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A S S I S T Ê N C I A S O C I A L E M D E B AT E
Caderno 3
GERALDO ALCKMIN
Governador do Estado de São Paulo
FLORIANO PESARO
Secretário de Estado de Desenvolvimento Social
MARINA BRAGANTE
Secretária Adjunta
MENDY TAL
Chefe de Gabinete
COORDENADORIA DE AÇÃO SOCIAL (CAS) / ESCOLA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO - EDESP
124 p.
Publicação é parte dos Cadernos de Estudos Edesp – Assistência Social em Debate – Caderno 3 /
Secretaria de Desenvolvimento Social, 2017.
1. Desenvolvimento Social 2. Assistência Social 3. Políticas Públicas 4. Proteção Social Básica 5. Proteção
Social Especial 6. Garantia de Direitos I. Secretaria de Desenvolvimento Social.
Ficha catalográfica elaborada pelo Centro de Documentação, Biblioteca e Arquivo da Secretaria de Desenvolvimento Social
“Penso em ficar só, mas minha natureza pede diálogo e afeto”
Lya Luft
A
presento a compilação dos encontros da “Série Dialogando”
- edição de 2016, promovidos pela Coordenadoria de Ação
Social/Proteção Social Especial em parceria com a Escola de
Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo (Edesp).
Penso que o escopo do trabalho Proteção Social Especial (PSE) é cerca-
do de inquietudes, sendo imperativa a vontade de compartilhar e dialogar.
É impossível construir uma política que dê conta de situações de fragiliza-
ção e rompimentos de vínculos familiares e comunitários de forma isolada.
O desenho de um atendimento integral e de qualidade depende da
nossa capacidade de ampliarmos nossos olhares, aproximarmos atores
de forma a compreender o cotidiano, seus riscos e suas vulnerabilidades.
A muldimensionalidade das questões que envolvem a PSE traz à
tona a necessidade de diálogos teóricos e metodológicos entre as prá-
xis da Assistência Social e das outras políticas que por ela perpassam.
A “Série Dialogando” é um convite para que os profissionais da As-
sistência Social e os indiretamente ligados a ela saiam da sua zona de
conforto, discutindo e compreendendo a complexa construção de fe-
nômenos sociais que precisam de intervenções para que se garanta o
direito e a cidadania.
Neste ano, a equipe técnica teve o cuidado de escolher temas a
respeito dos quais ainda precisamos avançar, tais como: “Medidas
Socioeducativas em Meio Aberto e a Intersetorialidade”; “Mulheres no
Cárcere”; “Enfrentamento do Abuso e da Exploração Sexual de Crianças
e Adolescentes e as Mídias Sociais”; “Diversidade Sexual no Contexto
da Família”; “População em Situação de Rua: Estratégias para a Cons-
trução da Autonomia”; “Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte
e os Desafios da Proteção”; “A Pessoa com Deficiência e o Desafio do
Acolhimento Institucional”; “Mulher: Questão de Gênero e os Desafios
para a Política de Assistência Social”.
Os encontros contaram com a participação de 610 pessoas e, com a
presente publicação, ampliaremos nosso diálogo! Esta publicação é um
compromisso do Governo do Estado de São Paulo com a democracia,
com a transparência, com a participação e controle social e com a inter-
setorialidade na construção das políticas públicas.
Juntos podemos construir uma sociedade mais justa, humana e fraterna!
Floriano Pesaro
Secretário de Estado de Desenvolvimento Social
SÉRIE DIALOGANDO 2016
D
urante os meses de abril a novembro de 2016, a Secretaria
de Desenvolvimento Social (Seds), por meio da equipe téc-
nica da Proteção Social Especial (PSE) da Coordenadoria
de Ação Social (CAS), em parceria com Escola de Desenvol-
vimento Social do Estado de São Paulo (Edesp), promoveu a “Série
Dialogando”, composta por mesas de debates sobre temáticas per-
tinentes à Política de Assistência Social e, mais especificamente,
relacionadas à Proteção Social Especial, na perspectiva da interse-
torialidade. Foram realizados 8 encontros, com a participação total
de 610 pessoas.
A “Série Dialogando” foi criada no ano de 2013 e retomada em
2016, com o objetivo de oferecer informações, formação e reflexão
sobre as temáticas vinculadas aos serviços de média e alta com-
plexidades da Proteção Social Especial e à contrarreferência com
a Proteção Social Básica. Os eventos da série são gratuitos e têm
como público preferencial os trabalhadores da Assistência Social,
mas são abertos a demais interessados.
A edição de 2016 da “Série Dialogando” tratou das temáticas: “Me-
didas Socioeducativas em Meio Aberto e a Intersetorialidade”; “Mu-
lheres no Cárcere”; “Enfrentamento do Abuso e da Exploração Sexual
de Crianças e Adolescentes e as Mídias Sociais”; “Diversidade Sexual
no Contexto da Família”; “População em Situação de Rua: Estratégias
para a Construção da Autonomia”; “Crianças e Adolescentes Ameaça-
dos de Morte e os Desafios da Proteção”; “A Pessoa com Deficiência e
o Desafio do Acolhimento Institucional”; “Mulher: Questão de Gênero e
os Desafios para a Política de Assistência Social”.
A Proteção Social Especial na Política de Assistência Social é a
área que organiza no âmbito do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) a oferta de serviços, programas e projetos de caráter es-
pecializado, destinado a famílias e indivíduos em situação de risco
pessoal e social, por violação de direitos.
São situações de fragilização e rompimentos de vínculos familia-
res e comunitários que geram conflitos, tensões e rupturas, deman-
dando atenção especializada e maior articulação com as demais
políticas públicas e com o Sistema de Garantia de Direitos.
Nessas situações, destacam-se a violência física, psicológica e
a negligência; abandono; violência sexual; situação de rua; trabalho
infantil; cumprimento de medidas socioeducativas de meio aberto;
homofobia e outros preconceitos; afastamento do convívio familiar,
dentre outras.
A complexidade e os vários níveis de agravamentos exigem de
gestores e técnicos a atualização de conceitos, práticas e metodo-
logias de forma constante por meio de instrumentos informativos e
espaços de formação.
Nessa perspectiva, a “Série Dialogando” é um espaço institucio-
nal e público que estimula a reflexão sobre a ação que possibilita a
democratização da informação e o aprimoramento do conhecimen-
to técnico-científico para os profissionais da Secretaria de Desenvol-
vimento Social (Seds); técnicos municipais e de outras secretarias
estaduais; trabalhadores de organizações sociais; estudantes uni-
versitários de Serviço Social, Psicologia, Ciências Sociais e outros.
Para contribuir ainda mais com a disseminação da informação e o
aprimoramento técnico dos profissionais da Assistência Social e das
demais políticas públicas, foi solicitado aos palestrantes que elaboras-
sem artigos baseados nas suas apresentações durante a “Série Dialo-
gando 2016”, cujo resultado apresentamos nesta publicação.
TEMA 1
Albertina Duarte Takiuti______________________________________________________________14
MULHERES NO CÁRCERE
Programa de Atendimento a Egressas da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP):
TEMA 2
Re(Integração) de Egressas - Dos Sintomas às Causas
João Paulo Pires Pássaro_____________________________________________________________30
Mães em cárcere
Zoraide Caobianco Modenutte_______________________________________________________34
TEMA 6
de morte: proteção no acolhimento institucional?
Alice Duarte de Bittencourt___________________________________________________________94
TEMA 7
Reordenamento do Serviço Estadualizado de Acolhimento Institucional
de Pessoa com Deficiência na modalidade Residência Inclusiva - Região de Bauru
Maria Moreno Perroni e Roberto Franceschetti Filho___________________________________110
A
adolescência é uma etapa da vida de grande criatividade, e o adolescente deve ter seu
potencial criador apoiado e estimulado. O projeto de vida na adolescência poderá ser faci-
litado ou dificultado pelas condições sociais e possibilidades que o meio possa oferecer.
O Programa de Saúde do Adolescente do Estado de São Paulo visa a implantação e im-
plementação de uma política pública universalizada de juventude na área da saúde, com atendimento
integral e gratuito para jovens de ambos os sexos, de 10 a 20 anos de idade, conforme as referências da
Organización Panamericana de la Salud (OPS)/ Organização Mundial da Saúde (OMS) (DONAS, 1992).
Dessa forma, adotou como objetivo o desenvolvimento de atividades para promover, proteger, re-
cuperar e reabilitar a saúde integral do adolescente, com provisão de habilidades para a vida, autoes-
tima, juízo crítico, criatividade, diminuição das diferenças de gênero, saúde reprodutiva e sexual, ética,
equidade, direitos humanos, empoderamento para decisões de vida e saúde, estilos de vida saudáveis,
planos de futuro, jovens e adolescentes multiplicadores, conquista de direitos e exercício da cidadania.
O Programa iniciou sua estruturação em 1985, ano do primeiro encontro intersetorial sobre
adolescência da Secretaria de Estado da Saúde, realizado em dezembro de 1985, no Centro de
Convenções Rebouças, com a participação de 1.113 participantes. Na ocasião, foi firmado um
compromisso oficial com o Governo do Estado de São Paulo, pelo Secretário de Saúde, para a
implantação de um projeto de atenção à saúde integral do adolescente.
O primeiro serviço de adolescente na rede pública foi inaugurado em 7 de março de 1987, em
homenagem ao Dia Internacional da Mulher, no Posto de Atendimento Médico (PAM) da Várzea do
Carmo, no município de São Paulo.
Em 1987 foi constituído o Grupo Executor do Programa (Gepro), quando técnicos e especialistas
juntaram-se na proposta binômio Universidade e Rede Pública para elaborar e pôr em prática planos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa de Saúde do Adolescente do Estado de São Paulo tem o compromisso com a
integralidade do cuidado e das ações, inovações em saúde, participação social e científica, amiga-
bilidade dos serviços de atendimento e militância e tem demonstrado um impacto importante nos
dados descritos acima e como um modelo de política pública no aprimoramento das condições
de saúde e prevenção dos agravos de saúde durante a fase da adolescência.
Fortalecendo e potencializando a experiência acumulada pelo Programa das Casas do Adoles-
cente e identificando e divulgando as experiências na área da Saúde, pretendemos cumprir o au-
mento da oferta de atendimento e da rede de serviços, com amigabilidade, avaliação da qualidade
de acesso e diminuição de barreiras ao atendimento integrado e multiprofissional em São Paulo.
A
s Fábricas de Cultura são espaços com oportunidades de acesso gratuito a diversas ati-
vidades artísticas, vinculados ao Programa Fábricas de Cultura, da Secretaria de Estado
da Cultura de São Paulo. Criadas com o objetivo de ampliar o conhecimento cultural e a
interação com a comunidade, oferecem ateliês de criação, programação cultural diversi-
ficada, estúdios de gravação e ações de linguagem artística.
As atividades são voltadas para o público prioritário, crianças, adolescentes e jovens entre
oito e vinte e um anos. Os jovens maiores de doze anos são atendidos com ações de formação
cultural (trilhas de produção).
Durante o ano a comunidade tem acesso à programação cultural com shows, espetáculos de
teatro, dança, circo, workshops, exibição de filmes e exposições.
