº 45 de 8 de dezembro de 2004.
Com a vigência do novo Código de Processo Civil, o artigo 489, em sobreposição ao
artigo 458 do Código anterior, aplicou o posicionamento de Barbosa Moreira142, no sentido de
substituir requisitos por elementos essenciais da sentença. Essa alteração demonstra, desde logo,
a característica substancial e não meramente qualificativa que passou a ter o conteúdo sentencial.
Nesta perspectiva, o inciso I, que trata do relatório, parte indispensável da sentença, onde
o órgão julgador demonstrará conhecer como se deu o processo143, deve conter o histórico da
relação processual, delimitando-se a lide que será ali tratada de maneira clara e precisa. Assim,
“para ser precisa, a sentença deve conter-se nos limites do pedido. Não pode dar o que não foi
144
pedido, nem mais do que se pediu, tampouco deixar de decidir sobre parte do pedido” .
Esta especificação prestar-se-á, dentre outras funções, a limitar os objetos do processo e
dar ensejo à efetivação do princípio da congruência145 entre o pedido e a sentença, garantindo,
inclusive, o exercício do contraditório e da ampla defesa146.
Assim, através do relatório, o juiz demonstra ter entendido as questões que lhe foram
submetidas, vinculando-se, portanto, a decidir nos limites de suas próprias explanações sobre o
caso. Qualquer determinação que seja estranha ao histórico processual narrado carecerá de
congruência lógica que sustente a decisão.
O elemento da fundamentação, contido no inciso II, exige a exposição lógico-
demonstrativa147 das questões de fato e de direito, de modo a fazer a subsunção com o

142
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O que deve e o que não deve figurar na sentença. Temas de Direito
Processual. 8ª Série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 117.
143
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 354.
144
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 1077-1078.
145
Do latim iudex secundum allegata partium iudicare debet.
146
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 1091-1092.
147
DIDIER JR., op. cit., p. 360.
45
ordenamento normativo, motivando/legitimando o produto que comporá o dispositivo. Ele
“prepara o processo para o julgamento” 148.
Quer dizer, o dever de fundamentação das decisões judiciais implica no direito de ação149
a partir do momento em que somente é possível a análise da ampla defesa e demais princípios
constitucionais na leitura da decisão proferida.
Desta mesma maneira, independente de previsão expressa em texto infraconstitucional, se
faz necessária a observância do dever de fundamentação, visto a interpretação integrativa que
deve ser feita no sistema de normas brasileiro, inclusive, sob a égide do artigo 93, inciso IX da
Carta Política.
Maria Thereza Gonçalves Pero leciona que a devida fundamentação expressa o
cumprimento de vários princípios, citando os da imparcialidade do julgador, da legalidade das
decisões e da ampla defesa150.
A imparcialidade deve ser observada através da decisão dada no processo e não somente
em seu comportamento no decorrer dele. A legalidade é o aspecto que delineia a utilização da
discricionariedade judicial e é através da fundamentação que é possível indicar se o juiz fez bom
ou mau uso dela. No que diz respeito à ampla defesa, ela não se resume tão somente ao exercício
devido do contraditório. Segundo Maria Thereza

A finalidade principal da motivação nesses casos é fazer com que fique demonstrado
pelo autor da sentença que esta foi proferida após real e adequada consideração das
solicitações, alegações e elementos probatórios que no processo concretizaram o
exercício do direito de defesa, diz a doutrina151.

Continuando seus ensinamentos, a professora demonstra a função extraprocessual do


dever de motivação das decisões, vez que este representa “expressão do princípio da participação
popular na administração da justiça”152.
O dever constitucional de fundamentação não deve ser observado tão somente por ser
expresso na Constituição, mas para efetivar uma ordem democrática. Rodrigo Ramina de Lucca
elenca algumas razões que podem ser consideradas justificativas do dever de motivação:

148
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 1072.
149
TARUFFO, Michele. La Motivazzione della sentenza civile. Pádova: Pádova, Itália,1975, p. 379.
150
PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da Sentença Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p 60.
151
Ibid., p 61.
152
Ibid., p 63.
46
a) Racionalização da atividade jurisdicional;
b) Controle da juridicidade da decisão;
c) Legitimação do exercício do poder jurisdicional;
d) Proteção do devido processo legal e promoção de várias de suas garantias;
e) Melhora da qualidade das decisões ao forçar o efetivo exame da causa e aumentar
o tempo de meditação sobre ela;
f) Redução do número de recursos; e
g) Promoção da segurança jurídica ao definir a interpretação dos dispositivos
normativos e tornar possível a homogeneização jurisprudencial pelos Tribunais
Superiores.153

Seguindo, Ramina examina a natureza normativa do dever de motivação, enquadrando-o


como regra, vez que está expressa constitucionalmente e processualmente. Não se pode
identificar este preceito como princípio pois estes são diretrizes que criam uma hipótese de
aplicação ao caso concreto, refletindo-se em mandados de otimização, enquanto a regra se
caracteriza por determinar uma consequência necessária: aplica-se ou não154. No caso, a
motivação é uma consequência necessária da hipótese “decisão”155, determinação pronta e
acabada.
Além de ser errôneo caracterizar o dever de fundamentação como princípio, fazê-lo o
condicionaria sempre às peculiaridades do caso concreto, podendo o magistrado olvidá-lo,
conforme sua consciência, diante de algum princípio que se ponderasse melhor que este como,
por exemplo, o da celeridade processual156. Portanto, imponderável a regra da motivação, afastá-
la da aplicattio configura nulidade do ato por sê-lo inconstitucional.
No que tange a celeridade processual citada, o anseio de processos rápidos deve sempre
vir acompanhado da adequada prestação jurisdicional, não sendo justificável a sua sobreposição,
já que descaracteriza o eminente princípio do devido processo legal. Assim, se se busca processos
eficientes, consequentemente devem ser ampliadas as atividades dos órgãos que efetivam a
justiça no país.
Em arremate, Ramina lembra que, mesmo considerando a possibilidade da ponderação do
dever de motivação, “o magistrado ficaria compelido a explicar em sua decisão por que não iria
motivar a decisão – um paradoxo insuperável” 157.

153
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de fundamentação das decisões judiciais: Estado de Direito, segurança
jurídica e teoria dos precedentes. 2. ed. rev. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 78.
154
Ibid., p. 81.
155
Ibid., p. 82.
156
Ibid., p. 86-87.
157
Ibid., p. 88.
47
Outro aspecto essencial da motivação é o fato de ela, através da fundamentação, delimitar
as matérias que serão analisadas e que, consequentemente, serão alcançadas pela coisa julgada.
Importa neste ponto esclarecer a diferenciação entre questão principal e questão incidental
do processo. No que diz respeito a esta última, são questões que, por si só, poderiam figurar como
objeto de um processo independente158, mas são resolvidas incidentalmente, de modo que, não
sendo o cerne da lide, sobre ela não se realiza a coisa julgada, em regra. Entretanto, se faz
necessário que o juiz as resolva para que esteja presente na fundamentação sua resolução, mas
não há a necessidade de decidir sobre elas, compondo apenas a cognição do magistrado.
A questão principal é o objeto litigioso do processo (incluindo aqui o exercício do direito
do réu contra o autor – contradireito)159, sobre a qual recai a decisão judicial em si. 160
A questão prejudicial implicará na forma da decisão da questão principal. Pode a questão
prejudicial ser principal ou incidental: será principal quando se confundir com o próprio objeto
litigioso; e será incidental quando seu exame apenas compuser o elemento da fundamentação da
decisão161.
Não obstante a regra do artigo 504 do Código de Processo Civil aponte em seus incisos
que os motivos e a verdade dos fatos não fazem coisa julgada – apresentando o regime comum da
coisa julgada, há o regime especial, trazido pelos parágrafos 1º e 2º do artigo 503, onde a questão
prejudicial incidental, cumpridos estes requisitos dos parágrafos, poderá ser alcançada pela coisa
julgada162. Deste modo, caso tenha havido decisão expressa sobre a questão incidental na
fundamentação, de modo que, cumulativamente, não figure mais como obter dictum163 (artigo
503, parágrafo 1º, inciso I); tenha havido pleno contraditório no debate desta questão (artigo 503,
parágrafo 1º, inciso II); e o juiz seja competente para decidi-la como questão principal (artigo
503, parágrafo 1º, inciso III), ela será alcançada pela coisa julgada, apesar de não compor o
objeto litigioso164 formalmente, independentemente de pronunciamento judicial neste sentido.

