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“Entre microscópios, teorias e pacientes”: A produção científica dos médicos sergipanos

como objeto para a história da saúde (1841-1898).


Bárbara Barbosa dos Santos

Esta é primeira parte do nosso artigo que busca lançar luz sobre a produção científica dos
médicos sergipanos, no âmbito das faculdades de medicina da Bahia e Rio de Janeiro no
século XIX. A partir das teses médicas defendidas por estes sujeitos, para a obtenção de título
de médicos, faremos um panorama dos assuntos das monografias e as metodologias
aplicadas. Para além disto apresentamos com estes textos, possibilidades para novas
pesquisas no campo da história da saúde e medicina em Sergipe.
Tabela 1
Nome Ano Título da tese/ Proposições
José Cupertino de Oliveira Sampaio 1841 As idades em geral, a velhice do homem em particular
Sabino Olegário Ludgero Pinho 1845 Considerações acerca da música, e suas influencias sobre o
organismo
João Francisco d’ Almeida 1846 A alienação mental
José Sesinando Avelino Pinho 1849 Ensaio sobre a topografia histórica, física e médica da cidade
de Penedo
Euzebio Benjamin D’Araujo Goes 1857 O ovulo/ Erisipela
Fiel José de Carvalho e Oliveira 1851 Do éter sulfúrico
Jesuíno Pacheco d’ Avila 1854 Sobre o Contagio / Ensino médico
José Lourenço de Magalhães 1856 Pode a mulher conceber sem ter sido menstruada? / A
syphilisação preservará das moléstias syphiliticas? Nas
queimaduras, quais são os acidentes mais graves a que está
exposto o doente? Como reconhecer que o cadáver que se nos
apresenta pertence a um indivíduo que morreu afogado?
Antônio Garcia Rosa 1870 Clorose/ Qual o melhor tratamento para tísica pulmonar?
Acidentes produzidos pelo raio/ Pode-se considerar herdeiro
legítimo o filho de uma viúva nascido 10 meses depois da
morte do marido?
Francisco Dias Cezar 1871 Queimaduras /Hemorragias traumáticas / Da febre amarela e
seu tratamento/ Vinhos medicinais
João das Chagas Rosa 1872 Diagnostico diferencial entre o cancro do estomago, A úlcera
redonda e catarro crônico no mesmo órgão / Tinturas
alcoólicas / Feridas por arma de fogo / Albuminuria
Manuel Dantas 1873 Do Emprego das Emissões sanguíneas na pneumonia/ Teoria
da osteogenia da regeneração do osso/ Das observações
termométricas ao estudo da tisica pulmonar/ Como
reconhecer que houve aborto em um caso médico legal.
Sizínio Ribeiro Pontes 1880 Gangrena, sua etiologia e variedades/ Apreciação dos
processos empregados na cura dos estreitamentos da uretra/
Qual a ação do Sulfato de quinina nas febres intermitentes,
suicídio em suas relações médico-legais
Alypio Cardoso de Meneses Barreto 1882 Eletroterapia/ Qual o valor ou a importância da glicerina
como excipiente dos preparos de uso externo? /
Considerações sobre os curativos após operações / Jaborandi
e sua história natural/ Ação fisiológica e Efeitos terapêuticos.
Antônio Militão de Bragança 1883 Paralisias Consecutivas às Moléstias Agudas / Do Beribéri,
sua etiologia, patogenia e tratamento/ Considerações sobre o
abortamento/ Morte súbita e sinais de morte
João Candido Lima 1883 Tumores fibrosos do útero/ Disenteria, feridas por arma de
fogo e seu tratamento/ Qual é o processo mais vantajoso para
a dissecção dos vegetais destinados aos usos farmacêuticos?
Oscar de Noronha 1883 Fistulas lacrimais e seu tratamento/ Que opinião deve emitir
o médico sobre os atos criminosos de um sonambulo? /
Considerações acerca da eclampsia e seu tratamento,
diagnostico diferencial entre as febres intermitentes legitimas
Manuel José do Bomfim 1880 Das Nefrites
Narciso da Silva Marques 1890 Estudo da carne como alimento: Moléstias produzidas e
propagadas pela carne/Águas potáveis
João Dantas de Magalhães 1892 Da desinfecção/ Das febres complicadas do elemento tisico/
Termometria , estreitamento da uretra e sanguinação
Guilherme Pereira Rabelo 1878 Sono, Ataxia locomotriz progressiva, exumação jurídicas
José Hermegildo Pereira Guimarães 1880 Do tratamento das feridas cirurgias e acidente / Tátano/
Atmosfera
Candido da Costa Pinto 1880 Da operação cesariana/ Considerações acerca do porto
prematuro artificial , Thermometrica clinica, Experimentação
physicologicaem taxicologia
Gonçalo de Faro Rollemberg 1881 Da icterícia
Antonio do Rego Travassos 1882 Da influência do curativo de lister nas septcemias cirúrgicas /
Dos alcaloides cadavéricos ou ptomainas de Gelmi/ Do
coração / Vias de absorção dos medicamentos
Antônio Freire de Mattos Barretos Conjuntivite purulenta do recém nascido / Atropina/
Hemorragias puerperias/ Hipoemia intertropical
Alexandre de Oliveira Freira 1883 Hidrotherapia / Hugrometria / Considerações sobre o aborto/
Hypoemia intertropical
Francisco de Paula Freire 1885 Lesões cardíacas oricovalvulares/ Microscopio e seus usos /
Que opinião deve emitir o médico sobre os actos criminosos
de um sonambulo ? Do aparelho urinário / Estrutura de
desenvolvimento do ovário e dos óvulos
Denetério Hercules da Silveira 1885 Retenção da urina e meios de remediar/ Anatomia do aparelho
urinário / Considerações acerca do abortamento / Microscópio
e seus usos
Enéias Ferreira 1888 Do tratamento cirúrgico da tuberculose/ Electrolyse e susas
aplicações a medicina / Estudo medico –quimico do ácido
carbônico / Estudo anatômico dos rins / Sono , sonho e
sonambulismo / Tetanos traumáticos e sua patogenia / Os
micróbios e as moléstias contagiosas/ hipnotismo e o livre
arbítrio
José Nunes Sobral 1888 Fenômenos nervosos do diabetes/ O útero e seus vícios de
conformação / Herança patogênica / Rachitismo/ Das
loucuras impulsivas sob ponto de vista médico legal
José Vieira Leite 1889 Apreciação dos métodos operatórios gerais adaptados na
operação casariana / Teoria geral dos laringoscópios/
Parasitas animais/ Dos testículos e suas anomalias /
Degeneração secundaria da medula / Estudo Clinico da lepra
Domingos Portella Lima 1889 Febre biliosa Palustre/ Microscopio / Estudo do crânio / Sono
, sonho , sonambulismo e delírio / Embriaguez e alcoolismo/
Oclusão intestinal
João Baptista Barros Pimentel Filho 1898 Psicoterapia
Fabricio Carneiro Tupinambá Vampré 1881 Anestésicos/ Do ópio/ Tétano
1. Para além da teoria, teses médicas e seus detalhes