A biblioteca é um espaço com diversidade de livros, filmes, jornais, revistas, jogos, espaço para
estudo, pesquisa, acesso gratuito à internet e contação de histórias.
Os Estúdios de gravação e captação de áudio contam com equipe técnica profissional.
O Projeto Espetáculo é um dos eixos que possibilitam a vivência mais aprofundada dos adoles-
centes e jovens na construção do processo artístico.
A Poiesis – Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura é a organização social que ge-
rencia as atividades desenvolvidas nas unidades Jaçanã, Vila Nova Cachoeirinha, Capão Redondo,
Jardim São Luiz e Brasilândia.
Os eixos norteadores do Projeto pedagógico, Autonomia, Experiência e Coletividade, permiti-
ram apoio enquanto linguagem de aproximação e envolvimento dos adolescentes inseridos em
medidas socioeducativas nas atividades artísticas.
1
Nome fictício, em acordo com a lei 8069/90, art.247.
2
Nome fictício, em acordo com a lei 8069/90, art.247.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 30ª ed. Editora vozes, 1987.
MAGINANI, José Guilherme C., SOUZA, MANTESE, Bruna de (organizadores). Jovens na metrópole: et-
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RAMOS, Maria. Juízo, 2008, documentário.
Plano Nacional de Cultura. Secretaria de Estado da Cultura, Governo do Estado de São Paulo.
Disponível em: <www.cultura.sp.gov.br>. Acesso em: 20 de dezembro. 2016.
WINNICOT, D.W. Privação e delinquência. São Paulo: Edições Graal, 2003.
C
omo psicólogo social, com frequência costumo recorrer à história das práticas com as
quais trabalho ou dos objetos a respeito dos quais eu pesquiso. Com a intersetorialidade
nas medidas socioeducativas não poderia ser diferente. E, de fato, quando estudamos a
história das políticas públicas voltadas à infância e juventude, percebemos justamente o
oposto da intersetorialidade, ou seja, verificamos que a institucionalização é a sua marca funda-
mental (RIZZINI & PILOTTI, 1995). Em outras palavras, antes da publicação do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), a compreensão que se tinha sobre o melhor modo para
proteger e cuidar de crianças e adolescentes era colocá-las em instituições, que acolhiam indistin-
tamente tanto aqueles que sofriam violência quanto os autores de atos infracionais. É essa cultu-
ra dos grandes orfanatos e internatos que atualmente tentamos superar por meio da construção
de um modelo intersetorial. Contudo, o que percebemos nos dias de hoje é que a mentalidade ins-
titucionalizante muitas vezes persiste, não tanto na estrutura física dos estabelecimentos atuais
de proteção e socioeducação, mas em suas práticas e concepções.
Tais instituições de antigamente, as quais Goffman (2003) denominou de “instituições totais2”,
pretendiam dar conta de todas as esferas da vida de seus internos: alimentação, educação, saú-
de, lazer etc. O resultado dessa prática foi o isolamento social daquelas crianças e adolescentes
vistas como indesejadas pela sociedade.
A institucionalização dos socialmente excluídos sob a falsa alegação de ajudá-los aconteceu
não só com crianças e adolescentes pobres. Pessoas com transtornos mentais, com hanse-
1
Este texto é baseado no terceiro capítulo de minha dissertação de mestrado “Órfãos de pais vivos: uma análise da política pública de abri-
gamento no Brasil” (GLENS, 2010). Para uma reflexão mais aprofundada dos tópicos aqui discutidos, sugiro a leitura do original, disponível
em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-09112010-113124/pt-br.php.
2
“Locais de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por
considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada” (p.11).
3
A Roda dos Expostos ou Roda da Misericórdia, instaurada pelo papa Inocêncio III (século XV), consistia num cilindro de madeira que era
colocado nos Conventos e Casas de Misericórdia a fim de receber crianças enjeitadas. O mecanismo, em forma de tambor ou portinhola
giratória, era embutido numa parede, de forma que aquele que expunha a criança não era visto por aquele que a recebia. Nota dos editores,
com base em textos disponíveis em: <http://almanaque.weebly.com/roda-dos-expostos.html> e <https://pt.wikipedia.org/wiki/Roda_dos_
expostos>. Acesso em: 21 de dezembro. 2016.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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nalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 de dezembro. 2016.
______. Decreto N° 17.943 de 12 de Outubro de 1927, que consolida as leis de assistencia e
protecção a menores. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/
d17943a.htm>. Acesso em: 04 de dezembro. 2016.
______. Lei n° 6697 de 10 de outubro de 1979, que institui o Código de Menores. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm>. Acesso em: 29 de novembro. 2016.
“A desigualdade social, econômica e politica na sociedade brasileira chegou a tal grau que se torna incom-
patível com a democratização da sociedade. Por decorrência, tem se falado na existência da apartação
social. No Brasil a discriminação é econômica, cultural e política, além de étnica.” (Aldaiza Sposati, 1996)
D
esigualdade social, sensação de impunidade, ausência de políticas públicas eficazes e
muitos tabus contribuem para que o Brasil esteja armando uma bomba-relógio no sis-
tema carcerário, prestes a explodir. Quase diariamente ouvimos dizer que “bandido bom
é bandido morto”, que “o Brasil é uma fábrica de produzir marginais” ou que “a cadeia é
a Universidade do Crime”; sempre levando a discussões dos sintomas, mas não de suas causas.
Inclusive, quando discutimos tais sintomas, as soluções são muitas vezes assombrosas, partindo
do endurecimento das penas até a aplicação de pena de morte.
Atualmente, o Brasil é o quarto país com maior população carcerária no mundo, fato ainda mais
alarmante quando visualizamos que, dentre os quatro países, o nosso é o único que não consegue
frear o crescimento carcerário. Só para termos uma ideia, segundo dados do Levantamento Nacio-
nal de Informações Penitenciárias (Infopen), em relatório produzido em 2014, estima-se que entre
2003 e 2014 a população carcerária no Brasil dobrou. Em apenas 11 anos encarceramos o mesmo
número de pessoas que em grande parte de nossa história.
É óbvio que precisamos ponderar sobre o crescimento populacional, a superpopulação de re-
giões e cidades e o “avanço” das leis. Mas precisamos, principalmente, considerar onde não evo-
luímos, onde não acompanhamos o crescimento populacional Brasileiro e suas necessidades. O
conceito “popular” sobre a pessoa presa é de que ela é um ser à parte da sociedade e lá deve ficar,
até o seu final. Entendemos que ela cometeu o crime por querer algo fácil, não querer trabalhar,
não querer passar pelas mesmas dificuldades que eu ou você passamos. Tal visualização já se faz
motivo suficiente para acendermos uma fogueira e queimarmos todos. Ou não.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Levantamento Nacional de informações penitenciárias 2014. INFOPEN – DEPEN. Disponível
em: <-https://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-fei-
ra/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em: 30 de janeiro. 2017.
MELLO, Sylvia Leser de. A violência urbana e a exclusão dos jovens. In: SAWAIA, B. (ORG.).
As artimanhas da exclusão. 8ª ed. Editora Vozes. Cap. 8, 1999.
Sposati, Aldaiza. Mapa da Exclusão/Inclusão na cidade de São Paulo. EDUC, São Paulo,1996.
M
ães em Cárcere é o nome da Política Institucional de Atendimento da Defensoria Pú-
blica de São Paulo para as mulheres que estão presas e sejam mães ou estejam grá-
vidas. A construção desta política iniciou-se no ano de 2011, a partir de um diálogo da
Pastoral Carcerária com a Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
em apoio conjunto com seus Núcleos Especializados de Infância e Juventude, de Promoção e
Defesa dos Direitos da Mulher e de Situação Carcerária.
O diálogo consistia em levar aos três Núcleos a proposta de assumirem a condução conjunta
dos trabalhos de construção da referida política, prezando pela articulação, no interior da Defen-
soria, entre a área cível e criminal.
Em Agosto de 2011, como fruto desse diálogo e dessas primeiras interlocuções a respeito do
tema, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e
Pastoral Carcerária realizaram o “Seminário Mães do Cárcere: Construindo Caminhos para a Ga-
rantia da Convivência Familiar de Mulheres e Crianças”.
O evento resultou na produção de um documento, denominado Carta de São Paulo, no qual
constam diretrizes para a atuação dos diferentes setores do Poder Público envolvidos nessa te-
mática, entre os quais a Defensoria Pública, que elaborou Cartilha sobre o tema e se comprometeu
com o aprimoramento de sua política de atendimento às mulheres presas.
Essas iniciativas se desdobraram, no início do ano de 2012, na formação de uma comissão que
contava com a participação da 1ª Subdefensoria, dos(as) coordenadores(as) dos Núcleos Espe-
cializados já mencionados, de defensores(as) públicos(as) de diferentes áreas, de servidores(as)
de defensoria e da Pastoral Carcerária. O ponto de partida dos trabalhos dessa Comissão foi a
absorção da experiência produzida pela Pastoral Carcerária a partir de um projeto desenvolvido
pela Coordenação Jurídica dessa Organização no ano de 2010/2011.
A política tem como objetivos principais garantir o acesso à justiça; garantir o exercício da
maternidade; assegurar os direitos tanto da mãe quanto da criança que se encontram no am-
biente prisional; preservar ou restabelecer o vínculo familiar, incentivando o contato entre mães
e filhas(os); estreitar o contato da Defensoria Pública com a mãe que está presa e incentivar a
atuação interdisciplinar (Direito, Serviço Social, Psicologia) e intersetorial (Defensoria, Saúde, As-
sistência Social, Conselhos Tutelares etc.).
Para a efetivação desse trabalho, avançou-se na construção dessa política com a criação de
formulários que, aplicados no momento da inclusão das mulheres nas unidades prisionais femini-
nas, identificassem as mães e gestantes. Para isto, foi celebrado acordo com a Secretaria de Admi-
nistração Penitenciária. Por meio da criação de uma assessoria técnica para recebimento, registro
A
Internet para as crianças, que hoje podem ter acesso a ela, é um coadjuvante das tare-
fas escolares e da diversão. Representa uma mídia fácil e anônima para a distribuição
de pornografia infantil, aliciamento de crianças, enfim, um campo aberto para pedófilos
trocarem, comercializarem imagens de crianças, bem como compartilharem entre si até
a compra e venda de crianças (Sanderson, 2005).
Pedofilia significa distúrbio de conduta sexual, com desejo compulsivo de um adulto por crian-
ças ou adolescentes, podendo ter característica homossexual ou heterossexual.
Em geral, adultos pedófilos foram filhos fetichizados por uma mãe que exaltava a sua infância
e da qual eles não puderam se desligar. Esse ponto de vista é comprovado por vários pesquisado-
res do mundo todo.
Para os pedófilos, compartilhar uma comunidade “virtual” tira-os do isolamento e da estigma-
tização. Legitima suas predileções e alimenta a racionalização de que é aceitável abusar sexual-
mente de crianças.
