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DOUTRINA

ARTIGOS

Arrendamentos portuários – Licitações, proteção à concorrência e o


direito dos arrendatários1
Bernardo Strobel Guimarães
Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Direito da
PUCPR. Advogado.

Mariana Almeida Kato


Advogada. Membro do Núcleo de Pesquisa em Direito Econômico (NUPEDE) da Faculdade de Direito da UFPR.

Palavras-chave: Licitações. Arrendatários. Defesa da concorrên- hipóteses, limitar a participação dos atuais titulares
cia. Autoridades regulatórias. Setor portuário.
de contratos de arrendamentos.
Sumário: 1 Introdução – 2 Agências reguladoras e defesa da con- Para o exame, propõe-se em um primeiro
corrência – 3 A atuação das autoridades regulatórias e concor-
renciais no setor portuário – 4 Medidas de restrição ao acesso momento avaliar as competências concorrenciais
a novos contratos administrativos como elemento de proteção à no setor portuário, bem como a atuação de tais
concorrência utilizada por reguladores setoriais – 5 A participa-
ção no procedimento licitatório como direito fundamental (isono-
autoridades no setor. A partir de então, busca-se
mia) e o ônus argumentativo imposto à restrição – 6 Regulação compreen­der a razão pela qual tal restrição estaria
e restrição à participação, um trade off legítimo – 7 Limitações à sendo instituída pela ANTAQ, bem como se há moti-
participação e devido processo legal – 8 Conclusões – Os limites
das restrições postas pela ANTAQ vos razoá­veis à sua manutenção, em vista das nor-
mas que se destinam à proteção da concorrência
e que regem os procedimentos licitatórios. Por fim,
1 Introdução1 será examinada a necessidade de, em casos em
que há posições consolidadas, respeitar o devido
A concorrência no setor portuário é tema com- processo legal.
plexo a ser analisado pela doutrina. De um lado, há
todas as discussões decorrentes da coexistência de
autoridades regulatórias setoriais e concorrenciais
2 Agências reguladoras e defesa da
que compartilham competências para a proteção da concorrência
concorrência no setor portuário. De outro, há todas No direito brasileiro convivem duas espécies
as particularidades decorrentes do mercado que de regulação estatal (aqui entendida como a inter-
tornam sua análise árdua a um leitor desavisado venção do Estado na economia) — a regulação
(com poucos estímulos à concorrência, processos geral (na qual se insere o direito da concorrência e
licitatórios nem sempre atrativos aos investidores, a defesa do consumidor) e a regulação setorial (na
competências difundidas entre a agência reguladora qual se inserem as agências reguladoras).3 Muito
e as autoridades portuárias). embora ambas tenham em suas raízes um objetivo
Nesta perspectiva, o presente estudo centra-se comum — inibir determinadas falhas de mercado —
no debate instaurado por conta das licitações dos no- há diferenças substanciais entre os dois modelos
vos arrendamentos portuários submetidas à Consulta de atuação, que não devem ser desconsiderados
Pública pela Agência Nacional de Transportes Aqua­ quando da análise do tema. Como destacou Pedro
viários (ANTAQ),2 em que se pretende, em algumas Dutra:

1
Texto elaborado para publicação na obra coletiva Portos e seus
regimes jurídicos: a Lei nº 12.815/2013 e seus desafios, coordenada 3
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A regulação setorial e a au-
por Egon Bockmann Moreira (Belo Horizonte: Fórum, 2014). toridade antitruste. A importância da independência do regulador.
2
Consulta nº 6/2013 (Disponível em: <http://www.antaq.gov.br/ In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Veiga da;
Portal/audiencia06_2013_Documentos.asp>. Acesso em: 07 MATTOS, Paulo Todescan Lessa (Coord.). Concorrência e regula-
abr. 2014). ção no sistema financeiro. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 72.

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Bernardo Strobel Guimarães, Mariana Almeida Kato

Embora a defesa da livre concorrência e a regulação efeitos danosos à concorrência no mercado. Não
econômica persigam no ordenamento jurídico brasi- se trata aqui de substituir os mecanismos naturais
leiro a mesma finalidade primária — reprimir e pre- de mercado, mas de corrigi-los, impedindo que se
venir o abuso do poder econômico nos mercados de estabeleçam ou que venham a se propagar efeitos
bens e serviços — e assim sejam conceitos comple-
nocivos à competição. Ao contrário do que ocorre
mentares no plano doutrinário e integrem um mesmo
com as agências reguladoras, portanto, a atuação
subsistema normativo (a disciplina legal da ordem
econômica), elas não se confundem.4 do regulador geral é ex post, reativa. Seja na análise
prévia de atos de concentração, seja na apuração
Essa diferenciação se dá porque o regulador de condutas anticoncorrenciais, sua competência
setorial visa a implantar determinadas condições surge apenas em vista do caso concreto. Como le-
de mercado em um específico setor da economia cionam Gesner Oliveira e João Grandino Rodas:
para assegurar a qualidade na prestação dos ser-
A defesa da concorrência visaria assegurar a prote-
viços, reprimir condutas abusivas e garantir condi-
ção dos mecanismos de mercado. Em contraste, a
ções adequadas de acesso etc. Trata-se, em outras regulação tradicional teria como objetivo substituir
palavras, de buscar e garantir a melhor articulação esses mecanismos diante de falhas de mercado
entre os interesses do Estado, dos particulares e consideradas insuperáveis. A defesa da concor-
dos usuários no ambiente econômico dos serviços rência tem, portanto, caráter mais geral do que a
públicos. Pode-se afirmar, portanto, que a regula- regulação. Esta última deveria existir, em princípio,
ção setorial atua em substituição aos mecanismos quando houvesse uma falha de mercado cujo custo
naturais de determinado mercado, criando um sis- fosse superior ao da intervenção governamental, ou
tema de mercado artificial capaz de inibir as falhas da falha de Estado.6
que existem naturalmente nesse setor. Como alerta
O que define a roupagem da regulação — se
Marie-Anne Frison-Roche, trata-se de “construir e de
apenas geral ou se setorial e geral — são as ca-
manter organizações econômicas não espontâneas
racterísticas do mercado, o comportamento dos
e não perenes pela sua própria força”.5
seus agentes e os interesses públicos colocados
Para tanto, as agências reguladoras valem-se
em jogo. Há casos de mercados que por si só são
de normas regulatórias setoriais que condicionam
capazes de se regular e que demandam, portanto,
e conformam as condutas dos agentes econômicos
intervenções apenas pontuais do Estado; e há mer-
daquele setor. A atuação é essencialmente ex ante
cados com estrutura mais hostil à autorregulação,
(no estabelecimento de normas aplicáveis a todos
que exigem uma intervenção de caráter mais perma-
os agentes daquele mercado) e complementarmente
nente por parte da Administração Pública — como é
ex post (na fiscalização e controle do cumprimento
o caso do setor portuário.7
de tais normas). Nessa perspectiva, pode-se afir-
As controvérsias surgem exatamente na hipó-
mar que a atuação do regulador setorial é sempre
tese desses últimos casos — que combinam regula-
contínua; afinal, o saudável funcionamento daquele
ção geral e setorial. Afinal, como equilibrar as regras
mercado depende das previsões normativas por ele
dos dois agentes reguladores e, ainda, como solu-
instituídas (e seu consequente cumprimento). Com
cionar eventuais conflitos que possam exigir entre
efeito, a atribuição de competências a essas autar-
tais regras?
quias coloca-as na responsabilidade de conformar
No rol das competências atribuídas às agên-
de modo perene certo setor econômico (seja ele
cias reguladoras setoriais, usualmente são previs-
de iniciativa pública ou privada), com vistas a atin-
tas regras que visam a dotá-las das prerrogativas
gir objetivos tidos por relevantes do ponto de vista
necessárias à preservação da concorrência. Com
normativo.
a substituição da atuação direta do Estado como
Já a atuação do regulador geral — no caso do
monopolista impõe-se que o regulador dê conta de
Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência
estabelecer regras de funcionamento de mercado
(CADE) — tem escopo bastante diverso. O objeto de
capazes de assegurar que não haverá abuso de
tutela direto e imediato é a defesa da concorrência
posições dominantes. Por outro lado, ao Conselho
(em sua perspectiva geral), seja através da repres-
Administrativo de Defesa Econômica (CADE), incum-
são de comportamentos abusivos, seja através do
be, de modo transversal, a defesa da concorrência.
controle de atos de concentração que possam gerar
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o contro-
le concorrencial em ambientes regulados fica sujeito a
4
DUTRA, Pedro. Livre concorrência e regulação de mercados: estu-
dos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 285.
5
FRISON-ROCHE, Marie-Anne. Definição do direito da regulação 6
OLIVEIRA, Gesner; RODAS, Joao Grandino. Direito e economia da
econômica. Tradução Thales Morais Costa. Revista de Direito Pú- concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 137.
blico da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 3, n. 9, p. 201, 7
DUTRA, Pedro. Livre concorrência e regulação de mercados: estu-
jan./mar. 2005. dos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 283.