158
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Campinas Bookseller, 1997, v. III, n. 548, p.
55.
159
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 2, p. 524.
160
Ibid., p. 523.
161
Ibid., p. 533.
162
Ibid., p. 523.
163
Ibid., p. 536.
164
Ibid., p, 533.
48
Ainda, de acordo com o parágrafo 2º do artigo em comento, Fredie Didier lembra que a cognição
insuficiente também é empecilho para o alcance da coisa julgada sobre a questão incidental165.
Determinante, assim, a fundamentação coerente em toda a sentença para conceder a força
da coisa julgada à matéria discutida, visto a superação da teoria de Chiovenda166, que defendia ser
apenas o dispositivo alcançado pela coisa julgada, hoje toda a decisão é determinante para o
estabelecimento do alcance da res iudicata.
Continuando nesta discussão, Theodoro Júnior defende que o dispositivo é senão o
“conjunto indissociável de todas as questões resolvidas que motivaram a resposta jurisdicional à
demanda enunciada no dispositivo da sentença”, de modo que, não sendo essas questões
alcançadas pela coisa julgada “jamais se logrará conferir segurança à situação jurídica discutida e
solucionada no provimento” 167.
Por outro lado, Teresa Wambier defende que

[...] sobre os fundamentos não se opera a coisa julgada. Salvo se, à luz do NCPC, sobre
estes fundamentos tiver havido contraditório, discordância das partes e se o tipo de
procedimento específico não houver restrição probatória de qualquer natureza 168.

De todo modo, o dever de fundamentação mostra-se imprescindível para a manutenção de


um sistema que pretende estabilizar-se diante da segurança jurídica da coisa julgada, executando
o mandamento constitucional do devido processo legal.
Continuando a análise dos elementos da decisão judicial, o dispositivo da sentença,
elemento previsto no inciso III do artigo 489, é o que traz solução à demanda. Assim, Elpídio
Donizetti conclui que “Sentença sem motivação é, por preceito constitucional, sentença nula.
Nula também, por infringência ao disposto no art. 489, é a sentença sem relatório. Quanto ao
dispositivo, a ausência vicia de tal forma a sentença, que leva à inexistência do ato” 169.
Diante de todo o exposto nos elementos do relatório e da fundamentação, o juiz decidirá o
processo, dando fim aos questionamentos das partes e determinando o que é de direito para cada

165
Ibid., p, 536-538.
166
Para mais informações, vide CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Trad.
Menegale. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1969.
167
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 1143-1144.
168
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de processo civil: artigo por
artigo: de acordo com a Lei 13.256/2016. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 505.
169
DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 619.
49
uma. Assim, como essencial elemento da sentença, a que lhe faltar não será nula, mas, antes de
tudo, restará inexistente170.
O parágrafo primeiro do artigo 489 determina que não será considerada fundamentada a
decisão que não estiver de acordo com as previsões de seus incisos, exemplificativos171. Isso
significa que não há previsibilidade do que seja uma decisão fundamentada, mas, pelo contrário,
do que certamente será considerada uma decisão não fundamentada172.
Observada a premissa de Liebman na qual “as formas são necessárias, mas o formalismo
é uma deformação” 173
, o referido artigo traz o roteiro que o magistrado deverá seguir, mas, por
não ser exaustivo, não precisará observá-lo rigidamente, de modo que

O que o ordenamento jurídico não admite é a escolha aleatória de uma ou de outra


questão fática para embasar o ato decisório, com desprezo a questões importantes e aos
princípios do contraditório e da ampla defesa. A decisão que não se explica, que não
mostra de onde veio, suscita descrença à própria atividade jurisdicional 174.

Adentrando na análise do inciso I do parágrafo 1º do novel artigo citado, deve-se levar em


consideração sua interpretação interligada a todo o exposto pelo artigo 489. Deste modo, “não se
considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença o acórdão
que se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua
relação com a causa ou a questão decidida”. Em outras palavras, não se encontra fundamentada
a decisão que apenas indica a lei aplicável ou que faz mera menção de enunciado adotado como
base de decisão judicial175, olvidando-se a análise do fato e da norma contidos no processo sub
judice ou; não pode ser considerada fundamentada a “decisão judicial se esta, pura e
simplesmente, repetir a lei (...) sem dizer expressamente porque a norma se aplica ao caso

170
THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 1076.
171
DIDIER Jr. et. all. “Carta de Belo Horizonte – Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis”.
Salvador: Editora Jus Podivm, 2015. Enunciado nº 303.
172
OLIVEIRA, Francisco Cardozo; NETO, Miguel Kfouri. O alcance da fundamentação da decisão judicial na
relação entre fatos e normas segundo o inciso I do §1º do artigo 489 do novo Código de Processo Civil, p. 203-
232. In: ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no
novo CPC: Análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 213.
173
LIEBMAN, Eurico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. Cândido Rangel Dinamarco, vol. I, 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 258.
174
DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 620.
175
THEODORO JÚNIOR, op., cit, p. 1073.
50
concreto decidido”176. Por isso, é necessário perfazer o imbricamento entre os elementos de fato
de direito elementos. Desta maneira, como bem resume Nagib Filho:

Da mesma forma que inexiste dispositivo implícito, não há fundamentação implícita. O


julgador não pode se omitir na apreciação de determinada questão porque tal seria a
denegação de justiça, quer se refira a questão de mérito, quer a questão processual177.

Assim, é possível perceber que a reprodução da fundamentação de um processo noutro


implicará em ausência de fundamentação, vez que deve ser feita a qualificação do suporte fático
do caso sob análise, indicando as similitudes que permitem a aplicação daquela fundamentação
neste processo, indo muito além da simples indicação das questões de fato semelhantes, se
fazendo necessária a “delimitação dos fatos que entram no suporte fático da norma” 178. Isso não
significa, entretanto, discorrer desenfreadamente sobre todos os fatos do processo do qual fora
adotada a fundamentação e do processo sob julgamento.
O que se entende do preceito normativo do inciso I é que devem ser indicados, de forma
clara e breve, as conformações que levaram à pertinência da aplicação daquela fundamentação,
oportunizando, inclusive, a possibilidade de impugnação de decisão de modo também específico,
o que gerará um processo sem maiores demoras, tendo em vista seu caráter objetivo, específico e
claro.
Mas o que seria a qualificação do suporte fático? Como já analisado neste trabalho e
também sendo adotado igual posicionamento pelos autores Francisco Oliveira e Miguel Kfouri
Neto179, a qualificação dos fatos parte da análise gadameriana, que adota o círculo hermenêutico
como forma de se encontrar a melhor interpretação através do intercambio intersubjetivo dos
conceitos individuais das partes e do juiz. Neste giro, há a real qualificação dos fatos vez que esta
não se dá por imposição de um juiz solipsista ou exclusivamente pelas alegações defendidas pelas

176
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de processo civil: artigo por
artigo: de acordo com a Lei 13.256/2016. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 874.
177
SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença Cível. 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 391.
178
OLIVEIRA, Francisco Cardozo; NETO, Miguel Kfouri. O alcance da fundamentação da decisão judicial na
relação entre fatos e normas segundo o inciso I do §1º do artigo 489 do novo Código de Processo Civil, p. 203-
232. In: ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no
novo CPC: Análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 224.
179
OLIVEIRA, Francisco Cardozo; NETO, Miguel Kfouri. O alcance da fundamentação da decisão judicial na
relação entre fatos e normas segundo o inciso I do §1º do artigo 489 do novo Código de Processo Civil, p. 203-
232. In: ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no
novo CPC: Análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 227.
51
partes, mas pela interação intersubjetiva no giro hermenêutico, assegurando a racionalidade das
decisões judiciais.
Fredie Didier Jr. conceitua como roteiro semasiológico o processo de racionalização das
alegações expostas pelas partes no processo, sendo este o caminho para “analisar se e de que
modo a norma jurídica extraída do texto incide sobre aqueles fatos”180.
Tendo essas premissas em análise, resta clara a necessidade de não apenas motivar por
motivar, mas de haver uma conformação lógica entre o fato e a norma de forma que a
argumentação seja suficientemente justificadora da escolha daquela norma e não de outra, onde
deve haver uma explicação sobre o porquê da fundamentação ora escolhida. Neste sentido, Tiago
e Sabrina Alberto defendem que

[...] “explicar” não deve ser compreendido de maneira professoral, exigindo-se grau de
detalhamento agudo, capaz de credenciar o magistrado ao céu dos conceitos jurídicos,
mas apenas a demonstração objetiva da interface conceito/caso concreto, a fim de que
também essa parte da decisão possa ser revisitada por instâncias superiores para fins de
revisão do decidido. 181

Observado o preceito trazido pelo inciso II do parágrafo 1º do artigo 489 do CPC, não
deve ser considerada fundamentada a decisão que “empregar conceitos jurídicos indeterminados,
sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso”.
São os conceitos jurídicos indeterminados uma técnica legislativa onde o antecedente
fático é vago e o consequente jurídico, indeterminado. Desta forma, obtém-se uma maior
flexibilidade da norma frente ao caso concreto a partir do momento em que pode haver a
adequação de elementos que não seriam levados em consideração no caso de utilização de textos
normativos determinados182.

180
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 372.
181
ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; ALBERTO, Sabrina Santana Figueiredo Pinto. Conceitos jurídicos
indeterminados e fundamentação – existirá o céu dos conceitos?, p. 233-254. In: ALBERTO, Tiago Gagliano
Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do
artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 245-246.
182
AHUALLI, Tânia Mara; SENA, Jaqueline. Ativismo judicial e as cláusulas gerais processuais no direito
brasileiro, p. 329-350. In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus
Podivm, 2013, p. 330-331.
52
A exemplo de cláusulas gerais, espécie de conceito jurídico indeterminado, temos a
previsão de julgamento por equidade, a partir do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro183 e do artigo 140, parágrafo único, do Código de Processo Civil184.

