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27/05/2019 “Se não criarmos novos antibióticos, as pessoas morrerão aos 50 ou 60 anos, como antes” | Ciência | EL PAÍS Brasil

ADA YONATH | PRÊMIO NOBEL DE QUÍMICA

“Se não criarmos novos antibióticos, as pessoas morrerão


aos 50 ou 60 anos, como antes”
Prêmio Nobel de Química Ada Yonath alerta que resistência bacteriana
causará mortes na metade da vida

A cientista Ada Yonath, fotografada esta semana em Madri. FUNDACIÓN RAMÓN ARECES

ANA ALFAGEME

Madri - 27 MAI 2019 - 16:55 BRT

A prêmio Nobel de Química Ada Yonath parece uma pessoa especial


MAIS INFORMAÇÕES
logo ao vê-la. Em torno da cadeira de rodas — o voo de Israel
Resistência a
antibióticos causa maltratou seus quadris de quase octogenária — acontece um
33.000 mortes por pequeno caos formado por uma bolsa, vários lenços de papel, uma
ano na Europa
bengala dobrável e uma mochila cheia na qual remexe e que não
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abandonará nem quando subir ao palco do encontro O Futuro do


Envelhecimento, realizado na semana passada em Madri e
organizado pela Fundação Ramón Areces. “Será que você não está
acompanhando a jornada?”, espeta à jornalista, olhando de soslaio
para o monitor onde outros vencedores do Nobel analisam o grande
desafio demográfico do século XXI. Sobre esta mulher com os olhos
de menina cavalga uma indômita cabeleira cinza encaracolada que
foi objeto de debate nacional em seu país antes da viagem a

Antibiótico utilizado
Estocolmo em 2009 para receber o prêmio. Todo mundo queria
na União Soviética é mandá-la para o cabeleireiro. Inevitável pensar em Einstein.
a nova esperança
contra as
superbactérias Pergunta. A senhora é uma mulher pioneira...

Resposta. Você pode retirar o termo mulher? Sou uma cientista pioneira, mas poderia
ser homem.

P. A senhora teve as mesmas oportunidades?

R. Não, mas foi porque o projeto era difícil, não por ser mulher. Durante os 20 anos que
durou a pesquisa muitas vezes pensamos em abandoná-la.

“Estou preocupada com a sociedade, que pensa que as mulheres


não devem ser cientistas”

Yonath recebeu o Nobel junto com dois cientistas pela descoberta da estrutura e da
função do ribossomo, a organela celular que produz proteínas ao traduzir a informação
do DNA. Evidenciou o componente através da cristalografia, contrariando a opinião de
seus colegas. No ano seguinte à publicação da descoberta, as equipes que ela dirigia
revelaram como alguns antibióticos eliminam as bactérias ligando-se aos seus
ribossomos e impedindo-os de produzir proteínas. É uma das cinco mulheres que
receberam o Nobel de Química entre os 176 homens premiados.

R. Não decidi ser cientista. Aconteceu. Sempre fui muito curiosa. Desde menina, queria
saber o que estava acontecendo. Queria me tornar escritora, mas sentia que não
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conseguia expressar bem o que tinha dentro de mim, então fui para a ciência. Podia
pensar e fazer. Mais simples.

“Os laboratórios não fazem antibióticos; são caros de fabricar e


são usados durante poucos dias”

As bolsas que a fizeram cientista, conta com a ironia reconhecível nas pessoas felizes,
foram limpar escadas, fazer sanduíches ou ensinar Matemática e Física aos colegas do
ensino médio. Seus pais, imigrantes poloneses em Israel, eram extremamente pobres.

R. Eu queria ser profissional, trabalhar em uma empresa química ou me dedicar ao


ensino. A ciência era um hobby para mim e pensei que ninguém pagaria por um hobby.

“Dizem que se eu fosse homem falariam de mim de maneira


menos desagradável”

P. Ainda é um hobby?

R. Claro que sim.

“Buscamos drogas que ataquem apenas bactérias nocivas”

P. O que a senhora está fazendo agora?

R. A mesma coisa. No auditório dizem que existe uma idade para nos aposentarmos,
mas em Israel há exceções e eu sou a exceção.

P. Qual a sua idade?

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R. Farei 21 dentro de um mês [risos].

