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Termodinâmica Clássica I

Claudio Schneider

2013/2

Instituto de Fı́sica da UFRGS


SUMÁRIO

Conteúdo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iii

1. Conceitos básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

2. Primeira Lei da Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

3. Segunda Lei da Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

4. Terceira Lei da Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32


CONTEÚDO

Esqueleto — em fase de elaboração e sujeito a revisões correções — com elementos de


Termodinâmica de Equilı́brio Clássica apresentados segundo um roteiro inspirado, entre
outros, nos artigos
a) Dipankar Home, Am. J. Phys. 45, 1203 (1977),
b) Philip Ehrlich, Am. J. Phys. 49, 622 (1981),
c) Louis A. Turner, Am. J. Phys. 28, 781 (1960), 30, 506 (1962)
e no livro
d) A. B. Pippard, Elements of Classical Thermodynamics for advanced students of
Physics (Cambridge University Press, Cambridge, 1957).
Crı́ticas e sugestões são bem-vindas.
Conteúdo iv
Capı́tulo 1

CONCEITOS BÁSICOS

– Relação áurea
Relação áurea da Termodinâmica, que se cumpre para processos reversı́veis e, às
vezes, dependendo da situação, também para processos quase-estáticos de um sistema
termodinâmico:
d− Q = T dS ,
onde d− Q, T e dS são, respectivamente, a quantidade de energia modo calor trocada
entre o sistema e a vizinhança, a temperatura e a variação da entropia do sistema em
um processo elementar.
O que significa isso? Siga em frente e saberá.

– Sistema termodinâmico
Objeto macroscópico ao qual se aplica a estrutura apresentada nestas notas (S).
– Vizinhança
Meio ambiente relevante ao sistema termodinâmico, formado por elementos com os
quais este interage de alguma forma (V).
– Universo termodinâmico
União do sistema termodinâmico com a vizinhança (U=S+V).
O universo é um sistema isolado, o que quer dizer que não há interação entre ele e
o que não é composto por ele.
– Hipóteses
i) Princı́pio fundamental na Fı́sica: existe uma determinada grandeza numérica, cha-
mada energia, que se conserva. =⇒ A energia do universo termodinâmico é constante.
ii) A energia é aditiva ≡ a energia do todo é a soma das energias das partes.

– Postulado I
i) Existem para sistemas termodinâmicos simples particulares estados ma-
croscópicos, chamados estados de equilı́brio termodinâmico, que formam uma vari-
edade diferenciável M de dimensão m = n + 1.
ii) A variedade M admite um sistema de coordenadas destacadas (distinguished)
formadas por n variáveis de deformação, X 1 , X 2 , ..., X n , e por 1 variável de não-
deformação, y, todas elas definidas em áreas da Fı́sica fora da Termodinâmica.
Capı́tulo 1. Conceitos básicos 2

– Observação
O Postulado I quer dizer na realidade que existem para sistemas termodinâmicos
simples um conjunto M de particulares estados, chamados estados de equilı́brio ter-
modinâmico, que, como ponto de partida, podem ser completamente caracterizados
macroscópicamente, ou seja, definidos, pelos valores de m = n + 1 parâmetros fı́sicos
y, X 1 , X 2 , ..., X n oriundos de áreas tais como a Mecânica, Eletromagnetismo, etc., ex-
cluı́da a Termodinâmica – temperatura e entropia estão, pois, descartadas.
A cada ponto na região de alcance numérico dos parâmetros y, X 1 , X 2 , ..., X n no
espaço euclidiano Rn+1 , aqui chamado de espaço das coordenadas do conjunto M , está
associado univocamente um estado de equilı́brio do sistema.
Exemplo clássico:
Sistema termodinâmico simples: gás composto de um único componente quı́mico em
um recipiente fechado, macroscopicamente homogêneo, isotrópico, elétrica e magnetica-
mente neutro.
Coordenadas: y = p, X = V , onde p é a pressão hidrostática e V é o volume do gás.
– Questão
Como saber se um sistema admite ou não estados completamente caracterizados por
y, X 1 , ...,X n ou se está ou não em equilı́brio, isto é, em um desses estados? A posteriori,
submetendo o sistema assim descrito à estrutura da Termodinâmica e verificando se se
cumprem ou não experimentalmente as predições da estrutura.
– Processo termodinâmico
Modificação do sistema. É acompanhada, monitorada, controlada através dos parâmetros
y, X 1 , ..., X n .
Se os estados inicial e final do sistema coincidem, o processo sofrido por este é dito
cı́clico.
– Processo quase-estático
Sucessão ordenada de estados de equilı́brio representados por pontos infinitesimal-
mente próximos um do outro no espaço das coordenadas Rn+1 .
É representável, com boa aproximação, por uma curva geométrica contı́nua no Rn+1 .

– Processo reversı́vel
Dado um processo qualquer i −→ f onde i e f denotam, respectivamente, os estados
inicial e final do sistema, sempre é possı́vel fazer com que este retorne ao estado inicial,
i. Será que voltando o sistema ao estado inicial a vizinhança também retorna à sua
configuração inicial? Pode ser que sim, ou pode ser que não.
Diz-se que i −→ f é um processo reversı́vel se tanto o sistema como a vizinhança
podem retornar aos respectivos estados iniciais, ou seja, se o universo termodinâmico é
capaz de voltar à sua configuração inicial.
Se um processo não é reversı́vel, ele é dito irreversı́vel.
Como o sistema pode sempre ser revertido ao seu estado inicial, quem decide se um
processo é ou não reversı́vel é, portanto, a vizinhança.
– Inter-relação entre processos
Processos reversı́veis são necessariamente quase-estáticos.
Processos quase-estáticos não são, porém, necessariamente reversı́veis.
Processos irreversı́veis tanto podem ser quase-estáticos como não-quase-estáticos.
Processos não-quase-estáticos são necessariamente irreversı́veis.
Capı́tulo 1. Conceitos básicos 3

– Trabalho externo
Trabalho externo é uma forma de troca de energia entre o sistema e fontes externas
de energia, situadas na vizinhança, na qual se sabe determinar o valor da energia trocada
em termos das modificações sofridas pelas fontes externas e por meios desenvolvidos em
áreas da Fı́sica fora da Termodinâmica (Mecânica, etc.).
Pelo princı́pio da conservação e propriedade aditiva da energia, o valor da ener-
gia We que o sistema recebe[perde] é igual ao valor da energia que as fontes externas
perdem[recebem].
We deve ser computado, em princı́pio, em termos dos parâmetros das fontes externas
e não em termos das coordenadas do sistema; o monitoramento, a contabilidade, é
externa ao sistema; é a vizinhança, através do seu balanço energético, que informa
quanto entrou ou saiu de energia no sistema. O subı́ndice e em We é um alerta para
esse aspecto do trabalho externo. Além disso, estão excluı́dos parâmetros tais como a
temperatura e entropia, que nascem dentro da Termodinâmica.
Há situações em que We pode ser adicionalmente avaliado em termos das coorde-
nadas y, X 1 , ..., X n , como nos processos reversı́veis, mesmo que definitoriamente ele o
deva ser em termos de parâmetros externos.
Convenção: We > 0, quando o sistema recebe energia da vizinhança; We < 0, se o
sistema perde energia.
Se WeA−→B se refere a um processo A −→ B reversı́vel, então, para o processo reverso
B −→ A,
WeB−→A = −WeA−→B .
O valor We costuma também ser denominado trabalho externo.
– Exemplos de trabalho externo
a) Sistema: gás em um pistão.
Coordenadas: y = p, X = V .
Se um agente externo exerce uma força Fe constante, digamos, por uma distância
△xe sobre a tampa do cilindro que confina o gás, o valor da energia na forma de trabalho
recebida (algebricamente) pelo gás é igual ao trabalho realizado por Fe , ou seja,

We = Fe △xe .

We > 0, quando o gás é comprimido, e We < 0, quando o gás se expande.


A expressão aplica-se tanto a modificações quase-estáticas do gás, reversı́veis ou não,
como a modificações que não são quase-estáticas (turbulentas).
Observação: para processos reversı́veis, We pode ser adicionalmente avaliado em
termos das coordenadas do sistema, p e V , – como We = −p△V , p. ex., se p é mantida
constante –, mas é importante ter em mente que We não é definido em termos delas,
mas sim, em termos dos parâmetros externos Fe e △xe .
b) Sistema: gás ou lı́quido em um recipiente a volume constante (batedeira, p. ex.).
Se uma hélice cujo eixo passa pela parede do recipiente gira, livre de atrito, com
velocidade angular ω dentro do sistem durante um intervalo de tempo △t, acionada por
um motor externo que exerce um torque τ , o valor da energia transferida ao gás pelo
motor durante o tempo △t é igual a

We = τ ω△t.

We é sempre positivo (We > 0). A modificação do sistema é sempre irreversı́vel, seja
ela quase-estática ou não.
Capı́tulo 1. Conceitos básicos 4

c) Sistema: lı́quido ou gás a volume constante (lâmpada fluorescente, p. ex.).


