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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Juiz(íza) Federal da ___.ª Vara Federal Cível do Rio de


Janeiro, Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, através de seus


membros signatários, com base nos artigos 127, caput, e 129, incisos II e III, da
Constituição da República; artigos 1.º, 2.º, 5.º, incisos I, II, alínea “d”, V, 6.º, inciso VII,
e 39 da Lei Complementar Federal n.º 75/93; e artigos 1.º e 5.º da Lei n.º 7.347/85, vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA


COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

em face do(a):

INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL –


INSS, pessoa jurídica de direito público, com natureza autárquica, representada por seus
Procuradores Federais da Procuradoria Federal Especializada do INSS, situada na rua
Pedro Lessa, n.º 36, Centro, Rio de Janeiro/RJ, CEP 20.030-030;

UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público,


representada por seus Advogados da União da Procuradoria Regional da União da 2.ª
Região, situada na Av. Rio Branco, n.º 123, 6.º andar, Centro, Rio de Janeiro/RJ, CEP
20.040-006.

1. DOS FATOS.

A causa de pedir da presente demanda é a


constitucionalidade e a legalidade da análise, procedida pelo Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), da renda per capita familiar para fins de concessão do benefício
assistencial previsto na Lei n.º 8.742/93 (também conhecida como Lei Orgânica da
Assistência Social - LOAS), em face da disposição contida no artigo 34, parágrafo
único, da Lei n.º 10.741/03 (Estatuto do Idoso).

Verificou-se, através de demandas coletivas propostas


pelos membros do Ministério Público Federal RICARDO KLING DONINI, lotado e em
exercício em Blumenau/SC, e MAURO CICHOWSKI DOS SANTOS, lotado e em
exercício no Estado de Mato Grosso do Sul (donde se colheram alguns dos argumentos
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jurídicos que fundamentam o pedido desta ação civil pública), que a autarquia
previdenciária está adotando uma interpretação restritiva, ilegal e inconstitucional, do
mandamento contido no citado dispositivo, por meio de Instruções Normativas
(inicialmente através da IN n.º 95/03, posteriormente, por meio da IN n.º 118/05), o que
acarreta, dentre outras conseqüências, um tratamento desigual e injusto, quando da
análise da renda per capita familiar para fins de concessão ou não de benefício
assistencial de prestação continuada da LOAS, a núcleos familiares compostos por
pessoas idosas ou, ainda, com deficiência em situações absolutamente similares.

De fato, da simples leitura do artigo 625 da Instrução


Normativa INSS n.º 118/05, constata-se que o INSS vem promovendo interpretação
inconstitucional e ilegal ao disposto no artigo 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03
(Estatuto do Idoso), razão pela qual se revela a presente ação civil pública como o
instrumento processual adequado para garantir o tratamento isonômico às pessoas
idosas e com deficiência em situações fáticas idênticas de miserabilidade, mediante a
aplicação analógica da regra protetiva contida no citado diploma legal.

2. DO DIREITO.

2.1. DA ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA e DA


LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

O Ministério Público, na exata dicção do artigo 127,


caput, da Constituição Federal, “é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. No artigo 129 estão
previstas as suas funções institucionais, dentre as quais “zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (inciso II) e
“promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (inciso
III).

Com efeito, a Lei Fundamental do Estado brasileiro, de


1988, atribuiu ao Ministério Público dignas e relevantes funções republicanas, como a
defesa da ordem jurídica e do regime democrático. E, conferindo-lhe uma perspectiva
de patrono da sociedade, incumbiu-lhe a proteção dos direitos e interesses difusos e
coletivos.

Em complemento à Constituição, foi editada a Lei


Complementar n.º 75/93, que, tratando do Ministério Público da União, reafirmou, em
seu artigo 1º, as suas funções de guardião da ordem jurídica, do regime democrático e
dos direitos sociais e individuais indisponíveis e, no artigo 2.º, dispôs incumbir-lhe a
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adoção das medidas necessárias à garantia do respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos constitucionalmente assegurados.

Com efeito, restou inserido pelo legislador ordinário, entre


as funções institucionais do Ministério Público Federal, o dever-poder de “zelar pela
observância dos princípios constitucionais relativos: (...) d) à seguridade social” e “a
defesa dos seguintes bens e interesses: (...) e) os direitos e interesses coletivos (em
sentido amplo), especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do
adolescente e do idoso” (grifos nossos) (artigo 5.º, inciso II, alínea “d”, e inciso III,
alínea “e”, da LC n.º 75/93). Para tanto, conferiu-lhe o poder de empregar
instrumentos capazes de bem proporcionar o desempenho de seus misteres, dentre
os quais o inquérito civil e a ação civil pública1.

Assim, a legislação pátria, ao tempo em que atribui ao


Ministério Público o dever-poder de proteger os direitos e interesses difusos e coletivos
da sociedade brasileira, proporciona aos seus integrantes o acesso ao mecanismo
processual talhado para tal finalidade, ou seja, a ação civil pública. Ação esta prevista
na Lei n.º 7.347/85 (principal lei de regência), com expressa previsão da legitimidade do
Ministério Público para sua promoção no artigo 5.º, caput, e destinada, conforme o
artigo 1.º, a tutelar o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico, a ordem econômica e a economia popular, a
ordem urbanística e qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Pois bem, colocado isso, e considerando que o direito ou


interesse que se pretende proteger por meio desta demanda é difuso, ou seja,
transindividual, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstância de fato, conforme estatui o artigo 81, parágrafo único, inciso I,
da Lei n.º 8.078/90 (CDC), não há como não considerar cabível a ação civil pública e
legitimado o Ministério Público.

E é, de fato, difuso o direito ora tutelado, pois a ação não


pretende obter uma solução para um ou outro caso individual isolado. Qualquer pessoa
idosa ou com deficiência que, por obra do destino, encontrar-se, ou vier a encontrar-se,
em situação de miserabilidade tal, que necessite do benefício assistencial da LOAS
(impossibilidade de determinação dos sujeitos), e venha a ser lesada com a interpretação
conferida pelo INSS à disposição contida no artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do
Idoso (circunstância de fato), será beneficiada em caso de procedência da presente
demanda.

