Você está na página 1de 11

Aplicação de Conceitos Neo-Schumpeterianos em Frameworks Utilizados Para

Desenvolvimento de Sistemas de Informação


Autoria: Fernando Almeida Barbalho, Luiz Guilherme de Oliveira

Resumo
O presente artigo compara alguns conceitos trabalhados pela escola neo-
schumpeteriana com o que é prescrito pelo Rational Unified Process (RUP) e Capability
Maturity Model Integration (CMMI), dois dos principais frameworks utilizados nas
organizações que desenvolvem sistemas de informação. Para estudo foram selecionados os
seguintes conceitos: rotina, cumulatividade, conhecimento explícito e tácito e aprendizagem
pelo uso. O trabalho aponta que a adoção das recomendações de ambos modelos de processos
trazem por extensão a implementação de todos os conceitos focados neste artigo. Em
conclusão, infere-se que a preocupação com processos de produção, num setor essencialmente
inovador como o de desenvolvimento de software, não pode ser restrita apenas aos gerentes
de projeto. Processos bem definidos e coordenados podem representar a manutenção da
estratégia competitiva da organização.

Introdução
Os estudos de autores neo-shumpeterianos são focados prioritariamente sobre os
processos de inovação. São abordagens heterodoxas de microeconomia que procuram
observar os impactos das mudanças técnicas sobre a evolução econômica. Diversos elementos
multi-disciplinares são trazidos à tona, levantando dessa forma a relevância de aspectos
comportamentais das organizações para a agregação de inovações a produtos e processos.
Nesse sentido, surgem conceitos como rotina, cumulatividade, aprendizagem pelo uso,
conhecimento explícito e tácito, entre outros, cujas aplicações trazem influências sucessivas
para a organização, o ramo e a macro-economia de um país.
Este estudo investigará a aplicabilidade destes conceitos sobre o setor de
desenvolvimento de sistemas de informação. O foco será a procura de evidências destes
conceitos em dois dos principais frameworks de gestão e de engenharia de software que são
amplamente adotados pelas organizações que desenvolvem esse tipo de produto. Justifica-se
essa opção de estudo principalmente por investigar um setor que expande sua influência para
todos os outros setores da economia (PEREIRA, 1996), que apresenta preocupações
relevantes sobre maturidade de processos e que, dadas as características de seus produtos,
revela-se como um forte gerador e alavancador de inovações.
Além desta introdução e das conclusões finais, o artigo é composto por mais quatro
seções, além das conclusões. Logo na seqüência será feita uma revisão dos conceitos neo-
schumpeterianos que serão explorados neste estudo. A terceira seção abordará as principais
características dos frameworks selecionados. A metodologia utilizada será apresentada na
seqüência. Para gerar elementos para as conclusões serão identificados os cruzamentos
existentes entre os conceitos neo-schumpeterianos e as implementações dos frameworks .

1. Revisão dos conceitos neo-schumpeterianos: rotina, cumulatividade,


conhecimento explícito e tácito
A teoria evolucionária, segundo a qual as organizações tais como os seres-vivos
passam por um processo de seleção e evolução, é a guia que conduz os debates neo-
schumpeterianos. Utilizando como referência uma taxonomia elaborada por Hodgson (1999,
apud Oliveira, 2005) com vistas ao enquadramento da abordagem evolucionista, as inovações
relacionadas ao desenvolvimento de sistemas de informação se enquadrariam na célula