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Arrendamentos portuários – Licitações, proteção à concorrência e o direito dos arrendatários

uma dúplice atribuição vista de forma bidimensional. e ao CADE reservam-se as questões atinentes à
As duas formas de regulação, muito embora distintas, concorrência numa perspectiva mais ampla. Como
trabalham coordenadamente e de modo complemen- se nota, o atingimento dos objetivos da intervenção
tar. Como leciona Floriano de Azevedo Marques Neto: estatal depende nesses casos da articulação entre
as autoridades com competências regulatórias em
Baseia-se esta linha no fato de que, se existem pres- sentido estrito e as dotadas de atribuição de defesa
supostos específicos a justificar a regulação setorial da concorrência. Daí ter-se referido acima à necessi-
(interesses sociais na atividade, interesses nacio-
dade de articulação entre ambas.
nais em regrar o uso do bem escasso, interesses
Embora se afirme essa articulação de compe-
de políticas públicas em calibrar a competição num
dado setor, etc.), há interesses gerais, consagrados tências, verdade é que não raro há choques entre
constitucionalmente, a justificar a permanência da o regulador e a autoridade concorrencial no que se
regulação voltada a proteger o consumidor e a pre- refere às melhores medidas a serem adotadas.
servação da competição enquanto pressuposto da Isso fica especialmente nítido nos casos em que
própria ordem econômica.8 por razões inerentes à estrutura de um mercado,
a agência reguladora pretende adotar medidas que
A justificativa por detrás desse entendimento possam vir a representar elementos potencialmente
está exatamente no fato de que ainda que as agên- danosos à concorrência (admitindo, v.g., a concen-
cias reguladoras possuam como objetivo também a tração entre agentes).
defesa da concorrência, a observância desse aspec- Assim, embora em tese cada autoridade tenha
to por elas tem caráter muito mais genérico, pois o um espaço de atuação que lhe é próprio, é natu-
escopo de sua atuação é absolutamente diverso do ral que haja zonas de atrito, na justa medida em
CADE. Seu objetivo primário não é a proteção da que nosso sistema jurídico não atribui prelazia a
concorrência — dado esse que pode inclusive ser nenhum delas. Tais situações exigem maiores es-
constatado pela falta de expertise do corpo técnico forços por parte das autoridades envolvidas a fim
de tais agências e pela análise de suas estruturas, de compatibilizar os objetivos e a racionalidade de
que, usualmente, carecem de órgãos dotados de cada ente regulador.
competências concorrenciais. Assim, as preocupa-
ções concorrenciais no âmbito do regulador seto-
rial tendem a ser de menor monta: constituem uma
3 A atuação das autoridades regulatórias
finalidade entre tantas outras (como a defesa do e concorrenciais no setor portuário
usuário, a proteção ao meio ambiente etc.). Na linha do exposto, o setor portuário é típico
Essa ausência de uma competência específica exemplo de setor econômico objeto tanto de regula-
dos órgãos reguladores (somada à falta de expertise ção setorial quanto de regulação geral. A regulação
técnica) é reforçada pela obrigatoriedade imposta setorial desse setor, contudo, guarda algumas es-
por Lei de serem submetidos à autoridade concor- pecificidades em relação a outros setores econômi-
rencial todos os atos e condutas que gerem ou pos- cos fortemente regulados.
sam gerar efeitos anticoncorrenciais.9 Tais normas A partir da leitura da Lei nº 12.815/2013,
permitem a atuação do CADE inclusive nesses seto- pode-se afirmar que o setor portuário é regulado
res objeto de regulação específica, e o fazem de ma- (em uma perspectiva geral) por três agentes dis-
neira ampla.10 Às agências reguladoras reserva-se tintos: a agência reguladora (Agência Nacional de
aquilo que é pertinente à estruturação do mercado, Transportes Aquaviários – ANTAQ, nos termos da
Lei nº 10.233/2001), o Ministério dos Transportes
8
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A regulação setorial e a au- (através da Secretaria dos Portos, nos termos da
toridade antitruste: a importância da independência do regulador.
In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul Veiga da;
Lei nº 11.518/2007) e as autoridades portuárias.
MATTOS, Paulo Todescan Lessa (Coord.). Concorrência e regulação Quanto à Secretaria de Portos, suas atividades
no sistema financeiro. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 100.
9
Lei nº 12.529/2011, art. 31: “Esta Lei aplica-se às pessoas
destinam-se especialmente ao planejamento e coor­
físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a denação geral do setor.11 É à ANTAQ que estão aco-
quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de metidas as principais competências regulatórias
fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem per-
sonalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de (em uma perspectiva mais estrita) e fiscalizatórias. A
monopólio legal”. especificidade do setor dá-se justamente quanto às
10
A título de exemplo, confiram-se os seguintes julgados: Processo
Administrativo nº 08012.007443/99-17. Cons. Ricardo Villas- competências das autoridades portuárias, que por
Bôas Cueva. Disponível em: <http://www.cade.gov.br>. Acesso
em: 06 abr. 2014; Ato de Concentração nº 53500.001990/2000.
Cons. Ronaldo Porto Macedo Jr. Disponível em: <http://www.
cade.gov.br>. Acesso em: 06 abr. 2014; Ato de Concentração 11
SCHIRATO, Vitor Rhein. A experiência e as perspectivas da
nº 08012.006762/2000-09. Cons. Ronaldo Porto Macedo regulação do setor portuário no Brasil. Revista de Direito Público
Junior. Disponível em: <http://www.cade.gov.br>. Acesso em: da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 23, p. 175, jul./
06 abr. 2014. set. 2008.