Ademais, a Lei n.º 10.741, de 1.º de outubro de 2003


(Estatuto do Idoso) atribuiu ao Ministério Público, expressamente, a legitimidade para

1
“Art. 6.º Compete ao Ministério Público da União:
(...)
VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
a) a proteção dos direitos constitucionais;
(...)
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família,
à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;
d)outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;” (sem grifos no original)
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propor a ação civil pública em defesa dos idosos2. Igualmente, a Lei n.º 7.853/89
atribuir expressamente ao Ministério Público a legitimidade para propor ação civil
pública em defesa dos direitos e interesses das pessoas com deficiência, a própria
LOAS, em seu artigo 31, dispõe que “cabe ao Ministério Público zelar pelo efetivo
respeito aos direitos estabelecidos nesta lei”.

Destarte, não resta dúvida de que a ação civil pública é


instrumento processual adequado para a proteção efetiva dos direitos ou interesses
difusos dos idosos e portadores de necessidades especiais que não possuam meios para
prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, e que são impedidos de
obter, ou tenham que desistir do benefício assistencial de prestação continuada prevista
na LOAS, por obra da interpretação conferida pela Administração ao disposto no artigo
34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.

2.2. DA LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM


DAS REQUERIDAS E DA COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL.

A presente ação civil pública foi proposta em face do


INSS, porque é perante esta autarquia que é requerido, processado e pago o benefício
assistencial de prestação continuada, previsto na LOAS. Benefício este que, muitas
vezes, não é concedido ao idoso por obra das Instruções Normativas do próprio INSS,
de n.º 95/03 e n.º 108/05, que estabelecem interpretação inconstitucional e ilegal ao
disposto no artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.

Contudo, não obstante o processamento e pagamento


ocorra em agências do INSS, o benefício assistencial da LOAS não possui natureza
previdenciária, sendo custeado pela União (artigo 12, inciso I, da LOAS). Desta forma,
a União sofrerá os efeitos de eventual provimento judicial favorável ao Ministério
Público Federal, razão pela qual possui, em conjunto com a autarquia previdenciária,
legitimidade para figurar no pólo passivo desta lide.

Demonstrado, portanto, que no pólo passivo da presente


demanda devem figurar a União e o INSS (uma autarquia federal), é a Justiça Federal o
órgão do Poder Judiciário nacional competente para julgar a presente ação, conforme
preceitua o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal.

Sendo o dano de âmbito nacional, é competente para a


causa um dos eminentes juízes federais em exercício na Subseção Judiciária do Rio de
Janeiro, capital do Estado, nos moldes do previsto no artigo 93, inciso II, da Lei n.º
2
“Art. 74. Compete ao Ministério Público:
I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos,
individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso;
(...)
Art. 81. Para as ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis ou homogêneos,
consideram-se legitimados, concorrentemente:
I – o Ministério Público;”
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8.078/90, a fim de que as decisões prolatadas nos autos possam ter abrangência em todo
o território nacional.

2.3. DO MÉRITO.

2.3.1. DO DIREITO FUNDAMENTAL, CONFERIDO


AOS IDOSOS E ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
AO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NO
ARTIGO 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.

O constitucionalismo moderno, em acertada opção


científica, vem considerando os direitos e garantias fundamentais como o epicentro
axiológico da Constituição, o verdadeiro núcleo das Cartas modernas.
Independentemente da denominação dada a estes direitos, sejam direitos fundamentais
do homem, direitos humanos, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, entre
outras, o certo é que tais posições jurídicas são reconhecidas em tratados internacionais,
e em textos constitucionais dos países democráticos, como direitos de primeira
grandeza, direitos imprescindíveis, irrenunciáveis, intransferíveis que o homem possui
por sua própria natureza. Direitos estes reconhecidos, e não conferidos, pois não
resultam de uma dádiva do Estado. Para João Baptista HERKENHOFF são

“(...) aqueles fundamentais que o homem possui pelo fato


de ser homem, pela sua própria natureza humana, pela
dignidade que a ela é inerente. São direitos que não
resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo
contrário, são direitos que a sociedade política tem o
dever de consagrar e garantir” (in Curso de direitos
humanos. São Paulo: Acadêmica, 1994. v. 1. cit. p. 30).

A Lei Fundamental de 1988 não fugiu a esse figurino


moderno das Constituições, e previu já no início do texto – logo após os princípios
fundamentais do Estado brasileiro – o amplo catálogo dos direitos e garantias
fundamentais. Tal colocação tópica (que não é tradicional no constitucionalismo pátrio)
demonstra, a contento, e sem sombra de dúvida, a importância conferida a esse tema
pelo legislador constituinte. Realmente, em um título inteiro (Título II), e praticamente
abrindo a Constituição, estão disciplinados os direitos e garantias fundamentais, ou
seja, os direitos e garantias individuais e coletivos; os direitos sociais; os direitos de
nacionalidade; os direitos políticos; e os direitos relacionados à existência,
organização e participação em partidos políticos.

Percebe-se, pois, a tomada de posição do constituinte


brasileiro no que tange aos direitos e garantias fundamentais. Em reconhecimento à
existência de outros direitos além daqueles que integram a chamada primeira geração ou
dimensão (as liberdades clássicas, os direitos negativos, tais como o direito à vida, à
igualdade, à liberdade, entre outros), atribuiu fundamentalidade aos direitos que
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compõem as denominadas segunda e terceira gerações ou dimensões dos direitos


humanos, ou seja, os direitos sociais, culturais e econômicos (direitos à prestação,
positivos, tais como saúde, educação, previdência social etc.) e os direitos de
solidariedade e fraternidade (direitos ou interesses difusos e coletivos, tais como o
direito a um meio ambiente sadio e equilibrado, ao desenvolvimento sócio-econômico
da nação, entre outros).

O que nos interessa, efetivamente, é o reconhecimento da


fundamentalidade dos direitos sociais, ou seja, o reconhecimento pelo Estado
brasileiro de que os direitos sociais são direitos fundamentais do cidadão (já que
compõem o catálogo do Título II da Carta de 1988). E, dentre estes, a assistência social
aos desamparados, conforme verificamos no artigo 6.º da Constituição, in verbis:

“Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a


moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.” (sem grifo no original)

Trata-se de direito que se apresenta como espécie (ao lado do


direito à saúde e à previdência social) do gênero seguridade social, explicitado e melhor
regulamentado a partir do artigo 194 da Constituição, e que abrange um conjunto
integrado de ações do poder público destinado a proteger os indivíduos contra
contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de seus
familiares. No que tange especificamente à assistência social, estabelece-se que será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos:

"Art. 203. (...)