Procura espontânea
IML: Perícia
Sistema de saúde
PS: Atendimento
ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL
Após a ocorrência de uma situação de abuso online ou crime cibernético, a vítima é encami-
nhada para atendimento psicossocial. Esse atendimento deve ser especializado, executado por
profissionais capacitados, oferecendo atendimento em rede, garantindo os direitos das crianças
e dos adolescentes como sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento, por meio de ativi-
dades e ações psico-socioeducativas, de apoio e especializadas, na modalidade Individual ou
em pequenos grupos, de caráter disciplinar e interdisciplinar, de cunho terapêutico, com níveis de
verticalização e planejamento (início, meio e fim), elaborando um Plano de atendimento, segundo
modelo do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop).
Tanto o Atendimento Individual quanto Grupal da Vítima têm como objetivo trabalhar privaci-
dade e segredo, o sofrimento psicológico, autonomia e individuação. O Atendimento do Agressor
tem como objetivo: trabalhar as questões ligadas à síndrome da adição . Pode-se oferecer tam-
bém Atendimentos Psicossociais para Família, Cônjuges e Grupos de Orientação de Pais. A abor-
dagem com a FAMÍLIA tem como objetivo trabalhar as relações do casal ou entre os membros e
a violência como reguladora ou evitadora de conflitos. A concomitância dos diferentes modos de
terapia cria um espaço para transformar o segredo em privacidade. (Furniss, 1993)
Os relacionamentos saudáveis na vida adulta implicam em transformar o segredo à privacida-
de; nomear o abuso como realidade (romper o segredo) reavaliação da experiência, da confusão,
dos sentimentos, das fantasias. Casos muito graves são encaminhados, na rede, para a área da
saúde, a fim de realizarem Psicoterapia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O abuso sexual online cometido por alguém de fora da família, ou na modalidade intrafamiliar,
deixa a criança numa sensação de total desamparo. O adulto que deveria ser sinônimo de prote-
ção se torna fonte de perturbação e ameaça. A criança sente que não tem com quem contar, não
pode comentar o fato e ainda é mobilizada, pela complexidade da relação, a sentir-se culpada. O
silêncio, portanto, pode estar associado ao sentimento de culpa, às ameaças feitas, ao vínculo
estabelecido na relação.
Já o autor da violência sexual nega o impacto moral e psicológico dessa violência, distorce a
experiência da vítima, desvaloriza ou desumaniza-a, o nível do dano, chegando a culpa-la, como
forma de negar a sua responsabilidade, o que lhe favorece continuar abusando. Por abusadores,
autores da violência sexual incluem-se tanto aqueles que são homens, mulheres e adolescentes
e/ou crianças. Um dado novo que se agrega, diz respeito aos abusos sexuais praticados por crian-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ras Editora: Lacri, 3ª Edição, SP, 2004.
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CNRVV – Centro Nacional de Referência às Vítimas de Violência – Relatório Anual 2010. Insti-
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TROWELL, JUDITH The Psychodinamics of Incest, in DBE Caldicott, Fiona y QC, Helena Kennedy - A
Pratical Guide to Forensic Psychotherapy, Edited by Welldon, Estela V. and Velsen, Ckeo Van, 2007.
A
internet é uma ferramenta tecnológica que veio revolucionar nossa realidade. Não só
aproximou as pessoas, ao facilitar a comunicação entre elas de modo antes inimaginável,
como alterou a nossa percepção do mundo.
Essa rede global que conecta pessoas – e não apenas máquinas – foi originalmente
concebida com fins bélicos. Na década de 60, no auge da Guerra Fria, os militares americanos precisa-
vam de um meio rápido e seguro para permitir a comunicação e o compartilhamento de informações
sigilosas com o fim de descentralizá-las, evitando sua perda diante de um possível ataque a suas ba-
ses militares. Foi criada então a Advanced Research Projects Agency (Arpanet), mas, paralelamente,
professores e estudantes universitários também pesquisavam um meio de facilitar a troca de infor-
mações. Junte-se a isso o interesse das empresas de tecnologia e o potencial para o comércio que
uma rede de troca de informações propicia e estava criada a internet, atualmente com muito mais de 1
bilhão de usuários no planeta. As possibilidades oferecidas são inúmeras e não param de surgir.
A princípio o e-mail, troca de mensagem escrita, foi uma revolução, seguida pela possibilidade
de comunicação por voz, por imagem, e ainda as mensagens instantâneas que vieram reduzir ainda
mais o intervalo para comunicação entre os usuários da rede, tornando impensável à nossa socie-
dade existir sem essas facilidades.
Ferramentas de busca tornaram o conhecimento à disposição com um clique. Redes sociais são
a forma atual de encontrar pessoas e seus grupos de interesse, fazendo nascer novos modelos de
negócio e diferentes maneiras de organização social, desde propiciar o namoro virtual entre pessoas
que nunca se viram até ser o instrumento de organização de passeatas e movimentos sociais que
chacoalham as sociedades.
Esse turbilhão de informações e facilidade imediata e irrestrita de comunicação, ao passo que
representou um grande avanço nas relações sociais, trouxe, também, a possibilidade de interação
entre pessoas predispostas ao ilícito e o acesso à vítima incauta.
No âmbito dos crimes cometidos por meio da internet, o Ministério Público Federal (MPF) tem atri-
buição diante de crimes da competência da Justiça Federal, hipóteses descritas no artigo 109, incisos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Convenção sobre os Direitos da Criança, 20 de novembro de 1989. Disponível em: <https://www.
unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm>. Ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº
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<http://www.missingkids.com/home>. Acesso em: 15 de dezembro. 2016
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mpf.mp.br/projetos-finalisticos/educacao-digital-nas-escolas/o-que-e-o-projeto/>. Acesso em: 1
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1ª edição, 2017.
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xual/atas-oficios-docs/termos-de-ajustamento-de-conduta/tac_google_pedofilia_crimes_ciberne-
ticos>. Acesso em: 15 de dezembro. 2016.
A
presentar a experiência do município de São Paulo na ação formativa “Série Dialo-
gando 2016” foi uma grande oportunidade de publicizar a riqueza das ações que são
encampadas pelo município de São Paulo, fomentadas e articuladas pela “Comissão
Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e
Adolescentes” (CMESCA), sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência e Desen-
volvimento Social (SMADS).
A Comissão foi instituída pelo Decreto nº 48.358, de 17/05/2007, o qual regulamentou a Lei nº
14.247/2006, que dispunha sobre o “Programa Municipal de Conscientização e Combate à Violên-
cia contra Crianças e Adolescentes”.
O “Plano Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças
e Adolescentes da Cidade de São Paulo” pautou-se em discussões que antecederam a constitui-
ção da Comissão. O Plano é um marco para o enfrentamento da violência, abuso e da exploração
contra nossas crianças e adolescentes, pois, até então, na maior metrópole da América Latina, no-
tória por ser um centro de turismo de negócios e de oportunidades, não havia uma estratégia para
prevenir e combater, de forma integrada e intersetorial, este fenômeno complexo e multifacetado.
O Plano Municipal estrutura-se em oito eixos temáticos: Análise da Situação; Formação e Ca-
pacitação; Mobilização e Articulação; Defesa e Responsabilização; Atendimento; Prevenção; Pro-
tagonismo Infanto-Juvenil e Avaliação e Monitoramento.
Durante os últimos anos, temos enfrentado muitos desafios para a materialização do Plano,
os quais ficam evidentes nos dados de atendimento dos Serviços de Proteção a Crianças e Ado-
lescentes Vítimas de Violência (SPVV’s) da rede socioassistencial, sobretudo no que se refere ao
crescimento dos casos de abuso sexual e à diminuição da faixa etária, tendo aumentado significa-
tivamente o número de crianças cada vez mais novas vítimas de abuso sexual atendidas na rede
municipal de proteção.
IMPLANTAR 2017
SPVV Parelheiros
SPVV Cidade Tiradentes
1
Dia Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Tem como objetivo mobilizar a sociedade brasileira e convocá-la
para o engajamento pelos direitos de crianças e adolescentes e na luta contra a violência sexual.
2
A Central de Atendimento 156 é o canal de comunicação entre a população e a Prefeitura de São Paulo, para informações, solicitações e
serviços ao município.
Para 2017, está na pauta a revisão do “Plano Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e Ex-
ploração Sexual contra Crianças e Adolescentes da Cidade de São Paulo”, bem como a escolha da arte
para a Campanha do 18 de Maio, com base nos cerca de 100 desenhos feitos por crianças e adolescen-
tes de escolas de Ensino Fundamental II da rede municipal, oriundos do curso ofertado pela “Comissão
Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes”
(CMESCA) em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (SME). Na continuidade dessas ações,
a CMESCA pretende retomar a articulação com o grupo de adolescentes do Grupo de Trabalho do 18 de
Maio, visando a construir com estes ações específicas que pautem a questão das mídias e redes sociais.
Nossa Comissão segue atuante, com a perspectiva de pautar a defesa intransigente de Direi-
tos Humanos de Crianças e Adolescentes, investindo na proteção das vítimas de violência, abuso
e exploração sexual e na prevenção. Para tanto, compreendemos ser imprescindível alcançarmos
cada vez mais atores que entendam a complexidade desse fenômeno, tendo condições de somar
frentes conosco nessa trincheira de lutas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, M. Amélia e GUERRA, N. Viviane. Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhe-
cimento. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2015.
BRASIL. Lei 12.435/201, de 6 de Julho de 2011. Sistema Único de Assistência Social. Brasília. DF.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistên-
cia Social. Brasília. 2004.
P
ara discorrermos sobre a questão da diversidade no contexto da família, necessitamos,
primeiramente, definir o que é Família. Num conceito mais simplista, designa-se por fa-
mília o conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco entre si e vivem na mesma
casa formando um lar. O conceito da família tradicional é aquela formada pelo pai e pela
mãe, unidos por matrimônio ou união de fato, e por um ou mais filhos, compondo uma família
nuclear ou elementar.
Mas a família constitui uma das unidades básicas da nossa sociedade. É certo que a família
é a instituição e o agrupamento humano mais antigo, haja vista que todo ser humano, todo
indivíduo nasce em razão da família e, via de regra, no âmbito desta, associando-se com seus
demais membros.
De acordo com o Dicionário Houaiss, o conceito atual de família é o “Núcleo social de pessoas
unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma
relação solidária”. A nova definição surgiu após a campanha #TodasAsFamílias, iniciativa pioneira
promovida pela agência NBS em parceria com o Grande Dicionário Houaiss, que recebeu mais de
3 mil sugestões de textos de internautas para construir um conceito de família “sem preconceito
ou limitações” (IBDFAM, 2016).
Hoje temos novas composições, como as famílias com uma estrutura de pais únicos ou
monoparental, devido a fenômenos sociais como divórcio, óbito, abandono de lar, ilegitimidade
ou adoção de crianças por uma só pessoa. Ou a família ampliada ou extensa (consanguínea),
que consiste numa estrutura mais ampla, agregando à família nuclear os parentes diretos ou
colaterais, existindo uma extensão das relações entre pais e filhos para avós, pais e netos, tios
e sobrinhos.
Desse modo, “(...) a família constitui o primeiro, o mais fundante e o mais importante grupo
social de toda a pessoa, bem como o seu quadro de referência, estabelecido através das rela-
ções e identificações que a criança criou durante o desenvolvimento” (VARA, 1996), tornando-a
na matriz da identidade.
