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5.

Último capítulo

Munido dos conceitos de significado como uso, semelhanças de família, análise


gramatical e jogos de linguagem, desejo mostrar que o modo que os filósofos têm utilizado
Wittgenstein para responder à pergunta da determinação ou indeterminação das regras
jurídicas está fundamentalmente incorreto pois eles ignoram o caráter terapêutico das
Investigações Filosóficas. Se desejamos levar realmente a sério a ideia de que o papel da
filosofia é o de mostrar à mosca a saída da armadilha de insetos (IF, 309), de que o filósofo
trata de uma questão filosófica como se trata de uma doença (IF, 255) e de que a filosofia
seria uma luta contra o enfeitiçamento de nosso intelecto pelos meios de nossa linguagem (IF,
109) é preciso questionar o que nos leva a questionar em primeiro lugar. O resultado deste
questionamento não é uma resposta positiva ou afirmativa, mas o desaparecimento da
pergunta e, espera-se, os mal-entendidos e inquietações subjacentes à sua formulação.

Para tanto, é preciso pensar no porquê de a questão da determinação ou indeterminação


das regras parecer suficientemente relevante para ser continuamente levantada. Pois é uma
questão que ocupa não somente os filósofos, mas também os juristas envolvidos na prática
forense, ainda que o comportamento destes últimos em relação à pergunta seja completamente
diferente do comportamento destes últimos. Um advogado pode reclamar em sua contestação
sobre “a não-observância à norma X”, pode apontar para certas regras processuais e requerer a
extinção de um processo, pode chamar de teratológica a sentença de um juiz de primeira
instância e requerer a sua reforma pelo tribunal.

Pois bem. A discussão a ser travada durante esta seção tem como ponto de partida e até
mesmo o seu sumário mais básico no seguinte parágrafo retirado de Sobre a Certeza:

“All testing, all confirmation and disconfirmation of a hypothesis takes place already
within a system. And this system is not a more or less arbitrary and doubtful point of
departure for all our arguments; no, it belongs to the essence of what we call an
argument. The system is not so much the point of departure, as the elements in
which arguments have their life.” (SC, 105)

5.2.

Se um jurista pudesse falar, poderíamos compreendê-lo?

Para tornar-se um juiz, um advogado, um promotor, um servidor ou praticar qualquer


outra profissão ligada ao direito é preciso passar por um treinamento. Este treinamento ocorre
em diversos níveis de intensidade e formalismo, divergindo drasticamente a depender das
circunstâncias. Para se tornar um analista judiciário basta um diploma de ensino médio e a
aprovação em um concurso público: neste caso, podemos dizer que uma parte importante do
treinamento do concursado foi resolver questões de concursos passados, ler apostilas, assistir
a vídeo-aulas produzidas com o intuito específico de ajudar alguém a passar em uma prova,
etc. Um policial militar, após ser nomeado, terá aulas de direito durante a sua formação na
corporação. Mesmo quem ocupa um cargo comissionado, desde que deseje exercer as suas
funções e não ser um mero funcionário fantasma no gabinete de uma autoridade qualquer, terá
que aderir a certos padrões de cobrança e precisará interagir com operadores do direito.

O caso paradigmático da educação jurídica, é claro, nos é provido pelo ensino superior,
gestado no seio de um sem-número de instituições, sejam elas particulares; públicas;
tradicionais; recém-criadas; focadas em pesquisa, ensino e extensão ou focadas na
distribuição de diplomas, etc. Durante a experiência universitária, o aluno será obrigado a
lidar, em maior ou menor medida, com profissionais do direito, será submetido a provas orais,
provas escritas, trabalhos escritos e a aulas de direito constitucional, processual, penal, civil.
Compartilhará o mesmo espaço pedagógico com dezenas de outros alunos em posição
semelhante a sua, e com eles desenvolverá novos meios de convivência, de tratamento. Além
disso, sem dúvidas desejará fazer um estágio em um escritório ou órgão público qualquer afim
de preparar-se para a entrada no mercado de trabalho e “aprender como se faz na prática”.
Aprenderá certos slogans que serão levados ao fim de sua vida: as normas constitucionais são
hierarquicamente superiores às normas infraconstitucionais, o duplo grau de jurisdição é um
direito fundamental, ninguém deve ser julgado por tribunais ad hoc, o processo é o meio de
prestação jurisdicional por excelência, é vedado o non liquet,

Todo este processo de treinamento abrirá àquele que se deixa levar por seus caminhos, a
uma nova Lebensform no sentido wittgensteiniano, implicando a criação, exclusão e

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