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Muito poucos atores têm, eu sei, lido [o livro] e o achado imensamente estimulante.
Outros atores o leram, e o acharam bastante frustrante. Alguns outros ainda dizem
que o leram quando o que eles gostariam de dizer é que sempre o quiseram ler.
Alguns o leram e desejam, francamente, não tê-lo lido. Alguns antes preferem ser
vistos mortos a lê-lo. Por tudo que sei alguns podem até mesmo ter morrido ao tê-
lo lido. Muito poucos o leram de novo. (Redgrave, M., 1958: 172).
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[estão] interconectadas, e como geralmente só nos falam uma pequena
porcentagem do monólogo interior que vibra interminavelmente em nossas
cabeças. Ele também provou o modo como nossas emoções são a consequência
de nossas interações com os outros, causadas pela realização ou o bloqueio dos
nossos desejos mais profundos.
Tendo desta forma dissecado o comportamento humano, ele então se
perguntou como podemos juntá-lo/remendá-lo/reuní-lo de volta [por completo]
dentro dos limites artificiais de uma performance dramática. Ele colocou as
principais questões sobre porque é que tudo o que fazemos tão facilmente na vida
cotidiana, de repente se torna tão afetado e tenso quando sabemos que estamos
sendo observados. Porque tudo que ele fez foi tão ‘natural’, tenho certeza de que
se Stanislávski não tivesse aparecido com seu ‘sistema’, alguém mais teria [feito]
as mesmas perguntas mais cedo ou mais tarde, especialmente à luz das
descobertas como as que estavam sendo feitas na ciência, arte e literatura na
transição do século XIX ao XX.
Dito isto, a principal preocupação de Stanislávski colocada no coração do
seu ‘sistema’ foi o diálogo constante entre os nossos corpos físicos (visível) e
nossas psicologias internas (invisível). Os humanos são seres psico-físicos: os
nossos corpos fornecem uma imensa quantidade de informações para nossas
vidas interiores (ou seja, nossa imaginação e nossas emoções), e ao mesmo
tempo, nossa vida interior só pode ser transmitida ao mundo exterior através de
nossos corpos. Se não tivéssemos um corpo, então nós poderíamos ter as mais
incríveis idéias e experiências emocionais, mas ninguém jamais saberia. Quanto
mais expressivo e suscetível/sensível possam ser nossos corpos, mais detalhada
e nuançada poderá ser nossa caracterização dos personagens. E isso é o que faz
o programa de treinamento do ator de Stanislávski, de modo particular e preciso:
dirige-se ao corpo e à psicologia do ator ao mesmo tempo.
E é isso que torna a publicação de An Actor’s Work (O Trabalho do Ator)
tão significativa – e há muito atrasada.
Parte do motivo [de] Stanislávski ter sido tão insistente [para] que as
primeiras editoras [Norte] Americanas devessem publicar os conteúdos do
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trabalho psicológico (An Actor Prepares [A Preparação do Ator]) no mesmo
volume que os conteúdos do trabalho físico (Building a Character [A Construção
da Personagem]) se deu por um grande medo. Ele estava aterrorizado que os
atores e diretores iriam ler um livro sem o outro, e assim fazendo, desenvolveriam
uma imagem desequilibrada do ‘sistema’. Eles iriam vê-lo mais como um método
interior, emocionalmente dirigido (se só lessem An Actor Prepares (A Preparação
do Ator), ou como um método técnico, externalizado com pouca referência à vida
interior (se lessem apenas Building a Character (A Construção da Personagem).
Ele finalmente concordou com a separação destes dois aspectos sob a condição
de que ele escrevesse um apanhado geral do ‘sistema’ como um todo para ser
incluído na primeira publicação. Infelizmente, ele nunca escreveu tal apanhado, e
a coisa que muito ele temia de fato aconteceu. Até agora, muitos de nós que
somos incapazes de ler os textos Russos originais, tivemos a impressão de que
An Actor Prepares (A Preparação do Ator) é o coração do ‘sistema’, de modo que
nem todos nós seguimos adiante lendo a parte associada, Building a Character (A
Construção da Personagem). Mesmo aqueles de nós que leram a ambos não têm,
provavelmente uma acepção completamente clara de quão intricadamente eles se
interconectam.