(...)
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras
de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal
à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei.”

Observe-se que um dos objetivos do direito fundamental à


assistência social é a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida pelo núcleo familiar no qual se insere, conforme
dispuser a lei.
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Regulamentando este dispositivo, sobreveio a Lei n.º


8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que previu, em seu artigo 20, os
critérios para a concessão do benefício assistencial nestes termos:

“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a


garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos
ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua
família.
§1.ºPara os efeitos do disposto no caput, entende-se como
família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei
no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o
mesmo teto.
§ 2.º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa
portadora de deficiência é aquela incapacitada para a
vida independente e para o trabalho.
§ 3.º Considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do
salário mínimo.”

Assim, a título de concretização da norma constitucional,


foi editada a LOAS, que estabelece o benefício de prestação continuada no valor de 1
(um) salário mínimo mensal devido à pessoa portadora de deficiência, e ao idoso a
partir de 70 (setenta) anos de idade, que comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Estabelece-se que, para
efeitos de concessão do benefício supracitado, entende-se como família o conjunto de
pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n.º 8.213/91, desde que vivam sob o mesmo teto;
a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para
o trabalho; e considera-se incapaz de prover a manutenção do deficiente ou do idoso a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Pois bem. Em que pese já haver o Supremo Tribunal


Federal se pronunciado sobre a constitucionalidade do critério objetivo fixado no § 3.º
do artigo 20 da LOAS – posição esta recentemente questionada no âmbito do próprio
STF3 – , não é esta a causa de pedir da presente demanda coletiva. Como se
3
O Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes manteve entendimento da Turma Recursal dos Juizados
Especiais Federais de Pernambuco, ao indeferir liminar requerida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) na Reclamação
(RCL) 4374. Na ação, o INSS pretendia a suspensão do pagamento de um salário mínimo mensal a J.S.N, sob a alegação de que a
decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais descumpria entendimento do próprio Supremo. Em seu voto, o Ministro
esclareceu:
“Em verdade, como ressaltou a Ministra Cármen Lúcia, "a constitucionalidade da norma legal, assim, não significa a
inconstitucionalidade dos comportamentos judiciais que, para atender, nos casos concretos, à Constituição, garantidora do princípio
da dignidade humana e do direito à saúde, e à obrigação estatal de prestar a assistência social 'a quem dela necessitar,
independentemente da contribuição à seguridade social', tenham de definir aquele pagamento diante da constatação da necessidade
da pessoa portadora de deficiência ou do idoso que não possa prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família." (Rcl
n° 3.805/SP, DJ 18.10.2006).
Portanto, mantendo-se firme o posicionamento do Tribunal em relação à constitucionalidade do § 3o do art. 20 da Lei n°
8.742/93, tal como esposado no julgamento da ADI 1.232, o mesmo não se poderia afirmar em relação ao que decidido na Rcl -
AgR 2.303/RS, Rel. Min. Ellen Gracie (DJ 1.4.2005).
O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com
outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que
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demonstrará a seguir, houve uma evolução no critério de contagem da renda mensal


per capita para a concessão dos benefícios assistenciais de prestação continuada,
vale dizer, excluiu o legislador ordinário determinada verba do montante total da renda
percebida pelo núcleo familiar para fins de verificação do grau de miserabilidade, o que,
por si só, não torna ineficaz a regra estabelecida na LOAS. Senão vejamos.

2.3.2. DA REGRA CONTIDA NO ARTIGO 34,


PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 10.741/03
(ESTATUTO DO IDOSO) e A INDEVIDA REDUÇÃO
DE SUA APLICABILIDADE POR OBRA DE ATOS
ADMINISTRATIVOS REGULAMENTARES DO
INSS.

Um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro é a


promoção do bem-estar de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. Meta esta expressamente prevista no artigo
4.º, inciso IV, da Constituição da República, com a finalidade de compelir o poder
estatal a promover, efetivamente, medidas tendentes a neutralizar – ou ao menos reduzir
– o processo de marginalização política, econômica e/ou social a que são submetidas
determinadas “minorias” (idosos, homossexuais, deficientes etc.) na sociedade nacional.
Medidas que vão desde a elaboração de políticas públicas específicas destinadas à
proteção de determinados subgrupos, até a edição de leis gerais para a proteção de
determinadas categorias.

Cônscios da condição de vulnerabilidade social dos


cidadãos idosos, os legisladores brasileiros elaboraram e aprovaram a Lei n.º 10.741, de
1.º de outubro de 2003, também conhecida como Estatuto do Idoso, destinada a regular
os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos
(artigo 1.º), com a intenção explícita de protegê-las, prevendo-lhes direitos
assecuratórios de um mínimo de dignidade social. Dentre estes direitos, estão os
estabelecidos no artigo 34 do Estatuto, que estabelece o seguinte, in verbis:

“Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco)


anos, que não possuam meios para prover sua
subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é
assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo,
nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer
membro da família nos termos do caput não será
computado para os fins do cálculo da renda familiar per
capita a que se refere a Loas.” (grifo nosso)

trata o art. 203, inciso V, da Constituição.” (...) “A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo
realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do § 3o do art. 20
da Lei n° 8.742/93.”
E concluiu: "Diante de todas essas perplexidades sobre o tema, é certo que o Plenário do Tribunal terá que enfrentá-lo
novamente".
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Destarte, ficou assegurado aos idosos a partir de 65


(sessenta e cinco) anos de idade, que não possuam meios para prover sua subsistência,
nem de tê-la provida por sua família, o benefício correspondente a um 1 (um) salário
mínimo mensal (artigo 34, caput, Lei 10741/03), sendo que o benefício já concedido a
qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do
cálculo da renda familiar per capita a que se refere o artigo 20, § 3.º da LOAS (artigo
34, parágrafo único, do citado diploma legal).

Com isso, reduziu-se a idade para a concessão do


benefício (que antes, pela regra prevista no artigo 20, caput, da LOAS, era de 70
(setenta) anos) e excluíram-se determinados valores da contagem do requisito da
renda per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo para
concessão do benefício, previsto no artigo 20, § 3.º, da LOAS.

