Você está na página 1de 50

FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS

DA EDUCAÇÃO
FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS DA
EDUCAÇÃO

Elena Alves Silva


Natália Fonseca de Abreu Rangel
José Antônio Fracalossi Meister

São Paulo | 2017


ADMINISTRAÇÃO DA ENTIDADE MANTENEDORA (IAE)
Diretor Presidente Domingos José de Sousa
Diretor Administrativo Élnio Álvares de Freitas
Diretor Secretário Emmanuel Oliveira Guimarães

ADMINISTRAÇÃO GERAL DO UNASP


Reitor Martin Kuhn
Pró-Reitora de Pós-Graduação,
Tânia Denise Kuntze
Pesquisa e Extensão
Pró-Reitor de Graduação Afonso Ligório Cardoso
Pró-Reitor de Relações, Promoção
Allan Macedo de Novaes
de Desenvolvimento Institucional
Pró-Reitor Administrativo Andrenilson Marques Moraes
Secretário Geral Marcelo Franca Alves

CAMPUS VIRTUAL
Diretor Geral Martin Kuhn
Gerente Acadêmico Everson Mückenberger
Gerente Administrativo Andrenilson Marques Moraes
Gerente de Produção Valcenir do Vale Costa

PRODUÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO-PEDAGÓGICO


DELINEA TECNOLOGIA EDUCACIONAL
Diretoria Executiva Charlie Anderson Olsen
Larissa Kleis Pereira
Margarete Lazzaris Kleis
Supervisão do Projeto Camila Sayury Nakahara
Renata Oltramari
Coordenação do Projeto e de DE Josane Mittmann
Mônica Guarezi Rodrigues
Coordenação de Revisão Tiago Costa Pereira
Coordenação de Design Gráfico Victor Américo Cardoso
Projeto Gráfico Cassiana Mendonça Pottmaier
Fernando Andrade
Conteudista Elena Alves Silva
Natália Fonseca de Abreu Rangel
José Antônio Fracalossi Meister
Designer Educacional Cíntia Macedo
Revisão Gramatical Paula Barretto Barbosa Trivella
Diagramação Fernanda Vieira Fernandes
CONHEÇA A DISCIPLINA

Caro estudante,

Seja bem-vindo à disciplina de Fundamentos Sociológicos da Educação.

Estudaremos os principais aspectos que norteiam as discussões sobre a


educação a partir do ponto de vista sociológico, estimulando o pensa-
mento relacional e crítico. Ou seja, desejamos que você consiga relacio-
nar as práticas e políticas educacionais às suas transformações sócio-his-
tóricas, a partir do entendimento da trajetória humana.

Os interesses e as necessidades dos seres humanos vão variar conforme:


o local em que vivem (sua geografia); suas histórias de vida, as histórias
dos grupos dos quais participam (história); e também do que se constrói
de traços espirituais, materiais, intelectuais, afetivos, os quais moldam
a sociedade a partir do que ela vive e almeja (cultura). Também estu-
daremos como ocorrem as transformações econômicas e políticas, que
causam grande impacto na forma de conceber a educação, especialmente
nas questões sociais (sejam essas sociedades simples ou complexas), assim
como no avanço das relações do capitalismo enquanto sistema ideológi-
co, social e econômico.

Os conceitos sociológicos expostos auxiliarão na compreensão histórico-


-crítica acerca da sociedade e também na compreensão de temas atuais
ligados à educação, tais como: as desigualdades socioeconômicas, a di-
versidade étnica, racial, sexual e de gênero, as políticas públicas educacio-
nais (como as ações afirmativas) e a formação continuada de profissionais
da educação.

Buscamos auxiliar no aprofundamento do entendimento sobre os fenô-


menos sociais, para que seja possível atuar na educação de maneira de-
mocratizante, ajudando a promover o fim das desigualdades socioeconô-
micas ainda tão expressivas no Brasil.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 4


EMENTA
Estudos dos fundamentos sociológicos com aplicação nas questões atuais
da educação brasileira em relação ao sistema escolar, articulados com a
visão dos direitos humanos e a pluralidade cultural.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 5


CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO AOS
FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS

Objetivos
O estudo do conteúdo deste capítulo tem como objetivos:

Propiciar o acesso aos fundamentos teóricos referentes à


construção do conhecimento sobre os processos sociológicos da
educação, conceituando o termo de sociedade;
Diferenciar as formas de organização social simples e complexas,
destacando a importância da escola nas sociedades complexas.
NOSSO TEMA

Ao ser pensada, a educação deve ser contextualizada, ou seja, ela não é


neutra. Toda educação parte de uma escolha que educadores, educandos
e os mantenedores das Instituições (sejam privadas ou públicas) fazem
a partir de suas concepções e do contexto sócio-histórico em que se en-
contram. Ela está ligada a todo o seu envolto social e é profundamente
influenciada por ele, porque é esse contexto que gera, mantém e desen-
volve os conteúdos e as formas de educar. Os modos como vivemos em
sociedade, fazemos política e disseminamos valores no cotidiano influen-
ciarão na criação dos currículos escolares, nas relações familiares, na edu-
cação e, por fim, no papel dos educandos e dos educadores.

Cabe a nós sempre fazermos indagações para termos alguns pontos de


referência em nossa reflexão. Esses pontos partem da concepção de so-
ciedade e suas interfaces: o que é sociedade? A partir de que momento
as escolas passam a ser as principais instituições voltadas à educação dos
seres humanos? Ao vermos alunos sentados em carteiras e professores
explicando disciplinas, podemos nos questionar: foi sempre assim? Por
que é assim?

Convidamos você a embarcar nessa jornada de desenvolvimento do olhar


crítico e questionador, para pensarmos em uma educação democratizante
que inspira e transforma.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 7


1.1 O que é sociedade?
A resposta a essa pergunta deve ir além de uma resolução que apenas dê
conta desse conceito. É necessário envolver outros conceitos, como, por
exemplo, o do papel da educação nessa sociedade. É fundamental que se
tenha um entendimento sobre os interesses e as relações sociais que nor-
teiam a educação. Qualquer resposta que se deseja dar sobre o ser humano
e suas relações sociais envolve mais que uma simples conceituação. Somos
socializados desde o nosso nascimento, e essa mesma sociedade nos in-
fluencia e faz com que nossas formas de agir e pensar estejam dentro de
determinados padrões estabelecidos. Ou seja, somos colocados em contato
com uma forma de conceber o mundo e de organização que envolve nosso
ser como um todo, e é isso que possibilita que possamos viver socialmente.
Essas perspectivas vão embasar todo o nosso processo cognitivo e a nossa
construção de conhecimentos.

A princípio, a pergunta que norteia este tópico de estudo parece ser


simples, afinal, ao longo de nossas vidas, utilizamos ou vivenciamos o
conceito de “sociedade”, independentemente de esse conceito ser ou não
consciente, mas o certo é que, ao falarmos ou vivenciarmos algum tema,
só fazemos se temos algum conhecimento sobre ele. Mas, afinal, no que
ela consiste?

O sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) aponta, em sua obra “So-


ciedade dos Indivíduos” (1994), duas compreensões que criam a dico-
tomia indivíduo/sociedade e que se demonstram insuficientes para uma
análise com maior rigor quando vamos estudá-la. Veja:

• A sociedade enquanto uma abstração externa ao indivíduo: agi-


ria de forma coercitiva, determinando as práticas dos indivíduos.
• O indivíduo determina a partir de suas práticas a forma pela
qual a sociedade vai construir seu futuro (ELIAS, 1994).

Essas duas perspectivas parecem insuficientes para Elias (1994), pois o


autor entende que as normas e as regras sociais são criadas e recriadas
cotidianamente a partir das negociações. O mesmo ocorre com os seres
humanos: devemos nos entender uns em função dos outros; embora dife-
rentes e diversos, uníssonos quando nos constituímos.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 8


O foco na dicotomia sociedade/indivíduo se mostra prejudicial para uma
compreensão e estudo da sociedade. Para tanto, é necessário pensarmos na
perspectiva relacional desses âmbitos. Não há um ente sociedade “pairando”
sobre os indivíduos e determinando suas ações. Assim como um indivíduo
não é capaz de moldar a sociedade, o máximo que consegue é estruturar o
futuro a partir das escolhas que vai fazendo no decorrer da existência.

A sociedade não é um simples conjunto de indivíduos, mas é composta


(e se constitui a partir) de todas as relações cotidianas que se constroem
e desconstroem, das ideias e práticas. Não é possível vislumbrar uma
linha prévia lógica do caminho que a sociedade trilha ou um projeto de
sociedade. O que é possível perceber e vislumbrar são perspectivas, possi-
bilidades de que, tomando determinadas atitudes, poderá ser possível ter
consequências resultantes dessa determinada maneira de agir. Ou seja,
não há determinações, há possibilidades.

A sociologia busca compreender os padrões formados pelas relações e


quais fatores propiciaram as condições de negociação, a construção e a
desconstrução de pensamentos e práticas para que fosse possível determi-
nado caminho, decisão e fenômeno. Assim, é possível visualizar por que
uma realidade social tenha se dado em detrimento de outro caminho,
decisão e fenômenos possíveis.

Elias (1994) busca compreender a relação entre indivíduo e sociedade de


uma perspectiva relacional, uma vez que na história nunca houve a sepa-
ração do indivíduo da sociedade – salvo em situações extremas, em que
tiveram casos de indivíduos criados por animais ou privados de relações
com outros seres humanos.

As sociedades podem adquirir diversos formatos e estes dependem de


como vão se constituindo, o que resultará em uma identidade social. Isso
faz com que cada sociedade seja também uma microssociedade, como,
por exemplo, um determinado grupo tem características totalmente di-
ferentes ou muito diferentes de outro, embora vivendo em uma mesma
região e mesma localidade (diversos fatores que citamos anteriormente
os diferenciam). Vejamos um exemplo fácil de ser entendido: os ciganos.
Todos nós o conhecemos. Eles vivem no Brasil, são brasileiros, mas têm
língua, costumes e religião próprios e em muitos casos não têm um lugar
fi xo para morar. Fora do Brasil, vale a pena pesquisar sobre os integrantes

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 9


do povo curdo, que vivem em vários países em situações semelhantes às
dos ciganos, com sua identidade própria e não são aceitos em vários dos
lugares em que vivem há muito tempo.