Considerada, pois, do ponto de vista da técnica legislativa, a cláusula geral constitui uma
disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura
intencionalmente “aberta”, “fluida” ou “vaga”, caracterizando-se pela ampla extensão do
seu campo semântico. Esta disposição é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um
mandato (ou competência) para que, à vista dos casos concretos, crie, complemente ou
desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para elementos cuja concretização pode
estar fora do sistema; esses elementos, contudo, fundamentarão a decisão, motivo pelo
qual não só resta assegurado o controle racional da sentença como, reiterados no tempo
fundamentos idênticos, será viabilizada, por meio do recorte da ratio decidendi, a
ressistematização desses elementos, originariamente extra sistemáticos, no interior do
ordenamento jurídico185.

Segundo Fredie Didier Jr.

A indeterminação do texto normativo pode ater-se apenas os conceitos e termos que


compõem a hipótese fática abstratamente prevista (ou hipótese de incidência), ou pode ir
além, atingindo também a consequência jurídica da incidência normativa. Quando isso
acontece, temos as chamadas cláusulas gerais186.

No que tange à equidade, cláusula geral utilizada no contexto do julgamento dos


procedimentos dos juizados especiais, o julgamento do caso concreto levaria em consideração
suas particularidades a partir da análise do juiz e de suas considerações a respeito desta fática.
Segundo Tania Ahualli

Tratar-se-ia de uma autorização legislativa para o uso do poder discricionário pelo juiz, o
que lhe permitiria proferir decisões diferentes para casos concretos semelhantes, à vista
de suas peculiaridades, por exemplo, ao fixar alimentos, reduzir penalidade ou arbitrar
indenização.187

183
Art. 4º: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito.
184
Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
185
COSTA-MARTINS, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerias no
Projeto do Código Civil Brasileito. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/383/r139-
01.pdf?sequence=4. Acesso em: 05 set. 2017.
186
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 374.
187
AHUALLI, Tânia Mara; SENA, Jaqueline. Ativismo judicial e as cláusulas gerais processuais no direito
brasileiro, p. 329-350. In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus
Podivm, 2013, p. 333.
53
Pontes de Miranda, apontando a arbitrariedade contida no poder do uso da equidade como
forma de julgamento de demandas, leciona que

A rigor, equidade é apenas palavra-válvula, com que se dá entrada a todos os elementos


intelectuais ou sentimentais que não caibam nos conceitos primaciais do método de
interpretação. Para que se atenue a rapidez exegética, a prática e os legisladores têm
recorrido a essa noção ambígua, se não equívoca, com que se manda tratar com
igualdade sem se definir de que igualdade se trata, nem se dizerem os seus começos e os
seus limites. No fundo, a vantagem, se vantagem realmente há, de tal expressão, em
povos estranhos à tradição do nosso direito, tem sido semelhante à de todas as outras
expressões vagas. A vaguidade serve sempre quando se quer o arbítrio, ou quando se
pretende deixar a alguém determinar a norma, sem se confessar que se quis o arbítrio, ou
que se deu a alguém esse poder188.

O dever de boa-fé, como mais um exemplo de conceito jurídico indeterminado, localiza-


se no Código Civil, no seu artigo 113189.
Tânia Ahualli conceitua boa-fé “como a obrigação de cada qual de honrar a palavra dada,
a fim de se garantir a confiabilidade das relações e, consequentemente, preservar o interesse
daquele que age dessa forma e que, eventualmente, tenha tal expectativa frustrada” 190.
Inobstante o poder de adequação que o juiz tem frente a uma cláusula geral, Ahualli
defende que

Não pode o magistrado, sob o pretexto de se tratar de um conceito de caráter aberto,


atribuir-lhe significados diferentes no julgamento de casos concretos semelhantes. Deve-
se buscar, pois, uma compreensão objetiva do que seja “boa-fé” a partir da análise de
situações fáticas que guardem similitude, evitando-se, com isso, o arbítrio e a indesejável
falta de previsibilidade nas decisões191.

E continua, realizando um desfecho elucidativo diante da função magistral:

Entretanto, não se pode admitir que a atividade jurisdicional torne-se arbitrária. Aceitar a
criatividade do magistrado no ato de interpretar não significa autorizá-lo a decidir
contrariamente à Constituição Federal. Somente se pode admitir a existência de ativismo
judicial enquanto uma postura proativa do magistrado, que, apesar de não se comportar
como juiz asséptico, realiza uma hermenêutica que respeita a “tradição”, no gadameriano
do termo, conforme já explicado. Em especial, o magistrado, no momento de decidir,
não pode ignorar o conjunto de acontecimentos históricos que antecederam e
culminaram na ordem constitucional democraticamente positivada. São essas as
diretrizes a orientar a atividade do juiz no preenchimento dos conteúdos vagos e
indeterminados das cláusulas gerais.

188
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Editora Forense,
1947. p. 413- 414.
189
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
190
AHUALLI, Tânia Mara; SENA, Jaqueline. op., cit, p. 334.
191
Ibid., p. 335.
54
[...]

Na atividade de preencher a vagueza da moldura, que é formada pelo antecedente das


cláusulas gerais, o juiz tem não só a possibilidade, mas o dever de recorrer a elementos
extra-sistemáticos – ou seja, sociais, econômicos e morais –, que estão para além do
ordenamento jurídico, porquanto tal espécie legislativa nasceu justamente para
possibilitar a integração de novos elementos à norma sem que, para isso, fosse
necessário alterá-la. As cláusulas gerias exigem que o magistrado exerça um
protagonismo criativo e, assim, tornam-se dependentes dessa concretização, sob pena de
se tornarem letra morta192.

Nesta leitura é possível fazer o intercâmbio com o giro linguístico, observada a


necessidade de interação entre o modo de julgar a demanda posta (por meio de cláusulas gerais) e
“elementos extra sistemáticos”, imbricação que possibilitara a indicação do limite da atuação do
magistrado no caso concreto, mesmo diante de uma possível arbitrariedade, por estar se tratando
de conceitos jurídicos indeterminados.
As adoções de conceitos jurídicos indeterminados são aptas a invalidar a decisão por
ausência de fundamentação, caso o juiz não exponha os motivos de sua aplicação ao caso. Ocorre
que, como bem verificado por Tiago Gagliano e Sabrina Alberto a seguir, deve ser medida a
extensão dessa invalidação.
No caso de a adoção do conceito jurídico indeterminado estar localizada no obter dictum,
por exemplo, sem haver sua essencialidade na resolução da questão, esta decisão não será
alcançada pela invalidação. Entretanto, se localizado o conceito indeterminado na ratio decidendi
ou em qualquer situação que lhe seja diretamente determinante o deslinde da questão, sem a
devida descarga argumentativa, esta decisão enquadrar-se-á no inciso II do parágrafo 1º do artigo
489 do CPC. Assim

Se o “emprego” estiver inserido na decisão, todavia, como ratio decidendi, elemento de


derrotabilidade de outra norma, ou, de qualquer maneira vier a ser considerado como
essencial para a resolução do caso e o juiz deixar de delimitá-lo e externar o ponto de
contato com a concretude ofertada, não haverá outra solução senão a invalidação ao
menos desta parte do decisum.193

192
AHUALLI, Tânia Mara; SENA, Jaqueline. Ativismo judicial e as cláusulas gerais processuais no direito
brasileiro, p. 329-350. In: Fredie Didier Jr et. all. (org.). Ativismo Judicial e Garantismo Processual, Salvador: Jus
Podivm, 2013, p. 337.
193
ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; ALBERTO, Sabrina Santana Figueiredo Pinto. Conceitos jurídicos
indeterminados e fundamentação – existirá o céu dos conceitos?, p. 233-254. In: ALBERTO, Tiago Gagliano
Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do
artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 243.
55
Não se pode dizer que interpretar é mera subsunção. Tal possibilidade existe, mas é
mínima diante dos preceitos vividos hoje numa sociedade democrática. Assim, elegendo como
requisitos mínimos da decisão que adota conceitos jurídicos indeterminados, Tiago Gagliano e
Sabrina Pinto Alberto defendem que devem ser deixados claros, ao menos, a) se estar-se-á diante
de conceito e qual sua significação; b) se é conceito jurídico; c) se se trata de conceito jurídico
indeterminado ou determinado controvertido; d) a significação do conceito; e) a tangência entre o
conceito e o caso sub judice.194
Da mesma maneira, o entendimento supra demonstrado deve ser aplicado quando da
utilização de princípios cujo conteúdo apresente-se de forma abrangente, como, por exemplo,
“dignidade da pessoa humana”, “razoabilidade ou “eficiência”, sob pena de invalidade 195. Neste
sentido, Humberto Theodoro Júnior leciona:

