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ISSN: 1415-1138
clinica@psycheweb.com.br
Universidade São Marcos
Brasil
Resumo
O objetivo desta comunicação é abordar a questão da violência por meio da análise das
passagens ao ato, nas quais a questão do poder – poder do outro – revela-se fundamen-
tal. O ato de dominar o objeto pela força traz, subjacente, uma desesperada tentativa de
dominação do excesso pulsional. Visando melhor apreender os fenômenos de violência
manifesta e elaborar a hipótese segundo a qual estes poderiam resultar, dentre outros
fatores, de uma invasão pulsional nas fronteiras do ego, será explorado o tema do poder
na vida psíquica, tendo-se em conta um de seus eixos básicos: a polaridade atividade/
passividade.
Unitermos
Ação – reação
Tendo como pano-de-fundo a “reação terapêutica negativa”, Pontalis
(1981) vem abrir novos horizontes no entendimento da pulsão de domínio.
Com relação a esse violento apego à doença, o autor supõe a idéia de um
princípio de agonia – de gozo e de dor – em que a lógica do prazer-desprazer
seria parcial ou totalmente recoberta por uma lógica do desespero. Ao explo-
rar o fenômeno da reação terapêutica negativa, Pontalis se apóia no próprio
termo reação, entendida como um re-agir, ou seja, como resposta a um “agir”
anterior. Esta remete-nos, novamente, às fronteiras entre o domínio do outro e
o processo de dominação da transgressão pulsional que, neste caso, vai se
limitar ao modo da reação.
Se o exercício do domínio – e esta também é a dinâmica que me parece
mover os atos de violência – centra-se no eixo ação-reação, isto pressupõe que
haja significativa dominância da polaridade ativo-passivo nesse modo de fun-
cionamento psíquico. Lutando para libertar-se do domínio do outro interno, o
sujeito, conforme acrescenta Pontalis, busca afirmar-se em sua individualida-
de. Os mecanismos baseados na reação se fundamentam na exigência de um
“não”: o “fazer não” precede o “dizer não”. A projeção no exterior, articulada
ao mecanismo da inversão no seu oposto, faz com que o indivíduo só possa
estar contra esse mundo que lhe parece estar contra ele. Nesse sentido, a
negação estaria na origem desse processo de expulsão, como o descreve Freud
no texto sobre a Verneinung : “...o ego prazer original deseja introjetar para
dentro de si tudo quanto é bom, e ejetar de si tudo quanto é mau. Aquilo que
é mau, que é estranho ao ego, e aquilo que é externo são, para começar, idên-
ticos” (Freud, 1925, p. 297).
Mas, resta ainda uma questão: o mau, o fora, a diferença, é aquilo que
foi originariamente incorporado. Essa incorporação do mau implica igualmen-
te “um desejo de apropriação e de controle do estrangeiro, o sujeito faz seu o
que por natureza lhe escapa...” (Pontalis, 1981, p. 70). Há, assim, algo excluí-
do, exclusão que se faz, porém, no interior das fronteiras de si mesmo. Este é
um aspecto essencial da questão, apontando para uma divisão interna. É nos
meandros dessa operação de “inversão” que a dominação da transgressão, da
invasão da pulsão de morte, vai procurar se exercer. Ela visa, pelo exercício do
domínio, “dobrar” o outro.
Relação de domínio
Sobre a relação de domínio, de violência, do indivíduo com um objeto
externo, deve-se considerar, sobretudo, os aspectos fantasísticos nela implica-
dos: o objeto parcial interno jamais está ausente na relação do indivíduo com
um outro. Roger Dorey descreve a relação de domínio como um “modo de
interação entre dois sujeitos, que não se reduz à atividade de uma única ten-
dência, mas corresponde a um agenciamento complexo da relação com o ou-
tro, cuja dinâmica pulsional resta inteiramente a precisar” (1981, p. 117).
O autor inicia sua análise com a indicação de três níveis semânticos do
termo domínio.
- termo Bemächtigung implica a idéia de tomada, de captura, de saisie.
É o sentido arcaico do termo, presente na linguagem jurídica do século XVII:
designa a ação que consiste em tomar os terrenos por expropriação, ou seja,
uma apropriação por des-possessão do outro.