1
genético-filogenético-Não consumado. Esse agrupamento se caracteriza pelas firmas cujos
processos de inovação são contínuos, com modificações sendo observadas constantemente.
Nelson e Winter (2005), dois dos principais nomes da teoria evolucionária,
apresentam preocupações sobre comportamentos organizacionais, ao trazer para o debate
questões renegadas pela teoria ortodoxa tais como rotinas, cumulatividade, habilidades,
conhecimentos tácitos, entre outros. Nesse sentido, também são importantes as contribuições
de Dosi (2006) e Rosemberg (2005) no que diz respeito ao debate sobre trajetória tecnológica,
apropriabilidade e aprendizado pelo uso.
A aplicabilidade da teoria neo-schumpeteriana se revela na incessante busca das
organizações no sentido de incorporarem as melhores práticas observadas no mercado. A
partir dessa dinâmica, é fomentada toda uma gama de modelos de gestão que enfocam rotinas,
conhecimento tácito e explícito, custos e projetos numa perspectiva de cumulatividade e
coordenação entre sub-processos. Frameworks importantes no mercado como ISO9000,
PMBOK, BSC, CMMI e 6 Sigma, entre outros, guardam estreita relação com os conceitos
trabalhados pelos autores.
Especificamente para este trabalho será feita uma revisão ao longo dos próximos
parágrafos sobre os seguintes conceitos: rotina, cumulativade, aprendizagem pelo uso e
conhecimento explícito e tácito.

Rotina
A princípio, pode-se observar que a rotina é um conceito fundamental para a teoria
evolucionária, uma vez que está a montante ou a jusante de outros conceitos também
trabalhados pela teoria, em particular daqueles que serão explorados neste trabalho. Nelson e
Winter (2005) consideram que as regras de decisão estão muito próximas das técnicas de
decisão. Daí a importância de se estudar os padrões comportamentais regulares e previsíveis
das firmas. Na teoria apresentada, as rotinas assumem a contrapartida biológica dos genes. As
semelhanças estariam no fato de as rotinas apresentarem características persistentes que
determinam o comportamento possível, que são num certo sentido hereditárias, na medida em
que os organismos futuros guardam semelhanças com os atuais e são selecionáveis já que
organismos com certas rotinas podem ser mais eficazes que outros, aumentando assim sua
participação na população de firmas.
Ainda segundo Nelson e Winter (2005) a rotina exerce diversos papéis na inovação. O
primeiro a ser destacado pelos autores é o de memória da organização. Os autores sugerem
que a rotinização das atividades é a forma mais importante de acumulação de conhecimentos
próprios da organização. Tendo em vista que as habilidades dos agentes são circunscritas às
suas atividades particulares, deve existir uma coordenação para viabilizar que os diversos
conhecimentos tácitos de uma organização sejam integrados. A coordenação, juntamente com
a prática, habilitam e vinculam as operações rotineiras ao lembrar fazendo. O segundo papel é
a rotina como viabilizadora de tréguas nos conflitos intra-organizacionais. O entendimento ex-
ante das funções de cada membro da organização gera um conjunto de diretrizes que
disciplinam as disputas fomentando de todos os lados interesses para que o status-quo seja
mantido. O terceiro papel da rotina é o de norma ou meta. Deriva-se das metas as noções de:
i) controle, exercido através da seleção, modificação e monitoramento de insumos; ii) cópia
de padrões viáveis de atividades produtivas; iii) busca de novas rotinas em substituição a
outras obsoletas; e iv) imitação de rotinas de outras firmas.
Teece (2005) chama a atenção para resultados de estudos e pesquisas que indicam a
relevância dos processos e rotinas para a determinação das diferenças das competências das
empresas. Nesse sentido, percebe-se que a implementação de processos coordenativos geram

2
impactos em variáveis de desempenho como qualidade, custo e prazos de execução. Sob a
perspectiva dos indivíduos que compõem as organizações, o autor contribui para ratificar o
entendimento de Nelson e Winter sobre o papel da rotinização, ao indicar que o aprendizado é
influenciado positivamente pela repetição e experimentação na medida em que as tarefas
passam a ser melhor e mais rapidamente executadas.
Algumas aplicações específicas das rotinas são indicadas por outros autores.
Especificamente para o contexto de desenvolvimento de software, Davies e Hobday(2005)
apontam que processos bem definidos têm sua importância na medida em que provêem tanto
um mapa útil para compleição do projeto, como também uma série de passos lógicos, tais
como levantamento de requisitos e detalhamento de projeto.