Pois bem. Com o propósito de adequar os procedimentos


internos da autarquia às determinações da legislação, foram incluídos, na Instrução
Normativa INSS/DC n.º 95, de 7 de outubro de 2003, os parágrafos 1.º e 2.º do artigo
621, que assim dispunham, in verbis:

“Art. 621. O benefício poderá ser pago a mais de um


membro da família, desde que comprovadas todas as
condições exigidas.
§ 1.º O valor do benefício assistencial concedido a outros
membros do mesmo grupo familiar passa a integrar a
renda para efeito de cálculo per capta do novo benefício
requerido. (incluído pela IN N.º 99 INSS/DC, DE
5/12/2003 – DOU DE 10/12/2003)
§ 2.º A partir de 1º de janeiro de 2004, o benefício
assistencial ao idoso (espécie 88), já concedido a
qualquer membro da família, não será computado para
fins de cálculo da renda per capita do novo benefício
requerido da mesma espécie, conforme o artigo 34 da
Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). (incluído pela IN
N.º 99 INSS/DC, DE 5/12/2003 – DOU DE 10/12/2003)”
(grifo nosso)

Observe-se que, a título de regulamentar o disposto no


artigo 34 da Lei n.º 10.741/03, o que o INSS fez foi reduzir o âmbito de aplicação desta
norma. Segundo dispunha o § 2.º do artigo 621 da Instrução Normativa INSS/DC
n.º 95/03, somente aquelas pessoas que tivessem em seu grupo familiar um titular do
benefício assistencial ao idoso (código 88), e somente deste benefício, seriam
contempladas pela legislação mais benéfica.

Ora, além de ter reduzido o espectro de proteção da


norma, a Instrução Normativa criou uma situação flagrantemente inconstitucional,
explicitamente ofensiva ao princípio da isonomia ou da igualdade material (artigo 5.º,
caput, CF), ao tratar desigualmente, e sem razoabilidade, casos absolutamente idênticos.
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Com efeito, pela normatização administrativa, uma


idosa casada com um idoso titular de um benefício assistencial não teria o valor
deste auxílio incluído no cálculo da renda familiar ao requerer um benefício da
“LOAS”. E, por isso, faria jus ao mesmo. Já outra senhora, também de idade
avançada, casada com uma pessoa igualmente titular de benefício de valor mínimo
(aposentadoria por idade, v.g.), ao requerer o “LOAS”, teria computado o valor
desse benefício no cálculo da renda familiar, e não lograria êxito em obtê-lo.

Por certo não há qualquer distinção entre os casos ora


expostos, senão o mero título jurídico do benefício que é concedido para os
referidos idosos: um assistencial e outro previdenciário. Substancialmente não há
qualquer diferença, vez que a renda familiar – e a situação de necessidade - num e
noutro caso são absolutamente iguais!!!

Além disso, a norma contida no artigo 34, parágrafo único,


da Lei n.º 10.741/03, é bastante clara no sentido de que todo e qualquer valor
correspondente a benefício assistencial pago para familiares do idoso não será
computado para fins de cálculo da renda familiar. Assim, não há qualquer amparo legal
para se entender, como fez o INSS, através da malsinada Instrução Normativa INSS/DC
n.º 95/03, que o benefício de prestação continuada pago a uma pessoa portadora de
necessidades especiais, pertencente ao núcleo familiar de idoso requerente de benefício
de mesma natureza, seja considerado para fins de fixação da renda per capita familiar,
sob a única justificativa de não se tratar da “espécie 88” (assistencial ao idoso).

Como se não bastasse o absurdo da exigência do INSS


baseada na Instrução Normativa INSS/DC n.º 95/03, em 18 de abril de 2005 foi
publicada no Diário Oficial da União a Instrução Normativa INSS/DC n.º 118/05,
que, revogando a anterior, assim disciplinou a questão:

“Art. 625. O benefício poderá ser pago a mais de um


membro da família, desde que comprovadas todas as
condições exigidas.
§ 1.º O valor do benefício assistencial ao deficiente
(Espécie 87) concedido a outros membros do mesmo
grupo familiar, passa a integrar a renda para efeito de
cálculo per capita do novo benefício requerido, sendo
facultada, porém, a renúncia àquele benefício para
possibilitar a concessão da espécie 88 aos pais do
deficiente.
§ 2.º A partir de 1º de janeiro de 2004, o benefício
assistencial ao idoso (espécie 88), já concedido a
qualquer membro da família, não será computado para
fins de cálculo da renda per capita do novo benefício
requerido da mesma espécie, conforme o parágrafo único
do art. 34 da Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
§ 3.º O valor da Renda Mensal Vitalícia - RMV, urbana
ou rural, recebido por idoso ou por pessoa inválida,
compõe o cálculo da renda familiar per capita quando da
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concessão de benefício da LOAS, inclusive a idoso, desde


que os interessados integrem o mesmo grupo familiar,
cabendo porém renúncia expressa àquele benefício em
prol de si mesmo ou de outrem.”

Como se vê, quanto à ausência de isonomia, os


argumentos permanecem os mesmos, já que a redação do vigente parágrafo 2.º do artigo
625 da Instrução Normativa INSS/DC n.º 118/05 é a mesma do revogado parágrafo 2.º
do artigo 621 da Instrução Normativa INSS/DC n.º 95/03. Aliás, a novel Instrução foi
ainda mais ofensiva ao princípio da igualdade que a anterior, pois mencionou
expressamente que a renda mensal vitalícia já recebida por idoso, bem como o benefício
assistencial ao deficiente, fazem parte da base de cálculo da renda per capita da família
para fins de concessão de benefício da LOAS.

Desta forma, se antes estava implícito o tratamento


diferenciado entre os beneficiários de um salário mínimo, quando da computação
deste valor para fins de cálculo da renda familiar per capita mensal da LOAS,
desta vez o INSS estabeleceu expressamente um regime de injustificada assimetria,
deixando claro o tratamento não isonômico, em total desacordo com o artigo 34 da
Lei n.º 10.741/03, e demais normas legais e constitucionais a respeito. Mais do que
isso, ao exigir a renúncia a estes benefícios, para que seu valor não faça parte do cálculo
da renda per capita familiar, o que a autarquia previdenciária fez foi coagir pessoas
desamparadas a indevidamente renunciar a um de seus mais fundamentais
direitos.

2.3.3 DAS OFENSAS A PRINCÍPIOS REGRAS


CONSTITUCIONAIS, PROMOVIDAS PELO INSS
ATRAVÉS DE SUAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS
REGULAMENTADORAS do PARÁGRAFO ÚNICO
ARTIGO 34, do ESTATUTO DO IDOSO.

