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Sebastião de Portugal
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Sebastião de Portugal:
20 de janeiro de 1554 - ?
EDITOR | TRIPLOV
Resumo
Sebastião, XVI rei de Portugal, sétimo da dinastia de Avis, reinou até 1578 e é referido
na grande maioria dos textos como tendo falecido em 4 de agosto desse ano, na batalha
de Alcácer-Quibir. Existem no entanto pelo menos quatro peças factuais, três breves
papais e um quadro, que apontam em sentido contrário: Sebastião sobreviveu, e
sobreviveu longamente, à batalha. Uma máquina probabilística cega funcionando em
condições de máxima incerteza concluiria na base de 15 contra 1 que o rei teria
escapado. O que foi a sua vida no exílio é um mistério, mas poderá ter sido o prisioneiro
de Veneza e por certo foi guerreiro sob a égide da cruz de Cristo de que se reclamava
capitão. A existência secreta de Sebastião rei de Portugal tornou-se uma forma
pregnante que engendrou vários sebastião, chispas salientes de uma forma profunda
que se impõe como verdade.
Abstract
Sebastião, XVI King of Portugal, seventh of the House of Aviz, reigned until 1578 and is
referred to as having died on 4 August of that year, at the battle of Ksar-el-Kebir. There
are however at least four factual pieces, three brief papal letters and a picture, pointing
in the opposite direction: Sebastian survived, and survived for a long time. A
probabilistic blind machine working in conditions of maximum uncertainty would
conclude in 15 against 1 that the King would have escaped. What was his life in exile is a
mystery, but he may have been the prisoner of Venice and certainly was warrior, under
the aegis of the cross of Christ that he claimed to be His captain. The secret existence of
Sebastian King of Portugal became a deep pregnancy that produces various fake
Sebastian, salient traits of a deep form that looms as truth.
Résumé
Sébastien, XVI roi du Portugal, septième de la dynastie d'Avis, a régné jusqu'à 1578 et
est rapporté dans la grande plupart des textes comme en ayant décédé le 4 août de
cette année, dans la bataille de Ksar el Quibir. Existent néanmoins au moins quatre
pièces factuelles : trois brefs du Vatican et un tableau, qui indiquent dans sens contraire
: Sébastien a survécu, et a survécu longuement, à la bataille. Une machine probabiliste
aveugle en fonctionnant dans des conditions d‟ incertitude maximale répond dans la base
de 15 contre 1 que le roi se serait échappé. Ce que a été sa vie en l'exil est un mystère,
mais pourra avoir été le prisonnier de Venise et probablement a été guerrier, sous
l'égide de la Croix de Christ dont il se nommait capitaine. L'existence secrète de
Sébastien roi du Portugal s'est rendue une forme pregnante qui a produit plusieurs
sebastião, traces saillantes d'une forme profonde qui s'impose comme vérité.
Introdução
Sebastião vê-se criado orfão e rei de Portugal com o encargo de salvar o país,
transportando o peso da história do santo, soldado romano supliciado. Com tal
entalão é natural que o jovem rei se fizésse guerreiro e quisésse prová-lo primus
inter pares, como capitão de Cristo na sua autonomeação, numa incursão contra os
infiéis por Marrocos, onde legitimaria o título de imperador em Fez. O jovem
Sebastião matou o seu primeiro javali com onze anos, a idade de Alexandre no
mesmo feito, e é possível que tentasse mimetizá-lo, na versão de cruzado, a que
estava conforme o espartilho católico, inquisitorial, em que cresceu. Saiu-lhe gorada
a intempestiva e nas planuras ardentes de Agosto, em Alcácer Quibir, conheceu a
derrota. Conheço o sítio, lá está uma placa com três coroas, uma superior de Allah e
as duas outras dos reis marroquinos mortos no desfecho: um envenenado ao que se
diz, outro afogado na fuga. A batalha dos três reis, assim ficou designada, porque
três reis ali teriam morrido, pensava eu, mas não: três reis ali combateram mas só
dois pereceram, é a conclusão deste escrito.