Quando entramos em uma sala de aula, devemos também ter cuidado,


pois vamos encontrar alunos que, apesar de estarem todos em uma mes-
ma sala de aula, podem ser oriundos de lugares diferentes, com costumes
e práticas que os diferenciam. Por exemplo, uma escola localizada em um
centro urbano que recebe alunos que vêm da zona rural. Se não bastasse
este tipo de diversidade, devemos levar em conta que as sociedades não
são estáticas: elas mudam. É com essa diversidade que estaremos traba-
lhando quando atuamos como profissionais da educação.

1.2 As transformações das sociedades


simples e sociedades complexas e seus
impactos na educação
O pensador social francês Émile Durkheim (1858-1917) é considerado
um dos pensadores clássicos da sociologia. Ele estabelece uma metodo-
logia de pesquisa que dará um dos rumos para os estudos sociológicos.

Durkheim trouxe diversas contribuições para pensarmos sociologi-


camente a educação, sendo uma delas a divisão entre sociedades
de solidariedade orgânica e sociedades de solidariedade mecânica.

Durkheim tem uma maneira funcionalista de enxergar a sociedade. O


que isso significa? A visão funcionalista leva em consideração o funciona-
mento da sociedade, de forma que ela é entendida a partir dos trabalhos
desempenhados pelos indivíduos e suas relações sociais que podem ou
não contribuir para a ordem social estabelecida.

Sua grande contribuição para a sociologia foi entender os fatos sociais


como forma e padrão estabelecidos por um grupo social. Assim, o que
se faz, o que se vive e a forma como a sociedade se constitui dependem
desses padrões estabelecidos por ela. Duas são as formas de visualizar

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 10


a sociedade por Durkheim: a solidária mecânica e a solidária orgânica.
Para Durkheim, quando essas formas de organização solidárias se rom-
pem, as pessoas se “perdem” e têm no suicídio (outro tema caro ao autor)
uma forma trágica de saírem da sociedade. Vejamos o que seriam essas
sociedades:

As sociedades de solidariedade mecânica são simples; já as de solidarie-


dade orgânica, são caracterizadas como complexas. Sua ideia de solida-
riedade, segundo Giddens (2005, p. 10), está ligada à “integração social e
a regulação social”. Uma sociedade desajustada vai apresentar problemas
em seu funcionamento, em suas relações sociais necessárias para man-
tê-la funcionando (cada indivíduo ocupando sua posição social). Uma
sociedade bem ajustada é harmônica.

Alguns itens que vão diferenciar as sociedades de solidariedade mecânica


das sociedades de solidariedade orgânica são: o grau de divisão do tra-
balho (especialização de tarefas), as formas pelas quais são realizadas as
transações econômicas, as formas de punição e aplicação do direito, e as
funções sociais dos indivíduos. Observe o Quadro 1 a seguir:

Tipos de solidariedade, segundo E. Durkheim


Mecânica Orgânica
Sociedades simples Sociedades complexas
As funções sociais dos indivíduos são especializadas e
As funções sociais dos indivíduos são semelhantes.
interdependentes.
Não há significativa divisão social do trabalho. A divisão social do trabalho é bastante complexa.
Predomínio de mecanismo de coerção imediata, Predomínio de mecanismos de coerção formais,
violenta e punitiva. exercido de forma mediada.
Predomínio do direito punitivo. Predomínio do direito restitutivo.
Sociedades economicamente simples. Sociedades economicamente complexas.

Quadro 1: Solidariedade mecânica x solidariedade orgânica, segundo Émile Durkheim.


Fonte: Bodart (2011, p. 323).

As sociedades ditas simples, de culturas tradicionais, aos poucos vão dan-


do lugar às sociedades complexas, principalmente devido ao aumento em
número de pessoas. Hoje em dia, sem dúvida os meios de conecção criados
socialmente (como televisão, celulares, tablets, internet etc.) vão propondo
e reestruturando uma organização social mais complexa. Quando pensa-

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 11


mos a sociedade, devemos ter presente que ela não é uniforme, isto é, igual.
Dentro de uma mesma sociedade existem as microssociedades que nos di-
ferenciam pelo modo como pessoas ou grupos de pessoas vivem.

Se por um lado temos aqueles que trabalham com realidades altamen-


te complexas, por outro temos os que vivem com realidades diferentes.
Nem todos estão sempre no mesmo patamar de vivência, de conhecimen-
to, econômico e social etc. Falar em sociedade não é pensar em unifor-
midade. O que se deve é buscar a igualdade naquilo que se estabelece em
lei, por exemplo. Mesmo assim, para que exista sociedade, deve sempre
haver pontos de unidade. Então, podemos dizer que, por um lado, a so-
ciedade é disforme (não é igual para todos); por outro, ela deve ter pontos
de contato a fim de caracterizá-los - como língua, território etc. Todas as
sociedades são, assim, uniformes em alguns pontos e disformes, às vezes,
nesses mesmos pontos. Um exemplo pode ressaltar isso, vejamos a língua:
no Brasil, todos falamos a lingua portuguesa, mas há expressões caracte-
rísticas de regiões, de estados e assim sucessivamente. Entender isso, por
um lado, parece simples, por outro é um desafio, pois nos faz pensar e ver
que as pessoas com que tratamos podem estar em um mesmo lugar, em
uma mesma realidade, mas sentindo e percebendo de modo diferente.

Devemos prestar atenção aos fenômenos que envolvem a grande transfor-


mação que as sociedades modernas apresentam em relação às sociedades
anteriores: o aumento crescente do número de pessoas (taxa de natalida-
de crescente, diminuição da taxa de mortalidade em faixas etárias jovens
e decorrente crescimento populacional, embora isso também varie de
acordo com lugar e classe social), a urbanização, a Revolução Industrial
(ajudaram e ajudam a transformar as relações econômicas) e a constitui-
ção do Estado moderno como forma de organização social central.

1.3 A educação e seus diversos papéis e


históricos
Hoje em dia, a educação como direito de todos é tida como algo natural
nas nações industrializadas modernas. Essa noção, inclusive, faz parte de
nossa legislação. De acordo com a Constituição Federal (BRASIL, 1988),
especificamente o seu artigo 205,

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 12


Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.

A participação do Estado na educação é recente se pensarmos em rela-


ção à história da humanidade. A formação dos Estados modernos, como
conhecemos hoje em dia, é datada de aproximadamente 500 anos (com
o fim do feudalismo), um período curto se levarmos em conta a história
da humanidade.

As tradições educacionais do Ocidente podem ser remontadas a Esparta


e Atenas. Em Esparta temos a rigidez, o autoritarismo, as artes militares,
os códigos de condutas e a competitividade como exigências para os alu-
nos. Em Atenas, o conhecimento denominado (logos) era o importante.
Assim, a retórica e o levantamento de polêmicas faziam com que o pen-
samento se desenvolvesse, o que favoreceu especialmente o surgimento da
democracia, pois essa forma de organização por natureza exige o diálogo
e a negociação como fundamentos principais. Não é sem razão que é em
Atenas que se desenvolve a filosofia ocidental.

Já na Idade Média, que é um dos longos períodos de nossa história, temos


várias maneiras de ver a questão da educação: inicialmente com uma
educação católica e cristã; depois no Renascimento, com a redescoberta
do papel do ser humano e sua autonomia, que recoloca a educação como
descoberta do homem “no mundo” e, como tal, esse depende de suas
ações; por fim, chegamos ao surgimento dos Estados nacionais que, aos
poucos, vão assumindo o papel de responsáveis pela educação, como vem
sendo até hoje. Porém, é preciso ter em mente que, mesmo sendo dever
do Estado, a educação não é uniforme e sempre abre possibilidades para
modos e formas diferentes de desenvolvê-la.

PESQUISE!
Já que estamos fazendo um breve resgate histórico, que tal saber
um pouco mais sobre a educação? Veja como Lucila Conceição Pe-
reira faz um resgate da educação em vários períodos históricos.
Aproveite também para ver as diferentes sugestões de bibliografia
referenciadas no final do texto da autora. Disponível em: <https://
www.infoescola.com/pedagogia/historia-da-educacao>.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 13


As mudanças sociais, em especial a industrialização e o avanço das tecno-
logias, exigiram mão de obra qualificada e assim também uma mudança
no processo educativo. De acordo com Giddens (2005, p. 495-496):

A progressiva diferenciação das ocupações e a sua crescente localização fora


de casa já não permitia que os conhecimentos relativos ao trabalho fossem
transmitidos diretamente de pais para filhos.
Com a progressiva universalização dos sistemas educativos, a aquisição de
conhecimentos passou a assentar cada vez mais no estudo abstrato (de ma-
térias como a matemática, as ciências, a história, a literatura, etc.) e não na
transmissão prática de aptidões específicas.

A educação escolar toma cada vez mais forma e força, desenvolvendo


dois âmbitos principais: o saber do indivíduo enquanto ser humano e seu
lugar no mundo, e as exigências para a inclusão do aluno no mercado de
trabalho, desempenhando funções de acordo com os empregos disponí-
veis na sociedade.

Segundo Marques (2012, p. XI), “Não é possível pensar a Educação


sem levar em consideração as condições sociais dos indivíduos e a
reprodução ou questionamento das políticas dominantes. É isso o
que a sociologia da educação ajuda a fazer”.

Com o passar dos anos, a escola se torna a principal instituição educativa.


Torna-se um local de grande socialização dos indivíduos (o primeiro seria
a família). Na escola, passa-se a ensinar e aprender os conhecimentos ne-
cessários para desempenhar funções no trabalho e nas diferentes relações
sociais. É também um dos lugares em que são ensinados e aprendidos os
valores, as normas e as regras sociais. Não podemos esquecer também o
papel desempenhado pelas diferentes religiões: dependendo do grau de
inserção dos indivíduos em suas crenças, são grandes fontes de ensina-
mentos nas mais diferentes ordens.