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vezes são compartilhadas com as da própria agência Pois especificamente no caso dos portos, há ainda
reguladora, inclusive em matéria concorrencial. um argumento mais forte para justificar uma atua-
Nos termos da Lei nº 10.233/2001, entre as ção intensa do CADE, em conjunto com a das auto-
competências da ANTAQ está o estímulo à concor- ridades regulatórias setoriais.
rência no setor portuário.12 Como expõe a doutrina: Como visto, o espectro de responsabilidades
“cabe à ANTAQ implementar a competição do seg- e competências da ANTAQ é bastante amplo —
mento aquaviário, promovendo politicas concorren- devendo atuar na proteção do mercado (e, conse-
ciais, compatibilizando as características próprias quentemente, na proteção da concorrência nele) em
desse mercado com os dispositivos legais relaciona- todos os aspectos do setor portuário. Isso implica
dos com o sistema de defesa da concorrência”.13 Por sua participação em todo o processo licitatório pré-
outro lado, as autoridades portuárias têm a incum- vio à celebração dos contratos com os particulares
bência de “cumprir e fazer cumprir as leis, os regula- (tomada de decisões acerca do procedimento lici-
mentos e os contratos de concessão” (art. 17, §1º, tatório, realização de estudos para subsidiar tais
inc. I) — é dizer: as normas regulatórias instituídas decisões, elaboração das minutas dos editais e
pela ANTAQ, bem como aquelas de defesa da concor- contratos, entre outros) até o encerramento destes
rência. Trata-se do dever de zelar pelo cumprimento (fiscalização, aplicação de penalidades, renovações
de tais normas. ou alterações dos contratos, entre outros). Mas
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que em ma- implica também o desenvolvimento de normas que
téria de concorrência, compete à ANTAQ e também tornem o funcionamento do setor portuário mais
às autoridades portuárias a observância das leis que saudável. O que necessariamente impõe o acompa-
regem o tema, devendo adotar medidas de estímulo nhamento dos preços e tarifas praticados, do aten-
e proteção à concorrência. Mas trata-se de uma atri- dimento aos usuários, da concorrência intra e extra
buição mais genérica de observância, que compete a portos e da propositura de medidas que visem inibir
todo e qualquer agente administrativo. Afinal, a pro- as falhas encontradas no setor e estimular práticas
teção da concorrência, disciplinada na Constituição, mais saudáveis de um modo geral.
é dever geral. Contudo, o que tem se verificado é uma atua­
Porém, em uma perspectiva mais específica ção da ANTAQ concentrada especialmente nos pro-
(de disciplina normativa de todo o setor portuário) cessos envolvendo os contratos, ou meramente
é competência exclusiva da ANTAQ adotar, em seus reativa — a partir de demandas pontuais formula-
procedimentos licitatórios e na celebração dos con- das a ela. Como levantado por estudo realizado a
tratos e normas, instrumentos que estimulem a respeito da eficiência do setor portuário:
concorrência (Lei nº 10.233/2001, art. 28, inc. II).
Daí ser a ANTAQ que, no âmbito regulatório setorial, Atualmente, a ANTAQ centraliza responsabilidades
é a responsável imediata pela defesa da concorrên- nos processos de autorização de investimentos,
renovações e alterações dos contratos e incorpora-
cia como medida de proteção do setor portuário e
ção/desincorporação de bens no âmbito das outor-
efetivação das normas regulatórias por ela expedi- gas, sendo parte do caminho crítico dos processos,
das com vistas a assegurar a prestação do serviço o que, se por um lado aumenta o nível de controle,
público em conformidade ao exigido por Lei. por outro demanda uma quantidade muito maior de
Quanto à defesa da concorrência feita pelo recursos e prazos para análise.14
CADE, entende-se que sua atuação é de comple-
mentariedade em relação à do regulador setorial, Tal modo de atuação, de um lado, demonstra a
como já exposto. As questões relativas à con- ausência de capacidade da ANTAQ para estabelecer
corrência no setor submetem-se a ele, indepen- regras que disciplinem de modo efetivo o mercado
dente dessa competência atribuída aos demais em uma perspectiva mais ampla (e não localizada
agentes que cuidam da regulação do setor portuário. em relação a cada contrato celebrado); e, de ou-
tro, indica a existência de falhas regulatórias ainda
não suprimidas (ou sequer identificadas), inclusive
12
“Art. 20. São objetivos das Agências Nacionais de Regulação dos no que tange à concorrência no setor, que até en-
Transportes Terrestre e Aquaviário: [...] II - regular ou supervisio-
nar, em suas respectivas esferas e atribuições, as atividades tão vinha sendo desestimulada. Para além disso,
de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de essa constatação é reveladora da razão pela qual
transportes, exercidas por terceiros, com vistas a: [...] b) harmo-
nizar, preservado o interesse público, os objetivos dos usuários,
a ANTAQ impõe exigências processuais licitatórias
das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e por vezes excessivas — gerando entraves nesses
arrendatárias, e de entidades delegadas, arbitrando conflitos de
interesses e impedindo situações que configurem competição im-
perfeita ou infração da ordem econômica”.
13
SOUZA JUNIOR, Suriman Nogueira de. Regulação portuária: a re- 14
Análise e avaliação da organização institucional e da eficiência de
gulação jurídica dos serviços públicos de infra-estrutura portuária gestão do setor portuário brasileiro. São Paulo: Booz & Company,
no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 188. 2012. p. 17.

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Arrendamentos portuários – Licitações, proteção à concorrência e o direito dos arrendatários

