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01/12/2010 Observatório da Imprensa

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VILA BOA DE GOYAZ, 1909


As tramas de um cinema
Por Vinicios Kabral Ribeiro em 23/11/2010

Vila Boa de Goyaz, 13 de maio de 1909. Moças e suas mães penteavam


os cabelos, senhores ajeitavam seus ternos, lustravam os sapatos e
mandavam reservar suas entradas na Pharmacia S. Domingos ou na
casa dos ilustríssimos Felippe Baptista e Bichara Saddi. O convite
estava feito e um frenesi instaurava-se pela notíc ia de que ali, na
capital de Goiás, seria possível conferir a "imagem em movimento" dos
irmãos Lumière que, em 28 de dezembro de 1895, surpreendera os
parisienses.

Cartazes publicitários registraram o singular momento da chegada do


"Cinema Goyano", além de constarem a programação exibida. Um
detalhe é a presença da banda musical do batalhão policial, posto a
não existênc ia do cinema "falado". As sessões dessa primeira sala
funcionaram até o ano de 1934. Vila Boa c ontou com o Cinema Luzo
Brasileiro, 1914, que inseriu músic as de fundo durante as exibições e o
Cinema Íris, inaugurado em 1919, fec hado em 1923 e reaberto no
mesmo ano, intitulado "Ideal". Em fevereiro de 1937 esmaec eu-se a
presença de orquestras, pois temos a chegada do Cine Progresso e a
sonorização dos filmes (LEÃO e BENFICA, 2009).

A estreia do c inema "falado" em Goyaz é conc omitante à despedida da


cidade como centro da administração públic a do estado. O proc esso de
transiç ão manifesta-se em 24 de outubro de 1933, c om o lançamento
da pedra fundamental de Goiânia, e materializa-se com o Decreto nº
1.816, de 23 de março de 1937, c oncretizando-se com sua
inauguração oficial em 1942 (QUINTELA e CASTRO, 2007).

O cine Poeira

O primeiro cinema da infanta c apital, em verdade, era localizado no


extinto município de Campinas, que se tornou um bairro de Goiânia em
1935. A abertura de suas portas deu-se aos 13 de junho de 1936 e
seu nome, Cine Teatro Campinas, foi escolhido por um concurso público
tendo c omo vencedora a proposta de Antônio Leão Teixeira. A primeira
sala, localizada na região central, foi inaugurada em outubro de 1939 e
nomeada a priori Cine Popular, posteriormente foi rebatizada como
Santa Maria. O proprietário do pioneiro empreendimento era o
português Alípio Ferreira e o primeiro filme exibido foi The Man Who
Dared, dirigido por Crane Wilbur, EUA, 1939 (LEÃO e BENFICA, 2009).

O Santa Maria, desde sua estabanada inauguração em 1939, rec ebeu o


peculiar apelido de Cine Poeira. A sala foi edificada com escassez de
recursos e a falta de mobiliário adequado, em especial suas cadeiras
que não obedeciam a um padrão, com fileiras compostas de distintos
materiais de fabric ação e tamanho. O jornalista Alaor Barbosa, ao
rememorar o "Santa" em uma c rônica no jornal Diário da Manhã, o
descreve como singular, mesmo que seja arquitetonicamente pobre e
simples. O cinema c onverteu-se em um testemunho da embrionária
cidade.

A reputação do "Santa Maria" já não era das melhores desde seu início.

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Sua estrutura modesta, a ausência de decoração pomposa e de filmes
de arte o transformou em um espaço marc adamente popular. O cinema
preferido das classes mais abastadas era indubitavelmente o Cine
Goiás, atual Teatro Goiânia, na Avenida Tocantins. Nos tempos em que
pessoas "distintas" c ompunham a vida cultural da cidade, ir ao c inema
signific ava um compromisso público, implic ando uma vestimenta
adequada, como também posturas e trejeitos que aparentassem maior
erudição e nível ec onômico. O Cine Santa Maria, em finais dos anos de
1970, começou a exibir além de suas fitas c lássicas, as brasileiríssimas
pornoc hanchadas. Contudo, foi instituída uma "sessão da meia noite".
De caráter privativo e androcêntrico, levou para a sala da Rua 24
muitos homens ávidos por visualizações carnais.

