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edição 14
capa: © Thiago Santos
professor
edições anteriores
1. f u t u ro d o l i xo | d e z e m b ro 2 012
2 . s u b ú r b i o s e i d e n t i da d e s | m a rç o 2013
3. r e a l i s mo m ág i c o n o s é c u lo x x i | o u t u b ro 2013
4 . mo b i l i da d e u r b a n a | a b r i l 2 014
5 . m e n o s 3 0 | o u t u b ro 2 014
6 . e d u c aç ão : m i to s e fato s | d e z e m b ro 2014
7. c o n s u mo c o n s c i e n t e | j u n h o 2 01 5
8 . E m p r e e n da- s e | d e z e m b ro 2 015
9. voz e s d o v e l h o c h i c o | m a i o 2 01 6
1 0. s omo s to d o s o l í m p i c o s | ag o s to 2016
1 1. a s s i s ta a e s s e l i v ro | ja n e i ro 2 017
1 2 . c o r p o : a rt i g o i n d e f i n i d o | j u n h o 2017
1 3. e n t r e da d o s | s e t e m b ro 2 018
caderno editorial A profissão que faz todas as profissões 4
tradução
Elenice Araujo
Jayme da Costa Pinto EDIÇÃO DIGITAL
Livia Deorsola O Caderno está
disponível em versão
revisão digital no link:
Ricardo Jensen de Oliveira
APP.CADERNOSGLOBO.COM.BR
Projeto gráfico e versão digital
Casa 36 PODCAST
Esta edição tem uma versão em
fotografia podcast, feita em parceria com a
Thiago Santos Rádio Globo, disponível no link:
radioglobo.globo.com/podcasts
Produção gráfica
Toninho Amorim
editorial
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so
res
pro
fes
Histórias de classe
08
Aula online
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Dignos de nota
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Tecelã de esperança
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rep
Educadores
de várias partes O olhar que enxerga
a potência
de classe
do Brasil contam
suas trajetórias
© acervo pessoal
e o envolvimento
Meus pais me ensinaram que a Inspiradoras. Propus aos alunos
com experiências educação era a coisa mais importante o estudo da biografia de grandes
transformadoras da minha vida. Eu sonhava entrar mulheres; eles leram obras de autoria
na escola. Mas quando chego lá, feminina e os desafiei a descobrir
já sou uma criança muito marcada a mulher inspiradora da vida deles. Gina Vieira, 46
pelo racismo, pelos xingamentos que Foram entrevistar essas mulheres anos, criadora
remetiam à minha cor e ao meu cabelo. e sanar as lacunas que tinham em do projeto
Eu começo a sonhar em ter o poder relação à história da mãe, da avó Mulheres
Um dos principais atributos de um bom profes- de ser invisível, assim continuaria na e da bisavó. Essas mulheres também
Inspiradoras e
sor é ser um bom narrador. E, por mais que alguns escola sem sofrer as agressões. Passo relataram que, depois das entrevistas,
professora do
Histórias
já nasçam ou cresçam com essa veia mais de- pela primeira série sem aprender a ler. se reaproximaram dos filhos,
Distrito Federal
senvolvida, as narrativas mais cativantes e en- Na segunda série, numa ocasião, dos netos e ficaram surpresas
volventes são feitas de vivências, do contato com a professora Creusa me chama. de se descobrirem tão inspiradoras.
situações e dificuldades variadas, da interação “Ela descobriu que eu não sei ler e vai me
com as mais diversas pessoas, com experiências dar uma bronca.” Para minha surpresa, Esse projeto recebeu três prêmios
capazes de ajudar a escrever o que somos. ela me colocou no colo e, ali, eu tomei no Brasil e um internacional.
decisão mais importante da minha Foi transformado em programa
O narrador é aquele que conserva a história da vida: eu não queria ser invisível. de governo e hoje chega a 15 escolas
comunidade em que vive, ou aquele que, mo- Queria ser professora, porque a crença, públicas do Distrito Federal. Mas
vido pela curiosidade, percorre outros mundos, o amor, a vibração que ela tinha há dois prêmios que são intangíveis.
conta novas histórias nos lugares por onde vai quando eu aprendia era algo tão forte, O primeiro, ouvir das alunas:
passando e toma contato com pessoas diferen- que me transformou profundamente. “Professora, descobri que eu quero ser
tes. De um ou de outro jeito, preserva e amplia uma mulher que carrega uma grande
o que sabemos do mundo. Eu me tornei professora aos 19 anos, história”. O segundo prêmio foi, 34 anos
me sentindo a pessoa mais importante depois, reencontrar a professora Creusa
As histórias a seguir trazem diferentes inquie- do mundo. Até que, depois de uma e, ao entrevistá-la, fazer a pergunta
tações e olhares, mas sobretudo buscas de década em sala de aula, eu entro que carregava desde os 8 anos:
pessoas que não cessaram até que encontrassem numa turma de 6o ano em que não “Quando a senhora olhava para mim,
sua identidade naquilo que fazem, na neces- conseguia dar aula. Recebi um via uma criança tímida, assustada,
sidade de estar em contato com o outro, de diagnóstico de depressão profunda. sempre na expectativa de um safanão
crescer com aqueles a quem ensinam. Disse a mim mesma: “Ou eu desisto e de um xingamento?”. Ela disse:
ou preciso me ressignificar”. “Eu não via nada disso. Via uma criança
Os professores a seguir participaram do REP que queria aprender”. Naquele momento,
Histórias de Classe, plataforma de histórias Criei uma conta numa rede social ela me ensinou mais uma lição valiosa.
inspiradoras da Globo, promovida pela Direto- para me sentir conectada com os O que de mais importante a gente
ria de Responsabilidade Social. Em duas edições, meus alunos. Percebi que era recorrente pode fazer como educador é olhar para
16 professores compartilharam suas experiên- nas redes as meninas reproduzirem cada criança e para cada adolescente
cias, publicadas nas mídias digitais da Globo e o referencial da mulher objetificada. no que eles têm de potência e de
acessíveis na versão digital do Caderno. Decidi criar o projeto Mulheres força e não naquilo que falta a eles.
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astronauta. Quando abria os olhos, a primeira vez que pude estar um Tinha uma lista de 14 escolas para já são comungados por milhares
estava em Sertãozinho [SP], cidade de pouco mais perto do céu, literalmente. escolher. Uma pessoa amiga falou: de pessoas da comunidade.
mais ou menos de 20 mil habitantes. “Essa escola Presidente Campos Salles
A escola era o lugar que alimentava os Voltei para terminar a faculdade e recebi não pegue de jeito nenhum, é uma Em 2002, roubaram 21 computadores.
meus sonhos. Na 3a série, fui à Olimpíada uma proposta de estágio num banco em escola de favelados e baderneiros”. Aquilo, para mim, gestor da escola
Franciele de Astronomia. Não fui premiada, São Paulo. Não tinha ninguém parecido O motivo principal foi que a origem considerada integrada com a comunidade, Braz Rodrigues
Santos, 25 anos, mas fiquei encantada. Na 4a série, comigo, era um ambiente com poucas daquelas famílias de Heliópolis é foi um ato violento. Fui fazer o B.O. Nogueira, 66
professora consegui a minha primeira medalha, mulheres, poucas pessoas negras, semelhante à da minha família. Então, Na rua, falávamos com as pessoas: anos, educador,
de matemática de ouro. Com isso, ganhei uma bolsa poucas pessoas vindas da periferia. eu não estava entre baderneiros “Não foi a escola, o diretor, o prefeito ex-diretor
de estudos numa escola particular. e favelados, estava entre os meus. que foram roubados, foram os filhos
na rede estadual da Emef
Aos 13 anos, entrei numa depressão Eu ingressei no Ensina Brasil. E construímos com a comunidade um de vocês. Vocês pagam impostos, é por
de Campo Campos Salles
profunda. Parei de estudar. Com o apoio Essa rede compartilha comigo o sonho projeto em que o aluno é protagonista. isso que tem esses computadores lá”.
Grande (MS) (São Paulo, SP)
de amigos, familiares e de ex-professores, de que um dia todas as crianças terão Lá, o bom professor é aquele que Três dias depois, um carro e uma moto
busquei tratamento. Voltei a estudar, uma educação de qualidade. Não oferece recursos para que os alunos me fecham. Pensei: “Pronto, acabou”.
fiz uma prova parecida com o EJA fui astronauta, escolhi ser professora, caminhem com as próprias pernas. O cara do carro falou: “Aí, sr. Braz,
[Educação de Jovens e Adultos]. dessas que pisam na sala e olham vamos devolver os computadores”.
Concluí o ensino médio e decidi que para cada aluno como uma potência. A escola pública, para mim, é a casa de
queria mais. Em 2012, entrei na USP todos. O aluno tem de viver e exercer Em resposta, retirei os muros da escola,
para cursar bacharelado em Matemática a cidadania cotidianamente na escola. porque a segurança é a integração
aplicada a negócios. Em 2013, E eles tomam decisões a partir de escola-comunidade. Quem tem
recebi uma bolsa do governo e fui para uma ética baseada em três princípios: de cuidar da escola é a comunidade
um intercâmbio de um ano na Itália. autonomia, responsabilidade e onde a escola está inserida.
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Meu tio, alcoolista, agredia a mim vez, cumpri cinco anos de pena. necessidades, me ajudavam faculdade de Pedagogia. Tive muita
e a minha tia. Aos 13 anos me envolvi Saí muito pior que entrei. a pagar aluguel, comprar coisas. dificuldade, porém fui até o fim.
com criminalidade e com as drogas. Eu não queria mais ser o criminoso O amor delas foi me deixando
Aos 16 anos fui preso, cumpri medidas que roubava pouca coisa. constrangido, envergonhado do Passei num concurso para professor
socioeducativas na antiga Febem, Eu queria ser um grande criminoso. que eu tinha feito e do que pensava do fundamental 1. Escondia a minha
onde conheci um professor que me em fazer. A maneira que essas história, tinha medo que me rejeitassem.
Itamar Xavier de
ensinou algumas técnicas de pintura. Comecei a trabalhar naquilo que eu pessoas me tratavam me levara Mas me inspirei no meu professor
Camargo, 37 anos,
Ao sair, voltei a cometer crimes. poderia naquele momento: entregar a querer tratar as pessoas da Febem e escrevi um livro, que fez
Fui baleado aos 18 anos, cinco tiros panfletos, servir mesa no restaurante. ao meu redor com o mesmo amor. sucesso, me levou para a televisão. professor de artes
no peito. Estendido na rua, pensei Eu fazia esses bicos para sobreviver, A educação contribuiu para que na rede municipal
em me entregar para a morte, quando mas sonhava em cometer um grande Um dia, entregando panfleto, eu viesse a me libertar de um estado de de Presidente
um grupo de crianças que saíam crime. Mas isso nunca aconteceu, percebi que as pessoas que tinham miséria e me tornar uma pessoa melhor. Prudente (SP)
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ferroviário e minha mãe, doméstica, – Mais que um, quantos você quiser. ser educadora. Me casei com 19 anos Daí eu disse: “Meu lugar não é mais
lavadeira e parteira dos pobres. e fui morar numa cidade de 2 mil dentro da universidade, meu lugar
Tive uma família espetacular. Ela começou a chorar: habitantes. Meu esposo trabalhava é aqui”. Fui fazer doutorado, pois
– Eu quero pedir perdão para a senhora. em banco, e os funcionários e as precisava me fundamentar melhor
Eu sempre soube da Flip [Festa esposas foram ser os professores da para transformar aquela escola.
Literária de Paraty], mas nunca Quase desmaiei: Diva Guimarães, escola local. Depois fui para o Acre, Desde o início, não tínhamos apenas Leila Coelho,
sobrava dinheiro para ir. Aí eu falei: – Você não tem de pedir perdão. 78 anos, onde ensinei Matemática no a preocupação de ensinar a ler e 51 anos,
“Estou com 77 anos. Não posso morrer Estou feliz porque você me ouviu professora fundamental e fiz o curso de Letras. escrever, mas de trabalhar o ser educadora em
sem ver uma Flip”. Daí vem a mesa e compreendeu. aposentada humano na sua multidimensionalidade. Bananeiras (PB)
do Lázaro Ramos com a jornalista – Mas eu tenho de pedir perdão pelo Retornei à Paraíba, na cidade de E eles começaram a pedir que aquele
de curitiba (Pr)
portuguesa [Joana Gorjão Henriques], que meus antepassados fizeram Solânea. Comecei a lecionar em três trabalho fosse estendido aos filhos.
com um livro de denúncia [Racismo com vocês. lugares. Aí, surgiu uma oportunidade
em português – O lado esquecido – Querida, você não precisa me pedir para seleção de professora substituta Em 2015 iniciamos com a nova
do colonialismo]. Comecei a chorar. perdão. Porque eu tenho certeza que da universidade. Quando botei meus proposta: sem seriação, com tudo
Quando vi, estava em pé e foi aquilo o seu filho não vai fazer com os pés na universidade, ganhando mais construído a partir de projetos.
que vocês viram. Falei com a alma, negros, com os índios, com os pobres do que nos três empregos, com tempo Eu não acredito na educação que
com o peso que carreguei na vida. da periferia o que fizeram comigo. pra estudar, pesquisar, eu disse: “Aqui vem de cima para baixo, em que
é meu lugar”. Fiz meu mestrado e nos tudo é imposto e com um currículo
O que me deixou feliz foi o respeito Eu acredito nessa nova geração mudamos para Bananeiras, cidade que não faz sentido para as crianças.
com que aquelas pessoas me ouviram. e tenho mais é que acreditar, vizinha, a maioria na zona rural. Surgiu Elas estudam aquilo que faz
No final, uma menina de uns 13 anos, porque eles vão mudar esse país. a proposta de alfabetizar lavradores. sentido e transforma a realidade
branquinha, veio muito tímida. A educação é a verdadeira libertação. Começamos esse projeto social com na qual estão inseridas.
na escola
de participar, independentemente Um aluno que me marcou muito das minhas pernas as pernas dele formação de outros profissionais.
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do nível de habilidade. tinha uma doença degenerativa. para irmos até a quadra. Essa e
Ele começou a perder a força outras situações me impulsionaram a A mensagem que tento levar é
Um grande desafio foi receber nas pernas. Um dia, ele caiu na minha buscar mais informação e formação. daquela Educação Física que acolha
crianças com deficiência na minha frente. Quando eu fui levantá-lo, Fiz diversos cursos e sempre procurei a todos. De pensarmos na inclusão
aula. A gente é formado para lidar ele se recusou e começou a chorar. adotar uma prática com os meus do corpo na escola, na Educação
com um padrão de aluno, e eu vi “Professora, eu não consigo, eu não alunos que fosse compartilhada, Física, como algo extremamente
que as minhas estratégias eram consigo mais...” Aquilo me tocou para que juntos pudéssemos necessário para a formação Fernanda
insuficientes para lidar com aquela fundo. Eu pensei: “Não posso permitir encontrar soluções. Para que esse do indivíduo, e pensarmos nas Pedrosa, 37
diversidade. Isso me causava uma criança na minha frente desistir processo de inclusão não partisse pessoas com deficiência como anos, Belo
uma angústia muito grande: dela própria. Tem de haver um jeito”. só de mim. Começamos a sujeitos de direitos dentro da escola. Horizonte (MG)
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horas
na vida do professor
A pedido do Caderno, docentes de realidades diversas registram suas jornadas de trabalho
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6h–12h30 6h30–13h10
Acordo e faço um café da manhã rápido. para me manter ativo e comemorando Tenho 35 anos, sou professora há 16 anos. de ir para o trabalho, coloco minha filha
Saio às 6h30. Vou de carro e dou carona as pequenas conquistas. Por exemplo, Ser professora foi o meu sonho desde na cadeirinha do carro e a levo até
para outros professores que trabalham em uma aluna que no início do ano não tinha quando brincava de escolinha com minhas a casa da minha mãe, em uns 15 minutos.
