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II Simpósio de Saúde Sexual

APRESENTAÇÃO

Nos dias 15 e 16 de julho de 2019, na


Universidade Federal do Sul da Bahia, Campus
Sosígenes Costa (UFSB/CSC), acontecerá a Segunda
Edição do Simpósio de Saúde Sexual com o tema
“Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos”. O evento se
propõe a trazer para a comunidade acadêmica e
externa Mesas Redondas, Minicursos, Oficinas,
Apresentações de Trabalho e Intervenções Artísticas
durante dois dias intensos de atividades com o intuito
de fomentar a reflexão, atualização e debates sobre
a Saúde Pública no país, levando em conta
experiências regionais e locais, assim como a
humanização das práticas e dos serviços de saúde.
Em 2018, nos dias 05 e 06 de novembro no
Campus Sosígenes Costa, aconteceu a Primeira
Edição do Simpósio de Saúde Sexual através da
aprovação do projeto no edital “UFSB: Promotora de
Saúde”. Desta vez, nossa equipe cresceu e conseguiu
aprovação pela segunda vez no Edital nº 07/2019 -

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

UFSB: Promotora de Saúde, através da Coordenação


de Qualidade de Vida da Pró-Reitoria de
Sustentabilidade e Integração Social, no intuito de
conseguir subsídios para realização de mais um
evento para nossa comunidade.

Atenciosamente,

Comissão Organizadora
II Simpósio de Saúde Sexual

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II Simpósio de Saúde Sexual

BIOÉTICA E FEMINISMO: UM OLHAR CRÍTICO


DIANTE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Lígia Barreto Fonseca
Rayane Santos Nascimento

RESUMO: A violência contra as mulheres está presente


em diversas culturas do mundo, como resultado da
reprodução de uma história patriarcal e sexista, que
tem início no período Neolítico e vigora até os dias de
hoje. Essa violência se torna evidente ao analisarmos
os índices de assédio, violência psicológica,
feminicídio, e etc. A partir de então surge à bioética
feminista, que questiona os conflitos de valores da
sociedade, como a dominação de gênero,
vulnerabilidade social e moral, a submissão e
subversão de identidade. O presente artigo tem
como objetivo retratar o papel da bioética nas
questões de violência de gênero, questionando as
convenções morais impostas na sociedade, bem
como as relações de poder envolvidas, como forma
de legitimação do subjugamento de grupos. Trata-se
de uma revisão sistemática de literatura com caráter
descritivo e abordagem qualitativa. Foram
descartados artigos não relacionados ao objetivo
deste trabalho. A bioética feminista surgiu na década
de 90, e veio com um olhar crítico à bioética vigente
até o momento, considerado extremamente seletivo
em suas atuações. A partir disso, esse novo ramo
bioético passou a questionar além da questão do

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

gênero, questões de opressão, vulnerabilidade social,


desigualdade racial, levantando assim diversas
bandeiras de luta. Nesse cenário, a efetivação da
bioética feminista não só como campo teórico, mas
como prática, é primordial para a não reprodução
da desigualdade, como forma de tratar sobre direitos
e dignidades numa perspectiva que abarque a
população subjugada, pois assim é possível diminuir,
ou pelo menos compensar o julgamento histórico que
está enraizado na sociedade, de forma
extremamente moralista.
Palavras-chave: bioética; feminismo; violência de
gênero

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II Simpósio de Saúde Sexual

INTRODUÇÃO
As violências contra a mulher são um dos
problemas sociais mais presentes na atualidade, seja
na forma de assédio, violência psicológica, estupro e
até mesmo feminicídio. Tais violências são
legitimadas, à medida que os discursos construídos
historicamente pela sociedade mostram privilégios
da classe masculina, apoiada no modelo patriarcal,
reproduzindo a dominação, subversão e exclusão da
categoria feminina.
Lugones (2008) discorre sobre a questão do
gênero e a indiferença da sociedade perante à
violência contra a mulher. Em seu artigo, tal
indiferença é relacionada àquela diante as
transformações sociais nas estruturas comunitárias,
que se torna capaz de criar barreiras para as lutas das
“mujeres de color”, tanto nas relações cotidianas,
como nas de poder e opressão. Porém, justamente
pelo modelo excludente e estigmatizante da
sociedade, até mesmo os homens que fazem parte
da população oprimida não colaboram e não se
reconhecem com tal luta. Ainda sobre tal
indiferença, Rocha e Senra (2017) expõem que além
do ideologia sexista impregnada na sociedade, as
mulheres vítimas da violência sofrem, muitas vezes, o
processo de culpabilização.
Para Foucault (1977), a sexualidade, por meio
da produção do “sexo”, encobre as relações de
poder existentes nesse contexto. Além disso, o sexo
tem ação reguladora e legitimadora de tal modelo

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

social de poder. Em sua outra obra, Foucault (2005)


expõe a sistemática do direito à vida e à morte,
baseada na relação de poder entre os corpos.
Basicamente, esses direitos devem ser pensados
numa lógica em que aquele que detém o poder
decide sobre a vida ou morte do subalterno. Isso se
aplica à questão do feminicídio, em que a visão
repressora e privilegiadora da categoria masculina
legitima a ação de decidir sobre a vida da mulher,
que estaria em condição inferior.
Nesse sentido, o Movimento Feminista tem
auxiliado no aumento da visibilidade das mulheres
principalmente no contexto sócio-político, além de
questionar o modelo de gênero enraizado na
sociedade, criticando a visão biologizante dos sexos
e identidade de gênero. Tiburi (2018) fala que o
Feminismo tem como objetivo acabar com as
relações de poder, permitindo que a sociedade
tenha formas mais igualitárias de convivência.
Em 2015, com o surgimento da Lei nº
13.104/2015, houve certo avanço no que diz respeito
à violência contra às mulheres, ao considerar o
feminicídio crime de homicídio hediondo (BRASIL,
2015). No entanto, ainda há diversas desigualdades,
no que diz respeito à organização social. A
sociedade continua a reproduzir um modelo cultural
que reprime as lutas dessa categoria, além de
intensificar o padrão imposto como ideal para a
mulher, com o auxílio da manipulação midiática
(ROCHA; SENRA, 2017).

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II Simpósio de Saúde Sexual

Ademais, ainda existe a questão de raça a ser


discutida. Lugones (2008) expõe o fato de que os
feminismos do século XX não abordavam o gênero,
heterossexualidade e classe associados à raça. Assim,
as mulheres não-brancas eram excluídas da luta,
vistas como inferiores, destituídas de poder e até
comparadas a animais, reduzindo à questão da
desigualdade de gênero apenas às mulheres
brancas.
Com isso, houve o surgimento de uma bioética
feminista, que questiona os conflitos de valores da
sociedade, como é o caso da dominação de
gênero, vulnerabilidade social e moral, a submissão e
subversão de identidade. Dessa forma, ela tem o
compromisso compensatório e reparador para
atender às demandas dos grupos sociais em situação
de vulnerabilidade, dada através da relação social
de opressão e estigmatização (BANDEIRA; ALMEIDA,
2008).
Passos (2007) afirma que, ao desassociar o
indivíduo dos determinismos históricos e culturais, é
possível fazer com que haja um processo de
conscientização do sujeito e de sua classe, para que
ele possa ressignificar e recriar seus modos de vida.
Assim, voltando-se para a questão da violência de
gênero, o Movimento Feminista tenta proporcionar a
libertação de tais grupos, para que eles possam se
reconhecer e estarem conscientes de sua realidade
e, então, lutarem pelos seus direitos.

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

A bioética na Psicologia surge como uma


forma de saber como se deve relacionar com o
cliente, de forma que não sejam violados a liberdade,
a dignidade e os direitos do indivíduo assistido, assim
como deve garantir a autonomia nas decisões de sua
vida (PASSOS, 2007).
Diante dessas graves violações dos direitos
humanos, a psicóloga deve se posicionar, baseando-
se no Código de Ética Profissional, para que essas
mulheres sejam acolhidas de forma humanizada e
que, assim, possam ser garantidos seus direitos. Além
disso, Passos (2007) fala sobre a importância de se
manter uma relação horizontal entre a psicóloga e o
cliente, de forma a não deslegitimar os saberes que
ele possa trazer no acompanhamento. É preciso ter
respeito pelo sujeito que a procura, para que seja
possível a diminuição dos estigmas que elas, no caso
das mulheres, já sofrem, cotidianamente.

DESENVOLVIMENTO

Conceituação histórica acerca de gênero e


feminismo

Segundo Pinto (2010), a história da mulher foi


marcada por uma série de acontecimentos violentos.
Toda vez que uma mulher tentava lutar pelos seus
direitos encontrava pelo caminho uma série de
obstáculos que vez ou outra a levava até a morte. o
período da inquisição da igreja católica ficou

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II Simpósio de Saúde Sexual

marcado pela quantidade de mulheres que


perderam as suas suas vidas por desafiar os princípios
e dogmas que eram pregados por ela.
O conceito de sexo Então passa a ser
diferenciado do conceito de gênero, onde passou-se
então a diferenciar os papéis de sexo e papéis de
gênero (Favero, 2016). Os papéis de gênero seriam
então praticados nos contextos das interações
sociais, onde então tais papéis passam a ser
interpretados de acordo forem ensinados pelos
costumes da época, baseado em um sistema
patriarcal de poder com sistemas e crenças
ideológicas sobre como deve ser a conduta para
cada sexo justificando então a supremacia do
homem e do masculino, revelando a existência de
um papel próprio e natural das mulheres, a divisão
social e sexual do trabalho, mostrando os aspecto
histórico e social, arbitrário e reversível.
A partir então, no século XIX, na Inglaterra,
surge a primeira onda do feminismo promovido por
um grupo de mulheres chamadas as sufragistas que
promoveram inúmeras manifestações em Londres.
Com essa luta chamada feminismo, as mulheres
conseguiram efetivar uma série de direitos tais como
o direito ao voto conquistado inicialmente em 1919
no Reino Unido.
No Brasil, a primeira onda feminista foi liderada
por Bertha Lutz, em reivindicação ao direito ao voto,
em 1927. No entanto, tal direito só foi efetivado em
1932, com a promulgação do novo Código Eleitoral

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

brasileiro. Curiosamente, a Constituição de 1891


estabelecia que todos os cidadãos brasileiros
alfabetizados e maiores de 18 anos eram eleitores.
Porém, para toda a população brasileira da época,
estava claro que a palavra “cidadãos”, descritos
nesta Constituição, referia-se apenas aos homens,
tendo assim as mulheres a sua existência como
cidadãs não reconhecida, além de fazer com que
houvesse a necessidade de que uma nova
Constituição estabelecesse de forma clara que as
mulheres pudessem votar. A primeira onda feminista,
no entanto, perde força, em 1930 e, a partir de então,
a mulher aparece como pessoa que deve ser
controlada no mundo público, sendo atribuídos a
elas lugares permitidos e proibidos.
Na década de 1960, surgem os primeiros
questionamentos a respeito das relações de poder
entre homens e mulheres. A partir de então, o
feminismo se caracteriza como um movimento que
visa a liberdade para as mulheres em um sentido mais
amplo não apenas no que tange ao trabalho à vida
pública e a educação, mas também em relação
uma nova forma de relacionamento entre homens e
mulheres e na liberdade e autonomia destas
mulheres para decidir sobre a sua vida e o seu corpo.
Nos primeiros anos da década, foi lançada a pílula
anticoncepcional nos Estados unidos.
Entretanto, distante deste cenário libertário
existente na Europa e nos Estados Unidos, o Brasil vivia
o regime militar, em que qualquer manifestação

