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TEORIA DOS MECANISMOS DA CURA

Rómulo Lander [Caracas]

Adentrar nos problemas teóricos dos mecanismos de


cura exige definir, primeiro, qual é o conceito de cura que
se vai utilizar. É bem conhecido de todos, que, nós,
psicanalistas, evitamos utilizar o conceito de cura em
nossa prática clínica. Nós não dizemos que o analisando
ao final de análise está curado. Para isso teríamos que
nos perguntar: “Curado de que?”. O próprio Freud, em
1909, disse que não era partidário de considerar a cura
como um objetivo da psicanálise. No entanto, é certo que
ao longo de diferentes épocas a pergunta de “quais são
os mecanismos da cura?” mostrou-nos uma e outra vez.
Ao tentar responder a esta pergunta, prefiro utilizar os
conceitos oferecidos por Wilfred Bion e Jacques Lacan.
Para mim, ambos analistas dizem o mesmo. Wilfred Bion
nos diz, em 1967, que a verdade da verdade interior é
essencial para o crescimento mental. Por isso, Bion
conclui, que o propósito da psicanálise no é a cura
sintomática, nem a adaptação do indivíduo a seu núcleo
familiar, nem sua adaptação a sociedade onde vive. Nos
diz que o propósito da psicanálise é ajudar o indivíduo a
alcançar o que se é, que conheça sua verdade. Jacques
Lacan diz a mesma coisa, quando, em 1960, nos ensina
que a ética da psicanálise está na ética do bem dizer. O
bem dizer do psicanalista mostra o caminho que leva o
analisando a descobrir algo de sua verdade interior. Por
isso Lacan conclui dizendo que o propósito da
psicanálise está em ajudar o sujeito a não ceder em seu
desejo. Isto é dizer que a solução no é adaptar-se a
família, nem a sociedade onde vive. Mas é ser o que o
sujeito verdadeiramente é e para alcançar isso não se
deve ceder em seu desejo. Similar à ideia proposta por
Bion. No entanto, Lacan acrescenta que o fim de análise
é heroico, que não ceder ao desejo e ser um mesmo
implica grandes sacrifícios que nem sempre estão ao
alcance de todos os analisando.

Por outro lado Bion nos alerta sobre os falsos resultados.


Nos diz que para alcançar ‘ser o que se é’, requer uma
transformação especial que se chama transformação em
O. Distinta de outros tipos de transformação, que ainda
quando útil e com certo valor, não produz o efeito
desejado de ser o que se é. Chamada de transformação
em K. Este K refere-se ao conhecimento. É dita às
alterações produzidas por uma análise intelectualizada.
Um saber sobre a própria história, sem mudança
verdadeira, sem vivência. A transformação em O, que se
refere ao desconhecido inconsciente, produz uma
mudança verdadeira, vivenciada, profunda. Muitas vezes
essa transformação O, é insistir no desejo e ser o que se
é, e isso choca com os valores morais da família ou da
sociedade. Por isso, a psicanálise em seus fundamentos
é amoral. Não há nenhuma moral que se impõe ao
analisando. A psicanálise se fundamenta em sua ética,
que é a ética da busca da verdade interior.

Limites da cura

A variação que existe na estrutura mental dos


analisandos impõem variações na abordagem técnica e
nos propósitos da Cura. Não é o mesmo analisar uma
estrutura neurótica e uma estrutura psicótica. Uma
estrutura neurótica, incluindo as neuroses graves e os
casos limítrofes, é uma estrutura que se funda sobre o
mecanismo da repressão (Verdreangun). Dispõe
livremente do recurso da metonímia em sua relação com
o outro, pode tolerar a incerteza e certas ambiguidades
da transferência. Tolera o que o analisando poderia
entender como uma rejeição do analista, sem produzir,
por isso, um colapso mental. Estas capacidades da
estrutura neurótica permitem a implantação e a
operacionalização da transferência em uma cura tipo, a
chamada também cura Standard – onde a neutralidade
analítica, a atenção flutuante, o silencia e a
interpretação são ferramentas básicas que o analista
tem a sua disposição neste tipo de caso.