Nesse contexto, devemos pensar as políticas públicas voltadas para a população de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Mulheres Transexuais e Homens Trans pautadas na transversalidade.
Não podemos estabelecer ações na educação sem incluirmos direitos humanos, não podemos
pensar a cultura sem agregarmos a assistência social, não pautamos segurança pública se não
atrelarmos à saúde, e assim por diante.
Por isso, o movimento social organizado, ao discutir a cidadania LGBT, construiu um tripé para
esta cidadania, composto por:
1) Criação de órgãos públicos, como Coordenadorias e/ou Assessorias, para executarem as po-
líticas públicas LGBTs, atendendo às necessidades do segmento LGBT, tanto na promoção da
cidadania quanto no combate ao preconceito e à discriminação;
2) Criação de Conselhos LGBTs, enquanto instâncias fiscalizadoras, com participação da socieda-
de civil, no acompanhamento da implementação dessas ações;
3) Instituição de Planos de Enfrentamento da LGBTfobia e Promoção da Cidadania LGBT,
sempre oriundos das diretrizes aprovadas em Conferências Municipais, Estaduais e/ou Na-
cional do segmento.
Também devemos ressaltar que, ao atuar com a população LGBT, devemos diferenciar o que é
orientação sexual (lésbicas, gays e bissexuais) e o que é identidade de gênero (travestis, mulheres
transexuais e homens trans).
Orientação sexual “é a atração afetiva e/ou sexual que uma pessoa manifesta em relação
à outra, para quem se direciona, involuntariamente, o seu desejo.” (GOVERNO DO ESTADO DE
SÃO PAULO, 2014)
É importante frisar que não nos utilizamos da expressão “opção sexual” por não se tratar de
uma escolha. Já a identidade de gênero “é a percepção íntima que uma pessoa tem de si como
sendo do gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independente do sexo
biológico.” (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2014).
A identidade traduz o entendimento que a pessoa tem sobre ela mesma, como ela se descreve
e deseja ser reconhecida.
Posto isto, passaremos a analisar os casos de LGBTFobia na Família. A Coordenação de Políti-
cas para a diversidade sexual recebeu 136 denúncias do DISQUE 100 (serviço do Governo Federal)
de janeiro a julho de 2016. Destas denúncias, 39 ocorrências se enquadravam em “casos familia-
res”, nos quais a LGBTfobia ocorreu entre cônjuges, avós/avôs, genitores, filhos, tios, sobrinhos,
que viviam ou não no mesmo ambiente familiar, perfazendo um total de 29% dos casos; quase 1/3
das denúncias trataram de discriminação interfamiliar.
Estes dados são corroborados por um estudo feito pela Prefeitura de São Paulo entre os
anos de 2006 e 2012 – o Mapa da Homofobia Denunciada –, que demonstrou que “a maioria
dos agressores possui vínculo com a vítima. Mesmo sabendo que serão reconhecidos, eles
praticam a violência, então eles não têm receio de praticar a violência, por isso a necessidade
de punição. Outro dado é que 22% dos casos de violência física acontecem dentro de casa”,
revela o estudo.
Mas o Brasil possui avanços nas garantias dos direitos civis da população LGBT. Em maio de
2011, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), houve a equiparação da união estável de
casais homossexuais às de casais heterossexuais. Com esta decisão, juízes de comarcas munici-
pais e estaduais passaram a converter essas uniões estáveis em casamentos. Até que o Conselho
Nacional de Justiça, CNJ, por meio da Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante
Outro campo a ser exaustivamente trabalhado é o da cultura. No Brasil, ainda temos a represen-
tação cultural da população LGBT baseada em caricaturas, reforçando estigmas e preconceitos.
Muitas vezes, o estigma está tão internalizado e disfarçado que nem percebemos o pre-
conceito embutido. Alguns exemplos são as marchinhas de carnaval, como “Cabeleira do
Zezé”, de autoria de João Roberto Kelly e Roberto Faissal, datada de 1963, e “Maria Sapatão”,
também de autoria de João Roberto Kelly, que se popularizou na voz do velho guerreiro Cha-
crinha (Abelardo Barbosa), coautor da canção. Foi uma das músicas mais executadas no
Carnaval de 1981.
Com sua letra polêmica, utilizando-se de termo pejorativo em relação às mulheres lésbicas –
“Sapatão” (sic) –, esta música frequentemente é alvo de crítica nas redes sociais. Mas mesmo
com essa controvérsia, em 2011 a composição foi eleita a 9ª melhor Marchinha de Carnaval de
todos os tempos em pesquisa realizada pela revista Veja.
Se fizermos um recorte sobre a identidade de gênero, podemos elencar "Geni e o Zepelim",
composta e cantada por Chico Buarque de Holanda. Esta canção fez parte do musical “Ópera do
Malandro”, do mesmo autor, lançado em 1978, e do álbum (1979) e do filme (1986), todos com o
mesmo nome.
A letra descreve, em versos, a longa história que define o episódio ocorrido com Geni, uma
travesti (segundo representado na "Ópera do Malandro") que era hostilizada na cidade. Diante
de uma ameaça de ataque de um Zepelim, o comandante se encanta com os dotes de Geni, que
acaba sendo provisoriamente tratada de um modo diferenciado pelos seus detratores. Passada a
ameaça, ela retorna ao seu dia-a-dia normal, no qual as pessoas a ofendiam e excluíam, revelando
o caráter pseudo-moralista e hipócrita da sociedade.
O refrão da canção teve tal repercussão que “Joga pedra na Geni” se transformou numa espécie
de bordão, indicando como Geni pessoas ou até mesmo conceitos que, em determinadas circuns-
tâncias políticas, se tornam alvo de execração pública, ainda que de forma transitória ou volátil.
Se pensarmos na letra, Geni fez o serviço “sujo” para a sociedade. Serviu à saciedade e depois
voltou para o espaço amaldiçoado socialmente. O que estamos acostumados a ver, diuturnamen-
te, nas ruas centrais das grandes cidades brasileiras em relação às travestis; muitas evadidas das
escolas e tendo como única opção a prostituição.
PARADA LGBT
Por fim, há quem compare a Parada do Orgulho LGBT com o Carnaval. Mas devemos lembrar
que o Carnaval originou-se em 600 a.C., na Grécia, como uma festa em agradecimento aos deuses
pela fertilidade do solo. Nesse dia, populares e escravos podiam dançar livremente pelas ruas de
Athenas. Aqui no Brasil, a festa foi trazida pela corte portuguesa, com origens no “entrudo”, em
que populares iam às ruas jogar ovos, farinha e água nos demais, comemorando a liberdade. E,
logo após a Abolição da Escravatura, passou a ser uma oportunidade de confraternização dos
escravos recém-libertos.
Nesse sentido, a Parada do Orgulho LGBT também é um espaço de libertação. Libertação da hi-
pocrisia social que nos usa para apedrejar e para fins sexuais, mas não nos reconhece em direitos.
A Parada do Orgulho LGBT é um movimento político e pela visibilidade, para que, ao menos neste
dia, não sejamos invisíveis aos olhos da sociedade, sociedade esta que deveria ser a primeira a
nos acolher nos seios de suas famílias.
Afinal, de acordo com Luis Fernando Augusto (2016),
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto Nº 55.588, de 17 de março
de 2010. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2010/decre-
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advocaciatpa.jusbrasil.com.br/artigos/176611879/a-evolucao-da-ideia-e-do-conceito-de-fami-
lia>. Acesso em: 17 dez. 2016.
________, __________. A evolução da ideia e do conceito de família Disponíel em: <https://advoca-
ciatpa.jusbrasil.com.br/artigos/176611879/a-evolucao-da-ideia-e-do-conceito-de-familia>. Aces-
so em: 17 de dez. 2016
DELIBERAÇÃO CEE N° 125, 2014. Disponível em: <http://www.justica.sp.gov.br/StaticFiles/SJDC/
ArquivosComuns/ProgramasProjetos/CPDS/DELIBERA%C3%87%C3%83O%20CEE%20126.pdf>.
Acesso em: 17 dez. 2016.
DIÃO CÁSSIO. Roman History VIII. trad. Ernest Cary. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1925.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Coorde-
nação de Políticas para a Diversidade Sexual. Diversidade sexual e Cidadania LGBT. São Paulo:
SJDC/SP, 2014. 44p. Disponível em: <http://www.justica.sp.gov.br/StaticFiles/SJDC/ArquivosCo-
muns/ProgramasProjetos/CPDS/Cartilha_Diversidade.pdf>. Acesso em: 19 de dezembro. 2016.
E
ste artigo propõe pensarmos sobre como os processos de aceitação das diferenças de
orientação afetivo-sexual1 vêm se desenvolvendo no Brasil, e possivelmente em vários ou-
tros países, comparando o que acontece dentro das famílias, no âmbito do privado, ao que
acontece no público, sociedade como um todo.
UM POSSÍVEL PARADOXO
No trabalho do GPH, grupo de pais de LGBTIs – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e In-
tersexuais, que fundamos há mais de 20 anos para ajudar a “re-unir” as famílias brasileiras, temos
tido muitas alegrias e, ao mesmo tempo, muitas dúvidas. Entre elas, escolhemos destacar neste
artigo uma questão que nos parece paradoxal e está resumida na pergunta:
Por que a aceitação das diferenças de orientação sexual e de identidades de gênero pela nossa so-
ciedade tem evoluído positivamente, mesmo que lentamente, mas continua praticamente estacionada
do ponto de vista familiar?
Por exemplo, há poucos anos, se uma mãe soubesse que o filho2 da vizinha era gay, ela teria
proibido seus filhos de terem contato com aquele jovem, por medo, como se a homossexua-
lidade fosse uma doença contagiosa. Hoje, a maioria das mães fica solidária com a vizinha,
“coitadinha”. Como hoje diz a sabedoria popular: “Com o filho dos outros é fácil, com o filho da
gente a coisa muda!”.
Comparando depoimentos de aproximadamente 20 anos atrás com os de hoje, enviados por
e-mail para o GPH, vemos que no contexto familiar nada mudou:
1
Vamos nos referir somente às diferentes orientações afetivo-sexuais, considerando a exiguidade do texto. Mas sugerimos que a questão se
estenda também às diferenças de identidades de gênero, conforme aponta nossa experiência em consultório e no projeto “Travessias” do GPH.
2
Considerando que a marca do masculino em Português é também a marca do genérico, para maior comodidade de leitura, usaremos “filhos”,
significando “filhas e filhos”.
UM CONTRATO FIDUCIÁRIO
Do ponto de vista ético-afetivo, dentro do relacionamento familiar, podemos falar de contratos
entre mãe e filho – ser o sonho da mamãe/o amor incondicional da mãe – e reconhecemos aí
“contratos fiduciários”, isto é, contratos baseados na crença e na confiança. Um contrato fiduciá-
rio funciona como os contratos antigos, em que não se precisava de nada escrito, nem assinado,
basta “o fio de barba”. A força desse contrato ainda é surpreendente!
Por exemplo:
Filho: “[...] Sabe? Eu resolvi falar para o meu amigo (que sou gay). Eu vou ficar triste se perder
meu melhor amigo, mas posso arrumar outro... Se eu perder minha mãe, como vou arrumar outra?
[...]” (22-01-2013).