Embora os conceitos jurídicos indeterminados não se confundam inteiramente com os


princípios, muito se aproximam deles, de modo que sua aplicação pelo julgador também
deve observar as técnicas da ponderação e os critérios da razoabilidade e da
proporcionalidade, nos casos de conflitos, além das regras gerais da hermenêutica
jurídica.196

Assim como também nos casos de conceitos determinados, que de tal maneira não se
apresentem devido o teor da controvérsia processual, deve o juiz, ao “evidenciar o ponto de
contato entre a expressão e a casuística conflituosa, empreender a descarga argumentativa que é
necessária para que a utilização da expressão não se resuma a um ato de autoridade, sendo, por
isso, malsinada por enodoada falácia” 197.
Destarte, perceptível é que a indeterminação dos conceitos comporta graus, de modo que,
quanto maior o seu grau de indeterminação, maior a necessidade de explicação do juiz quanto a
ele e à sua pertinência de aplicação na hipótese fática dos autos198.
O inciso III do parágrafo 1º determina que não será considerado o pronunciamento
judicial de cunho decisório que “invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra

194
Ibid., p. 248.
195
Ibid., p. 243.
196
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 1074.
197
ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; ALBERTO, Sabrina Santana Figueiredo Pinto. Conceitos jurídicos
indeterminados e fundamentação – existirá o céu dos conceitos?, p. 233-254. In: ALBERTO, Tiago Gagliano
Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do
artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 244.
198
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de processo civil: artigo por
artigo: de acordo com a Lei 13.256/2016. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 874.
56
decisão”, referindo-se às decisões que se mantém “pelos seus próprios fundamentos”, no sentido
de confirmar uma posição já proferida anteriormente.

Chama-se fundamentação “per relationem” aquela em que uma decisão judicial toma
emprestado uma argumentação utilizada em outro ato processual daquela mesma relação
jurídica. É o caso da decisão que adota integralmente o parecer do Ministério Público, ou
da sentença que se limita a confirmar os termos da decisão liminar, ou ainda do acórdão
que, para confirmar a sentença, a transcreve.

[...]

O que é submetido ao tribunal, portanto, é uma peça que elenca equívocos da decisão de
primeira instância. A manutenção dessa decisão sem maiores esforços argumentativos
significa que a corte não enfrentou os argumentos levados a ela pelo sucumbente. Não
houve diálogo, e não houve verdadeira fundamentação199.

Para o Supremo Tribunal Federal, a motivação por seus próprios fundamentos não conduz
à nulidade da decisão, considerando-a fundamentada por adotar posição já tomada anteriormente.
Já o Superior Tribunal de Justiça200 entende que a motivação per relationem201 somente terá
legitimidade se restar fundamentada a própria opção do magistrado em aplicar entendimento de
decisão já prolatada202. Nesta mesma posição encontra-se Theodoro Júnior, ao passo que

[...] a fundamentação per relationem não se apresenta totalmente incompatível com a


sistemática adotada pelo novo Código de Processo Civil, em seu art. 489, §1º. É
necessário, contudo, que a remissão não seja puramente genérica, devendo, de alguma
forma, evidenciar os fundamentos apropriados da decisão ou parecer referido, para
permitir a compreensão exata da decisão tomada no caso concreto. 203

Não há aproveitamento prático de um recurso que se interpõe a uma decisão proferida que
se descobriu impertinente e, impugnando a parte os termos proferidos pelo juiz, a respectiva
Turma ou Tribunal manter a decisão a quo nos seus próprios fundamentos, sem nada a ela
acrescentar. Tal posição somente tem justificação se o próprio recurso da parte apresente os

199
SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Confirmar a sentença por seus “próprios fundamentos” não é motivar: A
influência normativa do art. 489, §1º, do CPC/15 sobre o art. 46 da Lei 9.099/95. Disponível em: <
https://leonardschmitz.jusbrasil.com.br/artigos/334756957/ncpc-confirmar-a-sentenca-por-seus-proprios-
fundamentos-nao-e-motivar>. Acesso em: 13 set. 2017.
200
STJ, 5ª Turma, HC 176.238/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, ac. 24.05.2011, DJe 01.06.2011.
201
Nos dizeres de Gomes Filho, trata-se de uma “técnica argumentativa no sentido de diminuir o empenho
justificativo a ser realizado pelo magistrado, reproduzindo decisões anteriormente tomadas no processo”. Vide mais
em GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 196-197.
202
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 1075-1076.
203
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 1076.
57
mesmos argumentos trazidos na exordial ou contestação, conforme o caso. Caso contrário, julgar
no sentido de manter a decisão que fora recorrida em seus próprios fundamentos resta, ao menos,
omissa e perpetuadora do “defeito” da decisão anterior, vez que não traz fundamentação a
respeito dos novos argumentos suscitados no recurso.
Como exemplo corriqueiro, é possível mencionar a decisão que denega ou concede tutela
de urgência, na maioria das vezes embasando-se no “fundamento” de “estarem presentes/ausentes
os pressupostos legais para sua concessão/denegação”. Para longe de qualquer fundamentação
que realmente ampare o decidir do juiz, esta hipótese representa um dos mais altos níveis de
arbitrariedade.
Para realmente haver a fundamentação aqui, o juiz tem que demonstrar “por que entendeu
presentes ou ausentes os pressupostos para a concessão ou denegação da tutela provisória; tem
que dizer de que modo as provas confirmaram os fatos alegados pelo autor (e também por que as
provas produzidas pela parte contrária não o convenceram” 204.
Caso sejam apresentados argumentos infundados ou repetidos, fato que pode levar a ideia
de se reprisar a decisão anteriormente tomada, a fundamentação deve ser precisa no sentido de
deixar clara a impertinência temática das alegações do recorrente e que, outrora, as pretensões ali
apresentadas já foram objeto de julgamento em sentença anterior, não se podendo decidir
diferentemente causas cuja argumentação se repete, sem nenhum novo advento normativo ou
fático, incorrendo na pretensão de reanálise dos mesmos argumentos ora já combatidos, além de
ser possível a condenação do recorrente por litigância de má-fé, como previsto nos artigos 17 e
80 do Código de Processo Civil.
Assim, segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero, “Se a decisão se presta para justificar
qualquer decisão, é porque normalmente não se atém aos fatos concretos que singularizam a
causa que a fundamentação tem justamente por endereço resolver” 205.
Desta maneira, resta clara a necessidade do diálogo entre as partes e,
imprescindivelmente, entre o juiz e estas, para o alcance do resultado ótimo do processo e
cumprimento do dever de cooperação.

204
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 378.
205
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; AREHHART, Sérgio Cruz. Novo Código de Processo Civil
Comentado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 591.
58
Nesta perspectiva, o giro ontológico-linguístico traduz a necessidade da interação pela
linguagem para se alcançar o sentido da prestação jurisdicional. Somente através do intercâmbio
recorrente através do diálogo é possível obter o verdadeiro nexo do contraditório e da
fundamentação, necessários ao obedecimento dos preceitos processuais pregados neste Estado
constitucional.
No inciso IV do parágrafo 1º, o artigo 489 mostra a necessidade da fundamentação para
que se demonstre o porquê da não adoção de argumentos que possam, em tese, modificar a
decisão tomada. Nesta análise, verifica-se que argumentos capazes de mudar o entendimento ora
proferido ou de uma futura decisão, precisam, necessariamente, ser enfrentados, já que eles
poderão influenciar diretamente a posição do magistrado.
Assim, omitir-se quanto argumentos trazidos em peças de contestação ou em recursos é
uma demonstração cabal do cerceamento do direito de defesa e da deficiência da prestação
jurisdicional e, acrescentando o professor Theodoro Júnior, “A fundamentação incompleta, para o
NCPC, não é admissível. É o que se passa quando o juiz se limita a mencionar as provas que
confirmam sua conclusão, desprezando as demais, como se fosse possível uma espécie de seleção
artificial e caprichosa em matéria probatória” 206.
Importante citar a hipótese de sentença extra ou ultra petita. Aqui, a motivação diz
respeito a qualquer coisa que não o trazido pela parte que ora pleiteia em juízo. Desta forma, não
se diz que a decisão será anulada, mas que ela não chega sequer a existir no mundo jurídico, por
absoluta falta de função jurisdicional, pois estabelecer entendimento sobre algo que não fora
sequer suscitado não pode ser entendido como decidir em contexto jurídico. Por tal razão, a
análise do pedido é essencial:

[...] o pedido é a condição e o limite da prestação jurisdicional, de maneira que a


sentença, como resposta ao pedido, não pode ficar aquém das questões por ele suscitadas
(decisão citra petita) nem se situar fora delas (decisão extra petita), tampouco ir além
delas (decisão ultra petita). E esse limite – repita-se – alcança tanto os aspectos objetivos
(pedido e causa de pedir) como os subjetivos (partes do processo). Nem aqueles nem
estes podem ser ultrapassados no julgamento da demanda207.

