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Valores e Tabagismo: O Recontexto do Desvio

Sebastião Amoêdo de Barros


Universidade Federal do Rio de Janeiro
1996

Índice Atribuímos sempre um valor às coisas ou


aos objetos, naturais ou produzidos pelo ho-
1 O que São valores 1 mem. Prosseguindo no hábito passamos a
2 Da norma e do desvio 2 julgar a conduta humana.
3 O valor sócio-econômico do tabaco 3 Adolfo Sãnchez Vãzquez apresenta uma
4 O anti-tabagismo 5 dupla existência das coisas: a) como ob-
5 Obrigado por fumar 6 jeto natural; b) como objeto natural humano
6 O direito dos desviantes 10 ou humanizado. (4) Exemplifica ele com
7 Conclusão 11 a prata, como mineral que é ou como pro-
8 Referências bibliográficas 11 duto artístico moldado pelo homem. Assim
9 Bibliografia 12 a prata pode ser contemplada por sua pro-
10Relação dos anexos 13 priedade estética, prático-utilitária ou econô-
À memória de meu pai: mica.
"suicidado"pelo fumo. Segundo ele é possível deduzir uma série
de traços essenciais:
"Sob que condições inventou-se o homem
Aqueles juízos de valor, bom e mau? e que 1. Não existem valores em si, como enti-
valor têm eles mesmos? dades ideais ou irreais, mas objetos
Nietzsche (1) reais (ou bens) que possuem valor.

O que é liberdade com responsabilidade, 2. Dado que os valores não constituem um


senão a liberdade com limites que o mundo de objetos que exista indepen-
conviver impõe? dentemente do mundo dos objetos reais,
Ester Kosovski (2) somente existem na realidade natural
e humana como propriedades valiosas
dos objetos da mesma realidade.
1 O que São valores
3. Por conseguinte, os valores exigem -
"O homem se designou como o ser que mede
como condição necessária - a existência
valores, que valora e mede, como o "animal
de certas propriedades reais - naturais
estimador em si". (3)
2 Sebastião Amoêdo de Barros

ou físicas - que constituem o suporte ne- Evolutivos, em conseqüência das mu-


cessário das propriedades que conside- danças do meio social, eles ora convergem
ramos valiosas. ora divergem, ampliando-se ou volatizando-
se na dinâmica de sua própria existência.
4. As propriedades reais que sustentam o
valor, e sem as quais este não existiria,
são valiosas somente em potência. Para 2 Da norma e do desvio
passar a ato e transformar-se em pro-
Todos os grupos sociais fazem regras e
priedades valiosas efetivas, é indis-
tentam, em alguns momentos e em algu-
pensável o objeto esteja em relação com
mas circunstâncias, fazer com que elas
o homem social, com seus interesses e
sejam seguidas. Regras sociais definem
com suas necessidades. Desta maneira,
situações sociais e os tipos de comporta-
o que vale somente em potência adquire
mento apropriados a elas, especificando
um valor efetivo.
algumas ações como "certas"e proibindo
Sendo assim, concluímos que o valor não outras como "erradas". Quando uma re-
é propriedade dos objetos em si, mas pro- gra é imposta, a pessoa que se supõe tê-la
priedade adquirida graças à sua relação com transgredido pode ser vista como um tipo
o homem como ser social. Mas, por sua vez, especial de pessoa, alguém que não se es-
os objetos podem ter valor somente quando pera que viva segundo as regras com as
dotados realmente de certas propriedades ob- quais o grupo concorda. Ela é vista como
jetivas. (5) um marginal ou desviante. (8)
Para Jurandir Freire Costa se os valores fo-
ram feitos por nós, não são hiper-humanos, Howard Becker apresenta-nos a teoria do
nem perfeitos. Mas estão longe de sem me- desvio, fundamentado na característica im-
canismos exclusivamente de coação ou in- positiva e dogmática das regras, fundamen-
strumentos de dominação. Para ele: "exis- tadas, a ser ver, pela simples idealização
tem leis e valores que surgem do consenso, de posturas comportamentais. Assim sendo,
como o conceito de democracia - em que se para ele, o desvio é ato e não rótulo:
procura assegurar o espaço para a divergên-
cia de opiniões e a proteção aos mais fracos ...o desvio não é uma qualidade do ato
- e mecanismos de obediência consentida". que a pessoa comete, mas uma conse-
(6) qüência da aplicação por outras pessoas
Mas é Pierre Weil quem conclui "Valor é de regras e sanções a um "transgressor".
uma variável da mente que faz com que o O desviante é alguém a quem aquele
ser humano decida ou escolha se comportar rótulo foi aplicado com sucesso; com-
numa determinada direção e dentro de deter- portamento desviante é o comportamento
minada importância". (7) que as pessoas rotulam como tal. (9)
Criados pelo ser humano, como variáveis
de escolha, os valores serão múltiplos e in- O fato de um ato ser desviante, então,
esgotáveis, pela inesgotabilidade do próprio depende de como as pessoas reagem a
ser. ele. Você pode cometer o incesto de clã e

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Valores e Tabagismo 3

ser alvo apenas de fofocas enquanto nin- lado, a imposição põe ser tarefa de todo
guém fizer uma acusação pública; mas mundo ou, pelo menos, a tarefa de todos
você será levado à morte se a acusação os membros do grupo ao qual se pretende
for feita. O ponto principal é que a res- que a regra se aplique. (12)
posta de outras pessoas tem que ser enca-
rada como problemática. Só porque al- Deduzimos então que as regras são forma-
guém infringiu uma regra não significa das dentro do grupo por elementos que exer-
que os outros reagirão como se isso ti- cem liderança - consensada ou imposta pela
vesse acontecido (inversamente, só por- força - não necessariamente obtendo o sufrá-
que alguém não violou uma regra, não gio universal de seus pares. Assim o compor-
significa que não será ameaçado, em al- tamento considerado desviante poderia ser
gumas circunstâncias, como se o tivesse analisado mais pela ótica da oposição à re-
feito). (10) gra vigente, do que por uma postura malsã.