De alguma maneira, esse jovem sabe que o contrato com a mãe é fiduciário e ela vai se sentir
traída, se esse contrato for desrespeitado. Esse tipo de rompimento de contrato é muito mais di-
fícil emocionalmente do que ter um contrato jurídico rasgado. Romper esse contrato é ter certeza
da decepção, desespero, tristeza... E implica uma espécie de luto por um “filho vivo que faleceu”.
A fase de luto, pela qual passa a mãe, é pelo filho heterossexual, até que “o outro”, o filho ho-
mossexual, tome o seu lugar. O filho, por sua vez, passa por uma fase de renascimento, fase na
qual ele, finalmente, passa a ter mãe 100%; ele que sempre foi em parte órfão, e passa a poder ser
a pessoa que realmente ele é e viver com sua real identidade, uma possibilidade de ser feliz.
Do ponto de vista da sociedade, podemos falar em um contrato mais jurídico, como se as
pessoas tivessem firmado contratos em cartório, cujo teor têm mudado com o tempo. Paulatina-
mente, as diferenças vão sendo aceitas, os preconceitos diminuem.
O jovem homossexual, no texto a seguir, defende-se da avaliação social negativa e tenta unir os
dois tipos de contratos: público e privado, de aceitação social e familiar:
Jovem ativista gay: “[...] Sou gay, e EXIJO RESPEITO! Sou homossexual sim e sou uma pessoa muito
decente. Uma coisa aprendi com meus pais: ter respeito pelo próximo. Não vivo em meio a promiscuidade,
não escolhi ser assim, não vou mudar isso ‘porque é o certo perante a sociedade’, não acho que estou er-
rado, não faço mal a ninguém. Acho engraçado o fato de fazerem piadinhas tipo ‘sua mamãe já sabe?’, por
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Barros, Diana L. Pessoa de. Teoria do Discurso – Fudamentos Semióticos. São Paulo, atual, 1988.
Modesto, Edith – Mãe sempre sabe? Mitos e verdade sobre pais e seus filhos homossexuais. 1ª.
Versão. Rio, Editora Record, 2008.
Modesto, Edith – Mãe sempre sabe? Mitos e verdades sobre pais e seus filhos LGBTs. 2ª. Versão
atualizada. Campinas, Editora Papel Social, 2015.
N
ossa família é composta por duas mães, uma adolescente e um garotinho. Eu sou uma
das mães e irei compartilhar com vocês a experiência da maternidade sob o meu ponto
de vista, que por vezes é diferente da percepção de minha companheira, de nossos filhos
ou das pessoas que me lêem. Mas, creia, outras partes podem ser iguais.
Sempre quis ser mãe. Esse desejo era muito forte e eu dizia para minha própria mãe: “Vou te dar
um neto, mas não sei se te darei um genro”. Quando eu dizia isso, era porque eu tinha certeza da
minha maternidade, mas não sobre minha sexualidade. Naquela época, eu achava que amar outra
mulher era pecado, doença, abominação, todavia tinha sérias dúvidas sobre conseguir compor
uma parceria “para a vida toda” com um rapaz.
A decisão de ter um filho se deu em conjunto com minha companheira. Quando nos conhece-
mos, há mais de uma década, nos tornamos amigas. Eu sabia que ela era mãe de uma menininha
e desejava ter outro filho. Ela também sabia deste meu desejo. A vida seguiu. Anos depois nos
tornamos namoradas e, em seguida, nos casamos em uma cerimônia umbandista e assinamos
um registro de união estável. Na época, o casamento entre duas pessoas adultas e de comum
acordo não era possível para todos. Ainda não é lei, mas decisão judicial.
Quero explicitar que, embora eu ame profundamente minha enteada, ela não é “minha filha”.
Ela é minha família, minha querida, a irmã de meu filho e a pessoa mais importante do mundo
para minha esposa. Mas quando eu a conheci ela já tinha uma mãe e um pai, ambos presentes
em sua vida embora já não fossem um casal, e não havia espaço para que eu me tornasse sua
“outra mãe”. Amo, cuido, dou bronca, ensino, mas isso não me deu o status de “mãe”. Ela é minha
enteada, eu sou sua madrasta, nos amamos assim.
Com 4 anos de casadas, era um bom momento para que o novo membro da família chegasse.
A ideia inicial da criança ser gerada por mim foi posta à prova. Nosso amigo querido, que em nossa
adolescência se propôs a ser o pai biológico de meu filho, tinha desistido de “por mais uma pessoa
nesse planeta horrível”, e fazer reprodução assistida implicava altos custos e muita medicação
para viabilizar um bom resultado. Como gerar nunca foi o desejo primordial, optamos pela adoção.
No dia seguinte à decisão de que iríamos adotar nosso filho, avisamos a então pré-adolescente
que ela não seria mais filha única. Nas próximas semanas iríamos até o fórum da cidade para dar en-
trada no pedido. Sua alegria ao saber do irmãozinho, que provavelmente seria um menino de 5 anos
negro, era contagiante. Falava sem parar de seu futuro irmão, fazia planos até com seus possíveis
sobrinhos, sabíamos que ela queria um irmão, mas não imaginávamos a intensidade desse desejo.
P: Mas a criança sendo criada por um casal homossexual não pode se tornar homossexual também?
R: Geralmente as pessoas homossexuais são filhas de heterossexuais, ou seja, a orientação sexual
de pai e mãe não influencia na dos filhos. Desta forma, a probabilidade do filho de um casal homosse-
xual ser gay é igual a de todas as outras crianças. No mais, se ser gay não é nenhum problema, qual a
preocupação real por trás desta pergunta?
P: Como espera que os pais ou responsáveis por adolescentes e crianças recebam suas histórias?
R: Espero que possam se apoiar na história para conversar sobre a diversidade das pessoas e
o respeito às diferenças. Para muitos adultos esse tema é bem complexo, e uma história pode des-
contrair e ajudar no diálogo. Muitos pensam que esses assuntos de famílias diversas só deveriam
ser abordados com quem tem mais de 18 anos. Todavia não é verdade que crianças e adolescentes
não sejam comunicados sobre a temática desde muito cedo. Por exemplo, quando um menino é
mais sensível e é chamado de “viadinho” pelos colegas, estamos comunicando que isso é algo para
se ter vergonha. Quando nos programas de humor a população LGBT e seus relacionamentos são
retratados de forma caricata, estamos comunicando que essas relações são motivo de piada. Ou
seja, abordamos o tempo todo a diversidade com crianças e adolescentes, mas dizendo que isso
é ruim, mau.
P: Como explicar às crianças que duas pessoas do mesmo sexo podem se amar e compor uma família?
R: A gente não explica que pessoas de sexo diferente se amam e que a família só é família porque
tem papai, mamãe e filhinhos. As pessoas se amam e pronto. Não existe um “grande evento” para dizer
que papai e mamãe são de sexos diferentes e é só por isso que nos amamos e formamos uma família.
Então não precisa ter cerimônia para dizer que a prima namora uma outra e que elas vão se casar. Famí-
lias são formadas por vínculos afetivos e pronto. Igual para todo mundo. As coisas têm que ser tratadas
com naturalidade para que sejam sentidas como naturais. Sei que parece difícil, mas não é impossível.
Mandela já disse que ninguém nasce odiando e que se as pessoas podem aprender a odiar, podem tam-
bém aprender a amar. Ninguém é igual a ninguém, cada ser é único e por isso a diferença é regra a ser
reconhecida e acolhida, e não exceção a ser combatida!
Esses são alguns dos questionamentos mais recorrentes. Para finalizar, só posso dizer que
educar uma criança é um trabalho incessante e difícil. Mas quando eles nos sorriem, se aninham
em nosso colo, todas as dificuldades diárias são recompensadas. Já é difícil imaginar como era
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LESLÃO, Janaína. A Princesa e a Costureira. Rio de Janeiro: Metanoia, 2015.
_____________. Joana Princesa. Rio de Janeiro: Metanoia, 2016.
S
egundo o Dicionário Aurélio, “rua é uma via pública de circulação urbana, total ou parcial,
ladeada de casas, normalmente entendida como espaço público em que o direito de ir e vir
é plenamente realizado”. Também existem ruas que não possuem calçadas, ou seja, espa-
ços para o trânsito de pedestres que são obrigados a caminhar dividindo o espaço com os
carros, às vezes não pavimentada e rodeadas por encostas, barrancos, matos ou ribanceiras, sem
calçadas. De qualquer forma, a rua é um espaço público de uso comum e posse de todos, portanto,
relacionada diretamente com a formação de uma cultura da agregação e do compartilhamento en-
tre os cidadãos. É, também, um elemento da mobilidade e articulador das localidades, podendo ser
considerada como a formadora da estrutura urbana e de sua representação mais ampla.
A “população de rua”1 é a pura e autêntica expressão da exclusão social que, não dispondo de
recursos para adquirir moradia, “expõe” publicamente sua mais íntima privacidade. O mais curioso
é que, ao passo que a lógica capitalista determina a apropriação dos espaços públicos tornando-
-os privados, a população de rua, muitas vezes, ocupa os espaços privatizados reconstituindo-os
como espaços públicos.
De acordo com a Secretaria Nacional de Assistência Social, a “População em Situação de Rua”,
ou simplesmente “Moradores de Rua”, caracteriza-se como um grupo populacional heterogêneo,
composto por pessoas egressas de diferentes realidades e singulares trajetórias de vida, mas que
têm em comum a extrema pobreza, com vínculo familiar interrompido ou fragilizado. Vão às ruas
e, com a falta de habitação convencional regular, são obrigadas a utilizá-las como espaço para
habitação e aquisição de sustento, em caráter temporário ou permanente.
1
Há uma grande polêmica em relação à expressão mais adequada para designar as pessoas que são encontradas dormindo ou tomando suas
refeições, enfim, vivendo na rua. De um lado, para alguns, as expressões “morador de rua” ou “moradora de rua” são inadequadas porque a rua
não é moradia para quem quer que seja e ela poderia, assim, “naturalizar” uma condição de vida que deve ser rechaçada. As expressões deve-
riam, então, ser substituídas pela expressão “pessoas em situação de rua”. De outro lado, colocam-se os que defendem as expressões men-
cionadas para fortalecer uma espécie de denúncia e que a expressão substituta “em situação de rua” camufla, eclipsa a verdadeira situação
histórica de exclusão da população que vive nas ruas do País. Neste trabalho, as expressões serão usadas livremente, pois nele estão claras a
posição ideológica do pesquisador em relação a essa população e suas relações com o Estado e com a Sociedade Civil em geral.
2
Essência, aqui, entre aspas, porque ela não existe, numa perspectiva materialista dialética, que é o referencial teórico desta dissertação.
O termo será usado ao longo deste trabalho como força de expressão de uma realidade necessária, porque determinada pela correlação
de forças históricas. As aspas denotam sua contingência, isto é, seu caráter histórico e, portanto, possível de ser superado.
3
Como escancarou o Marxismo, a cada tipo de Estado corresponde um tipo de Sociedade, já que o primeiro é a organização da dominação e
da reprodução da dominação e, não, o instrumento da reequilibração das diferenças provocadas pela luta de classes. Neste caso, a Sociedade
se autojustifica na sua rígida hierarquização social.