Portanto, a publicação dos dois livros em um único volume é um
desenvolvimento importante, mas é claro que há detalhes de tradução que
também estão evoluídos.
As nuances de tradução
Desde a primeira frase, temos uma noção das sutilezas envolvidas nestas
novas traduções. An Actor Prepares (A Preparação do Ator) começa [com]:
Estávamos animados hoje, enquanto esperávamos para a nossa primeira aula com
o Diretor, Tortsov. Mas ele veio a nossa sala de aula só para fazer o anúncio
inesperado de que, a fim de melhor se familiarizar conosco, ele quis nos possibilitar
uma apresentação (performance) na qual devemos representar fragmentos de
peças escolhidas por nós. (Stanislávski, trad. Hapgood, 1937: 1).
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Hoje nós esperamos por nossa primeira aula com Arkadi Tortsov, não pouco
assustados. Mas tudo que ele fez foi entrar e fazer um anúncio surpreendente. Ele
nos organizou uma demonstração na qual iremos apresentar extratos de peças de
nossa própria escolha. (Stanislávski, trad. Benedetti, 2008: 5).
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Ano 1 do treinamento do ator de Stanislávski
Os fundamentos da atuação
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Ao colocar a ‘Ação’, no começo, imediatamente entendemos que a atuação
diz respeito a fazer coisas, ao invés de ser ou relembrar. A menos que você tenha
uma noção clara do que você está fazendo no palco, então tudo mais será formal
e tedioso.
Então tem a ver com uma noção de jogo, e dizendo a si mesmo – assim
como uma criança faria – ‘o que eu faria se... Houvesse um louco atrás da porta?
O que eu faria se... Meu irmão simplesmente jogasse todo o meu dinheiro no
fogo? O que eu faria se... Virasse as costas ao meu bebê e ele se afogasse na
banheira?’ (Todas estas perguntas são provocadas pelo ‘“Se” Mágico’.) Anatoly
Smeliansky aponta em seu posfácio ao fantástico livro que algumas das
referências para jóias e propriedades nos exercícios de atuação propostos por
Stanislávski foram problemáticos para os atores Soviéticos, e com certeza, eles
podem fazer o livro parecer um tanto desatualizado. Mas eu diria que, para a
criança interior do ator começar a jogar, [quanto] maiores os riscos, então o mais
divertido está para ser alcançado. E para um falante [de Língua] Inglesa,
praticante de atuação do vigésimo primeiro século, cujos pontos de referência são
muito provavelmente Pirates of the Caribbean (Piratas do Caribe) ou The Golden
Compass (A Bússola de Ouro), acho que os exemplos fornecidos pelos Russos do
início do século XX ainda podem ser imaginativamente lucrativos.
Tendo [os alunos] trabalhado com a ‘Ação’ e ‘o “Se” Mágico’, o primeiro ano
de treinamento é, portanto, sobre alimentar seu senso de jogo com as
‘Circunstâncias Dadas’ da situação, tanto as fornecidas pelo escritor como aquelas
fornecidas por nossa própria ‘Imaginação’.
Então seu primeiro ano de formação diz respeito à negociação com seus
próprios bloqueios internos, compreendendo o que é que o está impedindo de ser
criativamente bem sucedido. Estes bloqueios podem se originar do medo de estar
sendo observado e, portanto, você precisa ‘Concentrar sua Atenção’ na tarefa
adequada no palco para evitar ser desnudado por seu público. Ou esses bloqueios
podem vir de certas tensões físicas e, portanto, você precisa encontrar um modo
de ‘Liberar seus Músculos’ e relaxar.
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Portanto, trata-se de entender a estrutura de uma cena dramática – suas
‘partículas [de ação]’ (‘Bits’) – a fim de que você possa penetrar a arquitetura da
peça e [seu] ritmo. Trata-se então, da identificação de sua ‘tarefa’ (‘task’) em cada
‘partícula’ (‘bit’), para que você tenha um objetivo muito claro e exequível para
cada momento que você está no palco.
Todos estes componentes – que são em última instância sobre moldar seu
barro criativo, ou seja, a sua imaginação e seu corpo – formam o núcleo de
treinamento do Ano 1 num percurso lógico e acessível. Combinados em conjunto,
eles podem dotá-lo com um absoluto senso de ‘verdade’ sobre o que você está
fazendo, que por direito próprio irá preenchê-lo com uma sensação de ‘crença’.