Para que possamos estudar o desvio, ne- 3 O valor sócio-econômico do


cessário se faz compreender a anatomia das
regras, que serão impostas a todo o grupo.
tabaco
Becker as distingue: Quando Cristóvão Colombo descobriu a
América, há 500 anos, e recebeu dos nati-
As regras podem ser de muitos tipos. vos uma planta de fumo, que simbolizava
Ela podem ser formalmente promulgadas respeito e amizade, começou a desenhar-se
como lei e, nesse caso, o poder de polícia uma história que, inegavelmente, hoje atinge
do Estado pode ser usado para impô-las. grande importância econômica e social.
Em outros casos, representam acordos No início, o hábito de fumar foi dissemi-
informais, aos quais se chegou recente- nado pelo mundo através de soldados e ma-
mente ou que estão vinculados à sanção rinheiros, para quem representava momen-
da idade e da tradição; regras desse tipo tos de relaxamento em meio a guerras e via-
são impostas por sanções informais de gens. Depois, foi incorporado pelas cortes
várias espécies. (11) européias. E, assim, logo o fumo teria pa-
pel de destaque no comércio internacional e,
Ele mesmo responde sua própria questão especialmente, do Brasil. Tanto que já no
"Quem pode, na verdade, forçar outras pes- brasão do Império apareciam, de um lado,
soas a aceitar suas regras e quais são as cau- folhas de café e, de outro, folhas de fumo
sas de seu sucesso?": - elementos que ainda hoje ornamentam as
armas da Repúblicas. E o que dizer do pa-
...quer uma regra tenha força de lei ou pel que o cigarro representa nas atitudes, no
tradição, que seja ela simplesmente o re-
comportamento social das pessoas, em dife-
sultado de consenso, sua imposição pode
rentes épocas e situações? (13)
ser tarefa de algum corpo especializado,
As vendas de tabaco não param de crescer
como a polícia ou o comitê de ética de e seus lucros nunca foram tão altos, a de-
uma associação profissional; por outro speito do cerco acirrado que vem sofrendo

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da parte dos anti-tabagistas. Em 1995 a Phi- Significa que num maço de Marlboro, ven-
lip Morris acumulou um lucro de 7,2 bilhões dido a 1,70 real, 1,26 real foi recolhido em
de dólares, a partir de vendas no total de tributos.
34 bilhões de dólares em suas operações no Em 1995 foram arrecadados 5,6 bilhões de
mundo todo. Sua marca Marlboro foi apon- reais em impostos. Somente em IPI, a in-
tada pela revista americana Financial World dústria recolheu 3,2 bilhões de reais, o dobro
como a marca mais valiosa do mundo, à do valor desse imposto gerado na venda de
frente da Coca-Cola, ou seja, valendo 44,6 bebidas e cinco vezes o IPI recolhido pela
bilhões de dólares. No segundo trimestre de indústria automobilística. Para completar,
1996, os lucros da Philip Morris cresceram no ano passado o Brasil se tornou o maior
15% em relação ao mesmo período de 1995 exportador mundial de fumo, com vendas
e alcançaram 1,62 bilhão de dólares. Cada de 256 milhões de dólares ao exterior. So-
ação da Philip Morris estava valendo no fi- madas, as exportações de fumo e de cigar-
nal de junho de 1996, 1,97 dólar, contra 1,67 ros renderam ao país 1,17 bilhão de dóla-
um ano antes. (14) res, mais do que a receita obtida pelas expor-
No Brasil, apesar de menores, os núme- tações de suco de laranja e de óleo de soja.
ros contam também uma história de avanço (15)
sob um cerco crescente. A Souza Cruz, Apesar do cerco constante aos fumantes,
pertencente à British & American Tobacco, principalmente nos Estados Unidos, as ven-
lucrou 198,4 milhões de dólares em 1995, das têm se mantido estáveis. Aproximada-
apresentando rendimento mais do que do- mente 25,5% dos americanos continuam fu-
brado em relação a 1994. mando. No Brasil, em 1995, as fábricas
A indústria do fumo fatura mais de 70 bil- produziram 174,6 bilhões de cigarros, sendo
hões de dólares ao ano em todo o mundo. 119 bilhões vendidos no mercado interno. É
Quinze bilhões de cigarros são consumidos quase a mesma produção recorde de 1991:
diariamente por cidadãos de todas as nacio- 176,3 bilhões. O faturamento em 1995 foi o
nalidades. Trinta e cinco milhões de brasilei- maior da história do setor no País: 8,9 bil-
ros contribuem para esse consumo. Estima- hões de dólares.
se que há 2,5 milhões de pessoas, no Brasil, O quadro poderia ser mais expressivo em
envolvidas direta ou indiretamente na pro- números, não fora a atuação dos contra-
dução e venda de cigarros, em atividades que bandistas. Considera-se que o contrabando
vão do plantio do fumo até a confecção de no setor domine 16% do mercado nacional,
publicidade. Só no plantio há 140 mil famí- aproximando-se do montante de 1 bilhão de
lias envolvidas, a maioria no Rio Grande do dólares em impostos sonegados.
Sul e no Paraná. Investimentos já comprometidos, indicam
O governo brasileiro, ao mesmo tempo que a indústria do fumo vai gerar, só no sul
que procura inibir o consumo de cigarros, é o do Brasil, mais de 7 000 empregos diretos.
grande sócio dessa indústria. De cada maço
de cigarros vendido no Brasil, em 1995, 74%
do preço no varejo foram parar nos cofres do
governo federal ou dos governos estaduais.

