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No presente livreto, John Frame busca fazer uma crítica integral à Filosofia
Reformacional, tocando nos tópicos mais conhecidos e propagados, que
todos os aderentes em geral aceitam, além daqueles que são cruciais para a
fé cristã. A crítica é feita de forma sucinta, porém direta e profunda,
tocando no âmago da questão. E apesar de ser uma crítica sob um viés
pressuposicionalista vantiliano, outras vertentes filosóficas podem usufruir
dos questionamentos e falhas que Frame nos expõe. A crítica não é neutra,
nem imparcial, o pensamento de Amsterdã é aqui designado por expressões
de teor adverso: para Frame essa filosofia é de "segunda categoria" e de
"má qualidade", além de ser um "incentivo à idolatria" e cheia de "tentadas
autonomias"; além disso Frame considera que essa filosofia é nociva de tal
forma que conclui que "...se as metas da filosofia de Amsterdã
prevalecerem em nossos círculos, a Fé Reformada como temos conhecido
desaparecerá completamente desses círculos.", e por causa dessa
gravidade, Frame convoca a todos os cristãos, mesmo aqueles sem
especialidade em filosofia, a submeterem essa vertente ao crivo das
Escrituras, e alertar à igreja de Cristo a evitarem essa corrente.
Posto assim, espero que o leitor aproveite bem o conteúdo, tenha uma
ótima compreensão e que, de alguma forma, lhe seja edificante.
Matheus Valentim
Prefácio, 2005
Este livreto foi publicado pela Pilgrim Press em 1972, em meio a uma
guerra teológica. Representantes da Filosofia de Amsterdã estavam
tomando uma postura militar contra a teologia reformada tradicional, e a
controvérsia gerou uma batalha partidária no campus do Westminster
Seminary, onde eu ainda era um jovem professor. Esse embate também
ameaçou dividir igrejas, escolas cristãs e outras organizações cristãs. Como
membro de um comitê do Presbitério de Ohio da Orthodox Presbyterian
Church, me pediram para escrever um breve estudo sobre o movimento
que resultou neste livreto. Originalmente publicado junto com um ensaio
de Leonard Coppes, o presidente do comitê.
Quando leio este livreto hoje, penso que meu tom foi muito estridente. O
livreto também tem muitas coisas dignas de um metido a sabichão (smart-
alecky stuffs). Penso que eu poderia ter reescrito totalmente, mas isso teria
feito meus esforços de 1972 parecerem melhores do que foram.
Atualmente prefiro deixar os leitores me julgarem conforme mereço,
expondo os meus erros sem pudor. Também penso que as questões sobre
os pontos mais básicos nunca foram respondidos, embora tenha recebido
várias injúrias, e muitas acusações sem provas de que eu não entendi
Dooyeweerd corretamente. Sobre esses problemas, eu deixarei que os
leitores julguem.
4
1. CONTEXTO HISTÓRICO
1 Essa expressão parece ser a designação do movimento que causa menos dificuldades. O
nome que Dooyeweerd deu a essa filosofia, "A Filosofia da Ideia de Lei" (com sua
variante helenizada "A Filosofia da Ideia Cosmonômica") é um pouco complicado demais
para ser uma referência fácil. "Dooyeweerdianismo" é geralmente considerado um pouco
vulgar, e, além disso, acredita-se que imponha ao movimento um apego mais próximo ao
pensamento de seu membro mais conhecido do que geralmente se deseja reconhecer.
Expressões como "Reformacional" e "Cristão Radical" são muito honoríficos para usar no
contexto do debate.
2 Dr. van Til é ainda listado como editor da Philosophia Reformata, e a impressão de
1968 de In the Twilight of Western Thought de Dooyeweerd (Nutley, Craig Press, 1960)
lista-o como membro da escola (p. 197). Todavia, como nós veremos, Dr. van Til se
tornou cada vez mais crítico do movimento em anos recentes; tão crítico, de fato, que seria
incorreto considerá-lo como membro dessa escola atualmente. Cf. abaixo, especialmente a
seção 14.
5
listados junto com membros desta escola. Os últimos dez anos trouxeram
muito mais nomes de proeminência como aderentes da Escola de
Amsterdã. No Trinity Christian College de Palos Heights, Illinois,
podemos notar Calvin Seerveld e Carl T. McIntire, filho do famoso
pregador de rádio. Um número de "pensadores de Amsterdã" podem ser
encontrados no Dordt College, Sioux Center, Iowa, tais como J. van Dyk,
J. Vander Stelt e H. L. Hebdem Taylor, um dos divulgadores mais
prolíficos do movimento. O Institute for Christian Studies, Toronto,
Canadá, fundado especificamente com o propósito de propagar essa escola
de pensamento, ostenta-se da presença de B. Sylstra, James Olthuis, John
Olthuis, Arnold de Graaf e Hendrik Hart. Dentro da área de nosso
presbitério, Peter J. Steen advoga sua versão da filosofia de Amsterdã em
suas aulas de filosofia no Geneva College, Beaver Falls, Pensilvânia.
Organizações que apoiam os objetivos do movimento são a Association for
the Advancement of Christian Scholarship (A.A.C.S.) (anteriormente
Association for Reformed Scientific Studies) e a National Association for
Christian Political Action (N.A.P.C.A.). A influência dessa filosofia é forte
no movimento trabalhista cristão no Canadá, e está sendo sentido cada vez
mais no movimento escolar cristão no Canadá e nos Estados Unidos,
principalmente no National Union of Christian Schools. Desenvolvimentos
no movimento podem ser vistos em periódicos como Philosophia
Reformata (publicado nos Países Baixos), na popular revista Vanguard, no
Politikon da N.A.P.C.A., e no New Reformation (direcionado a estudantes
acadêmicos),3 do Center for Christian Studies, Santa Barbara, California.
