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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

ESCOLA DE ENFERMAGEM E FARMÁCIA


SAÚDE COLETIVA B

O TRABALHO EM SAÚDE E SUA


RELAÇÃO COM O SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE - SUS

Enfa esp. Karla Mychelle Cezario de Lima


karlacezario89@gmail.com

MACEIÓ
2016
Objetivos
• Definir conceito de trabalho
• Conceituar trabalho em saúde e suas
características
• Compreender como se dá o trabalho em
saúde na perspectiva do Sistema Único de
Saúde.
Necessário compreender...
• O homem, em sua evolução natural, desenvolveu
características biológicas fundamentais para criar as condições
necessárias para o seu desenvolvimento enquanto ser social;

• Estas características vão desde:


1. a posição de sua coluna vertebral que o possibilita andar de
forma ereta;
2. o formato de suas mãos que o permite manusear objetos
com maior precisão;
3. sua estrutura vocal que permite a emissão de sons
articulados;
• Chegando ao elevado grau de complexidade e especialização
neurocerebral que desenvolveu1.
“O homem não cria voluntariamente a sociedade: ele nasce
involuntariamente nela. Ele é por excelência um animal
social. Só pode se tornar um homem, isso é, um animal
pensante, falante, amando e desejando, em sociedade.
Imaginai o homem dotado pela natureza das faculdades mais
geniais, jogado desde sua primeira infância fora da sociedade
humana, em um deserto. Se ele não perecer miseravelmente,
o que é mais provável, outra coisa não será se não um
animal, um macaco, privado de fala e de pensamento, - pois
o pensamento é inseparável da fala: ninguém pode pensar
sem palavra; bem podeis ter imaginação representativa das
coisas, mas tão logo desejai pensar uma coisa, deveis vos
servir de palavras, pois somente as palavras determinam o
pensamento e dão às representações fugitivas, aos instintos,
o caráter de pensamento.
“(...) O pensamento não existe antes da fala, nem
a fala antes do pensamento; essa duas formas de
um mesmo ato do cérebro humano nascem juntas.
Assim, nada de pensamento sem fala. Mas o que
é a fala? É a comunicação, é a conversação de
um indivíduo humano com muitos outros
indivíduos. O homem animal só se transforma em
ser humano, quer dizer, pensante, pela
conversação, nesta conversação. Sua
individualidade enquanto humana, sua liberdade,
é, portanto, produto da coletividade.” (Bakunin –
As três conferências aos operários do Vale de
Saint-Imer).
Assim,
• Sob estas condições de evolução natural o gênero
humano pode transformar-se em um ser social ;

• Nesta qualidade o diferencia dos demais seres por


passar a apresentar novas determinações em seu
devir histórico;

• Contudo, a existência de coletividades e de


organização, de “sociedades”, é constatada em
outros seres, não somente humanos. Então, qual a
diferença?
• Ao contrário do ser humano enquanto ser social,
os animais são determinados substancialmente
em função de sua carga genética e herança
biológica.

• O homem, transformado em ser social,


experimentou diversas formas de organização
social, tal como diferentes padrões de
comportamento.

• O aprendizado e as determinações de sua


sociabilidade adquirem o fator primordial para
definir os padrões de comportamento do homem.
Então, as determinações do SER SOCIAL e
do TRABALHO são os elementos básicos
para compor uma base teórica que põe
homens e mulheres enquanto criadores e
criaturas de seu próprio mundo, um mundo
histórico-social1.
Trabalho
• É a “força plástica da sociedade”.

• A “ação inteligente do homem com um fim de satisfação


pessoal”.
• A inteligência que pode ser atribuída aos animais, não os permitem
“modificar as operações dos instintos”, assim como saber melhor
lidar com os “acidentes imprevistos”

• O homem, vivendo em sociedade e criando os materiais


e os meios de sua existência, transforma continuamente
sua ação instintiva em refletiva;

• O homem, então, é o animal que trabalha (Proudhon,


CdO, 1997, p. 256-7) 1.
• Mas, trabalho não é qualquer atividade humana. Forma
parte do trabalho a matéria, o instrumento e a
inteligência/subjetividade humana.