duas escolas antes da minha. Chego às perspectiva: “Só quero me formar e arranjar bonecas. Meu primeiro emprego A escola fica a um quilômetro de distância
6h50, a tempo de um café. Às 7h, o sino toca. um emprego qualquer”. No final do ano, ao remunerado foi como babá dos meus da casa da minha mãe. Leciono das 7h30h
Como alguns alunos chegam atrasados, saber da minha história e de outros colegas sobrinhos. Depois, trabalhei em pré-escolas. às 11h30. Dependendo do dia, tenho alguns
Alguns me fico à porta por uns minutinhos até todos meus, sonha em fazer USP e ser professora Continuo dando Engravidei aos 16 anos, mas não parei acompanhamentos com a minha filha
perguntam como entrarem. Começo com um “bom dia” e de Matemática. Sino da saída: 11h20. aulas porque não de estudar e me formei em Pedagogia. antes do almoço. Às segundas-feiras,
que eu consigo pergunto se estão bem. “Não, professor”, e Às quintas-feiras, fico na escola até às 14h, conheço nenhum Comecei a trabalhar na mesma escola ela faz fisioterapia miccional no Hospital
sempre estar emendo: “Então vamos ficar bem estudando auxiliando um projeto de empoderamento trabalho que em que estudei quando criança. Pequeno Príncipe, pois nasceu com uma
sorrindo. Química”. Quando tenho uma janela feminino, em que ensinamos conteúdos me encante, Fiz pós-graduação em Psicopedagogia e má-formação no aparelho urinário,
Não é sempre entre aulas, utilizo para planejar, corrigir por meio da fotografia, para que as alunas me ensine passei no concurso para trabalhar como que desencadeou diversos problemas
que eu estou ou ajudar a coordenadora pedagógica. possam se enxergar e enxergar as outras e recompense docente em escolas públicas. Engravidei de saúde e quatro cirurgias. Às terças, ela
verdadeiramente A cada aula, são diversos os desafios, colegas, percebendo que podem, sim, mais do que esse. e agora minha família tem o Juan Lucas, faz acompanhamento psicológico devido
animado e desde o simples “me explica de novo?” ocupar espaços nos quais normalmente não Lido com de 18 anos, e a Livia Maria, de 6 anos. à utilização de um conduto para passagem
motivado, mas até “professor, estou com problemas”, que são estimuladas a estar. Chego em casa por seres singulares De manhã, leciono na Escola Municipal de sonda. Depois, almoçamos. Há dois
aprendi que podem ser coisas bem pesadas. E, de aluno volta das 11h45. Almoçamos, eu e meu e aprendo Jardim Europa, no 3°ano (ciclo 1), e à tarde, anos e meio preciso passar a sonda nela
chegar com um em aluno, tento buscar brilhos e energias colega que mora comigo, também professor. a conhecer, no Colégio Senhora de Fátima (rede todos os dias. Dou seus remédios antes
sorriso em sala, ensinar e amar particular), na turma do nível 2 (4 e 5 anos). de ir para escola. Normalmente minha
para quem cada um deles, Meu dia de trabalho começa às 6h30. irmã nos leva à escola, que fica a umas
normalmente 12h30–17h50 com seus Geralmente preciso estender roupas antes cinco quadras da casa da minha mãe.
já foi muito Tiro um cochilo, pois o sono noturno é curto. Às sextas-feiras, às 14h, saio para dar aula repertórios e
maltratado Às 13h30, faço um café antes de retomar no cursinho. São 90 minutos, mas passam histórias de vida
fora dela, é um as atividades de escola ou as ações dos voando. Chego em casa em torno de 16h30, 13h10– madrugada
primeiro passo projetos dos quais faço parte: um cursinho dá tempo para um lanchinho antes de mais Na escola, levo a Livia à sala dela e corro e é a vez de o pai passar a sonda e dar
para que o pré-vestibular para alunos de escola um turno. Em outros dias, quando não tenho para a minha. As crianças já estão com os remédios. Deito e leio, geralmente
dia ou a noite pública que fundei com outras amigas ou projetos no período da tarde, aproveito a minha auxiliar. Às 17h50, pego a Livia algo relacionado à educação.
sejam melhores o projeto de empoderamento feminino. para correr ou fazer outra atividade física. e vou novamente com minha irmã à casa Quando percebo, já é madrugada.
da minha mãe. Pego meu carro, passo Meu maior desafio é o tempo, curto
na panificadora. Chego em casa por volta demais para tantas tarefas, o que resulta
17h50–23h30 de 18h30. Geralmente, meu marido está em cansaço. Outro desafio são as crianças
Saio e dou carona para os mesmos chegar com um sorriso em sala, para com o café da tarde à mesa. Conversamos. com diversos problemas emocionais,
professores da manhã. Chego na escola às quem normalmente já foi muito maltratado Quase sempre tenho alguma coisa da familiares, clínicos, que não estão
18h15. Também espero os alunos. De noite, fora dela, é um primeiro passo para que escola para fazer: corrigir, preparar ao meu alcance resolver. Isso me deixa
os atrasos são maiores. A aula começa às o dia ou a noite sejam melhores. Saio, atividades. A Livia tem lição e preciso indignada, me faz querer ser a melhor
18h30. Cumprimento-os com um “boa noite” muitas vezes, exausto. O desgaste físico, auxiliar na sua alfabetização. Faço muitas professora todos os dias. Continuo dando
e pergunto se estão bem: “Não, professor, mental e, às vezes espiritual, é grande. coisas ao mesmo tempo. Quando vejo, aulas porque não conheço nenhum
estou cansado”. Respondo: “Bora ficar feliz As aulas terminam às 22h30. Chego estou colocando roupas na máquina, trabalho que me encante, me ensine
estudando Química”. Alguns me perguntam em casa às 22h50. Janto, normalmente digitando no computador, respondendo e recompense mais do que esse.
como eu consigo sempre estar sorrindo. a comida requentada do almoço (cozinhar mensagens, arrumando o lanche para Lido com seres singulares e aprendo a
Não é sempre que eu estou verdadeiramente à noite significa menos tempo de sono). o dia seguinte e ficando doida. Antes conhecer, ensinar e amar cada um deles,
animado e motivado, mas aprendi que Quando não há pendências, deito às 23h30. de dormir, a Livia faz fisioterapia em casa com seus repertórios e histórias de vida.
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Manhã 5h30–12h20
Segunda-feira. Acordo mais cedo, afinal se muito bonita hoje, professora!”. O despertador toca. Enquanto a água ferve, atividades, proponho projetos, utilizo
inicia mais uma semana de aula na Escola Isso faz com que me sinta disposta arrumo os lanches da manhã e da tarde, espaços da escola, tudo isso observando
Sertanista Francisco Meireles. Levanto, deixo a retribuir esse carinho com a melhor aula o almoço e minha maçã. Ao tomar meu e interagindo com as crianças. Durante
meu filho mais novo, Oypakoner, de possível. Logo chega o professor Daniel. cafezinho sagrado, olho a previsão do o lanche delas, tomo meu lanche da manhã,
3 anos, dormindo em minha cama. Acordo Ele dá aula junto comigo, pois decidimos tempo no celular. Tomo banho, me arrumo, pensando na próxima atividade. Converso
os outros dois, a Thayla, de 16 anos, para unir as turmas de 1o ao 5o ano para chamo meu marido, que me leva para com colegas e lá se vão os 15 minutos.
Uma das cuidar dele enquanto eu estiver na escola, que os alunos tenham mais interação, Após o jantar, a primeira escola, que fica a 15 minutos Às 11h, entrego a turma para minha
dificuldades e o Nahm, de 13 anos, para alimentar sendo uma alternativa para suprir a falta fico na internet, de carro da minha casa. No caminho, parceira, sintetizando as ocorrências da
que enfrentamos, os animais e soltar os cavalos no pasto. de professores nas turmas dos anos pesquisando conversamos sobre coisas corriqueiras. manhã. Na sala dos professores realizo
na condição de Desço para a casa do meu sogro, que fica iniciais do ensino fundamental. Inicio a aula. e preparando Chego ao CEU Emei Anton Makarenko, 45 minutos de hora- -atividade, tempo em
professores nas no centro da aldeia, onde todos chegam Enquanto vou à cozinha preparar a a aula do dia no Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, que reflito sobre a prática, planejo ações e
escolas indígenas, para tomar café. Converso com eles e já merenda, o professor Daniel fica com seguinte. por volta de 6h50. Na sala, aguardo os organizo materiais para as próximas aulas.
é a falta de está na hora de me arrumar para mais um a turma, mediando as atividades. Fico entre Me sinto tão 35 alunos entre 5 e 6 anos. Às 7h, eles Por volta de 11h45, saio e pego dois ônibus
políticas públicas dia de aula. Tomo meu banho, visto calça a cozinha e a sala até terminar de preparar responsável chegam conversando, cantando. Realizo para ir ao CEI, também no Itaim Paulista.
que possam e camisa de mangas compridas, pois aqui o lanche. Às 9h30, as crianças saem pela qualidade
abranger na aldeia tem muitos mosquitos para o recreio. Enquanto elas lancham, da aula que
a qualificação borrachudos, com o início das chuvas. eu e o professor Daniel organizamos a vou mediar que 12h20–19h
do quadro Saio de casa às 7h, não gasto mais que cozinha, lavamos as panelas e pratos. algumas colegas Esquento a marmita. Nesse momento outros contam o que fizeram na manhã.
de recursos cinco minutos para chegar, a aula começa Voltamos à sala e continuamos até 11h30. dizem que consigo dar uma olhada nas redes sociais No refeitório é servido o leite. A tarde segue
humanos, às 7h30. Chego antes, porque tenho que Ao final da aula, eu, o professor Daniel sou ‘cê-dê-efe’ e conversar com colegas. Separo material com as atividades, brincadeiras, leitura
prioritariamente varrer as salas e o pátio, dar uma verificada e os alunos arrumamos a sala, deixando e ‘caxias’, mas para a aula da tarde. Às 13h, entro em sala de histórias, projetos e parque. Por volta
nos setores de na merenda para fazer, enquanto a turma tudo organizado para a turma da tarde. na verdade gosto com outra professora; são duas turmas de 16h30, vamos para o jantar, momento
acompanhamento vai chegando.Sempre as primeiras a chegar Só então vamos embora. Chegando e me esforço numa mesma sala com 20 crianças de 2 a 3 em que revezo 15 minutos de café com
pedagógico, são as alunas Eline, de 8 anos, e Nicole, em casa, tenho de preparar o almoço. para ser cada anos. Nesse horário, as crianças dormem e, minha parceira de sala. Depois fazemos
formação de 10 anos. Elas vêm ao meu encontro com Thayla cuidou do Oypakoner e arrumou dia melhor enquanto velamos o sono delas, preencho a higiene das crianças, trocamos a roupa
continuada um abraço e com um elogio: “Você está a casa. Almoçamos e já volto para escola. o diário de classe, leio o caderno de bordo. e esperamos as famílias. Até 18h, todos
para professores Às 13h30, as despertamos para o café da já foram embora. Até às 19h, participo do
e de serviços tarde. Dobramos os lençóis, organizamos momento de formação com a coordenadora
auxiliares, Tarde os colchões, os acompanhamos ao pedagógica do CEI e o grupo de
no preparo Eu e o professor Daniel preparamos a aula que possam abranger a qualificação banheiro, conversamos e cantamos. Nesse professoras. Estudamos o tema do currículo
da merenda para o dia seguinte. Discutimos o tema que do quadro de recursos humanos momento, alguns se aconchegam no colo, integrador e trocamos experiências.
e na limpeza trabalharemos na semana e as atividades das secretarias estaduais e municipais,
a serem realizadas em sala e fora dela. prioritariamente nos setores de
Também limpamos o refeitório e banheiros. acompanhamento pedagógico, formação 19h– hora de dormir
Os professores que lecionam para o continuada para professores e de serviços Volto de carona com uma colega. A primeira Me sinto tão responsável pela qualidade da
segundo segmento do ensino fundamental auxiliares, no preparo da merenda e na coisa que faço em casa é “me jogar” no sofá. aula que vou mediar que algumas colegas
chegam e aplicam suas aulas nos horários limpeza. No final da tarde, acompanho Fico de 10 a 15 minutos sem fazer nada. dizem que sou “cê-dê-efe” e “caxias”,
da tarde e da noite. Eles também ajudam meu marido, Naraymi, na floresta em busca Recomposta, vou conversar com meu filho mas na verdade gosto e me esforço para
na organização e limpeza da escola. de algum animal ou peixe para a família se de 18 anos e vamos jantar. Meu marido, que ser cada dia melhor. Tomo banho, assisto
Uma das dificuldades que enfrentamos, alimentar. Hoje ele pescou um “gopama”, trabalha com alimentação, faz a comida. a um pouco de TV. Tenho a mania de
na condição de professores nas escolas peixe-elétrico. Minha cunhada cozinhou-o Após o jantar, fico na internet, pesquisando contar quantas horas vou dormir e fico feliz
indígenas, é a falta de políticas públicas com água e sal e comemos todos juntos. e preparando a aula do dia seguinte. quando esse tempo passa de seis horas.
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Antes de 7h às 17h 6h–11h30
Preciso estar pronta. Não é difícil escolher dormir. O núcleo de ensino é protegido por Tenho 41 anos, sou professora há 16 anos. lado. Ele acabou de ser pai de gêmeos, dou
a roupa do dia. É sempre uma calça jeans, um pesado portão. Para entrar é preciso, Trabalho no Colégio Municipal Papa João uma olhadinha nos bebês e saio. Já são
tênis, uma camiseta de cor sóbria e o colete mais uma vez, que nos identifiquemos. Paulo II, na turma do 1o ano do ensino 7h20 e não gosto de chegar atrasada.
preto – sem ele não posso passar dos altos Entramos todos juntos, eu e meus colegas fundamental 1. Meu trabalho começa bem Acelera! Fico na porta da sala. Toca a sineta,
portões. Esse traje, de tecido leve, possui de Biologia, Matemática, Inglês, antes de entrar em sala de aula, quando 7h30, os alunos começam a entrar, cheios
vários bolsos, nos quais carrego uma Ciências, Geografia, Artes. Nesse momento planejo as atividades. Levo um bom tempo de alegria. Iniciamos a nossa viagem no
Mesmo em caneta, um apontador, um lápis, um pincel tudo se transforma! É um festival de Meu trabalho pesquisando como trabalhar o conteúdo caminho da alfabetização. Primeira parada,
meio a ferros para quadro branco e algum item “Oi, professora!”, “Bom dia, professores! começa bem para fazer meus alunos desenvolverem falar com Deus na oração; em seguida, a
e concreto, de higiene pessoal. Levar livros e cadernos O que faremos hoje?”. Somos a novidade, antes de entrar as competências e as habilidades de que leitura do dia, a correção da tarefa de casa,
uma centelha é autorizado, desde que não contenham o elo com a vida aqui fora. Trazemos notícias em sala de aula, necessitam. Penso em cada aluno, com suas e chegamos ao ponto em que me preparei
de mudança, arames ou algum apetrecho que possa do tempo, do jornal, os acontecimentos quando planejo potencialidades e dificuldades. Às 6h, toca anteriormente. Percebo como ensinar
ainda que tímida, ser utilizado com “segundas intenções”. da política, aquele conto de Clarice Lispector as atividades. o despertador. Meu esposo levanta e coloca é gratificante. Olhar o caderno do aluno
começa a surgir. Para transportá-los, uma bolsa de material que arranca lágrimas, as novidades Levo um a água do café para esquentar, enquanto e ver sua aprendizagem. Eu vejo isso como
A esperança, transparente. Transparente também da novela, a história antiga relacionada bom tempo faço a leitura da liturgia. Tomo banho, algo extraordinário. Imagine um monte
principal deve ser minha conduta por ali. com a atualidade do país. A curiosidade pesquisando sigo para a cozinha, colocamos a mesa. de letras diante de uma criança e, depois de
sentimento Cerca de 24 km de carro me separam aguçada, o desejo de aprender e o respeito como trabalhar Tomo café rápido. Na garagem, meu esposo um tempo, ela começa a identificar, escrever,
da cadeia, de casa até meu local de trabalho. É para pelos professores, comportamentos cada o conteúdo me espera para me levar para a escola reconhecer o som. Nem sempre tudo
passeia por este lugar afastado dos olhares e tão órfão vez mais escassos nas escolas regulares, para fazer de moto. São uns dez minutos até lá. acontece como o planejado. Existem
esses obstáculos de sentimentos, em meio a muros altos estão presentes no nosso cotidiano. meus alunos No caminho, já encontro algumas mães e os desgastes diários. Mas, diante de tudo,
e arames farpados, que me dirijo todos Antes das aulas, trocamos de lugar. Por desenvolverem alunos, alguns gritam: “Tia!”. Eu aceno. Na não posso desistir de fazer cada vez melhor
os dias. Muito prazer, sou professora vezes, sou a presa e elas caminham soltas as competências rua seguinte, um pit-stop obrigatório: a casa o meu trabalho. Como passa rápido!
de Língua Portuguesa e leciono em pelo corredor, enquanto são direcionadas e as habilidades da minha mãe. Falo com ela rapidamente, Livro de ponto, caderneta entregue
uma escola-prisão, atendo alunas para as salas de aula. De dentro da sala dos de que entro na casa do meu irmão, que fica ao na secretaria, hora de voltar para casa.
encarceradas, dentro de celas de aula. professores, por trás das grades, as observo necessitam.