Conforme retratado no tópico anterior, as disposições


previstas na Instrução Normativa INSS/DC n.º 118/05, ao interpretarem da pior forma
possível o artigo 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/03, fomentaram a prática, pela
Administração, de verdadeiras injustiças quando da apreciação do cabimento ou não da
concessão do benefício de prestação continuada da LOAS a idosos. Injustiças estas
fundadas, basicamente, no tratamento desigual que o INSS presta para situações
absolutamente similares, gerando um discrímen sem qualquer fundamento ou
razoabilidade, em explícita ofensa ao princípio constitucional da isonomia ou
igualdade material.

De fato, para a autarquia só não será computado na


renda per capita familiar o “salário mínimo” percebido em virtude do benefício
assistencial ao idoso, como se os outros “salários mínimos” decorrentes de
aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por tempo de
serviço ou até mesmo do benefício assistencial ao deficiente valessem mais! Como
se o poder aquisitivo do benefício previdenciário, ou assistencial ao deficiente,
fossem maiores que o auxílio social ao idoso! Além disto, somente os idosos
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requerentes do benefício assistencial fariam jus ao novo critério, permanecendo as


pessoas portadoras de deficiência na mesma situação anterior! Traduzindo: o
INSS trata desigualmente os iguais!

Segundo o artigo 625 da IN INSS/DC n.º 118/2005, o


cidadão que possui em seu grupo familiar um idoso que recebe o benefício
assistencial é mais desamparado (o termo é o do artigo 6.º da Constituição) que
outro que possui em seu grupo familiar um que recebe benefício de mesmo valor,
só que de outra natureza. Ainda segundo a interpretação da indigitada regulamentação
administrativa, o portador de necessidades especiais continuaria a ser regido pela
regra original da LOAS, talvez porque, no entender do INSS, seria menos
necessitado – ou, melhor dizendo, menos miserável - que o idoso...

Evidente que, em nenhum momento, a Constituição


estabelece distinção entre os beneficiários da assistência social. Ambas as situações de
risco social que autorizam o recebimento do benefício – idade e deficiência – foram
tratadas de maneira idêntica no artigo 203, inciso V, não existindo razão para a
discriminação perpetrada pelo ato normativo editado pela autarquia. Não pode o
intérprete distinguir onde a Constituição não distingue. Nem mesmo o famigerado
artigo 20, § 3.º, da LOAS, criou distinção entre idosos e deficientes.

Se a Lei diz, e o faz expressamente, que a percepção de


benefício no valor de um salário mínimo deve ser desprezada para fins de
caracterização da situação de necessidade, evidente que qualquer benefício de valor
mínimo deverá ser desprezado para a concessão do benefício de prestação continuada da
LOAS, seja ao idoso, seja ao deficiente, sob pena de se criarem diferentes classes de
necessitados com renda mensal familiar idêntica.

Sobre o princípio da isonomia, merece ser transcrita a


lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que parece ter sido produzida
especialmente para o caso sob análise:

“Cabe, por isso mesmo, quanto a este aspecto, concluir: o


critério especificador escolhido pela lei, a fim de
circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a
dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer
elemento radicado neles; todavia, necessita,
inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica
com a diferenciação que dele resulta. Em outras
palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou
fortuita. Impende que exista uma adequação racional
entre o tratamento diferenciado construído e a razão
diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se
o fator diferencial não guardar conexão lógica com a
disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a
distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”
(grifo nosso) (in O Conteúdo Jurídico do Princípio da
Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros. p. 38-9).
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É juridicamente impossível, portanto, que os dispositivos


da IN INSS/DC n.º 118/05 convivam harmoniosamente com o princípio constitucional
da isonomia (artigo 3.º, IV, c/c artigo 5.º, caput, da CF), com a previsão constitucional
de assistência aos desamparados como direito social (artigo 6.º da CF) e, mais
especificamente, com o artigo 203, inciso V, da Lex Mater, que não faz distinção
nenhuma entre os beneficiários. Sem contar na violação do artigo 194, parágrafo único,
inciso I, também da Constituição, que prevê como objetivos da Seguridade Social a
universalidade da cobertura e do atendimento.

Não bastassem as inconstitucionalidades ora apontadas,


outro aspecto desastroso que emerge da interpretação que os requeridos conferem ao
artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, é o incentivo à informalidade, pois os
familiares dos cidadãos que lograram comprovar sua condição de segurados e obtiveram
algum benefício previdenciário no valor de um salário mínimo ficam em situação
pior do que os familiares daqueles que permaneceram à margem do sistema e jamais
tiveram vínculo com a Previdência Social (os que recebem o amparo social ao idoso).

Para melhor demonstrar o quão absurda é a interpretação


que o INSS emprestou ao artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, nos valemos
do quadro elaborado pelo ilustre colega RICARDO KLING DONINI, apresentado na
peça vestibular de sua ação civil pública, com diversas situações hipotéticas, todas elas
contemplando elementos de fato idênticos, em que o grupo familiar do pretendente
ao benefício assistencial possui a mesma renda mensal. Para facilitar a compreensão,
adotaram-se, nas hipóteses ilustrativas, grupos familiares compostos por apenas 2 (duas)
pessoas, uma percebendo algum benefício de valor igual ao salário mínimo e a outra
pleiteando o benefício de natureza assistencial. Vejamos:

Composição do Grupo Familiar Renda Mensal Resultado


(Nos exemplos abaixo, formado sempre por 2 (duas) pessoas) familiar segundo a IN
n.º 118/05
Situação 1. R$ 300,00 Benefício
Idoso, que nunca foi segurado da Previdência, percebe benefício concedido
assistencial (cód. 88).
Sua esposa, idosa, requer o benefício assistencial (cód. 88)
Situação 2. R$ 300,00 Benefício
Idoso, ex-trabalhador rural, percebe benefício de aposentadoria por idade negado
(cód. 41).
Sua esposa, idosa, requer o benefício assistencial (cód. 88)
Situação 3. R$ 300,00 Benefício
Idoso percebe algum benefício de valor igual ao salário mínimo negado
(assistencial, ap. por idade, invalidez etc.).
Seu filho, incapaz para os atos da vida independente, requer o benefício
assistencial ao deficiente (cód. 87)
Situação 4. R$ 300,00 Benefício
Cidadão incapaz para os atos da vida independente percebe benefício negado
assistencial ao deficiente (cód. 87).
Sua mãe, idosa, requer o benefício assistencial (cód. 88)
Resultado final:
Tratamento desigual a cidadãos que se encontram em situações de fato idênticas –
INCONSTITUCIONALIDADE
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Considerando ser inaceitável essa discriminação, a outra


conclusão não se chega senão admitir, como única interpretação constitucional possível
para o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso, a seguinte: nenhum benefício
de valor igual ao salário mínimo, percebido por membro do grupo familiar, será
computado para o cálculo da renda familiar a que se refere a LOAS, seja para fins de
obtenção de benefício por idoso, seja por pessoa com deficiência incapacitante.