Em determinados momentos, a escola estabeleceu papéis sociais precisos,


por exemplo: o professor sendo detentor do conhecimento e o aluno,
receptor passivo desse conhecimento. Este modelo ainda é vigente em
muitas instituições escolares convencionais nos dias de hoje, embora es-

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 14


teja cada vez mais em desuso, pois o conhecimento se democratizou com
a difusão da internet. Na educação teremos sempre modelos, padrões,
modos de ensinar diferentes. A educação tem situações em que há a per-
manência de modos de ensinar e de conteúdos que perduram por longo
tempo e passam gerações, mas também temos alguns exemplos que se
alteram, porque ela educação contém conhecimentos adquiridos pela so-
ciedade ao longo de sua história e, ao mesmo tempo, desafia para que os
educandos possam criar, inovar, desenvolver o novo. Assim, o que se po-
deria dizer antigo e novo se altera. Não podemos, a cada geração, iniciar
tudo sempre do zero e também não há necessidade para tal. Temos que
partir do que já foi pensado, estudado e permencer se assim não se pode
alterar ou alterar se esses mesmos conhecimentos não se enquadrarem
nos novos padrões propostos, vividos pela sociedade. O ser humano é
inventivo, criador, desafiador de si e do que o rodeia, conseguindo sem-
pre mudar seu mundo e o seu redor. Com isso, não estamos fazendo um
julgamento de valores e dizendo que algo é melhor/pior do que existia, e
sim que há permenência de alguns pontos e alterações em outros e assim
caminha a humanidade.

MATERIAL COMPLEMENTAR
Você consegue imaginar uma sociedade que educa sem escolas na
atualidade? O pensador social austríaco Ivan Illich se debruçou so-
bre os estudos pedagógicos e propôs uma sociedade sem escolas,
formada por redes (ou teias) educativas independentes. Para ele,
as escolas aprisionam a imaginação e as possibilidades de conheci-
mento crítico e original. Sugerimos a leitura de seu livro, “Socieda-
de sem escolas”, sobre este assunto.

O avanço do sistema capitalista enquanto sistema econômico, político e


ideológico nas sociedades ocidentais também vai influenciar no entendi-
mento sobre educação e na forma como ela é aplicada no cotidiano, bem
como na relação do Estado com a economia.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 15


Figura 1: A educação como forma de inserção social, o domínio da tecnologia, por meio de um
tablet, possibilita novas descobertas.
Fonte: Plataforma Deduca (2017).

O capitalismo tem uma maneira própria de entender o papel do ser hu-


mano na sociedade, dentre essas, pode-se destacar em especial o modo
de classificá-lo em classes sociais. Pensar a educação a partir desse modo
de classificação nos faz olhar para maneiras pelas quais ela pode ser uma
ferramenta para manter o status quo proposto pelo capitalismo ou pode
ser uma das possibilidades de ascensão das classes menos favorecidas.
Nesse sentido, vale lembrar o educador brasileiro Paulo Freire ao propor
uma pedagogia libertadora, em que o objetivo não é tirar as pessoas de
uma classe para que sejam novos opressores, mas para que sejam cida-
dãos dentro de uma sociedade estruturada, sem oprimidos e opressores
(FREIRE, 1987).

De um modo resumido, podemos visualizar como Karl Marx (1899)


divide a sociedade capitalista em duas classes: a partir da divisão social
do trabalho, isto é, entre os que são possuidores dos meios de produção
e os não detentores. Resumidamente, podemos visualizar essa diferença
no Quadro 2 a seguir:

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 16


MAIS-VALIA
Burguesia = capitalistas, detentores dos Proletariado = trabalhadores não
meios de produção detentores dos meios de produção Termo famosamente
empregado por Karl Marx,
Detentores dos meios de produção, tais como: donos Trabalhadores que vendem sua força de trabalho em que se refere à diferença
de fábricas, empresas, máquinas e todo aparato que troca de um salário, tendo a mais-valia extraída pelo entre o valor final da
possibilite a produção de bens de consumo. burguês e transformada em lucro. mercadoria produzida e a
soma do valor dos meios
de produção e do valor do
Quadro 2: Divisão das classes no capitalismo – burguesia x proletariado.
trabalho, que seria a base do
Fonte: Adaptado de Marx e Engels (1999). lucro no sistema capitalista
(DICIONÁRIO PORTUGUÊS,
2017).
Poderíamos dividir essas classes em dominante e dominada (patrões e
trabalhadores, respectivamente) em todas sociedades - exceto a sociedade
de castas na antiga Índia. Uma classe social compartilha interesses, estilos
de vida, gostos e juntamente por isso as pessoas deveriam ter consciência
desses elementos que lhes são comuns. Para obter essa consciência, uma
determinada classe social se opõe à outra - surgindo, assim, o conflito.
Desse modo, elas se confrontam para buscar o que não têm e para conti-
nuar tendo o que possuem.

REFLETINDO...
Com o estudo do conteúdo, convidamos você a refletir sobre a
universalização da educação. Como seria possível possibilitar que
todas as pessoas pudessem estudar? E que não houvesse crianças
fora das escolas e adultos analfabetos? Pense sobre esses
questionamentos.

A forma pela qual tratamos a educação influencia diretamente no currí-


culo. Não podemos pensar a educação sem que tenhamos um modo de
vê-la, de escolher conteúdos, materiais. Ou seja, não há educação isenta
de preceitos ideológicos e estes, de certo modo, guiam a educação.

1.4 A contextualização
Uma das grandes contribuições da sociologia para pensarmos a educação
é a contextualização dos fenômenos sociais. Para podermos fazer uma
análise de qualquer fenômeno social, é preciso situá-lo no mundo para
entendermos como ele ocorre, suas causas e consequências. Assim, é im-
portante conhecer os aspectos que compõem um contexto social sob di-
versos aspectos ou ângulos:

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 17


• Geografia: onde esse fenômeno ocorre? A história local, o relevo
e o clima são importantes para entendermos as relações sociais
internas e externas (acesso a bens educativos, de consumo, alimen-
tação, moradia, saneamento básico, meios de transporte etc.);
• Dados posicionais: quem são as pessoas envolvidas nas relações que
se busca analisar? Qual sua cor, etnia, idade, gênero, sexualidade,
religião? A partir dos dados posicionais, é possível conhecer melhor
a população e fazer relações a partir de seu processo histórico;
• Período histórico: quando esse fenômeno ocorre? Qual a história
relacionada a esse fenômeno nessa região ou mesmo no mun-
do? Sabendo o que aconteceu antes, nos proporciona uma visão
mais ampla dos acontecimentos, possibilitando o entendimento
de suas razões;
• Cultura: quais são os interesses, as formas de se expressar e os atri-
butos materiais e morais valorizados pela população relacionada a
esse fenômeno? Assim, podemos entender, por exemplo, o que será
determinante na hora de refletirmos sobre políticas educacionais
para uma população. A religião, os costumes e a arte são exemplos
do que pode ser determinante para a concepção educativa;
• Economia: quais são as condições de trabalho da população ana-
lisada? Como se desenvolve a economia em sua região? Quais
as principais atividades desenvolvidas? Como são estabelecidas
as relações de trabalho? Isso auxilia no entendimento da forma
como as pessoas vivem em seu cotidiano, bem como suas condi-
ções socioeconômicas de acesso aos bens de reprodução;
• Política: quais são as políticas públicas implementadas na região,
no seu estado e no país? Qual a legislação vigente? Qual é o
grau de envolvimento da população com a política? Entender as
relações políticas possibilita uma avaliação constante dessas rela-
ções, a fim de poder transformá-las. Isso possibilita uma melhora
nas condições de vida da população.

A contextualização vai ser fundamental para pensarmos diversos aspec-


tos educativos: currículo, formato pedagógico, políticas educacionais,
entre outros. Vamos colocar em prática a interpretação contextualizada

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 18


em um fenômeno social educacional da atualidade em nosso território: o
analfabetismo no Brasil. Observe o gráfico a seguir:

Evolução das taxas de analfabetismo por região


30
2000
Taxa de analfabetismo (%)

25 2010

20

15

10

0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Figura 2: Taxas de analfabetismo por região no Brasil (2010).


Fonte: IBGE (2009).

No gráfico, podemos observar que a região do Brasil em que há maior


ocorrência de analfabetismo é a Nordeste, e as com menores ocorrências,
em 2010, são a Sul e a Sudeste. Quais fatores sociais podem estar envolvi-
dos em uma diferença que é mais do que o dobro entre as taxas do Sudeste
e do Nordeste?

Dados de contextualização: as características socioeconômicas (como a


região periférica em relação aos grandes centros urbanos), a geografia
(como a seca), a política (como a corrupção e o descaso) e o processo
histórico (como a exploração da região) são algumas das variáveis que
podem influenciar nesta diferença.

Apesar de haver discrepância nas taxas de analfabetismo entre as regiões bra-


sileiras, houve diminuição em relação à taxa de analfabetismo funcional no
Brasil. O que pode ter impulsionado essa queda?

As políticas públicas, desenvolvidas tanto no sentido de trabalhar a inter-


pretação dos fatos e enunciados quanto como a implementação de mais

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 19


escolas e universidades públicas, transporte escolar, apesar de ainda insu-
ficientes, influenciaram essa diminuição.

No dia a dia, podemos observar análises preconceituosas do senso co-


mum em que são realizadas afirmações, como que determinado povo
“não gosta de ler”, ou em outra localidade a população é “preguiçosa”, XENOFOBIA
“depravada”, dentre tantas outras afirmações moralistas, xenofóbicas, ra- 1. Aversão ou rejeição
cistas, homofóbicas, machistas etc. a pessoas ou coisas
estrangeiras, segundo
Dicionário Michaelis Virtual
É preciso que os educadores, a partir da apropriação de conceitos e de (2017, s.p.): “A partir da
convicção a respeito dos
modos de fazer educação sob um ponto de vista sociológico, procurem valores culturais nacionais,
sempre uma educação crítica (isto é, com o estabelecimento de critérios podem ser construídos
o orgulho nacional, a
e que estes sejam explícitos, claros e conscientes). O que é bastante di- xenofobia, o racismo e
outras atitudes que buscam
ferente de se adotar uma educação que apenas repete o senso comum. É criar um sentimento de
necessário ter um devido distanciamento da realidade para entendermos unidade interna”. 2. Temor ou
antipatia pelo que é incomum
a sociedade a partir da complexidade de suas relações. Só assim será pos- ou estranho ao seu ambiente.
sível refletirmos sobre uma educação democrática e justa.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 20


APLICANDO A TEORIA NA PRÁTICA

Analise as políticas públicas educacionais e veja se é possível que alguma


delas tenha relação com a diminuição do analfabetismo funcional no Brasil.

