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UNIVERSIDADE DE BRASILIA

DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE

PROJETO PARA A SELEÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO


EM ARTE (PPG-ARTE) CURSO DE DOUTORADO

O ARTISTA SEM IDEIA


Investigação sobre um método de produção em Arte.

Linha de Pesquisa: Deslocamentos e Espacialidades

BRASÍLIA 2019
Introdução ____________________________________________________________

Concebo o fazer artístico como uma experiência em estado de abertura constante. Estar aberta ao risco.
Estar disponível para agir a partir do que a situação apresenta, sem saber antes o quê, sem expectativa,
permitindo que o trabalho vá emergindo como consequência. Chegar à forma, não começar por ela.
Chegar a uma estética consequente de uma ética, e sem ideias a priori.
Isso faz do trabalho um instigante processo de busca de relação com a alteridade e de tentativa de
organizar os novos mundos que se criam a partir do encontro. Deixar-se ser afetado e afetar, e através
da curiosidade pelos diferente ângulos por onde se olha, acolher a possibilidade de desfazer e fazer
novas conexões.
O meu trabalho como artista tem um percurso de aproximadamente 12 anos. Durante esse tempo vivi
entre Fortaleza, Bonn (Alemanha), Túnis (Tunísia) e Brasília. Na Alemanha fiz o mestrado em Artes
visuais que finalizei já vivendo na Tunísia. Nesses países tive a oportunidade de realizar alguns
trabalhos que considero importantes na minha trajetória e na construção de um entendimento sobre meu
fazer artístico. Estar exposta constantemente a um outro radicalmente diferente me fez perceber a força
que existe no gesto de se deslocar, não apenas de uma cultura a outra, mas entre várias temporalidades,
já que os deslocamentos não são apenas físicos, mas também simbólicos e envolvem nossas leituras do
mundo e nossa relação com a memória.
Fazendo uma análise retrospectiva dos trabalhos realizados na minha trajetória artística, um ponto
recorrente tem sido, desde 2011, as práticas site-specific, nas quais o contexto/ situação exerce um papel
determinante e desconstroe a idéia do lugar como um suporte neutro para a obra. Esta forma de operar,
determinada pela situação e contexto sempre únicos onde tive a oportunidade de atuar, levou-me a uma
não especiliazação em uma única técnica ou meio de expressão, já que a formalização do trabalho
emergia sempre como consequência durante o processo.
A construção de um entendimento sobre meu processo de criação em arte levou muito tempo. Um
“statement in progress”. Mas alguns encontros, além da própria experiência adquirida no “ir fazendo”,
foram essenciais. Um deles foi o contato com o método de Composição em Tempo Real, desenvolvido
pelo coreógrafo português João Fiadeiro desde o início da década de 1990, e o Modo Operativo AND,
estruturado pela antropóloga Fernanda Eugênio. Esse primeiro encontro aconteceu na residência
artística Handling Tools, em Fortaleza, CE, no ano de 2012. Posteriormente no Ateliê Real em Lisboa
em 2013 e no AND_LAB também em Lisboa, em 2016.
Em seu dossiê sobre a Composição em Tempo Real, João Fiadeiro a define como “uma ferramenta
teórico-prática que estuda, problematiza e sistematiza a experiência de improvisação e da composição
em arte, utilizando o campo proporcionado pela dança contemporânea como território privilegiado de
investigação e aplicação” (Fiadeiro, 2016). Neste método, o ato criador precisa ser resultado de um
encontro, e não exatamente da mente do Artista. Não resulta de uma projeção pessoal, mas do encontro
com um tempo, um espaço, um outro, uma coisa, um afeto, e a partir daí serão geradas as condições de
descoberta do trabalho.
Podemos entender o MO_AND e a Composição em Tempo Real, como uma metodologia transversal
de investigação e convívio colaborativo, como um modo de ver e agir, uma perspectiva, que veicula um
corpo teórico e prático de exercícios no modo de compor: de modo que qualquer composição seja guiada
e sustentada não em uma ideia, mas no acontecimento tal como ele se dá em um território que envolva
os mais variados agentes (EUGENIO, 2010). Atualmente, o MO_AND concentra-se na abordagem
ético-estética dos usos políticos da etnografia nos mais diversos meios de atuação, enquanto a
Composição em Tempo Real tem o seu foco na composição em arte, nomeadamente, em dança e suas
interfaces com outras áreas.