Também eu andei muito tempo fabricado na idéia de que Sebastião teria morrido em
Alcácer Quibir, afinal todos os historiadores de renome o diziam, talvez haja uma ou
outra excepção, desde a escola que tal me era dito e ainda hoje essa é a versão
corrente [v. 2, 3], a que acrescia aquela menção de que o rei fora por ali fora a
espadeirar no seu lema: morrer sim, mas devagar. Ora parece que foi mesmo isso
que aconteceu à letra, num sentido bem mais lato do que se normalmente se pensa.
É verdade que pode dizer-se que o regresso mítico de Sebastião é mais uma versão
do Paráclito ou paracleto anunciado, o redentor, um messianismo, uma reinvenção
sucessiva da esperança ou da fé no amparo do regresso do outro. Mas também por
isso essa recorrência tem pertinência no caso.
Serve isto para falar na sucessão de falsos sebastião que existiram, três ou quatro,
para dor de cabeça dos filipes de Espanha – com início em Filipe I de Portugal desde
as cortes de Tomar em 1581 -, que logo mandavam prender e até executar, do
último tem-se notícia de um italiano enforcado em 1619. Mas será que dessas
saliências recorrentes e factuais – os falsos sebastião – não se deve inferir algo?
Creio que sim, na lógica do índice que aponta que não há fumo sem fogo, uma
recorrência sucessiva ao longo de um largo intervalo de anos de vários simulacros é
sintoma de existência continuada - no caso da existência de Sebastião, rei de
Portugal, vivo, algures. Aliás poderia ter sido um dos falsos sebastião reportados.
Sucede que este enquadramento teórico abriga algo que só há pouco tempo conheci
enunciado como factos: são referidos vários breves emitidos por papas diferentes a
reconhecer Sebastião como legítimo rei de Portugal na presença de cardeais, ao
longo de cerca de três décadas, e no último declarando-se o rei casado e com
descendência [v. 6]. Ora junte-se a isto o retrato da galeria dos Azuis, a que se
atribui a data de c. 1600, e que falo mais à frente (figura 6) e de que há notícia
existirem cópias. No total faz pelo menos quatro factos (três breves e um quadro)
que provam que Sebastião sobreviveu a Alcácer Quibir, ou então são todos falsos, o
que parece absurdo. Na hipótese de qualquer desses quatro documentos ser
verdadeiro ou falso jogando com a máxima incerteza ou ignorância, supondo-os
acontecimentos independentes, a probabilidade de serem todos falsos é de cerca de
6 em 100, e ao invés a probabilidade de ser pelo menos um verdadeiro e Sebastião
ter sobrevivido a Alcácer Quibir é de cerca de 94 em 100. Quer isto dizer que a
balança cega inclina-se 15:1 para o lado de que Sebastião sobreviveu a Alcácer
Quibir. Mas ademais, no caso, poderá ver-se mais longe.
Retratos de Sebastião
Vamos incorrer no mundo dos retratos de Sebastião, onde por limitações de espaço
vou-me cingir a uns poucos. Existe vasta iconografia que mostra Sebastião desde
miúdo, ou mesmo no berço, carregado com os símbolos de Portugal, o escudo de
armas, a esfera armilar, a cruz de Cristo [v. 7]. Na figura 1 tem-se o retrato da
autoria de Cristovão de Morais, datado de 1571: o jovem rei, armado guerreiro,
teria dezassete anos, louro de olhos claros, sobrolho erguido, boca carnuda...Há
outras interpretações, e derivas interpretativas, do mesmo quadro [v. 8].
Fig. 1 – Sebastião de Portugal por
Cristovão de Morais, MNAA, 1571 (fonte:
Wikipedia).
Sebastião pode ter sido o prisioneiro de Veneza, é uma história que parece bater
certo com a descoberta do quadro da figura 6 em terras italianas, havendo notícia
de réplicas, memória local dessa presença. O último breve papal é bem tardio,
poucos anos antes da restauração da independência do reino, e há quem especule
se Sebastião, também chamado o Encoberto, não terá estado o tempo todo a fazer
esforços para restaurar a soberania do país - perdida pela sua temeridade ou por
desígnio de Deus, conforme as interpretações -, que teriam sido bem sucedidos no
final, afinal.
Pode dizer-se que o cardeal-rei Henrique no seu testamento [v. 12] deixa a questão
de tal modo aberta - para ser decidida na Justiça entre seus sobrinhos -, que
contempla tacitamente a possibilidade de Sebastião estar vivo, aí incluído. Noutro
lugar referi que podia ser essa a interpretação da ausência de castelos no escudo de
armas do rei de Portugal nos Calafates, em Lisboa [13], onde zero castelos pode ser
convertida em índice da presença de uma ausência: a do legítimo rei.