Essa diminuição atinge a meta buscada pelo governo e pela ONU para a
erradicação do analfabetismo? Em que nível educacional o analfabetismo
funcional diminuiu mais? Veja também em: <http://portal.mec.gov.br/
politica-de-educacao-inclusiva> o que está descrito e, em especial, o que
aparece em destaque.

Compare os dados com o Quadro 3 a seguir e estabeleça uma relação


entre índices de analfabetismo com gastos públicos.

2004 2006 2008 2010 2011 2012 2013 2014 2004-14


Abono salarial e Seguro-desemprego 2,7 3,3 3,5 3,8 4,2 4,4 4,5 5,3 96%
LOAS e RMV 2,1 2,6 2,7 2,9 3,0 3,3 3,4 3,8 78%
Bolsa Família 1,4 1,3 1,8 1,7 2,0 2,3 2,4 2,6 90%
Benefícios Previdenciários 35,7 36,7 34,2 32,7 34,4 35,9 36,0 38,9 9%
Saúde 9,1 8,6 8,2 7,9 8,4 8,8 8,4 9,3 2%
Educação 4,0 4,2 4,6 5,9 6,6 7,6 7,8 9,3 130%
Pessoal (exceto saúde e educação) 22,2 22,3 21,4 20,3 20,6 19,8 18,8 19,7 -11%
Investimento (exceto saúde e educação) 2,1 2,8 3,9 4,7 4,1 3,8 3,7 4,3 107%

Memo: Receita líquida (R$ bilhões) valor nominal 352 451 584 779 818 881 991 1.014
LOAS = Lei Orgânica da Assistência Social.
RMV = Renda Mensal Vitalícia.
Quadro 3: Resultado Fiscal do Governo Central.
Fontes: Sistema Siga Brasil e Tesouro Nacional - Resultado Fiscal do Governo Central. Elabora-
do pelos autores (2017).

RESPOSTA ESPERADA
A diminuição do analfabetismo não atingiu as metas buscadas, tanto
pelo governo quanto de uma maior inserção social. A diminuição do
analfabetismo funcional é lenta e aconteceu mais no Ensino Básico. Ob-
servamos também que um maior acesso à educação formal (escola) con-
tribuiu para essa queda.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 21


SÍNTESE

Neste capítulo, pudemos conhecer os conceitos sociológicos básicos que


permitem o desenvolvimento da imaginação sociológica crítica, voltada
à compreensão da educação, tais como:

• O entendimento da perspectiva relacional da sociedade, avan-


çando para uma concepção que vai além da dicotomia socieda-
de/indivíduo.
• As transformações sócio-históricas (crescimento populacional, in-
dustrialização, urbanização e constituição dos Estados modernos)
que influenciaram nas transformações sociais, na perspectiva fun-
cionalista de Émile Durkheim, a partir de seus conceitos de soli-
dariedade orgânica e solidariedade mecânica. O desenvolvimento
da escola tal qual conhecemos nos dias de hoje possui caracterís-
ticas fabris.
• O entendimento da educação como uma mercadoria a ser con-
sumida para a inserção no mercado de trabalho.
• A contextualização como preceito básico do desenvolvimento
da imaginação sociológica, levando em consideração aspectos
culturais, geográficos, políticos, econômicos, posicionais e his-
tóricos ao analisar qualquer fenômeno histórico de forma que
nos distanciemos de perspectivas moralistas e preconceituosas e
adotemos uma perspectiva crítica e científica.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 22


REFERÊNCIAS

BODART, C. das N. Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.


BODART, C. ; SILVA, R. S. Blog Café com sociologia. Disponível em:
<http://cafecomsociologia.com/2011/01/solidariedade-mecanica-e-soli-
dariedade.html>. Acesso em: 6 ago. 2017.

______. Capital social e orçamento participativo: uma revisão crítica de


alguns autores. Revista Mediações, v. 15, p. 304/323-323, 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa


do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/ativida-
de/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_205_.asp>. Acesso em: 20
out. 2006.

DICIONÁRIO AURÉLIO ONLINE. Meritocracia. Disponível em:


<https://dicionariodoaurelio.com/meritocracia>. Acesso em: 20 ago.
2017.

DICIONÁRIO MICHAELIS VIRTUAL. Xenofobia. Disponível em:


<http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=xenofobia>.
Acesso em: 5 ago. 2017.

DICIONÁRIO PORTUGUÊS. Mais-valia. Disponível em: <http://di-


cionarioportugues.org/pt/mais-valia>. Acesso em: 4 ago. 2017.

ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FREIRE, P. A pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 1987.

GIDDENS, A. Sociologia. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA -


IBGE. TAXA DE ANALfabetismo Funcional. Disponível em: <http://
seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=4&op=0&vcodigo=P-
D386&t=taxa-analfabetismo-funcional-sexo>. Acesso em: 5 ago. 2017.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 23


ILLICH, I. Sociedade sem escola. Petrópolis: Vozes, 1973.

MARQUES, S. Sociologia da educação. Rio de Janeiro: Grupo GEN,


2012. (Série Educação).

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. 9. ed. Pe-


trópolis: Vozes, 1999.

PEREIRA, L. C. História da educação. Infoescola, [s.d.]. Disponível


em: <https://www.infoescola.com/pedagogia/historia-da-educacao/>.
Acesso em: 18 out. 2017.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 24


CAPÍTULO 2

O PROCESSO SOCIAL ATUAL E AS


CONTRIBUIÇÕES CLÁSSICAS DA
SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO

Objetivos
Com o estudo do conteúdo deste capítulo,
você será capaz de:

Analisar as contribuições dos clássicos da sociologia Émile


Durkheim, Karl Marx e Max Weber para a sociologia, bem como sua
visão para a educação;
Apresentar questões atuais, visando à compreensão do processo social
e suas influências na educação brasileira, comparada com outros países.
NOSSO TEMA

A sociologia da educação iniciou com os estudos sobre sociologia do cur-


rículo. No fim do século XIX, um grupo de superintendentes escolares
e teóricos da educação nos Estados Unidos começou uma reflexão sobre
as questões curriculares e identificou como os currículos escolhidos pelos
especialistas serviam aos propósitos oficiais dos governantes, consideran-
do que seus objetivos eram: “[...] planejar ‘cientificamente’ as atividades
pedagógicas e controlá-las de modo a evitar que o comportamento e o
pensamento do aluno se desviassem de metas e padrões pré-definidos”
(SILVA; MOREIRA, 2000, p. 9).

A sociologia da educação estuda os fenômenos que interferem no proces-


so de ensino-aprendizagem, tais como: o currículo, os planos políticos
pedagógicos, a formação dos educadores, a organização escolar e outros.

A sociologia clássica, desenvolvida por Émile Durkheim (1858-1917),


com grande contribuição de estudos anteriores de Auguste Comte (1791-
1857), deriva de pesquisas que examinam metodicamente as diversas ins-
tituições sociais com o objetivo de conhecê-las a partir de observação e
experimentação direta. A sociologia clássica, aplicada à instituição es-
colar, nos auxilia na compreensão do fato social da educação. Vejamos
as contribuições dadas por importantes sociólogos para nosso melhor
entendimento sobre a educação.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 26


2.1 A educação em Émile Durkheim
Durkheim pertence à escola sociológica francesa, que tem como objeto
uma investigação sócio-antropológica e a definição de um método socio-
lógico, em especial a pesquisa de campo na sociedade. Assim, organiza
categorias de análise para entendermos a sociedade e as instituições que
a compõem. Dentre os conceitos de destaque, estão os de solidariedade
mecânica e solidariedade orgânica, por exemplo, que são fundamentais
para este entendimento. O termo solidariedade, nesses conceitos, deve
ser entendido como uma forma de as pessoas se organizarem na socie-
dade. Forma essa que é importante, pois a quebra da sociedade leva ao
desmantelamento dos vínculos e à perda de relações afetivas e edificantes
do humano. Vejamos esses dois modos:

• A solidariedade mecânica se refere à simplicidade das relações


intrafamiliares, dentro de tradições, religiões e costumes. Ela se
faz pelas relações de homogeneidade.
• A solidariedade orgânica, ao contrário, relaciona-se pela diferen-
ciação e especialização que são necessárias na divisão social do
trabalho. Ela se caracteriza pela relação de interdependência, da
necessidade que se tem de estar junto.

A solidariedade, neste modelo de Durkheim, seria então um arranjo so-


cial em que estariam presentes os pressupostos de deveres e direitos nas
relações sociais. Ocorre que, conforme as sociedades vão se desenvol-
vendo, as relações na divisão de trabalho e nos diferentes grupos sociais
se tornam mais complexas, criando novos costumes e modificando as
crenças, a moral. Dessa maneira, o modo como as relações vão ocorrendo
sofre alterações, o que culmina em um estado de desajuste.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 27


Figura 3: A sociedade complexa e desajustada, contraditória.
Fonte: <https://archive.4plebs.org/pol/thread/124745036/>.
ANOMIA
Ausência de lei ou regra;
Esses desajustes são estudados por Durkheim e denominados “anomias”, anarquia; Estado da
quando as relações deixam de funcionar com o regramento moral. Entre- sociedade no qual os padrões
normativos de conduta e
tanto, exatamente por isso, este estado das coisas – o estado de anomia, crença têm enfraquecido
ou desaparecido;
de identificação de novas necessidades sociais – pode promover mudan- condição de um indivíduo
ças. Segundo Carvalho e Silva (2006, p. 32), “As mudanças sociais po- comumente caracterizada
por desorientação pessoal,
dem partir de um sistema específico em que a consciência coletiva ainda ansiedade e isolamento social
não assimilou as novas crenças e valores referentes à mudança”. Existem (MICHAELIS, 2017).
instituições que podem funcionar como foco de mudança.