A estrutura psicótica compensada ou estabilizada sem


‘psicose’ visível, não tolera nada que se pareça com uma
rejeição, o que pode começar a colapsar seu equilíbrio
mental. Não tem o recurso da metonímia, deixando
pouco espaço ao analista, que irá encontrar-se
submetido a uma transferência rígida que o obriga a ser
muito cuidadoso com o que diz e o que faz em cada
sessão. Em casos de psicose esquizofrênica
compensada, a ajuda principal ao analisando se funda
em uma atividade do analista que poderíamos chamar de
pedagógica. Ou seja, uma analise que visa o Ego,
ensinando-o a sobreviver. Este tipo de ajuda às vezes é
salvador e consegue reordenar a vida do sujeito. Mas
isso é tudo o que podemos aspirar nesta análise. Devo
dizer que a razões suficientes para estar muito satisfeito
com esse tipo de processo analítico, tão especial(tipo
pedagógico) e de seu epílogo satisfatório.

Quando nos encontramos em uma clínica do vazio e não


em uma clinica do conflito ou do trauma e quando o vazio
interior do analisando é de tal magnitude que o vinculo
transferencial com o analista se converte em algo tão
fundamental para esse analisando, então, encontramos
que essa análise se converte legitimamente em
interminável. Esse tipo de analisando pode reordenar seu
sistema de ideias e atualiza-los, produzindo mudanças
importantes em sua estrutura mental. Pode resgatar da
repressão suas recordações traumáticas de infância e
conhecer sua sexualidade infantil reprimida, mas o vazio
interior não se modifica e requer uma forma permanente
da presença transferencial e da figura do analista.
Embora mude de analista, esta analise segue sendo
interminável.

Mecanismos de cura

Depois de muitas considerações considero que podemos


reduzir a dois os mecanismos fundamentais que intervêm
na transformação do sujeito: a) O insight, o dar-se conta
e b) O reviver, o encarregar-se. O insight refere-se a
capacidade do sujeito de chegar a conhecer o
desconhecido. Aumentar a consciência de algo que até
então não era conhecido. Por isso, em espanhol, se diz
‘darse-cuenta’. No processo de analise isso se dá por
meio da palavra. Mas, às vezes, quando a palavra falha e
desfalece, a tomada de consciência se dá somente
através do ato. Aqui cabe a seguinte pergunta: “a palavra
e o ato de quem?” A resposta mais rápida e simples
parece ser inexata. Respondo assim: A palavra e o ato do
analista. Isto é verdadeiro e não o é. O analista dispõe de
sua ferramenta fundamental: a interpretação
psicanalítica. O analista crê que interpreta. Mas é isto
mesmo? Permitam-me perguntar, realmente: Quem
interpreta? O analista no seu dizer propõe uma ideia ao
analisando. Suponhamos essa ideia é inédita e aponta o
inconsciente do analisando. O dizer do analista oferece
interpretação. O analisando a escuta. Este dizer
atravessa seu ser, sob a influencia da sua subjetividade e
tem um efeito. Este efeito depende do que o analisando
entendeu dessa interpretação, pronunciada
originalmente pelo analista. Poderíamos dizer que o
analisando constrói sua nova interpretação a partir do
que ouviu de seu analista. Finalmente, a interpretação
que tem utilidade é a que o analisando construiu.
Portanto, a pergunta insiste: Quem interpreta? O objetiva
da intervenção é produzir uma efeito de significante
através da palavra. Estabelece-se um laço, um vínculo
entre o que emite a palavra e o que a recebe. Lacan dizia
que o saber fala por si só. Em sua interpretação, o
analista emite um enunciado que leva o conteúdo
latente, que Lacan chamava ‘enunciação’, um algo além
da palavra falada. Isso abre a oportunidade para que o
analisando por meio da enunciação construa sua própria
interpretação e encontre seu próprio sentido.