O século XIX marca a institucionalização da medicina no Brasil, com a consolidação


das faculdades de medicina da Bahia e Rio de Janeiro. Estas instituições receberam ao longo
do oitocentos, alunos de várias províncias do império, inclusive de Sergipe. Como um dos
requisitos para a obtenção do título de doutor, e a permissão para exercer a clínica, estes
sujeitos deveriam escrever e submeter uma tese de doutoramento a avaliações, de bancas
formadas por professores da mesma faculdade.

Estes trabalhos monográficos versam sobre os mais variados temas estudados durante
todo o curso. Nos anos do curso de medicina, o aluno conhecia os assuntos relacionados as
cadeiras de obstetrícia, farmácia, clinica, psiquiatria, cirurgia, botânica entre outras. Dentre
estes campos da medicina, o formando deveria escolher um tema para dedicar sua tese.

Tais escritos para a historiografia na atualidade, representa um importante conjunto


documental, pois caracterizam –se como fontes históricas, do pensamento médico e vestígio
da produção científica brasileira. De modo que, na confluência da história da saúde e das
ideias, é possível examinar as teses médicas no sentido de se perceber quais os principais
temas, quais condicionantes sociais repercutiam nas temáticas tratadas, quais elementos
sociais estavam na mira dos estudos feitos pelos formandos, além disso, a estrutura dos
documentos, como as teses são montadas, os tecidos sociais que são expostos nos
agradecimentos, a imagética presente na grafia das teses, e detalhes do cotidiano denunciados
nas dedicatórias.

