Você está na página 1de 6

A vida monástica requer abdicação e empenho.

A regra de São Bento é incisiva quanto


a conduta no capítulo 4: “ 59.Não satisfazer os desejos da carne”; “ 60.Odiar a própria
vontade “; “64.Amar a castidade”;’’Renunciar a si mesmo para seguir o Cristo”.Contudo a
abstenção é só mais um requisito para se chegar a vida perfeita. Toda a rotina no mosteiro é
regida a fim de alcançar esse propósito; a perfeição é o resultado da completa realização de
Deus no homem, o caminho para a salvação e o afastamento do mundo maculado. Para tanto
os monges precisam estar adaptados ao viés da leitura e compreensão das Regras e S. Bento
adverte no capítulo 73: “ Além disso, para aquele que tende à vida perfeita, há as doutrinas
dos Santos Padres,cuja observância conduz o homem ao cume da perfeição “. Isso implica
que num período de pouca instrução das massas, os mosteiros guardavam a produção literária
e cultural colocando-os numa posição privilegiada.” Mas o facto de as regras preverem
geralmente, para todos os monges, a obrigação de aprenderem a ler [ ... ] colocava o monge
num nível de instrução que já não correspondia ao nível comum. Essa obrigação está, de
facto, estreitamente ligada à vida religiosa do monge [ ... ] Mas tal facto exigia que o mosteiro
se dotasse de instrumentos – biblioteca, escola, scriptorium –que o transformavam,
naturalmente, num local único e culturalmente privilegiado.” ( LE GOFF, O homem
medieval, p.37 ).A leitura é de fato tão importante que se verifica em quase todos os aspectos
da vida cotidiana: seja para quantos devem ser ditos à noite ( ou a sua ordem ),das celebrações
e da maneira de salmodiar, na oração, depois dos trabalhos manuais ou para leituras à mesa,
durante as refeições. Com essa prática dá-se então o comportamento do monge de acordo com
a Regra seguida a rigor no seu dia-a-dia.

A figura do abade está enraizada não somente como o homem escolhido para
esclarecer a ordem de Deus e executar de forma incontestável as penalizações, mas também o
de conduzir solenemente os seus subordinados a vida eterna e dele será cobrado o destino das
almas à que ele preside. ”Lembre-se o abade, constantemente, de que, quer de sua doutrina,
quer da obediência dos discípulos, ser-lhe-ão pedidas contas estritas. E saiba o abade que é
atribuído à culpa do pastor tudo o que o pai de família encontrar de menos no progresso de
suas ovelhas. ’’( cáp. 2 vers.6 ). É visto como um educador.” Assim sendo, deve ele variar sua
maneira de agir, conforme as circunstâncias, unindo o rigor à brandura, mostrando ora a
severidade de mestre, ora a ternura de pai.Portanto, aos indisciplinados e turbulentos deve
repreender mais severamente, mas aos obedientes, mansos e pacientes deve exortar a que
progridam mais, e, quanto aos negligentes e desdenhosos, advertimos que os repreenda e
castigue.”( cáp.2 vers.24,25 ). Vê-se então o abade como fonte de exemplo da conduta dos
monges e estes devem o obedecer sendo a figura máxima no mosteiro. A sua importância é
fundamental para a fluir de maneira aprazível, pois dele depende a toda ordem; seja a
distribuição dos alimentos, a boa disposição dos trabalhos manuais, da excomungação dos
membros rebeldes e também da sua atenção a estes.”O abade deve ocupar-se com toda a
solicitude dos irmãos que caíram em falta, porque ‘não são os sadios que precisam de médico,
mas os que estão doentes.”( cáp.27). Assim sendo, o abade se torna o homem com a função de
Cristo e a tudo lhe convém.