Se uma bateria de força eletromotriz ǫ faz passar pelo gás uma corrente elétrica i
durante um tempo △t, o valor do trabalho é
We = iǫ△t = ǫ△q.
Vale sempre We > 0 e a modificação do sistema é sempre irreversı́vel, seja ela quase-
estática ou não.
Se, porém, a bateria é considerada como sistema, a troca de energia entre ela e o
lı́quido ou gás não é do tipo trabalho externo.
– Calor (lato senso)
Como é chamado um modo de troca de energia entre sistema e vizinhança que não
é trabalho externo, ou seja, em que não se sabe avaliar We em termos de parâmetros
externos? Resposta: calor. Calor é não-trabalho externo.
Atenção: trabalho externo e calor não são, portanto, dois tipos de energia; são dois
modos de troca de energia.
– Trabalho externo ⇆ calor
No exemplo c), o processo de troca de energia entre a bateria e o lı́quido ou gás é
do tipo calor quando a bateria é considerada sistema! Isso porque o valor da energia
trocada não pode, nesse caso, ser expresso em termos de parâmetros externos ao sistema
(pertencentes ao lı́quido ou gás) e conhecidos fora da Termodinâmica, mesmo que ele o
seja em termos de parâmetros do sistema, ǫ△q.
A julgar por este exemplo, os conceitos de trabalho externo ou calor não são, pois,
necessariamente invariante perante a permuta entre sistema e vizinhança e são, portanto,
conceitos relativos e não absolutos, certo?
Nos processo reversı́veis, calor e trabalho externo são, porém, invariantes.
– Trabalho externo elementar reversı́vel
Para processos reversı́veis de sistemas termodinâmicos simples vale a seguinte pro-
priedade: o trabalho externo elementar, apesar de concebido, em princı́pio, em termos
de parâmetros externos ao sistema, pode ser expresso em termos das coordenadas de
estado do sistema sob a forma
d− We = Y1 dX 1 + Y2 dX 2 + · · · + Yn dX n ,
onde as variáveis Yi , chamadas forças generalizadas, são funções das coordenadas,
Yi = Yi (y, X 1 , ..., X n ), i = 1, 2, ..., n,
Exemplo: Gás em um pistão com coordenadas y = p, X = V .
Força generalizada: Y = Y (y, X) = −p . Trabalho reversı́vel: d− We = −pdV .
Observação: o tracinho em d− significa que d− We não é o diferencial de uma função
de estado We ; significa que d− We é uma quantidade elementar de energia trocada sob
forma de trabalho externo.
– Fonte de trabalho
É um elemento da vizinhança de um sistema termodinâmico com o qual este pode
trocar energia sob forma de trabalho externo.
– Envoltório, invólucro (container )
É um sistema idealizado que separa o sistema termodinâmico da vizinhança e sele-
ciona as interações entre eles.
Um envoltório é dito impermeável quando não permite troca de matéria.
Sistema fechado é um sistema confinado por um envoltório impermeável.
Capı́tulo 1. Conceitos básicos 5

– Envoltório adiabático
É um envoltório impermeável tal que o sistema termodinâmico permanece no es-
tado de equilı́brio em que se encontra perante mudanças quaisquer na vizinhança, não
considerando as que se referem a interações do sistema com fontes de trabalho externo.
Exemplo: Garrafa térmica; ao passar, p. ex., do meio ambiente para um forno ou
um refrigerador, o sistema confinado por ela, um gás, digamos, não muda de estado
(pelo menos durante algum tempo). Tal não ocorre se o sistema está contido, p. ex.,
em um recipiente de alumı́nio, que é, portanto, um envoltório diatérmico (veja abaixo).
A adiabaticidade é considerada propriedade somente da substância, do material,
que compõe o envoltório; não depende do estado de equilı́brio do sistema confinado pelo
envoltório. Tal substância é chamada substância adiabática ou material adiabático.
Parede adiabática é um pedaço de material adiabático; pode ou não constituir um
envoltório.
– Processo adiabático
Processo no qual o sistema está separado da vizinhança por um envoltório adiabático.
O trabalho externo neste caso é chamado de trabalho adiabático; Wead .
– Envoltório diatérmico
Envoltório que não é adiabático. Viabiliza mudanças de estado de equilı́brio do
sistema mesmo que este não interaja com fontes de trabalho.
A diatermicidade, tal como a adiabaticidade, é considerada propriedade somente da
substância que compõe o envoltório, a qual é chamada substância diatérmica ou material
diatérmico. Parede diatérmica é um pedaço de material diatérmico.
– Calor
A influência da vizinhança sobre o sistema, e vice-versa, através de uma parede
diatérmica e que provoca mudanças de estado de equilı́brio sob We = 0 pode ser enten-
dida, após a introdução da Primeira Lei da Termodinâmica, como calor.
– Sistema simples
É um sistema caracterizado por:
a) Postulado I;
b) trabalho externo reversı́vel elementar d− We = Y1 dX 1 + · · · + Yn dX n ;
c) com as coordenadas X i fixas (X i = cte.), mas y variável, o sistema admite
recebimento contı́nuo de energia adiabaticamente; o processo de transferência de energia
em questão é irreversı́vel (Ex.: fricção, agitação do sistema por hélices, etc.). A energia
interna, U , a ser definida posteriormente, após o Postulado II, é função bem comportada
(C ∞ ) de y.
O tratamento de um sistema simples requer, pois, como ponto de partida, 2n + 1
variáveis, y, X i , Yi , e n equações Yi = Yi (y, X 1 , ..., X n ), i = 1, ..., n, as quais devem ser
providenciadas experimentalmente.
Exemplo:
Sistema simples: gás.
a) Coordenadas: y = p, X = V .
b) Trabalho externo reversı́vel elementar: comprimindo reversivelmente um ele-
mento de área A do gás com uma força externa Fe por uma distância elementar dxe ,
d− We := Fe dxe = FAe Adxe = pe Adxe = −pdV, Y = Y (y, X) = −p.
c) Envolvido por um invólucro adiabático, o gás admite recebimento contı́nuo de
energia a V = cte por rotação de uma hélice ou por corrente elétrica.
Capı́tulo 1. Conceitos básicos 6

Por exemplo, no caso de fornecimento adiabático de energia por uma hélice acionada
por um motor que desenvolve uma potência P, é razoável pensar que a taxa de variação
temporal da pressão é maior quanto maior o valor da potência do motor e menor quanto
maior o volume do gás. Digamos que seja observado que ela é dada por dp 2P
dt = 3 V . O
valor do trabalho em uma modificação do gás conduzida de modo aproximadamente
quase-estático é, neste caso, d− Wead = Pdt = 32 V dp.
Observação: note que d− Wead também está expresso numericamente em termos das
coordenadas de estado do sistema, p e V , mas não na forma que caracteriza o trabalho
elementar reversı́vel para sistemas simples, d− We = Y (y, X)dX, e sim na forma d− We =
f (y, X)dy, o que não evidencia, porém, nenhuma incoerência, pois o processo em questão
não é reversı́vel.
– Sistema composto simples
É um sistema simples composto de dois ou mais subsistemas simples, A, B, ..., cha-
mados fases, e separados uns dos outros por paredes diatérmicas — estas podem apre-
sentar concomitantemente outras propriedades, como, p. ex., a qualidade de serem
móveis.
Nos estados de equilı́brio do sistema, as fases estão em equilı́brio relativo.
– Condição padrão de comparação ou contato térmico (C. P. C.)
Diz-se que dois sistemas simples, A e B, estão colocados na condição padrão de com-
paração ou contato térmico quando se encontram separados um do outro por uma parede
diatérmica, o conjunto formado por eles está confinado por um envoltório adiabático e
se cumprem as condições:
a) ausência de interação de A e B com fontes de trabalho;
b) as variáveis de deformação, X 1 , X 2 , ..., de A e de B são mantidas fixas.
A e B formam um sistema composto simples isolado.
– Equilı́brio relativo, mútuo, térmico
Diz-se que dois sistemas simples quaisquer, A e B, cada um deles em estado de
equilı́brio, estão em equilı́brio relativo ou mútuo ou térmico se, colocados na C. P. C.,
não sofrerem, nenhum deles, modificação de estado de equilı́brio.
Notação: A ∼ B.
A e B não são encontrados em equilı́brio térmico para quaisquer valores das co-
ordenadas de estado, o que significa que estas não são parâmetros independentes no
equilı́brio. A ∼ B implica, portanto, uma relação de vı́nculo
1 1
F (yA , XA , ..., yB , XB , ...) = 0.

– Propriedades do equilı́brio térmico


1) Reflexividade: A ∼ A;
2) Simetria: A ∼ B =⇒ B ∼ A;
3) Transitividade: A ∼ B , B ∼ C =⇒ A ∼ C.
A propriedade 3) é conhecida como Lei Zero da Termodinâmica.
Decorre destas propriedades que todos os sistemas simples que estão em equilı́brio
térmico um com o outro formam uma classe de equivalência.
– Estados isotérmicos de um sistema
São diferentes estados de equilı́brio de um sistema que possuem em comum o fato
de que duas cópias do sistema, cada uma em um desses estados, estão em equilı́brio
térmico.
Capı́tulo 1. Conceitos básicos 7

– Processo isotérmico
É um processo quase-estático no qual o sistema passa por uma sucessão de estados
isotérmicos.
– Temperatura empı́rica
A propriedade 3) referente ao equilı́brio térmico pode ser formulada quantitativa-
mente (usando a notação compacta X ≡ (X 1 , ..., X n ) para cada sistema) como

F1 (yA , XA , yB , XB ) = 0 , F2 (yB , XB , yC , XC ) = 0 =⇒ F3 (yA , XA , yC , XC ) = 0.

Explicitando yB em função das demais variáveis nas relações F1 (...) = 0 e F2 (...) = 0


e igualando as duas expressões para yB assim determinadas, obtém-se

f1 (yA , XA , XB ) = f2 (yC , XC , XB ),

que é equivalente a F3 (...) = 0.


Como F3 (...) = 0 não depende de XB , esta variável deve cancelar-se na equação
f1 (...) = f2 (...), a qual se transforma em

φA (yA , XA ) = φC (yC , XC ).

Da Lei Zero decorre, pois, a existência de uma função de estado que associa a cada
estado de equilı́brio de um sistema termodinâmico simples um número real,

φ(y, X 1 , ..., X n ) = θ ,

tal que, se A ∼ C para dois sistemas, então θA = θC .