Cumulativade

A cumulatividade é um conceito estreitamente relacionado ao de rotinas. Conforme já


indicado, Nelson e Winter(2005) creditam às rotinas a memória da organização. Essa
memória, por sua vez, relaciona-se com a cumulatividade, ou seja, a manutenção do
conhecimento próprio da empresa. No modelo da Teoria Evolucionária, elaborada pelos
autores, são realizadas várias rodadas de simulações que tratam da busca e seleção de rotinas
que melhor se adequam às estratégias da organização. Nessas simulações a cumulatividade
representa um papel relevante. Ela é a única variável que guarda conexão entre as rodadas,
dado ao fato de que os desenvolvimentos presentes sobre uma tecnologia representam um
padrão mais elevado para o sucesso dos esforços futuros. Em última análise, o produto das
buscas correntes implica em um aumento de conhecimento que fomentará novos blocos
construtores num momento posterior.
As transformações ocorridas nas organizações não ocorrem de forma abrupta. Tal
como no modelo evolucionário de Darwin, nas organizações há incrementos simples em
relação a um estágio anterior de forma que há uma relação de causalidade em cada passo do
processo evolutivo. Ao final, a trajetória evolucionária não é aleatória, dada a complexidade
do produto final quando comparado ao ponto de partida. (Dawkins 2001, apud Oliveira,
2005).
A importância da cumulatividade também pode ser extraída a partir da leitura de Lall
(1996). O autor destaca que as empresas conhecem melhor sua própria tecnologia, menos as
tecnologias similares de outras empresas e muito pouco das opções distintas, mesmo dentro
do mesmo setor. As evoluções tecnológicas das corporações operam em torno de um ponto
onde as mesmas se reconhecem. Nesse processo as empresas utilizam seus próprios esforços,
experiências e habilidades.

Conhecimento explícito e tácito

O conhecimento tácito e a sua contraparte, o explícito, têm sua relevância na teoria


evolucionária a partir do paralelo feito por Nelson e Winter (2005) entre as habilidades
individuais e as rotinas. Eles propõem que a compreensão da função de uma rotina numa
organização pode ser obtida a partir das considerações sobre o papel das habilidades no
funcionamento dos indivíduos. Uma vez que as habilidades internalizam um grande
componente de conhecimento tácito, ou seja aquele que não pode ser ou não está
externalizado, há um limite para a articulação das capacidades da organização.
Nelson e Winter (2005) e outros autores neo-schumpeterianos trazem em suas obras
dois aspectos importantes e bastante similares entre si que tratam da relevância do

