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Qual o potencial da atividade com caixas-pretas no ensino e

aprendizagem de Geometria plana a partir de uma visão semiótica?

Rodrigo Yuji Hirata Sato

Resumo
Neste trabalho analisa-se o potencial da atividade com caixas-pretas baseando-
se na experiência pessoal da aula 12 do curso de Educação Matemática e
Tecnologia que ocorreu no dia 18 de setembro de 2019. Irão ser discutidas as
vantagens da utilização de softwares de geometria dinâmica para investigação
Matemática e a consolidação da aprendizagem de geometria plana através da
conversão de diversos registros em registros distintos, sob uma perspectiva
semiótica. A análise mostra que há grandes vantagens em se utilizar recursos
que permitem o manuseio de geometria dinâmica para a verificação de teoremas
e reprodução das mesmas caixas-pretas.

Palavras-chave: caixas-pretas, geometria dinâmica, semiótica

What is the potential of the black box activity in the process of teaching
and learning of flat Geometry from a semiotic view?

Abstract
This work analyze the potential of the black box activity based on personal
experience in the 12th class of the Educação Matemática e Tecnologia course
that happened on the 18th of September of 2019. It will be discuss the advantages
of the use of dynamic geometry softwares to do mathematical search and the
consolidation of the plane geometry learning through the conversion of several
records into distinct records, under a semiotic perspective. The analyze shows
that there are great advantages to using resources that allows the handling of
dynamic geometry to examination of theorems and reproduction of the same
black boxes.
Key words: black box, dynamic geometry, semiotic

1. Introdução
Na disciplina de Educação Matemática e Tecnologia várias propostas de
atividades, envolvendo softwares que são comumente utilizados na Educação
Matemática, foram apresentadas aos alunos do curso. Uma dessas atividades
foi a criação de caixas-pretas no GeoGebra, software de Geometria dinâmica,
que são botões que a partir de configurações pré-determinadas cria figuras
geométricas de mesmo padrão.
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Essa aula foi realizada no dia 18 de setembro, no qual foram


disponibilizados 4 links, cada um possuindo uma caixa-preta distinta. O primeiro
desafio dos alunos era reconhecer qual era o padrão geométrico que estava
ocorrendo em cada uma das caixas-pretas.
A caixa-preta 1 (Figura 1) consistia no comando que, ao clicar em
qualquer quadrilátero, criava um paralelogramo a partir dos pontos médios do
quadrilátero anterior. Já a caixa-preta 2 (Figura 2) construía um quadrilátero
qualquer a partir de 3 pontos quaisquer, e inscrito a este quadrilátero é criado
um losango. A caixa-preta 3 (Figura 3) possui uma ideia semelhante a anterior,
construindo um quadrilátero a partir de 3 pontos quaisquer, mas diferentemente
da caixa-preta 2, a figura criada inscrita ao quadrilátero é um retângulo. E por
último, a caixa-preta 4 (Figura 4) que é a combinação da caixa-preta 2 e da caixa-
preta 3, ou seja, a partir de 3 pontos quaisquer constrói-se um quadrilátero
qualquer com um quadrado inscrito a ele.

Figura 1: caixa-preta 1
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Figura 2: caixa-preta 2

Figura 3: caixa-preta 3
4

Figura 4: caixa-preta 4

Depois de reconhecidos os padrões, o próximo desafio era construir cada


uma das caixas-pretas da mesma forma que foram apresentadas, utilizando a
opção de criar uma nova ferramenta no Menu > Ferramentas > Criar uma Nova
Ferramenta. E por fim, explicar porque as características das caixas-pretas eram
válidas sempre, a partir de teoremas de Geometria plana.