É neste sentido que envereda este texto, no exame destes pontos interpretativos,
referente as teses produzidas por médicos sergipanos durante o século XIX. O material
utilizado para a confecção deste estudo é formado pelas teses médicas digitalizadas e
disponibilizadas na Biblioteca Virtual em Saúde1, Teses do acervo da Biblioteca Nacional
que ainda não foram digitalizadas, e teses médicas do acervo da Biblioteca Pública Epifânio
Dórea, que passaram por um processo de digitalização, mas não foram publicadas, de modo
que utilizamos o que foi possível coletar em consulta local. Escolhemos inicialmente as

1
A sistematização de informações sobre as teses médicas brasileiras do século XIX disponíveis no site foi
realizada pelo Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde (Depes) da COC.
produções dos anos de 1840 a 18912, somando assim trinta e cinco teses, conforme a tabela
1 que serão expostas em três artigos, sendo este o primeiro, visto a extensa lista de assuntos
desenvolvidos pelos médicos sergipanos. O que se configura neste conjunto de documentos
que são as teses médicas, é a produção científica dos médicos sergipanos, temática fecunda
para se compreender a história da saúde de Sergipe, com seus sujeitos e experiências na
prática de curar, caminho ainda pouco explorado na historiografia referente a este território.

Antes de analisar os assuntos tratados nas teses, que é o objetivo central deste artigo,
se faz necessário dar relevo, a outros elementos das teses que enriquecera nossas visões, em
torno do valor social que estes escritos carregaram quando publicados. Em todas as teses
médicas examinadas, percebemos um padrão: capa com o nome da faculdade, o nome do
formando, sua naturalidade, filiação e ano da defesa. Na sequência, os agradecimentos onde
o autor elencava os indivíduos de sua família, pai mãe ou irmão, padrinhos, tios, avós e
pessoas do tecido social, como presidentes de província, comerciantes, e detentores de títulos
nobiliárquicos, como barões por exemplo. Em sua tese de doutoramento Antônio Garcia
Rosa3, em 1870, cita a memória de seus avós e amigos dos pais, conforme a imagem abaixo.

2
Posteriormente publicaremos outro artigo referente a outras teses de médicos sergipanos defendidas do século
XIX e XX.
3
ROSA, Antônio Garcia. Clorose. Faculdade de medicina da Bahia. 1870.
FIGURA 1- TESE 1870 DE GARCIA
ROSA

Isto demonstra como a tese carregava um valor simbólico no meio social a que estes
sujeitos estavam imersos. Em 1871 Francisco Cezar4, dedica grande espaço nas páginas de
agradecimento a seu pai, Barão de Itaporanga. Neste caso o barão é seu pai, mas, estes
sujeitos também aparecem em agradecimento nas teses médicas por terem custeado o curso
de formandos que tinham baixo poder aquisitivo, os apadrinhamentos não eram raros, neste
sentido, os agradecimentos podem ser tomados como objeto, para futuras pesquisas, na busca
por mapear o tecido social dos médicos sergipanos, identificando quais sujeitos parecem
nessas sessões das teses, como familiares e financiadores de curso.

4
CEZAR. Francisco Dias. Queimaduras. Faculdade de medicina da Bahia. 1871 .p.5.
FIGURA 2-TESE 1871 FRANCISCO CEZAR DIAS

As dedicatórias também oferecem pistas sobre a circulação dos escritos, estas aparecem
escritas a próprio punho pelos autores, que doam a pessoas ou instituições, na maioria das
vezes com a data da doação. Estas constituem uma fonte histórica em si, pois revelam como
essas teses percorriam os meios sociais. Embora este artigo seja dedicado a produção de
médicos sergipanos, ao analisar o acervo de teses médicas da BPED5, percebemos uma
grande quantidade, de teses de médicos, das mais variadas províncias do império, uma vez
que os sergipanos mudam-se para as cidade da Bahia e Rio de Janeiro para estudar, acaba
por conhecer estudantes de outas regiões, que ao final do curso compartilham suas produções
como símbolo de amizade, isto explica a grande quantidade de teses de médicos, que não são
sergipanos na BPED, e atesta que estes escritos circulavam por todo o império. Nas imagens
abaixo mostramos exemplos destas dedicatórias, que podem ser exploradas no sentido de se
mapear quais as pessoas e instituições que recebem estas teses e qual a relação destas com os
autores. Das teses analisadas para este artigo 5 contem dedicatórias