3
conhecimento tácito. O primeiro é a difusão de tecnologia. Kim (2005) destaca que no geral a
contratação de pessoal técnico de outras empresas promove a introdução de novos
conhecimentos tácitos, enriquecendo a base tecnológica da empresa o que as torna capacitadas
para desenvolver tarefas que antes estavam acima de sua competência. O segundo é a cópia,
ou seja, replicação de um modus-operandi, endógeno ou exógeno à organização e a difusão de
tecnologias. De acordo com Teece (2005) o conhecimento produtivo não é transmissível pela
simples troca de informações, à exceção dos casos em que o conhecimento relevante já esteja
em sua totalidade codificado e entendido. As replicações na maioria dos casos envolverá a
transferência de pessoas, a menos que sejam feitos investimento de conversão dos
conhecimentos tácitos em explícito.
Também para Nelson e Winter(2005), o conhecimento tácito é fator fundamental para
o sucesso na cópia de rotinas entre duas firmas. Os autores indicam que pela lógica da teoria
evolucionária, uma firma tem vantagens ao utilizar seus recursos na tentativa de replicar em
uma escala maior uma rotina já testada e aprovada. Tal vantagem é evidenciada quando
comparada com as dificuldades em fazer algo diferente daquilo que já se conhece. Os autores
defendem que o uso de modelos torna possível essa reprodução a partir do momento em que o
sistema é decomposto em funções para as quais indivíduos serão treinados por outros mais
experientes. Os obstáculos a essa abordagem surgem em situações em que o elemento tácito
do conhecimento que precisa ser passado de um indivíduo a outro se torna relevante.
Particularmente quando as habilidades envolvidas são complexas, com o componente tácito
adquirido após anos de experiência.
A preocupação com o conhecimento tácito é especialmente válida no contexto de
desenvolvimento de software em ambiente de alta complexidade onde é comum os processos
racionais previstos pelas organizações encontrarem dificuldades de se efetivar dada a
instabilidade de requisitos dos projetos. Nesse sentido, gestores de projetos e engenheiros de
sistemas com elevada experiência passam a se valer de seus conhecimentos tácitos nas tarefas
de orientação das equipes e de definição de questões relevantes relacionadas a requisitos e
arquitetura de sistemas (Davies e Hobday, 2005)
Em se tratando de conhecimento explícito, além da relevância da necessidade de se
codificar o conhecimento interno das organizações, é importante também o processo de
decodificação do que ocorre no ambiente externo. Para Katz (1996) a percepção do que ocorre
na fronteira tecnológica e a capacidade de decodificar as informações são variáveis que
podem influenciar a estratégia tecnológica das empresas. Segundo o autor, os conhecimentos
técnicos e de engenharia se difundem por diversos meios, destacando os sucessos comerciais,
as publicações científicas e tecnológicas e as patentes. É papel dos técnicos e engenheiros
adaptarem tais conhecimentos para as suas necessidades particulares.
No contexto de desenvolvimento de software, o conhecimento explícito é
particularmente reconhecido pelos engenheiros de software no momento de levantamento de
requisitos. Essa fase do processo de desenvolvimento costuma ser a que mais traz riscos para
o projeto como um todo e é onde há mais necessidades de documentação. Daí, portanto, o
esforço das equipes em procurarem utilizar corretamente as ferramentas que possibilitem uma
boa gestão dessa documentação (Davies e Hobday, 2005)

Aprendizagem pelo uso


Ao pesquisar o comportamento de aprendizagem da indústria aeronáutica, Rosemberg
(2005) procurou estabelecer diferenciações entre as aprendizagens que um dado produto pode
oferecer. Uma primeira possibilidade é a que ocorre no momento do processo de produção
(learning by doing) que consiste no desenvolvimento de crescentes habilidades de produção.

4
A segunda é a que está relacionada aos ganhos gerados como resultado do uso subseqüente do
produto (learning by using).
Segundo o autor existem dois tipos distintos de conhecimento útil que podem ser
extraído do aprendizado pelo uso, o incorporado e o não-incorporado. O primeiro acontece em
virtude do fato das primeiras experiências com uma nova tecnologia conduzem a um melhor
entendimento das características específicas de um projeto, levando a aperfeiçoamentos. Isso
ocorre principalmente dado à constatação de que um projeto ótimo freqüentemente envolve
iterações, ou seja, entregas intermediárias dentro de um processo de desenvolvimento que
permitem o uso dos produtos antes que sejam completados. O segundo tipo de aprendizado, o
não-incorporado, não requer modificações no design do equipamento, mas traz novas práticas
que aumentam a sua produtividade.
Apesar de Rosemberg ter observado tais possibilidades de aprendizagem na indústria
aeronáutica, essa é também uma característica de implementação de projetos intensivos em
Software. Davies e Hobday(2005) mostram que o entendimento correto dos papéis do usuário
final, dos fornecedores e dos desenvolvedores é de fundamental importância para que o
processo seja executado na prática tal como racionalizado. Nesse sentido, todos os loops e
feedbacks que envolvam tais conjuntos de atores devem ser observados como oportunidades
de aperfeiçoamento do processo de desenvolvimento e do produto que está sendo gerado. São
relevantes nesse contexto os testes intermediários realizados pelos usuários a partir de
protótipos, a homologação de requisitos de sistemas e o aperfeiçoamento do relacionamento
entre contratantes e contratados.