Me identifico na portaria. Mesmo que eu passar. Na aula, sou a troca entre a Penso em cada
seja conhecida pelos agentes, o afetividade e o diálogo imprescindíveis, aluno, com suas 11h30–17h
procedimento de segurança é sempre como dizia nosso mestre maior, Paulo Freire, potencialidades Meu esposo e eu vamos para casa. do trabalho do dia seguinte. Pensar, ler,
realizado. Sou recepcionada em uma para a aprendizagem significativa. e dificuldades Almoçamos. Às 12h50, ele sai para pesquisar e planejar novamente. Minha
grande construção, onde ficam as presas Nos instantes em que estamos juntas, o trabalho e continuo meus afazeres preocupação é como atender a todos com
em regime semiaberto. Algumas são ex- dentro da cela/sala de aula, há confiança. domésticos. Ao terminar, um descanso. equidade; tendo em vista que são mentes,
alunas, outras trabalham no restaurante Mesmo em meio a ferros e concreto, uma Despertador para 14h20, hora de cuidar reações e histórias de vida diferentes.
que atende os servidores (a comida das centelha de mudança, ainda que tímida,
internas é fornecida por uma empresa) e as surge. A esperança, principal sentimento
demais trabalham e voltam somente para da cadeia, passeia por esses obstáculos. 17h–dia seguinte
Caminho para casa da minha mãe, com à TV. Às 21h, banho e logo após, nos
minha irmã e meus sobrinhos. Conversamos, recolhemos, oramos, um momento de paz.
17h em diante... fico com os bebês do meu irmão. Quando Amanhece, enquanto tomo meu banho,
Refaço aqueles quilômetros que agora energias, ficando um pouco em percebo, são 18h30, tenho de voltar penso que o que mais me causa angústia
parecem mais longos. O esforço do dia e a silêncio, sozinha ou dando uma e preparar o jantar. Meu esposo chega é perceber o quanto precisamos melhorar
intensidade do ambiente pesam. Em casa, volta acompanhada de um labrador. às 19h05. Gosto de deixar tudo pronto. para alcançarmos uma aprendizagem de
antes de qualquer atividade com a família, Este é o momento de curtir a Às 19h30 jantamos. Enquanto arrumo qualidade. Ao mesmo tempo, isso me motiva
preciso de um bom banho. Refaço minhas valiosa sensação de liberdade. a cozinha, conversamos. Às 20h, assistimos a querer ensinar sempre mais e melhor.
20 21
A
Educador nota 10
Pergunte aos
mestres
lgum aluno te marcou de maneira especial? E um pro-
fessor? Como você era em seu primeiro dia em sala de aula?
Como acha que estará daqui a dez anos? Essas e outras
perguntas foram feitas aos vencedores do Prêmio Educador
Nota 10, iniciativa que reconhece práticas inspiradoras de
docentes, coordenadores pedagógicos e gestores de esco-
las públicas e particulares de educação básica.
contam momentos marcantes de suas carreiras e o A edição de 2018 recebeu 4.100 inscrições de projetos pelo país. A seguir,
que os colocou entre os melhores educadores do país uma compilação das respostas dos vencedores desta edição do prêmio.
22 23
educador nota 10
Santos
precisamos entender a necessidade de aproximar
a escola dos serviços de saúde, transportes e culturais,
todos em prol dessa escola. Na nossa cidade, por exemplo,
temos diversos museus e centros culturais que atendem
Língua portuguesa a escola pública; no entanto, não temos transportes
Ensino médio para levar os alunos. Considerando que, na maior parte
EE Padre Paulo das vezes, o trabalho de campo que realizo com meus
Santo Antônio do Monte (MG) alunos é o único passeio a instituições culturais oficiais,
eu opto por levá-los mesmo sem ter transporte gratuito.
Em muitos casos, o aluno precisa pagar a sua passagem
para ter acesso a um direito.
Como você era no seu primeiro dia de aula
e como imagina que será daqui a dez anos?
Não foi o dia mais fácil. Primeiro porque não
queria ser professora, escolhi o curso de Letras
por gostar das disciplinas, mas não via uma
estreita relação entre a teoria e a prática. Temia
o enfrentamento na sala de aula, o desafio de
trabalhar com adolescentes. A inexperiência me
impedia de preencher as lacunas que ligam o
saber e o ensinar. O tempo me mostrou que a
maior lição de quem ensina é aprender sempre.
Daqui a dez anos, espero estar com uma rica
bagagem, uma professora que não se cansa de
aprender para, assim, não perder o vigor da sala
de aula; levar a cada aluno que por minhas mãos
passou a necessidade e a curiosidade de quem
se dispõe a querer, a ser e a se tornar uma
pessoa melhor. Como diria Guimarães Rosa: Geografia
“Viver é perigoso, porque aprender a viver é que Fundamental 2
é o viver mesmo”. E eu aprendo todos os dias! EM Levi Carneiro
Niterói (RJ)
Existem alunos que não aprendem?
Os alunos não aprendem aquilo que não lhes
interessa. Saber dosar a necessidade e a
importância prática torna a aprendizagem um Ana Paula
processo que leva ao sucesso. Cada um aprende
a seu modo e no tempo que lhe é necessário.
Infelizmente, às vezes, queremos trabalhar
Mello
partindo apenas daquilo que gostaríamos
que o outro aprendesse.
24 25
educador nota 10
26 27
educador nota 10
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O que você mais almeja com a profissão?
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Me manter feliz com o magistério, ser reconhecido em
Ivonete da ro
minha área. Também ser valorizado pelo poder público
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e, principalmente, ser lembrado pelos meus alunos,
Dezinho ta o
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marcando-os. Que eu possa contribuir para que
a próxima geração seja melhor do que a minha.
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e como imagina que será daqui a dez anos?
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Cheia de entusiasmo, querendo mudar o mundo.
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o
Hoje tenho 32 anos de profissão. Amo o que
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faço. Procuro manter o entusiasmo e acredito
José Couto
o
que educação é o melhor instrumento para
an
transformação da sociedade. Daqui a dez anos
o
estarei aposentada e espero que os professores
continuem acreditando na escola pública
e no ensino de qualidade, sendo valorizados
Júnior
com melhores salários e condições dignas História
de trabalho, segurança e respeito. Fundamental 2
EM Áttila Nunes
Rio de Janeiro (RJ)
28 29
educador nota 10
Marcos coletivamente?
As decisões coletivas sobre as propostas pedagógicas
Marinaldo
Sarmento
30 31
educador nota 10
Mikael
Miziescki
32 33
U
entrevista
com paulo jubilut
aula online
© acervo pessoal
Adversidade
na carreira
proporcionou
paulo jubilut
a professor é professor de
a oportunidade Biologia e criador
da plataforma
de descobrir que Biologia Total.
poderia alcançar
muito mais gente
dando aulas Hoje, sua plataforma Biologia Total contabiliza
em torno de 6 milhões mensais de acessos via
via internet redes sociais, mais outros 2,5 milhões mensais
no YouTube. E, apesar de não pensar em voltar
à sala de aula tradicional, Jubilut continua co-
nectado à realidade do professor brasileiro, sem
o qual não vê saídas para a educação.
Uma desavença em sala de aula, de certo modo, resultou Você sente falta do contato pessoal com
em um dos grandes sucessos da educação online. Uma os alunos, daquela coisa do dia a dia?
aluna, de uma família de classe alta em Curitiba, teve uma Esse contato é como um casamento. Tem dia que
áspera discussão com seu professor de Biologia, insultan- você está mal-humorado, tem dia que algum
do-o e ouvindo de volta comentários pouco abonadores aluno está com um problema e talvez seja ríspi-
sobre suas recorrentes desavenças com professores, pon- do com você. Então, dessa relação diária na
tuadas por ameaças. escola, eu não sinto falta. É muito desgastante e
está cada vez pior, a gente vê os professores re-
O conflito causou a demissão de Paulo Jubilut, o professor clamando de indisciplina, falta de respeito, agres-
de Biologia em questão, então com 31 anos, 11 deles como sões. Agora, do contato sinto falta. Mas, pela
docente. Em pleno mês de outubro, enquanto não arru- minha visibilidade, recebo muitos convites para
mava outra atividade, ele pensava mudar de profissão: ir a escolas, para conversar com os professores.
resolveu deixar suas aulas registradas em vídeo no YouTu- É outra relação. Vou lá, passo um exemplo, a
be. “Seria o meu legado à humanidade”, relembra ele. gente fica só no namoro, na melhor parte do
relacionamento. E recebo muito feedback dos
O legado começou a tomar um tom mais presente à medida alunos, da sua realidade, do que estão passando.
que os vídeos foram sendo bem avaliados por alunos e pro-
fessores de ensino médio. Eles começaram a se correspon- Só depois que comecei a viajar pelo Brasil é que
der com Jubilut, agradecendo a ajuda que os vídeos haviam entendi como a educação funciona, o quanto é
proporcionado na compreensão de questões sobre biologia. problemática. Enquanto eu trabalhava em es-
colas elitizadas, não tinha noção dos problemas
Tal retorno animou o professor, que resolveu viver disso. que a gente tem. Isso me deu grande bagagem.
Em 2013, ele colocou no ar uma plataforma, seguindo a Como vou muito a palestras e eventos, é uma
lógica de muitos negócios de internet: assinatura barata, forma de suprir essa necessidade de contato.
acesso livre a alguns conteúdos e pago para aqueles mais Sou muito mais feliz no mundo físico do que no
elaborados e exclusivos. virtual, em função das interações olho no olho.
34 35
entrevista
de semana vou ficar corrigindo prova. O pro- muito mais para falar. Quando fui para a internet, tive a so ocorrem nesse horário, de 22h até 0h. Isso
fessor não tem tempo de estudar, de se espe- liberdade de dar as aulas que sempre quis, no tempo que mostra que são pessoas que estão trabalhando,
cializar, e acaba marginalizado em termos eu quero. E, a partir do feedback dos alunos, fui fazendo que têm o turno da noite ainda cheio e só arru-
intelectuais. Fica com aquele esqueleto de aula, adaptações. Quando você grava um vídeo para tanta gen- mam tempo para estudar no final da noite. E são
sem profundidade. Claro que há exceções. Mas te, vê que uma piada que antes você fazia em classe e dava principalmente mulheres que fazem isso. Nessa
não é só aumentar salário, porque aí ele vai certo agora ofende uma pessoa. Só tive essa percepção ao faixa etária muitas já são mães, às vezes têm de
continuar dando 50 aulas por semana, só que ficar mais exposto. Se você fala algo idiota e não é ques- cuidar do filho quando ele chega da creche.
ganhando mais. É preciso prepará-lo melhor. tionado, não para e pensa naquilo. Assim, fui evoluindo a É uma realidade muito comum no país.
A sociedade mudou drasticamente nos últimos linguagem da videoaula até chegar ao que é hoje, com
dez anos, principalmente por causa das tec- computação gráfica, aulas gravadas na África para falar de E vocês atingem também os alunos mais
nologias, só que os professores não acompa- relações ecológicas, na Malásia para gravar branqueamen- novos, dos ensinos médio e fundamental 2?
nharam essa mudança. Hoje temos professores to de corais. Geralmente, eles começam a nos acessar quan-
analógicos e alunos digitais. O professor tem do estão com 14, 15 anos. O primeiro contato
a sensação de que não consegue mais se co- E como surgiu a plataforma? é pela rede social, a maior parte fica só aí. A
municar com o estudante. Os líderes que pen- Com o projeto do YouTube, montei um curso online, por- maior parte do conteúdo que produzimos é
sam a educação hoje no Brasil são pessoas do que queria oferecer mais do que as videoaulas. Em 2013, gratuita. Mas, quando eles entram no ensino
século 20 que fazem a educação para pessoas criei uma plataforma, um sistema por assinatura, com médio, têm provas e começam a entrar nesse
do século 21. A nova geração não sabe o que é preços populares, para viabilizar o projeto e permitir que mundo das videoaulas. A vantagem do vídeo
não ter internet. E temos dificuldade de nos eu fizesse as coisas que tinha vontade de fazer. Hoje, 30 online é que ele é uma atitude ativa, a pessoa
colocar no lugar deles para entender como ter pessoas trabalham aqui, e montamos um estúdio de pri- te procura por uma razão. Por uma prova, um
um espaço de aula mais produtivo. A base para meiro mundo. Trouxe um quadro digital da Coreia do Sul concurso. O que nem sempre acontece na es-
transformar isso é a formação do professor. que conecta com o celular do aluno. No nosso estúdio, cola, muitas vezes o cara está às 7h e nem sabe
montamos uma sala para receber os estudantes. Eu posso o que está fazendo ali.
Quando você começou a gravar suas dar um exercício e colocar no quadro, eles resolvem no
aulas, elas eram muito diferentes daque- celular e na hora tenho as respostas e consigo ver as difi- Critico muito o horário escolar, pois o adoles-
las que você dava ao vivo? culdades deles. Posso falar no que eles erraram, os motivos cente tem necessidade de dormir mais, pelo
Quando comecei, queria que parecesse algo mais etc. Com isso, você torna o aprendizado muito mais pode- menos nove horas, e tem também dificuldade
informal, um bate-papo, como se fosse uma aula roso. Queria mostrar que é possível trabalhar com celular de cuidar do sono, dorme mais tarde. Como
particular. Nunca usei giz, quadro, para romper em sala de aula desde que seja algo motivante para o aluno. esse cara vai aprender com sono? Outro dia vi
com aquela coisa de escola prussiana. Era eu uma escola, se não me engano na Coreia do Sul,
sentado olhando para a câmera do laptop. Mas, Você sonhava em montar a empresa? que às 8 da manhã eles param uma hora para o
quando eu ainda estava na escola, já fazia algu- Eu não tinha ideia de montar a empresa, as coisas foram aluno descansar. Fizeram um teste e viram que
mas coisas pela internet. Usava a Tweet Cam, acontecendo. Também não tinha ideia de que iria me tor- o aprendizado melhorou muito por causa des-
que era uma forma de fazer transmissão ao vivo nar um professor virtual. Fui botando aula na internet, o se intervalo. Ainda estamos num esquema de
para os meus alunos. Por exemplo, quando havia negócio foi crescendo. De repente, precisava de alguém Revolução Industrial, de botar os filhos na
uma prova, eu entrava no dia anterior e dava para responder às mensagens. Assim começou a empresa, escola cedo para ir trabalhar, sem pensar na
uma aula de revisão pela internet. Na escola, porque para contratar precisava ter CNPJ. E foi indo. Aí realidade do estudante. O sono é importante,
muitos professores criticaram isso. Houve resis- precisava de apostila para os alunos. Contrata um designer! porque é na hora que você está dormindo que
tência pela inovação que eu estava trazendo. De repente, são 30 pessoas. guarda as informações. Se tem privação de sono,
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entrevista
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panorama
portugal
finlândia
primária) 779 horas primária) 673 horas
trabalhadas trabalhadas (educação Jornada anual
coreia do sul
alunos/sala alunos/sala
21 (média) Semanas/ano 19 (média) Semanas/ano
primária) 671 horas
(educação Jornada anual trabalhadas
eua
docentes pelo
méxico
mundo
Alunos/sala
22 (média) Semanas/ano
24/20 trabalhadas
(Púb./Priv.) 42
Salário Mulheres
inicial anual professoras O que aproxima e distancia o professor
19,8 mil 68%
dólares brasileiro de seus pares em outros países
(estatutários)
Fonte: Education at a glance 2018, indicadores publicados pela Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
austrália
(educação Jornada anual (educação Jornada anual
chile
brasil
40 41
valorização
Dignos de nota
prêmios
Global Teacher Prize
Promovido pela Varkey Foundation desde 2014,
foi concebido para valorizar o educador.
Um júri escolhe um professor que tenha empreendido
ações de transformação na escola, com os alunos
Iniciativas valorizam o trabalho ou na comunidade. O vencedor recebe US$ 1 milhão.
Espírito Público
Programa Programa O prêmio conferido pelo Instituto República e pela
Agenda Brasil do Futuro reconhece o trabalho de
de Residência Escrevendo profissionais da área pública que tem impacto positivo
42 43
entrevista
com Andria Zafirakou
Tecelã de esperança
© acervo pessoal
m 18 março de 2018, a britânica An- do Global Teacher Prize, uma espécie de Oscar da educa-
Professora de dria Zafirakou, filha de mãe cipriota ção mundial, promovido pela Fundação Varkey com base
artes em uma e pai grego, viveu um dia totalmen- em votos da comunidade de educadores de vários países.
te diferente de sua rotina. Formada Ela concorreu com 30 mil professores de 173 países.
escola que reúne em Moda e Tecelagem com ênfase ANDRIA ZAFIRAKOU
alunos de mais de em Administração pela Universida- Venceu e foi premiada com US$ 1 milhão. Muito desse di- é professora de Artes
de de Brighton, no condado de East nheiro deve voltar às atividades que essa professora de 39 e Tecelagem,
30 etnias, a Sussex (ao lado do famoso condado anos promove em sua escola, onde é também diretora ad- vencedora do Global
Teacher Prize de 2018.
britânica Andria de Kent), Andria é professora da es- junta associada, responsável pelo treinamento de pessoal
cola comunitária Alperton, em Brent, e membro da equipe de liderança e de gestão de programas
Zafirakou faz da nos arredores de Londres. Sua escola, com 1.500 alunos de planejamento familiar da instituição.
inclusão sua das mais variadas origens étnicas, situa-se num local mar-
cado pela pobreza e pela violência. Com uma sólida ligação com sua família, inspirou-se na
bandeira e vence o avó, que era tecelã de seda em Chipre, para fazer sua es-
Global Teacher Por seu trabalho nessa escola, onde ministra a disciplina pecialização em design de tecelagem.