O contato com esses métodos me fez atentar para aspectos importantes no meu processo perceptivo tais
como as noções de significado e representação. A tendência a começar por representar ou por executar
uma ideia feita. Entendi que existe um outro funcionamento possível em relação a este: o do fazer com
o que se apresenta e partir de uma atenção às matérias que se colocam em jogo. Um posicionamento de
si na relação com o entorno e que leva em consideração sempre aquilo de que disponho e as
consequências concretas e possíveis que cada encontro propicia.
Essas questões que, indubitavelmente levaram a um amadurecimento no meu processo de trabalho, me
instigam a pesquisar outras fontes teórico-práticas que compartilhem de um pensamento que não toma
o mundo como fornecendo informações prontas para serem apreendidas, mas como uma invenção, uma
criação conjunta com o agente do conhecimento.
Nesse sentido, o método cartográfico formulado por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1980) e
desenvolvido também por vários outros pesquisadores brasileiros como Sueli Rolnik (1986;1989);
Tânia Fonseca e Patricia Kirst (2003) e Virginia Kastroup (2009), traz uma grande contribuição para a
minha pesquisa. A cartografia visa acompanhar um processo, e não representar um objeto. Em linhas
gerais, trata-se sempre de investigar um processo de produção.
O método cartográfico pode ser entendido como uma derivação das perspectivas metodológicas de
Foucault: arqueologia do saber, genealogia da ética e do poder. Foucault utilizava metáforas espaciais
– paisagem, posição, campo, deslocamento, etc. – para falar da história e do uso da arqueologia como
cartografia. Deleuze (2013) referia-se a Foucault como “um novo cartógrafo”.
Neste modo de atuar, o incompreensível é parte da comunicação, assim como o acaso e o erro são
terrenos possíveis de qualquer tentativa de deslocamento e a potência desses fluxos pode residir
justamente na conversão destes em uma espécie de ponto de partida. Nessa direção, a prática
cartográfica, proposta por Deleuze e Guattari na escrita de Mil Platôs (DELEUZE, 1980), amplia a
noção de espaço, de forma que o mesmo deixe de se restringir a descrições genéricas e universais.
Tanto o método Cartográfico quanto o Modo Operativo AND, envolvem conter o automatismo do saber
e a tentação reiterativa de ativar as regras de um jogo previamente estabelecido, para percorrer e mapear
as condições que a situação apresenta.
Fazer da atenção um gesto de cuidado e sustentação daquilo que se vai (re)conhecendo conforme se
vai deixando de saber: o alinhamento intensivo dos corpos e dos afetos, ao longo dos quais a malha da
vida se tece ilimitadamente. Este cuidado enquanto “atenção distributiva” permite prescindir tanto da
suposição quanto da imposição, abrindo brecha para que a tomada de posição se faça, a cada vez, com
a matéria da posição que já lá está, se manifestando enquanto “com-posição” – ou, ainda mais
precisamente, “posição-com”. Um lidar situadamente com os problemas; um diluir dos contornos do
“problema meu” no “problema situado”. (EUGENIO, 2017)
Este lidar situadamente com os problemas e a postura de começar o jogo criativo esvaziado de ideias,
ou seja de um não-saber a priori, faz parte do procedimento de trabalho que é a intenção desta pesquisa.
Um trabalho de criação artística tem algo de indomável durante a sua produção e que parece resistir e
transcender a qualquer método. A ideia porém da procura por um método, é que o processo de criação
não seja dominado por ele, mas caminhe com. Uma investigação que se dá não sobre a obra, mas com
e através da obra.
Sob essa perspectiva, a presente pesquisa pretende investigar o delineamento de um método de
produção em Artes Visuais, tomando como referencial teórico-prático o Modo Operativo AND e o
método Cartográfico. Procurando elencar categorias, dispositivos e ferramentas comuns a essas práticas
que auxiliem no processo de criação. O desafio é utilizar a própria pesquisa como proposta para várias
operações artísticas, que vão ser a base de experimentação e criação do método. Além disso, tomar
como referência o trabalho de alguns artistas contemporâneos que no seu processo de trabalho se
aproximem dos modos operativos acima citados, entre outros aspectos, no que diz respeito às relações
de especificidade que estabelecem com os contextos para os quais as obras foram pensadas e realizadas.