Fazendo uma síntese do que se possa entender por nulidade de motivação, Rodrigo
Ramina traz que
206
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 1074.
207
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 1092.
59
A nulidade, portanto, atingirá tanto decisões omissas, obscuras e contraditórias, como
decisões cuja motivação não preenche os demais requisitos de racionalidade da
justificação judicial, tais quais incongruência narrativa, incongruência normativa, falta
de sinceridade argumentativa, falta de universalidade das razoes jurídicas apresentadas
etc.208

Rogério de Vidal Cunha dirige uma crítica a respeito do termo “argumento” empregado
no inciso IV. Para ele, seria mais pertinente a utilização de “questões”. “Por definição, argumento
é: ‘qualquer razão, prova, demonstração, indício, motivo capaz de captar o assentimento e de
induzir à persuasão ou à convicção’”209, demonstrando-se abrangente, vez que argumento é um
meio sofístico para potencializar as questões arguidas. Por outro lado, as “questões” são os
verdadeiros motivos pelos quais as partes entram em juízo, figurando neles o conteúdo de suas
pretensões.
Nesta diferenciação, pretende o autor demonstrar que não é necessário o juiz posicionar-
se a respeito de todo e qualquer argumento trazido pelas partes, inclusive porque não são eles que
vinculam da decisão, mas é a fundamentação que possui esse papel.
Deste modo, resta clara a necessidade de posicionamento do juiz diante das questões
fundamentadas trazidas ao processo que tenham condão de influenciar no julgamento, como
modo de efetivação do princípio do devido processo legal.
Assim, Cunha, confirmando seu posicionamento com a interpretação integrada do Código
de Processo Civil, afirma que

Essa interpretação decorre do próprio código, posto que, quando dos embargos de
declaração (NCPC, art. 1.022), considera-se cabível o recurso para “suprir omissão de
ponto ou questão sobre qual deveria se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento” e,
ainda que se afirme que se considera omissa a sentença que incidir em qualquer das
circunstancias do art. 489, §1º (NCPC, art. 1.022, parágrafo único), a interpretação que
deve decorrer da conjugação das normas é de que será omissa a sentença que deixar de
enfrentar todos os pontos e questões postas pelas partes, e não, necessariamente, seus
argumentos210.

208
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de fundamentação das decisões judiciais: Estado de Direito, segurança
jurídica e teoria dos precedentes. 2. ed. rev. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 246.
209
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2033, p.
79. Apud CUNHA, Rogério de Vidal. O dever de fundamentação no NPCP: há mesmo o dever de responder todos
os argumentos das partes? Breve análise do art. 489, §1º, IV do NCPC., p. 289-308. In: ALBERTO, Tiago Gagliano
Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do
artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 298.
210
CUNHA, Rogério de Vidal. Art. 489, §1º, incisos V e VI, do CPC de 2015: justificação da decisão judicial e o
argumento por precedente. p. 309-340. In: ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; VASCONCELLOS, Fernando
Andreoni. O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2015, p. 310.
60
E continua com um exemplo prático:

[...] qual seria a necessidade de se afastar a prescrição arguida com base em dispositivo
de ordem legal quando o fundamento da sentença é de ordem constitucional? Se aplicado
o inciso IV do §1º do art. 489 do NCPC em sua literalidade, a sentença proferida seria
verdadeira peça de futilidade, posto que apesar de afirmar a imprescindibilidade, teria o
julgador que afastar os “argumentos” das partes211.

Assim, defende o autor212 que, realmente, não necessita o magistrado posicionar-se a


respeito de todos os argumentos trazidos pelas partes, mas sim sobre as questões, observados os
próprios mandamentos processuais, tais quais os próprios inciso IV, conjugado com o inciso III
do caput e com o parágrafo 3º do mesmo artigo 489 213.
Confirmando tal posicionamento, acrescenta Fredie Didier Jr. a necessidade de serem
analisados todos os fundamentos da tese derrotada214, afirmando ainda que

Efetivamente, se houver cumulação de fundamentos e apenas um deles for suficiente


para o acolhimento do pedido (no caso de cumulação de causas de pedir, isto é, de
concurso próprio de direitos) ou para o seu não acolhimento (no caso de cumulação de
causae excipiendi, ou seja, causas de defesa), bastará que o julgador analise o motivo
suficiente em suas razões de decidir. Tendo-o por demonstrado, não precisará analisar os
outros fundamentos, haja vista que já lhe será possível conferir à parte (autora ou ré, a
depender do caso) os efeitos pretendidos215.

Também no mesmo sentido, Teresa Wambier defende que

Quando se estuda a motivação da decisão, na verdade, o que se estuda é o que aparece na


decisão, que seria uma espécie de “fachada”, mas mesmo assim, é interessante estudar
este fenômeno, já que representa, pelo menos, o que é compreendido como satisfatório
para figurar como fundamento da decisão, em face das exigências do dado sistema.
Outras motivações que podem ter as decisões (ideológicas, psicológicas etc.), estas não
estão presentes claramente no texto e não interessam para o direito. Têm que ter sido
absorvidas pela possível objetividade e racionalidade dos fundamentos. Caso contrário, a
decisão será arbitrária e contrária ao direito216.

211
Ibid., p. 303.
212
Ibid., p. 306.
213
Enunciado nº 523 aprovado em Curitiba Curitiba, 23 a 25 de outubro de 2015 – Enunciados do Fórum
Permanente de Processualistas Civis.
214
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 381.
215
Ibid., p. 379.
216
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de processo civil: artigo por
artigo: de acordo com a Lei 13.256/2016. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 873-874.
61
Assim, ausente a hipótese conglobante de cumulação de causas de pedir narrada acima, a
falta de fundamentação adequada da sentença do magistrado impede o exercício das normas
fundamentais do devido processo legal e da ampla defesa.
No inciso V, objetiva-se impedir a aplicação simplista de enunciados performativos217
como meio de fundamentação, determinando a explanação dos motivos determinantes de fato e
de direito que permitiram a invocação do precedente ou do enunciado de súmula218, mostrando-se
análogo ao inciso I do mesmo parágrafo.
Enquadrar-se nessa proibição implica em decisão não fundamentada. Não se trata de
haver a necessidade de refazer os caminhos da tese adotada, mas de haver a adequação fático-
jurídica ao objeto da causa examinada219.
Maurício Ramires sintetiza a questão da aplicação do precedente ao caso concreto,
demonstrando a necessidade de fundamentação mesmo (inclusive) nesta situação, afirmando que
“É preciso ver o precedente como a aplicação feita por um julgador a uma situação concreta; o
comando não pode ser entendido em sua literalidade, como se tivesse se descolado da situação
para a qual foi produzido, passando a existir e valer em uma abstração etérea” 220.
Aqui também se inclui a necessidade de o mesmo juiz que se limita à interpretação
sistemática das leis e do caso respeite suas próprias decisões proferidas anteriormente e siga
nessa mesma linha nos casos futuros que lhe sejam semelhantes ou havendo decisões dos
tribunais que lhe são superiores, corroborando com um sistema integro e com a segurança
jurídica. “Imaginar que o juiz tem o direito de julgar sem se submeter às suas próprias decisões e
às dos tribunais superiores é não enxergar que o magistrado é uma peça no sistema de
distribuição de justiça, e, mais do que isto, que este sistema serve ao povo” 221.

217
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 63.
218
PEREIRA, Paula Pessoa. O dever de fundamentação no NPCP: há mesmo o dever de responder todos os
argumentos das partes? Breve análise do art. 489, §1º, IV do NCPC., p. 289-308. In: ALBERTO, Tiago Gagliano
Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do
artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 301.
219
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 54 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017, p. 1075.
220
RAMIRES, Maurício. Crítica à Aplicação de Precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 149.
221
MARINONI, Luiz Guilherme. Juiz não pode decidir diferente dos tribunais. Consultor Jurídico. Disponível
em: < http://www.conjur.com.br/2009-jun-28/juiz-nao-direito-decidir-diferente-tribunais-superiores?pagina=2>.
Acesso em: 25 jul. 2017.
62
Assim, Teresa Wambier defende que “da mesma forma, se se aplica uma súmula ou um
precedente, aplica-se, na verdade, a tese jurídica adotada pelo precedente e formulada na súmula:
igualmente a relação de pertinência ao caso concreto deve ser, na fundamentação da decisão,
demonstrada” 222.
Neste sentido, Elpídio Donizetti argumenta que o inciso V não determina a necessidade de
explanação de todos os fundamentos da decisão de onde fora extraído o precedente, mas a síntese
da tese nele firmada, vez que já terá ocorrido sua ampla divulgação223, devendo o juiz
“simplesmente segui-la ou, se for o caso, demonstrar que ela efetivamente não se aplica ao caso
concreto” 224, deixando claro que o juiz deverá evidenciar o porquê de tê-la seguido ou não. Caso
contrário, não sendo possível apresentar a “síntese” da “correlação fática e jurídica” do
precedente que se pretende adotar para o caso sob julgamento, o juiz deverá buscar outros meios
para fundamentar a sua decisão, conformando-a com as determinações do artigo 489.
Ainda sob a análise do inciso V, importa esclarecer a respeito da eficácia dos precedentes
e da coisa julgada como meio de fundamentação. Enquanto os precedentes são normas jurídicas
aplicáveis erga omnes, podendo ser adotados em processos semelhantes ao qual fora extraído (da
ratio decidendi), a coisa julgada tem em regra eficácia inter partes, derivando do dispositivo e
não da motivação da decisão (como é o caso do precedente), portanto, não pode ela servir como
motivo determinante para o julgamento de uma causa futura. A coisa julgada, assim, poderá ser
utilizada tão somente como indício e não como meio de prova ou precedente para embasar a
decisão proferida no processo que será decidido225.
Esclarecem Marinoni, Arenhart e Mitidiero que “Nem toda decisão judicial é um
precedente e nem todo material exposto na justificação tem força vinculante” 226
. Não é o
pronunciamento judicial como um todo que determinará a criação de um precedente, mas apenas
as razões que justificam a decisão, não podendo haver confusão entre a fundamentação e a ratio