Artes e Tecelagem para alunos entre 11 e os 18 anos, Andria
Prize de 2018 foi convidada para ir a Dubai por ser uma das dez finalistas A seguir, a entrevista que Andria concedeu ao Caderno.
44 45
entrevista
tos talvez tenham medo de ir para casa. Há às pessoas como está ajudando a
grandes desafios envolvendo a integração, como transformar isso em realidade, de
conseguir que nossos alunos se sintam relaxa- colherem fazer na vida, isso faz quais ferramentas precisa para
dos e confortáveis para que se concentrem toda a diferença. desempenhar o melhor trabalho
apenas em seus estudos. O respeito ao professor na sociedade é funda- possível e como isso é importan-
Reforçamos os valores que promo- mental. Precisamos elevar o status dos profes- te. Você tem de acreditar, assim
promovem a compreensão entre
Qual é o seu maior desafio como Tem usado estratégias especiais para isso? vem a compreensão entre as dife- sores globalmente para garantir que a educação como os seus alunos, que tudo é
professora? Tenho trabalhado duro para tornar a nossa rentes culturas. Por estarmos em seja tratada como prioridade máxima, como possível.
São muitos. Alperton é uma esco- escola um refúgio seguro para nossos alunos. uma das regiões mais multicultu- deve ser. Todos – de pais a gestores de educação,
la central, localizada numa das par- Não importa o que esteja acontecendo na casa rais de Londres, nos esforçamos empresas e líderes comunitários, governos Qual a importância da escola
tes mais pobres do Reino Unido, deles ou nas ruas – que todas as preocupações para garantir que o aprendizado se locais e o Estado – precisam entender que pre- para o desenvolvimento da ju-
com muitas crianças que vivem na e tensões deles sejam deixadas fora do nosso dê em um ambiente de respeito parar os jovens para um futuro extremamente ventude nos dias de hoje?
Reforçamos os valores que
pobreza e moram em casas lotadas, espaço. Ofereço uma área na escola para os mútuo. É uma questão de ser in- imprevisível é um investimento crucial no Pais e família, escola, a comunida-
compartilhadas entre várias famí- alunos que precisam estudar e fazer o dever clusivo, abraçar culturas e crenças futuro da raça humana e do planeta. de local na qual as crianças crescem
lias. Brent reúne etnias bastante de casa fora do horário escolar regular e du- e nutrir um senso de comunidade. – todas essas peças são importantes
diversas e tem a segunda maior rante as férias. no quebra-cabeça de como os jo-
parcela de negros, asiáticos e mi- Qual a maior recompensa de O que você diria a um aluno que pensa vens se desenvolvem. Na escola,
norias étnicas da Inglaterra e do Como integrante da equipe de liderança, tive ser professora? tornar-se professor? usaremos cada vez mais uma com-
as diferentes culturas
País de Gales. Embora eu celebre a o privilégio de participar de iniciativas como Provavelmente, aquele momento Que não é um trabalho com horário fixo, é um binação de disciplinas, incluindo
diversidade do bairro e os nossos melhorar o desenvolvimento profissional em em que a gente sente que mudou compromisso real e, se for sua paixão, você Psicologia, Ciências da Educação,
alunos, existem barreiras e divisões toda a escola, redefinir o currículo para que a vida de alguém – talvez ao ter saberá no íntimo que de fato quer ensinar e Economia, Linguística, Neurociên-
na comunidade em geral que não ele de fato dialogue com os alunos e a forma despertado o olhar deles para a que nada irá detê-lo ou impedi-lo de realizar cia e Genética, para buscar uma
são próprias das crianças, mas que como levam a vida. Assim, podemos ganhar a beleza das artes pela primeira vez, esse sonho. Você simplesmente não terá dú- compreensão mais profunda de
as impedem de circular livremen- confiança deles e estreitar o nosso relaciona- e eles terem entendido o que aqui- vidas sobre isso. É um chamado, não um tra- como o cérebro dos jovens funcio-
te e fazem com que se sintam so- mento com eles e com seus pais. Meu objetivo lo pode fazer por eles. Isso é tão balho aleatório que se faz por acaso. Se há uma na de fato e de como a educação
zinhas. Dentro do possível, esses é oferecer a todos os estudantes de Alperton a poderoso que deixa a gente sem disciplina em particular que você ama e con- pode ser melhor.
obstáculos precisam ser eliminados. melhor educação e as melhores oportunidades ar, afasta totalmente todos os mo- segue se imaginar compartilhando esse entu-
possíveis na vida. mentos tristes e as coisas negati- siasmo com os outros, formando mentes jovens, As artes muitas vezes não recebem
Descobri que alguns de meus alu- vas que a gente venha a experi- então é certamente o caminho a seguir. Eu investimento e são subestimadas
nos se refugiam no banheiro de Quando você percebeu que aprender outros mentar na educação ou fora dela. encorajaria a todos os estudantes realmente em todo o mundo, mas são muito
suas casas em busca de alguns mo- idiomas ajudaria a se comunicar com seus Como professora, tive a sorte de dispostos a se tornarem professores a seguir importantes. Elas ajudam o aluno
mentos de silêncio para fazer o alunos? ter várias vezes essa experiência. esse sonho, compartilhar esse entusiasmo e a ganhar confiança, a desenvolver
dever de casa; outros faltam à es- Aprendi a saudação básica, “oi” e “tchau”, em Quando acontece, mesmo que o assumir esse compromisso. Certamente, o sua personalidade e a obter suces-
cola porque precisam buscar os diversos dos 35 idiomas falados em Alperton, dia tenha sido longo e cansativo, mundo está precisando de professores e, pes- so em outras matérias, graças ao
irmãos em outras escolas, ou co- incluindo gujaráti, hindi, tâmil e português. Isso esse momento revolucionário re- soalmente, não consigo pensar em uma car- incentivo e ao impulso que a expo-
zinhar para a família num horário foi para ajudar a remover as barreiras culturais vigora e coloca a gente para cima. reira mais recompensadora. sição a outras linguagens propor-
de refeição estipulado, em casas e sociais que existem na área. Se as crianças vi- ciona. As artes também são vitais
de ocupação múltipla. É triste per- vem isoladas em sua própria comunidade e não Que atributos você considera O professor deve se orgulhar de seu trabalho no desenvolvimento de habilidades
ceber que alguns alunos não to- conseguem falar livremente com os colegas na essenciais para a sua atividade? e de sua profissão. Contar às pessoas o que faz como pensamento crítico, colabo-
maram café da manhã, que talvez escola, isso cria todo tipo de dificuldade. Os professores precisam manter e sobre as crianças para quem leciona, sobre ração, inovação e empatia, todas
tenham ido para casa depois da o foco, ser determinados e cui- sua paixão, imaginação e sonhos. Deve dizer as habilidades humanas avançadas
aula ontem, tenham dormido, le- Essas saudações básicas em diferentes idiomas dadosos e, portanto, precisam ser das quais nossos alunos precisarão
vantado e voltado à escola sem também ajudam a iniciar relações valiosas com capacitados e apoiados. Isso co- no ambiente de trabalho e na so-
terem se comunicado com uma os pais de meus alunos, muitos dos quais não meça por um salário decente e a ciedade de amanhã, na qual estão
única pessoa nesse período; mui- falam inglês. É importante nos aproximarmos garantia de que eles possam tra- destinados a ser tornar verdadeiros
e tentarmos conquistar a confiança. Quando balhar o currículo e repassar os cidadãos globais.
os alunos percebem que estamos ao lado deles, outros quesitos essenciais da edu-
que nos importamos com o que acontece a eles cação para formar futuros cida-
e desejamos que tenham sucesso no que es- dãos íntegros.
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ti
ra
vas
nar
Presente!
64
entrevista
com héctor lozano
penso,
logo
© divulgação
Por meio de filósofos,
questiono
professor de série da
televisão espanhola héctor lozano
é escritor, diretor e
incentiva alunos a exercitar produtor espanhol.
o pensamento crítico
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entrevista
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linha do tempo
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Meus tempos de criança Gabriela
Autor: Ataulfo Alves Autor: Walter George Durst
Nesse samba com tons Direção: Walter Avancini e Gonzaga Blota
nostálgicos, Ataulfo Alves
Subdiretor e professor do Ginásio Enoch,
desfila uma série de memórias
o personagem de Marco Nanini dá
afetivas da infância. Um dos
O primeiro amor o tom lírico na trama adaptada da obra
versos marcantes fala da
Autor: Walter Negrão de Jorge Amado. Na versão de 2012,
“saudade da professorinha,/
o professor Josué é vivido por
que me ensinou o bê-á-bá”. Direção: Walter Campos
Anderson di Rizzi.
A professora e Régis Cardoso
Autores: Benedito Lacerda A novela tem um professor
e Jorge Faraj como protagonista. Luciano,
interpretado por Sérgio Cardoso,
Na gravação de Sílvio assume a direção de uma escola.
Caldas, a professora é a My fair lady Além de lidar com um grupo
musa de um boêmio que de alunos baderneiros, enfrenta
(My fair lady. EUA.
entoa os versos: “Essa a oposição da ex-namorada
Dir.: George Cukor)
operária divina,/ que lá no e professora de Inglês
subúrbio ensina/ as Na comédia inspirada na peça
Legenda: Pigmalião, de George Bernard (Tônia Carreiro), que tenta lhe
criancinhas a ler”. tomar o cargo na instituição.
– Música Shaw, o professor Henry
– Cinema Higgins (Rex Harrison) aposta
que consegue transformar
– Teatro uma pobre mulher (Audrey
– Televisão Hepburn) em alguém capaz
de circular na alta sociedade.
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linha do tempo
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(El chavo del ocho. México. Autor: Dias Gomes As 200 crianças do dr. Korczak
Dir.: Enrique Segoviano e
Roberto Bolaños) Coautoria: Aguinaldo Silva (Korczak. Polônia. Dir.: Andrzej
Direção: Paulo Ubiratan Wajda)
O seriado mexicano trazia
o Professor Girafales Homem letrado de Asa O filme conta a trajetória de Janusz
(Rubén Aguirre). Branca, o professor Korczak (Wojciech Pszoniach), pediatra e
Originalmente integrante Astromar Junqueira (Rui professor que cria, já no final de sua
de outro programa, o Resende) se notabiliza vida, um orfanato para 200 crianças em
personagem entrou na pelos poemas e discursos meio à Segunda Guerra Mundial.
segunda temporada de proferidos nos eventos
Chaves, em 1973. No Brasil, sociais da cidade. Sobre
Estampas Eucalol o programa começou a ser ele recai a desconfiança de
exibido em 1984 pelo SBT. virar lobisomem.
Autor: Hélio Contreiras
Gravada inicialmente Rá-Tim-Bum
por Xangai, essa saga “Olá, classe!” O cumprimento efusivo, após
de herói cita seres a entrada acelerada em cena, é a marca
mitológicos. Ao final, registrada do Professor Tibúrcio,
o narrador volta trazendo personagem do programa infantil exibido
a moça com que ia pela TV Cultura. Era interpretado por
se casar: “a professora Marcelo Tas, também roteirista e diretor
que roubei do Rei Lear”. da atração.
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Malhação: Múltipla Escolha
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Autores: Maria Elisa Berredo,
Patrícia Moretzsohn, Cláudio Torres
01
Beradêro
Gonzaga e Ricardo Hofstetter
(Chico César) Oleanna Direção: Ricardo Waddington, Flávio
Entoada a cappella, a canção Autor: David Mamet Colatrello e Edson Spinello
do compositor paraibano
Direção: Ulisses Cruz A escola Múltipla Escolha, do professor
menciona o educador
Um encontro entre um de Português Pasqualete (Nuno Leal Maia),
pernambucano Paulo Freire.
professor universitário e é cenário de boa parte das tramas.
“No peito dos sem peito uma
uma aluna com dificuldade
20
seta/ A cigana analfabeta/
lendo a mão de Paulo Freire”. de aprendizado desencadeia
uma série de tensões.
Nosso professor é um A peça estreou em 1992
herói na Inglaterra. No Brasil,
(Le plus beau métier du uma das montagens contou
monde. França. Dir.: com direção de Ulisses Cruz Uma mente brilhante
Madadayo Gérard Lauzier) e Antonio Fagundes e (A beautiful mind. EUA.
(Madadayo. Japão. Dir.: Akira Laurent Manier (Gérard Mara Carvalho no elenco. Dir.: Ron Howard)
Kurosawa) Depardieu) é um Vencedor do Oscar
O último filme do cineasta professor de História de melhor filme de 2002,
japonês narra a história de recém-divorciado que se narra a história de John
reuniões periódicas de alunos transfere para um Nash, exímio matemático.
com um estimado professor. colégio da periferia. Diagnosticado com
O termo que dá nome à obra Diante da bagunça e esquizofrenia, o
tem o significado aproximado violência, ele encontra personagem interpretado
de “ainda não”, uma alusão jeitos para se relacionar por Russell Crowe tem outra
ao convívio entre eles. bem com os alunos. batalha além das equações.
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YáYá Massemba
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Autores: Capinam e Roberto Mendes Ciranda de pedra
Na música, interpretada por Maria Bethânia, o Escola de rock Autor: Alcides Nogueira
narrador expressa seus sentimentos na travessia de (School of rock. EUA. Dir.: Richard Direção geral: Carlos Araújo Três irmãs
um navio negreiro. A canção finaliza com os versos: Linklater)
No remake da novela, Cleo Pires Autor: Antonio Calmon
“Vou aprender a ler para ensinar meus camaradas”. Nessa comédia musical, Jack Black vive a dedicada e amorosa Direção geral: Dennis Carvalho
é o músico desempregado Dewey professora Margarida. Na e José Luiz Villamarim
Finn. Ele vai lecionar em uma primeira versão, de 1981, a
O sorriso da Mona Lisa escola. Ao notar o talento musical personagem foi interpretada por Suzana (Carolina Dieckmann),
(Mona Lisa smile. EUA. Dir.: Mike Newell) dos alunos, monta uma banda Alzira Andrade. Adaptação da uma das três irmãs do título, é
de rock às escondidas da direção. obra de Lygia Fagundes Telles. professora de Geografia. Entre
Na década de 1950, a personagem de Julia Roberts as atividades, ela incentiva o
é uma professora recém-formada em uma envolvimento dos estudantes em
universidade de hábitos mais liberais. Ela começa a ações de preservação
lecionar em uma instituição mais conservadora, Pro dia nascer feliz O grande desafio Sete pecados do meio ambiente.
onde questiona os padrões da época. Autor: Walcyr Carrasco
(Brasil. Dir.: João Jardim) (The great debaters. EUA.
Documentário mostra Dir.: Denzel Washington) Direção geral: Jorge Fernando
realidades diferentes do Nos anos 1930, Melvin Tolson Miriam (Gabriela Duarte)
sistema educacional. (Denzel Washington) se dirige uma escola pública. Ela
Conta com depoimentos empenha para motivar seus lida com alunos malcomportados
de estudantes e alunos de uma pequena e funcionários desmotivados,
professores de escolas instituição de ensino no Texas como o professor de Educação
públicas e particulares a participar de debates com Física Vicente (Marcelo Novaes)
de São Paulo, Rio de estudantes da prestigiosa e a bibliotecária Maura
Janeiro e Pernambuco. Universidade Harvard. (Maria Regina).
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vida Em família Uma noite sem o aspirador
Fina estampa
(The first grader, Reino Autor: Manoel Carlos de pó
Autor: Aguinaldo Silva
Unido, EUA, Quênia. Dir.: Direção geral: Jayme Monjardim e Autora: Priscila Gontijo
Justin Chadwick) Direção geral: Wolf Maya Nunca me sonharam
Leonardo Nogueira Direção: Suzan Damasceno
No Quênia, Kimani Alexandre Lopes (Rodrigo (Brasil. Dir.: Cacau Rhoden)
A professora Dulce (Lica Oliveira) Áurea (Suzan Damasceno)
Maruge (Oliver Litondo), Hilbert) é professor Depoimentos de alunos, professores,
dá aula na universidade onde é uma professora de
84 anos, decide se universitário que dá aulas gestores e especialistas traçam um panoram
estuda o filho adotivo, André Literatura vinda do interior
alfabetizar em uma escola de Neurociência. Tem como a do ensino médio na rede pública. Ao abordar
(Bruno Gissoni). Lá, alguns conflitos que espanta a solidão da
primária. Diante de muitas assistente de laboratório dificuldades, angústias, mas também sonhos
familiares são expostos. metrópole conversando com
dificuldades, a professora Patrícia (Adriana Birolli), e expectativas nessa etapa, documentário
A personagem forma casal com objetos de seu apartamento.