CONCLUSÃO
O sistema econômico com esse modelo, com esse rabisco, não será capaz de promover políti-
cas de inclusão para a população de rua, pois a classe dominante se mantém de uma forma rígida,
incapaz de pensar e elaborar esta política, pois, sendo assim, a mantém excluída sem qualquer
possibilidade de superação.
A autonomia, a criticidade, são elementos importantes a esta população, podendo provocar uma
reflexão sobre sua existência e sua importância política na sociedade, pois a reflexão provoca uma
transformação em si e no universo que o cerca, que por sua vez altera o sistema transformando-o
em um ator autônomo, independente e crítico, sendo que este movimento o conduz à superação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mun-
do do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas SP: Ed. da Unicamp, 1995.
GOLDMANN, Lucien. A criação cultural na sociedade moderna. São Paulo: DIFEL, 1972.
JACOBI, Pedro. Movimentos sociais e políticas públicas: Demandas por saneamento básico e
saúde. São Paulo 1974-84. 2. ed., São Paulo: Cortez, 1993.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a Sociedade Civil: Temas éticos e políticos da gestão
democrática. São Paulo: Cortez, 2004.
PONCE, Aníbal. Educação e lutas de classes. São Paulo: Cortez, 1982.
ROSDOLSKY, Roman. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: EDUERJ;
Contraponto, 2001.
SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: Experiências e lutas dos trabalha-
dores da Grande São Paulo 1970-1980. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Censo da população em situação de rua de
São Paulo 2009-2010. Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assis-
tencia_social/observatorio_social/pesquisas/index.php?p=2013>. Acesso em: 4 out. 2012.
A
Casa Antonio Fernando dos Santos (CAFS) é um serviço de acolhimento institucional na
modalidade abrigo que atende pessoas em situação de rua em Campinas-SP em parceria
com a Secretaria Municipal de Assistência Social e Segurança Alimentar. Abriga 20 pes-
soas adultas em um imóvel na região central, e os moradores desenvolvem o seu plano
para superar a situação de rua. O serviço segue a Política Nacional de Assistência Social (2004).
Na construção cotidiana, o que caracteriza a CAFS é a horizontalidade nas relações e a parti-
cipação dos moradores e funcionários nos processos decisórios e na concretização do projeto.
Ou seja, morador e funcionário são constantemente convidados a refletirem sobre as questões do
abrigo, além de participar das tomadas de decisões. Nesse processo, todos são considerados em
mesmo grau de importância, não prevalecendo a ideia de que alguém é mais autoridade ou capaz
que outro. Na perspectiva de Freire (2011), o caminho adotado nesses espaços é o de dialogar e
pensar sobre a visão de todos. Sendo que a visão dos moradores, atendidos pelo serviço, reflete
a sua situação no mundo.
Essa horizontalização das relações não desconsidera os espaços e histórias diferentes que os
atores ocupam, seus papéis e seus saberes. Aliás, exige o reconhecimento das diferenças e os limi-
tes de cada um, tornando desafiadora a constituição de um diálogo efetivo entre esses diferentes.
Possibilitar que o conhecimento acadêmico da equipe técnica possa ser considerado um pro-
cesso de construção no qual se envolva um “usuário do serviço” exige mais que acreditar na
capacidade desse “usuário” de estar junto com o técnico nesse processo, exige um repensar na
função desse conhecimento acadêmico, o qual não deve servir para tornar o técnico um analista
ou cientista que tem o “fenômeno pessoa em situação de rua” como objeto de estudo, mas um
técnico que tenha o conhecimento como meio que ajuda a pensar junto, de forma que o atendido
possa conhecer melhor a si próprio e as diversas relações que envolvem seu projeto de vida, para
a partir daí fazer escolhas conscientes e se responsabilizar por elas.
O objetivo de fazer junto com o usuário é construir uma compreensão acerca do pensamento
linguagem referido à realidade, e não analisar os moradores como se fossem peças anatômicas,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREIRE, P. (1968). Pedagogia do oprimido. 50ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. 253p.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Secretaria Nacional de Assis-
tência Social. Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Brasília, DF, 2004.
N
o município de Ferraz de Vasconcelos (SP) é possível observar diariamente pessoas pe-
rambulando e/ou utilizando os espaços públicos como moradia; elas circulam em pe-
quenos grupos ou individualmente. Parece que essas pessoas fazem parte do cenário
urbano, pois grande parte da população transita de um lado a outro sem percebê-las.
Diante dessa realidade, o município buscou diagnosticar por meio de entrevistas a problemá-
tica das pessoas em situação de rua, identificando de forma geral as condições em que vive essa
parcela da população, apontando os principais problemas enfrentados, na perspectiva da violação
de direitos e das estratégias de sobrevivência desenvolvida. Tendo como pano de fundo uma
sociedade que produz diariamente pessoas subjugadas, consideradas invisíveis perante a socie-
dade, sendo ainda vítimas de todas as formas de preconceito.
Tal diagnóstico apresentou indivíduos que acumulavam perdas, fracassos, impossibilidades,
frustações, violências, rupturas por conflitos e brigas, ou seja, apresentavam histórias de rupturas
sucessivas e que, com muita frequência, estavam associadas ao uso de substancias psicoativas
e etílicas, não só pela pessoa que estava na rua, mas por outros membros da família.
Observamos que tais fenômenos faziam esses indivíduos se distanciarem da perspectiva de
projeto de vida. Situações que culminaram no sentimento de impotência perante a vida, por vezes
provocando dificuldade para estabelecer vínculos.
A partir desse levantamento, observou-se a necessidade de elaborar estratégias e propostas
de intervenção que estivessem em consonância com o perfil de cada morador, priorizando o aten-
dimento individual, ou seja, pautado na singularidade de cada ser.
O nosso desafio, enquanto trabalhadores da assistência social, estava em elaborar alternativas
que pudessem adequar-se à realidade de quem vive nas ruas, especialmente que levassem em
conta o estágio em que as pessoas se encontravam, ações que respeitassem o nível de autono-
mia e o desejo de cada indivíduo. Ações personalizadas que reconhecessem a singularidade de
cada usuário do serviço, por mais difíceis, eram as mais apropriadas para propiciar o reconheci-
mento de potencialidades e promover a construção da autonomia. Visualizar essa proposta de
trabalho nos proporcionou repensar a prática profissional, as políticas e os serviços que estão à
disposição dessa população, nos permitindo reavaliar alguns conceitos e ações.
Buscamos nos pautar nos seguintes questionamentos: 1. Para essa população sair dessa si-
tuação é oferecido atendimento com diferentes características em serviços, com diferentes regras,
alguns não estabelecem tempo de permanência, outros permitem pernoite, enquanto há aqueles
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Termo de orientação – Atuação de assistentes sociais em abordagem social na rua. Disponível
em: <http://www.cressrj.org.br/download/arquivos/termo-de-orientacao-abordagem-na-rua.pdf>.
Acesso em: 30 de janeiro. 2016.
Diálogos sobre a população em situação de rua no Brasil e na Europa: experiências do Distrito
Federal, Paris e Londres. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/pro-
mocao-e-defesa/publicacoes-2013/pdfs/dialogos-sobre-a-populacao-em-situacao-de-rua-no-bra-
sil-e-na-europa-1>. Acesso em: 30 de janeiro. 2016.
E
ste texto tem o objetivo de contextualizar o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes
Ameaçados de Morte (PPCAAM) no Estado de São Paulo, no que tange à sua instituição, tran-
sição da gestão do Município para o Estado, metodologia e procedimentos, com o intuito de
difundir o Programa e levá-lo a um debate amplo, que busque sempre seu aperfeiçoamento.
O PPCAAM foi criado pelo Governo Federal no ano de 2003 e instituído, por meio do Decreto pre-
sidencial n° 6.231, em outubro de 2007, como uma iniciativa para a garantia dos direitos humanos
de crianças e adolescentes diante dos altos índices de letalidade infanto-juvenil registrados no Brasil.
O Programa consiste em uma política pública de natureza protetiva destinada a crianças e
adolescentes ameaçados de morte, bem como a jovens adultos até 21 anos, desde que egressos
do sistema socioeducativo. Foi desenvolvido em conformidade com os princípios da proteção in-
tegral, dignidade da pessoa humana e convivência familiar, e de acordo com os demais princípios
expressos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069/90, e tratados,
destacando-se a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos da Criança,
não sendo vinculada a atuação do programa à colaboração do protegido em inquérito policial ou
processo criminal, como se fazia antigamente, quando não existia o PPCAAM.
1
Este artigo é de autoria de Ana Carolina Melo de Siqueira, membro titular e secretária executiva do Conselho Gestor do PPCAAM, com base
nas palestras proferidas por Flasriston Francisco da Silva, coordenador geral do PPCAAM/SP, e por Marco Alexandre Davanzo, membro
suplente no Conselho Gestor do PPCAAM/SP, sobre o tema "Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte e os Desafios da Proteção" para
a Série Dialogando 2016.
Observa-se que, nos casos em que os responsáveis legais não tenham disponibilidade para
abandonarem o local de risco, a metodologia do programa possibilita a oferta da proteção indivi-
dualmente à criança ou ao adolescente que está sob ameaça. Porém, a modalidade de inclusão
para os casos sem o acompanhamento do responsável legal demanda necessariamente o equi-
pamento de acolhimento institucional, o que gera severas críticas ao Programa.
De fato, trata-se de uma questão que precisa evoluir em termos de debates e encaminhamentos
junto com os atores para pensar em novas possibilidades. Atualmente o que se observa é uma falta
de definições sistematizadas sobre o papel de cada ator na proteção do ameaçado, o que traz insegu-
rança aos profissionais dos acolhimentos, gerando consequentemente resistência nesses serviços em
relação aos usuários do Programa, muitas vezes estigmatizados por serem considerados uma ameaça
para outros acolhidos. Esse entendimento, no entanto, simplesmente não leva em consideração todo o
trabalho de uma equipe em relação à abrangência da ameaça, a fim de selecionar o local da proteção.
Ademais, outro ponto conflituoso consiste na municipalização das vagas de acolhimento ins-
titucional. O público do Programa apresenta necessidades peculiares se comparada às demais,
uma vez que, em virtude da ameaça sofrida, precisam sair de uma região para outra localidade
segura, situação que está em descompasso com as diretrizes de utilização dos acolhimentos e
precisam ser consideradas nos debates.
Vale acrescentar que, por meio de um trabalho da equipe técnica na sensibilização da família,
atualmente o número de crianças e/ou adolescentes que necessitam do acolhimento institucio-
nal não é alto. O perfil hoje da modalidade de inclusão inverteu. No início de 2016, o Programa
apresentava 70% dos casos de inclusão na modalidade proteção sem responsável legal, fazendo
necessário o trabalho em conjunto com o serviço de acolhimento. Os dados atuais mostram que
apenas 30% dos casos entram nessa modalidade, sendo os outros 70% inseridos na modalidade
de proteção com a família. Observa-se que essa modalidade de proteção familiar é mais eficiente,
pois dificilmente o adolescente retorna ao local de ameaça e o trabalho de reinserção social segu-
ra é feito com todo o núcleo familiar.