[...] para Durkheim, a sociedade apresenta instituições capazes de regular a


ordem social, sendo que o Estado seria a primeira delas. Ele concede a outras
instituições, no caso a escola pública, o papel de transferir os valores éticos,
costumes, direitos e deveres, respeitando as diferenciações constituintes das
sociedades complexas. (CARVALHO; SILVA, 2006, p. 33).

Durkheim acreditava que a sociedade seria beneficiada se implantasse


um processo educativo, pois a educação seria uma forma de socialização
em que os jovens seriam educados pelos adultos e, assim, poderiam ser
partícipes de uma sociedade na qual estariam inseridos e contribuindo
para a sua construção.

Não é sem razão que essa escola na qual Durkheim se insere é denomi-
nada funcionalista, tendo em vista que ela buscava desenvolver o enten-
dimento da cultura e sistematizá-la a partir da funcionalidade do espaço
cultural onde está inserida. A educação é a impulsionadora do ser social,

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 28


pois possibilita que os indivíduos assimilem normas e princípios (tanto
morais quanto religiosos e éticos), que serão os esteios da sociedade e
possibilitarão ao indivíduo sua inserção. Assim, o homem passa a ser
entendido como um ser resultante da sociedade na qual participa. Dessa
maneira, a educação vista é um bem social e, como tal, está em relação
com as normas e a cultura em que se insere. Aqui cabe um parêntese em
relação a isso: hoje essa visão não pode ser tomada como um conformis-
mo. A educação também pode ser, e realmente é, um meio de mudança
social. Ela pode ajudar as pessoas a conservarem o que é bom e alterarem
o que não é admitido como uma prática coerente com princípios éticos,
religiosos e sociais.

Porém, é importante reforçarmos o que fora dito anteriormente: Dur-


kheim não desenvolveu um método pedagógico, o que fez foi ressaltar o
significado da educação e sua importância social. Dessa forma, valorizou
a educação por pensá-la como uma das maneiras de formar os cidadãos e
torná-los partícipes dos espaços públicos.

A educação tem um papel importante, pois por meio dela é possível com-
preender as causas históricas dos fenômenos sociais e, a partir disso, in-
terpretar e compreender a realidade onde a educação está inserida. Uma
vez tendo aprendido o contexto em que os fatos ocorrem ou ocorreram, é
possível intervir neles. Para acessar esses conhecimentos, torna-se funda-
mental frequentar a escola.

REFLETINDO...
O modo de Durkheim pensar a educação pode nos remeter ao que
Aristóteles já nos chamava a atenção: a criança como um ser bru-
to a ser lapidado. Se admitirmos isso, como poderemos fazer com
que os alunos possam adquirir uma autonomia tão necessária para
enfrentar os desafios? E se os alunos não forem criativos, como po-
derão fazer a sociedade avançar?

Diante das complexidades da sociedade e nas organizações das institui-


ções sociais, concluímos que a escola possui um papel fundamental na
reprodução ou na ruptura desse sistema. Não é sem razão que a educação
reflete os acertos e os erros sociais, por isso está sempre sendo questiona-
da, reformulada e revista. Isto se deve ao fato de ela poder ser apenas uma
prática reprodutora de um passado estanque (que já ocorreu e nos restaria

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 29


apenas reinterpretá-lo), ou ser a criadora de desafios (o que possibilitaria
a realização de mudanças, alterações, estabelecimentos de novos rumos,
princípios e edificações sociais).

2.2 A educação e a contribuição de Karl Marx


O marxismo, teoria iniciada por reflexões do próprio Karl Marx e seu com-
panheiro Friedrich Engels, posteriormente ampliadas por vários autores,
tornou-se referência para várias áreas das ciências humanas. Na educação,
um dos aspectos da reflexão marxista diz respeito ao conceito de ideologia.

Conforme entendimento de Marx, a ideologia tem o papel de esconder os


interesses da classe dominante, camuflar as suas intenções e distorcer os seus
reais objetivos. Neste sentido, tudo o que se ensina e se aprende tem um com-
ponente ideológico, ou seja, responde ao interesse de uma classe dominante.

Outro aspecto muito importante relacionado por Marx é o conceito de


alienação, que é quando o operário vende sua força de trabalho. Ou seja,
alguém o paga para executar determinado serviço, fazendo com que o
trabalho seja uma mercadoria que o operário dispõe para oferecer, fa-
zendo com que ele não consiga ver o que faz - pois faz para o outro em
troca de uma retribuição (que, na sociedade capitalista, é o dinheiro),
para produzir um bem que não lhe pertence e nem está ao seu alcance,
tornando-se alienado do próprio trabalho que realiza. Segundo Carvalho
e Souza (2006, p. 43), “O produto do trabalho do operário subtrai-se,
portanto, à sua vontade, à sua consciência e ao seu controle, e ele deixa
de se reconhecer no que produz”.

Essa relação estabelecida com o trabalho e a necessidade vital de vender


sua força de trabalho tornam o homem e a mulher alienados da vida.
Para Marx, ao vender sua força de trabalho, o operário torna-se uma
espécie de mercadoria. Assim, pode ser usado e consumido pelo seu com-
prador (CARVALHO; SOUZA, 2006).

O conceito de infraestrutura e superestrutura também são fundamentais


em Marx. Ele faz uma analogia com um prédio, que é construído por
uma conjugação de estrutura que apresenta aspectos aparentes (como a
superestrutura) e uma edificação básica e invisível (como a infraestru-

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 30


tura). As relações do modo de produção capitalista se distinguem da
mesma forma: a estrutura econômica é composta pela infraestrutura, re-
presentada pelo conjunto das forças produtivas, como base, e por uma
superestrutura que a define, incluindo ideologias, concepções religiosas,
sistemas legais, de ensino, comunicação etc.

Figura 4: Produção e consumo.


Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File%3ACompras_de_Panico.jpg>.

Ligadas à questão do trabalho no mundo capitalista, é fundamental en-


tender as relações que o marxismo denomina entre as forças produtivas e
as relações de produção, além da definição de mais-valia.

Para além da força de trabalho representada pelo esforço humano na pro-


dução, as forças produtivas representam também os recursos tecnológicos
e materiais disponíveis para a produção.

As relações de produção agilizam as relações sociais, pois por meio do


trabalho os homens e mulheres criam modos de constituir a sociedade.
Segundo Carvalho e Souza (2006, p. 44), “Ao produzir, os homens en-
tram em contato uns com os outros, estabelecendo uma dimensão social
do processo produtivo que caracteriza um modo de produção”. Assim,
percebemos que, para Marx, o que faz a sociedade são as relações por
meio do trabalho.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 31


A forma como se associa a vida ao trabalho e como as gerações futu-
ras encaram esta necessidade fazem parte desta dimensão denominada
“modo de produção”. Daí a expressão “modo de produção capitalista”,
que configura esta marca em nossa sociedade moderna e industrial, na
qual homens e mulheres se envolvem nas relações de trabalho como pro-
dutores e consumidores de bens de consumo. Todos os trabalhadores es-
tão inseridos nesta realidade, quer seja para o consumo de mercadorias ou
de conhecimento, estética, cultura etc. Toda relação de trabalho existente
no modo de produção capitalista se caracteriza por esta relação. Portanto,
o papel desempenhado pelo educador como trabalhador também está
incluído nesse modo de ser, ou seja, de produtor de bens de consumo.

MATERIAL COMPLEMENTAR
No filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, há uma crítica
ao modo de produção capitalista, especialmente a divisão técni-
ca que faz com que cada trabalhador conheça apenas uma ínfima
parte do produto que produzirá. Se você ainda não assistiu ou de-
sejar assistir novamente, observe com um novo olhar as cenas do
filme. Há um momento que o trabalhador é sugado pela máquina,
em uma metáfora de como a tecnologia “engole” o ser humano
que está envolvido no trabalho. O filme está disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=CozWvOb3A6E>.

No modo de produção capitalista ou, dizendo de outra forma, na própria


relação social experimentada nas sociedades capitalistas modernas, um
conceito difícil de entender, talvez porque nos afete muito fortemente, é
o conceito de mais-valia. Veja uma definição curta e simples: “É o valor
que o operário cria, além do valor de sua força de trabalho, e do qual o
capitalista se apropria” (CARVALHO; SOUZA, 2006, p. 44).

O valor da força de trabalho é definido pelo dono do capital, aquele que


tem a fábrica, a matéria-prima, os recursos tecnológicos e os meios de
produção. Na incapacidade de o operário deter todos estes bens, o único
bem que lhe resta é a sua força de trabalho, a qual ele vende e recebe por
ela. O capitalista define quanto quer ganhar com esta força de trabalho e
como vai utilizá-la. Em tempo de crise, a força de trabalho pode se tornar
ainda mais desvalorizada, pois a carência de oferta amplia a demanda
por trabalho – ou seja, poucas vagas de trabalho e muitos trabalhadores
resultam na baixa remuneração.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 32


Figura 5: Filhos de um sistema desigual.
Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/com-
mons/1/19/Filhos_de_um_Sistema_Desigual.jpg>.

A escola inserida no contexto social vem a ser um reflexo desse con-


texto. Assim, se essa sociedade tem desigualdades, elas são muitas vezes
reproduzidas dentro da escola, como em casos em que a escola não está
preparada para receber alunos de diferentes classes sociais. Cabe lem-
brar que o sistema de cotas adotado no Ensino Superior foi o que abriu
possibilidades para que alunos de escolas públicas, estudantes negros e
indígenas pudessem ter acesso a um percentual de vagas, dependendo da
instituição pública que fossem escolher. Não se pode porém deixar de
reconhecer que o sistema de cotas é visto por muitos como uma forma de
ampliar possibilidades e prover a inserção social e de realizar um resgate
social. As sociedades desiguais causam transtornos em vários âmbitos e
esse modo de entrar nas universidades por meio de cotas quebra a lógica
da meritocracia, em que aqueles que possuem maior poder aquisitivo ar-
voram-se o direito às vagas, que são públicas, e não de alguns. Por isso,
pode-se dizer que as desigualdades sociais persistem no ambiente escolar,
porque ele faz parte de uma sociedade capitalista, regida por um modo
de produção também capitalista, no qual a educação serve aos interesses
desta sociedade baseada nos princípios da produção e do consumo.