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II Simpósio de Saúde Sexual

feminista era entendida como politicamente e


moralmente perigosa. Foi nesse cenário, em 1970,
que surgiram novamente as manifestações
feministas.
Após a queda do governo militar, na década
de 80, o feminismo no Brasil vive então uma nova fase
de luta pelos seus direitos. A busca pela igualdade
abarca uma série de questões e temas tais como
sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no
casamento, violência, direito à terra, direito à saúde
materno-infantil, luta contra o racismo, sexualidade,
educação, saneamento, habitação, saúde entre
outros.
Em 1984, foi criado o Conselho Nacional da
Condição da Mulher - CNDM , tornando-se, assim,
grande marco da luta feminista. Consequentemente,
foi criada a Constituição de 1988, sendo esta a que
mais garante direitos para mulheres no mundo. No
entanto, o CNDM foi deixado de lado nos governos
de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique
Cardoso, perdendo assim a sua importância.
De acordo com Souza (2016), vemos então
que, apesar das lutas, o Estado sempre reservou às
mulheres espaços relativos à esfera doméstica,
privada e de pouco interesse para coletividade.
Partindo, então, da idealização que a mesma é
propriedade do homem, o mesmo então teria direito
de agredir fisicamente ou cometer outras
modalidades de violência contra essa mulher
respaldando assim crenças religiosas, tradições

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

culturais e falta de responsabilidade do Estado em


assumir que esta forma de violência, consistindo,
assim, em um problema social.
No primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva,
foi criada a Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres, com status de Ministério. Na década de
2000, surgiram as campanhas da luta contra a todos
os tipos de violência da qual as mulheres são vítimas.

Violência contra mulher e garantia de direitos

De acordo Tavares (2016), a violência de


gênero se dá quando um determinado sujeito sofre
qualquer tipo de violência de acordo com o seu sexo
ou orientação sexual. Organização das Nações
Unidas (ONU) define violência de gênero como a
violência sofrida pela mulher devido a um único fato
de a mesma ser mulher. Tal violência foi perpetuada
ao longo da história nas sociedades ocidentais como
um fenômeno estruturado.
No Brasil, por volta de 1970, a violência
acometida as mulheres era considerada uma
questão de ordem privada. Devido a isso, o estado
não havia problema social e político, sendo assim tal
violência era justificado uma vez que a mulher era
propriedade do homem e este podia corrigi-la, caso
achasse a sua conduta inadequada, logo sendo
considerada normal.
Foi a partir de 1980, com os movimentos
feministas, que as questões da violência contra a

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II Simpósio de Saúde Sexual

mulher no âmbito privado foram tidas como


responsabilidade do Estado, retirando a mesma da
ordem privada e buscando deslegitimar a
consciência de que “em briga de marido e mulher,
não se mete a colher”. Assim, foram criados os
primeiros serviços de atendimento à mulher em
situação de violência.
Em 7 de agosto de 2016, foi promulgada a lei
conhecida como Lei Maria da Penha. Trata-se de um
importante marco na luta feminista contra a violência
gênero. A lei toma como objetivo a violência
doméstica e familiar contra a mulher tratando assim
como violação dos direitos das mulheres em seu
artigo sexto. A mesma classifica as diferentes
modalidades de violência contra a mulher, como
física, sexual, psicológica, moral e patrimonial. Um
outro fator importante na lei são as medidas
recomendadas tal como a de responsabilização do
autor/agressor, medidas de proteção e integridade
física da mulher e de seus direitos, medidas e
assistências que contribuem para o fortalecimento da
mulher e medida de prevenção.
O terceiro eixo da lei Maria da Penha, que
contempla as medidas de prevenção e educação, é
uma pauta extremamente interessante uma vez que
se refere à produção de estratégias que visam
reprimir a produção social de violência e
discriminação baseada em gênero cobrando assim
do governo medidas de conscientização à

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

população como um todo em busca de tirar assim


mulher do lugar de vulnerabilidade.
Conforme diretrizes da ONU, a violência contra
mulher fere os direitos humanos, uma vez que
ameaça à vida à saúde integridade física e a
liberdade dessas mulheres em diferentes sociedades
e épocas e culturas, manifestando-se de forma
explícita, física, simbólica, psicológica ou até mesmo
patrimonial.
A efetivação da lei Maria da Penha nos casos
de agressão de violência contra mulher são de
extrema importância uma vez que a impunidade dos
agressores geram a essas mulheres uma série de
traumas ligados insegurança e medo contínuo. É
extremamente necessário para isso o
aperfeiçoamento realizado através de cursos de
capacitação para os profissionais que irão atender
essas mulheres vítimas de violência, para que esta
mulher não seja novamente violentada.

Representatividade feminina e o papel da bioética

De acordo com Prá (2014), o Comitê de


Monitoramento a CEDAW (Comitê para a Eliminação
de todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher) recomendou ao governo brasileiro que
conjugase leis e campanhas de conscientização
sobre a importância da inclusão política das
mulheres.

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II Simpósio de Saúde Sexual

Sabendo da desigualdade de gênero


existentes no Brasil e do histórico de lutas feministas
para efetivação de algumas leis vigentes tal como a
efetivação e retrocesso de leis existentes no nosso
país relativos a esta área, seria de suma importância
a presença de mulheres na nossas câmeras federais
em outros cargos do governo.
Independente de uma representação feminina
feminista ou não a presença de mulheres nos cargos
de poder do governo traria uma visão mais
apropriada dos problemas enfrentados pelas
mulheres, diferente do que temos hoje.
No entanto, com a entrada de mulheres no
âmbito político tem se dado de forma lenta e
gradual, entre as mulheres que se candidatam,
poucas mostram e trazem à tona questões feministas.
Tal processo faz com que as violências vividas por
mulheres no dia a dia se tornem mais fáceis de serem
aplicados, uma vez que, sem uma representatividade
feminina de peso/quantidade, dificilmente haverá
uma visão de dentro do problema. Todavia, é possível
ver que há um receio por parte dos homens em abrir
de forma igualitária a entrada de mulheres para a
política que os mesmos fazem críticas e
questionamentos a essa inserção, uma questão
então para reflexão de tal atitude seria: do que eles
têm medo?
A bioética feminista surgiu na década de 90,
com o auxílio das publicações sobre o tema,
existentes na época. Ela veio com um olhar crítico à

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

bioética vigente até o momento, considerado


extremamente seletivo em suas atuações (DINIZ;
GUILHEM, 1999) A partir disso, esse novo ramo bioético
passou a questionar não somente a questão do
gênero, como também questões de opressão,
vulnerabilidade social, desigualdade racial,
levantando assim diversas bandeiras de luta.
A perspectiva feminista, então, é de suma
importância para a realização de uma reanálise dos
estudos que foram produzidos até aqui, das formas
de subjetivação de cada processo realizado por
mulheres e homens no que tange à violência contra
mulher, para que possamos assim produzir uma
política, uma psicologia e uma sociedade crítica e
igualitária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, faz-se necessário


fazer algumas considerações sobre a
representatividade feminina na atualidade e como o
processo histórico, político e cultural influenciaram
para o cenário atual da violência contra a mulher.
Ainda existem muitos casos de violência contra
a mulher, mesmo com os avanços, como o
Movimento Feminista e a Lei 13.104/2015. Isso está
diretamente relacionado com a relação de poder
existente no convívio social.
Nesse cenário, a efetivação da bioética
feminista não só como campo teórico, mas também

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II Simpósio de Saúde Sexual

como prática, é primordial para a não reprodução


da desigualdade. Diniz e Guilhem (1999) expõem a
bioética feminista como forma de tratar sobre os
direitos e as dignidades numa perspectiva que
abarque toda a população subjugada e não
somente, a causa das mulheres. Com isso, seria
possível diminuir, ou pelo menos compensar o
julgamento histórico que está enraizado na
sociedade, de forma extremamente moralista.
É de suma importância que se discutam mais
amplamente o tema da violência contra a mulher
tanto em contextos sociais, pedagógicos, políticos e
até mesmo entre a própria comunidade, para que
haja maior entendimento das implicações de tais
atos, bem como tornar as mulheres ativas nos
processos sociais. Dessa forma, esse artigo contribuiu
para uma reflexão acerca das várias violações de
direitos humanos, nesse caso, de mulheres, além de
relacionar os aspectos bioéticos para atuação nesse
campo.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA, Lourdes; ALMEIDA, Tânia Mara Campos


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construção. Revista Bioética. 2008;16(2):173-189.

BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Lex.


Brasília, DF, 09 mar. 2015.

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. Bioética Feminista: o


Resgate Político do Conceito de Vulnerabilidade.
Revista Bioética. Brasília, 1999.

FAVERO, Maria Helena; MARACCI, Inara. A


interlocução de Narrativas: Um estudo sobre papeis
de gênero. Psicologia Teoria e pesquisa,2016.

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II Simpósio de Saúde Sexual

SOUZA, Firmiane. Volência de gênero na lei maria da


penha: que mulheres estão protegidas?. Revista
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TAVARES, Marcia. Violência contra as mulheres e


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TIBURI, Marcia. Feminismo em comum: para todas,


todes e todos. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos,
2018. 126p.

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

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II Simpósio de Saúde Sexual

RESERVA CARAMURU-PARAGUAÇU: DA
ESTERELIZAÇÃO COLETIVA AO PLANEJAMENTO
FAMILIAR

Lívia Albuquerque de Morais


Pablo Antunha Barbosa

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo


elucidar questões relativas aos direitos reprodutivos
das mulheres indígenas, sendo especificado o caso
de esterilização coletiva ocorrido na Reserva
Indígena Caramuru - Paraguaçu e a relação entre a
comunidade indígena o planejamento familiar. Para
tanto, desenvolveu-se de uma pesquisa qualitativa
por meio de uma revisão de literatura, sendo que a
mesma utilizou dois métodos de procedimento, o
bibliográfico e o documental, tendo como fontes de
consulta leis, decretos, regulamentos, livros e artigos
científicos impressos e disponíveis na internet. Assim,
ao fim da pesquisa chegou-se à conclusão de que
mesmo com o fim da tutela do Estado, via FUNAI
sobre as comunidades indígenas, há um controle do

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

mesmo sobre os corpos das mulheres indígenas, visto


que as mesmas carecem de uma autorização do
referido órgão para desenvolver seu planejamento
familiar.