2. Metodologia
Este artigo foi produzido a partir de uma pesquisa bibliográfica e documental. Tendo
como base a leitura de obras clássicas sobre inovação, sob a ótica neo-shumpeteriana, foram
selecionados os conceitos que os autores deste artigo julgaram ser implementados nas
atividades de gestão e engenharia de processos de desenvolvimento de software. Em seguida
foi realizada uma leitura em documentos das instituições que provêem as referências do RUP
e CMMI, dois dos principais frameworks adotados pelas organizações que desenvolvem
sistemas de informação. Procurou-se contrastar os conceitos neo-schumpeterianos com as
práticas recomendadas por essas instituições. Ao final elaborou-se uma matriz que demonstra
como cada conceito pode ser encontrado nos frameworks analisados.

3. Principais características dos frameworks RUP e CMMI

A pressão por eficiência e eficácia exercida nas organizações, leva ao surgimento de


frameworks que procuram dar direcionamento aos processos que elas executam. Nesse
sentido são apresentados ao mercado soluções que procuram trazer na sua arquitetura
respostas para gestão de conhecimento, qualidade, agilidade para desenvolvimento de
produtos e economias de escala, entre outras questões que costuma afligir gestores do setores
público ou privado.
Na área de Tecnologia da Informação (TI) essa constatação não é diferente e existem
modelos para os vários processos que estão em torno desse setor. Para a gestão de ativos e
governança são oferecidos o COBIT e o ITIL, principalmente. Para a gestão de terceirização
existe o EsCM. Para o desenvolvimento de produtos, entre outros frameworks, o mercado
oferece RUP, CMMI, XP, MSF, além do PMBOK, que é utilizado também por outras áreas
da economia.
Para este estudo será focado o processo que mais se relaciona com a teoria neo-

5
schumpeteriana, que é o de desenvolvimento de produtos. Por apresentarem uma história mais
consolidada e por terem se desenvolvido especificamente para a área de sistemas e tecnologia
da informação, os referenciais de comparação serão os frameworks : Rational Unified Process
(RUP) e Capability Maturity Model Integration (CMMI). Nos próximos parágrafos seguem as
descrições e caracterizações sumárias dos mesmos.

RUP
O RUP é um processo de engenharia de software focado em disciplinas. Esta
abordagem permite atribuir tarefas e responsabilidades comuns de uma organização de
desenvolvimento de sistemas (Rational, 2001). As principais características relacionadas ao
tema estudado no presente trabalho, são:
- Processo iterativo: o desenvolvimento é realizado de tal forma que versões
intermediárias do produto são entregues para homologação e uso, fornecendo assim
mecanismos rápidos de controle de risco e aprendizagem crescente (Rational, 2001).
- Atribuição de tarefas e responsabilidades: as disciplinas envolvem um espectro
abrangente de preocupações que perpassam por temas como: análise e projeto, requisitos
de produto, gestão de mudanças, testes e ambiente. Na descrição das atividades há uma
preocupação de como os profissionais devem ser alocados aos papéis, informando
inclusive as habilidades requeridas (Rational, 2001).
- Documentação padronizada: Para cada atividade sugerida pelo framework são
indicados modelos de documentação com instruções precisas de como cada informação
requerida deve ser preenchida. A metodologia prevê que alguns documentos sejam
produzidos a partir de ferramentas visuais e com forte apoio de banco de dados (Rational,
2001).

CMMI
Conforme pode ser lido no documento oficial produzido pelo Software Engineering
Institute (SEI), o CMMI provê um guia para ser usado em processos de desenvolvimento
(SEI, 2001). Diferentemente do RUP não se trata de um processo ou descrição de processo. O
foco deste framework é melhorar tanto os processos da organização como também a
habilidade de gerenciar o desenvolvimento, aquisição e manutenção de produtos e serviços
(SEI, 2001). Vale salientar que o SEI, através de agências reconhecidas, certifica as
organizações que atendem às exigências de maturidade propostas no modelo. As principais
características do CMMI que guardam relação com o presente trabalho são:
- Enfoque na maturidade: O CMMI numa abordagem por estágios procura localizar a
organização em um dos seguintes níveis de maturidade (SEI, 2001):
o Nível 1 – inicial, processos são usualmente ad hoc e caóticos.
o Nível 2 – Gerenciado, os projetos da organização têm seus requisitos
gerenciados e os processo são executados, medidos e controlados.
o Nível 3 – Definido, os processos executados através da organização são
consistentes, com exceção daqueles que passaram por adaptações previstas nos
guias.
o Nível 4 – Gerenciado Quantitativamente, a performance do processo é
controlada usando a estatística e outros métodos quantitativos.
o Nível 5 – Otimização, processos são continuamente melhorados baseados no
entendimento quantitativo das causas comuns das variações inerentes aos
processos.
- Áreas de processos abrangentes: As disciplinas ou áreas de processos são focadas de