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Valores e Tabagismo 5

4 O anti-tabagismo Estados americanos apresentaram ações ju-


diciais argumentando que estavam sendo
Não se pode afirmar que as campanhas con-
vítimas de um crescimento dos gastos com
tra o fumo sejam propriamente uma novi-
a Medicaid, a previdência social dos po-
dade. No início do século XVII, na Ingla-
bres, por causa das doenças provocadas pelo
terra, o rei Jaime I classificou o hábito de fu-
fumo. Essas ações requerem que os fabri-
mar como "repulsivo". Também Adolf Hit-
cantes assumam os custos adicionais com
ler foi um crítico feroz do tabaco, a ponto de
tratamento de saúde. Mas em pelo menos
ter imposto uma regra segundo a qual as mul-
um caso a Justiça já decidiu, em maio deste
heres alemãs não fumariam sob o III Reich.
ano, que não cabem ações coletivas contra o
Em tempos mais recentes, a guerra ao
fumo, apenas as individuais.
fumo experimentou três ondas distintas,
Outra vertente dessa terceira onda foi esti-
especialmente nos Estados Unidos. A pri-
mulada pela divulgação, em maio de 1994,
meira surgiu entre os anos 50 e 60. Foi
de 4 000 páginas de documentos e comuni-
quando apareceram as primeiras ações judi-
cações internas de dois fabricantes de cigar-
ciais ligando doenças ao fumo e responsabi-
ros. Essa papelada incluía uma sentença feita
lizando os fabricantes por esse tipo de pro-
em 1993 por Addison Yeaman, que ocupava
blema. Até hoje, nenhuma ação desse tipo
um posto importante na Brown & William-
teve sucesso. Os fabricantes alegaram sem-
son, fábrica de cigarros ligada à BAT. "A ni-
pre que as pessoas escolheram livremente
cotina vicia", disse Yeaman. "Estamos então
entre fumar e não fumar, assumindo elas
no negócio de vender nicotina, uma droga
próprias os riscos dessa atitude. Depois que,
que vicia".
em 1966, a legislação americana obrigou as
É nesse ponto que se batem os antitabagi-
fábricas a estampar alertas nos maços de ci-
stas. A indústria diz que fumar é um caso de
garros, avisando para os perigos do fumo à
livre escolha. Um pessoa quer fumar, então
saúde, aquele tipo de argumento da indústria
fuma. Contrapõem agora os militantes da
acabou reforçado. Afinal, os fumantes esta-
cruzada contra o tabaco: como falar em livre
vam avisados dos problemas que sua opção
escolha quando se trata de algo que vicia?
podia trazer.
O que a indústria tenta demonstrar, diante
Uma segunda onda veio a partir de 1984,
disso, é que é perfeitamente possível parar de
quando uma corte federal americana re-
fumar.
sponsabilizou três companhias fabricantes
No Brasil, com base no Código de Defesa
de cigarros pela morte de uma mulher devido
do Consumidor, os agora 3 000 associados
a um câncer no pulmão. A sentença foi re-
da Associação de Defesa da Saúde do Fu-
vertida quatro anos depois, e os advogados
mante, impetrou uma ação coletiva contra a
da família da fumante morta acabaram de-
Philip Morris e a Souza Cruz. Eles pedem
sistindo do caso quando os custos judiciais
uma indenização dos fabricantes no valor de
se tornaram altos demais.
1 500 reais para cada consumidor, alegando
Uma terceira onda ganhou forma nos úl-
que não foram devidamente informados so-
timos três anos. Agora, as ações na Justiça
bre os ricos oferecidos pelo cigarro.
usam argumentos mais sofisticados. Oito
Em outro caso, o advogado Jorge Beja re-

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sponsabiliza a Souza Cruz pela morte, em americano. Os argumentos são tão bem apre-
abril de 1995, do mecânico Nelson Cabral sentados que o leitor se sente pecaminosa-
Alves. Ele morreu aos 41 anos, o seu ates- mente inclinado a ficar a favor do fumo e
tado de óbito, assinado pelo médico Pedro contra a horda de moralistas. Numa passa-
Ernesto de Oliveira Costa, apresenta "enf- gem do livro o principal personagem rebate
arto agudo do miocárdio, cardiopatia hiper- a acusação de que o cigarro produz câncer,
tensiva e tabagismo". Nelson Alves fumava lembrando que o governo americano investe
quatro maços de cigarro por dia. A indeni- há décadas em armas nucleares, material te-
zação é de 1,5 milhão de reais mais pensão tricamente cancerígeno.
vitalícia. Lançado no momento em que a indústria
Em 15 de julho de 1996, o Presidente atravessa uma carga pesada de críticas ele re-
da República, Fernando Henrique Cardoso, força o discurso dos executivos do tabaco de
sancionou a lei 9 294 que "Dispõe sobre as que entre as dezenas de milhares de estudos
restrições ao suo e à propaganda de produ- acumulados sobre os malefícios do cigarro,
tos fumígeros, bebidas alcoólicas, medica- ainda não apareceu um único capaz de pro-
mentos, terapias e defensivos agrícolas, nos var, sem nenhuma possibilidade de contes-
termos do parágrafo quarto do artigo 220 da tação, que fumar faz mal à saúde.
Constituição Federal". A indústria do fumo sempre investiu pe-
Fumar faz todo esse mal que se apregoa? sado na media. Sua presença reúne consi-
Uma das razões de a indústria ter sido bem- derável iconografia com imagens de sensua-
sucedida até agora nas ações judiciais é que lidade prazerosa, representando sua fumaça
essa é uma questão muito mais controversa elemento de estética em muitos dos filmes
do que a maioria das pessoas imagina. Há produzidos por Hollywood. Seria possível
um emaranhado de números e de pesquisas imaginar uma Gilda politicamente correta,
que confundem muito mais que elucidam. A dissociando o personagem imortal de Rita
única conclusão 100% segura a que se chega Hayworth da piteira que ela empunha na foto
é que faltam ainda muitos anos de pesquisa famosa? Ou aquele olhar apertado de Hum-
para que a medicina chegue a um consenso phrey Bogart sem a tragada?
sobre o cigarro. "Nunca ficou demonstrado
que fumar dá câncer", escreveu o médico di- Seja quem for o divino designer que o
namarquês Tage Voss em seu livro Smoking aperfeiçoou, imaginou o cigarro como
and Common Sense, de 1992. (16) um complemento capaz de confundir-se
de corpo e alma com quem o fuma.
Tornou-o masculino em mão masculinas;
5 Obrigado por fumar feminino, em mão femininas. Sofisti-
"Obrigado por fumar"é um livro escrito por cado, entre sofisticados; rústico, entre rú-
Christopher Buckley, lobista americano da sticos. Um símbolo de rebeldia, para os
indústria do fumo, recém lançado pela Com- jovens; um instrumento de quietude, para
panhia das Letras, no Brasil. os idosos.
O livro é uma baforada de nicotina lançada Fez dele um caloroso aliado nos momen-
com graça e talento sobre o puritanismo