Note-se que essa distinção que a IN n.º 118/05 faz,


restringindo a nova regra somente ao idoso, nem mesmo a LOAS ou o Estatuto o fazem.
A autarquia adotou o sabidamente mais fraco método de hermenêutica, ou seja, a
interpretação meramente literal ou gramatical.

Poderia este órgão do Ministério Público Federal


transcrever lições e mais lições da doutrina sobre o princípio da isonomia. Poderia,
também, trazer dezenas de precedentes do Supremo Tribunal Federal em que se discorre
sobre o mesmo tema. Não é necessário, porém. Para este caso concreto, melhor opção é
recorrer à máxima de MAXIMILIANO, que soa como um alerta para os requeridos:

“Deve o direito ser interpretado inteligentemente, não de


modo a que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva
inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou
impossíveis.” (MAXIMILIANO, Carlos. Interpretação e
aplicação do direito. 2. Ed. Rio de Janeiro: Livraria do
Globo, 1933, cit. p. 183, apud MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed.
São Paulo: Malheiros, 2002, p. 487)

Desta forma, a interpretação conforme a Constituição, ora


proposta, é a única possibilidade de se manter a validade do artigo 34, parágrafo único,
do Estatuto do Idoso, sem violação dos princípios constitucionais da isonomia ou
igualdade material, da proporcionalidade, da razoabilidade e, porque não dizer, do
devido processo legal em sua acepção substantiva (substantive due process of law).

Todos os desamparados – idosos e pessoas portadoras


de deficiência – que se encontram na mesma situação de fato, merecem receber,
dos requeridos, tratamento idêntico, sem qualquer discriminação.

2.4. DAS DECISÕES JUDICIAS PROFERIDAS EM


DEMANDAS INDIVIDUAIS

O magistério jurisprudencial dos Eg. Tribunais Regionais


e Colendas Turmas Recuras dos Juizados Especiais Federais reflete a tese jurídica ora
defendida, buscando-se, caso a caso, conferir um tratamento isonômico aos idosos ou
pessoas com deficiência incapacitante que se encontrem em situação similar de
necessidade, fazendo jus à atuação assistencial do Estado.
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Nesse sentido, citem-se a título ilustrativo as seguintes


ementas:

“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. AGRAVO


RETIDO. PRELIMINAR. INCAPAZ. CUMPRIMENTO DOS
REQUISITOS LEGAIS. PERCEPÇÃO DE PENSÃO POR MORTE
NO CURSO DA DEMANDA. IMPOSSIBILIDADE DE
CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIO. REEXAME NECESSÁRIO. I -
Não se conhece do agravo retido, não havendo requerimento expresso
no apelo (art. 523 do C.P.C.). II - Tutela antecipada mantida uma vez
que preenchidos os requisitos do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993. III -
É de se deferir o benefício assistencial ao autor, incapaz, que sofre de
retardo mental moderado que vive em estado de pobreza, sendo
mantido pela mãe que recebe aposentadoria mínima. IV - Aplica-se,
por analogia, o parágrafo único do artigo 34, da Lei nº 10.741/2003
(Estatuto do doso), que estabelece que o benefício já concedido a
qualquer membro da família, nos termos do "caput," não será
computado para fins de cálculo da renda familiar "per capita" a que se
refere a LOAS. V - Há no conjunto probatório, elementos que
induzem à convicção de que o autor está entre o rol de beneficiários
descritos na legislação. VI - O autor é titular de pensão por morte
juntamente com sua genitora, motivo pelo qual há que se deferir o
benefício assistencial somente no período compreendido entre a data
do requerimento administrativo e a do início da pensão por morte, em
face da vedação de acúmulo de benefícios constante no art. 20 § 4º da
Lei nº 8742/93. VII - Não é o caso de se conhecer do reexame
necessário, considerando que a sentença foi proferida após a vigência
da Lei nº 10.352/01 e o valor da condenação não excede a 60 salários
mínimos. VIII - Recurso do INSS improvido.”
Tribunal da Terceira Região, Nona Turma, Relator(a) Juíza
Marianina Galante. Apelação Civel – 907259, Processo:
199961070030312 UF: SP, Data da Decisão: 13/09/2004.

“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.


HIPOSSUFICIÊNCIA (AFERIÇÃO DA CONDIÇÃODE
MISERABILIDADE). O FATO DO MARIDO DA AUTORA JÁ
RECEBER APOSENTADORIA NÃO CONSTITUI ÓBICE PARA A
CONCESSÃO DO PRESENTE BENEFÍCIO, NOS TERMOS DO
PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 34 DO ESTATUTO DO
IDOSO, POR ANALOGIA.
A parte autora pleiteou o benefício assistencial previsto no artigo 20
da Lei n.° 8.742/93. A sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido. Recorre, tempestivamente, a autarquia previdenciária,
pleiteando a ampla reforma da sentença recorrida. Em suas razões,
alega: I) falta de interesse de agir; II) necessidade de citação da União
Federal (litisconsórcio passivo necessário); III) não comprovação de
hipossuficiência econômica. É o relatório. II - VOTO Rejeito a
preliminar argüida pelo INSS. Nas ações envolvendo a concessão de
benefício assistencial, previsto na Lei n° 8.742/93, apenas o INSS
deve figurar no polo passivo da demanda. A questão já foi pacificada
nos tribunais superiores, conforme transcrição abaixo: “(...)embora o
art. 12 da Lei n° 8.742/93 atribua à União o encargo de responder pelo
pagamento dos benefícios de prestação continuada, à autarquia
previdenciária continuou reservada a operalização dos mesmos.” (STJ,
3° Seção, Rel. Min. Felix Fischer, Embargos de Divergência em
Recurso Especial n° 204.998/SP). No mérito, verifica-se, com efeito,
pela análise dos elementos constantes dos autos eletrônicos, que restou
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comprovado o preenchimento dos requisitos necessários à concessão