Os monges tinham “uma forma de vida separada das preocupações e das angustias do
mundo e das fraquezas e misérias do comum dos mortais, para se dedicar inteiramente à
procura de Deus, na quietude da contemplação.”(LE GOFF,O homem medieval, p.36 ). Essa
era uma das virtudes importantes: o silêncio. Longe do estardalhaço da cidade, o monastério é
primitivamente rural. A essa comunidade era necessário, senão inerente o posto de silêncio
como base para alcançar a graça e também aprovação. “Raras vezes se deve conceder – até os
discípulos mais perfeitos – permissão de entreter conversações ainda que sobre assuntos bons,
santos e próprios a edificar, tão importante é o silêncio [...] ( cáp.6 vers.3 ).Tão importante
para os monges que Pacômio coloca na sua segunda Regra sobre a refeição “ se desejares
alguma coisa à mesa, não fales ; faze ouvir um leve ruído.’’ Esse silêncio é passado para todo
o mosteiro a fim de que todos sejam contemplados; a ascese é o fator comum de todos os
presentes.

Para sobreviver os monges tinham que cultivar todo o seu alimento; o trabalho era pré-
estabelecido de maneiras diferentes entre a Páscoa e o dia 14 de setembro. “ Da Páscoa até o
dia 14 de setembro, saindo o irmãos pela manhã , trabalharão no que for preciso, desde a
primeira hora até cerca da quarta. A partir da quarta hora, até perto da sexta, entreguem-se à
leitura’’ e “Desde o dia 14 de setembro até o início da quaresma, entreguem-se à leitura até o
fim da hora segunda.’’ Bento ainda coloca que o mosteiro deveria ser construído com “ todas
as coisas necessárias, isto é , água, moinho, horta, oficinas e os diversos ofícios se exerçam
dentro do mosteiro, a fim de que não haja necessidade de os monges saírem e andarem fora, o
que de nenhum modo convém às suas almas.” Era necessário então que se tivesse um celeiro
organizado. O abade deveria escolher um monge “ sensato, maduro, de caráter sóbrio,
moderado na comida”, que seria encarregado de todas as coisas.Vale ressaltar para que todas
as tarefas designadas a esses monges responsáveis, as qualidades que esses deveriam ter,
deveriam sobressair às dos outros. Caberia ao abade escolher os que aspirassem essas
qualidades: comprometido,temente a Deus, organizado, zeloso, etc.Dessa maneira deveria
agir o encarregado das ferramentas e objetos do mosteiro. Era preciso que se conservasse tudo
limpo e bem guardado.

Por mais que os monges se mantivessem afastados das grandes cidades, a sua
importância no processo de conversão ao cristianismo é inegável. Já foi dito que o mosteiro é
substancialmente rural; em uma era de insistentes invasões dos povos germânicos, estes por
sua vez ficavam cada vez mais perto das fronteiras do Império Romano – senão até dentro.Os
monastérios fundados nessas regiões camponesas se torna a porta para a conversão. “De facto,
seria de considerar menos eficaz a imposição do que o exemplo e, nesse ponto, os monges
desempenharam um grande papel na conversão dos Bárbaros.Um mosteiro não se funda com
fim de evangelizar uma região, pois é o asilo que acolhe aqueles que procuram longe do
século a via da salvação.[...].Mas, em conseqüência da sua influência espiritual e da sua
importância econômica, o mosteiro torna-se uma célula que vai cristianizar a zona onde se
instala .[...] os monges que vivem a vida dos camponeses vão ser os melhores apóstolos junto
das populações campesinas.” Nesse ponto a evangelização se dá ao valor do exemplo,
remetendo a formação anacorética ou eremitária, assim como a vida de Santo Antão foi
retratada e vivenciada por outros que se identificaram, os cenobitas – sendo a fórmula
evoluída dessas formações anteriores – passaram então a ter um papel evangelizador. “O
prestígio do monge reside no fato de ser um homem sozinho.Em sua pessoa ele resume o
velho ideal da simplicidade do coração.” ( VEYNE,História da vida privada, p.266).Daí
também o fato de Gregório Magno( 590 – 604 ) compreender essa situação e enviar missões
missionárias para diversos pontos.Contudo o monge, mesmo enviado para tal missões era
acometido pela preservação da Regra, mesmo longe do mosteiro.Cáp. 67 vers.1 “ Os irmãos
que receberam ordem de viajar, recomendem-se à orações de todos os irmãos e do abade[...] E
o cuidado a que essas viagens podem trazer.Cáp.67 vers.5 “ Ninguém presuma transmitir aos
outros o que viu e ouviu fora do mosteiro, pois isto poderia muito prejudicar.”