Palavra-chave: planejamento familiar; comunidades


indígenas; direitos reprodutivos

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II Simpósio de Saúde Sexual

INTRODUÇÃO

Ao se pensar em direitos reprodutivos e


planejamento das comunidades indígenas, é
necessário compreender que essa discussão é
relativamente nova, no qual se desdobra pela história
dos povos, e pelas as lutas travadas por terra e
autonomia. O trabalho aborda o caso de
laqueaduras em massa ocorrido no sul da Bahia no
ano de 1993 na Reserva Caramuru-Paraguaçu e
desebonca na necessidade de uma efetiva política
de planejamento familiar.
Os objetivos do trabalho percorrem pela a
necessidade de compreensão do tema e a urgência
da discussão, já que no que se relacionam as
comunidades indígenas é possível observar um
contexto de vulnerabilidade na esfera da saúde
sexual e reprodutiva. Diante do apresentado, é
necessário compreender a importância de um
planejamento familiar adequado para os indígenas,
já que a promoção dessa política de forma incorreta
pode implicar em pressões externas de coerção da
natalidade ocasionando o desaparecimento de
etnias.

MÉTODOS

Para tanto, desenvolveu-se de uma pesquisa


qualitativa por meio de uma revisão de literatura,
sendo que a mesma utilizou dois métodos de

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

procedimento, o bibliográfico e o documental, tendo


como fontes de consulta leis, decretos, regulamentos,
livros e artigos científicos impressos e disponíveis na
internet, onde utilizou-se de contribuições de diversos
teóricos nacionais e internacionais. Neste ponto,
serão referenciais as políticas e legislação que tratam
da esterilização das mulheres brasileiras e políticas
públicas específicas a mulheres indígenas. As
referências relativas aos direitos das mulheres
indígenas foram analisadas a partir dos relatórios e
reivindicações do movimento das mulheres indígenas
que se encontram publicados e disponíveis em
bibliografia e na Internet, apontados nas referências
bibliográficas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

No que se relaciona as comunidades indígenas


é possível observar um contexto de vulnerabilidade
na esfera da saúde sexual e reprodutiva com
inadequadas políticas de planejamento familiar,
analisando que em algumas comunidades utilizam
de um modelo de controle de natalidade que não
assimila as características individuais de cada etnia,
valorizando os aspectos da promoção da
concepção segura e da saúde sexual sem
aconselhamento de métodos contraceptivos para
uma escolha consciente. (MOLITERNO, 2013). Silva
(2014) relaciona a saúde reprodutiva com a
fecundidade, sendo a primeira associada à

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II Simpósio de Saúde Sexual

“contracepção, gestações, partos, abortos e entre


outros eventos, bem como aos cuidados
correspondentes a esses, caracterizando assim as
práticas reprodutivas próprias de determinada
cultura ou povo" (SILVA, 2014, p.14), o autor amplia a
discussão pontuando que a fecundidade está
diretamente ligada a questões macroestruturais,
culturais e pessoais.
Azevedo (2009) evidencia que não é possível
assimilar a contexto de saúde indígena sem
compreender os processos "sociocultural e ambiental
em que se inscreve." Nesse sentido é necessário
compreender que a saúde reprodutiva das mulheres
indígenas está diretamente ligada a conjuntura
sociocultural (AZEVEDO, 2009, p. 464). Sendo assim, a
saúde reprodutiva é assimilada pelos diversos tipos de
organizações sociais e culturais desses povos, como
os casamentos, aleitamento, parto, concepção e
contracepção (PAGLIARO; MENDONÇA; BARUZZI,
2009, p.02).
Compreendendo essas diversas composições
(Silva 2014) destaca que "Diante de tantas mudanças
socioculturais, econômicas e ambientais que
perpassam as sociedades indígenas do Brasil, outros
fatores, como os educacionais, e da dificuldade de
acesso, contribuem para ampliar a complexidade da
saúde reprodutiva entre populações indígenas."
(SILVA, 2014, p.20) Assim, Coimbra e Garnelo (2004)
destacam as mudanças nos contextos reprodutivos
dos povos indígenas, no qual essas mudanças são

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Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

baseadas em fatores externos, como fome, doenças


e embates por terra. Compreender os imperativos
que perpassam neste contexto, a negação de gerar
descendentes para os indígenas, não como uma
escolha, mas como uma necessidade, de
sobrevivência.
A FUNASA lançou em 2005 uma nota técnica
que lançou uma Nota Técnica que se referia ao
planejamento familiar e a comunidade indígena.
Nesse documento se encontra os procedimentos
necessários para a realização do planejamento
familiar em comunidades indígenas, sendo
necessário o "esclarecimento à família, possibilitando,
à família e à comunidade optar ou não pelo uso de
determinada técnica." A nota ainda aborda sobre os
grupos étnicos com baixa densidade populacional,
no qual seria preferível o uso de métodos reversíveis
(FUNASA, 2005).
Outra questão importante de pontuar são as
especificações demonstradas no documento, e
principalmente atenuar no processo de escolha da
mulher indígena e as demandas de sua comunidade.
Vale ressaltar que outra responsabilidade no Estado é
garantir a posse das terras aos indígenas,
compreendendo o peso histórico da luta pelas terras
marcadas pelos povos indígenas, entender que a
saúde reprodutiva indígena está diretamente ligada
às questões socioculturais, sendo assim o Estado é
responsável em dar condições necessárias e
fortalecer a identidade cultural desses povos.

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II Simpósio de Saúde Sexual

CONCLUSÃO

A conclusão do trabalho se dá principalmente


no que se relaciona a Nota Técnica emitida pela a
Funasa no ano de 2005, na qual regulamenta o
planejamento familiar, discorrendo sobre a liberdade
das indígenas em escolher determinados métodos,
que na prática, como exposto nas entrevistas feitas
por Jurema Machado, não é o que acontece, é
necessário a autorização da família, do líder da
aldeia e da FUNAI. Outro ponto de convergência que
é necessário elencar é a responsabilidade do Estado
no que tangue a viabilização dessas mulheres de se
sentirem seguras em dar continuidade a sua
descendência, sabendo que seus filhos ou filhas não
serão mortos, não passarão fome ou não terão sua
terra, que para os povos indígenas é designação de
um direito básico: a vida.

REFERÊNCIAS

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indígenas do Alto Rio Negro. Cad. CRH, Salvador, v.
22, n. 57, p. 463-477, 2009.

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33
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

assistência à saúde nas comunidades indígenas-


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II Simpósio de Saúde Sexual

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35
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

APORTES INTRODUTÓRIOS SOBRE POLÍTICA


CRIMINAL, CULTURA PATRIARCAL E VIOLÊNCIA
DE GÊNERO
Fábio da Silva Bozza
Victor Hugo Criscuolo Bozon

RESUMO: O presente trabalho tem como objeto de


estudo o tratamento político-criminal dispensado à
violência de gênero. Para tanto, demonstra: i) a
evidente relação entre cultura machista e estrutura
social capitalista, ii) a cultura machista como
metarregra orientadora da seletividade das agências
de controle penal na definição de possíveis vítimas de
crimes sexuais, iii) a relação entre a linguagem
utilizada por movimentos feministas, em especial o
termo “cultura do estupro”, e a possível opção pela
política criminal a ser adotada para enfrentar a
situação social problemática que consiste a prática
de crimes sexuais contra mulheres.
Palavras-chave: criminologias feministas – cultura –
violência de gênero – política criminal

36
II Simpósio de Saúde Sexual

As características da chamada pós-


modernidade contribuíram para elevar a descrença
em relação ao essencialismo na teoria social. O
mesmo fenômeno ocorreu na criminologia em geral
e, especialmente, na criminologia crítica. Assim, os
discursos universalizantes perdem força, contexto no
qual o recorte dos discursos criminológicos feministas
manifestam sua preocupação com as vítimas de
crimes de violência doméstica e sexual e com a falta
de tratamento sobre estes temas pela criminologia.
Também demonstram, de forma crítica, sua
indignação no que se refere ao tratamento dado às
mulheres delinquentes pelos sistemas penal e
penitenciário.
No entanto, há de se destacar que não existe
um único posicionamento feminista em cada um
desses temas. A opção por uma ou outra posição
seguiu o que se passou na teoria feminista em geral,
de modo que as primeiras críticas à criminologia
surgiram dos discursos feministas radicais, dos anos
1960 e 1970. De meados dos anos 1980 até hoje se
desenvolveram discursos feministas sobre a base de
outras diversas posições, sendo que alguns desses
pensamentos estão dedicados ao objetivo de
desconstruir o “falocentrismo”, ao passo que outros
discursos pretendem “desessencializar” a
criminalidade feminina com o objetivo de tomar a
cargo um comprometimento com a ação política
pela justiça social, e outros ainda tendem a
“essencializar” as mulheres como sujeitos unificados

37
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

de uma ordem social dominada pelo masculino


(CARRINGTON, 2006, p. 241).
O presente trabalho busca realizar uma análise
da violência de gênero, e terá como objeto de
estudo os seguintes temas: a) as relações de poder
determinantes da violência de gênero, em especial
da violência sexual, b) as metarregras que funcionam
como formas de racionalização de decisões judiciais
que reproduzem a violência de gênero por meio de
definições de “mulheres estupráveis”, e c) indicar as
possíveis formas de enfrentamento do problema.
A presente pesquisa toma como ponto de
partida a ideia de que as mulheres podem ser
identificadas como sujeitos unificados de uma ordem
social dominada pelo masculino. Para o
desenvolvimento do trabalho, enfrenta-se a questão
da violência contra a mulher a partir de uma matriz
sociológica marxista, pela qual as relações de
dominação devem ser entendidas como reflexo do
modo de produção capitalista, que se verifica na
estrutura social e orienta a produção da cultura em
todas as relações de poder. Além disso, leva-se em
consideração que as relações de poder, e a
consequente produção de uma cultura patriarcal,
fortemente lastreada na historicidade da formação
brasileira, também ocorrem de maneira horizontal
(sob a forma de poder disciplinar, conforme a
proposta de Foucault), nas instituições, como família,
igreja, escolas, fábricas, sindicatos etc., e
determinam, em parte, o modo de ser dos sujeitos.