processos — e também a razão pela qual o setor O princípio da livre concorrência obriga a todo órgão
portuário nem sempre é a primeira opção dos inves- emissor de normas, legais ou infralegais (tais as
tidores no Brasil.15 expedidas por órgãos reguladores como é a ANAC),
É esse, portanto, o cenário da defesa da con- promover, nas regras que expeçam e no curso da
sua ação ordinária, a defesa da concorrência.
corrência no setor portuário. Como visto, ele congre-
Surge, assim, à ANAC o dever de prevenir a con-
ga diversos desafios.
centração de poder de mercado e reprimir o abuso
do poder de mercado. Em uma palavra, é dever da
4 Medidas de restrição ao acesso a ANAC promover e zelar pela livre concorrência.
novos contratos administrativos como A ação dessa Agência nesse sentido é vinculada;
elemento de proteção à concorrência isto é, não lhe faculta a Lei considerar agir ou não
utilizada por reguladores setoriais agir preventivamente: diante de uma situação em
que possa haver risco de restrição, por qualquer
Uma das medidas que têm sido utilizadas forma, à concorrência, está a ANAC obrigada a agir
pelos entes reguladores com vistas à estruturação no sentido de prevenir a ocorrência dessa restrição.
de mercados concorrenciais tem sido a restrição da Sua implementação deriva portanto da atuação pró con-
participação de agentes que já atuam no mercado corrência levada a cabo por agências re­gu­ladoras.18
em procedimentos licitatórios posteriores. A medida
se justifica, em tese, com vistas a impedir a concen- Assim, as medidas de restrição à participação
tração de mercado em mãos de apenas um agente representam a tentativa de buscar controlar os pro-
econômico. cedimentos de formação do poder econômico em
Recente exemplo dessa postura foi a previsão mercados regulados, estando associadas ao con-
nos Editais expedidos pela Agência Nacional de trole de estruturas típico do direito da concorrência.
Aviação Civil (ANAC) de que seria vedada a partici- Cuida-se, nestes casos, como sabido, de controlar
pação nas licitações de empresas que detivessem, a própria dinâmica da formação de poder de mercado
direta ou indiretamente, mais de 15% do capital de com vistas a inibir, de modo preventivo, a possibi-
empresa que fosse concessionária do serviço de lidade da adoção de práticas anticoncorrenciais no
público de infraestrutura aeroportuária federal.16 futuro. E embora o poder de mercado não seja um
Por outro lado, a proposta em discussão acer- ilícito, fato é que ele suscita, quando menos, aten-
ca da celebração de novos arrendamentos portuá- ção das autoridades públicas no que se refere ao
rios apresentada pela ANTAQ traz em alguns casos controle de sua formação.
decisão similar. Embora a regra não tenha sido a ve- A adoção de medidas dessa natureza suscita
dação para todos os casos, em algumas hipóteses algumas reflexões, que devem ser examinadas com
foi prevista regra nos editais que impede o agente vistas a saber os limites e possibilidades de sua uti-
econômico que explora atividade na área do porto lização, em especial no setor portuário. A questão
organizado de disputar arrendamentos da mesma fundamental é saber quais os pressupostos neces-
natureza.17 sários para que haja a utilização desse expediente
Como se nota, medidas desse jaez inserem-se como mecanismo de defesa da concorrência por
na busca de proteção à concorrência por parte dos meio dos agentes reguladores. É o que se buscará
agentes reguladores. Cuida-se da tentativa de, por examinar nos tópicos subsequentes.
meio do procedimento de formação dos contratos Antes de examinar o tema, todavia, cabe fazer
administrativos, zelar pela proteção à concorrência, uma advertência preliminar. Isto porque os limites
evitando concentrações de ativos na mão de um a serem examinados a seguir devem se somar ao
único agente econômico. Sobre a previsão de re- próprio controle formal da existência de regra de
gras de restrição (ainda que no setor aeroportuário), competência que autoriza o regulador a prever a
Pedro Dutra registrou que: restrição. Com efeito, o primeiro grau de controle na
aplicação dessas medidas é a demonstração obje-
15
Como indicam os estudos já apontados: “tal fato pode contribuir tiva que as regras de competência que informam a
para dilatar, prazos, aumentar as exigências processuais e gerar
entraves aos processos, o que pode desestimular investimentos
atuação do ente regulador prevejam, efetivamente,
no setor” (Análise e avaliação da organização institucional e da a capacidade de implementar medidas dessa or-
eficiência de gestão do setor portuário brasileiro. São Paulo: Booz
& Company, 2012. p. 17).
dem. Onde inexistir uma opção legal expressa a atri-
16
Cf. o Edital nº 1/2013 da ANAC, itens 3.18 e 3.19. Disponível em: buir ao ente regulador a capacidade de implementar
<http://www2.anac.gov.br/Concessoes/galeao_confins/>. Acesso em concreto regras de restrição à participação de
em: 25 mar. 2014.
17
Vide Audiência Pública nº 6/2013 da ANTAQ. Há casos de agentes econômicos em licitações, essa medida
(i) ausência de limitação à participação dos atuais arrendatários;
(ii) possibilidade de os atuais arrendatários participarem, mas
desde que renunciem às áreas atualmente exploradas por eles, 18
Concorrência em licitação: o exemplo dos aeroportos. Revista de
no caso de serem vencedores da licitação; e (iii) impossibilidade Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 11, n. 44,
de participação. p. 201-206, out./dez. 2013.

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014 ARTIGOS 13
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simplesmente não poderá ser implementada, por portanto, uma nítida opção da Constituição por
evidente vício de legalidade.19 tornar a licitação um procedimento que deve estar
Assim, o primeiro limite de que se cogita é a acessível ao maior número possível de interessa-
atribuição de competência para prever a referida dos. Tal regra vem igualmente esculpida no art. 3º,
restrição. Por outro lado, não parece que a simples §1º, da Lei nº 8.666/1993, que veda expressa-
atribuição de competência para defender a concor- mente à Administração “admitir, prever, incluir ou
rência (ou expressão que o valha) possa levar à ins- tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou con-
tituição da possibilidade de previsão da restrição. dições que comprometam, restrinjam ou frustrem o
Isto porque, como se verá adiante, está em causa seu caráter competitivo”.
aqui a restrição a um direito fundamental, o que não O segundo diz respeito ao tipo de restrição à
pode ser ignorado. Daí exigir-se a atribuição expres- isonomia que se tolera em relação às licitações.
sa de uma regra de competência capaz de suportar Como indica a parte final do preceito que se está a
a previsão, em homenagem à legalidade estrita. analisar, as exigências a serem feitas em relação às
Assim, o exame do tema segundo os princí- licitantes devem ter por objetivo apenas assegurar
pios expostos a seguir, depende de haver regra de o cumprimento do contrato a ser firmado. Embora
competência que autorize expressamente o ente a norma faça referência aos elementos de qualifi-
regulador a produzir uma regra de restrição ao aces- cação técnica e econômica, é evidente que nela se
so de determinados particulares a certos contratos incluem também as condições gerais de habilita-
públicos. ção. A exemplo da qualificação técnica e econômi-
ca, todos os requisitos de habilitação referentes à
5 A participação no procedimento licitatório participação no certame devem encampar a diretriz
como direito fundamental (isonomia) e o constitucional. Nesta linha, as condições gerais de
ônus argumentativo imposto à restrição habilitação devem apenas conter exigências que se
referem à possibilidade de bem executar o objeto da
Para começar a responder a questão lançada contratação. A diretriz de apenas tolerar que apenas
nos tópicos anteriores é necessário ter em consi- se reputem válidas as condicionantes exigidas dos
deração o perfil constitucional da licitação. Afinal, a licitantes que tenham imediata conexão lógica com
necessidade de a Administração adotar um procedi- a boa execução do futuro contrato diz respeito a
mento institucionalizado com vista a escolher seus todo e qualquer requisito que se venha a considerar
contratados tem expressado fundamento constitu- em matéria de licitação. Daí serem eles usualmente
cional. Diz o art. 37, XXI, da CF/1988 que: referidos por regras de habilitação, justamente no
sentido de destacar que elas se dirigem a compro-
[...] ressalvados os casos especificados na legisla-
var que determinado agente econômico ostenta as
ção, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública condições de executar o contrato. É com isso que
que assegure igualdade de condições a todos os a Constituição se ocupa ao disciplinar o tema. É
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obri- a capacidade de executar o objeto adequadamen-
gações de pagamento, mantidas as condições efeti- te o elemento de restrição à isonomia previsto na
vas da proposta, nos termos da lei, o qual somente Constituição.
permitirá as exigências de qualificação técnica e A conjugação de ambos os fatos demonstra
econômica indispensáveis à garantia do cumprimen-
que a licitação é um procedimento de isonomia
to das obrigações. (grifos nossos)
reforçada, que passa além da previsão genérica
do caput do art. 5º da Constituição. Como um dos
O referido artigo tem dois elementos que im-
autores já teve oportunidade de consignar:
porta destacar aqui. O primeiro é que a licitação é
procedimento que visa a assegurar igualdade de A análise da matriz constitucional da licitação indica
condições a todos os concorrentes. O thelos da com clareza que este procedimento deve assegurar
norma constitucional indica que, em regra, todos a igualdade de condições a todos os concorrentes;
devem ter acesso às contratações públicas. Há, cuida-se de campo em que a própria Constituição
angustiou o espaço de discriminação passível de
ser implementado pelo legislador ordinário.
Como exemplo de atribuição de competência dessa natureza
19 Ao estabelecer uma especificidade em relação à
tome-se o disposto no art. 3º, VIII, da Lei nº 9.427/1996, que previsão geral exigindo igualdade perante a lei, a
diz incumbir à ANEEL: “estabelecer, com vistas a propiciar con-
corrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração
Constituição reforçou a necessidade de se respei-
econômica nos serviços e atividades de energia elétrica, restri- tar a isonomia no que tange às licitações. Vale di-
ções, limites ou condições para empresas, grupos empresariais zer, todos aqueles que demonstrem ter condições
e acionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões,
de cumprir com as obrigações a serem assumidas
permissões e autorizações, à concentração societária e à realiza-
ção de negócios entre si”. junto à Administração (critério de discriminação