(Naomie Harris) com quem se envolve. traz à tona o valor da educação.
o professor Pedro Paulo (Eduardo Até conhecer o vizinho
é decisiva para que Galvão), que leciona na Manuel (Donizeti Mazonas).
ele realize seu intento. faculdade de Letras.
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CRÔNICA
por Jô Bilac
presente!
jô bilac
é dramaturgo,
roteirista e diretor
G
Se fosse só uma questão de
conteúdo didático, seriam
as máquinas a nos dar aula
iovanni Bilac!”, fessora. Lá, em pé, encarei minha turma de frente. E, que diferença fazia agora, já estava acostumada a não saber Vizinho: Gostei tanto que trouxe esse manual de zoologia
alguém falou meu naquele segundo, perdi o medo. Já não me importava se os finais dos seus sonhos. Ou melhor, gostava de pensar fantástica pra você, é do escritor Borges.
nome em voz alta. ela ia gostar ou não do presente, eu nem tinha escolhido. que o final era justamente a ruptura.
“Giovanni Bilac!”, Não importava. Naquele momento eu fui tomado por um Eu: Teu conterrâneo!
como um pássaro, orgulho, quase divino, ao me dar conta, falando em voz Antes mesmo de se levantar da cama, listou mentalmente
atravessando a alta: “A professora Clea é minha amiga secreta”. o itinerário do dia: Banho/perfume/ café/filhos/marido/ Vizinho: Sim, tem um capítulo que me lembrou o teu livro,
atmosfera, pela ônibus lotado/trânsito intenso/centro da cidade/Saara/ onde fala da estátua imaginada por Etienne Bonnot de Con-
segunda vez. “Giovanni Bilac!”, pronunciado de novo, Naquela hora, olhei pra minha professora como quem olha Rio Branco/avenida Brasil/salário atrasado/comprar cos- dillac pra refutar a doutrina cartesiana das ideias inatas. A
dessa vez atingido, acordei: pra um amigo. méticos/vender cosméticos/pagar conta/metrô/trem/dor estátua tem forma humana, e nunca percebeu ou pensou. Aí,
“Presente!” de dente/ escola/aula/alunos/conselho de classe/provas/ Condillac começa dando um sentido vital pra ela: o olfato.
Ela abriu o embrulho e sorriu. Era um chinelo de tricô, do boletim/vender mais cosméticos/para as colegas/para as Demonstra, assim, que um cheiro de rosas confere à estátua
Estava em sala de aula. tipo pantufa. E, como prova de amizade, me devolveu um mães de alunos/mais ônibus/mais metrô/mais trânsito/ a atenção e a partir de outros estímulos, memórias e compa-
abraço. Descobri o cheiro da minha professora. Leite de filhos/marido/janta/programar o despertador/dormir. rações, ela poderia engendrar as faculdades do entendimen-
Todos os olhares voltados pra mim. rosas. to, construindo assim a noção do eu. O que você acha disso?
Ela respira fundo.
Duvidei se aquilo era um sonho ou não. Respondi “presen- Clea era professora de escola pública havia 20 anos e, pra Nessa hora lembrei da Clea/leite de rosas/amigo/professor/
te” instintivamente. Achei que era a lista de chamada. Me completar o orçamento, vendia cosméticos da Avon. Hoje Levanta da cama e pisa no chinelo de crochê. Lembra do secreto/Avon/escola/sono/sonhos inacabados/chinelo de
enganei, mas não de todo, ao dizer “presente”. Era fim de ela me lembra a “Neide Candolina”, professora baiana da presente, sorri. tricô/conjunto/intercessão/alunos/professores/entusias-
ano, amigo secreto da turma e meu momento de presentear música do Caetano Veloso. Mas naquela época eu não co- mo/cosmética/…
quem eu havia tirado. nhecia a Bahia nem Caetano. Conhecia Clea, entusiasma- O PRESENTE
da, explicando “a teoria dos conjuntos”, com círculos no A campainha tocou três vezes. Origem da palavra cosmética: cosmos. Origem da palavra
Inclusive, era essa a razão da minha sonolência ali na aula. quadro-negro. Nunca mais a esqueci falando: “Imaginem entusiasmo: o deus dentro de mim.
Tinha passado a noite me revirando na insônia, pensando dois conjuntos. Por exemplo: conjunto de professores e Pedi desculpas pro meu vizinho, eu estava no banho. Ele
no presente que a minha mãe tinha comprado pro meu conjunto de alunos. Existe uma zona comum entre os dois é argentino, e peculiar, 1: Quer fazer concurso público. 2: Se fosse só uma questão de conteúdo didático, seriam as má-
amigo secreto. Era uma grande responsabilidade, afinal, conjuntos, uma interseção, qual seria?”. Olhei sorrindo Pra professor. 3: Numa escola noturna pra jovens e adultos. quinas a nos dar aula. Mas há um deus dentro de Clea, e em
eu havia tirado a professora. Pois é. Tirar professor no ami- pra ela, eu já sabia a resposta. No seu aniversário, dei de presente o meu livro Conselho de seu rosto tem um cosmo, carrega discursos que comunicam
go-secreto é como tirar o bilhete premiado, uma honra, classe, que é um texto de teatro que se passa numa escola mesmo que calados. É o professor quem redimensiona o con-
mas o prêmio é você quem dá. COSMOS pública do Rio de Janeiro. teúdo, quem constrói pontes para as narrativas, derruba
O alarme do despertador presente. Tocou uma vez, mas fronteiras da ignorância: traz a compreensão.
Pensei nisso tudo enquanto atravessava a sala, com o em- Clea só teve coragem de abrir os olhos na terceira, ainda Eu: Gostou do livro?
brulho na mão, gastando sola. Cheguei até a mesa da pro- em dúvida se estava sonhando, se estava acordada. Mas Para a professora Clea e meu vizinho Javi
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ti
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Visão panorâmica
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O desafio da convivência
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carreira
Estudo mostra
perfil
73%
Da pré-escola ao ensino médio, Dos atuais professores: Quanto ganha um professor?
quem são os os professores brasileiros são:
78% escolheram 7,3 salários mínimos
professores dos professores
68% 32% voluntariamente renda média familiar
visão panorâmica
das redes
da educação básica a profissão: públicas são os
mulheres homens 4,8 salários mínimos
no Brasil e quais 34% por prazer de ensinar/ renda média pessoal principais
transmitir conhecimento responsáveis
suas dificuldades, R$ 2.455,35 pela renda das
Idades (em anos): 13% por aptidão/talento
necessidades piso da categoria* famílias
5% por gostar da disciplina
43 17
*em 2018, para jornada de 40 horas semanais
e expectativas
21% dos docentes como melhorar
idade média tempo médio escolheram a carreira Algumas das medidas sugeridas para a valorização docente:
dos professores de profissão por falta de opção (de
emprego ou de cursos onde morava) 69% 67% 64%
Dar mais Envolver e escutar Restaurar
ensino:
Redes de
muitos terem tido uma formação inicial estadual..................................41% escolha que estão atuando educacionais do professor
que não os preparou de maneira satisfa-
particular................................22%* Quem quer ser professor?
tória para a realidade das salas de aula,
continuam a se dedicar aos estudos ao
*O total é maior do que 100%, pois há professores
23% recomendariam 62% 46% 44%
que atuam em mais de uma rede Pagar melhor Fixar os Tornar pública
longo dos anos para preencher as lacunas a profissão a um jovem todos os professores em as competências
que percebem com a prática docente. Ao professores uma escola para a profissão
contrário do que muitos pensam, salário Níveis de ensino em que dá aula
não é sua maior reclamação (apesar de a 43%....................................fundamental 2 49% certamente não 38% 36% 22%
remuneração ser mencionada negativa- a recomendariam Realizar campanha Tornar o acesso Demitir professores
37%....................................fundamental 1 (o principal motivo é a falta de de mídia pela à profissão que não são
mente). Oferta de formação continuada
37%.......................................ensino médio valorização da carreira) valorização mais seletivo comprometidos
e criação de canais de comunicação com
gestores e responsáveis por políticas pú-
blicas são as principais demandas.
A seguir, um resumo do levantamento
Três em cada dez professores dizem ter sido
formação
Profissão Professor, iniciativa do Itaú So- adequadamente preparados em sua graduação. temas trabalhados na formação versus a sua importância
cial/Todos pela Educação, com realização Gostariam que as dimensões práticas da Professores revelam que os temas mais importantes são os menos bem trabalhados na formação inicial
do Ibope Inteligência e divulgação em formação tivessem sido mais bem ensinadas.
julho de 2018. Foram ouvidos 2.160 pro- 9,4 Conhecimento sobre didáticas
específicas da sua disciplina
fessores em todo o Brasil, divididos de
Origem e continuidade Conhecimento sobre
acordo com percentuais indicados pelo dos estudos o pensamento de grandes
Censo Escolar. teóricos da educação e da 7,6 9,4 Conhecimento
história da educação 8,5 prático sobre como
19% possuem apenas
7,3 planejar uma aula
72% omédio
fizeram ensino superior
ensino 7,7 importância
79% continuam
em redes estudando quanto foi bem
públicas após a graduação; Fundamentos trabalhado
especialização Conhecimento sobre 6,5 6,9 e métodos da
53% 9,2
cursaram gestão de sala de aula 9,3 alfabetização
o superior é a modalidade
na rede mais buscada
privada
51% fizeram a
pós-graduação
7,2 7,1
Conhecimento sobre teorias da Conhecimento sobre métodos de
aprendizagem/como o aluno aprende 9,2 9,3 avaliação da aprendizagem dos alunos
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artigo
por Telma Vinha e Cesar A. Amaral Nunes
Telma Vinha
é pedagoga e doutora
em Educação pela
Universidade de Campinas
(Unicamp) e professora
do Departamento
de Psicologia Educacional
da mesma instituição.
Vice-coordenadora
do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação
Moral (Gepem)
da Unesp/Unicamp.
Cesar A.
Amaral Nunes
é doutor em Física pela
Universidade Técnica
de Munique, mestre e
bacharel em Física pela
USP. Gerente de soluções
do Instituto Unibanco e
pesquisador do Grupo de
Estudos e Pesquisas em
Educação Moral (Gepem)
da Unesp/Unicamp.
70 71
71
artigo
da incidência de violência
estudos indicam que, na
O Brasil tem altíssimos índices de deram que já ocorreu violência em mente por estudantes dentro de co-
72
72 73
artigo
74
74 75
artigo
Preocupação Compartilhada
nectado com a linguagem, cultura e to melhor a relação professor-aluno, Já o bullying não é conduta perturba- Ideia expressa
condição econômica dos alunos menor a indisciplina). As pesquisas dora, mas sim violenta, pois é a prá- pelo método Pikas,
revelam também que a indisciplina tica de atos agressivos entre pares. Ele desenvolvido pelo
Na aula de História do 8° ano, o pro- depende mais de fatores intra do que se diferencia de outras formas de vio- psicólogo sueco Anatol
fessor pediu que os alunos abrissem ninos e duas meninas jogavam papei- extraescolares, e as características, lência pelas seguintes características: Pikas para os casos já
no capítulo 6°. Começou a ler em voz zinhos, tampas de caneta e borracha atitudes e práticas do professor podem há intenção do(s) autor(es) em ferir; confirmados de bullying.
alta o texto que iniciava esse capítu- uns nos outros, mas de forma velada... exercer um papel fundamental na sua são atos repetidos contra um ou mais Ele defende que a
lo e, após um ou dois parágrafos, fa- Às vezes, o professor interrompia a prevenção. Essas atitudes traduzem- alvos constantes; há uma concordân- solução do problema
zia uma pausa para explicar aos alu- leitura e pedia que um aluno conti- -se no tratamento justo e respeitoso, cia do alvo sobre o que pensam dele do bullying é
nos o que tinha sido lido. Enquanto nuasse a ler de onde ele tinha parado. no bom relacionamento com os alu- e há espectadores. Esse aspecto é mui- compromisso de todos
ele lia em voz alta, observamos a clas- Diante do desconhecimento do aluno nos, na disponibilidade para ajudar to importante porque os ataques de os envolvidos. É uma
se bastante dispersa: um aluno dese- do lugar em que deveria começar a os estudantes, na escuta atenta e no bullying são escondidos dos adultos, abordagem que tenta
nhava cuidadosamente com caneta leitura, o professor chamava outro, e interesse demonstrado pelo bem-es- mas não dos pares, ou seja, há sempre investigar as causas
nas costas das mãos; uma garota pas- assim por diante, censurando-os por tar dos menores. uma plateia que testemunha as agres- desse problema, bem
sava corretivo líquido nas unhas como não estarem atentos, pelo mau com- sões. São garotos e garotas, de idades como chegar a uma
se fosse esmalte; alguns alunos esta- portamento e pelas brincadeiras. Dis- As intervenções construtivas nas si- próximas, que assistem silenciosos e solução duradoura
vam desatentos, meio sonolentos; se que esse capítulo ia cair na prova tuações de indisciplina buscam a me- alimentam o problema, dando poder para o caso por
outros conversavam entre si; três me- e que não iria repetir a explicação. lhoria da relação professor-aluno, o e prestígio ao autor. Muitas vezes, esse meio de uma série
estabelecimento ou a revisão do con- público participa com risos, manten- de reuniões individuais
Para lidar com a indisciplina trato professor-aluno e a revisão das do a imagem de que isso é divertido ou coletivas com os
Retomamos o relatório do Talis que cons- ações pedagógicas que levem os es- e de que pertence ao grupo dos po- estudantes envolvidos.
tatou que os professores brasileiros per- tudantes a conectarem-se novamen- derosos. Há, ainda, a excessiva preo-
dem 18% do tempo de aula tentando te com a aprendizagem. cupação com a própria imagem
controlar a indisciplina: “Os resultados perante os outros ou o medo de se
do Brasil indicam que um número subs- tornar vítima. Os adolescentes estão
tancial de professores não alcança o construindo sua identidade social e
padrão mínimo de disciplina em sala de receiam não serem aceitos. A entre-
aula que permita o ensino”. vista que se segue,11 com um garoto
alvo de bullying, ilustra essas ideias:
10. SILVA, MATOS, 2017. 11. LUCATTO, L. C. A justiça
Disponível em http://dx. restaurativa nas escolas:
doi.org/10.18222/eae. investigando as relações
v28i68.4590. interpessoais. Dissertação
de mestrado, Campinas:
Unicamp, 2012.
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76 77
artigo
estão presentes em cerca de 30% dos Os conflitos escolares ainda são mal
os conflitos escolares
ainda são mal
compreendidos no Brasil
estudantes pesquisados. Especifica- compreendidos no Brasil. Em geral,
mente, o bullying foi verificado em a instituição escolar não se vê como
10% dessa amostra, não havendo di- também promotora deles e muito me-
ferença significativa na ocorrência nos se sente implicada na busca de
entre as escolas das capitais e das ci- soluções que promovam a aprendi-
dades do interior. Outra pesquisa, zagem da convivência democrática.
coordenada pelos pesquisadores Tog- Muitos consideram que o gerencia-
netta, Rosário e Avilés13 com 2.600 mento dos problemas comportamen- situações acarretam o emprego de
Pesq.: Você disse que não gosta de estudantes entre 14 e 15 anos de es- tais está além da função de professor soluções temporárias, tais como as
algumas coisas na sua sala, o que colas públicas e privadas do estado de e pedem intervenções externas para punições e a vigilância sistemática.
você não gosta? São Paulo, aferiu que 16% deles eram coibi-los. No estudo realizado pela Um aluno que agride e é punido com
alvos, 19,5%, autores e 63%, espec- Apeoesp,15 a maioria dos professores advertência ou suspensão pode apren-
Aluno: Alguns alunos ficam me xin- tadores de episódios do gênero. (74%) considera que a falta de res- der a evitar brigas na escola ou a não
gando, outros ficam me batendo, peito, de valores e de educação dos ser pego, mas não significa que de-
dando rasteiras... Aí a gente cai, ficam A partir de um diagnóstico, a cons- alunos é a principal causa da violên- senvolveu formas não violentas de
xingando, batendo na gente, entra trução de um programa antibullying cia nas escolas. Atribuem também a expressar seus sentimentos e estra-
na sala enchem o saco e a gente não exige uma reflexão da comunidade violência à educação em casa (49%) tégias mais cooperativas e respeitosas
consegue fazer a lição. educativa sobre as próprias condutas, e à desestruturação familiar (47%) e tos, muito menos se sente implicada para resolver seus conflitos. Não raro,
assumindo novos compromissos e pro- sugerem como medidas para a redu- na busca de soluções que promovam tais conflitos acabam se transferindo
Pesq.: E eles xingam de quê? pondo estratégias sistêmicas tais como: ção desse problema os debates sobre aprendizagem da convivência demo- para “a rua” ou para o mundo virtual.
círculos de qualidade, desenvolvimen- o tema, profissionais de suporte pe- crática. Consideram a administração Ao utilizar principalmente procedi-
Aluno: Ah... de gay filho da puta. to da assertividade para vítimas e da dagógico, investimento em cultura e das situações conflituosas entre os mentos disciplinares normativos e
empatia para agressores, aplicação do lazer e policiamento nas áreas próxi- estudantes como algo desviante da punitivos, a atuação da instituição
Pesq.: E o que você faz quando eles método de preocupação compartilha- mas. Ao serem questionados sobre função de professor e, por conseguin- parece ter como objetivo principal
te xingam? da (ver texto na pág. 77),além da for- quem pode resolver o problema da te, propõem intervenções externas somente evitar os conflitos dentro do
mação de equipes de ajuda.14 Devemos violência nas escolas, mais de um para coibi-las. seu espaço. As escolas têm atuado
Aluno: Eu falo que vou falar pra coor- atuar também na plateia, já que a iden- terço dos docentes apontam a família como “bombeiros”, “apagando in-
denadora, eles me ameaçam... então tificação do bullying no estágio inicial (35%), o Estado (19%) e a diretoria A forma como lidamos com os con- cêndios” depois que os conflitos ocor-
eu fico com medo porque a mãe não é mais fácil para os alunos e o auxílio, (13%). Esses dados vêm ao encontro flitos interfere na formação das nos- rem, e não agindo de maneira
tem tempo de vir aqui, né? eficaz. É preciso construir um progra- de outros estudos, como o realizado sas crianças e jovens. Gostaríamos preventiva, com ações sistematizadas
ma permanente com estratégias claras pela pesquisadora Maria Malta Cam- que os alunos respeitassem volunta- coordenadas.