A lógica e a abrangência desses fundamentos básicos, de alguma forma
aparecem muito mais claramente em An Actor’s Work (O Trabalho do Ator) do que
fora realmente tangível em An Actor Prepares (A Preparação do Ator). E todo este
primeiro ano é intitulado ‘Experienciação/Vivência’ – que o Prefácio de Benedetti
descreve como ‘o processo pelo qual um ator se envolve ativamente com a
situação em cada performance’. Gostaria de levar essa interpretação mais
adiante, sugerindo que diz respeito também à ‘fazer-se disponível para si mesmo’,
para conhecer a sua imaginação, a anatomia de seu corpo, e sua sensação de
ação genuina e direção no palco, de modo que você nunca precise cair em clichês
e [no] (que Stanislávski chama) ‘barganha’ (‘stock-in-trade’).
Agora, depois de quase um ano de trabalho, cada um de vocês tem alguma ideia
formada do que seja o processo criativo. (Stanislávski, 2008: 343)
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Por um momento, como leitora, me vi arremessada para fora da narrativa,
perguntando: ‘Você quer dizer ano civil ou ano letivo? Este é o primeiro ano de
treinamento ou o segundo?’ No entanto, são essas inconsistências que dão uma
maior sensação de autenticação para as novas traduções. Benedetti não eliminou
todos os defeitos ou editou esmagadoramente da forma como fizeram tanto
Elizabeth Hapgood, como a Editora-Chefe original, Edith Isaacs. Portanto,
Benedetti não está apenas nos dando uma tradução prática, de valor inestimável,
mas também um documento histórico, para que nós, os leitores possamos juntar
as partes ou dar o sentido das inconsistências à nossa própria maneira.
Memória Emotiva
Cada estágio sucessivo em nossos estudos tem externado um novo chamariz (ou
estímulo) para a nossa memória emocional e sentimentos recorrentes. Na verdade,
o mágico “se”, as circunstâncias dadas, a nossa imaginação, as Partículas e
Tarefas, os objetos de atenção, a verdade e a crença/fé nas ações internas e
externas, nos abastece com os chamarizes apropriados (estímulos). Então todo o
trabalho que temos feito até agora na escola levou-nos a estes chamarizes que
precisamos para estimular nossa Memória Emotiva e armazenar
sensações/sentimentos. (Stanislávski, 2008: 225)
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de ser incluído no Ano 1 (que é a sensação que temos da leitura de An Actor
Prepares (A Preparação do Ator). Desta forma, o aluno-ator é totalmente
prevenido da quantidade de trabalho preparatório necessário, antes de o material
sedutor (sexy stuff) - as emoções – poderem ser tratadas com sensatez e de
forma saudável.
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Fala, porque – confesso – eu estava mais propensa a utilizar An Actor Prepares (A
Preparação do Ator) como um ‘compêndio’ mais do que Building a Character (A
Construção da Personagem). Considerando que há muito pouco em An Actor
Prepares (A Preparação do Ator) sobre a Voz e Fala, An Actor’s Work (O Trabalho
do Ator) combina os três capítulos encontrados em Building a Character (A
Construção da Personagem) sobre ‘Dicção e Canto’, ‘Entonações e Pausas’ e
‘Acentuação: a Palavra Expressiva’ em um capítulo extremamente útil de 80
páginas.
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frequentemente, como atriz e como professora, e todos dos quais eu me encontro
estimulada em sua mudança de vocabulário na nova tradução bem como a
problemática na sua implementação. Não há dúvida de que An Actor’s Work (O
Trabalho do Ator) vai agitar o debate e a discussão, e eu gostaria de sugerir que
não só o debate é saudável, mas também nos permite simultaneamente abarcar
os novos aspectos enquanto defendemos nossos próprios kits de ferramentas (our
own toolkits). Afinal, Stanislávski nunca pretendeu que seu ‘sistema’ fosse um
evangelho, e não tenho dúvida de que Benedetti não pretende esta nova tradução
como sendo uma bíblia. Com algo tão prático como uma técnica de atuação,
haverá tantas maneiras diferentes de construir um personagem como há atores no
negócio. Temos que estar certos de que a nossa atitude seja apenas tão aberta e
criativa com relação aos sistemas e terminologias como Stanislávski nos desafiou
a ser nos termos do jogo [de cena] na criação de um papel.