do benefício assistencial. Estabelece o artigo 20 da Lei n.º
8.742/1993, com alterações da Lei n° 10.741/2003, que o benefício
assistencial é devido ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou
mais ou à pessoa portadora de deficiência que comprove não
possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la
provida por sua família. O requisito miserabilidade também restou
comprovado. O artigo 20, parágrafo 3º, da Lei n.º 8.742/2003
objetivamente estabeleceu o parâmetro de ¼ do salário mínimo da
renda per capita, cuja constitucionalidade foi reconhecida, aliás, de
maneira indireta, pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao apreciar
a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.232-1/DF. Todavia, a
jurisprudência consolidou-se no sentido de que o parâmetro de ¼
do salário mínimo de renda per capita não constitui o único
critério para aferição da condição de miserabilidade, devendo-se
levar em conta a situação concreta de cada caso. A propósito, STJ,
REsp n°308711/SP, Ministro Hamilton Carvalhido, in DJ 10/03/2003.
Aliás, de acordo com o próprio material reproduzido, com adaptações
para o Estado de São Paulo, pelo Manual de Orientações elaborado
pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, o valor da renda
per capita da família é obtido “(...) somando os valores das rendas
líquidas dos integrantes e dividindo pelo número de pessoas da
família” (item 2.2, alínea “d”) (grifo meu). Ora, conforme aponta o
laudo socioeconômico, só o aluguel (R$ 310,00) supera o valor do
benefício previdenciário percebido pelo marido da autora, o que
autoriza a concessão do benefício. Aliás, o fato de o marido da
autora já receber aposentadoria não constitui óbice para a
concessão do presente benefício, nos termos do parágrafo único do
artigo 34 do Estatuto do Idoso, por analogia. Diante do exposto,
nego provimento ao recurso, mantendo integralmente a sentença
recorrida. É o voto.
Acórdão do JEF, Recurso Cível, Processo: 200261840135061 UF: SP,
Órgão Julgador: 1ª Turma Recursal - SP, Data da decisão: 15/06/2004,
Relator Juiz Federal Aroldo José Washington.

“I. RELATÓRIO (...) II. VOTO O art. 203, V, da Constituição


Federal, estabelece “a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei”. Regulamentando a garantia
constitucional, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, prevê que para ter
direito ao benefício assistencial o idoso ou o deficiente deve
comprovar renda per capita do grupo familiar inferior a ¼ do salário
mínimo. No caso dos autos, a renda per capita da família da recorrida
não supera o patamar legal. Consoante o relatório social de fls. 19/21,
a recorrida, de 65 anos, vive com o esposo Ormindo Alves de Souza,
de 74 anos e dois netos. A renda do casal advém da aposentadoria de
seu cônjuge, no valor de um salário mínimo. Como bem posto na r.
sentença recorrida, o benefício de aposentadoria do cônjuge idoso
deve ser desconsiderado nos termos do art. 34, parágrafo único, da Lei
nº 10.741/2003, verbis: Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e
cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem
de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1
(um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência
Social – Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer
membro da família nos termos do caput não será computado para os
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fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas. A


intenção do legislador foi garantir um salário mínimo para o idoso, a
fim de fazer frente às suas despesas maiores, não importando o nome
que se dê à fonte deste salário. Tanto o idoso que recebe o benefício
assistencial, quanto o que recebe aposentadoria no valor mínimo, estão
em igual situação e merecem o mesmo tratamento legal. Em se
acolhendo a interpretação restritiva propugnada pelo INSS, estar-se-á
afrontando o princípio da isonomia, de envergadura constitucional.
Destarte, como a recorrida não possui renda, tem-se o perfeito
atendimento do disposto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Ante o
exposto, voto pelo conhecimento e improvimento do recurso, bem
como pela condenação do recorrente ao pagamento de honorários
advocatícios, no importe de 10% sobre o valor da condenação,
excluídas as parcelas posteriores à prolação da sentença (Súmula
111/STJ), bem como ao pagamento dos honorários periciais. Voto,
finalmente, pelo deferimento dos benefícios da justiça gratuita à
recorrida. É o voto. Origem: JEF Classe: RECURSO CÍVEL Processo:
200460840063640 UF: MS Órgão Julgador: 1ª Turma Recursal – MS
Data da decisão: 29/11/2004

Destarte, presta-se a presente demanda coletiva a


estabelecer, mediante a prolação de uma decisão com efeito erga omnes (art. 16 da Lei
7347/85) que confira à regra contida no art. 34, paragrafo único do Estatuto do Idoso
uma leitura consentânea aos preceitos constitucionais estabelecidos nos arts. 3º, IV, 5º,
caput, 6ª, 194, parágrafo único, I, e, mais especificamente, no art. 203, V, um regime
simétrico e isonômico de tratamento a todos os idosos e pessoas com deficiência
inseridos em um contexto semelhante de miserabilidade, garantindo-lhes a prestação
assistencial do Estado.

2.5. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO


LIMINAR COM NATUREZA DE ANTECIPAÇÃO
DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL.

Como fundamento legal para a concessão de liminar em


ação civil pública (com natureza cautelar ou de antecipação de tutela), temos a previsão
do artigo 12 da Lei n.º 7.347/85 (“Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou
sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”). Reforçando esta possibilidade,
temos, ainda, o artigo 84, § 3.º, do Código de Defesa do Consumidor (aplicável à ação
civil pública, por força do disposto no artigo 21 da Lei n.º 7.347/85), que lhe estabelece
os requisitos:

“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de


obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
(...)
§ 3.º Sendo relevante o fundamento da demanda (fumus
boni juris) e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final (periculum in mora), é lícito ao juiz
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conceder a tutela liminarmente ou após justificação


prévia, citado o réu” (as explicações entre parênteses não
constam do texto original).

Sobre os requisitos para concessão da liminar (com


natureza de antecipação de tutela), ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

“Não fala [refere-se ao art. 12 da Lei 7.347/85] em


requisito algum mas, se uma justificação pode ser
necessária, é porque necessária é também a presença dos
requisitos da urgência e da probabilidade; além disso, o
contrário equivaleria a desconsiderar o devido processo
legal. Mais técnico e explícito, o Código de Defesa do
Consumidor dispõe que ‘sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final, é lícito ao juiz conceder tutela
liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu’
(Lei 8078, de 11.9.90, art. 84, §3º). E, como esses dois
estatutos se interpenetram mediante recíproca aplicação
das normas de uma ao processo regido pelo outro (LACP,
art. 21 e CD, art. 90), as exigências do Código de Defesa
do Consumidor, como requisitos para antecipar a tutela,
impõem-se também na área regida pela Lei de Ação Civil
Pública” (in Nova Era do Processo Civil. São Paulo:
Malheiros, 2003. cit. p. 98/9).

