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Mestrado em Relações Interculturais Ano lectivo 2010/2011

Comunicação Intercultural Rita Costa

SER HOMEM/ MULHER PORTUGUÊS/A EM LISBOA, BRAGA, PARIS


Uma perspectiva dos Media – a televisão pública em Portugal

Questionar a nossa própria identidade (quer individual, quer enquanto membros de uma
comunidade) é uma realidade sobre a qual todos nós já nos debruçámos…

Entre os chamados intelectuais, a procura de uma resposta válida à questão tem sido
constante: Jorge Dias, Boaventura de Sousa Santos, Eduardo Lourenço, José Mattoso, são
apenas alguns dos nomes que podemos inscrever nesta lista.

Partindo da leitura destes e outros autores, Guilherme d’ Oliveira Martins enumera alguns dos
traços que marcam a personalidade portuguesa: “a expansividade, a adaptabilidade e o factor
activista, o vivo sentimento da natureza, poético, contemplativo e estático, o gosto pela
ostentação, a afectividade (…), a saudade e a obstinação, a tendência para sobrepor a simpatia
humana às prescrições da lei, o pessimismo atávico, uma exuberância menor que noutros
povos do Sul” (Guilherme de Oliveira Martins, pág. 44).

Longe desta leitura mais poética, mas indo de encontra à sua mensagem, os estudos levados a
cabo por Rosa Cabecinhas, sobre as representações sociais, dão-nos também uma ideia de
como os portugueses se vêem a si mesmos.

Entre os adjectivos e as palavras mais associadas ao “português” encontramos os seguintes:


conservadores, futebol, saudosistas, bom vinho, empreendedores, imaginativos, originais,
religiosos, pessimistas, materialistas, autoritários, aventureiros, consumistas, críticos, fado,
inteligentes, nostálgicos, pragmáticos, receptivos e sebastianistas.

Ora, como sabemos, neste processo de construção e preservação identitária, em muito


contribui a influência dos meios de comunicação – a vasta bibliografia sobre o assunto assim o
demonstra.

As autoras de Media, Migrações e Minorias Étnicas 2005-2006 listam brevemente alguns


trabalhos científicos nesta área (realizados, entre outros, por Stuart Hall, Thomas Deltombe ou
José Ricardo Carvalheiro), reflectindo também elas sobre um dos acontecimentos sociais mais
marcantes dos últimos anos em Portugal – “o arrastão de Carcavelos” -, o qual foi fortemente
idealizado pelas agendas dos meios de comunicação.

Apesar da emergência de novas formas de comunicar, a televisão assume ainda hoje um papel
central, constituindo uma fonte por excelência de imagens e discursos (na sua maioria
simplificados) que nos chegam diariamente a casa.

Contribuirá, então, a televisão para a (re)construção permanente do imaginário de ser


português?

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Partindo desta ideia, e no âmbito da proposta de trabalho que foi sugerida, iremos de seguida
fazer uma breve análise sobre o papel da televisão, centrando-nos em concreto no caso
específico do canal público de televisão portuguesa, a RTP.

Não sendo este o espaço para discutir as virtudes e defeitos associados à problemática do
serviço público, é evidente que a RTP tem uma linha estratégica definida, devidamente
descrita no Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão.

Neste documento podemos ler que, entre os seus princípios de actuação, deverá ser tida em
conta a “promoção da cultura portuguesa e dos valores que exprimem a identidade nacional,
de acordo com uma visão universalista, aberta aos diferentes contextos civilizacionais”.

Este ideário ganha uma nova dimensão quando, em 1992, é inaugurada a RTP Internacional e,
6 anos mais tarde, a RTP África, num período, como destaca Helena Sousa, de efectivo
interesse por parte das forças políticas em levantar o estandarte da Lusofonia.

Como adianta a referida autora, “o desenvolvimento de um espaço de língua e de cultura


tem sido uma ideia politicamente útil a nível interno e externo: internamente,
corresponde ao «imaginário» de um país que ultrapassa as suas fronteiras físicas e cujo
«Messias é o seu próprio passado»; externamente, a Lusofonia tem contribuído para a
afirmação de Portugal no plano internacional” (Sousa, pág. 4).

Os meios de comunicação social, e em concreto a televisão, tornam-se assim aliados de


uma política que visa, acima de tudo, a projecção na cena internacional, difundindo o
discurso de um Portugal sem fronteiras, aberto a todos os povos, “inventor” do mestiço e
com uma vocação especial, reflexo, por sua vez, de ideias fortemente enraizadas na
sociedade portuguesa.

Assim, e voltando à leitura do referido Contrato, destaca-se que os canais internacionais


devem promover “a afirmação, valorização e defesa da imagem de Portugal no mundo”, pelo
que a sua programação deve dar prioridade a “manifestações que constituam factor de
identidade ou formas de representação nacional”, bem como a programas que “promovam a
ligação entre o país e as comunidades residentes no estrangeiro”.

Estando estabelecida uma base política na intenção de formar um imaginário português, como
se processará a recepção efectivamente desses conteúdos no espaço de língua portuguesa?

Apesar de alguns estudos já abordarem este lado da questão, a verdade é que não foi possível,
durante a nossa pesquisa, aprofundar tanto como gostaríamos os moldes em que esta
apreensão e esta construção identitária são feitas.