6
formas distintas a depender do nível de maturidade que se deseja alcançar. Destacam-se as
preocupações com planejamento de projeto, requisitos e gestão de configuração (SEI,
2001).
- Modelo de implementação em componentes: Para cada área de processo há um
conjunto de atributos, isso é, componentes, que ajudam a cercar os problemas trabalhados.
Dessa forma, a organização que deseja se certificar nos níveis de maturidade do CMMI
deve preocupar-se em aderir aos objetivos específicos e genéricos, práticas específicas e
genéricas e produtos de trabalho recomendados (SEI, 2001).

4. Resultados e discussões

Uma leitura atenta das características dos frameworks em contraste com os conceitos
neo-schumpeterianos explorados no presente trabalho, habilita as seguintes interseções:

RUP CMMI
Rotina - O processo iterativo faz com que - A maior evidência da rotina é a
as mesmas atividades sejam preocupação existente nas
repetidas várias vezes durante o organizações que atingem o nível três
desenvolvimento de um sistema. de maturidade em executar de forma
Tal repetição estimula o fazer consistente um mesmo processo de
lembrando e gera a memória da desenvolvimento em toda a
organização. organização. Tal como no RUP são
previstas adaptações desde que se
- A disciplina Ambiente induz a enquadrem dentro dos padrões de
organização a moldar um processo flexibilidade previstos nos chamados
específico por projeto a depender de guias de tailoring.
variáveis, tais como complexidade e
tamanho. Dessa forma, as rotinas - Para cada área de processo existe
são aperfeiçoáveis e adaptáveis a uma meta relacionada a coleta de
cada projeto. Há uma preocupação informação para melhorias. Desta
de buscar melhorias e seleção de forma há uma tendência para que os
práticas mais adequadas a cada processos definidos passem por
situação específica. melhorias contínuas a cada vez que
forem executados.
- A trégua entre os agentes da
organização é facilitada pela - Há ainda preocupações em manter
definição clara dos papéis em cada controle sobre o processo,
atividade a ser executada dentro de procurando-se sempre investigar se o
um processo. as atividades estão sendo cumpridas
conforme descritas. Tal ação além de
disciplinar os atores envolvidos, gera
reflexos positivos sobre qualidade
dos produtos.
Cumulatividade - O processo iterativo prevê que o - De forma similar ao RUP, o CMMI
conhecimento sobre o sistema é possui uma área de processo que trata
adquirido de forma contínua, especificamente de gestão de
sempre se utilizando do legado das configuração, trazendo as mesmas