5
Biblioteca Pública Epifânio Dórea
6

6
Dedicatória na tese de Francisco Cezar Dias “Ao excelentíssimo Senhor Dr. Antônio Garcia Rosa e a sua
família como prova de muita estima e lembrança. O autor”. CEZAR. Francisco Dias. Queimaduras. Faculdade
de medicina da Bahia. 1871. Acervo teses médicas da Biblioteca Pública Epifânio Dórea.
7

7
“Ao sympatico patrício o Dr. Francisco de Paula Freire em signal de amizade e lembrança offereco. O autor”
Dedicatória presente na tese médica de Aprígio Andrade. ANDRADE. Aprígio Antero da Costa. Hemorrahagias
puerperaes. Faculdade de medicina da Bahia. 1880. Acervo teses médicas da Biblioteca Pública Epifânio Dórea.
8
Ao senhor Tenente Coronel João Vieira, pequena, mas sincera prova da minha amizade e muito respeito. O
autor. Dedicatória presente na tese médica do Sergipano de Estância Jose Lourenço Magalhaes consultada na
Biblioteca Nacional. MAGALHAES. José Lourenço. Pode a mulher conceber sem ter sido menstruada?
Faculdade de Medicina da Bahia. 1851. BN-OR-II-190,4,609.
A imagética das teses pode ser explorada na perspectiva da história, na análise dos elementos
e seus significados, nos trabalhos monográficos apresentados pelos formando sergipanos.
Percebemos uma infinidade de representações gráficas que oferece a possibilidade se
examinar o contexto social e científico dos autores, como por exemplo a representação da
morte muito frequente e a presença de representações da cultura grega, o que evidência o
efeito do iluminismo, o que se configura é que carece de maiores investigações, nas quais a
teses apresentadas neste texto permite um aprofundamento relativo as ideias da classe médica
sergipana.

9
Imagem com a representação da morte na tese de Garcia Rosa de 1870. ROSA, 1970, P.5
10

10
Imagem presente na tese médica do sergipano Fiel Jose de Carvalho e Oliveira. OLIVEIRA. Fiel Jose de
Carvalho. Do éter sulfúrico. Faculdade de Medicina da Bahia. 1851. Digitalizada e disponível na Biblioteca
virtual em Saúde.
2. Teses médicas e seus temas, caminhos a seres explorados

2.1 Parte I- década de 40 e 50

José Cupertino de Oliveira, natural da Cotinguiba, conforme salienta na capa de sua


tese, que defendeu em 1841 no Rio de Janeiro11. Explica no prólogo de seu trabalho
monográfico, que na obrigatoriedade de escrever um estudo, entre as matérias estudadas no
curso, escolhe como temática as mudanças do homem, desde o seu nascimento até a morte,
mas como trata-se de um assunto extenso, se concentrou em dar nota sobre as idades em geral
e a velhice do homem em particular.

O autor inicia o texto com reflexões em torno da relatividade dos efeitos da idade, não
se manifestando de maneira análoga, em todos os indivíduos. No entanto o conhecimento de
todas as metamorfoses por que passa o homem nas suas diferentes idades é de reconhecida
necessidade para o médico. “Pois não há huma só funcção na economia12 , que não apresente
notável modificação, quando o apparelho que a executa tem na soffrido". O fator idade no
olhar do formando sergipano, repercutia em mudanças físicas e morais na humanidade.

E o médico deveria estar atento a isto, para estabelecer a terapêutica adequada, sendo
assim, explicando a importância das fases da vida para a clínica, o autor se compromete a
explicar como se dá cada etapa da existência humana. Antes, é dada nota sobre a teoria dos
antigos climatéricos, que seguiam ideia de que, a vida humana perfazia ciclos setênios, isto
é, a cada 7 anos de existência, o corpo passa por mudanças que repercutem em sua saúde.
Sobre esta ideia o autor assevera que não se pode ignorá-la por completo, uma vez que, é nos
sete primeiros meses, que nasce primeira dentição, é nos sete primeiros anos, que nasce a
segunda dentição, nos quatorze, que os órgãos genitais acordam de uma espécie de torpor, e
nos vinte e um, que aparecem os dentes do sizo e termina o crescimento em altura.