2. Fundamentos teóricos
Com o avanço da tecnologia, são cada vez mais notáveis os benefícios
que podemos obter se utilizarmos de forma consciente as novas tecnologias que
se apresentam e se tornam cada vez mais acessíveis a todos. O ensino de
Geometria é um dos campos da Matemática que mais obteve benefícios com as
novas tecnologias, isso se deve pela Geometria Dinâmica, pois segundo Basso
e Notare,
Em ambientes de GD, é possível alcançar um nível elevado de
realismo para representar diferentes objetos matemáticos, pois
oferecem a possibilidade de manipulação direta de construções
geométricas, que permitem visualizar conceitos de geometria a
partir do estudo de propriedades invariantes dessas construções
enquanto seus componentes são movimentados na tela. (BASSO,
NOTARE, p.5, 2015)
E é a partir da manipulação das representações dos objetos matemáticos
no GeoGebra que irão permitir que os alunos tenham uma melhor visualização
da Geometria plana, que nem sempre é tão clara a todos os alunos.
Segundo A teoria dos Registros de Representação Semiótica de Duval,
quando somos capazes de mobilizar simultaneamente dois ou mais registros de
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representação distintos realizamos um congruência. Na semiótica de Duval há


alguns termos importantes que devem ser verificados, são eles o tratamento,
conversão, congruência, semiosis e noesis.
Tratamento é quando realizamos a transformação de uma representação
semiótica em outra representação, mas ainda no mesmo registro. Por exemplo:
10 5
5 = 2 + 3 = 2 = 𝑙𝑜𝑔232 = √25 = 𝐶51 = ( ). Todas estas representações do
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número 5 estão nos registros algébricos.
Conversão é quando realizamos a transformação de uma representação
em outra representação, mas de um registro diferente. Como:

𝑓(𝑥) = 𝑥 + 2 ↔
Já semiosis é a apreensão ou reprodução de qualquer representação
semiótica, ou seja, quando representamos um objeto matemático através de um
signo (equação, gráfico, tabela, etc).
E por último, noesis, é a apreensão conceitual do objeto matemático, ou
seja, quando é possível afirmar que ocorreu a aprendizagem. É importante
enfatizar que não é possível haver noesis sem semiosis, por isso devemos
trabalhar com diversas representações de diversos registros diferentes.

3. Análise da atividade
O primeiro contato com as caixas-pretas foi uma surpresa, pois apesar de
já estar familiarizado com o software GeoGebra, era uma novidade a criação de
uma ferramenta capaz de realizar um comando completo. Após o primeiro
momento de familiarização com a nova ferramenta, surgiu o primeiro desafio da
atividade: entender o que estava sendo criado com a nova ferramenta.
A primeira caixa-preta formava novos quadriláteros, ou o que
acreditávamos ser apenas quadriláteros, a cada clique do mouse. Se
clicássemos no mesmo quadrilátero repetidas vezes, não eram formados
quadriláteros menores em relação ao criado, em vez disso, o quadrilátero criado
se escurecia, como se outros quadriláteros estivessem se sobrepondo a ele. E
esta é uma das vantagens da geometria dinâmica, a possibilidade de manusear
com as figuras, esperar que algo aconteça e não acontecer, ou as sutis
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diferenças serem notadas, como o escurecer de uma figura devido a