Atuar não tem nada a ver com a capacidade de se concentrar. Tem a ver com a
capacidade de imaginar. Pois a concentração, como a emoção, como a crença,
não pode ser forçada. Ela não pode ser controlada. [...] A capacidade de se
concentrar flui naturalmente da capacidade de escolher algo interessante. Escolha
algo legitimamente interessante para fazer e a concentração não será um
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problema. Escolha algo menos do que interessante e a concentração será
impossível. (Mamet, 1999: 94-5)
Da observação à ação
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[N]a nossa imaginação, nossa concentração não se aproxima do objeto
diretamente, mas indiretamente, via outro, por assim dizer objeto secundário. Isso
é o que acontece com os nossos cinco sentidos. [...] Você deve ser capaz de
revitalizar o objeto e além desse poder de concentração em si, transformá-lo de
algo frio, intelectual, racional, em algo quente, sensorial. (Stanislávski, 2008: 107,
111) (Grifo no original)
Uma vez que seus sentidos estão envolvidos, não leva muito tempo (Passo
4) para suas emoções serem atraídas no processo. Como diz Tortsov:
Primeiro você deve explicar para [as pessoas] como olhar e ver, escutar e ouvir
não só o que é ruim, mas acima de tudo que é belo. A beleza eleva a alma e agita
seus melhores sentimentos, deixando permanentes e profundos vestígios na
emoção e outros tipos de memória. (Stanislávski, 2008: 114)
Mas a atenção sobre o objeto não pára por aí. Se a sua concentração e
atenção são de substância criativa acertada, em seguida, muito rapidamente
(Passo 5) sua ânsia/seu desejo pela ação se desenha na imagem. Como diz
Tortsov:
[N]ão é o objeto em si [...] que produz em nós a concentração, mas uma idéia que
sua imaginação sugere. Essa idéia lhe dá vida nova e, ajudada pelas
circunstâncias dadas, torna o objeto interessante. Cria uma história maravilhosa e
emocionante em volta dele. [...] Como resultado sua imaginação é despertada. Ela
toma conta de você e o resultado é um impulso para a ação. E se você usar ações
que signifiquem que você aceitou o objeto, [que] você acredita nisso, você
estabeleceu um vínculo com ele. Ou seja, o seu objetivo tornou-se claro, e sua
atenção foi distraída de tudo o que não está no palco. (Stanislávski, 2008: 110)
A introdução de Rachmanov
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Sulerjitski) conduz uma aula. Nenhum comentário em particular é feito sobre isso
em An Actor Prepares (A Preparação do Ator), mas em An Actor’s Work (O
Trabalho do Ator) somos levados mais profundamente ao reino ficcional dos
alunos:
Estes detalhes nos dizem três coisas: (1) eles mostram quanto o
imaginativo Stanislávski esforçou-se para ficar com esta descrição/narrativa do
treinamento do ator, na qual ele queria criar um mundo romancesco em que
poderiamos entrar com todos os seus vários personagens e personalidades, em
vez de simplesmente ir absorvendo dicas de atuação; (2) o caráter de Rachmanov
aparece ao longo do livro, e, apresentando-o assim, somos imediatamente
convidados a considerá-lo um indivíduo completo e uma influência significativa
sobre o treinamento do ator; (3) é pouco o reconhecimento de Stanislávski da
importância de Sulerjitski em sua própria vida e na do Teatro de Arte de Moscou.
Ele o apreciava imensamente e de fato Sulerjitski contribuiu enormemente para o
desenvolvimento dos [aspectos] mais esotéricos, [dos] aspectos ‘espirituais’ do
‘sistema’, nada menos que a noção de ‘irradiação’ de energia, como vamos
abordar em ‘Comunicação’ (ver abaixo).
Histórias de Kostya
1
Rua comercial para pedestres, muito movimentada, bastante frequentada por turistas. (N. T.)