Desde que o movimento está bem difundido, e cresce cada vez mais, ao
invés de diminuir em influência, uma advertência precisa ser feita: nem
todos os comentários feitos sobre o movimento nas próximas páginas será
aplicado a todos os seus aderentes. Apesar disso, tais aderentes alegam
pertencer a uma "escola", um grupo dedicado ao avanço de certos
princípios básicos e à aplicação desses princípios em todas as áreas da
3 N. T. expressão latina que significa "à primeira vista". Diz-se da primeira impressão que
temos de uma declaração ao ouvi-la pela primeira vez. Consultado em
<https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/prima-facie>. Visualizado em
09/10/2020.
6
vida. Tal alegação não é apenas legítima, mas necessita de uma avaliação
crítica, o qual é direcionado para os princípios e os objetivos afirmados no
movimento como um todo, e não apenas para pontos de vista individuais.
4 Sobre essa distinção, compare com a distinção entre "lei" e "norma" em, ex.: J. M.
Spier, What is Calvinist Philpsophy? (Grand Rapids, Eerdmans, 1953), p. 32.
7
base? A Bíblia é confiável quando fala sobre assuntos científicos?
Evangelismo inclui a reestruturação das instituições sociais? Estas são
questões que todos os cristãos têm interesse, sobre os quais todos são
chamados a tomarem uma posição. Ainda aqueles que não têm as
ferramentas técnicas necessárias para entender Dooyeweerd devem de
alguma forma decidir que posição vão tomar. Sobre essas questões, é
legítimo e necessário, para criticar o movimento de Amsterdã, ser tão pé no
chão, quanto "popular", como são alguns de seus proponentes. (3) Um
movimento, assim como um homem, é conhecido pelos seus frutos.
Quando um movimento defende posições errôneas, posições que podem
ser expostas como estranhas às Santas Escrituras, devem, portanto, serem
levadas em consideração, mesmo por aqueles que sejam incapazes de
compreender as premissas filosóficas dos quais essas posições derivam.
Por causa destas três razões acima, é tão legítimo, quanto necessário, para
não-filósofos fazerem uma avaliação da filosofia de Amsterdã,
principalmente das suas implicações concretas para a doutrina e vida cristã.
Esse fato não implica que este livreto será completamente não-filosófico,
mas implica, no entanto, que os argumentos deste livreto não podem ser
evadidos pela observação de que estão às vezes em um nível "popular", ou
pela consideração de que tais argumentos nem sempre mostram o
entendimento técnico mais profundo das categorias dooyeweerdianas. E
isso ainda implicará no fato de que os não-filósofos na igreja poderiam
ignorar tais problemas dizendo "é muito complicado para mim". As
questões, antes de nós, são assuntos de vida ou morte para a igreja de Jesus
Cristo. Cada cristão, portanto, deve apaixonadamente se preocupar com
essas coisas.
2. O APELO DO MOVIMENTO
6 Ibid., p. 53ss.
7 Essas expressões devem ser tomadas de forma apositiva, [ou seja] como formas
diferentes de denotar a mesma distinção
10
ensinos que podem ser demonstrados como antibíblicos, e, portanto, falsos.
Essas duas críticas serão provadas adiante.
Esperamos que a discussão que se segue não seja muito técnica, de tal
forma que o leitor perca sua atenção neste tópico. Mas se for assim,
recomendo que o leitor pule desta parte para as últimas seções deste livreto
que são mais "práticas", em algum sentido, do que estas. Todavia esta é
importante. A distinção entre senso comum e ciência, entre "experiência
ingênua" e o "pensamento teórico", entre "pré-teórico" e "teórico"8 é
central para o esquema de Amsterdã. Essa distinção é a razão porque, na
visão de Amsterdã, não pode haver um conhecimento teórico de Deus ou
de si mesmo (self). Mostra a razão do porque não pode haver qualquer
estudo teórico do tema central bíblico da criação, queda e redenção. Nos
mostra o porquê desses temas centrais deverem ser acentuadamente
(sharply) distinguidos de todas as [outras] doutrinas teológicas. Nos mostra
o porquê da teologia estudar apenas o "resultado" de uma "abstração
teórica" e nunca a "realidade integral ou plena" de Deus.9 Por fim, essa
distinção nos mostrará o porquê das Escrituras não falarem diretamente ao
cientista sem a mediação da filosofia, e porque o filósofo tem o direito de
dizer ao teólogo o que as Escrituras podem e não podem dizer a ele.
Bem, parece haver uma diferença! Mas o assunto se torna um pouco mais
complicado quando consideramos outros casos. Concordemos que a
criança observando as margaridas é algo "ingênuo" ou "pré-teórico", em
algum sentido óbvio. Mas e quanto à criança cuja professora pediu para
procurar várias flores de cores diferentes o quanto ela puder? Ela caminha
pelo campo, olha para uma margarida, e anota "amarelo e branco"; olha
para um dente-de-leão, e escreve "amarelo"; olha para uma rosa, e escreve
"vermelho". Isso é teórico ou ingênuo? Bem, isso certamente não é o início
de uma dissertação de doutorado! Podemos dizer que é uma matéria de
simples observação. Isso ainda pressupõe um certo conhecimento sobre
cores ― palavras, habilidade de escrever. De fato, esse conhecimento é o
começo do que podemos chamar de "equipamento teórico". Que criança da
nona série escreve um ensaio sobre sua filosofia política? O ensaio poderia
consistir em sua maior parte de observações "ingênuas" ― ainda que
estejam em um nível mais sofisticado do que esperaríamos de uma criança
da sexta série! Dessas ilustrações, portanto, parece que "ingênuo" e
"teórico" não são compartimentos hermeticamente fechados como a
filosofia de Amsterdã sugere, mas são dois extremos de um contínuo. Todo
pensamento é relativamente teórico (em que todo pensamento pressupõe
algum aprendizado, algum equipamento teórico), e todo pensamento é
relativamente ingênuo (nosso aprendizado nunca chega a ser tão perfeito,
ao ponto de podermos dispensar totalmente a nossa necessidade de simples
12
percepção). As ilustrações, portanto, parecem apontar para uma direção
diferente daquela que a filosofia de Amsterdã sugere.