7
iterações anteriores ou mesmo de características do outro framework.
outros sistemas desenvolvidos.
- Na área de processo Planejamento
- A disciplina gestão de de Projeto, evidencia-se a
configuração contribui na necessidade de se trabalhar com
cumulatividade do conhecimento ao cumulatividade na atividade de
trabalhar com o versionamento dos elaboração de estimativas de custo e
produtos e documentos elaborados duração de tarefas. Os bancos de
ao longo do processo de dados com informações sobre
desenvolvimento. projetos passados permitem a
projeção de valores mais próximos da
- A tecnologia de orientação a realidade.
objetos para a qual é focada o RUP
é fortemente apoiada na reutilização - A disciplina gestão de requisitos
de componentes previamente procura trabalhar com o resgate de
construídos e armazenados em projetos já executados anteriormente
bibliotecas eletrônicas. As na definição das características de
disciplinas de Análise e Projeto novos produtos.
estimulam o constante reuso e
aperfeiçoamento desses - Tal como ocorre no RUP, o CMMI,
componentes. a partir da área de processo
Integração de Produtos, estimula a
utilização de componentes que façam
parte do repertório da organização.
Conhecimento - Ao definir o perfil dos - A área de processo Planejamento de
explícito profissionais que devem Projeto traz a preocupação de
e Tácito desempenhar determinados papéis, identificar na organização as pessoas
o RUP estimula que haja uma maior que tenham as habilidades requeridas
eficácia na alocação das pessoas para os diversos papéis de um
aproveitando ao máximo os seus projeto. Caso não hajam quadros com
conhecimentos tácitos sobre os as competências requeridas, o CMMI
temas que irão lidar no dia-a-dia. recomenda ou a contratação destas
pessoas no ambiente externo ou a
- O desenvolvimento de um sistema contratação de capacitações para o
pode ser encarado como uma público interno.
espécie de replicação da
organização. Neste caso, grande - Tal como no RUP, o CMMI
parte das rotinas que são executadas estimula através da área de processo
serão replicados na forma de Desenvolvimento de Requisitos a
sistema de informação. A disciplina conversão de conhecimento tácito em
de requisitos, através de técnicas explícito.
como entrevistas e observação,
procura capturar os conhecimentos - Tal como no RUP, o CMMI
tácitos em torno das tais rotinas para também induz uma forte produção de
em seguida transformá-los em documentos para todas as áreas de
documentos que possam ser processo, facilitando assim a gestão
referenciados e evoluídos em de conhecimentos explícitos.

8
produtos de software.

- Todas as disciplinas são


fortemente apoiadas em
documentações específicas de
forma que é gerado um repositório
de conhecimento explícito
facilmente acessível.
Aprendizado - O processo iterativo gera versões - O processo de gestão de requisitos
pelo uso intermediárias dos produtos de prevê o tratamento de mudanças
software. Esses produtos ao serem solicitadas pelos usuários ao longo do
usados e homologados geram processo de desenvolvimento. Tal
demandas de aperfeiçoamento ainda como no RUP, muitas vezes essas
no tempo de desenvolvimento. Tais solicitações advêm do uso do produto
solicitações ajudam no melhor e geram um aperfeiçoamento
entendimento das necessidades do gerenciado do que é entregue como
usuário. produto final.
Tabela 1: Comparação das ênfases dos conceitos neo-schumpeterianos nos frameworks CMMI e RUP
Fonte: dados da pesquisa

Conclusões
As organizações que desenvolvem software, de um modo geral preocupam-se em se
alinhar às boas práticas, porém nem sempre conseguem vislumbrar uma cadeia de causa e
efeito que possam relacionar ganhos de qualidade ou produtividade em seus projetos ao
fortalecimento da estratégia competitiva. A realidade observada nos ambientes de
desenvolvimento de sistemas é que freqüentemente os processos bem amarrados e
coordenados são vistos como um mal necessário, já que apesar dos benefícios trazidos,
prolongam os tempos para mercado das soluções em desenvolvimento nos primeiros
momentos de implementação.
Ao fazer o cruzamento entre os conceitos neo-schumpeterianos e as dinâmicas
recomendadas pelos frameworks, percebe-se que tanto o RUP como o CMMI induzem, não
necessariamente de forma consciente, a implementação de rotinas que promovem a
cumulatividade, a gestão de conhecimentos explícitos e tácitos e o aprendizado pelo uso. Essa
constatação é particularmente relevante pelo fato do setor de desenvolvimento de software ser
por essência inovador e não apresentar barreiras de custo relevantes aos novos entrantes. A
institucionalização das recomendações oferecidas pelos modelos de processo pode representar
uma forma das empresas estabelecidas manterem suas trajetórias tecnológicas, já que agregam
um conjunto de condições para a promoção da inovação e/ou imitação bem sucedida.
Como todo processo de mudança, provavelmente a maior dificuldade para se obter
ganhos utilizando o CMMI e o RUP é a institucionalização das recomendações nos processos
produtivos. Observa-se uma grande tendências de as organizações abrirem mão de benefícios
a médio e longo prazo em troca de produtos inseridos mais cedo no mercado. No geral é
necessário um forte patrocínio para que os processos sejam executados de forma consistentes
ao longo do tempo. A realidade porém é que nem sempre os altos administradores estão
dispostos a bancar iniciativas com grandes margens para riscos e conflitos.
Uma limitação deste artigo é que não houve um aprofundamento em campo para
buscar evidências de que as empresas de TI que inovam se utilizam do RUP e CMMI como