Ou seja, os requisitos para a concessão de liminar, com


natureza de antecipação de tutela, na ação civil pública, são a urgência, ou, nos termos
da lei, o justificado receio de ineficácia do provimento final, requisito que se
convencionou chamar periculum in mora, e a relevância do fundamento da demanda,
ou fumus boni juris.

No caso em questão, como visto, a concessão da medida


liminar é de todo viável e necessária, vez que se constatam ambos os requisitos legais.
Vejamos.

A relevância do fundamento da demanda (fumus boni


juris) encontra-se demonstrada no conteúdo desta inicial, bem como nas cópias das
Instruções Normativas INSS n.º 95/03 e n.º 118/05, documentos estes que
demonstram a adoção, por parte da Administração, de uma interpretação restritiva,
ilegal e inconstitucional, do disposto no artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso
(inicialmente através da IN n.º 95/03, posteriormente, por meio da IN n.º 118/05),
acarretando, dentre outras conseqüências, um tratamento desigual e injusto, quando da
análise da renda per capita familiar para fins de concessão ou não de benefício
assistencial de prestação continuada da LOAS, a núcleos familiares compostos por
pessoas idosas em situações absolutamente similares, gerando um discrímen sem
qualquer fundamento ou razoabilidade, em explícita ofensa a diversos princípios
constitucionais, dentre os quais, o princípio da isonomia ou da igualdade material.
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O perigo da demora (periculum in mora) também é


manifesto. O INSS, com base nas malsinadas Instruções Normativas, vem
sistematicamente negando o benefício assistencial a pessoas desamparadas, idosas ou
portadoras de deficiência, que fariam jus ao auxílio, nos termos das disposições
constitucionais e legais pertinentes. Muitas delas, senão a grande maioria, em situação
de extrema pobreza, e impossibilitadas, seja em virtude da idade avançada, seja em face
da deficiência incapacitante, de desenvolver qualquer espécie de atividade produtiva.
Grande parte delas compelidas à mendicância, pela inexistência de outras fontes de
sustento.

Dessa forma, a concessão do pedido de antecipação de


tutela nesta ação civil pública – cujos requisitos estão presentes – é o mecanismo
processual mais eficaz para a promoção célere e efetiva da coibição – ou pelo
menos mitigação - das práticas abusivas praticadas pelos requeridos.

3. DOS PEDIDOS.

Em face do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO


FEDERAL, por seus membros signatários, REQUER:

3.1. com fundamento no artigo 12 da Lei n.º 7.347/85 e artigo 84, § 3.º, do CDC, a
concessão de liminar, com natureza de antecipação de tutela, após a prévia
manifestação em 72 (setenta e duas) horas dos requeridos, por força do disposto no
artigo 2.º da Lei n.º 8.437/92, a fim de determinar, sob pena de imposição de multa
individual no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para cada benefício não concedido, a ser
depositado no Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (previsto nos artigos 13 e 20 da
Lei n.º 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto n.º 1.306/94), em caso de
descumprimento e/ou não comprovação do cumprimento da decisão, sem prejuízo das
responsabilidades civil e criminal, por eventual ato de desrespeito à ordem judicial, que
os requeridos:

3.1.1. se abstenham de considerar no cálculo da renda per capita familiar para fins
de concessão, a idosos ou a deficientes, do benefício assistencial de prestação
continuada previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o valor de
qualquer benefício assistencial (incluindo a Renda Mensal Vitalícia - RMV),
correspondente a 1 (um) salário mínimo, concedido a integrante do grupo familiar,
independentemente de qualquer renúncia de benefício, revisando-se em 60
(sessenta) dias os pedidos anteriormente indeferidos; e/ou

3.1.2. se abstenham de considerar no cálculo da renda per capita familiar para fins
de concessão, a idosos ou a deficientes, do benefício assistencial de prestação
continuada previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o valor de
qualquer benefício previdenciário, correspondente a 1 (um) salário mínimo,
concedido a integrante do grupo familiar, independentemente de qualquer
renúncia de benefício, revisando-se em 60 (sessenta) dias os pedidos anteriormente
indeferidos;
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro

3.2. a citação dos requeridos para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de
confissão e revelia;

3.3. a procedência da demanda, com a confirmação da liminar, caso concedida, e

3.3. a declaração de ilegalidade do § 2.º do artigo 621 da Instrução Normativa


INSS/DC n.º 95/03 e dos §§ 1.º e 3.º do artigo 625 da Instrução Normativa INSS/DC n.º
118/05;

3.4. a condenação dos requeridos em obrigação de não fazer, consistente na


abstenção de considerar, no cálculo da renda per capita familiar para fins de
concessão, a idosos ou a deficientes, do benefício assistencial de prestação
continuada previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o valor de
qualquer benefício, previdenciário ou assistencial, correspondente a 1 (um) salário
mínimo, concedido a integrante do grupo familiar, independentemente de
qualquer renúncia de benefício, sob pena de imposição de multa individual no valor
de R$ 1.000,00 (mil reais) para cada benefício não concedido, a ser depositado no
Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (previsto nos artigos 13 e 20 da Lei n.º 7.347/85 e
regulamentado pelo Decreto n.º 1.306/94), em caso de descumprimento e/ou não
comprovação do cumprimento da decisão, sem prejuízo das responsabilidades civil e
criminal, por eventual ato de desrespeito à ordem judicial; e

3.5. a condenação dos requeridos ao pagamento das custas e demais despesas


processuais.

4. DAS PROVAS.

Não obstante a matéria seja eminentemente de direito,


comportando julgamento antecipado, na forma do artigo 330, inciso I, do CPC, protesta
o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pela produção de todas as provas em direito
admitidas, especialmente prova documental.

5. DO VALOR DA CAUSA.

Dá-se à presente causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Rio de Janeiro, 24 de abril de 2007.

ALINE MANCINO DA LUZ CAIXETA JOSÉ SOARES


Procuradora da República Procurador da República

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