Dentro do mosteiro e a essa vida diária do trabalho manual,quietude;encontra-se uma


rotina de vigílias, orações e celebrações, São divididos dos ofícios noturnos, das matinas, aos
domingos,etc. Cáp.8 “Em tempo de inverno, isto é , de primeiro de novembro até a Páscoa,
em consideração ao que é razoável, levantar-se-ão os monges à oitava hora da noite ,2.de
modo que repousem um pouco mais da metade da noite e se levantem tendo já feito a
digestão.” Também inclui estudos do saltério e será referido sempre mais de dozes salmos
também estabelecidos pela regra e mais “ a esses seguem-se as laudes, depois uma leitura do
Apóstolo recitada de cor, o responsório, o ambrosiano, o versículo, o cântico do evangelho, a
leitura e estará terminado.”Dos domingos:Cáp.11 vers 1 “ Aos domingos, levantem-se mais
cedo do que nos outros dias para as vigílias.” Segue-se cantando seis salmos “ sentados todos
em sua ordem, nos respectivos bancos.” Assim para que saia como previsto, Bento de Núrsia
admoesta para a reverência da oração. “Quando temos alguma coisa a solicitar aos homens
poderosos, nós nos aproximamos com humildade e respeito.” ( Cáp.20 vers.1)

Os monges deveriam dormir em camas separadas e deveriam estar dispostos de acordo


com as suas tarefas no mosteiro;sendo que monges mais velhos devem estar no mesmo
recinto.Cáp.22 vers.3 “ Se for possível, durmam todos no mesmo lugar; se porém, o grande
número não o permitir, durmam dez ou vinte juntamente, tendo com eles monges mais velhos
para vigiá-los.” Deveriam estar atentos aos trabalhos divinos já referidos. “Levantado-se para
o ofício divino, despertem-se uns aos outros com moderação, a fim de que não tenham
desculpa os sonolentos.”

Uma das principais características no mosteiro é o desapego, a abdicação.S.Bento no


capitulo 33 ratifica a proibição de qualquer tipo de bens. “2.Ninguém ouse dar ou receber
coisa alguma sem a autorização do abade,3.nem possuir algo próprio, absolutamente nada,
nem livro, nem tabuinha( de escrever ), nem estilete.Em uma palavra:coisa nenhuma,4.já que
não lhes é lícito ter a seu arbítrio sequer o próprio corpo nem a própria vontade.”Essa maneira
de viver tem o seu princípio na época da pregação apostólica, como coloca Le Goff: “Com
efeito, nos Actos dos Apóstolos, a multidão de crentes que aparecia em Jerusalém era descrita
da seguinte forma: << A multidão dos crentes tinha apenas um coração e uma alma; nenhum
chamava seu ao que possuía, pois todas as coisas eram comuns. Vendiam suas terras e seus
bens e dividiam por todos o que ganhavam, segundo a necessidade de cada um.>>” ( LE
GOFF, O homem medieval, p.34,35)

Para as refeições S. Bento coloca as medidas para cada um, diferenciando assim de
Pacômio. Para este a comida deve ser proporcional. “ Primeira regra 1.Permita a cada um
comer e beber [ de acordo com suas forças;] dá-lhes trabalho proporcional a seu alimento.”
Para Bento,dois pratos cozidos são suficientes e censura os excessos. “cap.39 vers. 8. Porque
nada é tão contrário ao caráter cristão do que o excesso na comida[...]”.Há também a medida
da bebida, que seria de ¼ por dia “ atendendo à necessidade dos fracos’’.Lembrando sempre
que não se deve ter os excessos. “ cap.40 vers.6. Lemos, é verdade, que o ‘vinho não convém
aos monges’, mas em nossos tempos, como disso não podemos persuadir os monges,
convenhamos não bebê-lo até a saciedade[...]”.Serão feitas as refeições da ‘’Páscoa até
Pentecostes à hora sexta e ceiem à tarde.Durante todo o verão, a partir de Pentecostes,
jejuarão às quartas e sextas-feiras até a hora nona[...].”