Essa função é denominada temperatura empı́rica.
Observação: o conceito de temperatura empı́rica cederá lugar posteriormente, após a
introdução da Segunda Lei da Termodinâmica (Postulado III), a um conceito de tempe-
ratura mais abrangente, o de temperatura termodinâmica, que é o conceito normalmente
subentendido quando se fala em temperatura.
– Medida da temperatura empı́rica
Considera-se um particular sistema simples, que recebe o nome de substância ter-
mométrica, fixam-se nT das nT + 1 coordenadas de estado yT , XT1 , ..., XTnT do sistema
e associa-se arbitrária porém injetoramente (de modo one-one) um número real θ à
coordenada não fixada, denominada propriedade termométrica.
Um sistema nestas condições é denominado termômetro.
É usual considerar, supondo ser yT a propriedade termométrica,

θ := ayT ,

por ser essa a função injetora mais simples e prática; mas outras possibilidades, desde
que seja observada injetividade entre θ e yT , não estão descartadas por princı́pio.
A determinação do valor de a em θ := ayT é baseada na escolha de um sistema
padrão fidedigno (fiducial, em inglês), ao qual é arbitrado um valor de θ universalmente
aceito. O sistema padrão é a água no ponto trı́plice (coexistência das fases sólida, lı́quida
e vapor à pressão de 4, 58 mm de Hg), e o valor atribuı́do a θ é

θtr := 273, 16 K

(proposto por Giauque em 1954 e em vigor desde então).


Capı́tulo 1. Conceitos básicos 8

Se yTtr é o valor de yT quando a substância termométrica está em equilı́brio com a


água no ponto trı́plice — valor de calibragem do termômetro —, a temperatura de um
sistema qualquer é obtida colocando este em equilı́brio com a substância termométrica
na C. P. C., medindo o valor da propriedade termométrica yT e calculando o valor de θ
segundo
yT
θ := 273, 16 .
yTtr
Com este procedimento obtém-se uma equação de estado

θ = φ(y, X 1 , ..., X n )

para qualquer sistema simples.


Estados isotérmicos possuem o mesmo valor de θ.
– Gás ideal, gás perfeito, escala de temperatura de gás ideal
Problema: o valor da temperatura empı́rica de um sistema qualquer num dado estado
de equilı́brio depende do termômetro empregado, isto é, da substância termométrica,
para ser mais exato, o que é algo indesejável.
Quando nos restringimos a gases como substâncias termométricas — pressão e vo-
lume (p, V ), como variáveis de estado; e p, como propriedade termométrica, digamos
—, este problema pode, porém, ser contornado, no sentido de que é possı́vel encontrar
um valor de θ independente do gás utilizado.
Considere, por exemplo, a medida da temperatura empı́rica da água no ponto de
ebulição. Para um dado gás real (O2 , p. ex.), consideram-se k ≥ 2 termômetros
compostos de quantidades diferentes do gás e, com cada um deles, mede-se ptr — quanto
menor a quantidade de gás utilizada, menor o valor de ptr — e determina-se o valor de
θ da água. Obtêm-se θ i , i = 1, ..., k valores distintos para θ.
Verifica-se, porém, que a curva que passa pelos k pontos (pitr , θ i ) num gráfico de θ
versus ptr é, para valores pequenos de ptr , uma reta θ = θ0 + Aptr cujo parâmetro linear,
θ0 , resulta ser independente do gás empregado, pois, repetindo a mesma operação com
outro gás qualquer, obtém-se outra reta com o mesmo valor de θ0 .
Note que com um gás real não se pode atingir ptr = 0 e, portanto, obter θ = θ0 .
Gás ideal ou gás perfeito é um gás hipotético que, se fosse usado como substância
termométrica, daria o valor θ0 através da expressão θ0 = 273, 16 pptr .
Escala de temperatura (empı́rica) de gás ideal é a escala de temperatura que atribui
ao estados de equilı́brio termodinâmicos o valor θ0 encontrado segundo o procedimento
acima.
Como gás ideal é o limite de um gás real com densidade e, conseqüentemente, ptr
tendendo a zero, o valor da temperatura empı́rica na escala de gás ideal costuma ser
apresentado como obtido através da expressão
p
θ = 273, 16 lim
ptr →0 ptr
para gases reais.
Observação: na equação dos gases perfeitos, pV = N Rθ, se θ significa a temperatura
empı́rica baseada na escala de gás ideal, a relação entre p e θ a V constante não é
resultado de medidas experimentais; é a relação definitória de θ.
– Temperatura termodinâmica
Por que gás ideal, que na realidade não existe, como substância termométrica na
escala de temperatura empı́rica e não outro elemento qualquer (mercúrio, p. ex.)?
Capı́tulo 1. Conceitos básicos 9

Como o valor da temperatura empı́rica obtido com outra substância qualquer não
coincide necessariamente com o valor obtido com o gás ideal, o problema apontado
anteriormente, o de encontrar um valor de temperatura que independa da subsância
termométrica, persiste.
Com a escala universal de temperatura (escala Kelvin), a ser apresentada adiante,
após a Segunda Lei da Termodinâmica, o problema deixa, porém, de existir!
A escala universal refere-se, porém, a um outro conceito, o de temperatura termo-
dinâmica, o qual decorre da Segunda Lei e que engloba o de temperatura empı́rica. Na
estrutura formal da Termodiâmica, quando normalmente é feita referência a tempera-
tura, é o conceito de temperatura termodinâmica que está subentendido. Aguarde.
Demonstra-se que os valores das duas temperaturas, a termodinâmica, na escala
universal, e a empı́rica, se medida na escala de gás ideal, coincidem!
– Medida do calor
Como avaliar quantitativamente o valor da energia modo calor trocada entre o sis-
tema e a vizinhança, chamado medida do calor ?
Resposta preliminar: o valor em questão não é determinado, em princı́pio, com o
auxı́lio do conceito de temperatura. Ao contrário, o conceito de temperatura e sua
medida na escala universal é que se apóia sobre o conceito prévio de medida do calor.
A questão é esclarecida após a introdução da Primeira Lei da Termodinâmica se-
gundo Max Born.
Capı́tulo 1. Conceitos básicos 10
Capı́tulo 2

PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA

– Postulado II
Primeira Lei da Termodinâmica segundo Max Born (1921);
“O trabalho externo necessário para levar um sistema confinado por um envoltório
adiabático de um estado inicial a um estado final depende somente dos estados inicial e
final do sistema.”

– Energia interna
O valor de Wead requerido para conectar adiabaticamente dois estados quaisquer de
um sistema não depende, portanto, do processo que liga os dois estados — o processo
pode ser quase-estático ou não; reversı́vel ou irreversı́vel; ir por um caminho ou por
outro (no caso quase-estático) —, nem do tipo de ação sobre o sistema — deformação,
agitação, etc.
Da Primeira Lei decorre, pois, a existência de uma função de estado U tal que
WeadA−→B = UB − UA ,
para qualquer processo adiabático que leva o sistema do estado A ao estado B.
U é denominada energia interna.
U é considerada uma grandeza conservativa e, em geral, aditiva, o que significa,
respectivamente, que a energia interna de um sistema isolado mantém-se constante
perante qualquer modificação sofrida por ele e que a energia interna total de um sistema
composto simples é igual à soma das energias internas dos seus constituintes.
– Determinação da equação de estado U = U (y, X 1 , ..., X n )
Segundo Joule: dados dois estados e equilı́brio quaisquer A e B, pode não ser possı́vel
ir por um processo adiabático de A a B, mas neste caso é possı́vel ir adiabaticamente
de B para A. Existe só uma das duas possibilidades: ou A → B, ou B → A.
Considerando, porém, processos reversı́veis, dado um estado A qualquer, existem
estados B tais que é possı́vel ir adiabaticamente tanto de A a B como de B para A.
Sejam O um estado de equilı́brio fidedigno (fiducial) do sistema, e G, um estado
genérico de coordenadas y, X 1 , ..., X n .
Medindo o trabalho externo em qualquer processo adiabático que conecta O e G, a
energia interna do estado genérico, U , é dada em relação à do estado fidedigno, UO , por
(
+WeadO−→G processos adiabáticos O → G
U = UO + .
−WeadG−→O processos adiabáticos G → O
Capı́tulo 2. Primeira Lei da Termodinâmica 12

Obtém-se deste modo


U = U (y, X 1 , ..., X n ) ,
a menos de um valor arbitrário UO , que em geral é considerado igual a UO = 0.
– Calor e medida do calor
Dado um processo qualquer A −→ B, sem a exigência de que seja adiabático, ocorre
em geral que WeA−→B 6= UB − UA ≡ △UA−→B .
Nesse caso, decorre do princı́pio de conservação da energia, a ocorrência de uma
forma de troca de energia entre sistema e vizinhança que não é trabalho externo, deno-
minada calor, na qual o valor da energia trocada é dado por

QA−→B := △UA−→B − WeA−→B ,

chamado medida do calor – há quem também o chame simplesmente de calor.


Convenção: Q > 0, quando o sistema recebe energia da vizinhança; e Q < 0, quando
ele perde energia.
A existência de um modo de troca de energia diferente de trabalho externo, chamado
calor, e sua avaliação numérica, medida, está, pois, intimamente ligada à
a) existência de uma função de estado, a energia interna, e
b) ao princı́pio de conservação da energia.
O conteúdo da Primeira Lei da Termodinâmica para qualquer processo é: energia
interna conserva-se quando calor é levado em conta, e costuma ser representada quan-
titativamente como
△U = Q + We .
Esta relação envolve uma grandeza que é função de estado, U , e duas grandezas que
não são funções de estado, We e Q, que são dependendentes de processo (a menos que
os processos sejam adiabáticos). △U é variação de energia do sistema, ao passo que We
e Q são medidas da quantidade de energia trocada entre o sistema e a vizinhaça em dois
modos diferentes de troca, de trânsito, de fluxo de energia.
– Fonte de calor; fonte reversı́vel de calor
É um sistema termodinâmico que cede ou recebe energia sob forma de calor.
Fonte reversı́vel de calor é uma fonte térmica cujas modificações, quando recebe ou
perde energia, são idênticas às que ocorreriam se a mesma quantidade de energia fosse
recebida ou perdida reversivelmente.
– Analogia hidráulica
Seja T um tanque de água ao ar livre, de forma irregular e conectado a duas caixas
d’água, A e R. A é uma fonte de abastecimento de água de T e possui um hidrômetro
junto a ela que permite saber quanto de água saiu dela para T . R não abastece mas
recebe água de T , e também possui um hidrômetro, que registra, porém, quanto entrou
de água nela vinda de T . Os ductos que conectam as caixas ao tanque são de molde a
não haver fuga d’água, de modo que a quantidade de água que sai de A entra em T , e
a que entra em R saiu de T .
T não possui hidrômetros, mas é dotado de uma régua que permite medir o nı́vel
de água h contida nele. Além disso, é acompanhado de uma tampa que pode cobri-lo
totalmente para impedir entrada e saı́da de água por chuva ou evaporação.
Exitem, pois, dois modos de troca de água do tanque com a sua vizinhança, formada
pelas caixas d’água e atmosfera. Um deles, o modo sob controle, é o de fluxo de água
entre as caixas A e R e o tanque, no qual se sabe exatamente, através da leitura dos
Capı́tulo 2. Primeira Lei da Termodinâmica 13

hidrômetros pertencentes às caixas, quanto entrou ou saiu de água em T ; se MA é a


massa de água que sai de A e MR a que entra em R durante uma operação de carga e
descarga de água, a massa efetiva de água que entra em T é Mcontr = MA −MR . O outro
modo, o modo sem controle, é o de chuva e evaporação, no qual não se tem informação
direta sobre a quantidade de água que entra ou sai do tanque para a atmosfera.
A analogia hidráulica acima anunciada baseia-se nas seguintes correspondências:

• Tanque de água T ; ←→ sistema termodinâmico;


• situação em que a água está em repouso ←→ estado de equilı́brio termo-
dentro do tanque (ausência de agitação e dinâmico;
marolas), de modo que seja possı́vel me-
dir o nı́vel da água;
• nı́vel de água, h; ←→ parâmetros y, X 1 , ..., X m ;
• processo de carga e descarga de água no ←→ processo termodinâmico, mo-
tanque, monitorado através de h; nitorado através das coorde-
nadas y, X 1 , ..., X m ;
• água; ←→ energia;
• modo sob controle de troca de água; ←→ trabalho externo;
• Mcontr , quantidade efetiva de água rece- ←→ We , determinado, em
bida pelo tanque no modo sob controle, princı́pio, com parâmetros
determinada pela leitura dos hidrômetros externos ao sistema, perten-
de A e R; centes às fontes de trabalho;
• troca de água com o tanque tampado. ←→ processo adiabático.
Com o
• tanque tampado, ←→ sistema envolto por invólucro
adiabático,
• verifica-se que entre dois nı́veis de água ←→ Primeira Lei da Termo-
dados, Mcontr possui sempre o mesmo va- dinâmica.
lor, não importando como os dois nı́veis
foram conectados.
Conseqüentemente, faz sentido a
• existência de uma grandeza dependente ←→ existência de uma função de
do nı́vel de água, considerada como sendo estado U , chamada energia
a massa M da água dentro do tanque, tal interna, tal que △U = Wead .
que △M = Mcontrtamp .
Controlando a entrada e saı́da de
• água no tanque tampado, ←→ energia no sistema dentro de
um invólucro adiabático,
é possı́vel determinar a
• quantidade de água contida no tanque em ←→ equação de estado U =
função do nı́vel da água, M = M(h), a U (y, X 1 , ..., X m ), a menos de
menos de um valor arbitrário MO , irre- um valor arbitrário UO .
levante nos processo de troca de água.
Capı́tulo 2. Primeira Lei da Termodinâmica 14

Quando o
• tanque está aberto, não tampado, há pos- ←→ sistema está num envoltório
sibilidade de variação do nı́vel de água diatérmico, não adiabático;
devido a chuva ou evaporação. pode haver mudança de es-
tado devido a troca de energia
não computável.
Neste caso,
• modo sem controle de troca de água; ←→ calor;
• para dois nı́veis de água dados, o valor de ←→ We depende do processo
Mcontr não é mais único, mas depende do que conecta dois estados de
processo de carga e descarga que conecta equilı́brio termodinâmicos e
os dois nı́veis, o que ressalta que Mcontr não é, pois, função de estado;
não é função do nı́vel;
• não vale obrigatoriamente △M = ←→ não se cumpre necessariamete
Mcontr . △U = We .
Invoca-se, porém, o princı́pio da
• conservação de matéria (massa) e admite- ←→ conservação de energia e
se que continue fazendo sentido o valor mantém-se o conceito de
da quantidade de água dentro do tanque energia interna como função
em função do nı́vel, M = M(h), mesmo das coordenadas de es-
que haja troca de água por chuva ou eva- tado, U = U (y, X 1 , ..., X m ),
poração. mesmo que o processo não
seja adiabático.
• Para uma dada variação do nı́vel da água, ←→ Para uma dada mudança de
a quantidade efetiva de água que entra estado, a medida do ca-
no tanque devido a chuva e evaporação lor é Q = △U − We ,
é dada por Msemcontr = △M − Mcontr , onde △U é calculada com
onde △M é determinada com base na o auxı́lio da equação de es-
equação M = M(h), suposta conhecida. tado U = U (y, X 1 , ..., X m ),
suposta previamente determi-
nada.
• Msemcontr depende do processo de carga ←→ Q depende do processo que
e descarga que conecta dois nı́veis de conecta dois estados de
água, o que evidencia que Msemcontr não equilı́brio e não é, portanto,
é função do nı́vel. função de estado.
• Conservação de matéria em um processo ←→ Conservação de energia em
de carga e descarga qualquer: um processo termodinâmico
△M = Msemcontr + Mcontr . qualquer:
△U = Q + We .
Capı́tulo 2. Primeira Lei da Termodinâmica 15

Pergunta:
• Se o tanque está tampado mas os duc- ←→ Se, por exemplo, parte da
tos que o conectam às caixas d’água A energia fornecida por uma ba-
e R não impedem fuga d’água e não se teria responsável pela passa-
sabe quanta água se perde entre ele e as gem de uma corrente elétrica
caixas (os hidrômetros estão juntos a A e em um gás confinado por um
R), pode a quantidade de água efetiva re- envoltório adiabático é dissi-
cebida pelo tanque ser computada como pada por efeito Joule nos fios
Mcontr ? que conectam a bateria ao en-
voltório, e não se sabe quanto,
pode a energia recebida pelo
gás ser computada como tra-
balho externo, We ?
Resposta: não! Neste caso, como determinar
• Msemcontr ? ←→ Q?
Resposta:
• Msemcontr = △M. ←→ Q = △U .

A diferença fundamental entre os dois tipos de


• troca de água entre o tanque e a sua vi- ←→ troca de energia de um sis-
zinhança, um sob controle e outro sem tema termodin6amico e sua
controle, vizinhança, trabalho externo
e calor,
está, pois, no grau de informação que se tem sobre os valores das quantidades de
• água ←→ energia
trocadas, os quais devem ser medidos, em princı́pio, em termos dos
• registros junto às caixas d’água. ←→ parâmetros externos ao sis-
tema, na vizinhança.
Se a informação sobre as grandezas trocadas é total, trata-se de
• modo sob controle, ←→ trabalho externo,
do contrário, trata-se de
• modo sem controle. ←→ calor.

– Fluxo de energia entre dois sistemas na C. P. C.


Se dois sistemas A e B, colocados na C. P. C., não estão em equilı́brio térmico, há
variação da energia interna em cada um deles, a qual é computada com o auxı́lio da
equação de estado U = U (y, X 1 , ..., X n ) de cada sistema. Como o sistema composto
de A e B é um sistema isolado, a energia interna total deste — soma das energias dos
constituintes — é conservada e, por conseguinte, há fluxo de energia de um subsistema
para outro;
△(UA + UB ) = 0 =⇒ △UA = −△UB .
Na presente situação o fluxo de energia ocorre sob forma de calor; △Ui = Qi , pois
Wei = 0, para i = A, B.
Capı́tulo 2. Primeira Lei da Termodinâmica 16

– Questão
Se for observado fluxo espontâneo de (energia sob forma de) calor de A para B, será
que, repetindo a experiência, com A e B nos mesmos estados iniciais de equilı́brio, será
observado alguma vez calor de B para A?
Análogo hidráulico: dados dois tanques com água, A e B, fechados mas que podem
potencialmente comunicar-se um com o outro através de um ducto com uma torneira
inicialmente fechada, se, ao ser aberta a torneira, for observada água fluindo de A
para B, será alguma vez observado escoamento de água de B para A se for repetida a
experiência com A e B nas mesmas condições em que se encontravam inicialmente na
primeira observação?
Capı́tulo 3

SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA

– Postulado III
Segunda Lei da Termodinâmica segundo Clausius–Fermi:
“Se energia flui espontaneamente sob forma de calor de um sistema A para um sistema
B, então é impossı́vel conceber um engenho que, funcionando ciclicamente, produza
como único efeito calor de B para A.”

– Temperatura termodinâmica, mais quente, mais frio


O Postulado III implica que se (energia sob forma de) calor flui, digamos, de A para
B na C. P. C., então os estados iniciais de A e B não podem ser restaurados mediante
calor de B para A, a menos que seja levantada a condição de isolamento do sistema
composto (A, B) e haja interferência de agentes externos ao sistema com alterações
permanentes destes, isto é, a menos que fiquem marcas no universo após a restauração
dos estados iniciais de A e B.
O Postulado III implica, pois, irreversibilidade do processo de troca de energia entre
dois sistemas colocados na C. P. C.
O sentido do fluxo de energia entre os sistemas não depende da natureza da parede
que os separa, mas depende unicamente dos estados de equilı́brio dos dois sistemas.
Entende-se que o sentido do fluxo depende de uma propriedade de estado denomi-
nada estado de quente–frio ou temperatura termodinâmica ou, simplesmente, tempera-
tura.
O sistema que perde energia (sob forma de calor) é chamado sistema mais quente; e
o que recebe, sistema mais frio.
– Questão
Será que temperatura termodinâmica é uma propriedade mensurável?
Em outras palavras, será que faz sentido associar aos diferentes estados de tempera-
tura termodinâmica A, B, ... números reais TA , TB , ... tais que haja calor do sistema no
estado A para o sistema no estado B, estando A e B na C. P. C., sempre que TA > TB ?
Note que isto implica pretender que, dados três sistemas A, B e C quaisquer, deve
ser observado calor (sob C. P. C.) não só de A para B e de B para C como, também,
de A para C sempre que A, B e C estiverem em estados de temperatura com numerais
TA , TB e TC associados a eles distintos e ordenados conforme TA > TB > TC .
Mas será que se verifica experimentalmente que se A é mais quente que B e B mais
quente que C, então A é mais quente que C?
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 18

– Propriedades do fluxo de energia entre sistemas na C. P. C.