• O primeiro instrumento do homem é o seu próprio corpo,


como suas mãos.
• A partir delas e da matéria em que atua, tem-se a criação de
“instrumentos fictícios.

• “A ação que o homem exerce sobre a matéria, converte


esta, ao mesmo tempo, em instrumento e obra. E não
somente, pois a associação estabelecida entre os
homens é qualitativamente diferente da dos animais, uma
vez que o homem só realiza suas potencialidades em
sociedade” ” (Proudhon, CdO, 1997, p. 256-7) 1
• A subjetividade só ganha formas e
multiplicidades na medida em que lhe é permitido
“comparar, criticar e ordenar suas próprias
necessidades” (1988, p. 69) numa ação refletida.

• Esta subjetividade continua a ser construída,


especialmente, mas não unicamente, a partir das
complexificações das determinações do trabalho,
das condições materiais de existência.
• O trabalho é uma atividade vinculada à condição
de existência, o “fundamento de qualquer vida
orgânica” (Bakunin, 1988, p. 70).
• Toda vida animal tem como condição primária de sua
existência a luta pela vida. Essa luta é tanto entre
espécies, como contra a própria natureza.

• A humanidade não realiza qualquer trabalho...


Nela o trabalho vira um “trabalho inteligente e
livre” Bakunin, Considerações filosóficas... ou
Federalismo, Socialismo e Antiteologismo) .
• Essa passagem é um ato prático, uma conquista
material, não é apenas uma tomada de consciência
no vazio.
“O homem só se emancipa da pressão tirânica,
que sobre todos exerce a natureza exterior,
pelo trabalho coletivo; isto porque o trabalho
individual, impotente e estéril, nunca poderia
vencer a natureza. O trabalho produtivo,
aquele que criou todas as riquezas e toda a
nossa civilização, sempre foi um trabalho
social; apenas, até o presente, ele foi
iniquamente explorado por indivíduos em
detrimento das massas operárias.” (Bakunin –
As três conferências aos operários do Vale de
Saint-Imer).
O trabalho na sociedade capitalista
• O capital e a propriedade para o capitalista e para o
detentor da propriedade, significam o poder e o direito,
garantidos pelo Estado, de viver sem ter de trabalhar.
• Significa o poder e o direito de viver à custa da exploração do
trabalho alheio,
• o direito de explorar o trabalho daqueles que não possuem
propriedade ou capital e que, portanto, são forçados a vender sua
força produtiva aos afortunados detentores de ambos2.

• A ordem capitalista nos submete a um código de conduta


formal e rígido para que possamos ter a oportunidade de
ser dominados por ele, dizendo de outra forma,
conseguindo uma colocação no mercado de trabalho 3.
O TRABALHO EM SAÚDE
Origem do conceito
• Pioneiramente, Maria Cecília Ferro Donnangelo
(1975, 1976), no final da década de 1960, iniciou
estudos sobre a profissão médica, o mercado de
trabalho em saúde e a medicina como prática
técnica e social;
• Utilizando referenciais teóricos estudos sociológicos
rompeu com a visão que o modo de executar a prática
médica e as relações entre os indivíduos envolvidos
(usuários, médicos e demais profissionais de saúde)
seriam independentes da vida social 4.
Origem do conceito
• Constituiu-se importante referencial para o
estudo do campo da saúde, sobretudo em
relação a duas grandes temáticas:
1. as políticas e estruturação da assistência, que
derivou em muitos estudos do sistema de
saúde brasileiro, até o atual Sistema Único de
Saúde (SUS);
2. estudos sobre o mercado, as profissões e as
práticas de saúde.
• Expandiu-se para a constituição de dois importantes
conceitos: força de trabalho em saúde e ‘processo de
trabalho em saúde’ 4.
Trabalho em saúde
“(...) é um trabalho essencial para a vida
humana e é parte do setor de serviços. É um
trabalho da esfera da produção não material,
que se completa no ato de sua realização.
Não tem como resultado um produto material,
independente do processo de produção e
comercializável no mercado. O produto é
indissociável do processo que o produz ; é a
própria realização da atividade”5.
Trabalho em saúde
• Todo trabalhador carrega consigo uma caixa de
ferramentas, que na saúde fazemos a imagem de valises
tecnológicas para fazer o seu trabalho;