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tamanhos de ‘círculos de atenção’. Essas referências cruzadas entre a sala de
ensaio e a ‘vida real’ humanizam os exercícios e refletem o que os atores
costumam fazer: nós testamos fora da sala de ensaio descobertas em situações
cotidianas. É divertido, e a inclusão dessas pequenas histórias torna o livro mais
divertido.
Não há dúvida de que An Actor’s Work (O Trabalho do Ator) tem uma
leveza de toque que torna o conteúdo simpático, acessível e compreensível.
Somos atraídos para a vida dos personagens de forma vívida e empática,
sobretudo por (not least by) referir-se ao jogador-chave (key player) como
‘Tortsov’, (que significa ‘Criador’), em oposição a ‘o Diretor’, que é a sua
nomenclatura usual em An Actor Prepares (A Preparação do Ator). Em seu
Prefácio, Benedetti também nos alerta para os significados dos nomes dos vários
alunos: Brainy (Inteligente), Fatty (Gordinho), Prettyface (Rostinho Bonito), Big
Mouth (Boca Grande), Youngster (Rapazote), Happy (Feliz), Showy (Pretencioso)
– as nuances do que se perdeu para os que não falam Russo, mas que levantam
um sorriso irônico já que nós agora realmente compreendemos o ponto essencial
das histórias dos alunos ao longo do livro.
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ajustar, dado o já amplo uso de ‘unidades’ e ‘objetivos’ através do globo/em todo o
mundo. Na verdade, eu mesma tenho sentimentos mistos: embora eu tenha usado
‘partículas [de ação]’ (‘Bits’) por cerca de 15 anos, desde o meu próprio
treinamento em Moscou, eu estou bastante ligada a ‘objetivos’ como uma
ferramenta. Embora, admitirei que há vários insights no Capítulo 7, que poderiam
me convencer a derrubar o velho e abraçar o novo ...
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Colocando em poucas palavras...
Dividir uma peça e um papel em partículas [de ação] menores só é permitido como
uma medida provisória. [...] A peça e o papel não podem ser deixados em tal forma
fragmentada por muito tempo. [...] Com as partículas menores estamos lidando
com o trabalho preparatório, mas, quando na atuação, elas são combinadas em
grandes partículas, e garantimos que elas são máximas em tamanho e em número
mínimo. Quanto maior as Partículas, quanto menor o número e mais elas nos
ajudam a compreender a peça e o papel como um todo. (Stanislávski, 2008: 140)
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cena pode ser extremamente complicado se você dividiu-a em muitas partículas.
Então, começar com largas pinceladas é a forma mais acessível de trabalhar, e os
detalhes podem ser definidos conforme os atores se tornam mais e mais
familiarizados com a arquitetura da cena. No entanto, se eu estou trabalhando em
um script a partir da perspectiva da atuação, eu o divido em tantas partículas
quanto eu precisar, a fim de adentrar nos processos de pensamento do
personagem. Então eu observo atentamente cada curva das margens, porque
cada curva será uma nova tática, e cada mudança de tática vai me dar uma visão
clara do modo como o personagem pensa e responde.
‘Tarefas’
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A vida, as pessoas, as circunstâncias, e nós mesmos determinamos infinitamente
uma série de obstáculos, um depois do outro e desbravamos nosso caminho
através deles, como se através de arbustos. Cada um desses obstáculos cria uma
Tarefa e a ação para superá-la.
Um ser humano quer alguma coisa, luta por alguma coisa, ganha alguma coisa a
cada momento de sua vida. [...]
O Teatro consiste na realização de grandes Tarefas humanas e das ações
genuínas/verdadeiras, produtivas e propositivas necessárias para cumpri-las.
Quanto aos resultados, eles cuidam de si mesmos se tudo o que foi feito de
antemão for adequado.
O erro que a maioria dos atores comete é que não pensam na ação, mas no
resultado. Eles ignoram a ação e vão direto para o resultado. O que você
atinge/alcança então é a retaguarda, interpretando o resultado, forçando,
barganhando (stock-in-trade).