Na primeira parte relativa as idades em geral, o autor cita as três formas que os
fisiologistas no seu tempo classificavam as idades. A primeira feita a partir da unidade do
tempo (infância, mocidade, idade adulta e velhice), a segunda forma fundada na relação,
entre o movimento de composição, e decomposição na função da nutrição (idade de

11
Sampaio. José Cupertino de Oliveira. As idades em geral e a velhice do homem em particular. Faculdade de
medicina do Rio de Janeiro, 1841. 48p.
12
Acreditamos que o termo “economia” pode ser entendido como organismo.
crescimento, idade estacionaria, idade de retorno). Para o autor estas duas formas são
arbitrarias e imprecisas, sendo a terceira forma, relativa ao desenvolvimento dos órgãos
sexuais e ao exercício de suas funções, a que menos deixa a desejar, embora tenha o
inconveniente de não abranger as principais modificações do organismo. Esta terceira13
forma foi proposta por Jean Noel Hallé e teve importante aceitação nos oitocentos, isto nos
deixa entrever, que a produção do médico sergipanos estava correlacionada ao que se discutia
na Europa.

Este método divide a vida do homem em cinco fases a primeira infância, segunda
infância, puberdade, virilidade e velhice. Em torno das fases do corpo da mulher o autor
sergipano adota as ideias de Buffon, de que o elemento feminino apresenta diferenças no
processo de desenvolvimento, e envereda por centralizar seus argumentos no evento da
menstruação, este marcaria a diferença entre homens e mulheres. É importante salientar o
alinhamento das ideias do sergipano, com o que se preconizava nos meios acadêmicos sobre
o gênero, a relação entre o que estava estabelecido pela natureza e o que poderia ser
modificado pela cultura e hábitos, permeava o pensamento médico no oitocentos. Quando
apresenta que as mulheres nos meios urbanos, que sofrem a influência de excitações como
músicas de piano, bailes, espetáculos e leituras de romances, acabam por menstruar mais
depressa em contraste com as mulheres do campo que gozariam por mais tempo de suas
inocências por estarem isentas de excitantes do sistema nervoso14.

A segunda parte da tese dedicada a velhice no homem, o autor persegue o objetivo de


explicar os motivos para o corpo envelhecer, para tanto cita o autor italiano Wali, mas reprova
suas ideias de que o envelhecimento estaria associado aos fenômenos químicos de acumulo
de fosfato no organismo, e o meio de retardar a velhice, seria o não consumo carne vermelha.
Oliveira argumenta que percebe homens nos sertões que consomem toda sorte de carnes, e
apresentam disposição, alcançando idades de oitenta e noventa anos. Para o autor, é na
função da nutrição que se deve procurar os motivos para a velhice, no entanto mostra um
impasse para se mostrar efetivamente o fenômeno de envelhecer “ não é muito que também

13
Jean-Noël Hallé foi professor da Faculdade de Medicina de Paris e, em 1787, elaborou uma classificação das
idades que teve bastante aceitação durante várias décadas.
14
Sobre o pensamento médico e o gênero ver ROHDEN, Fabíola. A construção da diferença sexual na
medicina. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, supl. 2, p. S201-S212, 2003.
fiquemos na ignorância do que determina imediatamente a velhice, pois são coisas que se
passam no interior dos órgãos, onde não podem chegar os nossos sentidos, nem os meios de
investigação do nosso alcance”. Na impossibilidade de se explicar o que leva a velhice dos
corpos, antes de explicar como o estado dos tecidos no corpo quando na velhice, o autor
sergipano cita a obra poética Marilia de Dirceo, de Tomás Antônio Gonzaga e Voltaire para
descrever aspectos físicos e morais da velhice respectivamente. A citação destes autores nos
deixa entrever também, quais as leituras eram feitas, pelo sujeito analisado, pois expressa
suas visões de mundo. Sobre o fenômeno da velhice no homem é citado as mudanças nos
cinco sentidos, nas articulações, músculos e piora nos funcionamentos dos órgãos, como
também a diminuição das horas de sono, e memória. A tese é finalizada com ponderações
em torno da Gerocomia , a partir da qual é citada instruções de como deveria ser a habitação,
alimentação, o sono, o vestuário e a assepsia das pessoas idosas.