Isso não quer dizer, todavia, que a experiência ingênua não faz análises,
nenhuma distinção de qualquer tipo:
10 Ibid., p. 11
11 Dooyeweerd, Twilight, p. 15. Cf. Spier, Introduction, p. 39.
13
todos os aspectos modais de nosso horizonte temporal, mas
tipicamente qualificado pela sua relação sujeito-objeto estética.12
A ideia aqui parece ser que a experiência ingênua foca em coisas (mesas,
cadeiras, árvores, pedras, pessoas) e eventos (Batalha de Waterloo, a
invenção da imprensa, a ida de Mary Jane à mercearia), enquanto que o
pensamento teórico foca nos aspectos das coisas (número, espaço,
movimento, valor econômico, beleza estética, etc.). Dizemos que foca, pois
Dooyeweerd disse que a experiência ingênua faz certas distinções entre
esses aspectos, e tem interesse neles (próximo à última citação). O
12 N. T. O termo "pístico" é a tradução do inglês "pistic" que vem do grego "pistis" (fé),
é um termo utilizado para denotar tudo aquilo que pertence à esfera da fé humana. Em
outros escritos da Filosofia Reformacional podemos encontrar este termo traduzido como
"credal" ou "confessional".
13 Spier, Introduction, p. 132. Note aqui, incidentalmente, o grau em que o
"conhecimento ingênuo" de Spier está preocupado com distinções modais! Cf. em sua
conexão com p. 39.
14
problema aqui, contudo, é que "focar" é um conceito relativo. Alguém
pode ser mais ou menos "focado" em algo. Temos dito até agora que a
experiência ingênua é relativamente mais interessada em coisas e eventos,
enquanto que o pensamento teórico é relativamente mais focado nos
aspectos (aspectos das coisas). E esse tipo de ideia não nos dá uma
distinção acentuada que Dooyeweerd pretende.
Conforme ficará estabelecido, esta citação não servirá (won't do for) como
definição, desde que na descrição de "conhecimento científico" o termo
"científico" é usado, a definição torna-se circular. Mas deixando isso de
lado, é verdade que o conhecimento científico tem apenas um único
propósito? É verdade que o conhecimento científico é apenas para buscar
conhecimento e nunca para buscar ter mais saúde ou aprofundar a fé?
Cremos que não, a menos que Spier esteja empregando algum tipo de
conceito bastante incomum de "ciência" aqui. E não seria o caso de que o
conhecimento ingênuo está preocupado com um entendimento da
realidade?17 Se o conhecimento científico está enraizado no conhecimento
ingênuo, conforme Dooyeweerd diz, então ficará evidente que algum
conhecimento ingênuo, pelo menos, é necessário para (e, portanto, é um
instrumento para) um conhecimento científico da realidade. Essa sugestão
21 Spier, Introduction, p. 2.
22 Dooyeweerd, Twilight, p. 8, 126.
23 Ibid., p. 11.
24 Ibid., p. 12, cf. p. 16.
25 Ibid., p. 13.
18
pensamento teórico "separa as coisas [da realidade concreta]", 26 enquanto
que a experiência ingênua os vê na "conexão contínua de sua coerência." 27
Na experiência ingênua, "nossa função lógica permanece completamente
imersa na continuidade da coerência temporal entre os diferentes
aspectos."28 Não apenas "imerso", mas ainda "amarrado"!29 A experiência
ingênua tem um caráter "integral"30, distingue o sujeito do objeto, mas o
pensamento teórico os opõe, quebrando em pedaços essa experiência o
qual a mente ingênua preserva em uma "coerência inquebrável". 31 A força
dessas metáforas é inegável. Todos nós temos tido a sensação, como se
estivéssemos a nos sentar para escrever um artigo acadêmico, de que
estamos em algum sentido "recuando" da realidade . É como se
estivéssemos separando as coisas que a vida ordinária mantém juntas.
Sentimos que estamos, por assim dizer, cavando o universo com nossos
dedos, e desmontando-o para ver como funciona. Ocasionalmente, como
lhe é típico, um pensador orientado pela filosofia de Amsterdã explicará a
distinção ingênuo/teórico fechando os olhos, ficando bastante irritado (very
intense), pronunciando suas palavras lentamente, dizendo "Experiência
ingênua não faz distinções te-ó-ri-cas" ou algo do tipo. Seu
comportamento imita o sentimento que nós todos temos tido, de que o
trabalho teórico é algo muito difícil, abstrato, preciso, removido da vida
ordinária, etc. A dificuldade, todavia, é que ― paradoxalmente! ― essas
metáforas não têm precisão suficiente para distinguir "teoricamente" entre
uma coisa chamada experiência ingênua e outra muito diferente chamada
pensamento teórico. O conceito de "distância", quando aplicado à relação
do conhecedor com a coisa conhecida, é uma metáfora, e uma metáfora o
qual pode ser tomada de várias formas. Certamente há sentidos nos quais,
ainda na vida ordinária, nos sentimos "distantes" das coisas que
percebemos. Logo, se não houver explicações mais profundas, a metáfora
26 Ibid., p. 14.
27 Ibid., p. 16.
28 Ibid., p. 17.
29 Spier, Introduction, p. 12.
30 Ibid., p. 13ss.
31 Dooyeweerd, Twilight, p. 11.
19
da "distância" não distingue claramente a experiência teórica da ingênua. O
mesmo para "entendimento", "separar", "imerso", "integral", etc. Também
o conceito de "coerência" não é claro aqui, pois, obviamente, não é uma
"coerência" literal como, por exemplo, entre as partes de uma escrivaninha.