Um modo de pensar no qual as pessoas conseguem os bens e benefícios


porque têm méritos para tal – e podem ter, sem dúvida, mas em especial
por serem detentoras de melhores condições financeiras – faz com que
cada vez mais a sociedade crie degraus diferenciadores entre as pessoas. À

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 33


ideia de que a pessoa que se esforçar, cresce, se desenvolve e conquista MERITOCRACIA
seus objetivos por merecimento damos o nome de meritocracia. Forma de administração cujos
cargos são conquistados
segundo o merecimento,
REFLETINDO... em que há o predomínio
do conhecimento e da
competência; indicação de
A meritocracia é um modelo de distribuição de recursos, prêmios promoção por mérito pessoal
ou vantagens, cujos critérios únicos a serem considerados são o (MICHAELIS, 2017).
desempenho e as aptidões individuais de cada pessoa (BETONI,
2017). Você concorda com isso? Você acredita que tudo o que uma
pessoa consegue é somente por seu esforço? Quais outros critérios
poderiam ser apontados como dignos de reconhecimento que não
seja somente o de meritocracia?

Para a educação ir além da reprodução de um modelo de sociedade que


estrutura seu funcionamento em regras de condutas, que propõe hierar-
quias baseadas nas classes economicamente estabelecidas, é necessário
rever o seu projeto. Uma educação que exclui uma parcela da população,
que está no seu próprio contingente de pessoas que têm direito a ela, está
fugindo à sua responsabilidade de transformação.

Assim como em Durkheim, Marx também não cria uma teoria da edu-
cação, mas podemos (a partir de alguns de seus princípios) deduzir como
deveria ou poderia ser uma educação que invertesse a lógica capitalista que
ele aponta como a causa de exploração e de um grande problema social.

Para inverter a lógica proposta de exclusão, a educação deve estar articula-


da a um modo de pensar as relações: por isso, para pensar a educação é ne-
cessário compreender a sociedade e como ela constrói seus “modos de ser”.

A educação não pode ser pensada como um negócio, nem mesmo apenas
como uma oportunidade de inserção no mercado de trabalho. Ela deve
ser vista e estruturada a partir de uma compreensão para o desenvolvi-
mento do indivíduo. Se os indivíduos estão alienados conforme sugere
Marx, a educação tem como tarefa ajudar na superação dessa alienação.

A educação em Marx faz parte da infraestrutura (como vimos anterior-


mente). Por isso, não deve ser somente um “passar conteúdos propostos”
pelas classes dominantes, mas possibilitar que as pessoas possam se en-
xergar como seres de capacidades que podem ser desenvolvidas, estru-

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 34


turadas e reestruturadas. A educação tem que ser pensada a partir de
uma concepção que a possibilite ser inovadora. Esse é, atualmente, o
seu grande desafio: possibilitar que seja inovadora, criadora de startups.
Isto é, pessoas que sejam embrionárias de projetos promissores ligados à
pesquisa, à investigação e ao desenvolvimento de ideias transformadoras.
O grande desafio é como fazer isso, quando ainda não sabemos bem o
caminho a seguir e o que fazer. Educação é fundamentalmente desafio.

A educação pensada desse modo passa de uma educação alienante para


ser uma educação socializante, igualitária e para todos os cidadãos sem
distinção de classes; mas também não uniformizadora, em que todos
tenham que aprender do mesmo jeito e do mesmo modo.

Ela seria, então, o meio que possibilitaria com que cada um pudesse criar
e recriar o que está posto pela sociedade e pelos modos culturais apre-
sentados, e cada povo poderia construir seu modo de ser e de educar. As
pessoas seriam, então, dotadas de capacidades para potencializar suas
energias em vista a um modo de ser e fazer.

MATERIAL COMPLEMENTAR
Cabe chamar a atenção para uma leitura que todos devemos sem-
pre ter muito presente: o livro “Os sete saberes necessários à edu-
cação do futuro”, de Edgar Morin.

Educar seria preparar as pessoas para uma sociedade em mudança, que


no fundo é isso o que Marx propõe: alterar as formas de relação dos
meios de produção para modos de relação em que as pessoas possam ser
mais comunitárias (daí a expressão comunismo). É educar os indivíduos
para exercícios de novos papéis e novos desafios, com o intuito de fazer a
sociedade um espaço de todos e para todos.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 35


2.3 A educação e a contribuição de Max
Weber
Weber parte da compreensão de que o indivíduo estabelece relações com
seu meio. Para que possa estabelecê-las, a educação torna-se um elemento
indispensável de ligação e formação desses indivíduos.

Para pensar educação em Weber, devemos entender seu pensamento po-


lítico e religioso, pois são formas de influenciar os indivíduos. Nesse sen-
tido, a educação prepararia para o exercício das atividades funcionais que
os indivíduos enfrentarão no convívio social.

A educação proporcionará uma forma de distinção social, pois possibi-


lita, por meio do desenvolvimento da racionalidade, a inserção social.
Portanto, ela deve trazer conteúdos e regras que venham qualificar as
pessoas para o exercício de seus papéis sociais e assim atuar no Estado,
nas empresas, na política (e isso de modo altamente racionalista).

Partindo dos conceitos marxistas, a educação em Weber seria tida como


uma educação classista, pois está direcionada para as pessoas com capaci-
dades especiais; prepara para uma conduta de vida culta e é condicionada
pelo meio. Especialmente em Weber (1996), a educação está a serviço do
desenvolvimento de uma racionalidade que tem o objetivo de aumentar o
processo de burocratização do Estado. A educação direciona-se à forma-
ção das pessoas que vão exercer determinada ação social.

A educação tende à formação de pessoas cultas, por isso cabe a ela despertar
carismas, dons e, em especial, transmitir conhecimentos especializados.

Sem dúvida, o texto que mais impactou a bibliografia de Weber foi a obra
“A ética protestante e o espírito do capitalismo”, cuja introdução afirma
que “[...] apenas no Ocidente existe a ‘ciência’ num estágio de desenvol-
vimento que atualmente reconhecemos como válido” (WEBER, 1996,
p. 1). E por que afirmava isso? Porque, segundo ele, nas “teorias politicas
asiáticas faltava um método” (WEBER, 1996, p. 1) e só o Ocidente con-
seguiu fazer um tratamento especializado treinado e racionalista, base
para um Estado e de uma economia como a vista mundo ocidental.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 36


Para Weber (1996), é importante perceber que os impulsos da ciência e
da técnica acontecem pelo avanço dos interesses capitalistas, e por isso
no Estado moderno tanto a ciência como a técnica chegaram a estágios
muito avançados (isto se desenvolve por conta do interesse econômico).
O grande objetivo é o lucro, aqui não pensado de maneira moral ou ética.
É uma forma de abordar o desenvolvimento social que posteriormente
o autor chegará a analisar sob o cunho religioso. Por isso, uma de suas
obras que apresenta uma análise do desenvolvimento do mundo moder-
no é a que trata da ética protestante. Isso porque, nos países protestantes,
não havia a proibição em relação à riqueza e nem mesmo a pobreza era
vista como uma bem-aventurança como entre os católicos.

Outro tema importante na sociologia de Max Weber é a burocracia. Para


ele, o homem moderno perdeu o sentido e se enveredou por um estilo bu-
rocrático de vida. A burocracia moderna se reflete em avançada organiza-
ção administrativa baseada em métodos científicos e racionais. O homem
moderno deve representar o funcionário padrão bem treinado, devendo
exercer suas atividades de forma competente e com qualificações espe-
cíficas, sempre seguindo um conjunto de norma e regulamento escritos.

Segundo as pesquisas de Weber, a burocracia e a burocratização são pro-


cessos inevitáveis em todo tipo de organização (seja pública ou privada).
A crítica a este modelo vai em direção de apontar que ele gera uma forma
de dominação legítima.

Concluindo, pode-se dizer que dois conceitos importantes no pensamen-


to de Weber (na perspectiva que estamos refletindo e que representam
o foco desse estudo) são a burocracia e a racionalidade, e o resultado da
aplicação dessa razão, como a técnica, a matemática e o direito.

Cabe destacar que o conceito de burocracia em Weber não tem o mesmo


conceito pejorativo que muitas vezes vemos atualmente, embora ela seja
sempre entendida como formas de organização do Estado, a fim de pos-
sibilitar seu funcionamento.

A racionalização na sociologia de Max Weber, conforme Carvalho e Sou-


za (2006, p. 64), é uma racionalidade técnica e que direciona “[...] a
conduta da vida humana, que obedece a regras passíveis de serem ge-
neralizadas segundo padrões de eficiência”. Este modelo conduz a uma

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 37


vida regida por uma lógica institucional disciplinadora e por meio de
mandamentos, renúncias e escolhas valorativas que determinam o com-
portamento individual e refletem na vida coletiva.

Poderíamos considerar Weber como um grande pessimista, mas deve-


mos avaliar que ele não faz um prognóstico, e sim um diagnóstico da
modernidade, olhando a realidade na dureza dos fatos que a constituem.
Ele afirma que a racionalidade da vida moderna trouxe coisas boas, mas
argumenta que junto dela vieram a irracionalidade e a perda de sentido.
Fazemos as coisas por obrigação, seguindo regras escritas e enfatizando o
científico e o racional.

A saída para esta realidade da sociedade moderna é apontada pelo que


Max Weber denomina como carisma, isto é, o contraponto de uma era
submetida a tantas regras e burocracia. O carisma se expressa na forma
de organização social, em especial nas lideranças e nas autoridades que
são devotados por seu exemplo pessoal que os legitima e dá a autoridade.