Justificativa ___________________________________________________________

A ideia de um método na produção artística tem tido uma resistência, por vezes silenciosa, de fora ou
dentro dos lugares onde ela é mais discutida, tais como os lugares de formação ou ensino, sobretudo na
sua integração em modelos universitários de investigação. (Dias, 2015. p.49)
Desenvolver reflexões sobre o processo de concepção da obra e não apenas a partir de uma obra artística
terminada e disponibilizada enquanto tal à percepção e à reflexão, encontra ainda um espaço pouco
explorado. Segundo Dias (2015), tradicionalmente nem o discurso sobre arte teria uma tradição forte
na proximidade com o processo prático, nem a prática estaria habituada a abstrair (no sentido de extrair
e separar) alguns dos seus problemas colocando-os em discurso e num plano de argumentação.
No capítulo “Pesquisa em arte, linguagem da arte. Ou como escrever sobre o pensamentocomocorpo
inteiro” do livro “Corpos informáticos: performance, corpo, política” (2011), Bia Medeiros cita
Heidegger “Na investigação, isto é, na questão teórica, deve-se determinar e chegar a conceber o
questionado”. Aqui, Segundo a autora, Heidegger identifica a investigação com a questão teórica ela
mesma. No entanto, somente na prática seria possível conceber o questionado. “A investigação, em
arte, concebe o questionado. Não define, não determina, mas concebe. Fazer nascer o processo-
produto artístico da própria pesquisa para, assim fazendo, concebê-lo. Esta é a maneira pela qual a
arte se dá. Determinar, do nosso ponto de vista, só seria possível no instante do sublime, ou melhor,
seria incompossível.” (MEDEIROS, 2011, p.21)
Ainda citando MEDEIROS (2011), a autora, a partir da colocação de Sheila Cabo Geraldo,
historiadora da arte (UERJ), alerta: “as metodologias da história da arte não dão conta do objeto da
arte, objeto fugidio que, além de fato histórico, é fato estético”.
A tradição da arte efetua uma separação entre quem faz a arte (artista) e do outro quem argumenta sobre
a arte (curadores e críticos), separação que Dias (2015) considera cada vez menos clara. A confusão
está em continuar a pensar-se a investigação em arte como uma argumentação crítica sobre a obra,
dentro do modo tradicional da história e da crítica de arte, que alegam um julgamento. Antes deve
colocar-se um novo plano de argumentação e crítica com a obra, portanto, no interior do processo de
concepção desta.
Ao ultrapassar o paradigma do Belo que exigia à obra um protótipo de verdade, a arte atual tem se
tornado processo de investigação. No espaço da produção emergem dúvidas e indecisões, antes e depois
do ato, aquém e além da técnica. (Dias, 2015) É desta dobra, da obra final para o seu processo, que
pretende-se explorar um método de investigação em artes. O que destacamos é a importância de uma
investigação em artes a partir do que lhe está implicado enquanto método no interior do processo
poiético.