Superadas essas questões, havendo a inclusão do adolescente, independentemente da moda-
lidade, haverá um trabalho intenso de reinserção social segura, sendo a previsão legal de um ano
para permanência no programa, podendo ser esse prazo prorrogado, em situações excepcionais,
após autorização do Conselho Gestor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Centro Popular de Formação da Juventude – Vida e Juventude em parceria com a Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, 2010, PPCAAM - Programa de Proteção a
Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte. Disponível em <http://www.crianca.mppr.mp.br/
arquivos/File/publi/sedh/ppcaam_livro_2010.pdf>. Acesso em: 04 de fevereiro de 2017.
O
debate a respeito do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de
Morte (PPCAAM) e sua interface com os serviços de acolhimento institucional é longo e
tem-se mostrado desgastante no que se refere à polêmica entre a proteção do adoles-
cente ameaçado de morte dentro de um serviço de acolhimento versus a proteção das
crianças e adolescentes em acolhimento no mesmo serviço.
Inicialmente, creio ser necessário entendermos o serviço de acolhimento institucional como
uma comunidade de acolhida, proteção e socioeducação. Referimos comunidade porque há uma
convivência entre crianças e adolescentes de idades diversas e educadores/cuidadores dentro de
um espaço físico que deverá assemelhar-se a uma residência inserida em um bairro da cidade.
A acolhida nos traz a referência do cuidado como um elemento essencial ao atendimento a esse
público que traz consigo diversas demandas de proteção especial de alta complexidade. A prote-
ção surge como uma necessidade premente considerando a situação de vulnerabilidade pessoal
e social que crianças e adolescentes estavam em seu ambiente familiar e comunitário. Já a edu-
cação combinada com o social afirma o desenvolvimento de fatores de crescimento e autonomia,
ampliando o pertencimento familiar e comunitário.
O serviço de acolhimento institucional objetiva auxiliar no desenvolvimento e no sentimento
de pertencimento de cada um dos acolhidos, garantir a proteção integral acessando programas e
serviços da rede de proteção municipal e favorecer o desenvolvimento de vínculos de amizade e
afeto que permitam seu retorno à vida familiar e comunitária.
O serviço de acolhimento possui um papel claro de construção e reconstrução da identidade de
cada um dos acolhidos, proporcionando o exercício da autonomia e independência e permitindo que
os acolhidos encontrem seu lugar no mundo, que encontrem e participem de grupos de pertenci-
mento e que possam ampliar suas possibilidades de apoio e proteção na família e na comunidade.
Podemos perceber com clareza, por todos esses motivos elencados, que o serviço de acolhimento
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abrigo: comunidade de acolhida e socioeducação. Coletânea abrigar. Myrian Veras Baptista
(coordenação). São Paulo: Instituto Camargo Corrêa, 2006.
DIGIÁCOMO, Murillo José e DIGIÁCOMO, Ildeara Amorim. 1969 - Estatuto da criança e do adoles-
cente anotado e interpretado. 6ª ed. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná; Centro de
Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, 2013.
INTRODUÇÃO
E
ste artigo faz uma breve leitura da letalidade de adolescentes no Estado de São Paulo, do
Mapa da Violência e do Índice de Homicídio na Adolescência. Associa essa leitura a outros
textos e tece uma análise sobre taxas do atendimento do Programa de Proteção a Crianças e
Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) no Estado de São Paulo no triênio 2013-2015.
Tem por objetivo chamar a atenção para o sinistro social da violência letal intencional contra
adolescentes, apresentar uma análise pontual do atendimento realizado pelo Programa no Estado
de São Paulo e destacar desafios e apontamentos.
1
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2015.
2
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016.
3
United Nations Children’s Fund.
4
No Estado de São Paulo, as portas de entrada que podem solicitar a inclusão de ameaçados no PPCAAM são o Conselho Tutelar, o Ministério Público
do Estado de São Paulo, a autoridade judicial competente e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Decreto Estadual nº 58.238/2012, art. 3º).
5
O Guia de Procedimentos do PPCAAM tem duas versões: uma voltada aos parceiros da rede de proteção e ao Sistema de Garantia de Direitos, e uma
versão interna de caráter confidencial. Esta é de conhecimento apenas das equipes técnicas locais do Programa.
CONCLUSÃO
Por um lado, o Governador do Estado, conjuntamente com a Coordenadoria da Infância e da
Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a Assembleia Legislativa paulista, po-
deria lançar um pacto estadual pela prevenção e redução do custo anual da violência.
Para começar os atuais prefeitos, eleitos em 2016, poderiam instituir comitês de planos mu-
nicipais de políticas públicas de prevenção e redução do risco de morte violenta de adolescentes,
destacando nas agendas de metas para 2017-2020 o desafio de implementar o “Programa de
Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens (PRVL)”.
A
reflexão sobre experiências de residências inclusivas para pessoas com deficiência,
hoje, no Brasil, insere-se no contexto de avanços na garantia de direitos desse setor
da população que vêm sendo empreendidos nos últimos quinze anos. Expressão legal
bastante recente de tais avanços é a Lei Brasileira de Inclusão, que vige desde janeiro
de 2015. Início de uma possibilidade de pensarmos juntas/os sobre o direito à moradia, em uma
perspectiva inclusiva.
Considerando tanto a legislação nacional (BRASIL, 2008; 2015) quanto a contribuição de pes-
quisadoras(es) do campo dos direitos humanos (BUCCI et alli, 2001; PALACIOS, 2008), a perspec-
tiva inclusiva pressupõe:
Para discutir a autonomia das pessoas com deficiência intelectual e seu direito à vida plena,
com base nas residências inclusivas, tão somente destacaremos três conjuntos temáticos, sa-
bendo que cada um deles merece aprofundamento.
2. O CONCEITO DE DEFICIÊNCIA
De acordo com a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (BRA-
SIL, 2009), a deficiência configura-se não mais como mera expressão de uma condição do indiví-
duo, mas como efeito do encontro de barreiras psicossociais interpostas a um sujeito, prejudican-
do ou impedindo o exercício de sua vida digna. Vejamos:
Assim, o foco da atenção está nas barreiras constituídas, constituindo-se como desafio aos gover-
nos e aos estados o desenvolvimento de ações que as diminuam ou as exterminem. Assim, como pen-
sar a garantia do direito às pessoas com deficiência intelectual com base na Convenção? Quais são
as barreiras que interpomos ao exercício da vida digna das pessoas com deficiência intelectual? Como
as residências inclusivas podem tornar-se experiências de diminuição ou eliminação de tais barreiras,
na medida em que deve haver um trabalho constante de apoio ao desenvolvimento da autonomia e de
produção de negociações e diálogos sociais visando à superação de preconceitos e discriminações?
3. DEPENDÊNCIA E AUTONOMIA
Palacios (2008) é uma autora argentina que tem se debruçado sobre a discussão dos direitos das pes-
soas com deficiência, à luz da doutrina de direitos humanos. Destacaremos apenas dois tópicos de suas
discussões, com a finalidade de fomentar o debate sobre ética no trabalho com pessoas com deficiência.
3.1. Dependência como direito universal
A partir do ideário liberal, a ideia de que um sujeito possa depender de outro torna-se profundamente
ligada ao risco social. Alguém que não pode produzir seu próprio sustento é visto como inútil não só para
o autossustento, mas para a geração de riqueza no sistema de produção. Observem que não se trata de
preocupação com a qualidade de vida ou com a ameaça que alguém sem possibilidade de lutar pode
trazer para a pólis, elemento que justificava o extermínio dos chamados defeituosos na Atenas Antiga.
Trata-se da associação entre a ideia de dependência e risco social, por significar duplo prejuízo financei-
ro: do sujeito que depende e daquele que se incumbe de cuidar do que depende. Palacios (2008) realiza
percurso de retomada de várias(os) autoras(es) que discutem o conceito de dependência para tomá-lo
como direito de qualquer cidadã(o). Ora, há parcela da população que pode necessitar esporádica ou
permanentemente de apoio para a realização de sua vida e isso não deve ser tomado como eixo de ava-
liação moral ou de cálculo de prejuízo financeiro. Afirmar que todo sujeito pode contribuir socialmente e
realizar-se no e pelo trabalho não é o mesmo que dizer que todo sujeito deve, necessária e obrigatoria-
mente, gerar sustento de sua própria vida. Aliás, o que essas(es) autoras(es) propõem é que possamos
afirmar a comunidade humana como uma comunidade de sujeitos interdependentes, não devendo ser
aspiração de ninguém não depender das(os) outras(os) ou do Estado para nada, pois seria aderir ao
ideário liberal de que cada uma(um) de nós deve aspirar viver como célula isolada. Assim, a criação de es-
tratégias públicas de interdependência episódica ou permanente deve fazer parte das políticas públicas.
3.2. Autonomia moral como algo distinto da autonomia física
Esse ponto parece-nos por demais valoroso, na medida em que nos desafia a perceber a dominação,
costumeiramente, não só dos corpos, mas dos desejos e das escolhas de sujeitos que experimentam
prejuízos em sua mobilidade. Ao diferenciar autonomia física e moral, a autora sublinha a importância,
Por fim, parece-nos fundamental que essa discussão seja feita com movimentos de vida independen-
te, com pessoas com deficiência que passariam a ser usuárias de residências inclusivas e com os mo-
vimentos sociais de pessoas com deficiência. Se aprendemos algo desde a década de 1990, podemos
afirmar que nenhuma decisão sobre elas seja tomada sem elas. Assim, não há como avançar na discus-
são e não seria ético tomar alguma decisão sem o estabelecimento de ampla discussão com as pessoas
com deficiência. Se estamos, de fato, implicadas(os) na garantia de direitos para todas(os), é necessário
que façamos a lição desde já, reconhecendo e efetivando o direito à participação nos processos deci-
sórios atinentes às vidas das pessoas com deficiência, tal como preconiza a Lei Brasileira de Inclusão.
American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5.
5th.ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.
BRASIL. Lei No 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Presidência da República.
Brasília, 2002.
_____. Presidência da República. LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Institui a Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Presidência da Re-
pública. Brasília. 2015.
BUCCI, Maria Paula Dallari et alli. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Pólis, 2001.
O
Serviço de Acolhimento em Residência Inclusiva é uma unidade que oferta Acolhimento Ins-
titucional no âmbito da Proteção Social Especial de Alta Complexidade do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS). O serviço é destinado a jovens e adultos com deficiência, com vín-
culos familiares rompidos, sem condições de autossustentabilidade e de retaguarda familiar,
ou ainda que estejam em processo de desligamento de instituições de longa permanência.
Os objetivos principais do Serviço de Residência Inclusiva consistem em superar vivências de
violências, garantindo proteção integral à pessoa com deficiência, e, também, em acolher pessoas
com deficiência que estejam saindo de instituições de longa permanência.
A estrutura física é o principal destaque desse serviço, pois garante a individualidade, o confor-
to dos residentes e respeita suas crenças e valores.
A Residência Inclusiva da Apae Bauru iniciou-se em maio de 2007, por meio de um convite
da Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social (Drads) Bauru para a realização
de parceria e a construção de um novo modelo de acolhimento, que até então não era tipificado,
criando, assim, a residência feminina. No ano de 2011, novamente a Drads e a Apae formaram
novas parcerias para implantar a residência masculina, no mesmo padrão da residência feminina.