Coda
Esta reflexão que ora deixo visa em primeiro lugar corrigir escritos meus que
referenciei em [1] e [9], onde repetia a notícia da morte de Sebastião em Alcácer-
Quibir. Sou daqueles que acha que não é preciso fazer testes de DNA aos restos
mortais que constam nos Jerónimos. Filipe II de Espanha além de prudente era
calculado e manipulador, como convinha aliás, e bem pode ter tomado providências
adicionais. O seu filho Carlos falecera em 1568, mandado prender pelo pai, e, dizem
as más línguas, envenenar, embora haja outras versões. A tese de que Sebastião
não só sobreviveu à batalha como esteve décadas a urdir a restauração da
independência, discreto ou secreto, é tão sóbria e possante que o rei bem pode
quedar-se numa aura mítica merecida. Sebastião é ainda hoje o mais das vezes
referido de forma pejorativa: autoritário, doente, birrento, homossexual, incapaz. A
crónica de Amador Rebelo, escrita provavelmente no final do século XVI, dá outra
visão, bem como as palavras do padre Luís Alvares nas exéquias funebres nos
Jerónimos [v. 20]. Em suma poderá dizer-se que o povo lhe tinha amor, e assim
terá resguardado a memória da sua não-morte. Que outra força, senão o amor, para
ser da morte vencedor? Ao que me dizem, hoje conta-se aos miúdos nas escolas em
Portugal a versão de que o rei desapareceu na batalha, assim libertando a data do
decesso num domínio indeterminado. A ode de Pessoa terá então ainda outra leitura
[v. 21], e acabei de ver que já foi defendido em livro, recentemente, por uma
historiadora portuguesa, que Sebastião reapareceu em Itália em 1598 e por lá
continuou...
Referências
[*] O padre Amador Rebelo era companheiro do padre Luís Gonçalves da Câmara,
mestre de Sebastião; citação extraída de Aurora Gedra Ruiz Alvarez: O Mito nas Tramas
do Grotesco – El-rei D. Sebastião, AletriA, nº14, 2006, p: 186-197, Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/poslit
[1] José Pinto Casquilho, A metamorfose das armas do rei de Portugal na dinastia de
Avis, Monografias.com, 2008, https://dx.doi.org/10.13140/RG.2.1.2996.9688
[2] Sebastião de Portugal, Wikipedia, acedido em Dezembro de
2011, http://pt.wikipedia.org/wiki/Sebasti%C3%A3o_de_Portugal
[6] Antonio Villacorta Baños-García, D. Sebastião Rei de Portugal, A Esfera dos Livros
Editora, 2006, 389 p.
[7] Manuel Sousa, Reis e Rainhas de Portugal, Mem Martins: Sporpress, 2000, 201 p.
[9] José Casquilho, O Sancy – mais de cinco séculos de história, Triplov.com, 2008,
acedido em 13 de Dezembro de 2011, https://dx.doi.org/10.13140/RG.2.1.5148.3925
[13] José Pinto Casquilho, Das armas de Portugal, Revista Triplov de Artes, Religiões e
Ciências (Nova Série), nº 8/9, 2010, acedido em 13 de Dezembro de 2011,
http://www.triplov.com/novaserie.revista/numero_08/jose_casquilho/index.html
[16] Padre António Vieira, Apologia das Coisas Profetizadas (org: Adma Fadul
Muhana). Cotovia, Lisboa, 1994, 315 p.
[17] José Tengarrinha, A crise no final do Antigo Regime, in Crises em Portugal nos
séculos XIX e XX (coord: Sérgio Campos Matos), Lisboa: Centro de História da
Universidade de Lisboa, 2002, p: 25-32.
[18] Mircea Eliade, O Mito do Eterno Retorno. Lisboa: Edições 70, 1981, 191 p.
[19] Sérgio Campos Matos, A crise do final de oitocentos em Portugal: uma revisão, in
Crises em Portugal nos séculos XIX e XX (coord: Sérgio Campos Matos), Lisboa:
Centro de História da Universidade de Lisboa, 2002, p: 99-115.