Notação: A ∼ B significa ausência de transferência de energia, isto é, equilı́brio
térmico entre A e B; A > B significa A mais quente que B.
Observa-se experimentalmente que os sistemas termodinâmicos nos diferentes esta-
dos de equilı́brio satisfazem as seguintes propriedades:
1) A ∼ A;
2) A ∼ B =⇒ B ∼ A;
3) A ∼ B , B ∼ C =⇒ A ∼ C;
4) A > B , B > C =⇒ A > C;
5) Se A > B, então não é verdade que B > A;
6) Ou A ∼ B, ou A > B, ou B > A.
Observação: demonstra-se que a Segunda Lei (Postulado III) implica a propriedade
4 (veja artigo de P. Ehrlich). Há quem demonstre que ela também implica a Lei Zero
(propriedade 3; veja artigo de D. Home), o que justifica, se isto de fato for verdade,
não considerar a Lei Zero como sendo uma lei fundamental da Termodinâmica — o
assunto parece ser polêmico, segundo se depreende da observação 14 no fim do artigo
de P. Ehrlich.
– Ordenamento térmico
Das propriedades acima resulta que sistemas em estado de equilı́brio termodinâmico
podem ser ordenados conforme

··· & A & B & C & ···

e que temperatura é, de fato, uma grandeza mensurável, ou seja, que faz sentido associar
a cada estado de equilı́brio de qualquer sistema um numeral T que imita o ordenamento
acima,
· · · ≥ TA ≥ TB ≥ TC ≥ · · · .
Um processo de medida da temperatura, independente de substância termométrica
e que envolve máquinas térmicas reversı́veis, será abordado mais adiante, após o impor-
tante teorema de Carnot.
– Segunda Lei da Termodinâmica segundo Kelvin–Planck
“É impossı́vel conceber um engenho térmico que, operando ciclicamente, tenha como
único resultado final a extração de (energia sob forma de) calor de uma fonte de calor
e a transferência de igual quantidade de energia a uma fonte de trabalho”.
Esta formulação da Segunda Lei, demonstra-se, é equivalente à formulação apresen-
tada no Postulado III.
– Máquina térmica
Uma máquina térmica consiste basicamente de um sistema termodinâmico, cha-
mado substância de trabalho, que, num processo cı́clico, extrai energia sob forma de
calor de uma ou mais fontes de calor, denominada(s) fonte(s) quente(s), e a transfere
parcialmente a uma ou mais fontes de trabalho, sendo o restante da energia transferida
sob forma de calor a outra(s) fonte(s) de calor, denominada(s) fonte(s) fria(s).
Uma máquina envolve, pois, no mı́nimo duas fontes de calor, uma quente e outra
fria, além de uma fonte de trabalho, que pode ser um sistema complexo. Diz-se que ela
funciona ou que opera (no caso mı́nimo) entre duas fontes.
As fontes quente(s) e fria(s) não estão em equilı́brio térmico e, se postas em contato
sob C. P. C., flui calor da(s) fonte(s) quente(s) para a(s) fonte(s) fria(s).
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 19

Sejam Qq o calor (valor da energia modo calor) extraı́do da(s) fonte(s) quente(s), W
o trabalho (valor da energia modo trabalho) cedido a uma ou mais fontes de trabalho —
W costuma ser chamada de trabalho produzido — e Qf o calor transferido à(s) fonte(s)
fria(s) em um ciclo de funcionamento da máquina.
O princı́pio da conservação de energia implica

Qq = W + Qf , W = Qq − Qf .

Observação: Qq , Qf e W são aqui e no que segue neste capı́tulo considerados em


módulo.
A função de uma máquina térmica é produzir trabalho. Por isso seria interessante,
para um dado valor de Qq , obter o maior valor possı́vel de W , ou seja, W = Qq . Mas
isso é impossı́vel, pois a Segunda Lei segundo Kelvin-Planck implica Qf 6= 0.
Rendimento de uma máquina:
W Qf
ηm := =1− .
Qq Qq
O rendimento de uma máquina é máximo quando, para dado Qq , W é máximo,
ou seja, quando a perda de energia Qf é mı́nima. Isto acontece quando ela funciona
reversivelmente, ou seja, quando todos os seus componentes sofrem processos reversı́veis
— ainda assim Qf 6= 0! Uma tal máquina é chamada máquina reversı́vel.
– Máquina de Carnot
É uma máquina reversı́vel que tem à sua disposição somente duas fontes (reversı́veis)
de calor.
Quando os processos que a compõem são revertidos, diz-se que ela funciona em ciclo
reverso.
Se Qq e Qf são os calores trocados respectivamente com as fontes quente e fria em
um ciclo, no ciclo reverso os respectivos valores, Qrev
q e Qrev
f , são exatamente os mesmos
rev rev
(em módulo), Qq = Qq e Qf = Qf .
– Refrigerador, bomba de calor
Um refrigerador consiste basicamente de um engenho que extrai ciclicamente energia
de duas ou mais fontes de energia, pelo menos uma de trabalho e outra de calor, e
transfere o valor total da energia extraı́da a uma ou mais fontes de calor mais quentes
que a(s) fonte(s) de calor de onde houve extração de energia.
Sejam Qf e W , respectivamente, as energias extraı́das da(s) fonte(s) fria(s) e de
trabalho e Qq o calor transferido para a(s) fonte(s) quente(s) em um ciclo.
Tal como nas máquinas, vale Qq = W + Qf .
A Segunda Lei segundo Clausius–Fermi implica W 6= 0.
A função de um refrigerador é extrair calor de uma ou mais fontes de calor.
Rendimento de um refrigerador:
Qf Qf
ηr := = .
W Qq − Qf
Quanto maior Qf para um dado valor de W , maior é o rendimento do refrigerador.
Uma bomba de calor funciona como um refrigerador, só que a sua função é produzir
calor, daı́ a seguinte definição:
Rendimento de uma bomba de calor:
Qq 1
ηb := = .
W ηm
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 20

Em ciclo reverso, uma máquina de Carnot funciona como refrigerador ou bomba de


calor.
– Teorema de Carnot
O rendimento de uma máquina qualquer, η, que funciona entre duas fontes reversı́veis
de calor somente é sempre menor ou, no máximo, igual ao rendimento de uma máquina
de Carnot, ηC , que opera entre as mesmas duas fontes,

η ≤ ηC .

Demonstração: Sejam, respectivamente, Qq e Qf os calores trocados entre a substância


de trabalho e as fontes quente, q, e fria, f , em um ciclo da máquina qualquer, e QqC
e QfC , os calores análogos trocados na máquina de Carnot quando os ciclos das duas
máquinas, a de Carnot e a máquina qualquer, estão ajustados de modo a produzirem,
ambas, o mesmo valor de trabalho; Qq − Qf = W = QqC − QfC .
Seja, como hipótese, η > ηC .
Acoplando a máquina qualquer à de Carnot funcionando em ciclo reverso e ajustando
os ciclos de modo que o trabalho produzido pela máquina qualquer seja igual ao trabalho
externo consumido pela máquina de Carnot em ciclo reverso — note que os valores de
QqC e QfC não são alterados, pois a máquina de Carnot é reversı́vel —, obtém-se, a
partir da hipótese η > ηC :
W W
> =⇒ QqC > Qq .
Qq Qq C

Por outro lado, de Qq − Qf = QqC − QfC e da relação entre QqC e Qq acima resulta
Q fC > Q f .
A fonte quente recebe calor, QqC − Qq > 0, e a fonte fria perde igual quantidade de
calor, pois QfC − Qf = QqC − Qq > 0.
Conclusão: a máquina composta funciona ciclicamente como um engenho que trans-
fere unicamente calor de uma fonte fria para uma fonte quente, o que viola a Segunda
Lei segundo Clausius–Fermi. Logo, não pode cumprir-se η > ηC .
Portanto, η ≤ ηC . Q.E.D.
Observação: por que considerar na demonstração a máquina de Carnot e não a
máquina qualquer funcionando em ciclo reverso, mesmo que esta última possa operar
no sentido reverso? Porque para uma máquina de Carnot, por ser reversı́vel, vale
Qrev
q = Qq , Qrev
f = Qf , ao passo que para uma máquina qualquer estas relações não
estão garantidas.
Demonstra-se de modo semelhante que para refrigeradores e bombas de calor valem

ηr ≤ ηrC , ηb ≤ ηbC .