Objetivos ______________________________________________________________

O objetivo principal desta pesquisa consiste na investigação de um método de produção em Artes


Visuais, tomando como base de experimentação e construção a própria prática poietica da artista e tendo
como referencial teórico-prático o Modo Operativo AND, desenvolvido por Fernanda Eugênio e o
método da Cartografia social, enunciado por Gilles Deleuze, procurando elencar categorias, dispositivos
e ferramentas comuns a essas práticas que auxiliem no entendimento e construção de um processo de
criação estético atento às implicações éticas desse fazer.
Para alcançar um entendimento mais avançado acerca das questões envolvidas nessa discussão,
pretende-se ainda abordar os seguintes aspectos:
1. Discutir o estado atual da arte contemporânea considerando seu papel na remodelação de todo um
território historicamente assinalado por critérios de visualidade estabelecidos na primeira metade do
século XX e pela reflexão sobre um novo regime que pensa os atos estéticos como configurações da
experiência que induzem novas formas de subjetividade política.
2. Traçar um paralelo entre os métodos e procedimentos presentes no MO_AND, Composição em
Tempo Real e no método cartográfico buscando, na convergência entre as diversas abordagens,
possíveis pistas para experimentações metodológicas na práxis do artista.
3. Identificar os referenciais teóricos e práticos que terão reflexo durante toda a investigação e que
tornam possíveis pensar o interior da poiesis como campo investigativo sobre aspectos recorrentes do
trabalho: as relações de especificidade que estabelecem com os contextos, as práticas de atenção, a
etnografia do encontro, teoria da affordance, além dos conceitos desenvolvidos pelos modos operativos
investigados.
4. Analisar os antecedentes práticos realizados pela artista pesquisadora, em momentos anteriores de
sua trajetória artística.
5. A partir de uma residência artística realizada pela artista em 2018 em Manaus- Am, pretende-se
analisar todas as etapas processuais e desdobramentos do trabalho até a etapa final de montagem,
exposição, e registro, evidenciando o método do trabalho.
Revisão da Literatura ___________________________________________________

O sábio não tem idéia porque não privilegia nenhuma (nem, com isso, exclui nenhuma) e aborda o
mundo sem projetar nele nenhuma visao pré-concebida. Ele não estreita nada com a intrusão de um
ponto de vista pessoal, mas mantém sempre abertas todas as possibilidades. Não se imobilizando em
nenhum ponto de vista particular, evolui de acordo com o curso das coisas. É por isso que se diz que o
sábio não tem posição formada. Estando o Real em transformação continua, sua conduta também está
e, como ele, não se “estabelece”. Do mesmo modo que se preserva de projetar de ante-mão uma
necessidade qualquer, ele não se apega a posteriore à posição adotada – não se fixa nela, não se atola.
(Jullien, 2000, p. 69).