Ambas as residências foram inauguradas com pessoas que estavam em serviços de acolhimen-
tos antigos, com práticas de isolamentos que não favoreciam o convívio comunitário nem o de-
senvolvimento individual digno de cada usuário.
Nesse período, foi elaborado, no município de Bauru, o Plano de Reordenamento dos Serviços,
que justamente trabalhou com a intenção de aperfeiçoar os abrigos já existentes, com público de
50 usuários, e de transformá-los no atual modelo, com 10 pessoas por residência.
Reordenar significa reorientar os serviços para se adequar aos parâmetros de funcionamento,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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bre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 08 dez. 1993. Seção 1, p. 18.
BRASIL. Resolução Nº 109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Servi-
ços Socioassistenciais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 nov. 2009. Seção 1, p. 89.
BRASIL. Portaria Nº 397, de 09 de outubro de 2002. Aprova a Classificação Brasileira de Ocupa-
ções - CBO/2002, para uso em todo território nacional e autoriza a sua publicação. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 10 out. 2002. Seção 1. p. 74.
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novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e Nº 10.098, de
19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras
providências, Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 dez. 2004. Seção 1, p. 05.
BRASIL. Portaria Interministerial Nº 3, de 21 de setembro de 2012. Diário Oficial da União, Brasí-
lia, DF, 24 set. 2012. Seção 1, p. 77.
BRASIL. Resolução Nº 33, de 12 de dezembro de 2012. Aprova a Norma Operacional Básica do Sistema
Único de Assistência Social - NOB/SUAS. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 jan. 2012. Seção 1, p. 155.
ORIENTAÇÕES TÉCNICAS. Serviço de Acolhimento Institucional para Jovens e Adultos Com De-
ficiência em Residências Inclusivas. Brasília, 2012.
BRASIL. Resolução CNAS Nº 6, 13 de março de 2013. Aprova a expansão qualificada de Serviços
de Acolhimento Institucional para Jovens e Adultos com Deficiência, em situação de dependência,
em Residências Inclusivas. Brasília. DF. 22 mar. 2013. Seção 1. p. 64
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF. 07 jul. 2015. Seção 1. p. 2
E
ste artigo se propõe a relatar a experiência do município de Araraquara no processo
de Reordenamento do Serviço de Acolhimento para Pessoas com Deficiência em Re-
sidência Inclusiva, a partir do marco legal estabelecido pela Resolução CNAS nº 011,
de 24 de abril de 20121.
Para tanto, o Termo de Aceite assinado pelos municípios estabelecia as responsabilidades
e os compromissos a serem cumpridos pelo gestor municipal, ou seja, elaborar um Plano de
Reordenamento conforme o estabelecido na Resolução CNAS nº11/2012, contendo ações
necessárias para reordenar os serviços de acolhimento para pessoas com deficiência exis-
tentes no município, com prazo para demonstração do início do processo de reordenamento,
e submetê-lo à aprovação do Conselho Municipal de Assistência Social. Ao gestor estadual
da Política de Assistência Social caberia destinar recursos financeiros correspondentes a, no
mínimo, 50% do valor mensal do cofinanciamento federal; assegurar processos de capacita-
ção das equipes; promover a articulação entre Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e
Sistema Único de Saúde (SUS) na perspectiva do matriciamento e referenciamento da oferta
do serviço; prestar apoio técnico aos municípios2.
1
NA referida Resolução traz a “aprovação de critérios de partilha do cofinanciamento federal para apoio à oferta dos Serviços de Proteção Social
Especial para Pessoas com Deficiência, em situação de dependência, e suas Famílias em Centros-Dia de Referência e em Residências Inclusivas,
considerando o Plano VIVER SEM LIMITE, instituído pelo Decreto nº 7.612, de 17 de novembro de 2011.”
2
Cláusula Quarta, TERMO DE ACEITE – Serviço de Acolhimento Institucional para Jovens e Adultos com Deficiência em Residência Inclusiva.
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tubro de 2004. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Brasília, 2004.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica –
NOB/SUAS. Brasília, 2005.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica de
Recursos Humanos do SUAS, NOB-RH/SUAS. Brasília, 2006.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assis-
tência Social. Resolução nº 109 de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais. Brasília, 2009.
O
presente artigo, ainda que de modo breve, é parte de uma pesquisa mais ampla que tem
como escopo a apreensão de certos sentidos de mudanças morais e políticas, não no
sentido puramente eleitoral, mas sim associadas a mais liberdade pessoal, nas mulheres
pobres, resultantes do recebimento do Bolsa Família. A investigação efetuada durante
5 anos, de 2006 a 2011, se realizou por meio de entrevistas abertas com algumas mulheres e se-
guiam certo roteiro de questões. Nesta escuta, que, como se sabe, possui certo dinamismo próprio
da fala humana, se tentou captar alterações ocorridas em suas vidas no sentido mencionado aci-
ma. Outro critério eleito foi ouvi-las sobre os impactos que o programa havia feito em suas vidas.
No caso, significou, fundamentalmente, ouvir as mulheres que vivem em algumas das situações
de vida mais desfavoráveis e mais precárias. Tratava-se, em suma, de ouvir pessoas que, de certa
forma, estão nas piores situações sociais: porque vivem em pobreza extrema e habitam as regiões
mais tradicionalmente desassistidas pelo Estado Nacional em todos os sentidos. São moradoras
destituídas muitas vezes de serviços públicos mínimos, já que faltam escolas, estradas, hospitais,
centros de cultura, espaços de encontro. Isto facilita seu atomismo social e sua desagregação
política, fazendo delas pessoas excluídas de um ambiente estimulante ao desenvolvimento huma-
no. As regiões selecionadas foram: partes do alto sertão de Alagoas, bem como a Zona Litorânea
deste Estado, o Vale do Jequitinhonha (MG), algumas localidades do interior do Piauí e do interior
do Maranhão, bairros muito pobres da periferia de São Luís (MA) e do Recife (PE).
ENTREVISTAS
As entrevistas, como mencionado acima, foram abertas. Semelhante técnica investigativa re-
quer que se ouça atentamente as vozes das mulheres, dentro do possível, se sinta suas opiniões
e sentimentos a respeito da magnitude das mudanças que a percepção da renda monetária, pro-
vinda do recebimento da Bolsa Família, traz às suas vidas. Isto é importante, porque não nos
interessava ouvir as opiniões de outros que se colocam como interpretes das mulheres pobres,
mas precisávamos ouvir suas vozes. Estas devem ser ouvidas, de preferência, mais de uma vez,
para que se possa capturar uma dimensão não tangível às outras modalidades de pesquisa sobre
o tema. Neste sentido, o horizonte da nossa pesquisa é amplo, pois pretende avaliar o impacto
do Bolsa sobre a sua subjetividade. Com isto, para tentar apreender os possíveis graus de auto-
nomização alcançados e os meramente potencializados pela percepção de renda monetária, por
menor que esta seja, como é o caso do Bolsa Família.
Na primeira entrevista feita em abril de 2006, com Dona Madalena (nome fictício), de 34 anos,
casada e mãe de três filhos pequenos, moradores da zona rural do alto sertão de Alagoas, nas
redondezas da cidade de Inhapi, perguntamos-lhe sobre a questão dos maus-tratos dos maridos
nas famílias da região; chorou, e disse que não gostaria de falar sobre isto. A pergunta havia to-
cado em sua ferida. No ano seguinte, quando retornamos, encontramo-la separada do marido,
ostentando uma aparência muito mais tranquila. Recebeu-nos sorridente e nos confessou que no
ano anterior estava muito triste e deprimida, pois enfrentava uma situação muito difícil. À pergun-
ta sobre o que havia mudado na sua vida após seu ingresso no Programa Bolsa Família, que lhe
proporciona um rendimento monetário regular, dona Madalena respondeu:
“Adoro, porque eu não sei o que seria da minha vida sem ele. Ia ficar meio difícil, com três filhos.
Acho ótimo, ótimo, porque, se não fosse o Bolsa Família, eu não sei o que seria da família pobre”.
Deve-se ressaltar, contudo, que as possibilidades morais de liberação da opressão conjugal
ainda são muito raras nas regiões pobres e atrasadas do Brasil, devido aos rígidos controles fami-
liares que atuam sobre as mulheres. Os controles provêm de várias figuras familiares. A família e
seus controles se ampliam no casamento, originando a família ampliada e, com isto, a extensão
da dominação. Isto é, muitas delas estão submetidas ao sogro, à sogra, além do marido e do pai.
PERCURSOS DE EXCLUSÃO
Por inúmeras razões temos de investigar as expectativas das mulheres que entrevistamos. Por
exemplo, foi possível perceber que longe da acomodação proclamada pelo preconceito elitista,
com os níveis de renda percebidos, por meio do Programa Bolsa Família, as mulheres e homens
pobres querem muito mais da vida. Possuem em alta conta o trabalho que gera renda, mas sa-
bem que não foram capacitadas para tal, ou seja, aquele mais qualificado. É comum a fala triste.
“Não pude ir à escola, era muito longe de casa”. Ou “o pai tirou nóis da escola porque precisava
de nóis pro serviço”. Ao fim e ao cabo, a cultura da sociedade salarial age e agiu nas profundezas
CONCLUSÕES
Para concluir estas rápidas notas de uma pesquisa muito mais ampla, devemos ter em mente
que: O programa de transferência estatal de renda a mulheres pobres, o Programa Bolsa Família,
se insere em uma ainda incipiente política pública de cidadania. O fato de ser ainda muito insufi-
ciente como tal não nos permite ignorar suas possibilidades de se tornar em consistente política
de formação de cidadãos, se complementadas por um conjunto mais amplo de políticas públicas
que visem este alvo – a formação da cidadania democrática no Brasil. Neste sentido, comecemos
pela mais preliminar de todas as prerrogativas da cidadania, porque diz respeito ao mais prelimi-
nar direito, o direito à vida, que o atual Programa Bolsa Família garante.
Depois de cinco anos de entrevistas, pode-se afirmar que o programa produz mudanças signi-
ficativas na vida das pessoas destinatárias do Bolsa Família. Uma delas é o início da superação
da cultura da resignação, ou seja, a espera resignada da morte por fome e por doenças ligadas
a ela, drama este constante neste universo espacial. Suas cantigas e poesias populares sempre
o cantaram em tristes lamentos. Nossos grandes romancistas escreveram suas obras-primas
tendo como componentes de seu tecido dramático a miséria e a fome de nossos concidadãos. As
entrevistas e conversas realizadas até então com mulheres beneficiadas pelo programa governa-
mental mostraram que é possível entrever outras potencialidades liberatórias, outras dimensões
presentes na dotação de recursos monetários, sem perder de vista que este nível é o chão concre-
to de qualquer outra consideração.
A continuidade do programa e sua ampliação em direção a políticas culturais específicas
destinadas às mulheres bolsistas ainda precisam ser desenhadas. Infelizmente, o golpe de estado
desferido contra a democracia brasileira em 2016 pode ter posto fim nesta alvissareira experiên-
cia distributiva. Mais uma vez no Brasil, como mostra sua história, as classes dominantes não
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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