• Cada trabalho tem como seu objeto coisas distintas;

• Todo processo de trabalho combina trabalho em ato e


consumo de produtos feitos em trabalhos anteriores:
• Trabalho vivo em ato – duas dimensões: a atividade como
construtora de produtos (valor de uso e valor de troca) e ao
produtor do ato, o trabalhador, e sua relação com seu ato
produtivo e os produtos que realiza;
• Trabalho morto 6.
Trabalho vivo em ato
• Valor de uso = valor referente simbólico.
• Para a produção da saúde o “referente simbólico” é ser
cuidado ou vender procedimentos para ganhar dinheiro.
• A produção na saúde se realiza por meio do “trabalho
vivo em ato”, isto é, o trabalho humano no exato
momento em que é executado e que determina a
produção do cuidado 6.
• No momento que o profissional atua, se observa uma
interação e se pode notar a autonomia do trabalhador
ao organizar as ferramentas com os dados obtidos e os
saberes próprios de sua profissão, levando-o ao
raciocínio clínico, a decisões e ao tratamento 7.
Trabalho em saúde e suas tecnologias
• Três tipos de tecnologias existentes em um processo de
trabalho (valises tecnológicas):
1. tecnologias duras – instrumentos, máquinas e
equipamentos (“valise” da mão);
2. tecnologias leve-duras: possuem duplo aspecto - de
um lado, referem-se a saberes estruturados de
determinada ocupação profissional, de outro,
relacionam-se aos modos como esse trabalhador
organiza o seu trabalho, de acordo com suas
experiências pessoais e seus saberes próprios (“valise”
da cabeça); e
3. tecnologias leves: relações entre sujeitos que só têm
materialidade em ato indicando falas, escutas,
interpretações, acolhimentos, responsabilizações,
vínculos, etc (“valise” do espaço relacional) 6-7.
O trabalhador de saúde é sempre coletivo

• Não há trabalhador de saúde que consiga


sozinho dar conta do complexo objeto do ato de
cuidar: o mundo das necessidades de saúde;

• O trabalho de um técnico da saúde, de um


profissional universitário ou de um auxiliar,
depende um do outro6.
A pactuação do processo de trabalho
• Os processos de produção de saúde se fazem numa rede
de relações que, permeadas como são por assimetrias de
saber e de poder e por lógicas de fragmentação entre
saberes/ práticas.

• Verifica--se que, no modelo médico- hegemônico, a


distribuição do trabalho assistencial é dimensionada para
concentrar o fluxo da assistência no profissional médico.

• No entanto, observa--se que há um potencial de trabalho


de todos os profissionais que pode ser aproveitado para
cuidados diretos ao usuário, elevando assim a
capacidade resolutiva dos serviços6.
Em síntese...
• O trabalho em saúde é hoje, majoritariamente, um
trabalho coletivo institucional, que se desenvolve
com características do trabalho profissional e,
também, da divisão parcelar ou pormenorizada do
trabalho e da lógica taylorista de organização e
gestão do trabalho8.