38
II Simpósio de Saúde Sexual

Em termos mais amplos, as relações entre


estrutura social e cultura é que orientam o
desenvolvimento do trabalho, cujo objetivo
específico é o de pensar sobre o aceso debate que
hoje cerca o tema no Brasil, com o fito principal de
evidenciar alguns dos muitos mecanismos
sociais, culturais e jurídicos que, historicamente,
viabilizam a negação da autonomia da mulher sobre
a sexualidade e o próprio corpo, em legado
patriarcal machista e sexista no processo de
construção da inferioridade
feminina e da pretensamente neutra superioridade
dominante masculina.
A análise do funcionamento interno do sistema
penal enquanto mecanismo de controle social
somente se torna completa quando se o reconduz à
estrutura social profunda que o condiciona, ainda
marcada pelo tripé capitalismo, patriarcado e
racismo e penetrada por indicadores interseccionais
de evidenciação.
De um ponto de vista macrossociológico, o
sistema penal pode ser entendido como um exercício
de poder que reproduz estruturas, instituições e
simbolismos. Como subsistema integrante do sistema
social, configura um exercício do poder que age
para expressar, reproduzir e relegitimar as
seletividades classista, racista e sexista das relações
que ocorrem na estrutura social (ANDRADE, 2014, p.
140).

39
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Em nível micro, o sistema penal funciona como


o exercício de um poder que produz subjetividades
binárias (pessoas boas e más, honestas e desonestas,
masculino e feminino, brancos e negros, pobres e
ricos,).
Embora o patriarcado esteja em
desconstrução, deve-se destacar que a definição de
gêneros é produto de uma construção social em
determinado modo de organização social. E é nessa
organização que são definidos os papéis na divisão
do trabalho social.
Na esfera pública, local da produção material,
controi-se o estereótipo do homem produtivo-
racional-ativo-forte-potente-guerreiro-viril-possuidor
(ANDRADE, 2014, p. 141). No arranjo neoliberal, agora,
o homem consumidor. Já na esfera privada, espaço
da produção natural, aparece como protagonista a
figura da mulher, com a repressão de sua
sexualidade pela função de reprodução e do seu
potencial produtivo pela função de cuidado da casa
e dos filhos. É aqui que se apresenta a dominação
patriarcal.
Seguindo essa lógica, fica o espaço público
reservado ao homem, que deve cumprir o papel de
administrador dos bens, enquanto à mulher resta o
espaço privado, reservado à função de mãe,
estereótipo da passividade (ANDRADE, 2012, p. 141).
Sob a forma de ideologia, esse simbolismo faz
com que homens e mulheres reproduzam referida

40
II Simpósio de Saúde Sexual

polaridade de valores culturais e históricos como se


fossem decorrentes de diferenças naturais.
É nesta mesma bipolaridade de gênero que
culturalmente se percebe no estereótipo do homem
(ativo e público) a figura do criminoso, e na mulher,
submissa ao espaço privado, frágil e recatada, a
figura da vítima. Os homens improdutivos e não-
consumidores são tratados pelo sistema penal como
pessoas perigosas, sobre os quais recaem os
processos de criminalização. Já às mulheres,
reificadas na construção social dos gêneros como
pertencentes ao espaço privado, corresponde o
estereótipo preferencial e ainda dominante de
vítimas.
Maria Lúcia Karam afirma que “o controle da
sexualidade feminina, através de seu aprisionamento
na função reprodutora, historicamente constitui, ao
lado da centralidade do trabalho doméstico, um dos
dois grandes eixos pelos quais se concretizam as
relações específicas de dominação, estabelecidas
no plano individual pela estruturação do
patriarcado” (1995, p. 147). Como o centro do
domínio do masculino sobre o feminino se faz pelo
controle da sexualidade, o sistema penal recorta a
violência contra a mulher pela vitimização sexual,
especificamente pelo crime de estupro.
E aqui a seletividade do sistema penal atua
com mais intensidade, pois não seleciona apenas
quem são os autores do fato, mas principalmente,
quem são as vítimas. Como sublógica da seletividade

41
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

na definição de quem é o criminoso, desenvolve-se a


chamada “lógica da honestidade”, para definir
quem pode ser considerada vítima. É na seara da
criminalidade sexual que com mais frequência o
sistema penal deixa de olhar para o fato e coloca sua
atenção especificamente nos sujeitos envolvidos
(ANDRADE, 2014, p. 147).
Em trabalho sobre o cotidiano autoritário
brasileiro, Márcia Tiburi refere-se a uma “lógica do
estupro”, segundo a qual, em muitos casos de crime
de estupro, a culpa sempre recai sobre a vítima, de
forma a excluir a responsabilidade do estuprador por
seu ato. O estuprador, apoiado pelo senso comum,
projeta sua culpa na mulher, que merece o
tratamento pela forma de se vestir, por sua vida
sexual pregressa, pelos lugares que frequenta etc.
(TIBURI, 2016, p. 105).
Por outro lado, Maria Lúcia Karam preocupa-se
com a imediata ligação entre graves fatos que são
os crimes de estupro e a utilização da expressão
“cultura do estupro”. Afirma que “o estupro é objeto
de intenso repúdio pela imensa maioria da
população brasileira, a ponto de acusados e
condenados por tal conduta, quando presos, não
poderem, em regra, ficar no ‘convívio’ com os
demais presos, sendo mantidos, ainda em regra, no
chamado ‘seguro’ como forma de garantir sua
integridade física” (KARAM, 2016). E que quando são
confundidos resquícios de uma cultura patriarcal com
uma suposta “cultura do estupro”, movimentos

42
II Simpósio de Saúde Sexual

feministas e muitos homens elaboraram um discurso


manipulador, que muitas vezes provoca efeitos
negativos para se pensar o problema. Isso porque se
cria um ambiente emocional, exagerando reações
que, além de incentivarem a expansão do poder
punitivo, e a necessária multiplicação das dores e
danos produzidos pelo sistema penal, acabam
funcionando como obstáculos à implementação de
medidas racionais e efetivas para enfrentar os fatos
de maneira adequada e atingir as condutas
negativas que quer evitar que aconteçam (KARAM,
2016).
É nesse contexto em que se situa a discussão
em torno da política criminal a ser adotada para
evitar a reprodução da violência sexual. Por um lado,
movimentos feministas pleiteam intensificação no
rigor das penas, bem como flexibilização de garantias
processuais, em especial no que se refere à
qualidade do ônus argumentativo para fundamentar
uma condenação. E, do outro lado, mas com o
mesmo objetivo de tratar o problema com seriedade,
pensadoras e pensadores não menos aderentes ao(s)
movimento(s) feminista(s) que propõem o
enfrentamento à questão da violência de gênero por
vias alternativas à via do direito penal, ou melhor, sem
a expansão do poder punitivo.

43
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da


criminologia. O controle penal para além da
(des)ilusão. 1. reimpr. Rio de Janeiro: Revan, 2014.

CARRINGTON, Kerry. Posmodernismo y criminologias


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In: SOZZO, Máximo. Reconstruyendo las criminologias
críticas. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2006. p. 237-260.

KARAM, Maria Lúcia. Ainda sobre a esquerda


punitiva. Empório do Direito, Florianópolis, 2 jun. 2016.
http://emporiododireito.com.br/esquerda-punitiva-
maria-lucia-karam/>. Acesso em: 2 jul. 2019.

LARRAURI, Elena. La herencia de la criminología


crítica. 2. ed., Madrid: Siglo Vintiuno de España
Editores, 1992.

TIBURI, Márcia. Como conversar com um fascista.


Reflexões sobre o cotidiano

44
II Simpósio de Saúde Sexual

DIREITOS DAS EMPREGADAS GESTANTES E


LACTANTES EM LOCAL INSALUBRE

Daniela Rocha Teixeira

RESUMO: O mote principal do presente trabalho é


apresentar alguns direitos referentes à empregada
gestante e à lactante que tem como ambiente de
exercício laboral um local insalubre. A metodologia
foi hipotético-dedutiva de base qualitativa, com
revisão bibliográfica, leitura de livros, artigos, internet,
posicionamentos jurisprudenciais, bem como análise
do que dispõe o art. 394-A, da CLT, com nova
redação dada pela Lei 13.467/2017, conhecida
como a “Reforma Trabalhista”. As alterações trazidas
inseriram a possibilidade da gestante ou lactante
continuar exercendo suas atividades nesses
ambientes insalubres, desde que apresentem
atestado médico. Recentemente, o Supremo Tribunal
Federal firmou entendimento sobre a
inconstitucionalidade parcial do dispositivo, na ADIN
5938/2018, no que se refere à parte que apresenta a

45
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

possibilidade de permanência dessas empregadas,


quando apresentarem “atestado de saúde por
médico de sua confiança”.
Palavras-chave: Empregada gestante; Empregada
lactante; Direito do trabalho; Local insalubre.

46
II Simpósio de Saúde Sexual

INTRODUÇÃO

As mudanças trabalhistas referentes a gestante


e a lactante, com a flexibilização de direitos, atingem
não só o direito das empregadas, como também dos
menores seres da sociedade brasileira, os nascituros e
os bebês lactentes, ferindo todo o ordenamento de
proteção à saúde e a vida digna, tanto o
constitucional, civilista, como também os direitos
específicos das crianças, expostos pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente. Assim, esse trabalho visa
trazer reflexões sobre a importância do tema e da
proteção dessas categorias.

MÉTODOS

A metodologia utilizada foi hipotético-


dedutiva, em que, inicialmente, a partir da questão-
problema, foram elencadas hipóteses e estas foram
colocadas em prova, sendo ao final confirmadas ou
refutadas. Partindo do geral para o particular, com a
hipótese confirmada, teve-se a possibilidade de se
pensar os direitos da empregada gestante ou
lactante. O estudo apresentado é de base
qualitativa, com revisão bibliográfica, leitura de livros,
artigos, internet, posicionamentos jurisprudenciais,
bem como análise legislativa.

47
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Como resultados da pesquisa, observou-se


que, a alteração trazida pelo art. 1º da Lei
13.467/2017, para o artigo 394-A, da Consolidação
das Leis Trabalhistas, inicialmente foi mitigada pela
Medida Provisória nº 808/2017. Entretanto, como se
trata de um dispositivo com efeitos transitórios,
pendente de conversão em Lei, seus efeitos caíram,
com a expiração do prazo, sem a conversão.
Como medida urgente, foi apresentada, no
Supremo Tribunal Federal-STF, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade-ADIN 5938, em 2018, pela
Confederação Nacional Dos Trabalhadores
Metalúrgicos, com requerimento de medida liminar
para retirar os efeitos do trecho dos dispositivos art.
394-A, II e III, que previam a possibilidade de
manutenção da empregada gestante ou lactante
em local insalubre, salvo se apresentassem atestado
de saúde de médico de sua confiança que
recomendassem seu afastamento.
Numa relação de subordinação, em ambientes
já de tanta vulnerabilidade para a trabalhadora,
ainda mais gestante ou lactante, a apresentação de
um atestado de afastamento poderia ocasionar uma
futura dispensa, findo do prazo da estabilidade.
O Plenário do STF, por unanimidade, em 29 de
maio de 2019, conheceu da ação direta de
inconstitucionalidade e confirmou a medida cautelar
e julgou procedente o pedido formulado na ação

48
II Simpósio de Saúde Sexual

direta para declarar a inconstitucionalidade da


expressão "quando apresentar atestado de saúde,
emitido por médico de confiança da mulher, que
recomende o afastamento", contida nos incisos II e III
do art. 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), inseridos pelo art. 1º da Lei 13.467/2017 (BRASIL.
STF).