14 ARTIGOS Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014
Arrendamentos portuários – Licitações, proteção à concorrência e o direito dos arrendatários

admitido pelo art. 37, XXI), devem ser tratados de para si em função da proteção da isonomia entre
forma equânime. Por conta disto, as oportunidades os privados. Em outras palavras, a isonomia reforça
relativas à contratação com a Administração devem e se entrelaça com a obtenção da melhor proposta
estar disponíveis a todos os interessados que te-
econômica para o Poder Público.
nham condições de vir a cumprir com as obrigações
O raciocínio é antes lógico-econômico do que
a serem assumidas para com o Estado. Daí poder
se formular a presente regra: havendo condições de jurídico: a abertura do certame ao maior número de
adimplir o contrato, todos têm direito de disputá-lo, interessados é elemento que tende a gerar a me-
com as mesmas oportunidades. lhor contratação possível para o Estado. É dizer, um
Fazendo analogia com o princípio da legalidade, maior número de proponentes gera maior disputa
pode-se dizer que as licitações são um campo de e a apresentação de maiores vantagens ao Poder
“isonomia estrita”, em que não se tolera que o legis- Público para a Administração.
lador infraconstitucional crie normas que afrontem Daí que qualquer ato que embarace o trata-
a igualdade. Ou seja, a liberdade de o legislador mento isonômico dos particulares ou ainda falseie
eleger situações que entenda devam ser objeto de
a concorrência entre eles nos procedimentos lici-
tratamento diferenciado entre indivíduos não se es-
tatórios é severamente reprovado, nas esferas pe-
tende ao campo da licitação, em que vale a isono-
mia estrita (ou reforçada).20 nal, administrativa (notadamente pela chamada Lei
Anticorrupção) e de improbidade. O desvalor asso-
Nesta linha, as contratações públicas sujeitam-­ ciado a tais condutas bem indica que se está diante
se a elementos de proteção da concorrência entre da proteção de interesses públicos.
os interessados na celebração do vínculo com a Feitas essas aproximações preliminares, im-
Administração. A abertura das oportunidades nego- porta destacar que o tema ora tratado apresenta
ciais a todos os interessados e o dever de tratá-los especial relevo para a questão de saber os limites e
de modo equânime resultam na instituição de um possibilidades de criar regras que impliquem restri-
primado de concorrência dos particulares no acesso ções à concorrência. Com o devido acatamento, não
ao mercado público. Como enunciou Pedro Costa se pode perder de mira que à luz da Constituição
Gonçalves: todos devem ser admitidos ao certame licitatório,
sendo válidas apenas aquelas restrições que digam
A vinculação pelo princípio constitucional da igual- respeito à boa execução do contrato. Dito de outra
dade e pelos direitos fundamentais (direito de maneira: a priori, o Texto Constitucional só admite o
acesso em condições de igualdade às prestações afastamento da licitação dos indivíduos que não os-
públicas) reclama a promoção e o fomento da con- tentem condições de executar o contrato; todos os
corrência e a abertura dos contratos públicos ao
outros devem ser admitidos. Em sede de contrata-
mercado. [...]
ções administrativas, a concorrência se manifesta
Em síntese, o princípio de proteção da concorrência
exatamente a partir da isonomia. E esse contexto
funciona aqui, na contratação, como um cânone ou
critério normativo que, em respeito pelo princípio da constitucional deve ser levado em conta ao se ana-
igualdade, adstringe a entidade adjudicante a usar lisar o tema, proscrevendo uma ampla capacidade
procedimentos de adjudicação abertos, que confi- de o ente regulador restringir a participação de par-
ram a todos os operadores interessados iguais con- ticulares com base na invocação de regras relativas
dições de acesso e, quando participantes, iguais à proteção à concorrência.
condições de tratamento.21 Embora isso não signifique o afastamento de
outros valores constitucionais — tal como a defe-
Do exposto, percebe-se que as exigências de sa da concorrência —, é evidente que quando me-
isonomia no tratamento dos particulares no que tan- nos surge um ônus argumentativo reforçado no que
ge à celebração de negócios com a Administração se refere à possibilidade de alijar da competição
Pública não se referem a um primado de proteção de empresas que poderiam executar o contrato com
direitos tipicamente privados. Pelo contrário, a prote- base em argumentos de defesa da concorrência.
ção desses interesses privados sublima-se em pro- Fazendo eco à concepção exposta por Joaquim
teção dos próprios interesses da Administração que José Gomes Canotilho, no âmbito das restrições
só tem a chance de celebrar contratos vantajosos a direitos fundamentais há um iter de questões a
ser respondido para que possa se aceitar de modo
20
GUIMARÃES, Bernardo Strobel. O Estatuto das Empresas de legítimo a restrição. São elas: (i) existe, efetiva-
Pequeno Porte e os benefícios em matéria de licitação: uma mente, o estreitamento do âmbito de proteção de
proposta de avaliação de sua constitucionalidade. Revista Zênite
de Licitações e Contratos – ILC, Curitiba, ano 15, n. 176, p. 1008,
um direito fundamental?; (ii) existe autorização na
out. 2008. Constituição para que se proceda à restrição?; (iii)
21
GONÇALVES, Pedro Costa. Reflexões sobre o Estado regulador e a restrição tem por efeito proteger outros valores,
o estado contratante. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. p. 387, 388-
389, grifos no original. igualmente, protegidos pela Constituição?; (iv) o ato