Socorremo-nos, por isso, quase exclusivamente ao trabalho desenvolvido por Manuel Antunes
da Cunha, que tem apresentado algumas comunicações nesta matéria, bem como uma tese de
doutoramento sobre os emigrantes portugueses em França e a sua relação com a televisão (à
qual, infelizmente, não conseguimos ter acesso em tempo útil).

Um dos seus pontos de partida é, exactamente, o género televisivo que mais tempo de antena
tem na RTP Internacional - o entretenimento/ talk-shows – e à forma como nos faz aceder a

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“esse espaço de mise en scène da comunidade imaginada, a uma representação do real


elaborado no espaço social” (Cunha, pág. 2526).

Para isso, o autor analisa o perfil dos convidados e as temáticas abordadas de dois talk-shows
dirigidos em exclusivo à comunidade emigrante: Café Lisboa e Entrada Livre.

Embora com algumas abordagens diferentes, ambos os programas reflectem duas tendências:
por um lado, o manifesto objectivo de elevar o nível cultural e promover a consolidação da
identidade social; por outro, e como reflexo do ponto anterior, a maior presença de
convidados oriundos das classes médias e superiores como cantores, actores, jornalistas ou
homens políticos.

A cultura nacional ou as histórias de sucesso dos emigrantes estão entre os temas mais
abordados, sendo ainda incentivada a participação dos telespectadores através de chamadas
telefónicas, favorecendo-se também aí a exaltação do testemunho, das raízes e da família.

Ao lado deste tipo de talk-shows, programas de entretenimento como o Jardim das Estrelas
(no ar entre 1997 e 2001), procuram retratar os usos e costumes portugueses, convidando à
actuação de grupos folclóricos e de música popular, lado a lado com a promoção de mesas
fartas com os melhores produtos regionais.

Em 2001 assiste-se a uma mudança estratégia, substituindo parte destes programas exclusivos
da comunidade emigrante por outros, seguindo o mesmo género, dedicados também aos
residentes em Portugal.

É, assim, que desde 2001 programas como a Praça da Alegria e Portugal no Coração chegam a
ambos os públicos (interno e externo), procurando chegar ao mesmo tempo ao português de
Braga e de Nova Iorque, segundo palavras do apresentador José Carlos Malato.

Este carácter transnacional ou extraterritorial reflecte-se na própria logística dos programas,


sendo frequentemente realizadas emissões a partir de países estrangeiros onde as
comunidades portuguesas têm maior expressão como aconteceu a partir do Luxemburgo, de
Newark ou da Torre Eiffel.

Mas os moldes mantêm-se, sensivelmente, os mesmos:

“Com mais de 2500 emissões, a Praça da Alegria participa à configuração de uma colectividade
transnacional, a partir dos laços do sangue, mas também de características consideradas
intrínsecas, de traços unificadores como a língua e a cultura. Os discursos, a rubrica culinária, a
música tradicional, as bandas filarmónicas, as rábulas, o fado ou a música pimba não só
materializam, dia após dia, uma certa imagem da identidade portuguesa, mas conferem-lhe
visibilidade junto do grande público” (Cunha, pág. 2531).

Nada é deixado ao acaso: nos cenários referências às cores nacionais, aos azulejos, ao mar ou à
singularidade da arquitectura nacional, tudo contribui para a construção deste imaginário
colectivo.

Para além dos programas de entretenimento, o autor destaca ainda o papel central da
transmissão (muitas vezes em directo) de cerimónias e efemérides, como o funeral de Amália

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Rodrigues, a beatificação dos Pastorinhos ou os jogos da selecção nacional de futebol, como


momentos de consolidação e de comunhão da identidade nacional.

Voltamos por breves momentos aos estereótipos do estudo de Rosa Cabecinhas –


empreendedores, futebol, religiosos, aventureiros, bom vinho, nostálgicos, receptivos, fado…
Está tudo lá, num ecrã de televisão perto de si…

Fontes:

CABECINHAS, Rosa e AMÂNCIO, Lígia (2004), “Dominação e exclusão: representações sociais sobre minorias raciais
e étnicas”, in Actas do V Congresso Português de Sociologia: Sociedades Contemporâneas: Reflexividade e Acção,
Universidade do Minho, Braga, 12-15 de Março de 2004.

Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão celebrado entre o Estado Português e a Radiotelevisão
Portuguesa S.A., em 25 de Março de 2008.

CUNHA, Manuel Antunes da (2004), « Pour une étude de la réception de RTP Internacional par les Portugais de
France »’, in Cahiers de l’Urmis, nº 9.

CUNHA, Manuel Antunes da (2008), “Quem passar por aqui, leva Portugal no Coração. A transnacionalização do
serviço público: o caso dos talk shows”, in Comunicação e Cidadania – Actas do 5º Congresso da Associação
Portuguesa de Ciências da Comunicação, Braga: Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade.

FERIN, Isabel et al. (2008), Media, Imigração e Minorias Étnicas 2005-2006, Lisboa: ACIDI.

MARTINS, Guilherme d’ Oliveira (2007), Portugal Identidade e Diferença, Lisboa: Gradiva.

SOUSA, Helena (2000), “Os Media ao Serviço do Imaginário: Uma Reflexão sobre a RTP Internacional e a Lusofonia”,
in Comunicação e Sociedade 2, Cadernos do Noroeste, Série de Comunicação, Vol. 14.

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