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Valores e Tabagismo 7

tos de ação e um companheiro solidário jovens americanas dos anos 20 e a eterni-


nos momentos de reflexão. dade na legendária "Bela Otero".
Emprestou-lhe uma eloquência extra Irrompe como uma chama fraterna entre
como sedutor e, no meio da mistura de dois veteranos canadenses da Primeira
fumos, incluiu ingredientes que permi- Guerra. E, em outro flagrante histórico,
tem ao fumante exibir segurança, altivez ilumina a lucidez de Roosevelt entre
e independência. Churchill e Stalin em Yalta.
E, muito mais que um amigo, fez do ci- Está nas mãos de Colette, nas tintas de
garro o nosso cúmplice. O parceiro com Degas, nas lentes de Robert Doisneau.
quem, sem trocar de lábios, dialogamos Inspira Fernando Pessoa, Tennessee Wil-
em segredo. liams, Jean Cocteau.
Por sinal, o único a saber que ninguém é Um cigarro é um elo azulado entre nós e
inocente ao fumar. Há sempre uma pose esses gênios. (17)
interior ao se acender um cigarro, soprar
a fumaça ou colocar a cinza. Mesmo De glamour agregado o cigarro passou a
quando não há. algoz. Seus opositores não se contentam
As sublinhar as nossas atitudes, o cigarro hoje com uma vigilância constante, ultrapas-
faz de todos nós atores. Podemos ser sando as barreiras do com-viver, para punir
heróis de guerra, vilões de ópera ou so- aqueles que, por opção, ousem permanecer,
fisticados galãs europeus. Qualquer um envolvendo-se nos anéis de sua fumaça pra-
ao alcance da fantasia daqueles anéis de zerosa.
fumaça. Tal movimento obrigou a indústria do
Qualquer um - desde que urbanos, mo- fumo a recontextualizar seu discurso, pas-
dernos e adultos. Pois é isto o que o sando para uma postura defensiva nos prin-
cigarro é. É também como o entendem cipais argumentos anti-tabagistas, ao mesmo
os escritores, fotógrafos (de moda ou de tempo que orquestrando uma campanha por
atualidades) e pintores, que, neste século, direitos individuais - de fumar é claro.
têm dado ao cigarro o justo peso do seu Assim ela começa, principalmente após a
papel na vida real. Um peso dramático, edição da Lei 9 294, a responder algumas
comportamental, plástico. Eles observam das críticas pesadas que passamos a apresen-
o cigarro no dia-a-dia e o trouxeram para tar como perguntas, com suas conseqüentes
os seus livros, fotos e telas. Usaram- respostas. Há que se notar a argumentação
no para definir personalidades, emoções, apresentada, não rara de natureza falaciosa,
estados de espírito. Pela fantasia do ci- pelo vício de forma, ou seja matéria verda-
garro chegaram ao realismo. deira com forma de pensamento incorreto.
O cigarro fumado por Picasso é elegante Chamamos ainda a atenção para a aborda-
e viril; o de Grace Jones é desafiador e gem das questões sobre morte em função do
ousado. Faz o contraponto aos topetes fumo, fumante passivo, hábito e vício e teo-
dos teddy-boys de Londres e realça os ar- res para induzir ao fumo: (18)
rojos de Saint-Laurent na foto de Helmut - Fumar é prejudicial à saúde?
Newton. É a modernidade na atitude das "Não está comprovado que o fumo seja

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a causa de doenças. Associações estatísti- dado bons resultados em diversos ambien-


cas entre o hábito de fumar e determinadas tes".
doenças não são o mesmo que causas". - Quer dizer então que proibir o fumo não
- Então, por que sempre se divulga que o melhora a qualidade do ar em recintos fecha-
fumo causa doenças e mortes, inclusive em dos?
não - fumantes? "Proibir o fumo não melhora a qualidade
"Quando são divulgadas associações do ar em ambientes fechados. A eliminação
estatísticas entre determinadas doenças e o da fumaça do cigarro serve apenas para mas-
fumo, confunde-se fator de risco com causa carar a impureza e a falta de filtração do ar".
- coisas totalmente diferentes. Exposição a - Podemos afirmar, então, que o fumo não
fator de risco não significa causa". faz mal à saúde?
- Mas o cigarro prejudica a saúde de quem "O fumo pode ser considerado apenas um
não fuma. Os não-fumantes acabam se trans- fator de risco, como muito outros, para de-
formando em fumantes passivos... terminadas doenças. A literatura médica, por
"A expressão "fumante passivo"é errada. exemplo, lista mais de 300 fatores de risco só
Quem está perto de um fumante não fuma; para doenças cardiovasculares".
no máximo, respira um ínfima parcela da fu- Note-se aqui a preocupação do fabricante
maça ambiental do cigarro e, ainda assim, fil- em oferecer a seus empregados um argu-
trada pelo nariz". mento de defesa do tabagismo, restituindo o
"Cientistas europeus avaliaram 48 estudos "moral" do grupo.
epidemiológicos sobre fumaça ambiental do - Você não se envergonha de trabalhar para
tabaco e câncer no pulmão e apontaram ris- uma indústria que faz um produto acusado de
cos relativos abaixo de 2 para não - fumantes, provocar doenças e mortes de pessoas?
considerados pequenos e inconclusivos". "Além de não haver prova de que o cigarro
- Mas a fumaça do cigarro está entre seja a causa de doenças e mortes, é motivo de
os principais focos de poluição em recintos orgulho trabalhar para uma empresa como a
fechados... Souza Cruz, respeitada por sua atuação em-
"Em medições no dia-a-dia normal, presarial, social e comunitária".
observa-se que a fumaça do cigarro quase - De qualquer modo, fumar é um vício.
não está presente no ar que respiramos". "É inadequado definir o hábito de fumar
- Mas a gente não vê a fumaça do cigarro como "vício". Por causa do uso indevido
se acumulando em ambiente onde as pessoas que se faz hoje da palavra "vício", diz-se que
fumam? muita gente é "viciada"em chocolate, com-
"A fumaça do cigarro leva uma culpa que putadores, novelas de TV e outras coisas".
não tem, de poluir recintos fechados, na ver- - Por que a indústria diz que fumar não é
dade afetados em mais de 95% dos casos por vício?
outros agentes". "Fumar é um hábito, não um vício. Tanto
- Não se pode negar, porém, que a fumaça que só nos EUA há 40 milhões de pessoas
do cigarro é incômoda para muitas pessoas... que deixaram de fumar sem qualquer ajuda
"Determinar áreas para fumantes e não- profissional".
fumantes, atendendo ao direito de todos, tem - Qual o benefício de fumar?