Em vários artigos de O livro por vir, Maurice Blanchot aborda a questão da crise da representação
iniciada no fim do século XIX por poetas como Rimbaud e Mallarmé.
O autor fala do esforço impressionante e “muitas vezes sublime” desde o Renascimento até o
Romantismo, para reduzir a arte ao gênio, a poesia ao subjetivo e “dar a entender que aquilo que o poeta
exprime é ele mesmo, sua mais genuína intimidade, a profundidade escondida de sua pessoa, seu Eu
longínquo, informulado, informulável.” Uma posição que colocava como exigência da obra a da
intimidade a ser expressa: “O poeta tem seu canto para fazer ouvir, o escritor, sua mensagem a
transmitir. “Tenho algo a dizer”, eis finalmente o grau mais baixo das relações do artista com a exigência
da obra.”(BLANCHOT, 2013, p. 42).
Blanchot recusava a idéia da literatura como interiorização ou expressão de uma subjetividade: "O ser
da linguagem só aparece com o desaparecimento do sujeito". O “desaparecimento” para Blanchot,
porém, não carregaria um sentido negativo, mas apontaria para uma certa insistência da literatura em
não permanecer no interior de formas fixas. Indicando uma necessidade de ressignificação constante do
literário e da capacidade de propor outras lógicas possíveis do próprio fazer artístico e da própria vida.
(REIS, 2017)
Representar algo se relaciona com o gesto de reproduzir: parte-se da combinação de elementos
identificáveis em um objeto primeiro, para que então se construa um sistema lógico, útil e condizente
com o referente. O pensamento representativo pretende anular a diferença e o pensamento da diferença,
em privilégio do idêntico e do mesmo. (DELEUZE, 1988) Dentro desse modelo, aquilo que se verifica
como ponto de partida é geralmente o que na coisa é estabilização, um recorte muito limitado que apenas
captura fluxos e apazigua tensões.
Podemos citar vários outros autores que seguem na mesma direção ao recusar a noção romântica do
gênio que postula a obra de arte como um produto da subjetividade do sujeito. Para Bourriaud, no
século xx, inúmeras teorias discutiram essa versão romântica da criação, sem conseguir, porém,
derrubar totalmente seus fundamentos. Apenas uma concepção “transversalista” das operações
criativas, diminuindo a figura do autor em favor da do artista-operador, poderia abarcar a “mutação”
em curso: Duchamp, Rauschenberg, Beuys, Warhol, todos construíram suas obras sobre um sistema
de trocas com os fluxos sociais, deslocando o mito da “torre de marfim” mental que a ideologia
romântica atribui ao artista. (BOURRIAUD, 2009, p.129)
Guattari também concebe o artista mais como um operador de sentido do que como um puro “criador”
dependente de uma inspiração criptodivina, porém não corrobora os hinos estruturalistas da “morte do
autor”. Para Guattari são os processos de produção de subjetividade que precisam ser definidos na
ótica de sua coletivização. Como o indivíduo não detém o monopólio da subjetividade, pouco importa
o modelo do Autor e seu suposto desaparecimento. (BOURRIAUD, 2009, p.131)
A subjetividade na visão de Guattari, não brota de nenhuma homogeneidade: pelo contrário, ela
evolui por recortes, segmentando e desmembrando as unidades ilusórias da vida psíquica. Aplicada as
práticas artísticas, essa constatação provoca o desmoronamento total da noção de estilo. “O artista,
munido da autoridade da assinatura, geralmente é apresentado como o maestro da orquestra de
faculdades manuais e mentais concentradas em torno de um princípio único, seu estilo.” (GUATTARI
apud BOURRIAUD, 2009, p.131)

E se o verdadeiro estilo, como dizem Deleuze e Guattari, for não a repetição de um “fazer” reificado,
e sim o “movimento do pensamento” ? (BOURRIAUD, 2009.) Segundo Deleuze, o pensamento não é
uma exclusividade da filosofia e muito menos da ciência, e a todo momento ele procurou colocar este
problema: como exercer um pensamento inventivo, livre de qualquer imagem do transcendente, do
modelo, da representação, e assim imanente à vida. (DELEUZE, 1992)
A antropóloga Fernanda Eugênio, também faz a crítica do “Projeto da Modernidade”, a do sujeito
moderno em busca da explicação da realidade-objeto ou o do sujeito-artista a “inventar realidade”
para espectadores-objeto. Segundo Eugênio (2011), este projeto está assentado sobre um pressuposto
segundo o qual a substância ou o ser antecedem as relações e as determinam. “Fixa os termos em
relação como cindidos e complementares – o sujeito e o objeto – e ocupa-se em reproduzi-los em
séries de oposições binárias, mutuamente exclusivas e ao mesmo tempo simbióticas: a única forma
concebível de relação é, então, aquela em que o outro fica a ser mais outro e o eu, mais eu, a cada vez
em que se defrontam.” (EUGENIO, FIADEIRO, 2011)