– Corolário do teorema de Carnot


Duas máquins de Carnot quaisquer, C1 e C2 , que operam entre duas mesmas fontes
de calor possuem o mesmo rendimento, ηC1 = ηC2 .
Demonstração: considerando C1 como máquina qualquer, e C2 , como máquina de
Carnot, resulta do teorema de Carnot que ηC1 ≤ ηC2 . Se considerarmos C2 como
máquina qualquer e C1 , como máquina de Carnot, o que também é possı́vel, pois ambas
são reversı́veis, obtém-se ηC1 ≥ ηC2 .
Conclusão: as duas relações obtidas entre ηC1 e ηC2 implicam ηC1 = ηC2 . Q.E.D.
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 21

Do corolário conclui-se que o rendimento de uma máquina de Carnot qualquer inde-


pende da substância de trabalho. Ele depende apenas dos estados em que se encontram
as fontes quente e fria ou, mais precisamente, das temperaturas das fontes.
– Escala universal de temperatura termodinâmica
Considere máquinas de Carnot elementares, tais que as modificações provocadas
pelas trocas de calor QqC e QfC praticamente não alterem as temperaturas das fontes
q e f.
Como ηC depende só dos estados de temperatura das fontes quente e fria e é dado
Q
por ηC = 1− QfqC , isso significa que, se Tf e Tq pretendem ser medidas das temperaturas
C
Q
das fontes quente e fria, a razão entre os calores é função de Tf e Tq ; QfqC = ψ(Tf , Tq ).
C
Dados três sistemas A, B e C que obedecem ao ordenamento A > B > C, considere
duas máquinas de Carnot C1 e C2 operando, respecivamente, entre A e B e entre B e
C e tais que, quando acopladas uma a outra entre A e C, o calor perdido por C1 para
B seja igual ao calor extraı́do por C2 de B. As duas máquinas, acopladas, funcionam
como uma máquina de Carnot C3 entre A e C.
Sejam W1 = QA − QB e W2 = QB − QC os trabalhos produzidos por C1 e C2 ,
respectivamente. O trabalho produzido por C3 é, pois, W3 = QA − QC = W1 + W2 .
Como W1 > 0, W2 > 0, tem-se QA > QB , QB > QC e QA > QB > QC .
Como para as três máquinas valem Q QC
QA = ψ(TB , TA ), QB = ψ(TC , TB ) e QA =
B QC

QC QC QB
ψ(TC , TA ), obtém-se de QA = QB · QA a relação

ψ(TC , TA ) = ψ(TC , TB )ψ(TB , TA ).

Tendo em vista que TB não aparece no lado esquerdo da relação, a função ψ(Ti , Tj ) —
note que a sua expressão analı́tica é a mesma para todas as máquinas — deve depender
das temperaturas de um modo tal que TB se cancele no lado direito. A expressão mais
φ(Ti )
geral que cumpre esta exigência é ψ(Ti , Tj ) = φ(Tj)
.
Qi φ(Ti )
Conclusão: para qualquer máquina de Carnot vale Q j
= φ(T j)
.
Se os valores da temperatura dos sistema A, B e C devem imitar o ordenamento
A > B > C, ou seja, se TA > TB > TC , então, sabendo que QA > QB > QC , é
necessário que φ(T ) seja função estritamente crescente de T .
Na escala universal de temperatura (termodinâmica), usualmente chamada de escala
de temperatura absoluta, e também de escala Kelvin, o número T associado à tempera-
tura de cada sistema é definido como sendo tal que
Qq C Tq
:= .
Q fC Tf

Assim como na conceituação da escala empı́rica, considera-se como referencial o


ponto tı́plice da água e atribui-se à sua temperatura o valor Ttr = 273, 16 K.
O sı́mbolo K denota a unidade de medida, Kelvin.
Para obter o valor de T para um sistema num estado de equilı́brio qualquer, considera-
se um engenho de Carnot (máquina ou refrigerador) operando em um ciclo elementar
entre o sistema e a água no ponto trı́plice, medem-se os correspondentes calores Q e Qtr
e calcula-se T a partir da relação

Q
T = 273, 16 K.
Qtr
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 22

Com esta medida da temperatura, que independe da substância de trabalho da


máquina, tem-se · · · ≥ TA ≥ TB ≥ TC · · · toda a vez que · · · & A & B & C & · · · , e
está garantido calor de A para B [equilı́brio térmico entre A e B], quaisquer que sejam
estes sistemas, sempre que TA > TB [TA = TB ].
Observação: conhecidas as temperaturas de duas fontes de calor q e f , o rendimento
de uma máquina de Carnot que opera entre q e f é
Tf
ηC = 1 − ,
Tq

que é o rendimento máximo que uma máquina funcionando entre q e f pode atingir.
– Relação entre T e θ
A) Algumas propriedades dos gases
a) Equação dos gases perfeitos (ideais): pV = N Rθ,
onde θ denota temperatura empı́rica de gás ideal, N , número de moles e R, a constante
dos gases, igual a R = 8, 314 J/mol.K;
b) Deformações quase-estáticas adiabáticas: pV γ = cte, γ > 1. γ depende do tipo
de gás; para um gás monoatômico (ideal), γ = 53 .
c) Experiência de Gay-Lussac e de Joule, referente à expansão livre: We = 0; θf =
θi =⇒ Q = 0 para gás real → gás ideal. Conseqüência: △U = 0 quando △θ = 0 para
gás ideal.
d) Calor trocado pelo gás durante um processo isotérmico reversı́vel, θ = cte:
Como △U = 0, quando △θ = 0, resulta, de △U = Q + We ,
Vf Vf
dV Vf
Z Z
Q = −We = pdV = N Rθ = N Rθ ln( ).
V Vi
Vi Vi

B) Máquina de Carnot com gás ideal como substância de trabalho


Considere duas fontes térmicas q e f com temperaturas empı́ricas θq e θf , respecti-
vamente, e tais que q > f — conseqüentemente, θq 6= θf .
Observação: pensando em termos da temperatura empı́rica, a qual decorre da Lei
Zero somente, não estamos autorizados a afirmar que θq > θf quando q > f . Se q > f ,
só podemos afirmar que q e f não estão em equilı́brio térmico e que, portanto, θq 6= θf .
O processo cı́clico, reversı́vel, sofrido pelo gás compõe-se de:
a) expansão isotérmica do gás em contato térmico com a fonte q, de (p1 , V1 ) a
(p2 , V2 ). Durante o processo a temperatura θ do gás mantém-se constante, θ = θq , e o
gás absorve calor Qq = |Q1−→2 | de q;
b) expansão adiabática, de (p2 , V2 ) a (p3 , V3 ), onde V3 é tal que θ3 = θf . O gás não
está em contato térmico com nenhuma das fontes durante o processo;
c) compressão isotérmica do gás em contato térmico com a fonte f , de (p3 , V3 ) a
(p4 , V4 ), onde V4 deve ser adequado para que seja possı́vel o processo d), a seguir.
Durante o processo a temperatura θ mantém-se constante, θ = θf , e o gás perde calor
Qf = |Q4−→3 | para f .
d) compressão adiabática, de (p4 , V4 ) ao estado (p1 , V1 ).
De A-d) resulta que os calores trocados pelo gás com as fontes quente e fria são,
respectivamente, Qq = N Rθq ln(V2 /V1 ) e Qf = N Rθf ln(V3 /V4 ).
Por outro lado, considerando A-a) e A-b), têm-se, para os processos isotérmicos:
p2 V2 = p1 V1 , p4 V4 = p3 V3 e, para os processo adiabáticos: p3 V3γ = p2 V2γ , p1 V1γ = p4 V4γ .
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 23

Multiplicando membro a membro estas quatro equações e simplificando:


V2 V4 V3γ V1γ = V1 V3 V2γ V4γ =⇒ (V3 V1 )γ−1 = (V2 V4 )γ−1 =⇒ (V2 /V1 ) = (V3 /V4 ).
Razão entre os calores trocados:
Qq θq
= .
Qf θf

C) Conclusão
Como T é definido de tal modo que Qq /Qf = Tq /Tf , obtém-se

θq Tq
= ,
θf Tf

ou seja, que θ e T são proporcionais um ao outro, θ = aT . Mas, tanto na escala de


temperatuta empı́rica como na escala universal, θtr = 273, 16 K e Ttr = 273, 16 K. Logo

θ = T.

Este resultado justifica o uso da escala de temperatura empı́rica de gás ideal nas
medidas da temperatura termodinâmica, quando possı́vel o uso do termômetro a gás
ideal.
Medindo T para cada estado de equilı́brio de um sistema, seja com um engenho de
Carnot, seja com um termômetro a gás ideal ou com outro termômetro equivalente a
um engenho de Carnot, obtém-se mais uma equação de estado para a coleção:

T = T (y, X 1 , ..., X n ).

– Degradação de energia
Ocorre muitas vezes que, por atrito, mau gerenciamento, etc., uma quantidade de
energia em estado nobre — energia cinética, potencial, etc. —, capaz de realizar dire-
tamente trabalho, passa a uma situação tal que posteriormente só é possı́vel acessá-la
através de calor.
Exemplo: Considere uma bola de ferro de massa m suspensa por um cabo a uma
altura h do chão. Rompendo-se o cabo, a bola despenca e, depois de algum tempo,
queda inerte no chão. O processo é irreversı́vel.
Onde foi parar a energia mgh? Suponhamos que, integralmente, na bola, com o
conseqüente aumento da energia interna dela — e também da temperatura, pois U e T
estão relacionadas por uma equação de estado do tipo U = mcT .
Observação: calor entre sistemas na C.P.C. está intimamente ligado a diferença de
temperatura entre os sistemas, origem da seguinte afirmação:
“Calor é um tipo de transferência de energia devido a diferença de temperatura”.
Ela conduz ao pensamento de que quando não há diferença de temperatura entre
dois sistemas não há calor entre eles.
Cuidado, na deformação reversı́vel isotérmica de um gás ideal, p. ex., há calor entre
o gás e uma fonte de calor, mas ambos, o gás e a fonte, estão à mesma temperatura. “E
agora, José?”
A afirmação também conduz à idéia de que variação de temperatura de um sistema
é provocada necessariamente por calor.
Isso é, de fato, verdade na Calorimetria, mas, cuidado, veja o que acontece, p. ex.,
com a bola no exemplo em apreço.
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 24