Pesq.: Como você se sente na hora de intervenções no curto e no longo pos, da PUC-SP (A qualidade da edu- riamente as regras, quando justas e
que te xingam? prazo que permitam que a escola es- cação sob o olhar dos professores, 2008), necessárias. Por outro lado, o despre- Não queremos formar jovens “edu-
teja de fato atenta às angústias de seus que indicam que a escola não se vê paro e a insegurança quase generali- cados” apenas quando estão diante
Aluno: Ah, eu me sinto muito “ruim” alunos. como também promotora dos confli- zada dos educadores diante dessas de autoridades ou quando monitora-
porque as pessoas não têm educação dos. O ideal é que eles aprendam a
pela gente. Eles querem “se achar” só interagir seguindo critérios e regras
porque são mais velhos que a gente... morais que sempre consideram os
maiores, né? Fica todo mundo rindo, 12. PLAN, 2010. Disponível em 14. As equipes de ajuda são maus-tratos entre pares sentimentos, as necessidades e a pers-
achando engraçado me zoarem. http://www.ucb.br/ uma modalidade de e outros conflitos que pectiva de si mesmos e as dos outros.
sites/100/127/documentos/ sistemas de apoio entre impedem ou prejudicam
biblioteca1.pdf. pares ou redes de a convivência na escola Por ser um laboratório social por ex-
Um estudo12 realizado pelo Centro de proteção em que alunos (TOGNETTA, DAUD, celência, em que uma pessoa perma-
são escolhidos pelos 2017).
Empreendedorismo Social e Admi- 13. TOGNETTA, ROSÁRIO, colegas para atuar nece por muitos anos, a escola tem
nistração em Terceiro Setor (Ceats) e AVILÉS, 2016. diante dos problemas 15. APEOESP, 2013. uma influência e uma responsabili-
de vitimização e
Fundação Instituto de Administração dade significativa na formação de
(FIA) com mais de 5 mil alunos do cidadãos autônomos, que sabem re-
ensino fundamental 2 mostra que os solver conflitos de maneira assertiva
maus-tratos entre pares na escola e não violenta.
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professores
ponto de vista
nascem
o convívio constante entre de Gestão Pública
da Fundação
professores com variados Getulio Vargas
de São Paulo.
níveis de experiências,
defende cientista político
O
onde
os músico argentino Emilio Balcarce já somava 82 anos
quando foi procurado para ser diretor de uma or-
questra-escola que levaria o seu nome. Esquecido
desde o final dos anos 1970, Emilio guardava um
conhecimento que ameaçava perder-se sem chegar
às novas gerações. Maestro, compositor e instru-
mentista, ele era a memória viva da técnica com que
sua geração tocava os tangos que se tornaram sinô-
nimo não só da cultura, mas da alma argentina. E,
entre todos os instrumentos, o que ele melhor do-
minava era o bandoneon, símbolo maior do gênero musical definido
como “um pensamento triste que se dança”.
E o que faz aqui a história de um músico argentino? Bem, ela tem mais
a ver conosco do que parece num primeiro momento. A escola de Bal-
carce foi o ponto de inflexão para unir passado e presente, com a téc-
nica dos antigos – vários outros foram reunidos – passando aos jovens,
que a somaram ao que já sabiam e ampliaram seu repertório e sua
formação com esse convívio. Se você gosta de música, pode conhecer
melhor essa história por meio do documentário Si sos brujo, una histo-
ria de tango (2005), de Caroline Neal (http://bit.ly/2JmdGSa).
81
ponto de vista
82 83
ponto de vista
em Cingapura,
os mentores têm papel
de lideranças
Como enfatiza o professor da FGV, essa dife-
rença acaba sendo ruim para os dois lados: para
o procurador ou juiz, gerará frustração ao lon- função – de professor para diretor ou técnico
go da carreira, pois já começa num patamar de secretaria – para receber um salário maior.
muito alto, tendo pouca margem para subir; Com isso, desfalca a escola e vai exercer algo
além disso, tende a atrair para o professorado para o qual não foi preparado, que exige outras
aqueles que não têm condições de conseguir competências, o que demandará novamente
outras funções mais bem remuneradas. Para o um longo aprendizado. No citado exemplo de
país, o desequilíbrio cria desigualdade exces- Cingapura, o docente permanece vinculado a
siva e insatisfação geral. Mas aqui há uma cer- uma escola, a não ser no topo da carreira, em
teza: para valorizar a carreira docente, atrair que existe a figura do mestre, alguém que muda
jovens mais bem formados e conquistar parâ- de escolas, porém com a missão de trazer,
metros mais elevados de profissionalidade, será como um docente de alta especialização, um
preciso fazer esse esforço, que se traduz na olhar de fora para as práticas que analisa. Por exemplo, se muitos sistemas, em especial
sinalização, com um salário inicial mais robus- os orientais, foram bem-sucedidos em vários
to, de uma carreira que permita progressões. Momento-chave fatores, estão hoje se ressentindo da baixa
Ou seja, é questão de achar a dosagem certa. Essa troca geracional que se avizinha, ao lado criatividade de alunos que respondem bem a
da alta competitividade internacional que tem testes padronizados, mas têm dificuldades no
Comunidades de aprendizagem redundado nas mudanças dos sistemas de di- campo da linguagem, entre outros. Ou como
Essa progressão, hoje, está ligada quase que versos países, torna o momento de extrema na Coreia do Sul, em que a pressão excessiva
exclusivamente a um fator inercial: o tempo de importância para que o Brasil mexa conjunta- levou o país a ter a maior taxa média de suicí-
serviço. Numa época extremamente dinâmica, mente na formação docente, nos processos da dio juvenil do mundo.
com muitos novos aportes teóricos chegando carreira e na oferta de formação continuada.
às escolas e pedindo diálogo com a prática, esse Por esse motivo, o desejo nostálgico de resti-
modelo tem se mostrado mais do que esgotado. Dois aspectos devem ressaltados nesse senti- tuir a “ordem de antigamente”, de uma
do. O primeiro deles é que a educação, como escola que corresponde mais a uma visão idea-
O modelo que mais tem prosperado transfor- enfatiza o professor da FGV, é um fenômeno lizada do passado do que à realidade, pode nos
ma a escola no centro do processo de apren- equivalente à nossa Secretaria de Educação. intergeracional, o que vale tanto para alunos fazer retroagir.
dizagem não só de alunos, mas também dos Esses mentores vão ajudando os docentes des- e famílias como para professores. E a nova
próprios professores. Vários países têm orga- de a sua chegada à escola e ao longo de toda a geração que está assumindo os postos de do- “Os defensores do ‘Escola sem Partido’, um
nizado as escolas como comunidades de apren- sua carreira. À medida que vão se tornando cência vem, em sua maioria, de famílias com modelo que não foi adotado por nenhum país
dizagem, entre eles Portugal, Finlândia, mais experientes, esses mesmos docentes co- pouca escolaridade, resultado da tardia uni- do mundo – não só os bem-sucedidos, mas
Cingapura, Xangai (China) e o estado da Co- meçam a participar da formação de quem está versalização brasileira. Significa que esse ciclo nenhum –, não percebem que o tipo de esco-
lúmbia Britânica, no Canadá, entre outros. chegando, e assim sucessivamente. de aprendizado contínuo, de preferência uti- la que estão vendendo é a morte da escola e do
Esses lugares instituíram a escola como um lizando ao máximo a geração que está se apo- professor, um desastre no médio e longo pra-
local onde circula e se constrói continuamen- “Temos de complexificar a carreira docente sentando, será vital para que não decaiamos zos”, diz Abrucio.
te um saber colaborativo. formando um espaço de aprendizado contínuo, do ponto em que estamos.
em que se possa ter várias funções – professor O Escola sem Partido é um movimento que
No caso de Cingapura, há mentores na esco- iniciante, professor que treina os iniciantes, O segundo ponto assinalado por Abrucio é que apresentou projetos de lei semelhantes em
la que funcionam como lideranças que orga- coordenador de disciplinas, mentor. Com isso, precisamos manter os olhos abertos para o que municípios, estados e no Congresso Nacional,
nizam o processo em conexão com o órgão a sala de aula ganharia maior centralidade na está acontecendo no mundo, para as experiên- com o intuito, segundo seus defensores, de
política educacional”, sintetiza Abrucio. cias que estão dando certo, o que se está bus- não permitir doutrinação dos alunos pelos
cando, principalmente em países com cultu- docentes. A Assembleia do estado de Alagoas
Além de esses vários estágios compreenderem ra ou histórico semelhante ao nosso. chegou a aprovar a Lei 7.800/2016, depois
a evolução tanto da aquisição de competências vetada por inconstitucionalidade pelo gover-
quanto financeiras, permitem também que a nador Renan Filho. O caso aguarda votação no
ascensão profissional não retire o docente da Supremo Tribunal Federal, com parecer inicial
sala de aula ou do ambiente escolar. Hoje, é do relator, ministro Roberto Barroso, que tam-
muito comum que um profissional mude de bém considera a lei inconstitucional.
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ponto de vista
86 87
entrevista
com ricardo paes de barros
Uma
profissão
E
conhecimento
só se constituem
com base no
trabalho bem
realizado pelo
professor, aponta
ducação de quali- economista Como se dá a articulação entre educação
dade só ocorre com de qualidade e a competitividade de um
professores de qua- país?
lidade dando aulas de Ninguém sabe direito como se dá essa relação.
qualidade. Para que O que se sabe é que, na maior parte dos
esse encadeamento se países, quando melhora a educação, a pro-
estabeleça, a chave im- dutividade aumenta. E se houver mais pro-
prescindível é o professor. dutividade, em alguma medida, o país se
Essa é a lógica defendida torna mais competitivo. Aumentar a educação,
por Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do no Brasil, não tem ajudado a melhorar a pro-
Instituto Ayrton Senna (IAS) e professor da cátedra dutividade. Desde o início da década de 1980,
de mesmo nome no Insper. Pesquisador de questões ela está meio parada, apesar de termos au-
como desigualdade social, mercado de trabalho e mentado muito a quantidade de educação.
educação, PB, como é conhecido, considera fun- Parte disso é falta de qualidade, o que tem de
damental o reconhecimento do professor, tanto em mudar. O Brasil está sendo ultrapassado, em
termos sociais quanto monetários. termos de produtividade por trabalhador, pela
China. Com uma produtividade menor que a
Na entrevista a seguir, feita na sede do IAS, em São da China, não teremos um salário muito maior
Paulo, ele aborda temas como a relação entre edu- do que o chinês. É um problema grave que
cação e competitividade de um país, sistemas de temos de entender com mais cuidado. Pode
avaliação do docente e comenta casos bem-suce- ser tanto um problema da educação como
didos na educação do Brasil. também do sistema econômico.
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entrevista
90 91
entrevista
educacionais fantásticos
de usar isso para abusar dos profes- absolutamente fantásticos no Bra- fantásticas, e conseguimos aprender bons e com baixo investimento, a
sores e pagar um salário mais baixo pode ficar muito chata. Não pode- sil. Em Cocal dos Alves, eles sabem isso rápido. O Brasil não está ofere- gente sabe. O que não sabemos
porque eles adoram fazer o que es- mos perder a beleza e essa delica- mais matemática do que um aluno cendo uma solução educacional direito, porque não é investigado,
tão fazendo. Mas ser professor é, deza da paixão por aprender, co- médio da Alemanha. Então para que única, a descentralização permite é por que esses bons sistemas são
acima de tudo, uma paixão. O cara nhecer. A valorização social dos precisa olhar para Alemanha? Pos- experimentar. Claro que uma mu- bons. Precisamos fazer aquilo que
que não é apaixonado por dar aula, professores é tão importante quan- so olhar para Cocal dos Alves. Bre- dança política local pode afetar. se faz numa escola de administra-
que não é apaixonado por ensinar, to a valorização monetária. Os alu- jo Santo vai num caminho parecido. Mas, uma vez que você está num ção, que é um estudo de caso. Qual
é melhor não ensinar, porque não nos vêm com todo tipo de problema Há uma quantidade grande de sis- município desses e criou essa paixão é o segredo de cada sistema desses?
vai dar certo. É preciso atrair os para sala de aula, dar aula é uma temas que já alcançaram as metas pela educação, é difícil retroceder. O que Sobral faz de bom que tem
apaixonados por dar aula e remu- coisa emocionalmente demandan- do Ideb [Índice de Desenvolvimen- Pode acontecer. O estado do Rio de de ser replicado pelo Brasil? E Co-
nerar de uma maneira que se sintam te, muito dura. Não tem dinheiro to da Educação Básica] para 2021. E Janeiro tinha feito um avanço fan- cal dos Alves? O que Espírito San-
orgulhosos da profissão que têm. que vá te convencer a fazer isso, estão em lugares geralmente pobres. tástico e de repente perdeu um pou- to fez que todos os estados brasi-
você vai fazer porque realmente O Brasil tem muito que aprender co o rumo, descontinuou o sistema leiros deveriam copiar? Nenhuma
O reconhecimento social tam- gosta. Mas é claro que o salário tem com o próprio Brasil. Se quiser olhar de avaliação, fez várias coisas que instituição do Brasil está fazendo
bém ajuda, não é? de ser compatível. para fora, diria para olhar para Por- atrapalharam o progresso da edu- isso. O MEC deveria fazer isso e erra
A gente tem de reconhecer como tugal e Chile, que fizeram avanços cação. O que precisamos é aprovei- na medida em que está mais preo-
sociedade. O sucesso de grande par- Há algum país com o perfil pa- importantes, sem deixar de chamar tar mais esses bons exemplos, fazer cupado em dizer aos municípios o
te dessas cidades no interior do Nor- recido como nosso que esteja a atenção que eles têm problemas com que eles tornem os maus exem- que eles devem fazer, em vez de
deste que estão tendo um desem- indo por um bom caminho? enormes. Não há país que não es- plos mais desconfortáveis. aprender com eles o que deve ser
penho educacional fantástico, como Tem um monte de país tendo pro- teja envolvido ativamente com o feito. Não tem sentido ter tantos
Cocal dos Alves [PI] ou Brejo Santo gresso educacional fantástico, todo processo de melhoria da educação. sistemas e não aprender com eles.