A representação pornográfica

A pornochanchada refletiu uma onda de afrouxamento moral


experimentada pela sociedade brasileira entre os anos sessenta e
setenta, sendo uma das formas de tematizar a revolução sexual. O
humor e as situações inesperadas juntavam-se com a nudez e a
encenação sexual, em uma rec eita que conquistou o apelo popular
(ABREU, 2002). Esta permissividade sentida em nosso país possibilitou
que a pornografia protagonizasse as tramas de muitas salas de cinema,
que fechariam suas portas se não buscassem em outro argumento uma
forma de se manter no merc ado. Inúmeras pessoas adentravam pelas
cortinas para ver melodramas que traziam consagrados estereótipos,
como o garanhão cafajeste, a virgem profissional, o velho tarado, a
frígida gostosa, a moça liberada, o marido inadimplente, a esposa em
erupção, a titia malandrona e o safado engravatado (GARDNIER, 2001).

A reduç ão de espaços de exibição cinematográfica está engendrada ao


surgimento da televisão e ao aprimoramento das tecnologias
comunic acionais. A indústria do cinema aliou-se c om a televisiva,
gerando uma simbiose. Tal relação beneficiou espec ialmente o mercado
norte-americano, fragilizando as salas brasileiras. A c onsolidação da TV
em nosso país, a partir dos anos sessenta, é simultânea ao proc esso
de fec hamento dos c inemas. A extinç ão ampliou-se com a
popularização do videocassete na década de 1970 e tal processo se
ac entua com a chegada do DVD e maior acesso da populaç ão à
internet e TV por assinatura (LEÃO e BENFICA, 2009).

A violênc ia urbana é outro fator que intensificou o fec hamento dos


cinemas tradicionais e a c onsolidação dos complexos de exibição em
shopping centers. Em Goiânia, o centro da c idade contava com os
cines Astor, Capri, Casablanca, Cultura, Ouro, Presidente e Ritz, sendo
o último a única sala de cinema de rua convencional, privada, em
funcionamento na c idade. Gradualmente, estes locais foram
desaparecendo. Novas zonas surgiram e se solidificaram, com
autonomia do centro, c om uma rede de serviç os e comércios
satisfatórios. As atuais configuraç ões das salas centrais não destoam
das demais capitais brasileiras. O abandono dessa região da cidade e a
debandada rumos aos shopping c enters é inquestionável, tal como a
relação entre indivíduos e a sétima arte não é a mesma de déc adas
atrás.

A inserção da pornografia nesses antigos espaços c inematográficos


conforma-se justamente no momento em que as regiões centrais das
cidades perdem parte do seu simbolismo, em um proc esso de
abandono, sendo associadas à violência, prostituição e marginalidade
(VALE, 2000). Nesse c enário, ano de 1994, o Cine Santa Maria encerra
a exibição de seus filmes "clássicos". Dois anos de inatividade e
esquecimento se passaram até a sua reinauguração. Em 1996, a sala
que carrega o nome da mãe de "Cristo" reabre suas portas, apaga suas
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luzes, liga o projetor e tem em suas telas, exclusivamente, a
representação pornográfica.

Referências Bibliográficas

ABREU, Nuno. 2002. Boca de lixo, cinema e classes populares. Campinas:


Unicamp. Tese. (doutorado em multimeios).

GARDNIER, Ruy. A rica fauna da pornochanchada. Disponível em:


www.contracampo.c om.br/36/frames.ht

LEÃO, Beto; BENFICA, Eduardo. Goiás no século do cinema. Disponível


em http://www.mnemocine.art.br/index.php?
option=com_docman&task=c at_view&gid=73&Itemid=72

QUINTELA, Antón; CASTRO, Luciana. "Goyania = goiânia: de poema a


topônimo" in: Revista UFG. Goiânia, Ano IX, nº 1 – Agosto de 2007.

VALE, Alexandre Fleming Câmara. No escurinho do cinema: cenas de um


público implícito. São Paulo, Annablume, 2000.

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