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Valores e Tabagismo 9

"Cada fumante tem a sua opinião: uns vistosos. Isso não é uma forma de induzir
gostam do cheiro, outros têm prazer no sa- as pessoas, principalmente as mais jovens, a
bor, outros ainda se identificam com o ritual, fumar?
com o manuseio e até mesmo com a fumaça "A Souza Cruz dirige sua propaganda ex-
do cigarro. Embora os estudiosos não ten- clusivamente a adultos; jamais incentiva me-
ham chegado a qualquer explicação defini- nores a fumar, seguindo a lei e o Código de
tiva sobre o assunto, a idéia mais aceita é de Auto-Regulamentação Publicitária - Conar".
que fumar traz benefícios psicológicos para - Mas isso não impede o acesso de meno-
determinados indivíduos e supõe-se que isso res ao cigarro...
seja efeito da nicotina". "A Souza Cruz dirige toda sua propa-
- E as denúncias de que a indústria au- ganda exclusivamente para adultos fuman-
menta os teores para evitar que as pessoas tes...a Empresa toma o cuidado de usar so-
deixem de fumar? mente modelos adultos em seus anúncios e,
"A indústria não aumenta o teor de nico- mais, que pareçam fisicamente adultos".
tina do cigarro para manter o hábito de fu- - Por que então os eventos promocionais
mar. Se isso acontecesse, alteraria o gosto da Souza Cruz são dirigidos aos jovens?
do produto, que seria recusado pelo consu- "Qualquer evento promocional patro-
midor". cinado pela Souza Cruz está relacionado a
- A Souza Cruz nunca muda as caracterí- um estilo de vida e não a uma faixa etária".
sticas de determinada marca, inclusive os - O que a Souza Cruz tem a dizer sobre
seus teores de nicotina e alcatrão? as denúncias de contaminação de agriculto-
"Atenta às preferências dos consumido- res por agrotóxicos?
res, a Souza Cruz tem reduzido os teores da "O uso de agrotóxicos não é exclusiva-
maioria de suas marcas e passou a publicá- mente da fumicultura. Graças aos controles,
los nas embalagens". treinamentos e campanhas da Souza Cruz, os
- Os aditivos colocados no fumo durante produtores de fumo têm cada vez mais cons-
o processo de fabricação de cigarros não são ciência da necessidade de proteção".
perigosos? - E sobre as denúncias de resíduos no
"Os aditivos dos cigarros são extratos e fumo?
essências naturais que funcionam como aro- "Todas as análises, feitas inclusive por cli-
matizantes ou agentes de sabor, bastante uti- entes internacionais, não indicam haver no
lizados também na indústria alimentícia". fumo da Souza Cruz qualquer tipo de resí-
- O fato de trazerem cláusulas de advertên- duo que possa causar problemas".
cia nas embalagens e na publicidade não si- - E quanto às denúncias de que os fumi-
gnifica que os cigarros são perigosos à saúde cultores provocam desmatamento para usar
das pessoas? a lenha na cura do fumo?
"As embalagens de cigarros trazem adver- "A Souza Cruz incentiva o reflorestamento
tências por determinação do governo e não nas propriedades dos fumicultores. Nos últi-
porque a indústria concorde com elas". mos anos, o plantio de árvores nas áreas de
- Muitos consideram que a propaganda de fumo ultrapassou em mais de 40% o volume
cigarros é sensual, com modelos bonitos e consumido".

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10 Sebastião Amoêdo de Barros