[CE], ou várias cidades no noroes- mundo investindo pesadamente em
te do Paraná, é porque o professor melhorar a educação. Os países mais Até que ponto a descontinuida- A relação entre o número de
anda na rua e o aluno fala “papai, ricos do mundo estão investindo de de políticas pode comprome- anos estudados e a renda média
aquele ele é meu professor”. Essas uma fortuna para saber como me- ter a sustentabilidade das ini- da população continua evoluin-
sociedades estão apaixonadas pelo lhorar a qualidade da educação. ciativas que dão certo por aqui? do do mesmo jeito que na dé-
conhecimento e o professor é um Coreia do Sul, Finlândia, Portugal, O Brasil tem uma vantagem: siste- cada passada?
cara muito importante. Educação é Chile estão muito preocupados com mas educacionais incrivelmente Em geral, quem tem mais educação,
uma coisa muito delicada, ou seja, isso, é onde estão botando todo o descentralizados. Temos mais de 5 em média, tem uma renda maior.
pode ser muito legal se a gente se potencial de uma nova geração. Se mil sistemas educacionais indepen- Se você analisar a desigualdade
apaixonar pelo conhecimento, ou usar isso bem, o país vai avançar dentes. Pode trocar o presidente da histórica de renda no Brasil – e o
República, o ministro da Educação, trabalho do [economista Carlos]
como aconteceu várias vezes, e o Langoni na década de 1970 deixa-
sistema educacional lá no interior va isso claro –, era fundamental-
do Piauí, do Ceará vai continuar mente porque a diferença de renda
funcionando muito bem. Se fosse entre pessoas com diferentes níveis
centralizado, seria muito mais pro- educacionais era muito alta. O Bra-
blemático. Essa descentralização sil era um dos países do mundo
tem duas vantagens: há gente tes- onde o aumento de educação co-
tando coisas muito diferentes, en- mandava os maiores aumentos de
contrando soluções diferentes e renda. Na década de 1970, as pes-
92 93
entrevista
soas mais educadas mediam a ren- te baixa escolaridade sem mexer em vel de aprendizado. Vamos ver qual
da delas em termos de dúzias de quem tem alta escolaridade. Houve é o aprendizado desses alunos no
o professor
rio tão alto. Isso quer dizer que se de bom nível. Mas não devería- nos que sabe pouco e entrega sa- também é um trabalho coletivo? e não quer saber quem está lá den-
um advogado, um arquiteto, um mos também avaliar aquilo que bendo muito é um bom professor. Há a coordenação pedagógica, tro, vai dar um jeito naquilo porque
médico não ganham tanto assim, contribui para esses resultados, Quem pega um conjunto de pessoas o trabalho coletivo dos profes- está sob seu controle. Você já entrou
o acesso a eles é mais fácil. Uma como desempenho docente, a que sabe pouco e entrega sabendo sores, da direção, as condições numa sala de aula com 20 ou 30
sociedade em que os salários são gestão etc.? pouco não é um bom professor. Es- de infraestrutura. Não seria adolescentes? Não tem nada que
mais próximos torna uma série de A gente sabe medir o aprendizado, tamos medindo ainda a média do preciso olhar para essas coisas quem está fora da sala de aula pode
coisas melhor e a sociedade mais mas para realmente garantir o di- sistema, da escola. Mas não sabemos também? te dar que vai te ajudar a enfrentar
igual. O lado problemático é que o reito à educação para todos teríamos quem está contribuindo para aqui- Sim e não. Tem uma coisa que as aquelas feras. Claro, numa sala
incentivo para se educar diminuiu. de medir o aprendizado, a profi- lo. Na educação, só tem uma coisa pessoas chamam de locus interno quente, sem internet, sem nada,
Financeiramente, fazer o ensino ciência do aluno no início do ano que realmente importa: o professor. de controle. O professor tem de fica muito mais difícil. Mas nas me-
médio hoje é muito menos vanta- letivo. “Professor X, estou te entre- chamar a responsabilidade e dizer: lhores escolas aqui de São Paulo
joso. Em alguns estados, como San- gando uma turma que tem este ní- E ele tem de ser avaliado? “Preciso de apoio, preciso de um dar aula no ensino médio é difícil.
ta Catarina, a diferença entre quem Temos de ser capazes de avaliar a monte de coisas”. Mas, se não tiver O cara tem de ser muito bom. Os
faz o médio ou não é tão pequena qualidade dos professores. É difícil, nada, entrar numa sala de aula e adolescentes são delicados, você
que, se você fizer o médio, talvez não vai ser com uma prova apenas. disser que não sabe educar as crian- tem de saber lidar.
aumente a sua renda em 15%, al- Está bem documentado no mundo ças, é melhor nem entrar. Tem de
guma coisa assim. que provas não avaliam a qualidade ser aquele cara que entra na sala de
do professor. É um trabalho de cer- aula e diz que vai dar um jeito, vai
Isso acontece por excesso de tificação complexo, mas necessário. descobrir uma maneira de ensinar
oferta de pessoas que cursa- Tem de avaliar a aula. Um bom pro- aquelas crianças. Sempre vão faltar
ram o ensino médio ou porque fessor é aquele que consegue dar alguns recursos. O Mao Tsé-tung
o ensino médio não agregou várias aulas ao mesmo tempo. Se dizia que o bom camarada é aque-
tanto assim para aqueles que aquele aluno não está entendendo le que está mais ansioso para ir onde
o fizeram? alguma coisa, explica de um jeito, os problemas são maiores. Esse é o
Por vários motivos. Desde o aumen- para outro, de outro jeito. Precisa professor. Onde todo mundo diz
to do salário mínimo, que aumenta ter uma empatia cognitiva, enten- “ninguém consegue ensinar esses
o salário de quem tem relativamen- der como os alunos raciocinam. Tem caras”, ele fala “então dá essa sala
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políticas públicas
1990
educação Criação do Sistema
de Avaliação
da Educação Básica (Saeb). Hoje
o Saeb abrange um conjunto de avaliações
externas do 5a e 9a anos do ensino
1991
em letras e números
fundamental e 3a ano do ensino médio, que 146,8 milhões
mensuram o desempenho dos alunos e dos população do país
sistemas em Língua Portuguesa e Matemática. segundo o IBGE.
População brasileira é de
1970 a alfabetização de adultos,
com meta de abranger 2001 2001
94,5 milhões 11,4 milhões de pessoas até 1971 e de erradicar Entram em vigor as Diretrizes Aprovação do primeiro Plano
o problema até 1975. Curriculares Nacionais para
de pessoas, pelo IBGE. Nacional de Educação (Lei 10.172)
a Formação de Professores pós-redemocratização. Com mais de
2003 2009
Criação da Rede
Nacional de Instituição da Política
Nacional de
Formação Continuada de Formação de Profissionais de
Professores, parceria entre MEC, Magistério da Educação Básica, 190,7 milhões
Criação da Prova Brasil, de caráter 2005 secretarias municipais e estaduais e instituições com diretrizes de longo prazo para a formação 2010 população do país
censitário, para avaliação da qualidade de ensino superior, voltada para os docentes de professores, entre elas a elaboração do segundo o IBGE.
da educação básica. da educação infantil e ensino fundamental. Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica (Parfor), que visa a aprimorar a
formação de 600 mil docentes em exercício. 2012 Ministério da Educação e secretarias assinam
o Pacto Nacional pela
L
está ameaçada de
extinção por robôs
é a era do
e inteligência artificial?
Claro que não!
© reprodução
aurentius de Voltolina, pintor renascentista, Os tempos atuais cobram caro de quem subestima a gigan- dagógico. No século 20, surgem as primeiras tentativas de
retratou uma das primeiras salas de aula da tesca revolução na forma como compartilhamos informa- atualizar o modelo de acesso, troca e produção de conhe-
história. A imagem mostra a figura do mestre ção. Os degraus da escalada exponencial das inovações cimento. Na virada do milênio, o furacão digital escanca-
num púlpito à frente dos alunos, que, sentados ficam altos rapidamente para quem tem medo, arrogância ra a necessidade de redesenhar o sistema.
em fila, miram ou copiam passivamente o ou preguiça de encarar a mudança. Isso vale para educa-
conteúdo da aula em seus cadernos. Há um dores, médicos, políticos, líderes empresariais... e, sobre- Se a informação está disponível na internet, qual a tarefa
tédio nítido entre os integrantes do fundão, que conversam tudo, para comunicadores, como eu. do professor? Ele pode ser substituído por um algoritmo?
displicentemente. Num canto, vê-se um aluno dormindo. A profissão está ameaçada de extinção por robôs e inteli-
Detalhe: a tal sala de aula é da Idade Média, século 14, Mesmo sem saber sua idade, leitor ou leitora, posso afirmar gência artificial? Claro que não! É o contrário. Com tudo
A era digital
Universidade de Bolonha. com boa chance de acerto que somos parte da última ge- disponível de forma desorganizada e abundante, abre-se
ração formada por professores que atuavam como se fossem hoje uma enorme oportunidade de o professor assumir seu
Seiscentos anos depois, pergunto: quantas salas de aula você a única fonte de informação dos alunos. E, na maioria das papel essencial: ser o curador do que é relevante na ava-
conhece que ainda se parecem com a retratada por Voltoli- vezes, eram mesmo! lanche de estímulos digitais e provocador do diálogo co-
na? Imagino que muitas. Mais do que arrumar a mobília, letivo para a produção do discernimento.
impor disciplina ou enfiar traquitanas tecnológicas dentro Meu professor de História no colégio em Ituverava, a peque-
da escola, precisamos reinventar a forma de aprender. Que na cidade onde nasci no interior de São Paulo, se chamava Não teria sido sempre esta a missão do professor: ser uma
mudança de mentalidade é necessária para que a educação Eurivane. Homem suave, charmoso, cara de galã de novela referência na jornada árdua do aprendizado? Só que o mo-
possa abraçar a complexidade do mundo contemporâneo? de época. Gastava metade da aula copiando o conteúdo do mento pede um novo professor, de peito e ouvidos abertos
Como tornar a tecnologia uma aliada e não um entrave à dia no quadro-negro. Seu Eurivane tinha letra bonita, era para gerar engajamento dos alunos para uma criação cola-
educação? Qual o novo papel do professor? caprichoso e desenhava mapas e gráficos usando três cores borativa do novo aprender a aprender. E mais: as metodo-
diferentes de giz. Ao término da tarefa, acendia o cigarro, logias para atingir os objetivos desejados – curiosidade,
Para responder a questões tão robustas, precisamos de enquanto aguardava a sala terminar o copia e cola. empatia, narrativa, resiliência, para citar alguns – devem se
coragem para encarar o óbvio. Aliás, não devemos temer manter em constante atualização, como os aplicativos dos
o óbvio nem as sutilezas do óbvio. Repare: na maioria das Frequentemente, a geração digital é acusada de ter inven- nossos telefones. É a hora de convocar os educadores e dar-
situações, quando evitamos o óbvio, somos movidos pela tado o copy-paste. É uma tremenda injustiça. Desde a -lhes autonomia. A era digital tem tudo para ser a era do
arrogância ou pelo medo. Superá-los é tarefa crucial para Idade Média, como vemos no retrato de Voltolina, até seu professor. É a profissão mais valorizada nas nações que se
enxergar as armadilhas e as oportunidades no horizonte. Eurivane, gerações e gerações utilizaram tal método pe- atrevem a lutar pela liberdade e alegria dos seus cidadãos.
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es
tu
tes
dan
Falas que vêm das salas
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Múltipla escolha
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Antevisão do futuro
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Falas
que vêm
das
salas
A ssim como os professores, os
jovens pedem passagem quan-
do o assunto é educação. Eles
também querem escuta atenta
para suas necessidades e dese-
jos, em especial para as formas
de relacionamento com o uni-
verso adulto, tão essencial e contraditório nessa fase difí-
cil, porém instigante, de suas vidas. E, quando ouvidos e
respeitados, revelam enorme vontade de participação e de
solidariedade, mostrando que sinais positivos são capazes
de transformar potência em energia fluida. Para isso, o
diálogo e a proximidade com os professores são essenciais,
pois a sua valorização significa a valorização de ambos.
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VOZES DA GALERA!
papus educação
Rafaela Obrownick
Nossa Escola
em (Re)Construção | PORVIR
além do que minha realidade me
Pesquisa feita primeiro com grupo de atuação de 25 adolescentes entre 13 e 21 anos, gerou possibilitava [...], afirmar minha
questionário para 132 mil jovens de todo o país, da mesma faixa etária, com prevalência entre
15 e 17 anos. Pergunta guia: “Como seriam ambientes educacionais inclusivos que incentivariam as identidade como pessoa negra.
individualidades dos estudantes e promoveriam a transformação social? E como poderíamos criá-los?”.
Adrielle Bispo
a escola hoje
• Permitiria troca de conhecimento
e respeito entre os participantes,
incluiria habilidades pessoais dos jovens gostam afirmam que a escola Sou negra,
e aceitaria as diversidades. de estudar oferece um ambiente
empoderada e feliz
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VOZES DA GALERA!
nunca me sonharam
jovens do documentário contam suas histórias
Eu não sei mais o A minha raça influencia,
que eu quero fazer mas também a minha cultura
da vida. Eu gosto de influencia. ‘Porque ela é negra,
muita coisa, eu ela ainda mora em Caxias,
quero fazer muita ela não estudou em um colégio
coisa, e eu não sei muito bom’ e toda essa junção
por onde começar. dessas três coisas que eu falei
Milena Lisboa não vai deixar eu concorrer
a um lugar melhor. Suzany Felix
Tenho medo de
não realizar meus
desejos, tenho
medo de não
realizar meus
sonhos. Jaqueline Rosa
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visão de mundo
múltipla
um estágio no Centro Educacional da Lagoa,
para ensinar programação na educação básica.
Conseguiu transferência para a PUC, mais per-
to do estágio, e lá um mundo se abriu. Em 2016,
começou a trabalhar no Olabi, organização
social que tem como meta democratizar a pro-
dução de tecnologia.
escolha
carreira, decidiram pela docência para programar um que lhe permita fazer to-
das as coisas que quer. Um algoritmo que a
ajude a equacionar seu tempo para ser pesqui-
sadora acadêmica, professora universitária e
da educação básica, além de ativista social em
prol das mulheres em geral, em especial das
negras.
Além disso, criou o Computação sem caô, um
guia no Instagram para quem quer aprender a
programar.
110 111
visão de mundo
a realidade do possível
Logo depois, prestou novo concurso e voltou O Jardim Ângela, às margens da represa de subia no armário, problema no 1o e 2o ano.
ao Zulmira Campos como professora de Língua Guarapiranga, na zona sul de São Paulo, ficou Comigo, não subiu mais. Aprontava, mas me-
Portuguesa do ensino médio. “Fui lecionar famoso mundo afora quando o capitão Cafu nos. Fiz de tudo: roda de conversa para des-
para moleques da minha idade. Eu tinha 22 levantou a taça da Copa do Mundo de 2002, cobrir coisas em comum, desenho, música,
anos, alguns deles, 20. Foi quando entendi que no Japão, com o nome do bairro estampado sabia o nome de todos eles, e isso era muito
a educação não é só passar conteúdo, com- na camiseta. Foi ali que, 15 anos depois, com importante”, relembra Júlia.
preendi a realidade dos alunos, a necessidade pouco mais de um ano formada em Pedago-
de fazer um trabalho mais humanizado que a gia, Júlia Basellotto precisou deixar um pouco No final do ano desenharam a si próprios como
apostila que me deram na minha primeira es- de lado o conhecimento adquirido na facul- super-heróis. Não conseguiu alfabetizá-los,
cola”, relembra Marcela. dade e colocar em campo a empatia. mas fez muitos entrarem ao menos na fase si-
lábica. Deixou um portfólio detalhado sobre as
Com esses alunos, realizou um dos trabalhos de Hoje com 34 anos, Júlia veio morar em São crianças, facilitando o reinício dos trabalhos no
que mais se orgulha. Viu que tinham ódio in- Paulo em 2012, quando resolveu viver com o ano seguinte. Afinal, a descontinuidade muitas
discriminado de quem julgavam rico. Traba- namorado Gabriel, hoje pai de seu filho. Já era vezes faz as crianças voltarem à estaca zero.
lhando com rap, fez isso virar manifestação formada em Enfermagem, que cursou em So-
literária partindo da letra de O milionário do rocaba, sua cidade natal. Em 2015, formou-se Neste ano, Júlia foi morar e dar aulas no Cam-
a vida na escola
sonho, de Elisa Lucinda, gravada por Emicida. pedagoga no Instituto Singularidades, na capi- po Limpo, em classes de pré-escola.
“Fizeram textos lindos, que não exprimiam tal. Passou num concurso, foi chamada seis
apenas raiva, mas uma percepção social e his- meses depois e foi trabalhar no Capão Redondo. Da sua segunda formação, exalta a exigência
tórica. Começaram a se perguntar por que es- do curso, que fez com que desenvolvesse atri-
tavam naquele lugar, e não em outro”, conta. Antes de começar “lá no fundão do Jardim butos como capacidade leitora, ortografia e
Ângela”, mudou-se para Juquitiba, na Grande matemática. “Vi o quanto precisava melhorar.
Depois de três anos ali, pegou as economias e São Paulo. Fazia 150 quilômetros de carro por Li textos que exigiam capacidades que ainda
voltou a São Paulo no final de 2015. Conheceu dia para dar aulas numa escola em que, como não tinha desenvolvido. Aprendi a complexi-
Desde cedo, a santista Marcela Pelloni acos- sua companheira, Cauana, com quem está descobriu, as famílias eram muito carentes e dade da educação. E aprendi a ser uma pessoa
tumou-se a passar o dia todo na escola. Pela casada, deu aulas para a educação infantil e na distantes do colégio. Era preciso intimá-los. melhor, mais paciente.”
manhã, como aluna; à tarde, acompanhava a Fundação Casa, para menores infratores. Con- Dava aulas para uma classe de 3o ano em que
mãe, professora de Educação Física na Escola viveu com meninos apreendidos por um furto havia uma menina que fazia bolos, cuidava dos
Estadual Zulmira de Campos. Antes dos 10 de tênis e outro que já cometera cinco assas- irmãos e cuja mãe nunca aparecia. Só veio no
anos, já pensava em, como a mãe, ser profes- sinatos. Percebeu que os adolescentes precisam momento da rematrícula.
sora de Educação Física. Na família, a avó e de regras claras. “Eles são carentes, a agressi-
duas tias também são professoras. vidade é uma maneira de chamar atenção. Se “Tive de abandonar a parte pedagógica por uns
as regras forem bem explicadas, funcionam.” dois meses, só para criar vínculo para que eles
No ano do vestibular, parou os treinos de han- não se agredissem. Havia uma menina que
debol, mesmo sendo da seleção da cidade, para Hoje, cursa o 2o ano de Pedagogia no Instituto
estudar. Entrou em Letras no Mackenzie, em Singularidades, em São Paulo. “Queria apren-
São Paulo, onde uma das tias lecionava no der a alfabetizar. A gente sempre encontra
curso de Publicidade. No último ano, prestou alunos analfabetos, ou que não sabem mate-
concurso para o estado, passou e foi dar aulas mática. Quero poder dar aulas no fundamen-
numa escola na Casa Verde, como professora tal 1 e no 2”, diz.
substituta.