- a idéia de domínio, intelectual ou moral, do indivíduo; neste caso,
pode-se pensar no exercício de um poder supremo, tirânico, subjugando o
outro, que se sentirá, por sua vez, controlado, manipulado. Sublinho, aqui, a
dimensão de dependência e submissão.
- a idéia resultante da dupla ação da apropriação e do domínio; implica
necessariamente a inscrição de um traço, de uma marca. Uma marca é, então,
gravada no indivíduo por aquele que exerce o poder, nele gravando sua pró-
pria figura.
Para Dorey, a sedução originária é o protótipo de toda relação de domí-
nio. Os cuidados corporais proporcionados pela mãe e os enunciados
identificatórios que esta endereça à criança vão, primeiramente, estabelecer
entre elas um modo de relação ilusória, sem lugar para a alteridade, para a
diferença. Evidentemente, a situação de desamparo da criança, submetida à
implantação das mensagens do adulto – e, caberia acrescentar, atravessada
por uma transgressão pulsional – é a condição básica para isto.
Será necessária uma nova série de enunciados “identificantes” para que
os dois protagonistas dessa relação possam assumir um lugar marcado pela
alteridade. Este trabalho de elaboração psíquica impõe ao indivíduo a exigên-
cia de um trabalho de luto, trabalho que pode não conseguir realizar de forma
favorável. Neste caso, para sua defesa, ele poderá fazer uso do modelo da
relação de domínio, repetindo-o.
Eric Toubiana sublinha que uma das características principais da relação
de domínio reside no seu caráter dual e alternativo.
A relação de domínio marca bem uma especificidade da relação objetal em que o
sujeito vê-se impossibilitado de levar à frente um investimento sem o risco de
viver os males da perda e da diferenciação. A relação de domínio não é senão uma
modalidade de relação de objeto que tende a excluir o advento de um momento de
separação e de encontro com a alteridade (1988, p. 31- 21).
Como se liberar desse outro superpotente que grava sua marca para
sempre, devendo, ao mesmo tempo, assimilá-lo, representá-lo em seu territó-
rio? Se o trabalho de luto, como elaboração psíquica, tornar possível uma se-
paração, ele permitirá, então, ao indivíduo, liberar-se do outro.
Como indiquei anteriormente, diante de uma alteridade radical, o sujei-
to enfrenta intensa angústia de natureza paradoxal. Por um lado, deve conse-
guir separar-se do outro; por outro, é submetido a seu poder sexual, o que
pressupõe uma dupla face do outro, sedutor e protetor, simultaneamente. O
sofrimento advém do fato de o sujeito ser ameaçado, de uma só vez, pela per-
da do objeto e pela alienação no objeto.
Reencontramos, neste ponto, as duas angústias básicas dos “fronteiri-
ços”, as quais parecem também mover aqueles que, em seus atos de violência
contra o outro, buscam, de forma extrema, a dominação de uma transgressão
Notas
1. Versão completa do trabalho apresentado no VI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fun-
damental, 05 a 08 de setembro de 2002, Recife. Agradeço a Pedro Henrique B. Rondon a
cuidadosa revisão deste texto.
2. Na acepção acima proposta.
3. A tradução em português do Vocabulário é “pulsão de dominação”. Optei, aqui, por “pulsão
de domínio”, justamente – como será mostrado mais adiante – por levar em conta as difi-
culdades conceituais apontadas pelos referidos autores.
Referências Bibliográficas
ASSOUN, P. L. Freud et Nietzsche. Paris: PUF, 1982.
FREUD, S. (1905). Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: . Obras completas. Rio
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GREEN, A. Genèse et situation des états limites. In: ANDRÉ, J. (org). Les états limites. Paris:
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LAPLANCHE, J.-PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
PONTALIS, J.-B. Non, deux fois non. Nouvelle Revue de Psychanalyse, n. 24, automne, 1981.
This communication aims at approaching the issue of violence through the analysis of the
acting-outs in which the issue of power – the power of the other – is crucial. A desperate
attempt at dominating the drive excess underlies the act of mastering the object by force.
For better understanding the phenomena of manifest violence, and working out the
hypothesis according to which such phenomena result from the invasion of drives through
the borders of the ego, among other factors, we will study the theme of power in psychic
life, based on one of its pivotal axes: the polarity of activity/passivity.
Key-words
ey-words
– Recebido em 12/09/02 –
– Versão revisada recebida em 15/10/02 –