Há tipos de "coerência" figurada tanto no pensamento ingênuo, quanto no
teórico, e se alguém não especifica o tipo de coerência em vista, então o
conceito não pode nos ajudar com a distinção em questão. Essas
observações, de fato, não negam a força da sensação gerada por essas
figuras. Cremos que teorizar é mais "distante" do mundo do que a
experiência ordinária ― em vários sentidos de "distante". Mas esse
sentimento é perfeitamente consistente com a visão de que a experiência
ingênua e o pensamento teórico são extremos opostos de um contínuo, que
há graus de "distância" (e, por isso, de teoricidade), e, portanto, a filosofia
de Amsterdã está errada nesse ponto crucial.
32 Ibid., p. 120. ― e talvez para além [dos limites] da "experiência ingênua" também. Cf.
abaixo.
20
experiência ingênua são submetidos à análise científica na filosofia
[...]
5. CIÊNCIA E O TEMPO
O leitor pode estar ficando impaciente no que agora parece ser mais uma
discussão acadêmica árida. Qual a importância de tudo isso? Como matéria
de fato, esse ensino levanta muitas questões importantes. Muitas filosofias
não-cristãs, seculares, principalmente o de Immanuel Kant, têm sustentado
que o pensamento teórico está em algum sentido "amarrado ao horizonte
temporal da experiência humana". Nesses sistemas não-cristãos, essa
limitação efetivamente deixa Deus trancado do lado de fora de todas as
teorias, eliminando de tais teorias toda possibilidade de uma referência a
Deus. Alguém pensaria que Dooyeweerd, como um filósofo cristão,
desejaria nitidamente desafiar esse tipo de abordagem, insistir que Deus é
relevante para o trabalho teórico, que teorias não têm o direito de trancar
Deus do lado de fora. Todavia a formulação de Dooyeweerd é ambígua.
Ele deseja falar de Deus, mostrar a necessidade de Deus para todo
pensamento teórico; mas ao mesmo tempo ele quer fazer um uso de uma
formulação quase Kantiana que invoca o papel de Deus na questão.
que, então, Dooyeweerd está tão aborrecido? Parece que no pensamento de Dooyeweerd
há uma aversão a qualquer alegação de um "conhecimento conceptual" de Deus. Não
apenas "conhecimento conceptual" no sentido estrito de Dooyeweerd, mas em qualquer
sentido. Esse fato faz nossa comparação entre Dooyeweerd e Kant algo bastante sério.
Mas essa aversão aos "conceitos de Deus" não é claramente ou consistentemente
articulado em Dooyeweerd; logo preferimos crer na melhor alternativa sobre ele ― que
ele simplesmente não entendeu o problema.
41 Dooyeweerd, Twilight, p. 7.
42 Spier, What Is Calvinistic Philosophy? p. 37.
27
ego supratemporal? Essa afirmação não pode ser teórica; uma análise
teórica disso deve interpretar como não se referindo absolutamente a Deus
e ao ego! É uma afirmação da experiência ingênua? Dooyeweerd também
não nos responde, e isso parece bastante improvável (veja acima a nota de
rodapé sobre essa questão). Há algum outro tipo de afirmação? Se há,
como pode ser relevante a uma teoria que pela sua natureza não pode
afirmar a verdade e a validade conceptual de tal afirmação? Ou
Dooyeweerd quer ir de todas as formas com Kant (e com alguns "cristãos
modernos" ateístas), e afirmar que o termo "Deus" nunca se refere a algo
senão a realidade temporal criada?! Essa visão tornaria Dooyeweerd um
completo (sheer) idólatra (alguém que louva uma coisa criada como se
fosse Deus), e faria sua filosofia explícita e flagrantemente não-cristã.