CONCLUSÕES

Percebe-se que a alteração trazida pela


Reforma trabalhista quanto ao direito afastamento
das empregadas gestantes e lactantes de atividades
e local insalubre, é medida de proteção da vida e da
saúde da mulher e do nascituro/lactente. O
dispositivo alterado traz um regramento que fere não
apenas a constituição, mas todo o ordenamento
jurídico dela decorrente, leis infraconstitucionais,
tratados internacionais ratificados pelo Brasil, além de
ser uma medida de flexibilização perversa, pois
atinge, pelo lucro desenfreado, os seres mais
vulneráveis de nossa sociedade nas relações
empregatícias.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988 - CF/1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/c
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49
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

______. Código Civil Brasileiro de 2002 - CC/2002.


Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406
.htm. Acesso em: abr. 2019.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei
8069/1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm.
Acesso em: jun. 2019.
______. STF - Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticao
Inicial.asp?base=ADIN&s1=5938 &processo=5938.
Acesso em: jun. 2019.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do


Trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da
reforma trabalhista e inovações normativas e
jurisprudenciais posteriores. 18ed. São Paulo: LTr, 2019.

PEREIRA, Maria da Conceição Maia. Visão Crítica do


artigo 394-A da CLT: Proibição do trabalho da
gestante ou lactante em ambiente insalubre. 2017.
Dissertação (Mestrado em Direito) – FUMEC,
Faculdade De Ciências Humanas, Sociais e Da
Saúde, Belo Horizonte.

50
II Simpósio de Saúde Sexual

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: EXTINÇÃO DO TERMO


OU EXTINÇÃO DE DIREITOS?

Tracy Cristiane Soares dos Santos


Iara dos Santos Almeida
Cristina Grobério Pazó

RESUMO: Este trabalho tem como principal objetivo


fazer uma relação crítica entre a extinção do termo
violência obstétrica e a violação de alguns princípios
constitucionais, além do retrocesso de certas
medidas já implementadas acerca dos direitos
sexuais e reprodutivos femininos, levando em conta a
involução sofrida com a ação proposta. Trata-se de
uma pesquisa qualitativa explicativa e a metodologia
adotada foi de revisão bibliográfica, para uma
melhor análise do tema sugerido e apuração de
informações correlatas, a fim de demonstrar a
situação enfrentada pelas mulheres em seu estado
reprodutivo, gravídico, puerperal, pós-puerperal e de
abortamento, além de oferecer um panorama geral
destas no meio ao qual estão inseridas.

51
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Palavras-chave: saúde sexual e reprodutiva feminina,


violência obstétrica, Ministério da Saúde.

52
II Simpósio de Saúde Sexual

INTRODUÇÃO

A violência obstétrica, de acordo com as


legislações venezuelana e argentina, é
caracterizada como a apropriação dos corpos das
mulheres pelos profissionais da saúde que estão
envolvidos com os processos reprodutivos, por meio
da desumanização no tratamento, patologização de
processos naturais, terapia medicamentosa abusiva,
dentre outros, gerando efeitos negativos na
qualidade de vida destas, visto que causam perda
da autonomia, controle dos próprios corpos e da
sexualidade, violando alguns princípios
constitucionais, a saber: princípio da liberdade,
dignidade da pessoa humana, direito reprodutivo e
sexual da mulher e da isonomia. Em contrapartida ao
tema acima mencionado, surgiu a necessidade da
implantação de políticas públicas, na tentativa de
equilibrar a situação, uma delas foi a
institucionalização do parto humanizado por meio de
diretrizes e portarias, inicialmente apresentadas pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) vinculado ao Ministério
da Saúde e Agência Nacional de Saúde
Suplementar, requerendo a redução do número de
cesarianas realizadas em hospitais e maternidades,
posteriormente estendendo-se para as unidades
privadas. Diante do supracitado, esse trabalho tem
como objetivo analisar a extinção do termo
“violência obstétrica” proposto pelo Governo

53
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Federal, visando estabelecer uma abordagem crítica


e mais aprofundada do assunto.

MÉTODOS

Tratou-se de uma pesquisa qualitativa


explicativa, tendo como principal estratégia de
análise a revisão bibliográfica acerca do tema
apresentado, utilizou-se de sites e periódicos, bem
como cartilhas, legislações e notícias específicas que
abordem as mulheres em seu estado reprodutivo,
gravídico, puerperal, pós-puerperal e de
abortamento, a fim de correlacionar com o objetivo
indicado pelo trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O termo violência obstétrica, apesar de


relativamente novo, produz seus efeitos há muito,
devido às sujeições que as mulheres enfrentam em
diversos locais e situações, inclusive no âmbito
hospitalar. De acordo com Kondo, Silveira et al, 2014
p. 4 “quando a mulher se sente desrespeitada nas
instituições de saúde durante o atendimento ao pré
natal, parto, aborto ou puerpério, dizemos que ela
passou por uma situação de violência. Essa situação
é chamada de violência obstétrica”. Esse contexto
fica evidenciado pelo mapeamento realizado pela
Fundação ABRAMO (2010) no qual informa que 1 a
cada 4 mulheres já sofreram esse tipo de violência de

54
II Simpósio de Saúde Sexual

formas distintas e/ou sequenciais no Brasil, numa


escala de 10 anos.
Na tentativa de reverter o quadro epidêmico
de violência obstétrica sofrida pelas mulheres, o
Ministério da Saúde trouxe variadas diretrizes e
portarias que tratam sobre o tema, indicando metas,
ações, recomendações, práticas a serem realizadas
pelos profissionais da área, e informações pertinentes
às gestantes, sinalizando o baixo nível de informação
quanto aos direitos destas, promovendo educação
em saúde, empoderamento e autocuidado.
À exemplo dessas políticas pode-se citar a
criação do Sistema online para monitoramento da
quantidade de cesarianas realizadas pelo SUS, o
Projeto Parto Cuidadoso, o qual capacita enfermeiras
obstétricas para atenção ao parto normal e a
liberação de recurso estimado de 14 milhões a fim de
promover ações mais eficazes e abrangentes para
saúde sexual e reprodutiva dos Municípios,
abarcando desde a adolescência até a terceira
idade. Todas essas medidas foram anunciadas para
o ano de 2018. No entanto, a gestão atual do
Ministério da Saúde declarou por meio de despacho
assinado pela coordenadora-geral de Saúde das
Mulheres, pelo diretor do departamento de Ações
Programáticas Estratégicas, e pelo Secretário-
Executivo substituto, a extinção do termo “violência
obstétrica” em documentos públicos oficiais e textos
de políticas públicas, voltadas à saúde sexual e
reprodutiva feminina (DOMINGUES, 2019). Essa ação

55
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

teve como colaboração principal o Parecer 32/2018


do Conselho Federal de Medicina, o qual considera
a utilização do termo ofensiva pois agride os
profissionais da área médica, ginecológica e
obstétrica, pois no entendimento da classe, o uso da
expressão exacerba a intenção do uso da força e
direciona a responsabilização, de forma direta, aos
profissionais da medicina (CFM, 2018).
Diante o exposto nos parágrafos anteriores, nota-se
um importante retrocesso no avanço dos direitos
relacionado à saúde sexual e reprodutiva da mulher,
haja vista que fere alguns princípios constitucionais,
como dignidade da pessoa humana, liberdade e
direito reprodutivo e sexual. Ainda que a
recomendação do Ministério da Saúde aplique-se
apenas a textos públicos, essa extinção abre
margens para a continuidade de práticas violentas e
discriminatórias, uma vez que a violência não se
equipara apenas ao uso da força, mas pode
acontecer de forma psicológica, moral e verbal.
Vale ressaltar o não reconhecimento pela
sociedade e algumas instituições governamentais de
certos tipos de violência a que as mulheres são
acometidas, atribuindo às mesmas a vitimização e
culpa pelos ataques sofridos. Nesse ínterim, a Ordem
dos Advogados do Distrito Federal (OAB, 2019),
redigiu uma nota de repúdio à essa decisão, a qual
se lê:
O Ministério da Saúde presta um desserviço à
sociedade ao retroceder em políticas públicas
implementadas de proteção e erradicação da

56
II Simpósio de Saúde Sexual

violência contra a mulher. Tal postura também


contraria a Lei Federal nº10.778/2003, que
considerada a violência obstétrica como um agravo
à saúde pública de notificação compulsória, além
da Convenção da OEA conhecida como
Convenção de Belém do Pará, que visa prevenir,
punir e erradicar a violência contra a mulher.
A decisão do Ministério da Saúde colide
diretamente com o enfrentamento da violência
sofrida por milhares de mulheres durante a
gestação, trabalho de parto e pós-parto. A
utilização do termo “violência obstétrica” é
recomendada pela Organização Mundial de Saúde
e empregada há muito tempo para definir o abuso,
desrespeito e maus-tratos durante o parto nas
instituições de saúde.

A nota de repúdio, advinda da Organização


de relevância nacional, no meio jurídico, reforça a
ideia do atraso ao qual está submetida a atual
gestão do Ministério da Saúde tanto quanto do
Governo Federal, reverberando a consequência
dessas ações ou omissões, não só na saúde sexual e
reprodutiva feminina, mas em toda sociedade,
destacando a vulnerabilidade a que todos e todas se
submetem.

CONCLUSÕES

Diante do levantamento das informações


obtidas, evidencia-se a importância e necessidade
de fomentar a discussão no campo científico, a fim
de propor um novo olhar das instituições

57
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

governamentais acerca do tema, para melhorias na


promoção, não só da saúde da mulher, mas também
no tocante às questões sociais, de gênero, classe e
raça que estão envoltas no tema.

REFERÊNCIAS

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2015/Relatorio_PCDTCesariana_CP.pdf>. Acesso em:
01/07/2019.

BRASIL, Ministério da Saúde. Diretriz Nacional da


Assistência ao Parto Normal. 2016. Disponível em:
<http://conitec.gov.br/images/Consultas/2016/Relat
orio_Diretriz-PartoNormal_CP.pdf>. Acesso em:
01/07/2019.

BRASIL, Ordem dos Advogados. OAB/DF repudia a


extinção do termo “violência obstétrica” em

58
II Simpósio de Saúde Sexual

documentos e políticas públicas. Distrito Federal,


2019. Disponível em:
<http://www.oabdf.org.br/noticias/oab-df-repudia-
a-extincao-do-termo-violencia-obstetrica-pelo-
ministerio-da-saude/>. Acesso em: 30/05/2019.

DOMINGUES, Filipe. Ministério diz que termo


'violência obstétrica' é 'inadequado' e deixará de ser
usado pelo governo. São Paulo, 2019. Disponível
em<https://g1.globo.com/ciencia-e-
saude/noticia/2019/05/07/ministerio-diz-que-termo-
violencia-obstetrica-tem-conotacao-inadequada-e-
deixara-de-ser-usado-pelo-governo.ghtml>. Acesso
em: 30/05/2019.