A transferência de energia neste caso é conhecida, do gênero computável em termos


de parâmetros externos ao sistema (a bola), mgh. Ela é, portanto, do tipo trabalho
externo, We .
Como △U = Q + We = We = mgh > 0 — admitindo ser o processo adiabático — e
U = mcT , tem-se △T = gh/c > 0, ou seja, a temperatura da bola aumenta sem receber
ela (energia sob forma de) calor.
Dizer que a energia recebida pela bola transformou-se em calor, e daı́ o aumento
de temperatura, não está correto, pois significa que calor é um tipo de energia, o que
não é verdade. Calor é um tipo de transferência de energia, assim como também o é o
trabalho externo.
Recomendação: quando We 6= 0 num processo, é preciso ter cautela com a relação
entre Q e △T .
Voltando ao problema da degradação de energia; para usar a quantidade de energia
mgh depois de transferida à bola, só se ela for extraı́da sob forma de calor.
A Segunda Lei segundo Kelvin–Planck implica, porém, inexistência de algum en-
genho térmico que converta integralmente calor em trabalho, de modo que há perda
irreparável, irreversı́vel, de energia nobre capaz de realizar trabalho diretamante no
processo em questão. Como avaliar essa perda?
No caso da bola, sejam Ti e Tf suas temperaturas inicial e final no processo, e
seja T0 < Ti a temperatura de um sistema auxiliar, um reservatório reversı́vel de calor
(T0 = cte), aqui chamado de “pia”.
Podemos extrair energia sob forma de calor Q = mgh da bola através de uma
máquina de Carnot, operando entre esta e o sistema auxiliar, e produzir trabalho.
ComoR a temperatura da bola
R varia durante o processo de extração de energia, tem-se
We = d− We = ηC d− Qq = (1 − T0 /Tq )d− Qq , onde d− Qq = dUq = mcdTq .
R

A quantidade de energia que se degradou, que perdeu capacidade de realizar traba-


lho, que foi para o “ralo da pia”, é
Z −
d Qq Tf
Z Z
− − −
Edegr = d Qf = (d Qq − d We ) = T0 = mcT0 ln( ) > 0.
Tq Ti
−Q
d
Note o aparecimento de um fator Tq q na seqüência de expressões.
Para qualquer processo em que energia se aloja de tal modo que só é possı́vel acessá-
la posteriormente sob forma de calor, o valor de Edegr assume uma expressão semelhante,
mais precisamente, do tipo
X Z d− Qk
Edegr = T0
Tk
k
≡ T0 △S U ,
R −
onde dTQk k é a contribuição do k-ésimo componente do universo no qual se desenvolve
o processo.
Observação: degradação de energia não significa perda de energia, no sentido de
não-conservação desta. Significa perda de capacidade de realizar trabalho.
– Medida do grau de irreversibilidade de um processo
Pode-se entender que um processo será tanto mais irreversı́vel quanto maior for o
valor de Edegr , desde que, para efeitos de comparação entre diferentes processos, seja
considerado sempre o mesmo sistema à temperatura T0 .
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 25

Já que Edegr é proporcional ao fator


X Z d− Qk
U
△S ≡ ,
Tk
k

que envolve unicamente os componentes do universo onde ocorre o processo e cujo valor
discrimina um processo do outro, podemos considerar o fator △S U como uma medida
do grau de irrevesibilidade do processo.
P R −
Observação: mais adiante, quando ressurgir a expressão k dTQk k , sob outro ângulo,
lembre-se de que ela tem a ver com a capacidade de realizar trabalho perdida, que “entrô
pia”adentro.
– Teorema de Clausius
Considere um processo cı́clico qualquer de um sistema termodinâmico – não neces-
sariamente reversı́vel, não necessariamente quase-estático – no qual as fontes de calor
com as quais o sistema interage durante o processo são fontes reversı́veis.
Seja T V a temperatura da fonte de calor com a qual o sistema está em contato em
algum momento do processo – a fonte pertence à vizinhança (V ) do sistema – e seja
d− QS ≡ d− Q, o calor que o sistema (S) dela recebe algebricamente.
Lembrete: d− QS é positivo se o sistema recebe calor, e negativo se ele perde calor.
Observação: como o processo é arbitrário, o sistema pode não estar em um estado de
equilı́brio e, conseqüentemente, sua temperatura, que é função de estado de equilı́brio,
pode não estar definida durante a interação com a fonte de calor à temperatura T V . O
calor d− QS , porém, está bem definido, pois, a menos de um sinal (em módulo), é igual
ao calor recebido pela fonte de calor a T V , d− QV , o qual pode ser avaliado em princı́pio;
d− QS = −d− QV .
Observação: a razão d− QS /T V é um objeto hı́brido, no sentido de que não se refere
nem ao sistema somente, nem à fonte de calor somente.
O Teorema de Clausius diz respeito à soma de todas as contribuições d− QS /T V ao
longo do processo e afirma: I − S
dQ
≤ 0,
TV
onde o sinal de igualdade vale só para processos reversı́veis. Nos processos irreversı́veis,
não importando se quase-estáticos ou não, impera o sinal de desigualdade.
Demonstração:
Suponha um processo cı́clico qualquer do sistema S no qual ele troca energia com
N fontes reversı́veis de calor a temperaturas TiV , i = 1, ..., N .
Considere uma fonte reversı́vel de calor auxiliar à temperatura T0V ≥ TiV , ∀i.
Considere também um conjunto de N engenhos térmicos de Carnot operando, cada
um deles, entre a fonte auxiliar e uma das N fontes e com ciclos tais que, ao completar-
se o ciclo de S, complete-se também o ciclo de cada engenho e a variação de energia
interna de cada uma das N fontes seja nula.
Isso significa que se QVi é a quantidade de energia que a i-ésima fonte recebe[perde]
de[para] S, esta mesma quantidade é cedida[recebida] por ela à[da] substância de tra-
balho do i-ésimo engenho.
Ao completar-se o ciclo de S, as únicas variações de energia no universo são, pois,
as da fonte auxiliar (sob forma de calor), △U0V = QV0 , e da(s) fonte(s) de trabalho que
interage(m) com S e com os N engenhos, num total de −QV0 , por conservação de energia
do universo.
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 26

O valor de QV0 deve ser positivo ou nulo, QV0 ≥ 0, pois, do contrário, o conjunto
formado pelo sistema S, as N fontes de calor e os N engenhos de Carnot se comportaria
como um engenho que converte integralmente calor em trabalho, o que não é possı́vel
pela Segunda Lei da Termodinâmica segundo Kelvin-Planck.
Se QVi é a energia recebida[cedida] pelo i-ésimo engenho da fonte à temperatura
QV
TiV , a energia fornecida[retirada] por ele à fonte auxiliar é QV0,i = T0 T Vi , em vista da
i
definição de medida de temperatura na escala universal (Kelvin).
O valor total de energia recebida pela fonte auxiliar ao completar-se o ciclo de S é,
PN QVi
portanto, QV0 = N V
P
i=1 Q0,i = T0 i=1 T V
i
V
PN QVi
Como Q0 ≥ 0 e T0 > 0, então, i=i T V ≥ 0.
i
Se o sistema, em vez de trocar energia com um número discreto de fontes, trocar
energia com uma distribuição contı́nua de fontes, deveria tomar-se o limite de N → ∞
e cada QVi → 0 na soma anterior. Obtém-se

d− QV
I
≥ 0.
TV

Levando em conta que a energia elementar que o sistema recebe da fonte a T V é


d− QS = −d− QV , a iqualdade-desigualdade acima assume a forma usualmente encontrada
na literatura I − S
dQ
≤ 0.
TV
H − Srev )
No caso de ser reversı́vel o processo, tem-se também d (Q TV
≤ 0, referente ao
processo reverso. Como para processos reversı́veis vale d Qrev = −d QS , conclui-se que,
− S −

para processos desse tipo, I − S


dQ
= 0.
TV
Q.E.D.
Quando o processo é reversı́vel, a temperatura do sistema está bem definida e coin-
cide com a da vizinhança em qualquer estágio do processo, T = T V , pois, se não fosse
assim, haveria calor espontâneo entre S e V e o processo seria irreversı́vel. O teorema
implica nesse caso I −
dQ
= 0,
T
onde d− Q e T referem-se, ambos, ao sistema.
– Entropia 1
Sejam C1 e C2 dois processos reversı́veis quaisquer que levam um sistema de um
estado i a um estado f .
Considere o processo em que o sistema vai de i a f pelo caminho C1 e retorna a i
pelo caminho reverso de C2 , C2r . Este processo é cı́clico e reversı́vel, e, do Teorema de
Clausius, obtém-se

Zf Zi Zf Zi
d− Q d− Q d− Q d− Q d− Q
I
= 0 =⇒ + = 0 =⇒ =−
T T T T T
i C1 f Cr i C1 f Cr
2 2

1
Entropia deriva do grego ǫν(em, dentro) + τ ρωπη (transformação, evolução).
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 27

ou seja,
Zf Zf
d− Q d− Q
= .
T T
i C1 i C2

Conclusão: como C1 e C2 são dois processos reversı́veis arbitrários e os valores da


− −
integral de dTQ de i a f sobre C1 e C2 coincidem, conclui-se que a integral de dTQ sobre
qualquer processo reversı́vel Crev de i a f é função somente dos estados i e f e que
existe, portanto, uma função de estado S tal que
Zf
d− Q
= Sf − Si .
T
i Crev

Esta função de estado é denominada entropia.


Para processos reversı́veis elementares, valem
d− Q
dS = , d− Q = T dS.
T
Do mesmo modo que a energia, a entropia é uma grandeza aditiva; a entropia de
um sistema composto é a soma das entropias dos seu componetes. Será que é também
conservativa? Veja mais adiante.
– Determinação da equação de estado S = S(y, X 1 , ..., X n )
Seja O um estado fidedigno do sistema, e G, um estado genérico de coordenadas
y, X 1 , ..., X n .