Essencialmente, todavia, pensamos que Dooyeweerd está confuso e
confundido. Ele se apresenta a nós com uma base não esclarecida sobre o
qual ataca a concepção kantiana ou ainda distingue sua própria posição da
dele. Ele deixa o status de linguagem de Deus completamente incerto, ao
mesmo tempo em que essa linguagem está sob intenso escrutínio (e ataque)
por todas as comunidades filosóficas e teológicas. Um filósofo cristão,
cremos, deveria honestamente repudiar a visão kantiana e dizer clara e
energicamente que o teórico não apenas pode, mas deve falar de Deus em
seu trabalho teórico. É isso que pensamos que Dooyeweerd realmente quer
fazer em seus melhores momentos ― quando ele está desafiando cientistas
a reconhecerem a necessidade de pressupor Deus.43
43 Algumas questões que podem ser levantadas: (i) São as esferas de lei elementos do
mundo real, ou elas são meramente formas nos quais os seres humanos percebem o
mundo? As formulações de Dooyeweerd não são completamente claras nesse ponto. (ii)
Como alguém pode distinguir uma esfera de lei da outra, quando na visão de Dooyeweerd
o "momento nuclear" de cada esfera, o qual distingue [uma esfera] de todos os outros, é
indefinível? (iii) Por que o universo deve ser arranjado em esferas de lei do tipo que
Dooyeweerd descreve? Dooyeweerd nunca oferece qualquer argumento ao porquê do
universo ser arranjado dessa forma (Nem ainda ele argumenta a competência da mente
humana em discernir essa estrutura!). Pelo contrário, Dooyeweerd assume que há tais
esferas e então prossegue em questionar que esferas são. Talvez ele ache que essa ordem é
imediatamente percebida, mas certamente muitos outros filósofos discordariam de
Dooyeweerd sobre como suas visões se conectam a essa visão (on precisely what their
perceptions are in this connection). Mais provável é que Dooyeweerd crê que pode
28
6. A ESTRUTURA BÁSICA
oferecer um argumento negativo ― a saber, que qualquer filósofo ou cientista que nega a
estrutura o qual Dooyeweerd descreve cairá em contradições e outras dificuldades
insuperáveis. Mas os exemplos de Dooyeweerd sobre tais dificuldades não são sempre
claras ou persuasivas. (iv) Dado por certo que há tais esferas, por que eles devem ser
arranjados na ordem precisa que Dooyeweerd sugere? Muitos dos argumentos para essa
ordem precisa são altamente duvidosos. Spier, por exemplo, diz que a esfera linguística
deve preceder a esfera social, pois símbolos são necessários para intercursos sociais
(Introduction, p. 43). Realmente é verdade; mas não é também verdade que poderia haver
nenhum simbolismo convencional a menos que tivesse havido algum tipo de intercurso
social? Não é evidente que ambas as esferas "pressupõem" umas às outras, ao invés de
uma ser a "base" inequívoca da outra? Os filósofos de Amsterdã raramente consideram
essas relações mútuas, relações reflexivas entre suas alegadas esferas. Também cf. o
argumento de Spier a respeito da economia e estética (mesma página da última referência.
N. T. nota de rodapé 45). Alguém realmente acha esse tipo de coisa persuasivo? (v) E
quanto aos conceitos que aparentam sobrepor várias esferas? Os filósofos de Amsterdã
chamam-nos de conceitos "analógicos" ― conceitos como "economia de pensamento" ou
"movimento vital", ou ainda "sensação espacial". Spier argumenta que embora uma esfera
seja relatada em muitas outras, cada uma "pertence a" uma e apenas uma (Introduction, p.
60ss.). Aqui seus argumentos são de alguma forma mais persuasivos do que outros, mas é
em parte devido ao fato de que ele tinha escolhido cuidadosamente seus exemplos. Se ele
escolheu discutir, digamos, "linguagem ética", ou "história estética", ou "psicofísica",
"análise estética", "julgamento econômico", e muitos outros, ele teria sido duramente
pressionado a mostrar a qual esfera cada uma "pertence". "História estética", por exemplo,
é de interesse tanto dos artistas, quanto dos historiadores, e é realmente difícil ver qual
interessaria mais. Em outras palavras, pensamos que a realidade é muito mais complicada
do que o que o esquema da filosofia de Amsterdã faz parecer. E consideramos, ao menos
possível, que embora Deus tenha revelado a nós seu poder e glória no mundo criado, ele
não tem necessariamente revelado a nós a estrutura geral do mundo criado.
29
realidade empírica, um aspecto biótico ou da vida orgânica, um
aspecto de sentimento ou sensação, um aspecto lógico, i.e., a
maneira analítica de distinção na nossa experiência temporal o qual
é a fundação de todos os nossos conceitos e julgamentos lógicos .
Então há um aspecto histórico no qual experimentamos a maneira
cultural do desenvolvimento da vida societária. Essa é seguida pelo
aspecto da significação simbólica, sendo a fundação de todo
fenômeno linguístico empírico. Mais adiante há também o aspecto
do intercurso social, com suas regras de cortesia, polidez, boas
maneiras, educação, e assim por diante. Essa modalidade
experimental é seguida pelos aspectos econômico, estético,
jurídico, moral e, finalmente, pelo aspecto da fé ou crença.44
44 Dooyeweerd, Twilight, p. 6.
45 Ibid., p. 7.
46 Spier, Introduction, p. 52ss.
30
estranha nessa doutrina das esferas modais ― isto é, que todas as esferas
são "aspectos do tempo em si mesmo".47 A diversidade dos aspectos
modais...
b. O Ego
Note mais uma vez o demasiado uso de metáfora. O "centro" nessa visão
não é claramente o centro geométrico; o "ponto de partida" não é um ponto
de partida geográfico. O "ponto de concentração" não é um pedaço de uma
experiência de liofilização. O que, então, essas expressões significam?
Duas ênfases parecem ser encontradas: (i) Que o coração ou o ego em
algum sentido "concentra" toda a experiência humana. Mas em que
sentido? Isso significa que é o coração que tem todas as experiências?
Significa que o coração apresenta os conceitos "universais" pelos quais a
experiência é "unificada" (i.e., organizado, representado, analisado, etc.)?
Significa que todas as experiências pressupõem a existência do coração?
Significa que qualquer descrição fiel da experiência humana deve
pressupor a existência do coração? Significa que o coração de alguma
forma percebe supra-temporalmente o que os sentidos percebem
temporalmente? Dooyeweerd parece considerar a doutrina em todos esses
diferentes sentidos em diferentes ocasiões. Realmente, todos eles poderiam
ser verdade ao mesmo tempo. Mas nenhum deles é tão óbvio que nenhum
c. Deus
61 Ibid.
62 Dooyeweerd, Twilight, p. 8.
63 Spier, What Is Calvinistic Philosophy?, p. 32ss.
64 Ibid., p. 32.
65 Cf. também Spier, Introduction, p. 119-122; What Is Calvnistic Philosophy?, p. 76ss.
35
desentendimento sobre Van Til, a saber, de que Van Til está tornando o
conhecimento de Deus "teórico" no sentido estrito de Dooyeweerd de
"teórico" (Como matéria de fato, não é claro se Van Til aceita
completamente a distinção de Dooyeweerd entre ingênuo e teórico). Em
outras vezes, parece que Dooyeweerd simplesmente não quer incluir
qualquer "conteúdo teórico" dentro do escopo do "conhecimento de Deus".