- O plantio do fumo também tem sido acu- mudanças decisivas que ocorrem na mo-
sado de tirar espaços de culturas alimentares. ral com a passagem da sociedade escra-
Isso é correto? vista à feudal e desta à sociedade bur-
"Em média, o produtor usa apenas 2 de guesa. Vemos também que numa mesma
cada 20 hectares para a cultura do fumo. A sociedade, baseada na exploração de uns
Souza Cruz também o incentiva a desenvol- homens pelos outros ou de uns países por
ver culturas como milho e feijão e a diversi- outros, a moral se diversifica de acordo
ficar atividades". com os interesses antagônicos fundamen-
tais. (21)
6 O direito dos desviantes Se a moral, tida por algum autores como
Temos de considerar que "o Direito não é núcleo formador da convivência humana,
o único instrumento responsável pela har- pode apresentar um processo evolutivo, re-
monia da vida social. A Moral, Religião e conhecemos no desvio o elemento impulsio-
Regras de Trato Social são outros processos nador de tal processo, a ponto de interpretá-
normativos que condicionam a vivência do lo não apenas por seu aspecto divergente,
homem na sociedade". (19) Por tais pressu- mas também convergente, na medida em que
postos e em consonância com o Princípio de depura as relações.
Utilidade de Jeremy Bentham compreende- A polêmica tabagista não poderá ser so-
mos o processo evolutivo da sociedade, atra- lucionada sem um amplo exercício de alteri-
vés das inter-relações da Religião, do Di- dade, quando as partes preservam-se no res-
reito, da Moral e da Ética. peito recíproco.
Observando tal processo evolutivo pode- Muitas organizações têm levado a seus co-
mos compreender que o desvio à regra pode laboradores a discussão do direito ao prazer
representar novas idealizações do escambo de fumar. Consideram a maioria delas que
social, criando pontos referenciais para sua não podem cercear a liberdade individual,
atualização na contemporaneidade: "...o des- ainda que tenha de preservar a coletividade.
vio tinha um caráter político, que o que é de- Antes que a recente legislação fosse
finido como desviante freqüentemente acaba sancionada, a Valessul Aluminio, empresa
por ser formalizado numa lei". (20) controlada pela Companhia Vale do Rio
Dentre os elementos formadores da regras, Doce, levou a questão a seus funcionários,
leis e acordos, o que mais interage com o que em conjunto com sua direção editaram
meio social, influenciando e por este sendo um Código de Ética, com capítulo específico
influenciado, é a moral, que evolui com o de- sobre o direito ao fumo:
senrolar do processo histórico.
O fumo
A moral vivida realmente na sociedade Fumar é um direito que lhe assiste e,
muda historicamente de acordo com as como tal, deve ser respeitado. Da mesma
reviravoltas fundamentais que se verifi- forma considere o direito de quem não
cam no desenvolvimento social. Daí as gosta da fumaça do seu cigarro. É cada
vez maior o número de pessoas que não

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Valores e Tabagismo 11

fumam, porque se preocupam com sua próprio deleite e por derivação um pressupo-
saúde. sto de felicidade?
Portanto, tenha a gentileza de não fu- Se a primeira proposta é a verdadeira, por
mar em locais públicos, auditórios, re- que a sociedade não atua mais eficazmente
uniões, transportes coletivos, ambientes no combate às drogas mais viciantes?
fechados ou perto de quem não fuma. Estaríamos protagonizando uma histeria
Desfrute o seu prazer mas não polua o ar coletiva, de caráter transferidor? Ou seja,
alheio. Isto é uma verdadeira questão de se não podemos hostilizar as drogas pesa-
civilidade". (22) das, investimos contra as menores, num re-
curso de "cortina de fumaça", embaçando a
Destacamos a importância da postura ado- crítica numa pretensa atuação de rigor.
tada pela Valesul. Em momento algum os Curioso notar que os institutos de pesquisa
direitos foram cerceados. Não houve qual- ainda não puderam, cientificamente, com-
quer crítica ao hábito de fumar ou alegado provar um possível malefício do hábito do
malefício na saúde das pessoas. Não houve fumo, o que não permite aos tribunais efe-
mesmo uma proibição. Houve sim uma reco- tivar uma ação punitiva legal.
mendação "tenha a gentileza". Assim sendo Enquanto perdurarem tais dúvidas, o ta-
não se instaura a punição, quando tanto, uma baco - com todos os seus derivados - deverá
censura informal. A convivência social po- tão somente ser considerado um desvio e não
derá instaurar a queda do hábito e não o po- uma infração legal. Cabendo àqueles inter-
der coercitivo do Estado, mesmo que por de- essados no com-viver o estabelecimento de
legação democrática. posturas que permitam o espaço para a ma-
nifestação das individualidades.
7 Conclusão
O ser humano tem o direito ao desvio, já que
8 Referências bibliográficas
sua manifestação pode representar o ponto (1) NIETZSCHE, Friedrich. Para a Ge-
de acionamento de um processo de evolução nealogia da Moral. In obras incompletas,
social. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril
O tabagismo ao longo da história encontra Cultural, 1983.p.78
momentos de consentimento e reprovação.
Ao glamour é contraposta a perversão. Ao (2) KOSOVSKI, Ester. Ética, Imprensa e
prazer, a moléstia. Responsabilidade Social. Ética na Comuni-
Tal dualismo nos faz questionar o objeto cação / organizadora, Ester Kosovski. Rio
da censura. O cigarro - representante de to- de Janeiro: Mauad,1995.p.31
das as derivações do fumo - é julgado porque
faz mal à saúde, ou porque é um prazer? (3) NIETZSCHE, Friedrich. Para a
Há, de fato, uma preocupação com o Genealogia da Moral. p.85
bem-estar social, ou condena-se o fumo
como punição àqueles que ousam buscar o (4) VÃSQUEZ, Adolfo Sãnchez.
Ética. Rio de Janeiro: Civilização Bra-

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12 Sebastião Amoêdo de Barros

sileira,1995.p.117 (18) COMPANHIA DE CIGARROS


SOUZA CRUZ. Fumo & Sociedade. Rio de
(5) Idem. p.121 Janeiro, 1996.

(6) COSTA, Jurandir Freire. A Ética (19) NADER, Paulo. Introdução ao


e o Espelho da Cultura. Rio de Janeiro: Estudo do Direito: de acordo dom a
Rocco,1994.p.69 Constituição de 1988. Rio de Janeiro:
Forense,1994.p.32
(7) WEIL, Pierre. A nova Ética. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos,1994.p.47 (20) BECKER, Howard S. Uma Teoria da
Ação Coletiva. Citação do artigo de Irving
(8) BECKER, Howard S. Outsiders: New Louis Horowitz e Martin Liebowitz. Rio de
York: The Free Press, 1993. Versão em Janeiro, 1976.p.26
português, Uma Teoria da Ação Coletiva,
cópia xerox. p.53 (21) VÃSQUEZ, Adolfo Sãnchez.
Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
(9) Idem.p.60 leira,1995.p.12