KONDO, Cristiane Yukiko; SILVEIRA, Karime Marcenes;


NIY, Denise Yoshie, et al. Violência obstétrica é
violência contra a mulher: mulheres em luta pela
abolição da violência obstétrica. 2014. Disponível
em: <https://www.partodoprincipio.com.br/>.
Acesso em: 01/07/2019.

59
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

SABERES TRADICIONAIS DAS BENZEDEIRAS E


CURANDEIRAS: PRÁTICAS DE CUIDADOS EM
SAÚDE

Camila Gabrielle dos Santos Mota


Cristina Grobério Pazó
Paula Rita Bacellar Gonzaga

RESUMO: Esse resumo é um recorte do projeto de


pesquisa em andamento intitulado “Em busca dos
jardins de nossas avós: Narrativas de benzedeiras e
curandeiras do extremo sul da Bahia” sobre práticas
de cuidado promotoras de saúde menstrual, saúde
sexual e saúde reprodutiva de mulheres, e
promotoras de saúde de benzedeiras e curandareiras
que atuam no âmbito da saúde sexual, da saúde
menstrual e da saúde reprodutiva. Alinhado com as
discussões do feminismo decolonial. Apresentando
um apanhado teórico-conceitual faz um diálogo dos
elementos importantes do conhecimento e das
práticas na ação do cuidado da saúde.

Palavras-chave: Benzedeiras; curandeiras; saúde.

60
II Simpósio de Saúde Sexual

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como proposta


conhecer sobre as práticas de mulheres que são
referência nos saberes tradicionais atuando como
benzedeiras e curandeiras do extremo sul da Bahia
sobre práticas de cuidados relativos à saúde
menstrual, sexual e reprodutiva das mulheres através
de uma perspectiva do feminismo decolonial.
A opção pelo espaço geográfico do extremo
sul da Bahia se justifica por ser um local marcado
pelos saberes tradicionais indígenas, quilombolas e
de outras comunidades tradicionais, por outra via
destaca-se a presença da Universidade Federal do
Sul da Bahia, a qual assume em seu plano orientador
um compromisso , onde o autor propõe o movimento
chamado ecologia dos saberes introduzindo no
âmbito acadêmico saberes não científicos. Um
movimento que traz os conhecimentos de fora da
universidade para dentro.
Os saberes tradicionais foram invisibilizadas
pelo monopólio da racionalidade médica, desde a
modernidade. Houve o isolamento técnico da
medicina como única fonte produtora de expertise
da cura, inclusive da saúde da mulher. Através de
uma perspectiva do feminismo decolonial
pretendemos resgatar outras fontes de
conhecimento.

61
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

MÉTODOS

O presente artigo adotou como método a


fenomenologia. Capalbo (2008, p. 18) esclarece que
a fenomenologia “[...] terá a preocupação de
mostrar, e não de demonstrar, de explicitar as
estruturas em que a experiência se verifica, de deixar
transparecer na decisão da experiência as suas
estruturas universais.” A escolha do método se justifica
porque a fenomenologia se ocupa de estudar os
fenômenos não por dedução, mas através da
descrição. Ao buscarmos estudar a vertente do
feminismo decolonial e o conhecimento tradicionais
das benzedeiras do extremo sul da Bahia sobre saúde
menstrual e sexual objetivamos apresentar para a
comunidade acadêmica e a sociedade um pouco
sobre esse fenômeno que foi tão invizibilizado em
nossa sociedade.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Tradicionalmente, os estudos sobre feminismo


dividem o mesmo em três ondas. Uma primeira onda
marcada principalmente pela luta do direito ao voto
e do direito ao trabalho das mulheres, uma segunda
onda marcada pela luta dos direitos reprodutivos e
pela elucidação inicial de conceitos como gênero e
sexo e uma terceira onda marcada pelo
conhecimento da pluralidade de feminismos. Essa

62
II Simpósio de Saúde Sexual

visão tradicional é marcada por um viés eurocêntrico


das lutas contra o patriarcado.
O feminismo decolonial como proposta
metodológica pretende-se romper com essa lógica
eurocêntrica que invisibiliza várias lutas contra o
patriarcado feito por mulheres latino-americanas.
Curiel (2009, p. 1) autora feminista decolonial propõe
em sua obra estudos sobre o feminismo da América
Latina e Caribe, mostra uma história invisibilizada pelo
processo de colonização.
Ao propormos estudarmos os saberes
tradicionais das Benzedeiras e curandeira do extremo
sul da Bahia no que tange a saúde sexual e menstrual
através de uma perspectiva decolonial,
pretendemos demonstrar o quanto essas práticas são
de resistência do patriarcado, porque são práticas
realizadas por mulheres fortes, sábias e detentoras de
um trabalho curativo que merece ser reverenciado e
conhecido por todos.
Benzedeiras e curandeiras são popularmente
conhecidas pelo seu trabalho com ervas, rezas e com
os cuidados alternativos para curas de doenças
físicas, emocionais e/ou espirituais. De acordo com
Conceição (2008 apud CÂMARA & MINGO, 2016),
elas representam “uma categoria de mulheres que
detém o conhecimento específico de saberes da
tida como medicina popular, em contraposição ao
saber médico instituído e que por ora é tido como
oficial”.

63
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

As práticas de cura utilizadas entre essas


mulheres constituem de uma mistura de diversos
saberes, como os indígenas, africanos e europeus.
Essas agentes populares tratam não só de pequenas
doenças, como também de graves problemas que
acometem a saúde das populações que lhe
procuram (BOING, STANCIK, 2013).
Segundo Boing e Stancik (2013) para melhor
compreensão da valorização da forma de cura
dessas agentes, é preciso observar as concepções de
vida e de doença que eram adotas pela população
anteriormente. Tal concepção tinha origem no
sobrenatural, acreditando então que as doenças
seriam consequência de pecados, feitiços ou de
algum mau olhado. Como cura seria então
necessário a invocação do sobrenatural, através da
intercessão de forças espirituais, para a cura de tais
doenças, quebra dos feitiços ou até mesmo a
obtenção do perdão dos pecados.
Sendo assim, podemos observar que a prática
do benzimento está intrinsicamente ligada a
religiosidade, ao misticismo e ao conhecimento
geracional. Na literatura estudada vê-se que práticas
de promoção e de cuidado são sempre transmitidas
de uma geração para outra, seja por meio parental
como por relações não parentais.
É importante também salientar a construção
coletiva de cultura, memória e lugar social que as
benzedeiras e curandeiras estão inseridas. Segundo
Elizabeth Jelin (2002 apud SANTOS, 2016) a memória

64
II Simpósio de Saúde Sexual

adquire um papel significativo tornando-se um


mecanismo cultural para o fortalecimento do sentido
de pertencimento e algumas vezes para construir a
confiança em torno de si mesmo – especialmente
quando se trata de grupos minoritários, oprimidos,
silenciados e discriminados.
Desde a modernidade, houve a ascensão da
confiança na razão humana como única fonte de
construção correta dos saberes científicos. Buscou-se
a partir daí a neutralidade na produção dos
conhecimentos tentando isolar os afetos, os saberes
tradicionais, as espiritualidades e as religiosidades. Os
sistemas contemporâneos de saúde são marcados
pela racionalidade médica, com esvaziamento de
conhecimentos tradicionais. A saúde da mulher, foi
marcada pela assistência de parteiras, benzedeiras e
curandeiras. Quando a medicina toma para si o
monopólio do saber médico há exclusão gradativa e
discriminação das práticas dos saberes tradicionais.
Mas, as práticas dos saberes tradicionais persistem e
como fonte de resistência e de cura para mulheres.
.
CONCLUSÕES

Com esse pequeno recorte teórico-


metodológico, a pesquisa, em andamento, se
encaminhará para fase de coleta de dados em
campo onde pretendemos conhecer as práticas das
benzedeiras e curandeiras diante de seus saberes
tradicionais de origem indígenas, quilombolas e/ou

65
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

de outras comunidades tradicionais do extremo sul


da Bahia acerca de temas como saúde menstrual,
sexual e reprodutiva, transformando como
protagonistas de sua própria história e através de
uma perspectiva do feminismo decolonial resgatar a
importância da memória e dos saberes dessas
mulheres no processo de descolonização da
universidade, da saúde, da psicologia e da
sociedade.

REFERÊNCIAS

BOING, Lucio; STANCIK, Marco Antonio. Benzedeiras e


Benzimentos: Práticas e representações no município
de Ivaporã/PR (1990-2011). Ateliê de História (UEPG),
Ponta Grossa, PR, v. 1, n. 1, p. 85-96, dez./2013.
Disponível em:
<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/ahu/article
/view/3914>. Acesso em: 24 jun. 2019.

CAPALBO, Creusa. Fenomenologia e Ciências


Humanas. Aparecida, São Paulo: Ideias e Letras,
2008.

CURIEL, Onchy. Descolonizando el feminismo: Una


perspectiva desde America Latina y el Caribe
Biblioteca Digital Feminista, 2009. Disponível em:
<http://feministas.org/IMG/pdf/Ochy_Curiel.pdf>. Acesso
em: 24 jun.2019

66
II Simpósio de Saúde Sexual

DINIZ, E. E. C. D. S. D. ;. E. C. D. S. A arte de curar:


Saberes e práticas de rezadeiras e bezendeiras no
cuidar da saúde. Anais V CONEDU, Recife, v. 1, n. 1,
p. 1-9, dez./2018. Disponível em:
<http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/
anais.php>. Acesso em: 24 jun. 2019.
SANTOS, S. V.. AS MARIAS: Um estudo sobre
identidade, memória e representações no ofício de
rezadeiras em Delmiro Gouveia - Maceió. 2016.
(Apresentação de Trabalho/Comunicação).

67
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

O PROBLEMA EPIDEMIOLÓGICO DA SÍFILIS EM


GESTANTES E CONGÊNITA NO ESTADO DA
BAHIA

Ivanna Oliveira Pitanga


Diego Márcio Ferreira Casemiro
Gabriella Cocati Queiroz
Cristina Grobério Pazó

RESUMO: A atenção para o cenário epidemiológico


da sífilis no país, sobretudo na Bahia, torna-se
essencial frente ao crescimento de diagnósticos nos
últimos anos. Os objetivos deste trabalho foram
diferenciar a sífilis em suas subcategorias e trabalhar
com dois tipos dela, sífilis em gestantes e sífilis
congênita; e relacionar os casos registrados de sífilis
com as estratégias adotadas pelo Estado para o
enfrentamento da mesma. O método de pesquisa
utilizado foi através da revisão bibliográfica disponível
sobre sífilis em acervos de pesquisas como o SciELO,
PubMed, Periódicos Capes, Ministério da Saúde e a
Secretaria de Saúde da Bahia. Nossos resultados
alcançados mostram a existência de políticas

68
II Simpósio de Saúde Sexual

públicas no Estado da Bahia que além de agir


preventivamente, dão cuidados aos pacientes já
diagnosticados com a doença. Entendemos que esta
IST deve ser amplamente discutida no Estado da
Bahia, para que haja o decrescimento nos números
de casos no decorrer dos próximos anos.