No fim do texto “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Weber


afirma a necessidade de surgirem novos pensamentos e novos ideais para
contraporem a um mundo que fez do homem um ser inumano, insen-
sível e capitalista. A superação desse modo de ser se daria pela educação
racional, que pode constituir a autoridade, a sociedade, um modo de ser
e de se expandir na organização dessa sociedade que é posta nessa racio-
nalidade com o intuito de organizá-la.

2.4 Questões atuais da educação


Compreendendo as reflexões de Durkheim, Marx e Weber, conseguimos
alguns elementos para pensar a educação no momento atual. Sabemos que
não há um modelo universalmente aceito de educação. Na educação temos
teorias, modos de compreensão e práticas, todos envolvem a sociedade,
seus valores, seus princípios, suas normas e assim por diante. Afinal, a
sociedade é o conjunto do que as pessoas fazem dentro de determinado
contexto e de determinada época. Consequentemente, sempre haverá espa-
ços para reafirmar o que se conseguiu de positivo no decorrer da história,
assim como há possibilidades de mudanças naquilo que a sociedade não se
enxerga mais, não concorda e não responde aos anseios buscados pessoal e

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 38


socialmente. Antes de trazer respostas prontas para apresentar a seus edu-
candos, o educador deve criar desafios. Dessa forma, terá um papel impor-
tante na sociedade, pois será aquele que promove mudanças, crescimento e
um desenvolvimento intelectual capaz de garantir consciência crítica para
assumir atitudes que constituem a sociedade.

PESQUISE!
O conhecimento tem presença garantida em qualquer projeção
que se faça do futuro. Por isso, há um consenso de que o desenvol-
vimento de um país está condicionado à qualidade da sua educa-
ção. Nesse contexto, as perspectivas para a educação são otimistas.
A pergunta que se faz é: qual educação, qual escola, qual aluno,
qual professor? Leia o artigo de Moacir Gadotti, disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n2/9782.pdf>.

Vejamos uma questão bem preocupante e atual: o analfabetismo de


jovens e adultos. Este índice vem sendo reduzido no Brasil: passou de
11,5% em 2004 para 8,7% em 2012, na Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (Pnad), mas o número absoluto aumentou em 140 mil,
sendo concentrado na região Sudeste – 100 mil dos 140 mil, ainda soma-
mos mais de 13 milhões de analfabetos adultos no nosso país (BRASIL,
2017). Entretanto, o quadro a seguir (elaborado a partir de dados do
MEC) mostra um número reduzido de matriculados no segmento que
oferece a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Observa-se que há uma
exclusão de jovens e adultos do sistema escolar, pois eles não são motiva-
dos a retomar seus estudos, mas não se matriculam.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 39


Matrículas na Educação de Jovens e Adultos por Etapa de Ensino
Ano Ensino Fundamental
Total Geral Ensino Médio
Total 1a a 4a série 5a a 8a série
2007 4.975.591 3.367.032 1.160.879 2.206.153 1.609.559
2008 4.926.509 3.291.264 1.127.077 2.164.187 1.635.245
2009 4.638.171 3.090.896 1.035.610 2.055.286 1.547.275
2010 4.234.956 2.846.104 923.197 1.922.907 1.388.852

Notas: 1) Inclusive 231.213 matrículas de EJA presencial de 1ª a 8ª série em 2007. 2) O mesmo


aluno pode ter mais de uma matrícula. 3) Não inclui matrículas em turmas de atendimento
complementar. 4) Não inclui matrículas na EJA Integrada à educação profissional de nível
fundamental e médio. 5) De acordo com a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, as crianças
deverão estar matriculadas nas escolas a partir dos seis anos de idade. Logo, o Ensino Funda-
mental tem nove anos e sua nomenclatura agora é, respectivamente, do 1º ao 5º ano (anos
iniciais) e do 6º ao 9º ano (anos finais).

Quadro 4: Número de matrículas de alunos jovens e adultos no Brasil.


Fonte: Ministério da Educação (MEC, 2010).

Quando aparecem as desigualdades sociais que se refletem nas desigual-


dades escolares, não podemos nos ater somente àquelas econômicas. Seria
muito ingênuo considerar que apenas a falta de recursos impediria uma
pessoa de ir à escola ou uma determinada esfera de governo de oferecer os
recursos e/ou as salas de aulas para atender esta população (embora essa
variável não possa ser desconsiderada).

Há uma baixa procura por matrículas nos cursos para jovens e adultos.
Essa equação precisa ser solucionada, pois o aluno adulto pode ter tido
tantas decepções que decidiu abandonar a escola ou se conformou que o
“seu lugar” é fora dela. O resultado é o rebaixamento emocional de quem
não teve acesso à escolarização com bons resultados no ensino-aprendiza-
do, perpetuando a sua ignorância e ausência dos espaços escolares.

As distâncias entre os saberes, bem apontadas por Paulo Freire, geram a


distância entre as pessoas e as organizações escolares. A Constituição Fe-
deral ressalta que “[...] o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo” (BRASIL, 1988, art. 208). O que faria com que um
cidadão se privasse do seu direito senão as condições adversas para exer-
cê-lo? O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou
sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 40


De que forma esse ensino está sendo oferecido para, de fato, atender a
quem o procura e dele depende?

Se a escola se mantém alheia à realidade social de seus estudantes, será


sempre um espaço inapropriado para determinado público, lamentavel-
mente aquele que, indo até os espaços escolares, se decepciona por não
encontrar acolhida ao seu saber e às suas curiosidades.

Canário (2007, p. 142) afirma que “[...] o conhecimento científico cons-


titui uma forma específica de conhecer o mundo que se situa em um
conjunto muito amplo de outras modalidades de conhecimento”. Ao nos
debruçarmos sobre os estudos de sociologia da educação, adquirimos co-
nhecimentos que nos auxiliam na compreensão das desigualdades edu-
cacionais. Seremos capazes de identificar, para além do senso comum,
das informações que detemos sobre escola e escolarização, as razões que
levam os estudantes a terem melhor ou pior desempenho, por exemplo. É
possível identificar as possíveis razões para o fracasso escolar.

As questões sociais nos envolvem e nos afetam diretamente. Conhecê-las


nos coloca em condições de poder analisá-las e compreendê-las de forma
a nos posicionarmos social e politicamente. Infelizmente, as informações
não acadêmicas nos assustam e nos paralisam, e estamos cercados delas.

O convite que é feito a você é ampliar seus horizontes, conhecer os pen-


sadores para ser capaz de opinar com sabedoria e competência. Sua res-
ponsabilidade, como estudante universitário e futuro profissional qualifi-
cado, é fazer da sociedade em que vivemos um lugar melhor. Pessimismo
não resolve, conhecimento é instrumento valioso na mão de todas as
pessoas, imagine o valor dele, então, na mão das pessoas certas?

2.5 Dados internacionais da educação


O quanto é investido na educação e o que fazem os países para atin-
gir índices cada vez melhores nos processos educativos são questões às
quais precisamos estar atentos. Observar os rankings de educação é um
fato curioso. De acordo com OCDE (2017, s.p., grifo nosso):

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 41


Anos de estudo
Em uma economia do conhecimento que se transforma com rapidez, edu-
cação significa adquirir habilidades para a vida. Mas quantos anos as futuras
gerações irão passar na escola, faculdade ou em alguma instituição de ensi-
no? A resposta é que, em média, na OCDE as pessoas podem passar cerca
de 17,5 anos estudando, a julgar pelo número de indivíduos com idade en-
tre 5 e 39 anos atualmente na escola. Os resultados variam de 14,4 anos de
estudo no México a quase 20 anos na Finlândia.

Discutir sobre tempo de escolaridade implica compararmos os melhores


índices de economia, bem-estar, qualidade de vida etc. do local. Assim,
nos países onde as pessoas estudam mais, são onde, em geral, esses fatores
são melhores avaliados.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento


Econômico (OCDE), temos:

• Países com mais tempo de escolaridade (em ordem decrescente):


Finlândia, Estônia, Dinamarca, Polônia, Austrália, Coreia do
Sul, Alemanha, Eslovênia, Suíça, Japão e Suécia.
• Países com menos tempo de escolaridade (dos piores ao melho-
res): México, Brasil, África do Sul, Turquia, Chile, Portugal, Itá-
lia, Luxemburgo, Espanha e Israel.

Também se torna significativo observar segundo a mesma organização,


de que, no Brasil 46% dos adultos com idade entre 25 e 64 anos con-
cluíram o Ensino Médio. Um índice muito baixo, pois isso significa que
metade de nossa população não tem completo a educação básica. Nos
outros países onde o estudo é realizado, a média é de 76% - algo muito
significativo, levando em conta o que temos no nosso país: um índice
30% maior do que a escolaridade brasileira. Esses dados são mais gri-
tantes ainda quando vemos a comparação entre homens e mulheres: elas
estudam um pouco mais do que eles, ou seja, 49% delas concluem o
Ensino Médio, contra 46% dos homens. Vale a pena consultar o site da
OCDE (<http://www.oecdbetterlifeindex.org/pt/paises/brazil-pt/>) e ver
outros índices brasileiros. Veja como temos melhorado em uma série de
aspectos (moradia, educação etc.), mas ainda nos falta muito a fazer.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 42


Outro dado que não podemos desconsiderar é a questão de gasto com
alunos para que esses estudem, segundo Bandeira (2014, s.p.):

O Brasil já destina mais do seu PIB para educação do que os países ricos, mas
o gasto por aluno ainda é pequeno, pelo que indica um novo estudo da Orga-
nização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O país aparece em penúltimo no ranking de investimento por alunos no rela-
tório, lançado nesta terça-feira, que compara resultados dos 34 países da or-
ganização, que reúne países ricos, e outros dez países em desenvolvimento.

A partir desse dado, podemos dizer que, apesar de se ter um gasto sig-
nificativo, isso não tem resultado em uma educação e uma permanência
de nossos alunos com qualidade na educação. Gastar não é o suficiente.
Mais do que isso, o desafio da educação no Brasil é um desafio peda-
gógico, isto é, como podemos fazer uma educação de qualidade com o
investimento que temos?

Figura 6: Gastos com educação geram a possibilidade


de formação e inclusão socioeconômica.
Fonte: Freepik (2017).