222
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de processo civil: artigo por
artigo: de acordo com a Lei 13.256/2016. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 876.
223
Código de Processo Civil: Art. 979. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e
específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.
224
DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 623.
225
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil:
teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da
tutela. 10ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 2, p. 541.
226
ARENHART, Sergio Cruz; MARINONI, Luis Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil: tutela
dos direitos mediante procedimento comum. vol. 2. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 651.
63
decidendi, vez que “o precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão
que definitivamente a delineia, deixando-a cristalina” 227.
Assim, enquanto a fundamentação diz respeito tão somente ao caso ora decidido, a ratio
decidendi refere-se à “unidade do direito” que poderá servir como fundamentação em processo
futuro caso haja semelhança entre as matérias de fato e de direito228.
Deste modo, verificando-se que a decisão judicial é composta por obter dictum e pela
ratio decidendi e que somente esta última é determinante para a formação do precedente, a sua
aplicação dependerá do processo destinatário e da interpretação feita neste processo. Por esta
razão há a importância do contraditório possibilitando o debate processual a respeito da
identificação dos aspectos fático-jurídicos que autorizam a aplicação do precedente229.

É justamente por essa razão que a ratio toma em consideração as questões relevantes
constantes nos casos. A ratio é uma razão necessária e suficiente para resolver uma
questão relevante constante do caso. A ratio decidendi envolve a análise da dimensão
fático-jurídica das questões que devem ser resolvidas pelo juiz. A proposição é
necessária quando sem ela não é possível chegar à solução da questão. É suficiente
quando basta para resolução da questão. A proposição necessária e suficiente para a
solução da questão diz-se essencial e determinante e consubstancia o precedente (ratio
decidendi – holding). Tal é a dimensão objetiva do precedente230.

Assim, resta claro que não são todas as razões do processo que criam o precedente. A
razão fática (do processo subsequente) servirá para determinar a possibilidade de sua aplicação e
a razão de decidir será o precedente em si. Deste modo, Rodrigo Ramina de Lucca apresenta que

As razões fáticas de uma decisão são elementos particulares de cada caso concreto. Não
é possível utilizá-las como precedentes porque não é possível transpô-los a novos casos
que surgem. Apenas razoes universais ou universalizáveis têm aptidão para fundamentar
novas decisões; e as razoes fáticas não são, em nenhuma hipótese, universais ou
universalizáveis. 231

Seguindo na discussão, diante de casos distintos o juiz não precisa decidir de acordo com
o precedente vinculante. Cabe-lhe, nesta situação, realizar o que o common law conhece por
distinguish232. Neste sentido, Fredie Didier leciona que

227
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. ed.3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 215.
228
Ibid., p. 652.
229
ARENHART, Sergio Cruz; MARINONI, Luis Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil: tutela
dos direitos mediante procedimento comum. vol. 2. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 653.
230
Ibid., p. 652.
231
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 271.
232
Em tradução livre, distinção.
64
É preciso entender que, assim como o juiz precisa interpretar o texto legal para verificar
se os fatos concretos se conformam à sua hipótese normativa, cumpre-lhe também
interpretar o precedente para verificar a adequação da situação concreta à sua ratio
decidendi. Ao método de contraposição entre o caso concreto e o caso que ensejou o
precedente dá-se o nome de distinção, distinguishing (ou distinguish), que deve ser
realizado expressamente na fundamentação 233.

O direito se revela através da linguagem, possibilitando a exteriorização de sentido que se


dará diante da dialética ocorrida no procedimento processual. Não é possível conceber o retorno à
“segurança” que os signos linguísticos dão “como se o texto contivesse uma ‘textitude’”234, já
que, “A partir daquilo que podemos chamar de um segundo giro – o ontológico-linguístico –, a
questão das vaguezas e ambiguidades foi assumida como algo inexorável à linguagem”235.
Assim, contextualizando com o preceituado pelo inciso V, apresenta-se a conclusão de
Streck a respeito da pertinência da fundamentação quando se adota jurisprudência como parte da
ratio decidendi:

O que outrora era creditado à lei, agora está nas decisões dos Tribunais Superiores. O
antigo juiz boca-fria-da-lei é substituído por um juiz boa-fria-da-súmula ou ainda boca-
fria-de-qualquer-provimento-vinculante-dos-tribunais-superiores. Qualquer um desses
juízes incorre em equívocos hermenêuticos e partilha a concepção de que é possível
decidir os casos previamente em abstrato236.

Tendo em vista o arcabouço normativo contido numa sociedade democrática, a


fundamentação de uma decisão não pode ser dada mediante um enunciado performativo.
Ainda de acordo com Streck, se um juiz não está satisfeito com a solução que a lei dá ao
processo (não conseguindo fundamentar outra posição), sua posição deve ser ignorada: “Se a lei
não é “boa” — ou seja, se a lei não “bate” com o que o juiz pensa —, ele deve mudar de
profissão. Ele não é o superego da sociedade nem corretor do parlamento” 237.
O inciso VI, ao determinar que não se considerará fundamentada a decisão que “deixar de
seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar

233
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 383-384.
234
STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando?, p.
175-182. In: DIDIER JR, Freddie et al (org.). Coleção Grandes Temas do Novo CPC: Precedentes. ed. Salvador:
Juspodivum, 2015, p. 182.
235
Ibid., p. 181.
236
Ibid., p. 182.
237
STRECK, Lenio. Breve ranking de decisões que (mais) fragilizaram o Direito em 2016. Consultor Jurídico.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-dez-29/senso-incomum-breve-ranking-decisoes-fragilizaram-
direito-2016>. Acesso em: 21 jul. 2017.
65
a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”, visa a
utilização, também, do distinguish ou overruling238 nas situações em que há a possibilidade de
aplicação de precedente que poderiam vincular o caso em comento.
Como já dito, ao escolher aquele e não este modo de decidir, deve o magistrado sempre
fundamentar de maneira elucidativa sua seleção, legitimando-a. Nisto consiste o distinguish, de
modo que o juiz explicará o porquê não se aplica aquele precedente ao caso presente, seja por
impertinência fática ou normativa.
Se há súmula, jurisprudência ou precedente vinculativo que se faça pertinente ao caso em
julgamento, deverá ser aplicada a tese de modo imperativo, cabendo ao juiz fazer a distinção ou
demonstrar a superação do entendimento que, diga-se, requererá esforço argumentativo
majorado.
Em caminho inverso, o inciso não pretende a adoção do conteúdo de súmulas e
precedentes como ratio decidendi, como bem fica demonstrado a partir da leitura conjugada do
inciso VI com seu antecessor: antes de tudo, entretanto, requer o “cotejo analítico com os fatos
expostos pelas partes” 239
de modo que, caso haja pertinência, a aplicação daquele entendimento
far-se-á pela devida identidade entre as questões.
Confirmando essa diferenciação entre os incisos V e VI, Fredie revela que “a
obrigatoriedade de que fala o inciso VI somente se aplica aos precedentes obrigatórios; não se
aplica aos precedentes persuasivos” 240
, tendo em vista que o inciso V trata da adoção de
entendimento trazido de precedente ou súmula que sub-rogam-se não pela obrigatoriedade, mas
por opção do magistrado. Em conclusão, o autor arremata

Assim, se a parte invoca, como reforço argumentativo, numa causa que tramita perante a
justiça baiana, um julgado proferido por outro tribunal estadual (não vinculativo; caráter
meramente persuasivo), não há obrigação de o magistrado, para não seguir a orientação
desse precedente, demonstrar que ele se refere a caso distinto daquele posto sob sua
análise ou que ele está superado.