Sabino Olegário Ludgero Pinho, defendeu sua tese em 1845, com o título “
Considerações acerca da, música, e suas influencias sobre o organismo”. O estudo é
apresentado sinalizando a importância da música como elemento da linguagem, que nasce
junto ao homem, que ao longo da trajetória humana a voz foi associada aos instrumentos
formando as melodias e as produções musicais, afim de atestar esta ideia o autor apresenta a
musicalidade presente na história de vários povos antigos como Caldeus, gregos, romanos,
bárbaro e egípcios. Mas reserva ao povo italiano a façanha de organizar as regras da música
e seus instrumentos, dando as rédeas da música moderna. A partir disto dedica-se em apontar
a música na Europa, caracterizada por ele como mais harmoniosa, suave, incentivada pelas
autoridades e fruto da civilização, bons hábitos e clima favorável. Fica bastante evidente a
percepção do autor de que as produções culturais ligadas à musica estava diretamente
associada aos fatores naturais e o grão de civilização dos povos, quando assevera

“ A medida que formos observando o espirito da música nos


paizes existentes debaixo do equador, e seguindo os dos trópicos
até os polos , cada vez mais nos iremos convencendo das
influencias dos climas sobre ela, e veremos quantos os signaes
característicos desses climas, dos costumes se desenhão
exatactamente sua musica”15

15
PINHO. Sabino Olegário Ludgero. Considerações acerca da música, e suas influências sobre o organismo.
Faculdade de medicina da Bahia. 1845. Digitalizada e disponível na biblioteca virtual em saúde.
Sobre a música no Brasil, o autor cita que esta, presente nas várias regiões do império,
sendo as cidades mais urbanizadas, dotadas de produções mais adiantas, contando com
teatros e orquestras. Para ele poderia até certo ponto, se avaliar o grão de civilização dos
povos do Brasil e ainda de todo o mundo pelo grão de adiantamento, e esplendor de sua
música e vice-versa, ao passo que compara as produções brasileira com as europeias, em
especial a italiana, mais assevera que o brasileiro tem predisposição para se igualar aos
europeus na magnificência musical. Por seu turno, o autor sergipano pondera sobre o
processo de independência do Brasil em relação a Portugal, que no momento em que escreve,
contavam vinte e três anos de país independente, mas ainda faltava incentivos à produção
artística e lança seu protesto

“ Os homens do governo pouco ou nada nos tem favorecido e muito


particularmente nas belas artes as quaes tem recebido incremento a
muito custo de nossa parte, e isto irá talvez assim, em quanto na
parlamentar brasileira hum legislador disser em tons de mofa: O
museo he huma casa que conserva quatro passarinhos recheados de
algodão, sem receber hum severo desprezo da parte do povo em
castigo de sua ousadia” p.22

O se configura no ponto de vista do médico sergipano é a sua preocupação com o incentivo


do estado para a formação de novos músicos, embora tenham uma visão eurocêntrica, de
privilegiar a música europeia, acreditava que era possível desenvolver a arte no Brasil.

“ Basta a proteção do governo para encontrar-se no Novo Mundo


hum Cimarose, hum Paesiello, hum Morzart , hum Rossini ou um
Donazetti”.

Ao falar sobre a resistência dos músicos brasileiros em aperfeiçoar a arte, o autor cita
Damião Barbosa, que considera o melhor compositor da Bahia. Na sequência aponta para o
que estava em voga no cenário musical do momento que escreve, a modinha. Mas redargui
o leitor, E qual será o caráter da música brasileira? Discordando com autores
contemporâneos, que aponta o lundu como ritmo original brasileiro, Sabino argumenta

“Mas nem o lundu he imitado dos negros, que d’ Africa infelizmente


nos vêm e sim dos índios. A observação nos mostra que o caracter
da música brasileira he uma melodia apaixonada e expressiva,
voluptuosa, nobre e quando for ella mais favorecida, quando a
possuirmos rica em todos os gêneros, nossa música deve de ser
extraordinária beleza, segundo prevejo. Tera a melodia da italiana, a
harmonia da Aleman e a vivacidade da franceza, resumira por tanto
o que nesta existe de melhor” p.25
Ao descrever as produções musicais nas províncias do império, destacando o
adiantamento da província do Rio de Janeiro, por contar com a côrte, a presença de artistas
italianos e o clima favorável. Na província de Sergipe em especial diz “a música faz as
delicias do povo. Os artistas, de volta de suas constantes lidas entregão-se cheios de prazer à
este honesto divertimento, o gosto he muito espalhado e para a Bahia tem vindo alguns
músicos que achando estreita a atmosfera da nossa província vem aqui resfolgar, e
desenvolve seu talento, bem como o Sr. Capistrano que actualmente dirige a orchestra do
theatro público”

