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Anais do SEFiM, Porto Alegre, V.02 - n.2, 2016.

Música e Palavra na Estética de Nietzsche

Music and words in the Nietzsche´s aesthetics

Palavras chave: Nietzsche; Música; Palavra.


Keywords: Nietzsche; Music; Words.

Leandro Macedo D’Avila


Universidade Estadual do Rio de Janeiro
leandrodvl@yahoo.com.br

O presente estudo pretende abordar a relação entre música e palavra, bem como algumas
de suas incidências sobre o pensamento de Nietzsche. Essa abordagem de caráter geral,
permitirá apontar a dinâmica dessa questão no pensamento do autor, e também sua rela-
ção com as diretrizes mais abrangentes de sua filosofia. Cumpre observar que utilizaremos
uma subdivisão já estabelecida acerca do pensamento nietzschiano: trataremos a obra
através de sua distinção clássica, ou seja, Nietzsche em sua primeira fase pessimista ro-
mântica; um segundo momento de desencantamento e ceticismo pós 1876; e um terceiro
momento de pensamento maduro marcado fortemente pela escrita de Zaratustra e textos
subsequentes. Acreditamos que através dessa divisão, poderemos esclarecer um pouco
as mudanças de perspectiva e movimentos do autor no tocante à questão litero musical.
Nietzsche em seus escritos de juventude, fortemente influenciado por Schopenhauer e
motivado pela amizade e admiração com Wagner, irá detectar na tragédia ática as fontes
de sua doutrina misteriosófica da tragédia. Trata-se de uma visão ancorada na metafísica
do artista que, vinculado com a própria Vontade criadora-destruidora do mundo, revela
a afinidade entre o elemento dionisíaco fundamental e a indeterminação da música en-
quanto linguagem, o que levaria Nietzsche a crer numa possibilidade de redenção estética,
através da reformulação dos conceitos da arte e da cultura de seu tempo. Nesse período,
o autor acreditava que a música instrumental possuía uma preponderância ontológica
em relação à palavra, justamente por expressar o fundo caótico e injusto da própria cons-
tituição do mundo e da inexorabilidade do destino em sua finitude. Desta maneira, a
música, esse espelho da indeterminação da Vontade cega, expressaria de uma maneira
inequívoca a própria dinâmica das coisas e dos seres. As palavras por sua vez, muito mais
determinadas e definidoras, estariam submetidas ao princípio da razão organizadora, ou
seja, o aspecto apolíneo, um impulso que atua justamente na contenção da percepção da
fatalidade essencialatravés da delimitação e organização formal, seja na arte, na ciência ou
na própria filosofia. Assim, Nietzsche, herda de Schopenhauer a compreensão de que a
música apenas tolera as palavras ao seu lado, tal tese também é compartilhada por Wagner
em seu escrito Beethoven, de 1870, mesma fase de produção de O nascimento da tragédia,
lançado no final de 1871: Justamente por isso é impossível, com a linguagem alcançar
por completo o simbolismo universal da música, porque ela se refere simbolicamente à

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contradição e a dor primordiais do Uno primigênio, simbolizando uma esfera que está
acima e antes de toda aparência.1
A partir de 1876, veremos Nietzsche desiludido com o ideário romântico. Desencanta-
do com o projeto wagneriano e cético em relação aos traços metafísicos de seu próprio
pensamento, o autor se converte em um potente crítico de sua própria estética anterior e
rompe definitivamente com as concepções wagnerianas e schopenhauerianas. A partir de
então veremos um Nietzsche menos artista e mais cientista, ao ponto de ser denominado
como “positivista” por muitos estudiosos. Aqui interessa sublinhar a postura diametral-
mente oposta do autor em relação à sua própria filosofia de juventude. Se na primeira fase
a música foia rainha das artes, agora, a palavra ganha importância ao mesmo tempo em
que o autor recomenda uma educação do olhar em detrimento do ouvido: “A educação
artística do olho desde a infância, mediante o desenho e a pintura, o esboço de paisagens,
de pessoas, de eventos, traz consigo também o inestimável benefício vital de tornar o olho
agudo, calmo e perseverante na observação de indivíduos e situações. Do cultivo artístico
da audição não resulta uma vantagem secundária semelhante: por esse motivo, as escolas
primárias em geral farão bem em dar à arte da visão a preferência sobre aquela do ouvido.”
(NIETZSCHE, F. Humano demasiado Humano II, p. 10).
Essa compreensão reflete uma necessidade: afastar-se da indeterminação dos sons, da sel-
vageria sugestiva da música e aproximar-se da positividade da palavra. A postura é crítica,
Nietzsche renega suas concepções ingênuas de um mundo reformulado por um pensar
musical e, para tanto, precisa destituir antigas hierarquias de sua estética, numa espécie de
desconstrução de si mesmo. Tal abordagem pode ser percebida principalmente nos livros
A gaia Ciência e Humano demasiado humano I & II.
Passaremos a seguir ao terceiro momento, e com isso sugerimos a possibilidade de uma
leitura cíclica da estética musical de Nietzsche no tocante ao tema música e palavra. Em
Assim falava Zaratustra, Nietzsche retoma a escrita artística de sua juventude, o texto de
forte acento musical com sua profusão de cantos, se conecta com O nascimento da tragé-
dia. A diferença básica é que em sua juventude o tom era de apologia ao wagnerianismo,
em sua fase madura isso não ocorrerá, mas sim seu oposto. No entanto, se o conteúdo
diverge, é pertinente afirmar que a forma converge. Nietzsche se reconcilia com a música,
prescreve que é melhor cantar do que falar, intuindo uma familiaridade entre a fluência
musical e a sabedoria, enquanto adequação da linguagem leve, como suporte de conheci-
mentos essenciais como o eterno retorno: “Canta! Não fales! - todas as palavras não foram
feitas para os seres pesados? Não mentem todas as palavras aquele que é leve? Canta! Não
fales!” (NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra, p. 222).

Referências
NIETZSCHE, F. A gaia ciência. Trad. Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
______. Assim Falava Zaratustra. Trad. Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2011.
______. Humano, demasiado humano II. Trad., notas e posfácio Paulo Cesar de Souza. São Paulo:

1 Nietzsche, F. O nascimento da tragédia. p. 51.

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Cia das Letras, 2011.
______. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Cia
das Letras, 1992.
______. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe. COLLI, Giorgio; MONTINARI, Mazzino
(Orgs.). Berlin/Nova York: Walter de Gruyter, 1988. Edição crítica, 15 v.
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. Trad. Jair Barbosa. São Paulo: Edi-
tora Unesp, 2005.
WAGNER, R. Beethoven. Trad. Theodomiro Tostes. Porto Alegre: L & PM, 1987.

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