Do curso, destaca a interação entre teoria e
Os seis meses iniciais foram sob medida. Tinha prática. “Hoje, já me sinto segura para orien-
apenas uma classe (de 9o ano) e os alunos eram tar uma atividade com uma criança de 7 anos.
tranquilos e interessados. Pouca orientação Aprendi a relacionar as duas coisas.”
recebeu além das apostilas que deveria seguir
e o lugar em que a antecessora havia parado.
As poucas sequências didáticas da faculdade
a auxiliaram a estruturar as primeiras aulas.
112 113
visão de mundo
a primeira da família O encontro da paulistana Jussara Teles, 41 anos, “Não fiquei contente com o que eu vi. Alunos
com a Pedagogia foi quase casual. Filha de pai de 4o ano sem saber ler e escrever”, conta.
metalúrgico e mãe trabalhadora do setor ho- Como consequência, resolveu fazer iniciação
teleiro, Jussara cedo ingressou na indústria científica voltada para a alfabetização. Estagiou
têxtil. Por duas vezes tentou fazer o curso su- em classes do 3o ano do ensino fundamental
perior, mas não teve ânimo suficiente para os em escolas públicas e privadas e na educação
cursos de Administração e Teologia. de jovens e adultos. E constatou que, quanto
menos os professores exigem e esperam dos
Até que, cinco anos atrás, foi ser vendedora no alunos, menos eles dão.
comércio de chocolates. Como sua empresa
dispõe de uma universidade corporativa vol- “Os mecanismos usados para estimular os pro-
tada para a humanização das relações de tra- cessos de metacognição trazem resultados mui-
balho e para a melhoria no atendimento, teve to melhores”, diz Jussara. Em poucos dias, ela
a oportunidade de conhecer o universo dos apresentará o resultado de sua pesquisa de ini-
pedagogos. E pensou: “Ah, quer dizer que não ciação. Depois, prestará concurso para a prefei-
firme no caminho
é só na sala de aula”. tura de São Paulo e para o Sesi. “Quero trabalhar Em meados de 2018, Manuella Campos reen-
na escola pública. Vi muita gente comprometi- controu uma amiga de infância, agora estudan-
Com a ideia de que teria um grande campo de da e querendo mudar essa realidade. Nem pen- te de Engenharia. Ao ser questionada sobre que
oportunidades, ingressou na PUC-SP em 2015. so mais em universidade corporativa.” curso estava fazendo, não respondeu direta-
Desde então, a cada semestre fez estágios em mente, mas também não deu margem a dúvida.
escolas públicas, em diferentes níveis educa- Com quatro irmãos, ela é a primeira de sua Para os primeiros passos na carreira, Manuella
cionais. Ficou inconformada com os resultados família a terminar um curso superior. Inda- – Adivinha? acredita que, por questões do mercado de tra-
dos processos escolares de alfabetização. gada sobre o que ajudaria a valorizar a carrei- balho, o mais provável será lidar com educação
ra docente, elege três aspectos: valorização – Já sei. Pedagogia. Ah, Manuella, é a tua cara! infantil. Mas conta que a universidade descor-
social desde a família, continuidade de polí- tinou uma possibilidade que lhe pareceu igual-
ticas públicas e formação continuada com foco Ser professora é um desejo manifestado desde mente interessante: a educação de jovens e
em inovação pedagógica. a infância. Nas brincadeiras de escolinha, ela adultos. “Vi que eles têm desejos, embora alguns
era sempre a professora. Mais crescida, ajuda- tenham perdido a oportunidade naquele que
va os irmãos nas tarefas escolares. seria o momento considerado certo na vida. Mas
eles vão em busca de adquirir conhecimento.
Moradora de Camaragibe, na região metropo- Nem que seja para assinar o nome ou pegar um
litana do Recife, Manuella está no último ano ônibus, isso já é importante. Eles dão valor a
do curso, na Universidade Federal de Pernam- isso”, observa.
buco. E nunca cogitou outra carreira. “Vejo a
empatia em tudo o que um professor faz. Faz Aos 24 anos, ela sabe que encontrará desafios.
para que o outro adquira conhecimento, para Os de ordem prática: “Chegar para um aluno
que o outro tenha a possibilidade de ver melhor e ele não ter ideia de como se escreve, de como
o mundo”, explica. se lê, de como interpretar o mundo é bem di-
fícil no início”. E os relacionados ao contexto
Ela localiza a gênese desse encantamento na da profissão: “Seja com o diálogo com os pais,
descoberta da leitura. Embora sejam várias as no diálogo com o mundo mesmo, com a ques-
professoras que a inspiraram, demonstra especial tão de a profissão não ser tão valorizada quan-
carinho por aquela que a alfabetizou. “Lembro to deveria, porque é uma profissão que forma
dela como se fosse hoje. Tenho muita vontade outros profissionais”.
de reencontrá-la, mas não tenho o contato.
Quando aprendi a ler, encontrei um novo mun- Mas é justamente ao listar percalços que Ma-
do, que me fez aspirar a outras coisas. Desde nuella reafirma seu propósito. “Eu sou meio
então, venho lendo muito e me sinto realizada idealista também, gosto de imaginar as coisas
quando ensino um aluno a ler também”, diz. que a educação pode transformar”, conta.
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memória afetiva
A junção de
do futuro
dois mundos
© divulgação
Fui alfabetizado aos 4 anos pela minha da diretoria com a certeza de que havia
avó, uma mulher extraordinária que, feito algo errado. Mas recebi um convite
mesmo sem ter nunca pisado em uma para representar a nossa escola em um Vik Muniz, 56
sala de aula, se autoalfabetizou com festival de artes para escolas públicas. anos, artista
os livros de seus filhos. Ela me ensinou plástico
a ler da mesma maneira que havia O professor Belotto me preparou. e fotógrafo
descoberto a leitura: memorizando Passou horas me mostrando livros
Antevisão
a forma inteira de cada palavra. de história da arte, desenhos, pinturas
e até histórias em quadrinhos. Um
Ao entrar na escola, já tinha lido livros universo que eu parecia amar antes de
complexos como Caçadas de Pedrinho ter conhecido. Decidi naquele momento
Personalidades [Monteiro Lobato] e Meu pé de laranja que jamais abandonaria as musas,
lima [José Mauro de Vasconcelos]. e a arte estaria sempre presente na
relembram professores Mas logo vi que só conseguia ler letras minha vida. O meu primeiro professor
que marcaram impressas e em tipografias específicas! de Artes era mestre em Matemática!
suas vidas Tive de reaprender a ler e escrever pelo O evento, no Pavilhão da Bienal, reuniu
método fonossilábico. Só fui escrever centenas de crianças que possuíam
Se a infância e a adolescência podem ser di- com segurança no terceiro ano primário uma forma especial de comunicar
vertidas e alegres, trazem também suas angús- e, ainda assim, quando falhava ideias. É minha mais remota memória
tias. Principalmente quando voltamos o olhar em executar o ditado, criava desenhos de estar me sentindo como uma parte
a nós mesmos e nos indagamos quem somos, rudimentares que representavam funcional e integrada ao mundo
de que gostamos e o que sabemos fazer bem. as palavras faladas, uma espécie que me rodeava. Havia descoberto
Essa última questão costuma ser a mais difícil, de taquigrafia pessoal. Meus cadernos a normalidade dos meus sonhos e a
pois, tirando aquelas pessoas com dons ex- pareciam um livro de anotações convicção em um ser latente e criativo.
traordinários, a quase totalidade de nós tem de um arqueólogo egípcio.
não mais que aptidões em estado bruto, talen- Minha avó e o professor Belotto
to em potência a descobrir. Um desses cadernos chamou a atenção representam a harmonia entre um
do senhor Belotto, meu professor de conhecimento adquirido na proteção
E encontrar quem os consiga enxergar por trás Matemática, que, em suas horas vagas, da casa, voltado à amplidão
de outras coisas mais latentes, como a agitação projetava monumentos para espaços do mundo exterior, e uma educação
ou o enfado que tantas vezes marcam a infân- públicos. Ele apanhou o caderno da escolar padrão, mas atenta ao
cia, é uma das coisas mais sublimes e impor- minha mão em meio a uma aula em que indivíduo. Descobri, graças aos meus
tantes. A seguir, você conhecerá a história de eu resolvia um problema e, vendo que mestres, a ciência dessa dicotomia
pessoas que, mesmo após muitos anos depois mais do que a metade do texto era essencial do interno e do externo,
de terem alcançado o sucesso em suas profis- de desenhos e diagramas, pediu que da mente e da matéria, da consciência
sões, continuam a se lembrar de quem, lá atrás, eu traduzisse a mensagem codificada. e do fenômeno se catalisou
viu diamante onde parecia haver só areia. Em em um modus operandi que vem
comum, essa visão especial era de um profes- Para a sua surpresa, eu o fiz. alimentando o meu processo
sor, mesmo que ele estivesse dentro de casa. Imediatamente, fui enviado à sala criativo durante a minha vida inteira.
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memória afetiva
© Monica Imbuzeiro
Crescer com uma educadora em casa Lembro que fiquei injuriada na hora, Eu morava em São José dos Pinhais (PR). O meu universo se abriu. Comecei a ver
© divulgação
é algo completamente diferente. Minha porque ela não me deixava chamá-la Lá tive um grande impulso na minha um monte de coisas de que eu gostava,
mãe é professora de Artes e de Música e de mãe, mas foi muito mãe ali comigo. carreira. O meu sucesso vem por causa mas não entendia o que era. O olhar
me deu aula de história da arte no ensino Hoje entendo que ela estava mostrando de um professor. Eu estudava em escola desse professor, Leopoldo Scherner,
médio. Um dia, a gente estava fazendo que eu não poderia sempre escolher pública, pois minha família era humilde. foi decisivo. Ele era atento a cada aluno.
um trabalho em que precisava reproduzir os caminhos mais fáceis, que eu Gringo Cardia,
Iza (Isabela um de dois desenhos da Tarsila tinha de me desafiar, sair da minha O meu professor de Português começou Ele chegou a fazer uma exposição 61 anos,
Cristina Correia do Amaral. A gente estava estudando zona de conforto. E que, assim, a ver que eu desenhava em tudo dos meus desenhos na PUC de Curitiba. cenógrafo
de Lima lima), 28 a Semana de Arte Moderna de 1922, coisas incríveis poderiam acontecer. que era lugar em que não era para Para mim, aquilo era a coisa mais e diretor
anos, cantora e aí a minha mãe pregou no quadro desenhar. Eu tinha uns 7, 8 anos. importante do mundo. Ele já faleceu,
de teatro
duas obras da Tarsila: Flores e Abapuru. Sempre gostei muito de desenhar, Ele chamou o meu pai: “Seu filho mas eu o acompanhei até os 90 anos.
e televisão
de criar. Cheguei a pensar em fazer é um artista. Você tem de dar vazão
Todo mundo estava escolhendo o Artes antes de escolher a Publicidade. à criatividade dele”. Desde então, A partir dessa experiência, tive a ideia,
Abapuru por ser mais simples. Também Pensei em fazer Desenho Industrial, meu pai começou a trazer várias com a Marisa Orth, o Vik Muniz,
escolhi o Abapuru. Minha mãe foi Design de Joias. Ela sabia que isso coisas para eu desenhar e pintar. a Malu Barreto e o Giovanni Bianco,
passando de mesa em mesa e, quando fazia parte da minha vida. de fundar uma escola aqui no Rio,
me viu, me perguntou qual eu estava O professor falou para o meu pai que como um agradecimento por
fazendo. Eu falei: “o Abapuru”. E eu tinha feito aquela escolha porque eu precisava frequentar uma escola ter vivido essa situação. Nessa escola,
o tempo ia passar mais rápido, eu de arte. Meu pai disse que não tinha ensinamos jovens a ter profissões
Ela disse para eu parar e fazer o Flores. ia poder conversar com os meus amigos dinheiro. Ele respondeu: “Não tem ligadas à arte e ao profissionalismo
Aí eu perguntei por quê, e ela me mais cedo. Ela me ensinou que sair problema, eu pago uma escola do espetáculo. Vimos um
disse que eu sabia que o Abapuru da zona de conforto é crescer, é evoluir. de arte para o seu filho e ele vai estudar monte de talentos impulsionados
era muito fácil para mim. Eu uso isso todos os dias na minha vida. com as minhas filhas em Curitiba”. pela transformação da educação.
© divulgação
professora me recebeu e me obrigou Lembro como se fosse hoje: eu tinha da África do Sul, em 2010. Boa parte chorava. Mas eu não sabia se chorava
a estudar a história de um homem que, de dizer que Nelson Mandela estava das perguntas falava sobre a luta porque estava emocionado por ver
quando eu era criança, estava saindo saindo da prisão, que ia lutar pela de Mandela, a luta contra o apartheid. um dos maiores líderes mundiais ou
da cadeia. Me obrigou a assistir liberdade na África do Sul. Eu nem Enquanto alguns colegas tiveram de porque compreendi tudo que aquela
a reportagens sobre esse homem. sabia o que estava dizendo, só estava aprender naquela hora que Mandela professora tinha feito. E quando fiquei
Manoel Soares,
repetindo as coisas. Mas o processo pertencia à tribo xhosa, que ele sabendo que ela partiu, eu também
39 anos,
Para mim era horrível, eu preferia ficar de repetição também foi um processo tinha como nome do meio Rolihlahla, chorei. Chorei porque cheguei atrasado.
vendo o Chapolin, o Chaves, vendo o de retenção. Lembro também que, essas coisas já estavam no meu Temos que valorizar os professores. repórter e
desenho. Mas daquilo dependia o meu no dia de apresentar o trabalho, coração porque a minha professora Eles conseguem ver o que não estamos ativista social
trabalho da escola. Fiquei assistindo, cheguei atrasado. E ela chamou havia colocado lá. Fui cobrir a Copa vendo, sentir o que não estamos
decorando nomes, datas, foi muito a minha atenção na frente de todo do Mundo, vi a última aparição de sentindo. Então, não chegue atrasado.
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making of
olhos
olhos
NOS
Olhar focado nos olhares alheios. O desafio é decifrar que mensagens cada expressão
transmite. Em 2014, o fotógrafo pernambucano Thiago Santos deu início ao projeto
Olha pra Mim, no Recife. A proposta é questionar como seriam as relações sociais se
pudéssemos enxergar o outro apenas pelo seu olhar. Atualmente o projeto reúne mais
de mil fotos tiradas no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e na Índia.
Foi a partir dessa experiência que o Caderno propôs duas missões para Thiago. A
primeira, retratar os vencedores do prêmio Educador Nota 10. Depois, captar imagens
Fotógrafo de alunos, professores e funcionários de escolas públicas da cidade de São Paulo.
desdobra Munido de seu equipamento e sensibilidade, o fotógrafo visitou a EE Carlos Maximi-
liano Pereira dos Santos, na Vila Madalena (região oeste), a Emef Infante Dom Hen-
projeto e capta rique, no Canindé (região central), e a Emei Nelson Mandela, no Limão (norte).
imagens de
“Eu amei o desafio do Caderno de fotografar o olhar do universo das escolas”, con-
professores, ta Thiago. “Fiquei num mix de sentimentos bons ao entrar nas escolas escolhidas.
alunos Perceber o olhar de cuidado dos educadores com os alunos. O olhar cansado e
grato pelo seu trabalho da tia zeladora. O olhar feliz das mulheres da cozinha. O
e funcionários de olhar 360 graus do diretor, sempre alerta a tudo e todos. O olhar do futuro dos
escolas públicas alunos é o que mais encanta.”
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O Caderno Globo é uma publicação periódica,
com edições temáticas que se dedicam a
aprofundar o debate e estimular a reflexão
sobre assuntos relevantes para a sociedade.
Concebido e produzido pela Globo, o Caderno
faz parte de um amplo projeto de relacionamento
da empresa com o meio universitário, estudantes
e jovens, que inclui a realização de seminários,
encontros e atividades que promovem a escuta,
a troca e a disseminação de conhecimento.