Aprenda a não interpretar o resultado no palco, mas a cumprir a Tarefa
genuina/verdadeira, produtiva e adequadamente através da ação o tempo todo que
você estiver atuando. Você deve amar as Tarefas que você tem, encontrar ações
dinâmicas para elas. (Stanislávski, 2008: 143-4)
Há uma parte de mim que quer argumentar que ‘objetivos’ e ‘tarefas’ podem
ser um pouco diferentes uns dos outros e efetivamente podem co-existir. Meu
‘objetivo’ no momento poderia ser: ‘inspirar você, leitor, a amar Stanislávski’.
Assim, minha ‘tarefa’ é: ‘definir o meu argumento tão claramente quanto possível’,
e seguir nesta ‘tarefa’ através de uma série de ‘ações’. Essas ações podem ser:
‘Eu leio a nova tradução, eu a comparo com a tradução original, eu planejo meu
argumento, faço minhas notas, eu ligo o meu computador, eu tenho um novo
cartucho de tinta para minha impressora’, etc. Quem sabe? O que é tão
emocionante sobre a nova tradução de An Actor’s Work (O Trabalho do Ator) –
como continuo a insistir – é que inevitavelmente vai provocar o debate. Se as
subsequentes discussões garantirem que nossos processos de atuação sejam
cada vez mais precisos e aperfeiçoados, isso certamente não é ruim.
Pode ser, contudo, um caso de querer ter o bolo de alguém e comê-lo, e até
mesmo Stanislávski cai nesta armadilha de quando em quando, como revelado no
Capítulo 12: ‘Estímulos psicológicos Internos’ (There can, however, be a case of
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wanting to have one’s cake and eat it, and even Stanislavski falls into just such a
trap from time to time, as revealed in Chapter 12: ‘Inner psychological drives’).
Há alguns anos, esta tem sido uma das minhas ferramentas favoritas no kit
de ferramentas de Stanislávski. Eu a uso eternamente em minha própria prática de
atuação, bem como quando estou apresentando aos alunos o ‘sistema’ psico-
físico de Stanislávski ou ministrando workshops ao estilo ‘M. O. T.’2 com atores
profissionais e diretores. Em An Actor Prepares (A Preparação do Ator), está
mencionado como as ‘forças motrizes internas’ e este é o nome que,
instintivamente, vem aos meus lábios. No entanto, é uma ferramenta em particular
à qual eu vou me esforçar para mudar minha terminologia.
A frase ‘estímulos psicológicos internos’ instantaneamente nos dá um
sentido muito mais claro do que estamos falando. ‘Psicológico’ (ao contrário de
‘interior’) permite-nos saber que estamos lidando com algo que reflete a nossa
personalidade. ‘Estímulos interiores’ (ao contrário de ‘forças motrizes’) nos dá a
sensação definitiva de que há ação envolvida, um tipo de ação interior-exterior que
nos move para escolhas e decisões individuais. Ainda há muito a ser dito para a
expressão ‘forças motrizes’, como a parte ‘motriz’ certamente ecoa a noção de
‘motivação’, a qual é um plus; por outro lado, a palavra ‘forças’ pode sugerir
tensão ou esforço, o que é uma desvantagem. Então, sou totalmente pela
mudança para ‘estímulos psicológicos internos’.
2
My Own Technique (Minha própria técnica)??? (N.T.)
21
três motores nos impulsionando em nossa vida psíquica, três mestres que agem
(play) sobre o instrumento de nossas almas. (Stanislávski, 1937: 247)
O poder dessas forças motrizes é reforçado por sua interação. Elas se apoiam e
incitam uma à outra com o resultado de que sempre atuam ao mesmo tempo, e em
estreita relação. Quando chamamos a nossa mente para a ação, ao mesmo sinal
provocamos nossa vontade e sentimentos. É somente quando estas forças estão
cooperando harmoniosamente que podemos criar livremente. (Stanislávski, 1937:
248)
Sim, eu dei muita ênfase sobre o lado emocional do trabalho criativo, mas o fiz
intencionalmente, já que todas as outras escolas de atuação frequentemente
esquecem a respeito do sentimento. Temos muitos atores intelectuais, e produções
3
Personagem ficcional de James Thurber em ‘A vida secreta de Walter Mitty’. (N. T.)
22
que estão tudo na mente/só na cabeça, enquanto [que o] genuíno/verdeiro teatro
emocional é raramente encontrado. E assim eu sinto que tenho que prestar dupla
atenção ao sentimento, um pouco em detrimento do pensamento/da razão.