sobreposição de figuras.
O segundo desafio foi procurar enxergar os padrões que poderiam ser
observados nos diversos novos quadriláteros sendo formados. Se clicássemos
nos novos quadriláteros formados, cada vez mais iam surgindo novos
quadriláteros menores, inscritos aos quadriláteros “antigos”. Mais ainda, a partir
do quarto quadrilátero da figura, estes quadriláteros começavam a se repetir em
quadriláteros semelhantes, sempre num intervalo de dois quadriláteros. O
segundo quadrilátero era semelhante ao quarto, que era semelhante ao sexto,
enquanto o terceiro quadrilátero era semelhante ao quinto, que era semelhante
ao sétimo. Apenas o primeiro quadrilátero não se repetia sempre. Então ai estava
um padrão a ser investigado pelos alunos. Podíamos alterar o primeiro
quadrilátero como quiséssemos, mas as semelhanças se mantinham.
A partir disso surge a segunda descoberta, onde estão localizados os
vértices de cada quadrilátero em relação ao anterior? E intuitivamente se
observava que cada novo quadrilátero tinha seus vértices no ponto médio dos
lados do quadrilátero formador. Bom, intuitivamente verificávamos isso, mas
como poderíamos provar esta afirmação? E é nesse momento que mais uma vez
a geometria dinâmica mostrou suas vantagens. Era possível encontrar o ponto
médio entre dois vértices do primeiro quadrilátero com a ferramenta “Ponto
Médio ou Centro” e enxergar que um dos vértices do novo quadrilátero
aparentemente estava localizado no ponto médio, como previsto. Mas o
GeoGebra possui pontos grandes, que podem facilmente enganar a localização
do ponto médio em relação ao vértice, porém é nesse momento que a geometria
dinâmica se destaca, pois podemos movimentar os pontos do primeiro
quadrilátero livremente, alterando o ponto médio e a posição dos vértices do
segundo quadrilátero, mas sempre observando que ambos continuam juntos.
Segundo Basso e Notare (2018, p.2) “o dinamismo e a estabilidade
proporcionados pelos ambientes de geometria dinâmica permitem aos
estudantes explorar, testar, analisar e conjecturar hipóteses sobre uma dada
situação geométrica.”
Agora sabemos que os quadriláteros formados são paralelogramos, a
partir do Teorema da Base Média do Triângulo, pois se traçarmos as diagonais
do primeiro quadrilátero, formamos triângulos nos quais podemos aplicar o
teorema e verificar que os lados opostos são congruentes e paralelos, devido ao
Teorema de Tales. Dessa forma, partimos de um registro gráfico de geometria
plana e chegamos a um registro teórico, realizando uma conversão segundo
Duval. O mais comum de ocorrer no ensino da geometria plana é partirmos do
registro teórico dos teoremas e aplicarmos nos registros gráficos das figuras, que
nem sempre são palpáveis aos alunos.
E por fim, depois de descobrirmos tudo o que acontecia na misteriosa
caixa-preta, foi a hora de reproduzir a mesma, baseado em todas as descobertas
e conversões realizadas. O primeiro passo foi criar um quadrilátero qualquer,
depois determinar os pontos médios de cada lado do quadrilátero e por fim criar
um paralelogramo com vértices nos pontos médios criados. E o último desafio
foi entender como criar uma ferramenta. Nesse ponto é bem importante definir
bem como você criou cada elemento, pois se os pontos médios dependerem dos
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vértices do primeiro quadrilátero, a ferramenta dependerá dos vértices do