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014 ARTIGOS 15
Bernardo Strobel Guimarães, Mariana Almeida Kato

restritivo obedece às exigências de necessidade, à concorrência exige o sacrifício do direito funda-


proporcionalidade, generalidade/abstração e não mental é que ela poderá ser implementada. É dizer:
retroatividade?22 Somente uma resposta positiva apenas a partir da demonstração de uma relação de
a todas as questões é que pode conduzir à imple- efetiva causalidade entre a restrição e a proteção
mentação da restrição do direito de participar da da concorrência é que se poderão implementar me-
licitação. didas de cunho restritivo.
Deste modo, para que tal opção seja legítima Nesta linha, decisões de restrição generalistas
impõe-se que na fase interna do certame sejam pro- ou fundadas em supostas decisões discricionárias
duzidos documentos que deixem claro do ponto de do ente regulador não têm como subsistir. Se o prin-
vista técnico que a supressão da regra de isonomia cípio de motivação se impõe a todas as decisões
é a única maneira pela qual se pode proteger a con- administrativas, fato é que aquelas que implemen-
corrência. Sem justificativa sólida neste sentido não tam restrições a direitos fundamentais revestem-se
será admitida a restrição. de um ônus argumentativo extra. É o custo de levar
O fato de haver uma proteção reforçada no que a sério a eficácia dos direitos fundamentais, entre
se refere à isonomia nos certames licitatórios vai os quais o que garante aos particulares o direito de
caracterizar um direito fundamental à participação participar de licitações.
na licitação, que só pode ser restringido quando
houver um fundamento idôneo para tanto. Em ter- 6 Regulação e restrição à participação, um
mos abstratos — que é o máximo que se consegue trade off legítimo
sem o lastro de um caso concreto — só será legíti-
ma a restrição naquelas hipóteses em que a única Como exposto na primeira parte deste estudo,
maneira para se proteger a livre concorrência reside a atuação dos entes reguladores nos mercados se
na exclusão de potenciais licitantes. dá a partir da concepção de que há um dever ins-
Com efeito, o sacrifício de um direito funda- titucional de eles atuarem no sentido de garantir
mental deve gozar com justificativa sólida no sentido o funcionamento harmônico dos mercados em que
de que aquela medida é a única capaz de garantir atuam. Mais do que isso. Usualmente, a criação
os valores associados à proteção à livre concorrên- de um ente regulador está associada à existência
cia. Se não houver tal demonstração, a medida res- de falhas que devem ser corrigidas de modo a cor-
tritiva é inválida. rigir disfunções institucionais em certos mercados.
Decorre daí uma primeira ressalva à utiliza- Não é à toa, portanto, que um dos lócus favorecidos
ção de procedimentos de restrição do acesso ao para a criação de entes reguladores diz respeito,
mercado público com base em invocações de na- precisamente, às hipóteses em que há a privati-
tureza concorrencial. Tais decisões devem conter zação de empresas estatais monopolistas, haven-
motivação explícita que demonstre que a implemen- do a substituição destas por agentes vinculados
tação do critério restritivo é a única medida capaz à iniciativa privada. A substituição de um agente
de assegurar a proteção dos valores da liberdade econômico vinculado ao Estado em um setor com
de concorrência naquele mercado.23 Com efeito, o características monopolísticas (ou de oligopólio) por
direito fundamental de acesso aos mercados pú- agentes privados “puro sangue” tem reclamado a
blicos só pode ceder se diante de uma determina- presença intensa de regulação como modo de corri-
da situação for possível justificar que apenas pela gir distorções concorrenciais.
implementação de um critério restritivo de aces- Disso decorre uma percepção importante para
so ao mercado público será possível proteger a a análise da situação ora examinada. Muitas vezes
concorrência. Assim, somente nos casos em que a regulação é concebida como modo de, a partir da
houver a demonstração efetiva de que a proteção atuação do regulador (por meio eminentemente de
uma capacidade normativa reforçada), corrigir dis-
torções concorrenciais. Nestes casos, a existência
22
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria
de regulação visa a corrigir, mediante regras alheias
da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 446-447. O
autor insere as questões no âmbito de restrições feitas por lei, ao funcionamento natural do mercado, a criação de
daí ter-se adaptado o núcleo das ideias para limitações promo- um ambiente saudável desde o ponto de vista de
vidas pela Administração, com base evidentemente em lei que
autorize a restrição. De todo modo, as questões postas são valio- proteção da concorrência. Nota-se, pois, que em
sas para que se perceba que em face de um direito fundamental certa medida há um trade off entre regulação e con-
a limitação só é legítima em se garantindo diversas salvaguardas
capazes de legitimarem-nas. corrência, sendo que aquela vai corrigir a ausência
23
A jurisprudência comunitária europeia alinha-se ao entendimento natural desta. Logo, o que se verifica nesses casos
ora exposto, negando validade a restrições automáticas à parti-
cipação de agentes econômicos ao mercado de obras públicas,
é que a atuação do regulador visa a reprimir a possi-
tendo, todavia, indicado que a apreciação do caso concreto pode bilidade de adoção de condutas anticoncorrenciais
vir a justificar limitações dessa natureza. É o que registra Pedro
a que os agentes econômicos estariam inclinados
Costa Gonçalves (op. cit, p. 390).

16 ARTIGOS Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014
Arrendamentos portuários – Licitações, proteção à concorrência e o direito dos arrendatários