7. LEI
70 Ibid., p. 125.
40
Amsterdã considera a lei como algo criado, um aspecto do universo, muita
pouca estima está sendo posta sobre essa lei. Tal visão é um incentivo à
idolatria, pois concede autoridade aos elementos do mundo criado.
(b) A visão de que todas as leis físicas, biológicas, linguísticas, etc., são
expressões temporais da lei supratemporal do amor: essa visão é algo mais
do que uma mitologia? Na medida em que podemos observar, há nenhuma
base bíblica para isso; e realmente podemos descobrir conclusões sobre o
mandamento do amor de Deus em qualquer outra base além das Escrituras?
E se Dooyeweerd e outros tiverem outra base para essa visão, não foram
bem sucedidos em tornar essa base clara. Eles não mostraram, em outras
palavras, se essa lei de amor é algo supratemporal, ou que as outras leis são
"expressões" temporais desse amor, ou ainda, o que significaria dizer, por
exemplo, que a lei da gravidade é uma expressão da lei de amor a Deus e
ao próximo. Mais uma vez essa filosofia parece ter sido seduzida por
metáforas tentadoras.
73 É digno de nota que essa distinção é contrária ao uso bíblico do termo "fé"; pois nas
Escrituras, "fé" é precisamente um compromisso do coração humano de se relacionar com
Deus.
43
que é a Palavra propriamente dita. A Palavra propriamente dita é
frequentemente descrita como o
"Normas da fé" são normas do "aspecto da fé", o mais alto das esferas
modais. Não é completamente claro o que esse "aspecto da fé" é na
filosofia de Amsterdã. Ao menos pode ser dito que esse aspecto da fé não é
a mesma coisa que a orientação básica do coração humano.80 A orientação
básica, em direção a Deus ou para longe Dele, direciona todos os aspectos
da vida humana dos quais o "aspecto da fé" é apenas um. O "aspecto da
fé", em distinção daquele compromisso do coração humano, tem a ver com
atos como "ir ao culto, se engajar em oração, ou participar dos
sacramentos."81 Dizer, então, que as Escrituras são uma positivação das
79 Dooyeweerd também diz que a filosofia deve considerar os resultados das ciências
especiais ― presumivelmente a teologia está incluída. Logo há um sentido em que o
teólogo "dita" ao filósofo, assim como há um sentido em que o filósofo "dita" ao teólogo.
De alguma forma, apesar disso, na literatura de Amsterdã o filósofo sempre fica em uma
posição mais elevada! A razão parece ser que, apesar do filósofo dever aceitar as
informações com as quais a teologia trabalha, o filósofo tem a palavra final sobre o que o
teólogo pode ou não fazer com as informações. O filósofo declara os limites da teologia
― uma declaracão que o teólogo é incompetente para fazer.
80 Dooyeweerd, "Cornelius Van Til", p. 83.
81 Mais uma vez lembramos ao leitor que para Dooyeweerd "conceito" se aplica apenas
aos conceitos teóricos. Alguém poderia legitimamente perguntar a Dooyeweerd se as
Escrituras não podem ensinar ao filósofo alguns "conceitos" de um tipo "ingênuo". Mas
Dooyeweerd não reflete sobre essa possibilidade no contexto, e, portanto, devemos
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normas da fé é dizer que as Escrituras aplicam as normas da estrutura de lei
a coisas como oração, sacramentos, a igreja institucional, pregação, etc.
Essas coisas, de fato, são muito importantes. Eles influenciam, por sua vez,
outras áreas da vida humana tais como os padrões éticos, suas
sensibilidades estéticas, seu uso da lógica. Mas o encargo das Escrituras
sobre essas outras áreas é "indireto". A Bíblia fala diretamente apenas à
"esfera da fé".
Essa visão levanta sérios problemas de dois tipos. Devemos questionar (a)
a limitação da Escritura à esfera da "fé", e (b) o conceito de Escritura como
uma "positivação" da estrutura de lei.
assumir que Dooyeweerd está excluindo das Escrituras a derivação não apenas dos
"conceitos" de um tipo técnico e sofisticado, mas ainda de qualquer conteúdo significante,
autoritativo e racional. Em outras palavras, Dooyeweerd está dizendo o que os teólogos
modernos têm sempre dito, que não podemos aceitar qualquer visão filosófica
simplesmente porque as Escrituras ensinam isso. De fato, no esquema total de
Dooyeweerd, parece que não podemos aceitar qualquer coisa sobre a autoridade das
Escrituras.
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para as nossas atividades dominicais da "igreja", mas para todas as áreas da
vida cotidiana. Todavia, quanto mais alguém estuda sobre o movimento,
mais se descobre em que grau essa filosofia "fecha" as Escrituras, e em que
grau essa filosofia faz das Escrituras uma coisa "dominical". Os filósofos
de Amsterdã, talvez, sentem a força desse paradoxo. Na verdade eles
gostam de dizer que as Escrituras se endereçam ao coração, que carrega
todos os aspectos da vida, etc. Parece, todavia, que quando eles usam esse
tipo de linguagem, eles estão pensando nas Escrituras, não como um livro
com palavras e sentenças, mas como um veículo dessa dunamis, esse
"poder" que Dooyeweerd descreve como a Palavra de Deus. Lemos as
Escrituras, o poder nos "cativa", muda a nossa "direção", e assim afeta
todas as áreas da vida. Como um livro com palavras e sentenças, todavia, a
Bíblia é dita ser endereçada apenas ao aspecto da fé da vida humana. Essa
distinção entre a palavra como "poder" e a Bíblia como um texto escrito 82
resolve o paradoxo que temos notado. Tomando por certa essa distinção,
podemos usar as Escrituras (enquanto poder) para endereçar a todas as
áreas da vida. Mas as palavras e sentenças atuais das Escrituras ― as
palavras que podemos analisar, fazer exegese, parafrasear, traduzir, etc. ―,
essas palavras nos falam apenas sobre o aspecto da fé da existência
humana. Descobrimos que essa distinção, todavia, é totalmente antibíblica.