É sobre a produção de uma noção de mundo não assentada no pressuposto da “entidade” e do contorno
prévio ao encontro, mas no risco do envolvimento, que se situa o modo de ação que iremos investigar.
O Modo Operativo _AND desdobrou-se a partir do encontro entre dois modos de fazer – o do etnógrafo
e o do coreógrafo. Da pesquisa da antropóloga Fernanda Eugênio no campo da “Etnografia como
Performance Situada” junto ao método de “Composição em Tempo Real” desenvolvido pelo coreógrafo
João Fiadeiro. Deste encontro surgiram ferramentas e conceitos em torno de duas inquietações: “como
viver juntos”, já que o aparato de que dispomos foi todo articulado em torno da obsessão pelo poder; e
“como não ter uma ideia”, ou seja, como prescindir do “saber a priori” e da decisão controlada. O
conectivo “e” (and), que dá nome ao método, sintetiza esta abordagem, baseada não no saber (a lógica
do “é”) nem no achar (a lógica do “ou”), mas na lógica do encontrar (a lógica do “e”). (EUGÊNIO,
FIADEIRO, 2012).
Para coreógrafo e antropóloga, o ponto de intersecção entre a dança e a antropologia é a sensibilidade
à “relação”. O modo_AND parte, portanto, do fenômeno que funda a relação: o encontro. “O encontro
é um acidente que alarga o possível e o pensável, sinalizando outros modos para se viver juntos” (2012,
p. 3). No entanto, este só é considerado encontro quando a sua aparição acidental é percebida como
oferta, é aceita e retribuída. Desta implicação recíproca emerge um “meio”, “um ambiente mínimo cuja
duração se irá, aos poucos, desenhando, marcando e inscrevendo como paisagem comum”, mas apenas
se for “reparado” e consecutivamente “contra-efetuado”.
Para acionar este acidente-encontro, coreógrafo e antropóloga propõe dois espaços-modulações para
um “jogo” onde pratica-se o “entrar em relação” e a composição de um “plano comum” para o
desdobramento dos agenciamentos produzidos. Um é o espaço laboratorial concedido pelo dispositivo
do estúdio, o outro é o plano da “vida vivida” encarada como campo etnográfico. O laboratório permite
acionar a “escala maquete”, enquanto o trabalho de campo dá acesso ao jogo à “escala humana”. Essas
“escalas” correspondem a diferentes cortes fractais, que, entretanto, operam do mesmo modo no que se
refere aos seus funcionamentos. O que está em questão, em ambas as escalas, é o “modo” como nos
implicamos no acontecimento, e o jogo (no tabuleiro ou na cidade) é uma forma prática-teórica de
estudá-lo.
A produção política da subjetividade é também um dos focos centrais e estratégicos da análise
cartográfica, implicando uma atenção especial a jogos de verdade e de enunciação, jogos de objetivação
e subjetivação, modos de sujeição e assujeitamento, produção de corpos morais, sexuais, produtivos,
estetizações e produções de si mesmo, formas de resistência, práticas de liberdade. (PRADO &
MONTALVÃO, 2013)
A cartografia tradicional liga-se ao campo de conhecimento da geografia, que vê o mapa como um
instrumento fundamental de representação de um território e das características de uma população. A
cartografia aqui apresentada não se refere a territórios, mas a campos de forças e relações; diz mais
respeito a movimentos do que propriamente a posições fixas; desdobra-se no tempo, mas também no
espaço. (PRADO & MONTALVÃO, 2013)
Segundo Bourriaud (2011), dentre a produção de projetos nomades na arte contemporânea, o que se
destaca é a insistência no deslocamento: “em faces de representações congeladas do saber, os artistas
acionam esse saber construindo mecâncias cognitivas produtoras de afastamento em relação às
disciplinas instituidas e de colocações em movimento do conhecimento”. Nas obras que hoje geram
efeitos de saber, o espaço contemporâneo é mostrado como uma extensão quadridimensional, na qual
o tempo é uma das coordenadas do espaço.
Na maioria das obras de Pierre Huyghe, Mike Kelley, Francis Alÿs ou Tacita Dean, para citar alguns, a
forma da obra expressa uma trajetória, um percurso, mais do que um espaço ou tempo fixos. O dar
forma passa pela composição de uma linha de fuga. “deixamos o campo da geometria euclidiana para
abordar o campo da topologia”. (BOURRIAUD,2011,p.115.)
A arte atual põe em crise a linearidade ao injetar tempo no espaço e espaço no tempo. Mostra-nos como
podemos reorganizar a materia vivida através dos dispositivos de representação e produção
correspondentes à emergencia de uma nova subjetividade que exige modos próprios de representação.