a adotar em um ambiente desregulado.24 Percebe-se, Pense-se, por exemplo, numa das condutas
portanto, que a regulação implica a capacidade de mais típicas em mercados infensos à concorrência
atuar de modo a reprimir a adoção de posturas anti- que, portanto, devem ser regulados, que é a ado-
concorrenciais em ambientes em que a inexistência ção de preços abusivos por parte de empresas mo-
de concorrência institucionalizada conduz à possibi- nopolistas (ou atuando em oligopólios). Uma das
lidade de haver a prática de atos dessa natureza pe- justificativas associadas ao controle da formação
los agentes privados — via de regra em uma atuação das estruturas de mercado é exatamente garantir
ex ante (conforme já exposto). que agentes dotados de poder de mercado adotem
A percepção de que a regulação pode ser con- práticas anticoncorrenciais, especialmente no que
cebida como um antídoto à prática de atos anti­ se refere aos preços (que já não se formam mais
concorrenciais traz consequências para o tema em em um ambiente de concorrência). Como registra
exame. Em especial, no que se refere às justifica- Calixto Salomão Filho: “É resultado pacífico da teo­
tivas a serem apresentadas para fundamentar uma ria econômica a presunção da utilização do poder
restrição ao direito de acesso a uma oportunidade econômico com o fim de aumentar preços pelo
de contratar com a Administração. agente que o detém”.25
Como assinalado no tópico anterior, há um A preocupação, todavia, que existe com esse
dever reforçado de justificação no que se refere às tipo de conduta num mercado não regulado assume
decisões administrativas que imponham a restrição contornos significativamente diferentes em caso de
ao acesso de certos agentes econômicos ao merca- se estar num ambiente sujeito à autoridade de uma
do público. Somente nos casos em que estiver de- entidade com competências regulatórias. É que
monstrado de modo cabal que a restrição é o único muito da proteção à concorrência no setor regulado
fundamento possível para proteger a concorrência é feita ex ante, pelas intervenções da autoridade
é que a limitação será legítima. Neste contexto de regulatória na modelagem contratual e no estabe-
justificação assume especial importância a indicação lecimento de normas disciplinando a prestação do
de que os efeitos anticoncorrenciais não podem ser serviço pelos operadores portuários. O que significa
dizer que, ao contrário do mercado não regulado, as
debelados a partir da incidência de regras regulató-
condutas do agente privado estão aqui desde logo
rias (quer as que já existem, quer as que poderiam
limitadas ao que as normas regulatórias e o contra-
ser produzidas).
to celebrado (ou a ser celebrado) permitem. Assim,
Na justa medida em que uma das finalidades
usualmente os preços em tais mercados não se
da regulação é corrigir distorções concorrenciais, o
sujeitam à liberdade na sua formação, havendo o
sacrifício do direito de disputar uma oportunidade
controle do regulador acerca deles. Como bem des-
negocial criada pela Administração exige que se
taca a doutrina, a regulação “exclui a possibilidade
demonstre que a incidência de regras regulatórias
de o poder econômico vir a ser exercido no tocan-
não é capaz de proteger a liberdade concorrencial.
te a determinadas alternativas de ação do agente
Ora, na justa medida em que a implementação de
econômico”.26 Ou seja, o espaço para a prática de
regras regulatórias pode servir como antídoto às
condutas contrárias à concorrência é previamente
práticas anticoncorrenciais que podem ser adotadas
limitado pelo Estado.
por particulares (e é esta mesmo sua justificativa
Ora, aqui se percebe que a capacidade de o
mais comum), só será legítima a decisão de supri-
regulador ingerir na formação dos preços, por exem-
mir o direito de disputar um contrato administrativo
plo, reflete diretamente na possibilidade de restrin-
naqueles casos em que houver a demonstração de gir o acesso a contratos públicos. Na linha do que
que é inviável adotar uma solução regulatória para se vai sustentando, a justificativa de controlar a
o problema. Invertendo a fórmula: todas as vezes formação de poder de mercado num ambiente re-
que uma medida regulatória disponível para o ente gulado com vistas a proteger-se a concorrência no
regulador for capaz de corrigir as distorções con- que tange à possibilidade de formação de preços só
correnciais, não será legítima a implementação da seria legítima se houvesse a comprovação que esse
restrição. resultado não poderia ser alcançado por medidas
de cunho regulatório. Afinal, qualquer ato de con-
centração no setor portuário deve partir da premissa
Um bom exemplo do modo pelo qual isso se manifesta diz respeito,
24

v.g., à liberdade de acesso às essential facilities. Aqui se tem de que seus agentes não estão livremente atuando
claro exemplo que por meio de regras de regulação se combate nesse mercado — nem têm suas condutas sujeitas
a prática dos agentes econômicos titulares do direito de explorar
certos bens vedar acesso aos concorrentes aos ativos inerentes
à prestação dos seus serviços. O dever de compartilhamento que 25
SALOMÃO FILHO, Calixto. A regulação da atividade econômica (prin-
se impõe, portanto, é uma solução regulatória para um problema cípios e fundamentos). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 107.
concorrencial, o que demonstra a possibilidade de se conceberem 26
FARACO, Alexandre Ditzel. Regulação e direito concorrencial (as
soluções em nível regulatório para problemas concorrenciais. telecomunicações). São Paulo: Livraria Paulista, 2003. p. 227.

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014 ARTIGOS 17
Bernardo Strobel Guimarães, Mariana Almeida Kato

a um simples controle ordinário. Pelo contrário: há de eles serem titulares de contratos administrativos
controle extraordinário de seus atos (feitos não só celebrados anteriormente à deflagração do procedi-
pelo CADE ex post, mas também pela ANTAQ ex mento de concorrência.
ante) que inibem previamente práticas abusivas por Em tais hipóteses, o critério de restrição di-
parte dos agentes econômicos do setor. rige-se a um universo pré-configurado de agentes
Em todos os casos em que houver a possibi- econômicos: isto é, aqueles que gozam de contra-
lidade de, a partir de medidas regulatórias, debelar tos prévios cujo objeto é similar àquele que será
os efeitos nocivos derivados de uma concentração adjudicado. Assim, tais decisões do ente regulador
empresarial, a decisão de suprimir o direito de parti- acabam por se dirigir à supressão de posições ju-
cipar de uma determinada licitação é inviável. Assim, rídicas consolidadas de particulares, o que impõe
decisões que impliquem providências desta nature- a avaliação do tema a partir das pautas do devi-
za devem necessariamente demonstrar em suas do processo legal. É exatamente o caso das regras
justificativas que não há solução regulatória capaz apresentadas para licitar novos arrendamentos por-
de garantir a proteção da concorrência. Percebe-se, tuários, em que a restrição surgiu diretamente nas
portanto, do que vai exposto aqui e no tópico ante- normas de concorrência apresentadas pelo Poder
rior, que a restrição ao direito de participar da licita- Concedente.
ção assume nitidamente contornos de ultima ratio Pois qualquer deliberação da entidade adjudi-
em matéria de proteção da concorrência. cante que decida pela previsão de uma regra que
Nos termos expostos, a justificativa da limi- restrinja ex novo a participação de pessoas jurídi-
tação do direito de participar da licitação exigirá a cas na licitação pelo fato de elas já terem celebrado
demonstração por parte do regulador que os ma- contratos com a Administração cujo objeto é similar
lefícios decorrentes de uma eventual concentração ao que será licitado exige o respeito ao devido pro-
não são capazes de ser eliminados pela previsão de cesso legal como condição prévia de sua eficácia.
preceitos de cunho regulatório. Toda vez que houver Afinal, as restrições previstas em edital que excluem
a possibilidade de os efeitos nocivos derivados de os titulares de contratos administrativos celebrados
potenciais condutas anticoncorrenciais serem limi- anteriormente atingem direitos destes, ensejando a
tados por regras de cunho regulatório não se poderá aplicação da lógica do devido processo legal.
tolerar como solução válida a simples supressão do Não se cuida, portanto, aqui, de mero condi-
direito de participar da licitação. Ao contrário do con- cionamento de direito, mas de verdadeira restrição
trole de estruturas ordinário, as garantias de aces- a um direito preexistente. Ao contrário de restrições
de ordem genérica que se dirigem a todos os poten-
so isonômico inerentes ao acesso às contratações
ciais ofertantes (como as relativas aos critérios de
públicas impõem uma justificativa reforçada no que
habilitação), aqui as restrições se destinam a titula-
se refere à previsão de regras restritivas. Nestes
res de posições jurídicas predefinidas (aqueles que
casos, não basta justificar que o ato pode implicar
já têm contratos celebrados com a Administração).
concentração de poder de mercado; é necessário
Proíbe-se na hipótese em exame — ainda que
ainda demonstrar que os efeitos daí decorrentes
por meio de normas que parecem ser dotadas de
não podem ser mitigados por medidas de cunho
generalidade e abstração — que titulares de con-
regulatório.
tratos administrativos anteriores participem futu-
ramente de licitações cujo objeto nalguma medida
7 Limitações à participação e devido equivale ao já explorado pelas empresas que terão
processo legal sua participação vedada. Configura-se aqui, portan-
to, inegável restrição a direitos, o que influencia de
Somando-se às restrições acima expostas,
modo decisivo o modo pelo qual tais restrições po-
merece exame ainda aquelas que dizem respeito
dem ser impostas.
ao dever de respeitar o devido processo legal em
Como tais restrições atingem posições jurídi-
certos casos de restrição.
cas já consolidadas, faz-se, portanto, necessário na
Com efeito, decisões do regulador que visam
fase interna do certame garantir o due process em
a evitar concentração de mercados de modo preven-
favor das empresas atingidas, para que elas possam
tivo têm sido levadas a efeito sem qualquer análise se manifestar sobre a intenção de a Administração
específica das situações dos particulares atingidos excluí-las da disputa.
por medidas dessa natureza. Isso ocorre todas as Assim, nos casos em que a restrição à parti-
vezes em que a previsão da regra restritiva surge cipação numa licitação implicar restrição a direitos
em determinado edital de modo a limitar — sem nos termos expostos acima será imprescindível se
base em uma decisão normativa preliminar — a par- valer da lógica do devido processo legal para imple-
ticipação de agentes econômicos com base no fato mentar a referida medida, assegurando o direito ao