No capítulo dedicado a influência da música sobre o organismo, o autor descreve


experiências de sujeitos, que observou atestando os fenômenos emocionais que a música
provoca nos indivíduos, neste sentido cita os casos de três mulheres, que apresentaram
mudanças em seus estados emocionais, indo adiante o autor salienta que a música provoca
também efeitos físicos, quando associada a dança. E conclui que

“De todas estas considerações se conclui, que a musica


offerecendo ao espirito huma distração agradável , e determinando
no corpo modificações sensíveis , concorre para a conservação da
saúde , preservando das paixões fortes , e de muitas outras
enfermidades, que afligem a espécie humana , e que explicada
como agente therapeutica pode curar moléstias que por outro modo
serião inconcussas”. P.50

Curiosamente, o autor finaliza a tese esclarecendo a necessidade de os médicos, usuários


da música como terapêutica, estabelecessem métodos, quais músicas e gêneros deveriam ser
aplicados a cada caso especifico, para precaver- se diante das ameaças do charlatanismo, i
assevera que a homeopatia estava combatendo a medicina hipocrática, então era urgente
demarcar com precisão o lugar o médico16 nessa pratica alternativa. Dois anos mais tarde
após padecer de grave enfermidade, e ser curado com meios homeopáticos, Ludgero Pinho
torna-se um dos mais atuantes homeopatas brasileiros, escrevendo nos principais periódicos
dedicados a homeopatia no século XIX, trajetória que ainda carece de maiores investigações
históricas que com certeza trará novas descobertas para a história da saúde de Sergipe e do
Brasil.

16
Ver LUZ, Madel Therezinha. A arte de curar e a ciência das doenças: história social da homeopatia no Brasil.
Tese (Concurso de Professor Titular - Disciplina Saúde e Sociedade) - Departamento de Planejamento e
Instituições de Saúde, Instituto de Medicina Social, UE RJ. Rio de Janeiro: s.n., s.d. (BCOC).
Fiel Jose Carvalho De Oliveira, sergipano de Estância, defendeu sua tese em 1851,
sobre as potencialidades do éter sulfúrico e do clorofórmio para a inibição da dor, como
também seus usos terapêuticos no combate a algumas doenças. O autor inicia o texto
rememorando o ano do descobrimento do éter 1544, até a sua utilização como anestesia a
princípio pelos dentistas, e depois em operações mais complexas. Segundo o médico
sergipano é o sistema nervoso, particularmente afetado quando se utiliza o éter, a partir disto,
faz um panorama de como a substancia anestésica, agiria nas faculdades intelectuais, pulso,
respiração e sistema muscular. Quanto ao uso em crianças o formando assevera:

“Os fatos provam que nem a idade a mais tenra , em a idade a mais avançada não contra
indicam o emprego das inalações ethereas como meio preventivo da dor”

O autor dedica um tópico para tratar especialmente sobre o uso da éter para anestesiar as
mulheres, sobre isto ele fala que o elemento feminino em geral são “etherisadas” mais
facilmente que os homens, sendo assim o método é perfeitamente indicado, mas faz algumas
sugestões, como evitar o período menstrual por exemplo

“tendo em razão da perturbação que a etherisação poderia trazer em sua continuação


, como por causa da operação mesma , que he contra indicada n’este estado”

Mas no período gestacional como na lactação o médico assevera também que a inalação de
éter é compatível com a saúde, que não modifica o caráter do fenômeno etéreo.