238
Em tradução livre, superação.
239
CUNHA, Rogério de Vidal. O dever de fundamentação no NPCP: há mesmo o dever de responder todos os
argumentos das partes? Breve análise do art. 489, §1º, IV do NCPC., p. 289-308. In: ALBERTO, Tiago Gagliano
Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do
artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 293.
240
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual
Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 2, p. 385.
66
Adentrando na análise do parágrafo 2º do artigo 489, deve haver um esclarecimento a
respeito da significação que o legislador deu ao inserir critérios gerais de ponderação como
critério interpretativo.
Segundo Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, poderia tal norma trazer a
“necessidade de justificação racional das escolhas interpretativas aludindo a outros postulados
direcionados à aplicação de outras normas, como os postulados da proporcionalidade ou da
proibição dos excessos” 241.
Preferindo trazer a ponderação, pode surgir um desvio da perspectiva incisiva do dever de
motivação da decisão judicial em todo o artigo 489, que se mostra um tanto quanto objetivo em
suas determinações.
A ponderação, no cenário atual do Poder Judiciário, não é aplicada de forma adequada,
por isso há críticas no que se refere à pertinência da aplicação de tal técnica – devido o perigo de
se configurar, por traz de uma (incorreta) ponderação, a discricionariedade ora combatida.
Para evitar as decisões que dizem embasar-se na teoria Alexyana da ponderação de
princípios, fazendo nascer posições puramente subjetivistas, é necessário perceber sinteticamente
a maneira como Robert Alexy apresenta sua teoria da argumentação, evidenciando que não há
uma leviana escolha de um princípio frente a outro menos oportuno, mas para muito além disso.
Alexy defende que a (regra da) ponderação se divide em justificação interna e externa242,
sendo a primeira a ponderação em si e a segunda, a conformação da ponderação diante de um
procedimento. Nesta linha, a ponderação deve obedecer três postulados, quais sejam, a
proporcionalidade, razoabilidade e adequação. É necessária a observação desse axioma devido à
natureza de mandados de otimização que possuem os princípios, destoando, assim, da concepção
de regra.
Assim, é verificado que não há uma escolha direta por um princípio em detrimento do
outro.
Na verdade, a ponderação é um procedimento que serve para resolver uma colisão em
abstrato de princípios constitucionais. Dessa operação resulta uma regra – regra de
direito fundamental adscripta – essa sim, segundo Alexy, apta a resolução da demanda

241
ARENHART, Sergio Cruz; MARINONI, Luis Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil: tutela
dos direitos mediante procedimento comum. vol. 2. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 457.
242
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. 1. ed. São Paulo:
Landy, 2001, p. 218-226.
67
da qual se originou o conflito de princípios. E um registro: essa aplicação da regra de
ponderação se fará por subsunção (por mais paradoxal que isso possa ser) 243.

Streck, corroborando com a regra da ponderação Alexyana, mostra como funciona a


imbricação entre as regras e princípios no momento da aplicação ao caso concreto:

São os princípios que preenchem as faltas, os silêncios, as lacunas e as demasias da


“letra da regra” (ou do preceito em geral). A porosidade da regra convoca a densidade
dos princípios. Por isso, não há regra sem princípio; e não há possibilidade de aplicação
de um princípio sem uma regra244.

Não se buscando a explicitação completa da teoria de Robert Alexy e deixando claro que
existem outros mecanismos que resolvem questões de colisão entre normas, aqui se busca
entender como será legitimada a decisão do juiz que utilizar outros métodos de ponderação ao
julgar, como traz o parágrafo 2º do artigo 489.
Fernando Andreoni Vasconcellos defende que, independentemente de se adotar teorias da
ponderação, antes mais vale demonstrar quais critérios o juiz utilizou para a escolha de uma
norma frente a outra, apresentando às partes como chegou a uma conclusão.

Neste cenário, a ponderação mencionada no novo dispositivo deve ser entendida em um


sentido mais amplo, como uma exigência de reflexão em torno dos argumentos
deduzidos pelas partes, para se verificar qual é a cadeia de argumentos mais racional,
razoável e adequada à Constituição, para ser identificada como a que prevaleceu diante
do conflito normativo245.

Assim, concordando com o autor, não há o dever, como pode-se pensar a partir de uma
primeira leitura rápida do dispositivo em comento, da adoção da teoria de Alexy para ponderar
conflitos normativos, inclusive pelo fato de não haver tal previsão expressa.
Visando antes de tudo os preceitos constitucionais e a efetivação do processo, pretende-se
buscar uma decisão fundamentada de maneira mais pertinente, que não indique de forma nociva
ao dever de fundamentação a norma escolhida.

243
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013, p. 27-28.
244
ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Introdução à Teoria e à
Filosofia do Direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 472.
245
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. Colisão Entre Normas, Ponderação e e Parágrafo Segundo do
Artigo 489 do NCPC, p. 341-358. In: ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni.
O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p.
345-346.
68
Quando são aplicáveis as regras ordinárias de solução de antinomias, o esforço
argumentativo é muito menor, de maneira que se mostra suficiente (i) a indicação das
normas em conflito; (ii) a demonstração da aplicação de determinada regra tradicional de
solução de antinomias (metarregras); (iii) a apresentação da solução, após a aplicação da
regra de solução de antinomias (metassubsunção).

[...]

Em se tratando de casos difíceis, o caminho do intérprete será mais extenso e complexo,


cabendo a ele: (i) relacionar as normas em conflito, expondo o motivo da possível
incidência de cada uma delas no caso concreto; (ii) apresentar a colisão normativa (as
normas judicias em conflito), demonstrando, ainda, a ausência de uma solução da
controvérsia, pelos métodos tradicionais de resolução de antinomias; (iii) considerar os
argumentos expostos pelas partes, favoráveis ou contrários a cada norma/interpretação;
(iv) definir a norma jurídica que prevaleceu, indicando os argumentos/fundamentos
(fáticos e jurídicos) que ampararam a tomada de decisão, sobretudo aqueles que
permitiram a superação da norma derrotada246.

De forma sucinta, “(...) é preciso identificar as normas que devem ser aplicadas e o
respectivo postulado que estrutura a correlata aplicação” 247. Entende-se que, desta forma, quando
cumpridos estes requisitos mínimos, de forma exemplificativa, mostrar-se-á a decisão
fundamentada. Caso contrário, será ela atingida pela nulidade. Deste modo

Importa dizer, eventuais discordâncias em relação ao mérito da resolução da


controvérsia, de como foi efetuada a solução (por intermédio de qual técnica), ou através
da utilização/consideração de quais argumentos, tais irresignações não atraem a
aplicação do parágrafo 2º do artigo 489 do NCPC, pois ele exige a
fundamentação/justificação, mas não tem condão de impor censuras com base no direito
material.248

Diante do neoconstitucionalismo chegado também ao Brasil249, incute-se a necessidade de


superação do rigor procedimental para o melhor aproveitamento de condutas materiais práticas
que importem em maior aproveitamento do processo como instrumento de realização do justo
direito pretendido, não se esquecendo dos requisitos essenciais que mantêm a coerência
democrática operante.

246
Ibid., p. 346-347.
247
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; AREHHART, Sérgio Cruz. Novo Código de Processo Civil
Comentado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 593.
248
VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. Colisão Entre Normas, Ponderação e e Parágrafo Segundo do
Artigo 489 do NCPC, p. 341-358. In: ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni.
O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p.
354.
249
ATAÍDE JR., Vicente de Paula. A Interpretação das Decisões Judiciais (Art. 489, §3º, NCPC), p. 379-389. In:
ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no novo
CPC: Análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 385.
69
O parágrafo 3º do artigo 489 estabelece o modo de interpretação das decisões judiciais.
Como a decisão é norma criada para solução inter partis, deve ela ser interpretada para ser
aplicada sob o corolário da boa-fé250, evitando-se comportamentos contraditórios ou que atentem
contra a justiça.
Desta maneira, o Código direcionou este dever mais no sentido da razoabilidade das
partes quando no enfrentamento das questões proferidas na decisão.

Fazendo eco ao contido no art. 322, §2º, o art. 489, §3º indica que as próprias decisões
judiciais deverão ser interpretadas levando-se em conta a integralidade de seus
elementos. Assim, a interpretação conjugada dos elementos da decisão judicial permitirá
que sejam supridos erros materiais cometidos pelo juiz e que se delimite com precisão o
que fora decidido251.

Diante do que fora aqui exposto, infere-se, então, o formato cooperativo e substancial de
como o novo Código de Processo Civil se posicionou frente os novos conflitos surgidos no bojo
de uma sociedade democrática que pretende, cada vez mais, o conhecimento dos seus direitos e,
não apenas isso, mas a real efetivação deles, a partir de uma jurisdição uniforme que possibilite a
confiança legítima do jurisdicionado, consoante Rodrigo Ramina preceitua:

De uma forma ou de outra, o simples reconhecimento da jurisdição como uma atividade


estatal pública e, ao menos no Brasil, uma, independentemente de ser declaratória ou
criativa, retrospectiva ou retroativa, já deveria ser suficiente para rejeitar
comportamentos contraditórios entre os diversos juízos e reprovar veementemente a
quebra da confiança legítima depositada pelo particular nos precedentes judiciais 252.

Assim, pela força das determinações legais, espera-se um esforço comum, tanto do Poder
Judiciário, Legislativo e Executivo quanto dos cidadãos, para a consecução dos ideais, por vezes
esquecidos, do devido processo legal, contraditório efetivo, ampla defesa e, essencialmente, da
fundamentação.