Em seus longos 20 anos, continua nadando e escalando montanhas. Costumava


comemorar seu aniversário dando presentes à mãe e levando-a para jantar porque
considera que era ela que deveria ser enaltecida. “Agora que ela não vive, não farei nada.
Será um dia normal.” Prestes a completar 80 anos, continua à frente de uma equipe de
cientistas do Instituto Weizmann, em Israel.

P. O que a senhora tem a dizer sobre a longevidade?

R. A longevidade disparou graças aos antibióticos, em meados do século passado.


Evitou a morte daqueles que não tinham completado 50 anos... antes dessa idade
morreram Mozart e Kafka... Depois vieram as doenças relacionadas à idade, como o
câncer ou o Alzheimer. Depois, acontecem falhas de funcionamento, como a
hipertensão, que podem ser controladas. As empresas farmacêuticas fornecem a esses
pacientes medicamentos muito caros que os mantêm vivos. O que acontece é que as
pessoas morrem de infecções. Um terço das mortes atribuídas ao câncer na verdade se
devem a uma gripe normal, porque a pessoa não pode lutar contra ela, já que seu
sistema imunológico está danificado e os antibióticos não funcionam porque há
resistências. Os laboratórios não querem sintetizar novos antibióticos, porque são muito
caros de fabricar, são vendidos muito barato e são usados durante poucos dias, não
como outros tratamentos caros, como os do câncer. E há resistências, porque as
bactérias são espertas, encontram o caminho para sobreviver.

Os micro-organismos resistentes são os novos assassinos em série. Mais de 33.000


europeus morrem um ano por conta desse fato. Um impacto maior que o da AIDS,
tuberculose e gripe. Em quase metade dos casos (39%), as bactérias letais eram
imunes aos antibióticos mais recentes.

R. Alguns pequenos laboratórios estão melhorando os antibióticos existentes, mas são


muito poucos. Nos últimos 20 anos, apenas três novos foram desenvolvidos. Não é
nada. O último deles, completamente novo, já apresentava resistências um ano depois
de ter entrado em uso. As grandes companhias deixaram de fazê-los, mas devem
continuar nisso. A longevidade é algo fantástico, mas pode ser detida por coisas
estúpidas.

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P. Qual é a beleza da pesquisa?

R. Ser como um hobby. Um jogo em que você descobre algo novo e dá ao mundo. Existe
essa montanha de conhecimento e você tem uma pedra nela. É fantástico.

P. O que diria a uma menina que quer seguir seus passos?

R. Você está preocupada com a menina? Eu estou preocupada com a mãe dela. Estou
preocupada com a sociedade, que pensa que as mulheres não devem se dedicar à
ciência. Temos que reeducar os pais.

P. A senhora se sentiu sozinha?

R. Não por ser mulher. Eu me senti sozinha na comunidade científica porque não
esperavam os resultados que obtive. Embora digam que se eu fosse homem falariam de
mim de maneira menos desagradável. Agora são mais respeitosos, mas ainda há quem
diga que sou uma mulher estúpida. Penso que existem muitos cientistas, homens e
mulheres, melhores do que eu.

P. Por onde deveria avançar a pesquisa com antibióticos?

R. No meu laboratório estamos buscando posições diferentes das habituais que os


antibióticos ocupam nas bactérias. São alvos para os quais podemos projetar
antibióticos que penetrem através delas. Antibióticos que sejam muito específicos para
cada patógeno, inclusive para cada cepa, que sejam absolutamente biodegradáveis, de
forma que não poluam. E que saibam distinguir entre bactérias nocivas e as que não o
são, a microbiota. Não é fácil. É o que estamos fazendo. Os laboratórios me odeiam.
Digo a eles que estão tomando decisões erradas ao não projetarem novos antibióticos,
entendo que eles precisam dar lucro para seus investidores, mas se mais e mais
pessoas voltam a morrer aos 50 ou 60 anos, não terão mais consumidores para os
tratamentos caros.

Termina a entrevista. Yonath vai falar. Dirá que seu laboratório já identificou 25 alvos
para atacar as bactérias. O representante da Fundação Nobel que a acompanha pega a
cadeira de rodas:
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– Vamos sair?

– Para onde, dançar?

Adere a

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