Nas Escrituras, o "poder" da Palavra é o poder da mensagem verbal
acompanhada pelo Espírito Santo. O "poder" é operativo na vida humana
quando a palavra é crida, obedecida e confiada. As verdadeiras palavras e
sentenças que Jesus falou aos seus discípulos, e que temos registrado nas
nossas Bíblias hoje, essas palavras são "espírito" e "vida" (João 6.63, cf.
v68). Nem Jesus, nem os apóstolos, nem qualquer outro escritor bíblico
deram qualquer vestígio de que há uma distinção entre "poder" e "texto" tal
como esses filósofos imaginam. Experimentamos o "poder" da Palavra
quando cremos o que as palavras dizem. E certamente, repetimos, há nada
nas Escrituras que sugere que essas "palavras" se endereçam apenas a um
único aspecto da vida humana; muito pelo contrário!
De Graaff argumenta que ele não é alguém que crê em "situações éticas".
Ele não crê que o "amor" seja tudo que temos para "passar". 84 Ele enfatiza
que, na verdade, temos as Escrituras como um exemplo de como devemos
positivar a estrutura de lei. Ele também enfatiza, o que o situacionista não
faz, de que há uma "estrutura de lei", e que isso, também, nos ajuda a
tomar decisões. Cremos, todavia, que essas diferenças entre De Graaff e os
situacionistas não são terrivelmente significantes. Quanto ao "exemplo"
das Escrituras, qualquer situacionista concordaria que temos muitos
"exemplos" de amor que são dignos de imitação até certo ponto. Esses
"exemplos", todavia, podem não ser feitas regras absolutas, pois eles não
antecipam as características únicas das situações que confrontamos. A
visão de De Graaff não é substancialmente diferente disso. Quanto à
9. FILOSOFIA E TEOLOGIA
Sob o risco de sermos monótonos, devemos mais uma vez rejeitar essa
visão de termos incertos. Pois nesse esquema, Dooyeweerd tem
essencialmente rejeitado o papel das Escrituras sobre o trabalho do
filósofo, e tem dado ao filósofo uma autoridade final e virtual sobre a vida
e a fé cristã. Dooyeweerd na verdade nega que uma filosofia cristã deva ser
tão imperialista! Ainda nessa análise, parece que a filosofia de
Dooyeweerd é tão imperialista quanto qualquer filosofia que o homem
inventou. O filósofo, pela virtude do seu conhecimento superior da
estrutura de lei do universo, pode ditar a todas as outras ciências o que eles
podem e não podem dizer; e ele não dita isso sobre a base do que as
Escrituras dizem (ele nunca, como filósofo, deriva qualquer conteúdo
10. CIÊNCIA
Nossas observações remanescentes podem ser mais curtas aqui, desde que
o delineamento básico deva agora ser mais claro. Obviamente, se o
esquema de Amsterdã rejeita a autoridade das Escrituras, no sentido
histórico, para a filosofia e teologia, não é provável aceitar essa autoridade
no caso das outras ciências. E embora os pensadores de Amsterdã falem
muito de uma "ciência dirigida pelas Escrituras", seus trabalhos científicos
aparentam ser muito mais dirigidos pela filosofia do que pelas Escrituras.
Como Shepherd pontuou,89 os pronunciamentos científicos dessa escola
são baseados em premissas filosóficas, ao invés de exegéticas: a evolução é
errada, não porque as Escrituras ensinam o contrário, mas porque a
evolução é baseada em pressupostos filosóficos opostos ao esquema de
Amsterdã.90 Negamos essa abordagem e clamamos aos cientistas a
submeterem suas hipóteses científicas, juntamente com seus pensamentos,
ao julgamento da Palavra escrita de Deus.
11. EDUCAÇÃO
Isso não quer dizer que todas as organizações cristãs devem ser
eclesiasticamente controladas. A igreja institucional, na verdade, deve
aplicar a palavra de Deus a todas as áreas da vida humana, e deve chamar
essas "organizações cristãs" a prestarem contas, se andarem em direções
antibíblicas. Mas a igreja institucional não é chamada por Deus para
controlar escolas, sindicatos, governos. Quando concedemos tal
"independência" a essas organizações, todavia, não precisamos ao mesmo
tempo concedê-los um status de "corpo visível de Cristo".
13. EVANGELISMO
93 N. B. pelas expressões "abre uma brecha para" e "ameaça" estamos fazendo uma
qualificação importante que temos também feito no texto. Não estamos dizendo que
Dooyeweerd ou qualquer um desses filósofos querem ensinar a ideia de "Deus
desconhecido" ou a Cadeia de Ser grega. Nem estamos dizendo que eles explicitamente
ensinam tais doutrinas. Mas estamos dizendo que eles falham em se guardarem contra
tais doutrinas adequadamente, e mais, que tais doutrinas podem ainda serem derivadas do
esquema de Amsterdã sob algumas interpretações de suas terminologias ambíguas.
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Logo não apenas o homem, mas todo o mundo é de alguma forma
envolvido no pecado: rochas, árvores, rios; e especialmente as entidades
corporativas humanas como famílias, escolas, governo, etc.