Em 2011, 19% dos gastos brasileiros foram com a educação, de acordo


com as informações da OCDE. É um gasto significativo, ainda mais
levando em conta que, dentre os países pesquisados pela mesma organi-
zação, os gastos médios foram de 13%. Gasta-se bastante e tem-se pouco
resultado. Esse é o desafio educacional e que cabe a sociologia a partir de
seus estudos sobre a realidade brasileira, sobre a educação em conjunto

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 43


com outros conhecimentos, como pedagogia, filosofia, psicologia, entre
outros conhecimentos decifrarem os dados e buscarem alternativas para
a realidade educacional brasileira.

Na década de 1970 o Brasil investia em media apenas 2% do PIB em educa-


ção; na década de 1990 3,7%; atualmente 5,2%, superior à média dos países
da OCDE, que é de 4,8%. Em 2010 a Coreia do Sul investiu US$ 5.546 por
aluno em educação; Portugal, US$ 5.592; Japão, US$ 7.862; EUA, US$ 8.816;
países da OCDE US$ 8893; e Brasil US$ 958. (VECCHIA, 2014, s.p.).

Observando apenas a questão dos gastos, não podemos dizer que o Brasil
está mal, mas poderia estar melhor. Em um país com grandes necessi-
dades, com demandas crescentes e por ter uma população que, podemos
dizer, ainda jovem, tudo o que se gasta em educação pode ser pouco. Os
números de gastos também não podem ser absolutos. Os países mudam,
a idade das pessoas também. Vejamos o caso do Japão, em que temos
uma população mais envelhecida e assim também na Europa em geral.
No Brasil, a população, aos poucos, começa a passar por esse processo
de envelhecimento, mas ainda temos muitos jovens e demandas para a
escolarização maiores. De acordo com Mariz (2016, s.p.),

Embora seja o terceiro com maior gasto público em educação (16,1%) e tenha
aplicado 5,2% do PIB no setor em 2013, mesmo patamar da média dos mais
de 40 países analisados em relatório da OCDE com dados disponíveis, o Brasil
tem investimentos baixos por aluno do nível básico.
No ensino médio, apontado como o grande gargalo da educação brasileira, o
investimento é de US$ 3.852 por estudante ao ano - o terceiro menor valor no
ranking, perdendo apenas para Colômbia e Indonésia. Nos anos iniciais do
ensino fundamental, o Brasil investe anualmente US$ 3.826 por aluno, valor
acima do aplicado por apenas seis países.
Nos anos finais, somente três nações aplicaram menos que os US$ 3.802 in-
vestidos por aluno brasileiro. Os dados do Brasil consideram apenas os gas-
tos públicos, enquanto na maior parte dos outros países os valores incluem
investimentos privados em educação.

Claro que não podemos atribuir somente ao fator “gasto” a obtenção de


um nível de educação bom ou satisfatório. Investimento é um aspecto
importante a ser analisado, mas há outros: o nível dos professores e a
proposta educacional, por exemplo, são aspectos consideráveis para que a
educação possa atingir um nível mais elevado.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 44


Em relação ao ano de inserção dos alunos na escola: enquanto no Brasil
as crianças podem estar desde cedo (dois anos ou até mesmo ainda bebês),
na Finlândia, por exemplo, os alunos começam a vida escolar somente
aos sete anos. Creem que criança tem que ter seu espaço de brincar, ter
tempo livre. Aqui, muitas vezes, as crianças entram na escola, as regras de
silêncio são impostas e as brincadeiras nem sempre são tão desenvolvidas.
O tempo livre não é muito valorizado. Os professores no Brasil não são
os profissionais mais valorizados.

Temos muitas opções para podermos analisar esses dados, que não são
expostos aqui de modo exaustivo. O certo é que devemos questionar e
indagar o que ainda é possível fazer para que a educação no Brasil atinja
níveis mais elevados.

Pesquise sobre o PISA (Programme for International Student Assessment =


Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). No portal do Ins-
tituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep), existem dados e aspectos que todos podemos conhecer e compa-
rar. Ainda que nem todos aceitem essa forma de avaliação (pois unifor-
miza os estudantes do mundo todo), não podemos deixar de reconhecer
que são indicadores, assim como a Avaliação Nacional do Rendimento
Escolar, também denominada Prova Brasil, o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) e o Exame Nacional de Desempenho Estudantil (Enade),
este último que talvez alguns de vocês possam ser chamados a fazer.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 45


APLICANDO A TEORIA NA PRÁTICA

A Constituição Federal, em seu art. 208, conforme Brasil (1988, s.p.), afir-
ma que o Estado tem o dever de oferecer a educação básica e gratuita dos
4 aos 17 anos (Inciso I), assim como deve propor uma educação universal
e gratuita (Inciso II); deve atender àqueles que necessitarem de uma educa-
ção especializada (Inciso III); bem como a educação infantil para as crian-
ças até 5 anos (Inciso IV); a oferta de ensino noturno (Inciso VI) e, por
fim, no Inciso VII, oferecer “atendimento ao educando, em todas as etapas
da educação básica, por meio de programas suplementares de material di-
dático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”.

Faça uma breve pesquisa e verifique: quantas creches e escolas de Educa-


ção Infantil e de Ensino Fundamental existem em seu bairro? Quantas
vagas estas escolas oferecem? Qual a população estimada de moradores
do seu bairro e a faixa etária? Com base em sua pesquisa e no conheci-
mento da lei, responda: a educação neste padrão, de fato, ocorre no lugar
onde você mora?

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 46


SÍNTESE

Aprendemos neste capítulo alguns conceitos fundamentais relacionados


à sociologia clássica, como em Emile Durkheim – os quais identificam
os tipos e as relações que estabelecem na vida em sociedade.

A sociedade capitalista, modelo econômico predominante nas sociedades


modernas ocidentais, organiza-se em um modo de produção que esta-
belece a organização social básica. Os conceitos derivados deste modo
de produção foram desenvolvidos por Karl Marx, tais como: alienação,
mais-valia e ideologia.

A modernidade estabeleceu um tipo de relação na qual predominam a


racionalização e a burocracia, segundo Max Weber, e para vencer este
aspecto desumanizador das sociedades modernas é preciso desenvolver
uma educação carismática, em que o transcendente seja valorizado e crie
esperança de uma sociedade melhor.

Fizemos algumas comparações entre o Brasil e outros países, especial-


mente em relação aos gastos com educação e algumas formas de edu-
cação possíveis de serem desenvolvidas. Como já manifestamos, pensar
educação é viver uma realidade controversa: assim como não há um mo-
delo generalizado e universal, também não há como não experimentar
formas diferenciadas de realizar a educação (em especial a escolar, foco
de nosso estudo). Nos textos indicados ao longo deste capítulo, há mais
dados a serem visualizados. No texto do Moacir Gadotti indicado nas
referências, vale fazer um aprofundamento e uma análise do que esse
educador nos traz à refl exão.

As questões sociais, em especial as relações de desigualdade social, afe-


tam diretamente os processos escolares. Os conhecimentos científicos e
o entendimento oriundo dos estudos de sociologia da educação são va-
liosos para analisar criticamente as razões que levam ao fracasso escolar
e à compreensão da escola como espaço de transformação ou reprodução
das desigualdades.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 47


REFERÊNCIAS

BANDEIRA, L. Brasil dá mais do PIB para educação que países ricos,


mas gasto por aluno é pequeno. BBC Brasil, 9 set. 2014. Disponível
em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140908_relato-
rio_educacao_lab>. Acesso em: 30 out. 2017.

BETONI, C. Meritocracia. Disponível em: <http://www.infoescola.


com/politica/meritocracia/>. Acesso em: 19 ago. 2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Resumo Técnico – Censo Escolar


2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=7272-div-censo-escolar2010-pdf&Ite-
mid=30192>. Acesso em: 19 ago. 2017.

______. Analfabetismo no país cai de 11,5% para 8,7% nos últimos


oito anos. 27 set. 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/com-
ponent/tags/tag/34167>. Acesso em: 19 ago. 2017.

CANÁRIO, R. A escola tem futuro? Das promessas às incertezas.


Porto Alegre: Artmed, 2007.

CARVALHO, A. B. de; SILVA, W. C. L. da (Org.). Sociologia e edu-


cação: leituras e interpretações. São Paulo: Avercamp, 2011.

GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. São Paulo em pers-


pectiva, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 3-11, 2000. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/spp/v14n2/9782.pdf>. Acesso em: 19 out. 2017

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA -


IBGE. Brasil em síntese. Disponível em: <http://brasilemsintese.ibge.
gov.br/>. Acesso em: 19 ago. 2017.

MICHAELIS. Anomia. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/


moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/anomia/>. Acesso em: 1
nov. 2017.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 48


MICHAELIS. Meritocracia. Disponível em: <http://michaelis.uol.
com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/meritocracia/>.
Acesso em: 1 nov. 2017.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed.


São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2000.

OECD. Educação. Disponível em: <http://www.oecdbetterlifeindex.


org/pt/quesitos/education-pt/>. Acesso em: 30 out. 2017.

PEREIRA, L. C. História da Educação. Disponível em: <https://


www.infoescola.com/pedagogia/historia-da-educacao>. Acesso em: 01
nov. 2017.

SILVA, T. T.; MOREIRA, A. F. (Org.). Currículo, cultura e socieda-


de. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

VECCHIA, R. A qualidade da educação básica brasileira comparada


com outros países. Administradores.com: artigos. Disponível em:
<http://www.administradores.com.br/artigos/academico/a-qualidade-
-da-educacao-basica-brasileira-comparada-com-outros-paises/78861/>.
Acesso em: 18 out. 2017.

WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 11. ed.


São Paulo: Pioneira, 1996.

MARIZ, R. Brasil tem alto gasto público em educação, mas inves-


timento por aluno está entre os piores. O Globo, Educação, Rio de
Janeiro, 16 set. 2016. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/socie-
dade/educacao/brasil-tem-alto-gasto-publico-em-educacao-mas-inves-
timento-por-aluno-esta-entre-os-piores-20119242>. Acesso em: 25 out.
2017.

| Fundamentos S ociológicos da Educ aç ão 49


www.delinea.com.br

Você também pode gostar