Com relação ao ato, posso dizer que, por vezes a palavra


do analista desfalece. Torna-se ineficaz. A interpretação
que emana do analista se perde no nada. Ocorre então
que um ‘ato do analista’ passa a ter todo um sentido para
a subjetividade do analisando e passa a ter os efeitos de
uma interpretação. É comum observar em supervisões o
analista sofrendo de sentimentos de culpa por ter
realizado um ato sem consciência, a saber, um legítimo
acting out em sua sessão (a qual está supervisionando).

Ao examinar a situação posteriormente, encontramos


que o acting out do analista teve uma razão de ser e um
efeito que nesse caso foi favorável. Isto abre a
necessidade de diferenciar o acting out da passagem ao
ato. Para mim, a diferença é clara. O acting out refere-se
a um ato sem sujeito. A saber, um ato realizado pelo
sujeito sem ter clara consciência do que está fazendo. A
passagem ao ato refere-se a um ato com sujeito, no qual
participam ambos os membros da dupla analítica. Trata-
se de um sujeito analista que diante da angustia e do
conflito decide realizar um ato do qual se responsabiliza.
Ambos atos podem ocorrer durante a análise. Em relação
ao problema da revivescência, também denominada
‘hacerse cargo’: Refere-se a presença de afeto e de
emoções na cura. Atrevo-me a dizer que muitos analistas
contemporâneo, pertencentes às três regiões
geográficas da IPA, estão de acordo com a importância
que tem este aspecto. Donald Winnicott(1950) expunha a
importância e a necessidade de trabalhar com a
regressão intra sessão a serviço da cura analítica. Esta
regressão vai permitir e facilitar a experiência emocional
durante a sessão. A mentira, o silencio e a interpretação
de certos aspectos transferenciais permitem e facilitam
a regressão e a experiência emocional na sessão. Pela
via da revivescência a intervenção do analista deixa de
ser uma simples ideia, alguma coisa que pode ser
intelectualizada. As intelectualizações limitam as
possibilidades de produzir uma mudança psíquica. A
revivescência intensifica a experiência emocional. Por
isso, a regressão a serviço da cura é bem vinda e muito
necessária para ser possível certas mudanças psíquicas
dentro da estrutura presente num dado caso. As
interpretações transferenciais de aspectos pré-verbais,
pré-genitais que poderiam chamar de ordem imaginária,
intensificam a regressão e a experiência emocional.
Estas interpretações dos elementos transferenciais
arcaicos relacionados com a relação imaginária recente
com o outro, é o que da maior valor ao trabalho de
interpretação transferencial e não a interpretação
automática da transferência que tende a banalização.
Sou dos que pensam que a estrutura clínica inconsciente
(neurose, psicose e perversão) são estruturas que uma
vez estabelecidas, não se podem intercambiar.
Mas, dentro de cada estrutura, podem ocorrer as
transformações e todas as mudanças psíquicas
necessárias que vão permitir uma realização pessoal e
chegar a ‘ser o que se é’. Assim, uma estrutura psicótica
baseada na ausência originária de certos mecanismos
psíquicos, como por exemplo, a ausência de uma ordem
simbólica imperativa e a enorme dificuldade de
estabelecer um laço social devido a foraclusão do nome
do pai, esse estrutura não pode transformar-se em uma
estrutura neurótica que está fundamentada no
mecanismo básico da repressão(Verdrangun). Mas, esta
estrutura psicótica, pode, por meio da análise,
estabelecer um novo equilíbrio psíquico chamado
estrutura compensada ou estabilizada e chegar a ter
uma harmonia própria pela aquisição de um novo
sintoma grampo(quarto nó), que amarra as três
ordens(Real, Simbólica e Imaginária) e assim funcionar a
nível do laço social. Deste modo, o sujeito psicótico
estabilizado encontra uma forma útil de viver neste
mundo. No entanto, a estrutura seguirá psicótica, uma
vez que não se pode ser de outra maneira. O forcluído
não é modificável e não requer cura.

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