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Este trabalho pretende analisar o conto de Agatha Christie “The Witness for the
Prosecution”, publicado pela primeira vez na revista Munsey. O foco deste estudo está no
discurso da testemunha e possível esposa do Réu, Senhora Romaine, dentro de uma
perspectiva foucaultiana. Para tal, pretende-se utilizar-se dos aportes teóricos de Michel
Foucault principalmente nas obras A ordem do discurso (2004 [1970]) e Vigiar e punir:
Nascimento da prisão (2014[1975]), a escolha desta última dá-se por entender que a
narrativa é perpassada pela tentativa bem sucedida de livrar o réu da prisão, logo as
questões de punição, serão levadas em consideração.
O contexto da história pode ser considerado como contemporâneo à data da
publicação ou pouco anterior a ela, visto que o dado temporal mais expressivo é a morte
por enforcamento da qual o réu, Leonard Vole, seria refém caso considerado culpado; tal
fato credita a obra como possível pertencente aos preâmbulos de 1900, visto que a pena
de morte por enforcamento só foi abolida na Grã-Bretanha em 1964. Outra marca
temporal na obra é a menção de Pince-nez (uma espécie de óculos sem hastes) utilizadas
pelo advogado, Senhor Mayherne, o uso de tal acessório data do século XV até o século
XX, o que corrobora com o mesmo cerceamento temporal supracitado. Este contexto
histórico é importante sobremaneira para este tipo de análise, visto que a questão do
discurso como se verá é extremamente atrelada ao tempo.
O réu é acusado do assassinato de uma senhora idosa chamada Emily French,
sendo forte os indícios para o possível jure de que ele seria culpado. Dentre as
prerrogativas para tal proposição incluem-se o fato de que o réu era o principal herdeiro
da vítima e o fato de que sua mulher nunca fora apresentada a senhorita French, a qual
teria possivelmente sido ludibriada com a ideia de um provável casamento. O único trunfo
que o réu tem é o álibi de que não estava na casa da vítima no momento em que a ela
discutia com seu suposto assassino, o que fora ouvido pela criada; tal álibi, contudo, é
fragilizado, pois a sua mulher, não constitui um depoimento confiável. Neste sentido,
entra-se na noção do conceito de verdade, visto por Foucault e perpassado pelas
instituições sociais. Dentro do conto de Christie, a noção de verdade é perpassada pela
instituição do casamento a qual traz consigo suas regras próximas de conduta e moral
social. Este contrato social hierarquiza o comprometimento com a verdade que salvaria o
conjuje acima de um comportamento socialmente aceitável que seria a verdade factual
exposta ao júri.
A partir do excerto acima, pode-se observar que visto que o conto é perpassado
pela força destas forças reguladoras é inevitável observar que a noção de verdade sofre
um ruído, não apenas legitimadas ao contexto, mas também aos julgadores que terão
pressupostos advindos de suas classes sociais e de seus contextos históricos. Neste
sentido, ainda na primeira citação, na qual o advogado relativiza o discurso da mulher
1
““Sim, Romaine lhe contará. Existe uma boa chance que...”
“Perdão, Sr. Vole, mas o senhor gosta muito da sua esposa?"
"Claro."
"E ela do senhor?"
"Romaine é dedicada a mim. Ela faria qualquer coisa no mundo por mim ".
Ele falou com entusiasmo, mas o coração do procurador se apertou um pouco. O testemunho de uma
esposa dedicada - ganharia credibilidade?” ((CHRISTIE, 2017, p. 8, tradução nossa)
como viável, o advogado deixa claro não apenas a noção da instituição do casamento,
mas também a ideia de que a verdade ao qual o caso vai ser exposto, é uma verdade
masculina e heterossexual, no decorrer da obra observar-se-á que é uma verdade que
exclui e deslegitima também imigrantes como é o caso desta mulher, como pode-se
observar na citação.
Now, observing her more closely, he noticed the high cheekbones, the dense
blue-black of the hair, and an occasional very slight movement of the hands
that was distinctly foreign. A strange woman, very quiet. So quiet as to make
one uneasy. From the very first Mr. Mayherne was conscious that he was up
against something that he did not understand.(CHRISTIE, 2017, p. 10)2
2
“Agora, observando-a mais de perto, notou as maçãs do rosto altas, o denso azul-preto do cabelo e um
ocasional e leve movimento das mãos que era claramente estrangeiro. Uma mulher estranha, muito
calma. Tão quieta que faria qualquer um sentir-se desconfortável. Desde o começo, o Sr. Mayherne
estava consciente de que ele estava de fronte a algo que ele não entendia. (CHRISTIE, 2017, p. 10,
tradução nossa)
3
“‘Ele lhe disse que eu era devotada a ele?’ Perguntou ela suavemente. ‘Ah! Sim, posso ver que disse.
Quão estupidos os homens são! Estudipos – estupidos – estupidos.’” (CHRISTIE, 2017, p. p.11, tradução
nossa)
atribuição; e, do outro o surgimento dos discursos que, logo antes ou depois
de sua manifestação, são submetidos à seleção e ao controle. (FOUCAULT,
2004, p.66)
Ora, eis que um século mais tarde, a verdade a mais elevada já não residia mais no
que era o discurso, ou no que ela fazia, mas residia no que ele dizia: chegou um dia
em que a verdade se deslocou do ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciação, para
o próprio enunciado: para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relação a sua
referência (FOUCAULT, 2004, p. 15)
Pode-se dizer que o rito do julgamento institucionaliza uma nova verdade, a partir
de seu veredito; esse processo de institucionalização da verdade inocente do réu, todavia,
4
"Eu ainda penso", disse cabisbaixo Sr. Mayherne, de uma maneira dolorida, "que pudéssemos
tirá-lo pelo procedimento normal."
"Eu não ousei arriscar. Veja, você pensou que ele era inocente "
"E você sabia disso? Eu entendo ", disse cabisbaixo o Sr. Mayherne.
"Meu querido Sr. Mayherne", disse Romaine, "você não entende mesmo. Eu sabia - ele era
culpado! " (CHRISTIE, 2017, p. 21, tradução nossa)
começa e é perpassado pelas instituições, as quais todos personagens da narrativa se
filiam ou se obrigam a prestar contas.
Referências
CHRISTIE, Agatha. “The witness for the prosecution”. In: Julio Jeha, UFMG, 2017.
Disponível em: < http://www.juliojeha.pro.br/course39cmt_pgs/The%20Witness%20for
%20the%20Prosecution.pdf>. Acesso em: 05 Nov. 2017.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de: Laura Fraga de Almeida
Sampaio. 10 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004 [1970].
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. Tradução de: Raquel
Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014 [1975].