Palavras-chave: Sífilis; Bahia; Políticas públicas de


saúde; IST.

69
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

INTRODUÇÃO
Com a evolução da medicina, o tratamento
para essa doença se tornou possível, contudo ela
ainda é um problema à saúde pública. Pode-se
atribuir o aumento da endemia sifilítica as novas
dinâmicas das relações sexuais, a falta de
preocupação em relação a doença – e com outras
doenças sexualmente transmissíveis – e a ausência de
atuação das autoridades responsáveis (AVELLEIRA e
BOTTINO, 2006).
Ao tratar sobre a sífilis, muitos desconhecem as
suas formas de manifestação e transmissão. Nesse
artigo será abordado, principalmente, a sífilis
congênita e a sífilis em gestantes. Diante deste
contexto, a transmissão da sífilis verticalmente se
configura como um dos grandes desafios a ser
enfrentado pela saúde pública no país. Mesmo com
a assistência de postos de saúde, que tem como
iniciativa expandir a saúde de atenção primária e
focar em medidas preventivas estabelecendo
vínculos entre os profissionais de saúde e a
população, percebe-se que não tem sido o
suficiente. É necessário a intensificação de políticas
públicas que atuem nesse cenário (MATOS et al.,
2013).
Estaticamente, foram notificados em 2005, mais
de 11 milhões de novos casos de sífilis no mundo. De
acordo com o Boletim Epidemiológico de Sífilis do ano
de 2017, no Brasil, em 2016, foram registrados 87.593
casos de sífilis adquirida, 37.436 casos de sífilis em

70
II Simpósio de Saúde Sexual

gestantes e 20.474 casos de sífilis congênita. Na


Região Nordeste foi registrado 10.178 casos de sífilis
adquirida, 6.571 casos de sífilis em gestantes e 5.919
casos de sífilis congênita, com 65 óbitos em
decorrência desse tipo de sífilis.
A Bahia se destaca nesse cenário como o
estado com maior proporção de sífilis adquirida, sífilis
em gestantes e sífilis congênita, apresentando,
respectivamente, 3.508, 2.478 e 1.388 casos. Vale
ressaltar que a região que apresentou o maior
número de casos foi o Sudeste, com 46.898 casos de
sífilis adquirida, 7.551 casos de sífilis em gestantes e
8.495 casos de sífilis congênita.
Todas essas informações ajudam a entender a
situação epidemiológica da doença. A importância
da educação permanente em saúde, atuação do
Estado – por meio de políticas públicas –, e circulação
das informações sobre o assunto é fulcral para a
melhoria desse quadro de saúde.

MÉTODOS

A fim de cumprir os objetivos estabelecidos o


procedimento para a realização do estudo foi
através da pesquisa bibliográfica, feita a partir do
levantamento de referências teóricas já analisadas,
que permite conhecer o que já foi estudado sobre o
tema. Assim, para a obtenção de dados foram feitas
pesquisas bibliográficas, em que se efetuaram buscas
em banco de dados como Scientific Electronic Library

71
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Online - SciELO, PubMed, Periódicos Capes, Ministério


da Saúde e a Secretaria de Saúde da Bahia. Com o
intuito de explorar diversas facetas da temática,
sucederam-se pesquisas com as seguintes palavras-
chave: “sífilis congênita e em gestantes”, “sífilis
congênita e em gestantes na Bahia”, “sífilis no Brasil”,
“consequências da sífilis”, “cenário epidemiológico
da sífilis”. Através dessa sondagem, foram definidos os
artigos e, em seguida, transcorreu-se uma leitura
geral do tema, a fim de compreender a realidade
brasileira nesse quadro de saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A sífilis é uma doença infecciosa, transmitida


sexualmente, produzida por uma bactéria chamada
Treponema Pallidum - ou T. Pallidum. Ela é
predominantemente repassada por meios sexuais, ou
seja, requer o sexo para o seu amadurecimento. Ela
também age visivelmente, dando para se perceber
no passar do tempo, e precisa ser tratada de maneira
rápida para que não se evolua e comprometa
órgãos internos, tais como o coração, fígado e o
sistema nervoso central (DO PROGRAMA..., 2008).
A sífilis pode se expressar congenitamente e em
gestantes. A sífilis congênita é uma doença vertical,
passada de mãe para filho, por meio das vias
transplacentárias. O processo ocorre internamente e
leva consequências ao feto, e a criança já formada.

72
II Simpósio de Saúde Sexual

Diferente da sífilis congênita, podemos encarar a


sífilis em gestantes1 como parte de uma etapa
anterior à transmissão vertical do T. pallidum. Em
outras palavras, é quando se é diagnosticado que
uma mulher está com sífilis, consequentemente, existe
um alerta para que a vigilância epidemiológica
embase-se e procure formas de controlar a
transmissão da bactéria, fazendo
acompanhamentos adequados para vistoriar o
comportamento da infecção, e assim planejar e
avaliar medidas de tratamento, prevenção e
controle.
A Bahia é o estado com maior número de casos
de sífilis na região Nordeste. Mesmo ocupando essa
posição, baseado no gráfico abaixo, pode-se
constatar que a média brasileira de sífilis em gestantes
detectada é maior do que a região Nordeste,
contudo, a Bahia se aproxima bastante dos números
nacionais nos anos de 2009, 2010, 2013, 2014 e 2016.

1Na gestação ou gestacional, como podemos encontrar em


diversas literaturas.

73
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Figura 1: Sífilis congênita

Fonte: Ministério da Saúde

É necessário que o Estado se responsabilize por


ações que visam à diminuição desses números, para
que o crescimento da taxa de incidência da doença
a nível estadual e regional seja interrompido.
Segundo os dados obtidos do Departamento de
DST, AIDS e Hepatites virais – Secretaria de Vigilância
em Saúde –, mostram que os maiores números do
esquema de tratamento materno revelam ser é
inadequados ou não são realizados. Desde 2009, a
taxa de um tratamento adequado vem diminuindo,
em contraposição, os números relacionados a
inadequação do serviço vem aumentando,
conforme é mostrado abaixo.

74
II Simpósio de Saúde Sexual

Figura 2: Tratamento materno

Fonte: Ministério da Saúde

Como expressado por Sena et al (2017), a


inexistência de um atendimento pré-natal integral é
uma das causas pelo número de infectados por sífilis.
Outro fator para a persistência da doença é a baixa
adesão dos parceiros ao tratamento, causando
reincidência da infecção. Dessa forma, políticas
públicas que tratem o pré-natal como medida
efetiva para a redução dos casos e a
conscientização dos parceiros quanto importância
do tratamento são importantes passos para a
erradicação da doença.

CONCLUSÕES

Com base em tudo o que foi visto a sífilis é uma


doença infecciosa que requer atenção. O Estado
tem atuado em políticas públicas, inclusive na Bahia,
contudo é preciso se fazer mais presente, visto que a
adesão ao tratamento e até a falta de assistência

75
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

ainda são fatores que influenciam esse quadro


epidemiológico.
A Bahia é o estado com maior número de casos
de sífilis, isso não quer dizer que o Estado não tem
tornado as políticas públicas efetivas. Como vimos
até agora, existe uma gama de fatores que envolvem
o indivíduo e parceiro (a) e o próprio sistema de
saúde, juntamente com as práticas de promoção à
saúde, que vão influenciar no crescimento ou
decréscimo no número de casos de sífilis.

REFERÊNCIAS

AVELLEIRA, João Carlos Regazzi; BOTTINO, Giuliana.


Syphilis: diagnosis, treatment and control. Anais
brasileiros de dermatologia, v. 81, n. 2, p. 111-126,
2006.

BRASIL, Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico


de Sífilis - 2017. Secretaria de Vigilância em Saúde. v.
48, n. 36. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pt-
br/pub/2017/boletim-epidemiologico-de-sifilis-2017>.
Acesso em: 02 nov. 2018.

DO PROGRAMA, Coordenação. Sífilis congênita e


sífilis na gestação. Rev Saúde Pública, v. 42, n. 4, p.
768-72, 2008.

76
II Simpósio de Saúde Sexual

IAGO, Barbosa Ribeiro et al. A sífilis congênita e


gestacional no estado da Bahia, Brasil nos anos de
2012 a 2016. In: Cuba Salud 2018, 2018.

LEMOS, Amanda Camilo Silva. Incidência de sífilis


congênita no estado da Bahia: estudo descritivo, de
2007 a 2013. Ciência & Desenvolvimento-Revista
Eletrônica da FAINOR, v. 11, n. 1, 2018.

MATOS, S. B. et al. Prevalence of serological markers


and risk factors for bloodborne pathogens in Salvador,
Bahia state, Brazil. Epidemiology & Infection, v. 141, n.
1, p. 181-187, 2013.

SENA, Átila Araújo et al. Fatores relacionados a


persistente incidência de sífilis congênita na Bahia.
Revista Eletrônica Acervo Saúde/Electronic Journal
Collection Health ISSN, v. 2178, p. 2091.

77
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E


DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM UMA
CIDADE DO EXTREMO SUL DA BAHIA

Maria Thayná Severino de Souza


Pedro Henrique Monteiro da Silva
Cristina Grobério Pazó

RESUMO: O seguinte projeto de pesquisa, inicialmente


pensado para ser realizado no período de um ano,
tem como objetivo realizar uma análise da
repercussão da implementação do Programa Bolsa
Família (PBF) em uma cidade do Extremo Sul da
Bahia, especificamente em Porto Seguro, tendo em
vista as relações de gênero imbricadas diante da Lei
Nº 10.836 de 2004. Alguns resultados iniciais surgiram
após a leitura minuciosa do relatório de informações
sociais do Cadastro Único de Bolsa Família do
Município de Porto Seguro, da legislação que
sustenta o Programa relacionada com os conceitos
de reconhecimento e redistribuição da Teoria Crítica
de Nancy Fraser. Sob a ótica da autora percebe-se
que a distribuição de renda contribui para a

78
II Simpósio de Saúde Sexual

emancipação de mulheres, entretanto em análise


preliminar acredita-se que a escolha das mulheres
como principais beneficiárias reforça os estereótipos
de gênero.

Palavras-chave: Programa Bolsa Família; Relações de


Gênero; Extremo Sul da Bahia.