(10) Ibidem.p.62 (22) VALESUL ALUMÍNIO. Código de


Ética e Conduta. Rio de Janeiro. 1996.
(11) Ibidem.p.54 p.s15-16

(12) Idem.
9 Bibliografia
(13) ASTRO, Antônio Monteiro. Pa-
lavras do Presidente. Rio de Janeiro: in BECKER, Howard S. Outsiders. New York:
Relatório Anual da Companhia de Cigarros The Free Press. 1993. Versão em por-
Souza Cruz, 1992. p.6 tuguês: Uma Teoria da Ação Coletiva,
cópia xerox. Rio de Janeiro. 1976.
(14) REVISTA EXAME. É proibido
fumar. São Paulo.a.30,n16,julho1996.p.83 BECKER, Howard S. Uma Teoria da Ação
Coletiva. Citação do artigo de Irving
(15) Idem.p.84 Louis Horowitz e Martin Liebowitz.
Rio de Janeiro, 1976.p.26
(16) Ibidem. COMPANHIA DE CIGARROS SOUZA
CRUZ. Relatório Anual. Rio de Ja-
(17) CASTRO, Ruy. Atitudes. Rio de neiro, 1992.
Janeiro: in Relatório Anual da Companhia
de Cigarros Souza Cruz, 1992. p.17 COMPANHIA DE CIGARROS SOUZA
CRUZ. Fumo & Sociedade. Rio de Ja-
neiro, 1996.

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Valores e Tabagismo 13

COSTA, Jurandir Freire. A Ética e o Espelho WEIL, Pierre. A nova Ética. Rio de Janeiro:
da Cultura. Rio de janeiro: Rocco, Rosa dos Tempos, 1994.
1994.

DAMATTA, Roberto. O que faz 10 Relação dos anexos


o brasil, Brasil?. Rio de Ja- 1 - Lei 9.294, de 15 de julho de 1996.
neiro:Salamandra.1984.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Rio de 2 - Iconografia do Cigarro:


Janeiro: Vozes, 1987. Ilustrações extraídas do Relatório Anual
de 1992, da Souza Cruz.
KOSOVSKI, Ester. Ética, Imprensa e Re- Lei N˚ 9.294, de 15 de Julho de 1996
sponsabilidade Social. Ética na Comu- Dispõe sobre as restrições ao uso e à
nicação / organizadora, Ester Kosovski. propaganda de produtos fumígeros, bebidas
Rio de Janeiro: Mauad, 1995. alcoólicas, medicamentos, terapias e defen-
sivos agrícolas, nos termos do §4˚ do art.
NADER, Paulo. Introdução do Estudo do 220 da Constituição Federal.
Direito: de acordo com a Constituição
de 1988. Rio de Janeiro: Forense, O Presidente da República
1994.
Faço saber que o Congresso Nacional de-
NIETZSCHE, Friedrich. Para a Genealogia
creta e eu sanciono a seguinte lei.
da Moral. In obras incompletas, Co-
Art. 1˚ O Uso e a propaganda de produtos
leção Os Pensadores. São Paulo: Abril
fumígeros, derivados ou não do tabaco, de
Cultural, 1983.
bebidas alcoólicas, de medicamentos e tera-
NOVAES, Adauto: org. Ética. Coletâ- pias e de defensivos agrícolas estão sujeitos
neas. São Paulo: Companhia das às restrições e condições estabelecidas por
Letras/Secretaria Municipal de Cul- esta lei, nos termos do §4˚ do art. 220 da
tura,1992. Constituição Federal.
Parágrafo único. Consideram-se bebidas
REVISTA EXAME. É proibido fumar. São alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas
Paulo. a.30,n16,julho1996. potáveis com teor alcoólico superior a treze
graus Gay Lussac.
VALESUL ALUMÍNIO. Código de Ética e
Art. 3˚ A propaganda comercial dos pro-
Conduta. Rio de Janeiro. 1996.
dutos referidos no artigo anterior somente
VÃSQUEZ, Adolfo Sãnchez. Ética. Rio de será permitida nas emissoras de rádio e tele-
Janeiro: Civilização Brasileira,1995. visão no horário compreendido entre as vinte
e uma e as seis horas.
VERGEZ, André. História da Filosofia. §1˚ A Propaganda comercial dos produtos
Trad. Lélia Gonzales. Rio de Janeiro: referidos neste artigo deverá ajustar-se aos
Freitas Bastos, 1988. seguintes princípios:

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14 Sebastião Amoêdo de Barros