A segunda parte da tese é dedicada aos efeitos e potencialidades do clorofórmio, neste


sentido o formando sergipano remonta ao 1847 quando M. Simpon apresentou as
possibilidades de tal substância, na substituição do éter em cirurgias, por fornecer efeitos
mais brandos. Neste momento do texto, o autor revela que entende a química como aliada no
progresso da medicina, que em especial a arte da cirurgia tem absorvido os proveitos destas
descobertas, das inalações anestésicas, pois para ele o elemento dor, é um obstáculo , um
perigo e um objeto de terror, que estava desaparecendo na medicina operatória. Do ponto de
vista historiográfico este olhar do médico sergipano deixa entrever a recepção do
desenvolvimento da química entre a classe médica, e aponta para a evolução da medicina no
âmbito das cirurgias. Um exemplo isto é o entendimento que o médico sergipano lança no
texto, que um dos benefícios da anestesia é a diminuição dos acidentes após procedimentos
cirúrgicos, por que ele entende que, se não existisse a dor, não haveria inflamação e por
conseguinte complicações a saúde do paciente operado.

Quanto a aplicação do éter e clorofórmio no parto, o formando aponta que estas


substancias poderiam prestar grandes serviços a arte obstetrícia, sobre tudo nos casos de
utilização do fórceps. E ainda nos mostra suas impressões sobre o futuro da medicina em
função do uso de anestésicos em partos

“He de crer que d’aqui a alguns anos a anulação artificial da dor , torna-se-há de huma
pratica tão universal nos partos , que a dor será olhada com exceção em lugar de regra”

A tese é finalizada com a análise do autor, quanto a aplicação do clorofórmio, como


terapêutica no tratamento de doenças, como a astema espasmódica, delírios, histerias,
convulsões, epilepsias e tétano. Esta tese nos oferece caminhos para analises no âmbito da
história das ciências e saúde, quanto a evolução dos métodos anestésicos, como também no
sentindo de mostrar que estes trabalhos monográficos, não eram produzidos com a partir da
prática efetiva, pois o autor utiliza como exemplo, as experiências de outros médicos
estrangeiros para caracterizar os efeitos das substancias, e justifica tal quadro “ Reunir os
resultados das observações dos outros huma vez que não próprias”.

Jesuino Pacheco d’Avila, defendeu sua tese em 1854, com o título “ Sobre o contagio”, em
seu trabalho monográfico de apenas seis páginas, o autor dedica ponto chaves em torno da
transmissão das doenças, neste sentido em todos os tópicos, o autor apresenta sua ideia sobre
como ocorre o contagio, e como deveria se dar a prevenção das doenças contagiosas,
discordando com as teses de que, se contraía as doenças por meio do ar carregado de vapores
deletérios. O formando sergipano apresenta também, que as doenças ocorrem na medida em
que, encontram meios favoráveis, ou seja, a condição do organismo, que determinaria o
desenvolvimento da enfermidade, e que a moléstia para acometer o indivíduo, demandaria a
existência de um determinado vírus (agente causador).

Embora seja uma tese curta, não dispondo de muitos discursões, sua análise no campo
da história da saúde, nos oferece a possibilidade de enxergar o olhar do médico sergipano,
imerso no contexto de várias epidemias, em especial da cólera que acometeu importante
parcela da população no império, inclusive na sua província, Sergipe. Em contraste com as
linhas da medicina tropical17 por exemplo, é possível compreender e inserir esta tese no
cenário dos debates que movimentavam a medicina brasileira. Para além disto, a própria
biografia de Jesuíno Pacheco, que ainda não foi examinada na historiografia sergipana, é um
caminho fértil para se compreender a história da saúde, e como os médicos sergipanos
interagiram com as dinâmicas da produção científica brasileira, pois o mesmo foi

17
Sobre os paradigmas em torno da medicina tropical ver Edler, Flávio, “A medicina Tropical: uma ciência
entre a nação e o império”. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 14, n. 2, p. 305-325, 2010
correspondente em Sergipe de um dos mais importantes periódicos da classe médica no
Brasil, A Gazeta medica da Bahia, vitrine das principais pesquisas em torno da ciências
médicas brasileira e sua trajetória carece de maiores investigações históricas.
REFERÊNCIAS

ABREU, Jean Luiz Neves. DISCÍPULOS DE ASCLÉPIO: AS TESES MÉDICAS E A


MEDICINA ACADÊMICA NO OITOCENTOS (1836-1897). Almanack, Guarulhos, n.
22, p. 7-40, Aug. 2019
SANTANA, Antônio S. Dicionário Biográfico de Médicos de Sergipe: séculos XIX e XX.
Aracaju: Academia Sergipana de Medicina, 2009.

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