(Stanislávski, 2008: 276-7)
Como Benedetti aponta em suas notas finais, esta foi uma tentativa de
Stanislávski para colocar suas ideias em linha com a psicologia soviética. Tortsov
diz:
Ele, então, passa a explicar por que ele fez esses ajustes à sua própria
terminologia. Basicamente, quando contemplamos alguma coisa – um evento,
uma pessoa, um lugar, uma possibilidade – ela aparece na nossa imaginação: tal
imagem é uma ‘representação’ do que quer que estejamos pensando, sonhando,
prevendo para o futuro, ou relembrando do passado. Nossos pensamentos
trabalham em imagens, em ‘representações’.
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O próximo estágio do nosso processo de pensamento intelectual,
racionalizado (mind-led), é que nós avaliamos e fazemos julgamentos sobre o que
quer que estejamos imaginando. Fazemos uma ‘avaliação’. Stanislávski sugere
que é só depois de havermos conjurado a ‘representação’ e feito uma ‘avaliação’
de como é que os nossos sentimentos e desejos nos impulsiona para a ação. Ele
argumenta que os sentimentos e a vontade (desejos/ação) estão tão estreitamente
interconectados que seria difícil diferenciá-los. Estes dois ‘impulsos psicológicos
internos’ se unem num esforço comum:
Tentem dividi-los. Tentem, no seu tempo livre, pensar nos casos quando vontade e
sentimento estão separados, trace a linha [divisória] entre eles, me mostre onde
um termina e o outro começa. Não acho que vocês sejam capazes [disso] [...] É
por isso que os mais recentes termos científicos foram unidos em uma palavra –
vontade-sentimento.’ (Stanislávski, 2008: 278-9).
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‘Aqueles de nós que trabalhamos no teatro reconhecemos a verdade deste novo
termo, e pressupomos aplicações práticas no futuro, mas não somos capazes de
usá-lo totalmente no momento. Isso precisa de tempo. Vamos usá-lo apenas
parcialmente, na medida em que tenhamos visto na prática, e para o resto, para o
momento, [vamos] nos contentar com os velhos/antigos, bem experimentados
termos.
Não vejo outra saída de nossa situação para o presente. Então/Assim (So), sou
obrigado a usar ambos os conjuntos de termos para os estímulos psicológicos
internos, o velho/antigo e o novo, dependendo de qual pareça mais fácil de
dominar, em cada caso individual. Se eu achar mais conveniente a qualquer
momento fazer uso do termo antigo, ou seja, não dividir as funções da
mente/razão, sem fundir vontade e sentimento, eu o farei (Stanislávski, 2008: 279).
E assim farei! Esta pequena seção nos lembra do valor destas novas
traduções: elas não estão só nos dando novos termos e passagens expandidas
anteriormente obscurecidas nas primeiras traduções, mas elas também servem
como tomos históricos úteis, nos dando uma percepção sobre a situação de
Stanislávski e sua penetração/sondagem/incursão (fathoming) fora dos processos
de atuação durante períodos sociopolíticos particulares.
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esboço de ‘comunicação’ fornecido no Glossário de Termos, em que ‘obschchenie’
é descrito como: ‘O ato de estar em contato com um objeto ou em comunicação
com outra pessoa, verbal ou não-verbalmente’. (Stanislávski, 2008: 683) A
referência ‘objeto’ e a referência ‘não-verbal’ são particularmente importantes para
se apegar: não estamos falando de telefones celulares e Skype e satélites,
estamos falando de uma troca de energias que pode se desenvolver
poderosamente tanto entre um ator e um objeto inanimado, como entre dois seres
humanos viventes. Ou, como coloca Stanislávski:
Breves momentos de estar em comunicação são criados por coisas as quais você
dá algo de si mesmo, ou a partir das quais você toma/pega/recebe (take) alguma
coisa. (Stanislávski, 2008: 231)
Quantos de nós insistimos com nossos carros para dar a partida numa
manhã fria de inverno? Quantos de nós gritamos com nossos computadores
quando eles falham no meio de uma operação? Quanto de nosso tesouro é o
romance favorito ou beber ‘daquela’ caneca de café? Momentos como estes são
tão ‘momentos de estar em comunicação’, como qualquer diálogo com outra
pessoa – às vezes mais...