primeiro quadrilátero e não do quadrilátero em si.
Analogamente foram realizadas as construções das demais caixas-
pretas, o processo de compreensão utilizando a geometria dinâmica e a
conversão dos diversos registros seguiram as mesmas ideias da primeira caixa.
Iremos discorrer brevemente apenas as particularidades da construção de cada
uma delas.
A segunda caixa-preta criava, a partir de três pontos quaisquer, um
quadrilátero com um losango inscrito a ele. Como se trata de um losango, ou
seja, um paralelogramo com todos os lados congruentes, o objetivo era criar um
quadrilátero que possuísse diagonais congruentes, para que a partir do Teorema
do Base Média garantíssemos que todos os lados fossem congruentes. Como
se tratava apenas de três pontos, definiu-se primeiro um segmento BC e um
ponto A fora deste. Traçou-se o ponto médio do segmento BC e, com a
ferramenta compasso, desenhou o círculo com centro em A e raio BC. Traçou-
se uma reta que passa por A e o ponto médio criado e na intersecção desta reta
com o círculo marcou-se o ponto D, que seria o quarto vértice do primeiro
quadrilátero. Garanto assim, que o paralelogramo criado a partir dos pontos
médios, como a caixa-preta 1, será sempre um losango.
Já a terceira caixa-preta criava, também a partir de três pontos quaisquer,
um quadrilátero, mas dessa vez com um retângulo inscrito a ele. Um retângulo
é um paralelogramo cujos ângulos internos são todos iguais, ou seja, 90º. De
forma análoga à caixa-preta 2, criamos um segmento BC qualquer e um ponto A
fora deste. Como queremos criar um retângulo, as diagonais deste quadrilátero
devem ser perpendiculares, logo, a partir do ponto A, traçamos a reta que passa
por A e é perpendicular ao segmento BC, e definimos um ponto D qualquer
pertencente a esta reta. Feito isso, criamos o primeiro quadrilátero com vértices
A, B, C e D. E com a mesma ideia da caixa-preta 1, criamos um paralelogramo
inscrito ao primeiro quadrilátero. Como criamos o quadrilátero de forma que suas
diagonais sejam sempre perpendiculares, garantimos que os ângulos do
paralelogramo criado serão sempre congruentes.
E a última caixa-preta criada, como as caixas-pretas 2 e 3, também
dependia de três pontos quaisquer formando um quadrilátero qualquer com um
quadrado inscrito a ele. De maneira análoga e combinando os passos de criação
das caixas-pretas 2 e 3, criou-se a quarta caixa. Que dependia das diagonais do
quadrilátero serem congruentes e perpendiculares, já que garantiam que os
lados e os ângulos internos do paralelogramo inscrito seriam todos congruentes.

4. Considerações finais
É muito claro a vantagem de se ensinar Geometria Plana tendo como
ferramenta a geometria dinâmica. O objeto matemático sempre é abstrato, mas
possui representações em diversos signos diferentes. Na Geometria,
principalmente, onde as representações são mais visuais há muitas incertezas
se o resultado obtido é o correto. Em representações semióticas algébricas, com
um simples tratamento de diferentes representações algébricas é possível
confirmar se o que está sendo proposto é correto. Enquanto na geometria cria-
se uma incerteza, pois nem tudo o que aparenta ser está correto e nem tudo o
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que está correto aparenta estar de acordo com o imaginado. Um dos principais
empecilhos é a estaticidade das figuras em 2D, não permitindo a modelação, a
palpação dos alunos nos signos apresentados a eles. E é nesse incômodo maior
que a geometria dinâmica se mostra superior ao permitir que se verifique
teoremas, mesmo alterando tamanhos, ângulos, posições, tudo o que pode-se
ser alterado sem mudar as diretrizes principais dos teoremas. Ela também
permite, como visto na análise, a investigação por parte do indivíduo, já que só
através da manipulação das figuras foi possível criar hipóteses e verificar
padrões, manipulando assim diversos registros semióticos e consolidando a
aprendizagem da Geometria plana.
5. Referências

BANDT, C. F.; DIONIZIO, F. A. Q. O CAMINHO PERCORRIDO PELA


SEMIÓTICA E A IMPORTÂNCIA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO
SEMIÓTICA PARA A APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA. Seminário de
Pesquisa em Educação da Região Sul, 2012. Disponível em:
http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFil
e/2866/264

BASSO, M.; NOTARE, M. R. Pensar-com Tecnologias Digitais de Matemática


Dinâmica. RENOTE. V.13, n.2. 2015. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/renote/article/view/61432/36324 Acesso em: 29
nov 2019.

BASSO, M.; NOTARE, M. R. Argumentação e Prova Matemática com


Geometria Dinâmica. RENOTE. V.16, n.1. 2018. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/renote/article/view/86021/49384 Acesso em: 29 nov 2019.

DUVAL, R. Registros de Representações Semióticas e funcionamento


cognitivo da compreensão em Matemática. In: MACHADO, S. D. A. (Org).
Aprendizagem em matemática: registros de representação semiótica. 4ª ed.
Campinas, SP. Papirus, p.11-33, 2003, ISBN 85-308-0731-6.

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