I - não sugerir o consumo exagerado ou VI - fumar provoca diversos males à sua


irresponsável, nem a indução ao bem-estar saúde.
ou saúde, ou fazer associações a celebrações §3˚ As embalagens, exceto se destinadas
cívicas ou religiosas; à exportação, os pôsteres, painéis ou carta-
II - não induzir as pessoas ao consumo, zes, jornais e revistas que façam difusão ou
atribuindo aos produtos propriedades cal- propaganda dos produtos referidos no art. 2˚
mantes ou estimulantes, que reduzam a fa- conterão a advertência mencionada no pará-
diga ou a tensão, ou qualquer efeito similar; grafo anterior.
III - não associar idéias ou imagens de §4˚ Nas embalagens, as cláusulas de ad-
maior êxito na sexualidade das pessoas, in- vertência a que se refere o §2˚ deste artigo
sinuando o aumento de virilidade ou femini- serão seqüencialmente usadas, de forma si-
lidade de pessoas fumantes; multânea ou rotativa, nesta última hipótese
IV - não associar o uso do produto à devendo variar no máximo a cada cinco me-
prática de esportes olímpicos, nem sugerir ou ses, de forma legível e ostensivamente desta-
induzir seu consumo em locais ou situações cada, em uma das laterais dos maços, car-
perigosas ou ilegais; teiras ou pacotes que seja habitualmente co-
V - não empregar imperativos que in- mercializados diretamente ao consumidor.
duzam diretamente ao consumo; §5˚ Nos pôsteres, painéis, cartazes jornais
VI - não incluir, na radiodifusão de sons e revistas, as cláusulas de advertência a que
ou de sons e imagens, a participação de se refere o §2 deste artigo serão seqüencial-
crianças ou adolescentes, nem a eles dirigir- mente usadas, de forma simultânea ou rota-
se; tiva, nesta última hipótese variando no má-
§2˚ A propaganda conterá, nos meios de ximo a cada cinco meses, devendo ser escri-
comunicação e em função de suas caracterí- tas de forma legível e ostensiva.
sticas, advertência escrita e/ou falada sobre Art. 4˚ Somente será permitida a propa-
os malefícios do fumo, através das seguintes ganda comercial de bebidas alcoólicas nas
frases, usadas seqüencialmente, de forma si- emissoras de rádio e televisão entre as vinte
multânea ou rotativa, nesta última hipótese e uma e as seis horas.
devendo variar no máximo a cada cinco me- §1˚ A propaganda de que trata este ar-
ses, todas precedidas da afirmação "O Mi- tigo não poderá associar o produto ao esporte
nistério da Saúde Adverte" olímpico ou de competição, ao desempenho
I - o fumo pode provocar doença do saudável de qualquer atividade, a condução
coração e derrame cerebral; de veículos e a imagens ou idéias de maior
II - fumar pode causar câncer do pulmão, êxito ou sexualidade das pessoas.
bronquite crônica e enfisema pulmonar; §2˚ Os rótulos das embalagens de bebi-
III - fumar durante a gravidez pode preju- das alcoólicas conterão advert6encia nos se-
dicar o bebê; guintes termos "Evite o Consumo Excessivo
IV - quem fuma adoece mais de úlcera do de Álcool".
estômago; Art. 5˚ As chamadas e caracterizações de
V - evite fumar na presença de crianças; patrocínio dos produtos indicados nos arts.
2˚ e 4˚ , para eventos alheios à programação

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Valores e Tabagismo 15

normal ou rotineira das emissoras de rádio §4˚ Toda a propaganda de medicamentos


e televisão, poderão ser feitas em qualquer conterá obrigatoriamente advertência indi-
horário, desde que identificadas apenas com cando que, a persistirem os sintomas, o mé-
a marca ou slogan do produto, sem recomen- dico deverá ser consultado.
dação do seu consumo. Art. 8˚ A propaganda de defensivos agrí-
§1˚ As restrições deste artigo aplicam-se colas que contenham produtos de efeito tó-
a propaganda estática existente em estádios, xico, mediato ou imediato, para o ser hu-
veículos de competição e locais similares. mano, deverá restringir-se a programas e pu-
§2˚ Nas condições do caput, as chamadas blicações dirigidas aos agricultores e pecua-
e caracterizações de patrocínio dos produtos ristas, contendo completa explicação sobre a
estarão liberados da exigência do §2˚ do art. sua aplicação, precauções no emprego, con-
3˚ desta Lei. sumo ou utilização, segundo o que dispuser
Art. 6˚ É vedada a utilização de trajes o órgão competente do Ministério da Agri-
esportivos, relativamente a esportes olímpi- cultura e do Abastecimento, sem prejuízo
cos, para veicular a propaganda dos produtos das normas estabelecidas pelo Ministério da
de que trata esta Lei. Saúde ou outro órgão do Sistema Único de
Art. 7˚ A propaganda de medicamentos e Saúde.
terapias de qualquer tipo ou espécie poderá Art. 9˚ Aplicam-se aos infratores desta
ser feita em publicações especializadas diri- Lei, sem prejuízo de outras penalidades pre-
gidas direta e especificamente a profissionais vistas na legislação em vigor, especialmente
e instituições de saúde. no Código de Defesa do Consumidor, as se-
§1˚ Os medicamentos anódinos e de venda guintes sanções:
livre, assim classificados pelo órgão compe- I - advertência;
tente do Ministério da Saúde, poderão ser II - suspensão, no veículo de divulgação
anunciados nos órgãos de comunicação so- da publicidade, de qualquer outra propa-
cial com as advertências quanto ao seu ab- ganda do produto, por prazo de até trinta
uso, conforme indicado pela autoridade clas- dias;
sificatória. III - obrigatoriedade de veiculação de re-
§2˚ A propaganda dos medicamentos re- tificação ou esclarecimento para compensar
feridos neste artigo não poderá conter afir- propaganda distorcida ou de má-fé;
mações que não sejam passíveis de compro- IV - apreensão do produto;
vação científica, nem poderá utilizar depoi- V - multa de R$ 1.410,00 (um mil qua-
mentos de profissionais que não sejam legal- trocentos e dez reais) a R$ 7.250,00 (sete
mente qualificados para fazê-lo. mil duzentos e cinqüenta reais), cobrada em
§3˚ Os produtos fitoterápicos da flora dobro, em triplo e assim sucessivamente, na
medicinal brasileira que se enquadram no reincidência.
desporto do §1˚ deste artigo deverão apre- §1˚ As sanções previstas neste artigo po-
sentar comprovação científica dos seus efei- derão ser aplicadas gradativamente e, na
tos terapêuticos no prazo de cinco anos da reincidência, cumulativamente, de acordo
publicação desta Lei, sem o que sua propa- com a especificidade do infrator.
ganda será automaticamente vedada.

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16 Sebastião Amoêdo de Barros

§2˚ Em qualquer caso, a peça publicitária


fica definitivamente vetada.
§3˚ Consideram-se infratores, para efeitos
deste artigo, os responsáveis pelo produto,
pela peça publicitária e pelo veículo de co-
municação utilizado.
Art. 10˚ O poder Executivo regulamentará
esta Lei no prazo máximo de sessenta dias de
sua publicação.
Art. 11˚ Esta Lei entra em vigor na data
de sua publicação.
Art. 12˚ Revogam-se as disposições em
contrário.

Brasília, 15 de julho de 1996, 175˚ da


Independência e 108˚ da República

Fernando Henrique Cardoso


Nelson A. Jobim
Arlindo Porto
Adib Jatene

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