250
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de processo civil: artigo por
artigo: de acordo com a Lei 13.256/2016. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 877.
251
DA SILVA, Ricardo Alexandre. Princípio da Boa-Fé e o Art. 489, §3º do Novo Código de Processo Civil, p.
359-377. In: ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação
no novo CPC: Análises em torno do artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 372.
252
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 346.
70
4. CONCLUSÃO

Com a superação do ancien regime na França revolucionária, as prerrogativas


interpretativas foram cerceadas com o intuito de promoção e preservação da segurança jurídica.
Percebida a crise de insuficiência normativa, fora, gradativamente, sendo outorgado aos
juízes, antes meros “boca da lei”, a possibilidade de interpretar os mandamentos legislativos para
atender mais precisamente os anseios sociais. Ocorre que, com essa ampliação de poderes, foi
gerada a confusão entre o uso da discricionariedade e da arbitrariedade.
Com o advento da constitucionalização, a atuação do Poder Judiciário restou
parametrizada pelos princípios e valores do devido processo legal, do direito de ação, da
imparcialidade, boa-fé, e, mais atualmente, da cooperação, todos eles conformados à realização
democrática do Direito, tendo como corolário o respeito à Constituição Federal. Esses parâmetros
seriam capazes, em tese, de impedir os excessos cometidos pelo juiz ao decidir cada caso.
Entretanto, aquilo que foi posto com o intuito de possibilitar a adequação do
procedimento aos conflitos abriu as portas à aplicação de “direitos” pessoais de cada consciência
pensante que ora decide.
Com a perpetuação do paradigma da filosofia da consciência, o juiz exacerba-se em suas
faculdades de decidir, extrapolando princípios constitucionais e processuais pré-estabelecidos,
fazendo valer nada mais que suas convicções pessoais a respeito do caso sub judice. O solipsismo
judicial é resquício de uma ordem refratária, nociva à ideia de democracia, mantendo vivos o
autoritarismo e a arbitrariedade.
Assim, o ativismo, por ser em alguns casos imprescindível à consecução de direitos, deve
ser analisado diante do caso concreto em que atua, sendo sempre moldado e direcionado pelo giro
linguístico gadameriano, que insere nesta realidade a possibilidade de as partes exercerem o
contraditório e a ampla defesa em busca do melhor entendimento do caso e, consequentemente,
da obtenção de resultados ótimos, além de colocar em prática o dever de cooperação.
Por outro lado, podem ser citados como facilitadores do nocivo empoderamento
judiciário, inseridos num panorama de interpretações “legitimadas” pela escolha arbitrária do
julgador, os conceitos jurídicos indeterminados, os enunciados performativos de decisões
anteriores, a utilização da fundamentação per relationem, assim como a adoção de ementa de
precedentes.
71
Reavivados os preceitos constitucionais do Direito com a Emenda Constitucional nº 45 de
8 de dezembro de 2004, que inseriu o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal e com a
égide do novo Código de Processo Civil, passou-se a exigir mais acentuadamente dos
magistrados o dever de motivação de suas decisões, evitando-se a solução diferente para casos
semelhantes. Assim, o Estado de Direito253 é tido como vetor da significação das normas, através
da argumentação jurídica, exigindo do magistrado uma justificação racional em lugar da
discricionariedade solipsista, restando ele submetido aos preceitos constitucionais da sociedade
na qual presta seus serviços.
Apesar da apresentação do dever de fundamentação de decisões de forma detalhada com o
advento do novo Código de Processo Civil, antes do seu projeto já havia previsão de tal
determinação, de forma mais ampla na Constituição Federal, configurada no artigo 93, inciso IX.
De toda sorte, o atual Código elencou a obrigação de conter a sentença o relatório, os
fundamentos e a decisão do julgado, sendo esta sustentada pela sua relação com a motivação.
Neste sentido, Marinoni, Arenhart e Mitidiero, em comentário ao artigo 489, depreendem que,
para uma sentença se enquadrar nos ditames constitucionais, ela não deve obedecer apenas a este
artigo, mas também à racionalidade da atividade decisória tanto no momento da interpretação
quanto ao obter o seu resultado. Por tal razão as decisões devem ser coerentes e universalizáveis,
enquadrando-se neste momento a função dos elementos essenciais da sentença. Assim, servirão
os elementos da sentença “para evidenciar a racionalidade das opções interpretativas e viabilizar
o respectivo controle intersubjetivo” 254.
O artigo 489, em seus incisos, impossibilitou a mera indicação de letra de lei como modo
de fundamentação adequada. Além disso, determinou a explicação pormenorizada de conceitos
jurídicos indeterminados quando estes forem integrantes da decisão, possibilitando às partes a
devida ciência da verdadeira forma como foi decidida a questão apresentada ao juiz, o que, por
sua vez, acarreta a elaboração de recursos mais objetivos e pertinentes.
Indo de encontro a qualquer possibilidade de mera reprodução de decisões anteriores, o
CPC impõe o dever de fundamentação mesmo quando há a adoção de posicionamento já

253
PEREIRA, Paula Pessoa. O dever de fundamentação no NPCP: há mesmo o dever de responder todos os
argumentos das partes? Breve análise do art. 489, §1º, IV do NCPC., p. 289-308. In: ALBERTO, Tiago Gagliano
Pinto; VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O dever de fundamentação no novo CPC: Análises em torno do
artigo 489. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 320.
254
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; AREHHART, Sérgio Cruz. Novo Código de Processo Civil
Comentado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 589-590.
72
proferido, determinando, de tal modo, a realização da conformação fático-normativa do caso sub
judice.
O posicionamento do juiz diante das alegações das partes deve mostrar-se suficiente para
a superação de toda arguição que seja possível mudar o entendimento do julgador, apesar de não
haver a estrita necessidade de expor de que forma posicionou-se frente cada argumento exposto
no processo.
Seguir entendimento jurisprudencial ou sumular ou deixar de segui-los quando
obrigatórios deve ser, também, uma atitude fundamentada pelo julgador, diante das razões que
foram levadas a seu conhecimento através da demanda ora proposta.
Além disso, se utilizado algum critério ponderativo que assistiu o juiz quando da
ocorrência de conflito normativo, deve este também ser apresentado de forma satisfatória.
Sobre todas estas determinações, restará a observância essencial da conformação com
sistema constitucional, inclusive com o dever de boa-fé frente a decisão judicial, corroborando
com a cooperação e economia processual.
É possível perceber que, apesar da produção legislativa brasileira não ter dado indícios de
desaceleração, tende-se à cultura do common law, sendo lançados instrumentos que, através do
novo Código de Processo Civil, ensejam o dever de uniformização dos posicionamentos do Poder
Judiciário, promovendo, sobretudo, a segurança das relações jurídica e econômica, a partir de
uma perspectiva única de justiça, depreendendo-se que “(...) o juiz, ao emitir uma decisão, tem o
dever de proclamar não a própria vontade, que pode até ser diversa, mas sim a vontade do Estado,
que ele naquele momento personifica e representa” 255.
A conformação do sistema de precedentes a partir do Código de Processo Civil de 2015,
com a observação dos princípios trazidos pela Carta Magna, possibilitarão a fixação de
entendimentos uniformes a respeito de questões similares, ensejando a criação/aplicação dos
precedentes judiciais.
Para que isso ocorra de maneira eficiente, o dever de fundamentação deve posicionar-se
no sentido de impedir arbitrariedades que impossibilitam a realização do que vem se pregando a
respeito da colaboração para se firmar um sistema de precedentes. Assim, tanto as partes como o
juiz e o Poder Judiciário em geral deverão trabalhar no sentido de ensejar atitudes que
caracterizem a criação de uma moldura atinente a um sistema em desenvolvimento. Para tanto,

255
PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da Sentença Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 75.
73
deverá haver a efetiva execução do corolário do contraditório, fundado na garantia de uma
melhor organização socioeconômica através da segurança jurídica, baseando-se esta na
perspectiva significativa do giro ontológico-linguístico, que possibilita a mediação de conceitos a
partir da intersubjetividade.
Impossível a realização de um sistema de precedentes quando não há preocupação com a
natureza das decisões judiciais tomadas, tendo em vista que estas são a essência de qualquer
sociedade que vise a uniformização da jurisprudência e, consequentemente, estimula a vinculação
da aplicação do ordenamento jurídico em detrimento da decisão contida na consciência de cada
julgador.
Partindo da perspectiva da obrigatoriedade da observância do artigo 489 do Código de
Processo Civil, será criada uma base sólida que vinculará a obediência à lei, vez que não serão
admitidas decisões marginais ao sistema que estará em criação.
Embora ainda distantes de uma estabilidade jurisprudencial, verifica-se os esforços
realizados no sentido de conceder à decisão judicial racionalidade, fruto de uma comunidade
argumentativa de trabalho256, com o objetivo de evitar deturpação do labor jurisdicional contido
na Constituição.
Assim, como objetivo deste trabalho, restou apresentada a importância do dever de
fundamentação que magistrado possui para submeter a sua atuação aos mandamentos
constitucionais em detrimento do determinismo dos conceitos de sua própria consciência,
impulsionando o fortalecimento do sistema de precedentes para delimitar o ativismo judicial.

256
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; AREHHART, Sérgio Cruz. Novo Código de Processo Civil
Comentado. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 590.
74
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