De todos os atributos que o monge deve alcançar e se comprometer destaco dois que a
meu ver são muito importantes: a obediência e a humildade. Ora, se a vida no mosteiro é tão
cheia de afazeres e regras como se dará a convivência sem subversão? A obediência nesse
ponto se torna eficaz; é o ponto convergente à todas as coisas que acontecem no
mosteiro.S.Bento no prólogo da sua regra enfatiza: “1.Escuta, filho, os preceitos do Mestre e
inclina o ouvido de teu coração. Recebe de boa vontade os conselhos de um bom pai,2.e
segue-o eficazmente, para que voltes, pelo labor da obediência, àquele de quem te afastaste
pelo dissídio da desobediência.” A obediência é colocada de modo intrínseco a todas as
tarefas, por serem elas designadas pelo “Abba”, isto é, o pai de todos os monges,o abade. Não
se pode alcançar a vida eterna sem essa virtude tão intimamente ligada a humildade. “cap.5
vers.1 O primeiro grau de humildade é a pronta obediência”.Na regra de Bento de Núrsia são
colocados 12 graus de humildade:

 Primeiro grau: é preciso que o monge esteja sempre repassando os ensinamentos de


Deus e o seu temor, para que se livre dos pecados. “ cap.7 vers.11 [...]Repasse sem
cessar no espírito, não só que o inferno queima, por causa de seus pecados, os que
desprezam a Deus, mas também medite que a vida eterna está preparada para os que
temem a Deus.12 Combaterá, assim, a todo tempo, os pecados e os vícios, isto é, os
pecados do pensamento, da língua, dos olhos, das mãos, dos pés e da vontade própria,
mas também das inclinações da carne.”
 Segundo grau: não amar a própria vontade;
 Terceiro grau: ser obediente aos superiores ;
 Quarto grau: “cap.7 vers. 35 O quarto grau de humildade consiste em abraçar a
paciência no exercício da obediência, de ânimo sereno, nas coisas penosas e adversas,
ainda que se lhe tenham dirigido injúrias, 36. Suportando tudo com consciência
tranqüila, sem recuar, pois a escritura diz: “ o que perseverar até o fim, será salvo.” O
conforto seria dado pela esperança da “divina recompensa”.
 Quinto grau: consiste que os monges devem revelar todos os maus pensamentos e
más ações ao abade;
 Sexto grau: “cap.7 vers.49 O sexto grau de humildade consiste em que o monge
esteja contente com o que há de mais vil e com a situação mais extrema.” O monge
deveria obedecer a todo tipo ordem se reduzindo a nada;
 Sétimo grau: o monge deve confessar que é inferior;
 Oitavo grau: obedecer a regra;
 Nono grau: permanecer sempre o silêncio;
 Décimo grau: não ser propenso ao riso fácil;
 Undécimo grau: falar com doçura – sem contudo com riso – com gravidade e em
poucas palavras;
 Duodécimo grau: o monge deve deixar transparecer a sua humildade para o exterior.

Por conta dessa Regra e de muitas outras é que se foi possível que o monacato perdurasse
até os nossos dias.A Regra de São Bento por ser a mais completa foi muito utilizada pelos
mosteiros, sendo cobrado dos monges a obediência, a humildade a probidade de coração
é para uma organização de uma grande família. “ El monastério benedictino no es ni uma
penitenciaría ni una escuela para ascéticos montaraces, sino uma família, um hogar
formado por aquellos que buscan a Dios.” ( KNOWLES, El monacato Cristiano, 1969,
p.34 )

Você também pode gostar