Determinando a soma das contribuições de dTQ ao longo de um processo reversı́vel
Crev qualquer, S é dada por
ZG
d− Q
S = SO + .
T
O Crev

Obtém-se deste modo, como no caso da energia,


S = S(y, X 1 , ..., X n ) ,
a menos de um valor arbitrário SO , em geral considerado igual a 0.
– Variação da entropia de um sistema num processo qualquer
Dado um processo Cdado qualquer sofrido por um sistema — quase-estático ou não,
reversı́vel ou não,... — entre dois estados i e f , como calcular a variação de entropia
△Si−→f do sistema?
Entropia é função de estado; logo, se for dada a equação S = S(y, X 1 , ..., X n ), é só
determinar Sf e Si e efetuar a subtração △Si−→f = Sf − Si .
Mas e se a equação de estado S = S(y, X 1 , ..., X n ), ou outra qualquer que permita
determinar Sf e Si , não estiver à disposição?
Neste caso a solução é conceber um processo reversı́vel qualquer, contando que tenha
em comum com Cdado os mesmos estados inicial e final, i e f , — vamos chamá-lo de
processo hipotético, Chip — e calcular
Zf
d− Q
= Sf − Si = △Si−→f .
T
i Chip
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 28

Exemplo:
Dado um gás ideal de N moles, considere o processo de expansão livre do gás do
estado (pi , Vi ) ao estado (pf = pVi Vi , Vf > Vi ).
O processo é turbulento e, portanto, irreversı́vel; os únicos estados de equilı́brio
termodinâmico são os estados inicial e final; a temperatura, que é função de estado,
não está definida durante o processo, exceto nos estados inicial e final — nos quais, por
sinal, possui o mesmo valor, Tf = Ti = pNi VRi .
Qual é o processo hipotético entre i e f mais simples, para efeitos de cálculo de △S?
A menos de um de gustibus et coloribus non disputandum, a expansão isotérmica.
Note que △U = 0 para deformações isotérmicas (resultado das experiências de
Gay-Lussac e de Joule). Logo, de dU = d− Q + d− We , tem-se para o presente processo
hipotético (expansão isotérmica) d− Q = −d− We = pdV .
Como p = NVRT , a variação da entropia sofrida pelo gás é

Zf Zf Zf
p dV N RT dV dV Vf
△Si−→f = = = NR = N R ln( ).
T TV V Vi
i Chip i i

Suponha que Cdado seja tal que as fontes de calor na vizinhança do sistema estejam,
em qualquer estágio do processo, em estado de equilı́brio.
Rf − QS
d
Será que △Si−→f é igual a TV
?
i Cdado
Considere o processo cı́clico em que o sistema vai de i a f por Cdado e retorna a i pelo
processo Chip r , reverso de um processo hipotético reversı́vel C
hip de i a f . O processo
cı́clico satisfaz as condições de aplicabilidade do Teorema de Clausius, do qual obtém-se
Rf − QS
d Ri − QS
d Rf − QS
d Rf − QS
d
T V + T S ≤ 0 =⇒ − T S ≤ − TV
=⇒
i Cdado f Cr i Chip i Cdado
hip
Rf − QS
d Rf − QS
d
TS
≥ TV
,
i Chip i Cdado

isto é,
Zf
d− QS
△Si−→f ≥ .
TV
i Cdado

Rf − QS
d
• Para Cdado reversı́vel vale △Si−→f = TV
.
i Cdado
Rf − QS
d
• Para Cdado irreversı́vel (turbulento, p. ex.) vale △Si−→f > TV
.
i Cdado
•Para Cdado quase-estático, fazem sentido dS e T para o sistema em um elemento

do processo. Qual é a relação entre dS e dTQ neste caso?
a) Se Cdado é reversı́vel, valem, conforme já apresentado anteriormente, T = T V e

d− QS d− Q
dS = = .
TV T
b) Se Cdado é irreversı́vel – aguarde: produção interna de entropia –, vale obrigato-
− S −
riamente dS > dTQV e, portanto, se T = T V , dS > dTQ , mas se T 6= T V , dependendo do
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 29

processo, tanto pode valer a igualdade como a desigualdade. Em suma,

d− Q
dS ≥ .
T
– Variação da entropia do universo
Seja U um sistema isolado, simples ou composto, com componentes internos em
equilı́brio mútuo ou não. Podemos chamá-lo de universo. A união de um dado sistema
e respectiva vizinhança é um exemplo. Seja S U a entropia de U .
Como U é isolado (ele não possui vizinhança), d− QU = 0, qualquer que seja o processo
Rf − QS
d
i −→ f sofrido por ele. Logo, da relação △Si−→f ≥ TV
, adaptada à presente
i Cdado
situação,
U
△Si−→f ≥ 0.
Observa-se que S U nunca diminui. Na melhor das hipóteses, permanece constante;
isto, só no caso limite de processos reversı́veis, pois, do contrário, aumenta inexoravel-
mente.
Exemplo:
Expansão livre, turbulenta ou não, de um gás perfeito isolado.
A variação de entropia do universo, que neste caso é um sistema isolado simples, o
gás somente, é igual a
U Vf
△Si−→f = N R ln( ) > 0.
Vi
Diferentemente da energia interna, a entropia não é, pois, uma grandeza conser-
vativa; a diferença entre esta e aquela, ambas, aditivas, pode ser apreciada nas duas
basilares sentenças de Rudolf Julius Emanuel Clausius (1822-1885):

1) Die Energie der Welt i‚ kon‚ant;


2) Die Entropie der Welt ‚rebt einem Maximum zu,

que significam

1) a energia do universo é constante;


2) a entropia do universo tende a um máximo.

Observação: a não diminuição da entropia de qualquer universo termodinâmico não


significa que não possa haver diminuição de entropia de um sistema em algum processo.
Por exemplo, △S de um gás ideal numa compressão isotérmica reversı́vel é negativa,
△S = N R ln(Vf /Vi ) < 0, pois Vf < Vi .
A possibilidade de △S < 0 em algum processo é, porém, compensada pelo aumento
da entropia de algum componente na vizinhança de tal modo que S U não diminui.
– Extensão do conceito de entropia
A entropia surge como função de estado de equilı́brio de sistemas simples, com-
postos ou não. Como estendê-la a estados de não equilı́brio de sistemas formados por
subsistemas simples individualmente em estado de equilı́brio termodinâmico mas não
em equilı́brio mútuo?
Para esses sistemas a entropia é definida como sendo a soma das entropias dos
subsistemas.
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 30

E a temperatura? Só faz sentido pensar na temperatura do sistema composto como


um todo se os subsistemas estiverem em equilı́brio térmico. Neste caso, as temperaturas
dos subsistemas se igualam e a tempertura do sistema composto, pensado como uma
unidade, é a temperatura comum aos subsistemas.
– Produção interna de entropia
A variação de entropia de um sistema em um processo Cdado quase-estático qualquer,
não necessariamente reversı́vel, pode ser desdobrada em duas partes,

dS = de S + di S,

onde de S é a variação de entropia em um elemento do processo devido a calor entre o


sistema e a vizinhança e di S, denominada produção interna de entropia, é a contribuição
a dS devido a mudanças internas no sistema.
de S é dada por
d− Q
de S = ,
T
onde T é a temperatura do sistema e d− Q é o calor por ele trocado com as fontes externas
ao sistema no processo Cdado .
Para di S vale sempre
di S ≥ 0,
cumprindo-se a igualdade quando o processo é reversı́vel.
Atenção: se di S > 0, o processo é com certeza irreversı́vel. Se di S = 0, o processo
não é, porém, necessariamente reversı́vel, podendo, no caso irreversı́vel, a causa da
irreversibilidade estar, por exemplo, na produção de entropia na vizinhança ou, se isso
não for verdade, na diferença de temperatura entre sistema e vizinhança.
Se o sistema é, por exemplo, uma fonte reversı́vel de calor, a modificação sofrida por
ela em um processo do qual participa, mesmo sendo este irreversı́vel, é quase estática e
tal que di S = 0.
Para um sistema isolado,
dS = di S ≥ 0.
Exemplo:
Seja Cdado uma expansão livre quase-estática de um gás qualquer, não necessaria-
mente perfeito — com cautela pode-se chegar a um tal processo como caso limite.
O processo é claramente irreversı́vel, pois, para fazer retornar o gás ao seu estado
inicial, é necessário interagir sobre ele de fora, com conseqüente modificação do universo.
Para um elemento do processo dado, pdV > 0 (pdV 6= 0), apesar de d− We = 0 !
Como se pode demonstrar que para um sistema qualquer os diferenciais de U , S,
n
1
X , ...,X n estão relacionados via dU = T dS+ Yi dX i e que, portanto, em vista da
P
i=1
Primeira Lei, dU = d− Q + d− We , vale a relação
n
X
T dS+ Yi dX i = d− Q + d− We ,
i=1

para qualquer processo quese-estático, seja ele reversı́vel ou não, mesmo que não se
n
cumpram separadamente d− Q = T dS e d− We = Yi dX i , isso significa que no presente
P
i=1
Capı́tulo 3. Segunda Lei da Termodinâmica 31

exemplo: T dS − pdV = d− Q + d− We ou, mais precisamente, T dS = d− Q + pdV , pois


d− We = 0. Logo,
d− Q p
dS = + dV,
T T
de onde se identificam
d− Q p
de S = , di S = dV > 0.
T T
Se o gás é ideal, não necessariamente isolado, d− Q = 0 =⇒ de S = 0, dS = di S > 0.
Se o gás é real, mas isolado, também, d− Q = 0 e dS = di S > 0.
– Interpretação da entropia do universo
U
Para o universo, note que △Si−→f é dada por

f −
U
XZ dQ k
△Si−→f = ,
i Tk
k

calculada sobre processos reversı́veis (hipotéticos ou não) para cada componente k do


universo, e coincide com o que foi apresentado anteriormente (pág. 25) como medida do
grau de irreversibilidade de um processo, que é essencialmente a energia que se perdeu
irreparavelmente no processo, Edegr = T0 △S U , no sentido de perda de capacidade de
realizar trabalho.
– Pergunta e resposta singelas
Para que serve a entropia? Acabou de ser dada uma resposta acima.
Capı́tulo 4

TERCEIRA LEI DA TERMODINÂMICA

– Postulado IV
Terceira Lei da Termodinâmica segundo Nernst:
“A variação da entropia sofrida por um sistema num processo isotérmico reversı́vel
tende a zero quando a temperatura tende a zero.”

PHIM1

1
PHIM parece FIM, mas não é FIM.

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