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fato, entram em contato um com o outro. O centro cerebral afigura-se como sendo
a sede da consciência e o centro nervoso do plexo solar – a sede da emoção. A
sensação era que meu cérebro praticava relações sexuais com os meus
sentimentos/sentidos. Fiquei muito satisfeito porque eu tinha encontrado o sujeito e
o objeto os quais eu estava procurando. A partir desse momento fiz a descoberta
de que eu era capaz de me comunicar comigo mesmo no palco, seja audívelmente
ou em silêncio, e com perfeito domínio de si.
Não tenho nenhum desejo de provar se realmente Prana existe ou não. Minhas
sensações podem ser puramente individuais para mim, a coisa toda pode ser fruto
da minha imaginação. Isso tudo não tem nenhuma consequência, desde que eu
possa fazer uso disso para os meus propósitos e isso me ajude. Se o meu método
prático e não-científico puder ser de utilidade para você, tanto melhor. Se não, eu
não devo insistir’. (Stanislávski, 1937: 198-9).
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O Prefácio de Benedetti explica isso claramente: o que estamos tratando
aqui é com a edição Soviética, não a versão [Norte] Americana de Hapgood.
Como escreve Benedetti:
As razões por trás disto são desenvolvidas por Anatoly Smeliansky em seu
Posfácio, no qual ele menciona sobre os vários comunicados entre Stanislávski e
sua editora russa, Lyubov Gurievich. Gurievich salienta que o gosto e o estado de
ânimo dos russos no momento não poderiam estar mais longe daqueles da
sociedade estrangeira. Na verdade, o próprio Stanislávski reconheceu que:
Para mim, o maior perigo do livro é ‘a criação da vida do espírito humano’ (você
não está autorizado a falar sobre o espírito). Outro perigo: o subconsciente,
transmissão e recepção, a palavra alma. Não seria isso um motivo para banir o
livro? (Stanislávski, 2008: 698). (Grifo no original)
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‘Aperto/Controle/Agarrar com Firmeza’ (‘Grip’) é uma ferramenta escondida no
Capítulo 10 sobre ‘Comunicação’, descrita assim por Stanislávski:
[S]e você usa uma longa linha de vivências/experiências e sentimentos que estão
numa sequência lógica e estão interligados, então a ligação será reforçada, irá
crescer e, finalmente, desenvolver o grau de força que chamamos de punhos de
ferro (iron grip) e que torna o processo de emissão e recepção dos raios [de
energia] mais forte, mais nítido e mais concreto.
‘Que tipo de punhos de ferro são esses?’ perguntaram os alunos com interesse.
‘Do tipo que um bulldog tem em seus dentes’, explicou Tortsov. ‘E devemos ter
punhos de ferro no palco, nos olhos, nos ouvidos, em todos os cinco sentidos.
(Stanislávski, 2008: 251) (Grifo meu)
Ter alguém em ‘em seus punhos’ é uma imagem tangível, exequível, a ideia
é que se você e seu parceiro ator podem realmente ter um ao outro ‘cada um nos
punhos do outro’ – se vocês podem realmente ouvir e responder uns aos outros
de forma dinâmica e atentamente – o público será atraído pela sua comunicação e
magnetizado para a ação no palco.
‘Punhos de ferro’ (‘Iron grip’) parece um pouco tenso para mim: ‘agrilhoar
alguma coisa’ carrega em si a sugestão de falta de flexibilidade, e ‘ferro’ parece
um tanto frio e como que máquina/mecânico (and machine-like). De acordo com o
dicionário, a palavra russa khvatka poderia ser traduzida como ‘aperto’ (‘grip’) ou
‘domínio’ (‘grasp’): eu prefiro ‘domínio’ (‘grasp’). Tudo isso vai mostrar mais uma
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vez que as duas traduções irão provocar discussão, e a discussão é boa, uma vez
que estimula a precisão.
Apêndices
E finalmente...
Bibliografia
Mamet, D., True or False: Heresy and Common Sense for the Actor (Verdadeiro
ou Falso: Heresia e Senso Comum para o Ator), London: Faber and Faber, 1998.
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