Metodologia ___________________________________________________________

 O primeiro passo para o desenvolvimento desta pesquisa é realizar uma revisão bibliográfica
que permita formar um referencial teórico consistente o bastante para responder às questões
inerentes ao universo deste estudo.
Alguns pontos que devem nortear a leitura de autores são: Que estabeleçam os critérios ético/estéticos
e informativos da arte contemporânea (Nicolas Bourriaud, Jacques Ranciére); que reflitam sobre a
noção romântica da obra de arte como um produto da subjetividade do sujeito (Maurice Blanchot,
Roland Barthes, Didi-Huberman) e apresentem uma história da arte contemporânea (Catherine Millet,
Anne Cauquellin)
Também receberão atenção pesquisadores do campo da Filosofia e linhas de pesquisa correlacionadas
(Antropologia e Sociologia) na medida em que agenciam a contemporaneidade: Felix Guattari, Gilles
Deleuze, Giorgio Agamben, Michel de Certeau, Nicolas Bourriaud, François Jullien.

Além dos autores e pesquisadores dos métodos a serem investigados durante a pesquisa: Método
Operativo AND (Fernanda Eugênio), Composição em Tempo Real (João Fiadeiro), Cartografia Social
( Deleuze e Guattari, Virginia Kastroup, Sueli Rolnik Tânia Fonseca, entre outros) e de artistas
contemporaneos a serem elencados durante a pesquisa.

 A investigação de 4 obras de minha trajetória artística: Gottesdienst (Tessin/ Suíça); Água


Viva (Túnis Tunisia); Whispering Walls(Túnis Tunisia);; Msafer (Túnis Tunisia). Sendo o
critério de escolha das obras a relação com o contexto onde foi produzida.

 A investigação de dois trabalhos iniciados em residências artísticas ainda em


desenvolvimento.
 Residência e investigação do MO_AND em Lisboa-Portugal

Plano de Trabalho______________________________________________________

1. Crédito de disciplinas: deverão ser concluídos nos três primeiros períodos letivos.
2. Pesquisa de referencia teórica e da produção de arte: será realizado até o sexto período.
3. Realização de três trabalhos artísticos.
4. Revisão de literatura: ocorrerá do primeiro ao sexto período letivo.
5. Análise e redação para qualificação: o exame de casos práticos selecionados terá inicio no
terceiro período de estudo e sua sistematização será direcionada ao texto para o exame de
qualificação no quinto período.
6. Análise da redação para defesa: a etapa conclusiva para a apresentação da defesa de tese
ocorrerá no quinto ao oitavo período letivo.
Cronograma ___________________________________________________________

ATIVIDADES 2019.2 2020.1 2020.2 2021.1 2021.2 2022.1 2022.2 2023.1


Créditos de x x x
disciplinas
Referências x x x x x x
teóricas e
práticas
Execução de x x x
trabalho
artistico
Revisão de x x x x x x
Literatura
Redação para x x Q
qualificação
Redação para x x x D
defesa
Publicação de x x
artigos
Residência x
Investigação
AND_LAB

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