18 ARTIGOS Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014
Arrendamentos portuários – Licitações, proteção à concorrência e o direito dos arrendatários

contraditório e à ampla defesa. Como leciona Egon constitucional, a previsão, direto no Edital, de ato
Bockmann Moreira: “nas ocasiões em que, direta que atinja a esfera jurídica de agentes privados que
ou indiretamente, restringem-se a liberdade ou bens praticaram ato à margem de previsão nesse senti-
o princípio do devido processo legal assegura a sub- do é flagrantemente violadora da cláusula do devido
missão a prévios e conhecidos ritos processuais e processo legal.
observância de limites substanciais”.27 Portanto, Assim, a posição jurídica dos atingidos pela
nesses casos, não pode o ente que pretende adjudi- regra restritiva proposta pelo ente regulador serve
car o contrato prever a restrição sem a oitiva prévia de limite à possibilidade de previsão de preceito
do potencial atingido, em um regime que assegure neste sentido. Conforme indicado anteriormente,
com plenitude o due process of law. se houver a restrição de direitos daqueles que pos-
Aliás, para que se conclua nesse sentido bas- suem contratos com a Administração eles devem
ta pensar que se, acaso estivesse cogitando da ser ouvidos antes de o ato restritivo ser praticado.
análise de um ato de concentração potencialmente Isso se dá em todas as hipóteses em que a previ-
lesivo por parte das autoridades concorrenciais, a são editalícia que restringe o direito à participação
interdição à celebração do negócio somente seria atingir direitos dos que já celebraram contratos com
viável por parte da autoridade concorrencial depois a Administração. Só será dispensável observar as
de instalado um processo administrativo em que o regras do devido processo legal nas hipóteses em
tema fosse discutido. O mesmo deve se dar aqui. que a celebração do contrato originário já trouxer
Surge, nos casos em que se está a atingir um di- consigo a restrição.
reito consolidado por meio de um ato de inegável
caráter específico, o dever de a restrição ser pre- 8 Conclusões – Os limites das restrições
cedida da oitiva de todas as partes potencialmente postas pela ANTAQ
atingidas. E os potenciais atingidos terão o direito
de defender que a restrição não deve ocorrer, bem Na linha do exposto, a restrição à participação
como apresentar as potenciais vantagens decorren- dos atuais arrendatários nas licitações dos novos ar-
tes de sua participação no certame. rendamentos é medida que pode ser utilizada como
Inclusive, do ponto de vista prático, a interlo- forma de proteção à concorrência no setor portuário
cução com os agentes econômicos envolvidos é um — muito embora haja regra constitucional prevendo
elemento central para que a própria compreensão que a licitação deve ter o caráter mais competitivo
da questão seja adequada por parte da autoridade possível — mas apenas como medida excepcional.
reguladora (assim como se passa com a autoridade Como já indicou Carlos Ari Sundfeld, é certo que,
concorrencial), como demonstra a experiência bra- em determinadas situações, o valor da concorrência
sileira de análise dos atos de concentração. Difi­ pode ser sacrificado, “mas se sacrifício deve ser
cilmente, sem a colaboração direta dos envolvidos pontual, limitado temporalmente e, entre as solu-
por meio de uma relação processual, a autoridade ções propostas, a escolha deve recair sobre aquela
concorrencial tem condições de compreender as menos gravosa para a concorrência”.28
nuan­ças do mercado. Daí ser usual que sejam os Assim, se a ANTAQ tem capacidade de, atra-
próprios envolvidos que, por meio de vias dialógi- vés de uma atuação regulatória menos gravosa para
cas, proponham os condicionantes a serem imple- a concorrência do certame, inibir determinadas con-
mentados de modo a se proteger a concorrência em dutas anticoncorrenciais — não há razão para se
atos de concentração. Há um inegável procedimen- restringir desde logo a participação desses atuais
to de diálogo nestes casos, que só traz benefícios arrendatários. Afinal, um dos objetivos traçados na
para os agentes públicos. Lei nº 12.815/2013 é justamente o “estímulo à
O devido processo legal só será descabido concorrência, incentivando a participação do setor
naqueles casos em que a restrição à participação privado” (art. 3º, inc. V). Certamente, a restrição
fosse já indicada nos editais originários ou ainda à participação nos certames é medida que, sem a
em norma anterior à celebração do contrato. Nesta devida justificativa, vai exatamente contra ao que
linha, se um contrato for celebrado sem qualquer dispõe a Lei.
indicação que a sua assinatura restringirá no futu- Daí que se impõe à autoridade regulatória a
ro a participação em contratos a serem licitados, a apresentação de motivação que demonstre ser tal
previsão editalícia posterior de regra nesse senti- medida a melhor forma de proteger a concorrência
do dependerá de haver processo administrativo em
que o tema seja discutido. Segundo nosso modelo 28
SUNDFELD, Carlos Ari. Concorrência e regulação no sistema
financeiro. In: CAMPILONGO, Celso Fernandes; ROCHA, Jean Paul
Veiga da; MATTOS, Paulo Todescan Lessa (Coord.). Concorrência
Processo administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/99.
27
e regulação no sistema financeiro. São Paulo: Max Limonad,
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 289. 2002. p. 35.

Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014 ARTIGOS 19
Bernardo Strobel Guimarães, Mariana Almeida Kato

no setor portuário (dada a ausência de uma medida efetivos não serve de motivação. Afinal, as falhas
regulatória capaz de solucionar tal questão ou a im- institucionais da agência reguladora não podem re-
possibilidade de o CADE apurar o fato) — motivação sultar em supressão de direitos de particulares.
essa a ser formulada em processo administrativo
que permita a participação dos agentes econômicos
a serem atingidos por tal decisão. Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
Na linha do exposto, qualquer argumento no
sentido de que a ANTAQ não dispõe das normas GUIMARÃES, Bernardo Strobel; KATO, Mariana Almeida. Arren-
específicas destinadas a assegurar a proteção da damentos portuários: licitações, proteção à concorrência e o di-
reito dos arrendatários. Fórum de Contratação e Gestão Pública
concorrência ou que não há estudos no setor que – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014.
possam demonstrar outros meios de regulação mais

20 ARTIGOS Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 149, p. 9-20, maio 2014

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