• O modelo assistencial, vigente nos serviços de


saúde, guia-se pela ótica hegemônica neoliberal e,
na prática, essa visão acaba definindo a missão dos
serviços e as conformações tecnológicas, atendendo
a interesses poderosos, considerados legítimos9.
• Nesse modelo “há a tendência de se adotar
políticas que passem tanto a desproteger o
trabalho e o trabalhador, quanto, no caso da
saúde, a regular diretamente o produtor direto
dos cuidados, interferindo imediatamente em
seus processos de trabalho” 10.
TRABALHO EM SAÚDE E SUA
RELAÇÃO COM O SUS
Cenário da saúde...
• Avanços na descentralização da Atenção, nas ações
visando à integralidade, à universalidade e aumento da
equidade;

• Incorporação de novas tecnologias e especialização dos


saberes;

• Fragmentação do processo de trabalho e esgarçamento


das relações entre os diferentes profissionais, com
precária interação nas equipes e despreparo para lidar
com a dimensão subjetiva nas práticas da atenção;
• Cronificação dos modos de operar o sistema
público de saúde, reforçando a tendência de
burocratização, aos processos verticalizados;

• Diminuição do compromisso e da co-


responsabilização na produção de saúde e
desrespeito aos direitos dos usuários
Humanização como política

• Não programa, porque:

1. Tomada como diretriz política transversal;


2. Traduz princípios e modos de operar no
conjunto das relações dos diferentes atores do
SUS;
3. Pauta-se pela construção de trocas solidárias,
comprometidas com a dupla tarefa de produção
de saúde e produção de sujeitos.
Conceito de humanização
• Aumento do grau de co-responsabilidade na
produção de saúde e de sujeitos;
• Mudança na cultura de atenção dos usuários e
da gestão dos processos de trabalho.

• Fundamenta-se:
• Troca e construção de saberes;
• Diálogo entre profissionais;
• Trabalho em equipe;
• Considerações à necessidade, desejos e interesses
dos diferentes atores do campo da saúde 11.
Nesse sentido
• A matéria prima do trabalho em saúde é o encontro, o
que implica que a produção se executa entre trabalhador
e usuário.
• Ambos devem atuar para possibilitar respostas positivas
diante dos problemas de saúde. Torna-se imprescindível,
portanto, o vínculo, o envolvimento e co-participação
entre esses sujeitos.
• Nesse sentido, é primordial acolher as singularidades, ou
seja, o original e criativo que emerge dos encontros, e
perceber que ambos – profissional e usuário – são
sujeitos ativos do processo da produção de saúde7.
Referências
1. Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares. Cartilha teórica
anarquismo especifista. Alagoas: 2015.
2. Bakunin, M. O sistema capitalista. Tradução de Thaís Ribeiro
Bueno. S.d.
3. López, FL. Capitalismo contemporâneo. S.d.
4. Schraiber, MPLB. Processo de trabalho em saúde.
http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/protrasau
.html
5. Pires D. Reestruturação produtiva e consequências para o
trabalho em saúde. Rev Bras Enfermagem 2000; 53:251-63.
6. Merhy EE, Franco TB. Trabalho em Saúde FIOCRUZ:
EPJV2005.
7. Faria HX; Araujo MD. Uma Perspectiva de Análise sobre o
Processo de Trabalho em Saúde: produção do cuidado e
produção de sujeitos. Saúde Soc. São Paulo, v.19, n.2,
p.429-439, 2010.
8. Ribeiro E M, Pires D, Blank V L G. A teorização sobre
processo de trabalho em saúde como instrumental para
análise do trabalho no Programa Saúde da Família. Cad.
Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(2):438-446, mar- a b r,
2004.
9. Merhy EE. O ato de gove rnar as tensões constitut i vas do
agir em saúde como desafio perm a n e n t e de algumas
estratégias. Ciênc Saúde Coletiva 1 9 9 9 ; 4 : 3 0 5 - 2 9.
10. S c h raiber LB, Peduzz IM, Sala A, Nemes MIB, Ca s t a n h
e i ra ERL, Kon R. Pl a n e j a m e n t o, gestão e a valiação
em saúde: identificando pro b l e m a s. Ciênc Saúde Co l e t
i va 1999; 4:221-42.
11. Brasil, Ministério da Saúde. HumanizaSUS: política nacional
de humanização. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.

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