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Universidade Aberta – Mestrado em Relações Interculturais Rita Costa

Comunicação Intercultural nº 1002769

VOZES DA NOSSA CULTURA SOBRE OUTRAS CULTURAS…


A comunidade cigana num programa de rádio

7 de Setembro de 2010… Por volta das 19h00 tem inicio, na rádio Antena 3, o programa
Prova Oral, da responsabilidade dos locutores Fernando Alvim e Rita Moreira.
Este é um espaço de debate sobre os mais variados temas, que tem como ponto de partida a
presença de um ou mais convidados, apelando ainda à participação dos ouvintes através do
telefone e, mais recentemente, através do blogue do programa.
Neste dia, foi convidado o antropólogo José Pereira Bastos, um dos responsáveis pelo Encontro
Anual de Estudos Ciganos, que decorria nessa mesma semana.
Os objectivos da emissão estavam traçados numa pequena sinopse - “compreender um
bocadinho melhor esta comunidade, as razões e desrazões da discriminação de que, ao longo
dos tempos, têm sido alvo (…)”.
Como é tradição, a palavra é dada em primeiro lugar ao convidado, o qual aproveita para
lançar algumas pistas sobre esta questão: o facto de os ciganos terem sido um povo escravizado
durante cerca de 500 anos na Roménia; a multiplicidade de grupos dentro da própria
comunidade; a consideração que a principal forma de racismo na Europa, é o racismo contra os
ciganos…
É aberto entretanto o espaço de participação e, a partir desse momento, forma-se uma
fronteira bem distinta dentro do programa: de um lado o convidado, na sua tentativa de
desmistificar algumas das ideias preconcebidas em relação a esta comunidade; do outro lado, a
maioria dos ouvintes promovendo e justificando esses mesmos estereótipos.
Das quatro participações por telefone, destacamos os seguintes excertos dos comentários
produzidos, bastante elucidativos da imagem que a maioria da população tem da comunidade
cigana:
. “Eu não gosto deles”; “as crianças só vão à escola para receberem subsídios”; “cumprimos deveres
cívicos e depois pessoas que não contribuem para a riqueza social têm tudo de mão beijada”
(Sérgio, Apelação);
. “Querem novas casas, começam a partir as que já têm”; “nós vamos aos hospitais e sentimos um
clima de intimidação para os ciganos serem logo atendidos”; “aquilo que o Sarkosy está a fazer, se
calhar também devia acontecer aqui” (Alexandre, 24 anos, Lisboa);
. “Eles simplesmente têm carros topo de gama”; “eu infelizmente devo assumir que sou racista
porque vivemos num clima de intimidação”; “fogem do trabalho”; “quem se mete com um cigano,
mete-se com a família dele” (Luís Filipe, Santarém);
- “São pessoas iguais a nós”; “nunca tive qualquer tipo de problema ou conflito”; “é preciso a
pessoa perceber o outro” (Maria Eduarda, Massamá, 52 anos).

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Comunicação Intercultural nº 1002769

Explorando o blogue sobre o mesmo tema, atestamos que dos 46 comentários, apenas 4
adoptam uma posição não discriminatória, enquanto outros 4 pretendem atingir/ criticar o
convidado em questão.
Ou seja, também aqui a maioria dos testemunhos seguem as opiniões partilhadas durante as
intervenções telefónicas, destacando-se alguns exemplos que agora transcrevemos:
.“Claro que existem ciganos boas pessoas, assim como existem Padres pedófilos, mas se
considerarmos que no geral os padres são boas pessoas, também temos de considerar que no geral
os ciganos são criminosos!” (Irritado);
.“Só para dizer que aqui onde moro em rio tinto...no bairro são joão de deus mais conhecido por
tarrafal já vi num prédio do bairro num 3 andar um CAVALO na varanda...apartamentos sem
portas e banheiras eram usadas para colocar terra e cultivar tomates...enfim…” (Acorrep);
.“Todos temos conhecimento na 1ª pessoa ou por interposta pessoa de um encontro com uma pessoa
da etnia cigana que correu da pior forma...” (Ressabiado);
.“E já agora talvez o vosso convidado consiga responder, o porquê de nunca se ver um cigano á
procura de emprego? E esse senhor compraria casa num bairro de ciganos se gostasse da zona?”
(Luís Sardinha);
. “Outra coisa que me preocupa é o facto de o tráfico de droga ter aumentado por aqui, graças a
eles... Visto serem eles que traficam...” (Minority);
Em clara minoria, o outro lado da barricada também deixava os seus comentários:
. “Em Torres Vedras existe uma enorme comunidade de ciganos, alguns melhor integrados que
outros, mas a verdade é que convivem em paz como convivemos em paz entre não ciganos, sim de
vez em quando à desacatos, mas não os existem entre pessoas de mesmas comunidades e raças e
culturas...” (NA);
.“Em Braga, onde vivo, a comunidade cigana já se começa a integrar, já se vêm ciganos a conviver
tão ou mais civilizadamente que um cidadão dito branco. Muito educados, muito simpáticos…”
(Alexandra Matos);
.“Eu tenho uma boa impressão dos ciganos, se não vejamos: Quaresma, Gogol Bordello, roupa de
qualidade e barata, espírito de família e comunidade como já não se vê muito na sociedade actual“
(JP).

Não sendo o espaço aqui disponível suficiente para fazer uma leitura mais aprofundada, não
queremos deixar de mencionar que estes comentários atestam o que é do conhecimento geral –
o estigma social que a comunidade cigana enfrenta.
Estereótipos e “recriminações de tal maneira recorrentes e vulgares que tornaram a situação de
exclusão não apenas num atributo pessoal, como também uma forma de designação social”
(Dias, pág. 90)

Fontes:
Dias, Eduardo Costa Dias, Comunidades Ciganas: representações e dinâmicas de exclusão-integração, ACIME, 2006
Programa Prova Oral “Os Ciganos” em http://ww1.rtp.pt/icmblogs/rtp/prova-oral/?m=09&y=2010&d=07

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