14. APOLOGÉTICA
95 N. T. No original não consta o segundo parêntese, o tradutor crê que foi um erro de
digitação.
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experiência mostram que há um estado de coisas estrutural em
nossa experiência que não pode ser negligenciado impunemente.
Esse estado de coisas pode fornecer uma base comum para toda a
discussão filosófica, uma vez que são dados transcendentais e,
como tais, têm validade geral para toda filosofia.96
Dooyeweerd parece assumir, todavia, que esse "estado de coisas" são nada
menos do que a realidade do Deus triúno das Escrituras. Introduzir Deus
nesse estágio do argumento seria, na visão de Dooyeweerd, uma forma de
crítica "transcedente", uma forma de dogmatismo. Pelo contrário, devemos
mostrar primeiro ao filósofo não-cristão que o pensamento teórico
pressupõe a experiência ingênua e o tempo cósmico; em segundo lugar
devemos mostrá-lo que tudo isso pressupõe a existência de um ego que
transcende o tempo; e em terceiro lugar devemos mostrar que esse ego, em
si mesmo, pressupõe algo além de si mesmo, a saber, "uma origem". É
nessa terceira etapa que o confronto entre os motivos-base bíblicos e não-
bíblicos ocorre. Van Til responde:
O ponto de Van Til é que Dooyeweerd, pelo seu esquema de três etapas,
leva o filósofo não-cristão a crer que alguém pode raciocinar sobre a
existência do tempo cósmico e do ego supratemporal sem pressupor o Deus
das Escrituras. E mais, Dooyeweerd, ainda na terceira etapa, apenas insiste
que o descrente reconheça a existência de "uma" origem, "um" fim último
96 Ibid., p. 13ss., cf. p. 84. Dooyeweerd não quer dizer que conceitos pré-teóricos não
têm qualquer relação com os aspectos modais abstratos, pois na próxima sentença ele
descobre que o segundo está "implícito" no primeiro.
97 Ibid., p. 14; cf. p. 84.
65
― alguém que não necessita ser o verdadeiro Deus! Em outras palavras,
Dooyeweerd nunca desafiou seriamente o filósofo descrente a aceitar o
Deus das Escrituras. Ele constantemente assume que o descrente é capaz
de raciocinar perfeitamente bem sem assumir [esse Deus]. Logo
Dooyeweerd concede o que ele alega desafiar, a saber, a autonomia do
pensamento teórico, ou melhor: Dooyeweerd desafia a independência do
pensamento teórico da experiência ingênua, do ego supratemporal e da
origem última; mas ele não desafia a autonomia que é muito mais
significante ― a pretensa autonomia do homem pecador contra o
verdadeiro Deus vivo!
Van Til também fornece críticas a assuntos que já temos discutido, tais
como o caráter desprovido de conteúdo "conceitual" dos movitos-base
transcendentais dooyeweerdianos98 e o ego supratemporal como a "esfera
central dos acontecimentos".99 Por agora estamos satisfeitos em endossar a
crítica básica de Van Til do posicionamento face-a-face de Dooyeweerd
para com o filósofo não-cristão. As Escrituras não permitem uma esfera
"neutra" no qual podemos raciocinar nossas conclusões filosóficas sem
referência a Deus. Nas Escrituras todos os fatos confrontam o homem
diretamente com Deus, pois todos os fatos são o que são por causa do
plano de Deus. Sugerir que um incrédulo possa examinar certos estados de
coisas sem considerar a relação desses fatos com Deus é conceder [ao
incrédulo] toda a questão do cristão desde o início.
98 N. T. No original: "Then why should they say that we must be eternal to have an idea
of eternity?"
99 N. T. No original: "Or is it something wholly distinct from all factual knowledge,
theoretical and otherwise?"
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15. CONCLUSÕES
8. Alguns membros dessa escola põem uma forte dicotomia entre o texto
das Escrituras e a Palavra de Deus. Eles fazem das Escrituras nada mais do
que uma aplicação da lei natural a uma esfera da vida humana para uma
cultura particular e para um período da história.
Nossa denominação tem sido por muito tempo conhecida pela sua devoção
à pureza doutrinária. Chegou a hora de falarmos sobre as noções
antibíblicas aqui descritas. É muito fácil para nós confinar nossa
preocupação doutrinária a esses movimentos que não têm influência em
nossos círculos. Quando um movimento desse tipo se aproxima da nossa
casa, é aí que a pureza doutrinária exige coragem. Portanto recomendamos
que os presbitérios emitam um aviso oficial contra as tendências
antibíblicas do movimento de Amsterdã que analisamos nesse livreto, e
que os ministros e presbíteros (elders) sejam encorajados pelo presbitério a
estudar esses assuntos suficientemente para educar o seu povo acerca dos
perigos envolvidos.
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BIBLIOGRAFIA
___., In the Twilight of Western Thought. Nutley, N.J.: Craig Press, 1960.
Hart, H., The Challenge of Our Age. Hamilton, Ontario: Guardian Press,
1968.
Olthuis, J., et al., Out of Concern for the Church. Toronto: Wedge, 1970.
Taylor, E. L. H., The Christian Philosophy of Law, Politics and the State.
Nutley: Craig Press, 1966.
Van Til, C., "Replies to Dooyeweerd and Knudsen" In Geehan, E. R., ed.,
op.cit. (vide Dooyeweerd acima).
101 N. T. No original: "If Dooyeweerd wishes to redefine the word, of course, that is His
privilege"
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Young, W., “Herman Dooyeweerd” In Hughes, P., ed., Creative Minds in
Contemporary Theology. Grand Rapids: Eerdmans, 1966.
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