9
guias para definição de seus processos. Como sugestão de pesquisa seria interessante uma
busca empírica que buscasse evidenciar a contribuição dos frameworks para os processos de
inovação, bem como quais são eventualmente as restrições que essas ferramentas trazem a
esses mesmos processos.
Apesar da limitação indicada acima, a leitura que o presente trabalho apresenta sobre
os dois frameworks pode ser oportuna já que agrega à compreensão das rotinas de produção
elementos de estratégia competitiva. Em outras palavras, processos, alocação otimizada de
recursos, gestão de conhecimento e melhoria contínua não devem ser preocupações apenas do
“chão de fábrica” das organizações de desenvolvimento de sistemas. O investimento nestas
iniciativas pode representar um passo decisivo nos processo de seleção conforme sugerido
pelos modelos evolutivos dos neo-schumpeterianos.

Referências bibliográficas

DAVIES, A.; HOBDAY, M. The business of projects: Managing innovation in Complex


Products and Systems. Cambridge: Cambridge University Press, 2005

DAWKINS, R. O relojoeiro cego: A teoria da evolução contra o desígnio divino. Ed. Cia das
Letras, SP/SP, 2001

DOSI, G. Mudança técnica e transformação industrial: a teoria e uma aplicação à indústria


dos semicondutores. Campinas: Editora UNICAMP, 2005

HODGSON, G. M.. Economics and Evolution – Bringing life back into economics. Ed. The
University of Michigan Press, 1999

KATZ, J. Tecnología, economía y industrializacón tardía. In: SALAMON, J.J; SAGASTI,


F. e SACHS, C. Una búsqueda incierta: Ciencia, tecnología y desarrollo. Ciudad de
México: Fondo de Cultura Económica, 1996.

KIM, L. Da imitação à inovação: a dinâmica do aprendizado tecnológico da Coréia.


Campinas, SP: Editora Campinas, 2005

LALL, S. Las capacidades tecnológicas. In: SALAMON, J.J; SAGASTI, F. e SACHS, C.


Una búsqueda incierta: Ciencia, tecnología y desarrollo. Ciudad de México: Fondo de
Cultura Económica, 1996.

NELSON, R.R. e Winter, S.G. Uma teoria evolucionária da mudança econômica.


Campinas: Editora Unicamp, 2005

OLIVEIRA, L.G A Cadeia de Produção Aeronáutica no Brasil: uma análise sobre os


fornecedores da Embraer. Campinas: UNICAMP, Instituto de Geociências. Tese de
doutoramento. 2005.

PEREIRA, P.R. Las nuevas tecnologías: oportunidades y riesgos In: SALAMON, J.J;
SAGASTI, F. e SACHS, C. Una búsqueda incierta: Ciencia, tecnología y desarrollo.
Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1996.

10
ROSENBERG, N. Por dentro da caixa-preta: tecnologia e economia. Campinas: Editora
UNICAMP, 2005

RATIONAL Rational Unified Process - Best Practices for Software Development Teams,
2001

SOFTWARE ENGINEERING INSTITUE (SEI) Capability Maturity Model Integration


(CMMISM),Version 1.1 CMMI for Systems Engineering and Software Engineering
(CMMI-SE/SW, V1.1) - Staged Representation, 2001

TEECE, D. J. As aptidões das empresas e o desenvolvimento econômico: implicações para


as economias de industrialização recente In: KIM, L. e NELSON, R.R. Tecnologia,
aprendizado e inovação: as experiências das economias de industrialização recente.
Campinas: Editora Unicamp, 2005

11

Você também pode gostar