79
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

INTRODUÇÃO

O programa Bolsa Família foi instituído pela lei


10.836 de 2004 e estima-se que cerca de 46,6 milhões
de brasileiros são beneficiados pelo Bolsa Família. A
Região Nordeste é a que possui o maior número de
famílias cadastradas perfazendo um total de 6,98
milhões. Insta ressaltar que o pagamento dos
benefícios previsto na lei 10.836/04 é feito
preferencialmente à mulher, conforme disposto no
parágrafo catorze, do artigo 2° da lei supracitada
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/lei/l10.836.htm, 2019).
As mulheres que são beneficiárias do Programa
Bolsa Família, correspondem a aproximadamente,
93% dos beneficiários (ITABORAÍ, 2015, p 2). Apesar
das inúmeras barreiras econômicas, sociais,
assistenciais vivenciadas por essas mulheres, o
programa foi e é exitoso no sentido de proporcionar
o recebimento de um rendimento regular a essas,
gerando um pouco de autonomia e acesso à
alguma cidadania.
A luta por reconhecimento social dessas
mulheres beneficiárias, está relacionada às
reivindicações por inclusão na esfera pública que
marcaram a história das sociedades ocidentais.
Neste sentido, Nancy Fraser defende a Teoria Crítica:
de redistribuição e reconhecimento, não apenas
como uma política assistencialista, mas que deve ser
associada às lutas feministas que buscam afirmar

80
II Simpósio de Saúde Sexual

combater essas injustiças relacionadas à má


distribuição de renda e injustiças culturais e de gênero
referentes à falta de reconhecimento dessas
mulheres. Com isso, se revela a importância do
presente trabalho que aspira abordar a distribuição
de renda do programa Bolsa Família (PBF)
relacionando com a Teoria Crítica proposta por
Nancy Fraser.

MÉTODOS
O projeto de pesquisa se baseia em uma
revisão bibliográfica de caráter quali quantitativa.
Inicialmente, utilizou-se o relatório de informações
sociais do Cadastro Único de Bolsa Família do
Município de Porto Seguro para uma análise
documental dos dados. Buscou-se referencial teórico
em artigos, revistas, sites oficiais do governo, tendo
como principal marco teórico a Teoria Crítica de
Nancy Fraser.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

No mês de junho, 10.914 famílias foram


beneficiadas pelo Programa Bolsa Família no
Município de Porto Seguro, perfazendo um total de R$
1.680.628,00 pago às famílias.
A forma de atuação do Programa Bolsa
Família, ao estabelecer condicionalidades a serem
cumpridas, aumenta a responsabilidade das
mulheres com o cuidado dos filhos e diminui a

81
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

responsabilidade dos homens, perpetuando os


papéis de gênero. Isso contribui também para que
elas não tenham acesso ao espaço público, sendo
destinadas à esfera doméstica. Como a mulher é a
principal beneficiária do bolsa família e
tradicionalmente, a sociedade já atribui às mulheres
o espaço privado e as tarefas ligadas a maternidades
e ao cuidado dos filhos e da família, em certa medida
o programa reforça os estereótipos de gênero e a
associação da mulher com a maternidade.

Os estereótipos de gênero são reforçados em


diversos âmbitos da sociedade. Percebe-se que
durante muitos séculos a ciência, a política, a religião
e a família foram e são grandes impulsionadores para
essa perpetuação.
Gênero é um exemplo paradigmático de
comunidade ambivalente e, por isso, Fraser (2002, p.
64) apresenta essa categoria sob uma lente bifocal,
com o objetivo de englobar ao menos dois tipos de
interesses. Na perspectiva distributiva, gênero surge
como uma diferenciação estabelecida na própria
estrutura econômica da sociedade. Ela sustenta a
divisão hierárquica do trabalho, ainda presente na
sociedade atual, pautada na separação entre
trabalho reprodutivo e doméstico, destinado às
mulheres, e trabalho produtivo e pago, de
responsabilidade primária dos homens. Ademais,
gênero estrutura uma divisão dentro do campo do
trabalho produtivo entre melhores salários, área

82
II Simpósio de Saúde Sexual

predominantemente masculina, e os menores


salários, área predominantemente feminina.
Já na perspectiva de reconhecimento, gênero
é uma diferenciação de status e, portanto, é a
condição das mulheres enquanto parceiras plenas
na interação social que requer reconhecimento. Uma
das características centrais da injustiça de gênero é
o androcentrismo que é “[...] um padrão
institucionalizado de valor cultural que privilegia
traços associados com a masculinidade”. Diante do
exposto, percebe-se que a política feminista precisa
ser bidimensional, associando política de
reconhecimento e redistribuição (FRASER, 2002, p. 64-
74).
Todavia, reivindicações por reconhecimento e
redistribuição implicam uma a outra de forma que
podem até levar a efeitos involuntários e indesejados
se não forem adequadamente implementadas. As
lutas feministas por redistribuição precisam ser
conciliadas com as lutas por mudanças culturais,
para que as políticas redistributivas não sejam
consideradas políticas assistencialistas, distorcendo o
significado do apoio dado a famílias de mães solteiras
como sendo um “receber algo em troca de nada”.
Por outro lado, políticas de reconhecimento, que
buscam valorizar as diferenças, quando
empreendidas em locais com grandes disparidades
econômicas, incorrem em gestos vazios, devendo ser
associadas às lutas por redistribuição (FRASER, 2002, p.
75-76).

83
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Nota-se a existência de um dilema


redistribuição/reconhecimento, visto que essas
pessoas sujeitas à injustiças de natureza econômica e
cultural precisam, ao mesmo tempo, negar e
reivindicar as suas especificidades. Objetivando
combinar políticas de reconhecimento e
redistribuição, de modo a reduzir a intervenção de
uma sobre a outra, Fraser (2003, p. 78-79) apresenta
um caminho intermediários chamado de reformas
não reformistas. Tratam-se de políticas com uma
dupla face, pois reformas que aparentam ser
afirmativas podem ter efeitos transformativos
dependendo do contexto em que são aplicadas. De
um lado, elas entrelaçam as identidades das pessoas
e satisfazem algumas de suas necessidades, e, de
outro, iniciam uma trajetória de mudanças que
podem levar a reformas mais radicais com o tempo.
Muitas teóricas feministas ressaltam a
importância do bolsa família como um programa
social válido na diminuição das opressões de gênero
no Brasil, iniciando-se uma revolução feminista no
sertão ao possibilitar que as mulheres pudessem
tomar decisões sobre a sua vida e sobre o seu corpo.
Entretanto, destacam que isso não é suficiente para
a emancipação dessa geração de mulheres que não
se reconhecem como cidadãs.

CONCLUSÕES
Diante do exposto, é válido ressaltar a
importância deste tema no âmbito social, pois o

84
II Simpósio de Saúde Sexual

município de Porto Seguro tem um número


considerável de assistidas pelo programa Bolsa
Família. Não somente para diminuir a situação de
vulnerabilidade em que se encontram, mas também
pelos debates em torno do programa. Através dos
estudos sobre a teoria crítica de Nancy Fraser, o
Programa Bolsa Família contribui para emancipação
dessas mulheres e reforça os papéis de gênero. Assim,
é necessário conjugar essa política às outras ações
voltadas para a igualdade de gênero, incorporando
posicionamentos mais críticos em relação ao tema.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n.º 10.836 de 9 de janeiro de 2004. Cria o


Programa Bolsa Família e dá outras providências.
Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/lei/l10.836.htm>. Acesso em 27 de março
de 2019.

FRASER, N. (2002). Políticas feministas na era do


reconhecimento: uma abordagem bidimensional da
justiça de gênero. In: BRUSCHINI, C. & UNBEHAUM, S.
G. (Org.). Gênero, democracia e sociedade brasileira
(cap. 2, p. 59-78). São Paulo: FCC; Editora 34.

FRASER, N. (2003). Distorted beyond all recognition: a


rejoinder to Axel Honneth. In: FRASER, N. & HONNETH,

85
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

A. Redistribution or recognition? A political-


philosophical exchange (cap. 3, p. 198-236). Londres,
Nova York: Verso.

ITABORAI, Nathalie Reis. O gênero da política social


no Brasil: o Programa Bolsa Família e o debate sobre
o empoderamento feminino nas classes baixas. 2015.
Disponível em:
<http://actacientifica.servicioit.cl/biblioteca/gt/GT11
/GT11_ItaboraiN.pdf>. Acesso em: 09 de julho de
2019.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Relatório


de Informações Sociais. Bolsa Família e Cadastro
Único do Município de Porto Seguro (BA). Disponível
em:
<https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relat
orio.php#Cadastro%20%C3%9Anico>.Acesso em 09
de julho de 2019

PORTAL DO GOVERNO FEDERAL. Cerca de 46,6


milhões de brasileiros são beneficiados pelo bolsa
família. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/noticias/cidadania-e-
inclusao/2018/05/cerca-de-46-6-milhoes-de-
brasileiros-sao-beneficiados-pelo-bolsa-familia>.
Acesso em 09 de julho de 2019.

86
II Simpósio de Saúde Sexual

UM OLHAR DO FEMINISMO NEGRO SOBRE A


JUSTIÇA REPRODUTIVA NO BRASIL

Pedro Henrique Monteiro da Silva


Maria Thayná Severino de Souza
Cristina Grobério Pazó

RESUMO: Este trabalho tem como principal objetivo


promover uma discussão acerca da criminalização
do aborto no Brasil, ao pensar o acesso a um aborto
seguro no Sistema Único de Saúde (SUS) como um
direito reprodutivo das mulheres que vem sendo
pautado no cenário internacional. A pesquisa
bibliográfica se utiliza da sensibilidade analítica do
Feminismo Negro para visualizar a questão, visto que
a intersecção de sistemas de opressão inserem signos
nos corpos das mulheres negras que as relega um
lugar de silenciamento em uma realidade não-
reprodutiva. Concluindo que o Feminismo Negro,
como produção teórica e prática, oferece as
ferramentas necessárias para reconhecer o acesso
ao aborto seguro como um direito humano e revela

87
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

a urgência de discutir a legislação vigente sobre as


práticas de abortamento, visto a positivação dos
direitos reprodutivos das mulheres no âmbito
internacional e a necessidade de readequação das
leis nacionais.
Palavras-chave: Feminismo Negro; Direitos
Reprodutivos; Aborto; Justiça Reprodutiva.

88
II Simpósio de Saúde Sexual

INTRODUÇÃO

A temática do aborto traz muita polêmica em


sua discussão no Brasil. Os organismos internacionais
apontam que o acesso a interrupção voluntária da
gravidez seja parte essencial da garantia de um
direito reprodutivo, o aborto seguro é uma realidade
muito distante para muitas brasileiras negras e pobres.
Os discursos que criminalizam o aborto perpassam as
searas religiosas, morais e consequentemente
jurídicas.
Estas tem o homem branco como o centro dos
espaços políticos de decisão e de poder, para assim,
reverberar a lógica patriarcal do controle dos corpos
das mulheres, ao ignorar o fato de que estas têm o
direito à autonomia e a decisão de continuar com
uma gravidez, é alienado também o fato de que a
não reprodução e o planejamento familiar, também
é um direito. Ao criminalizar o aborto o Estado parece
tentar proteger o feto da mulher, e lança-se o
questionamento: Será que um feto é mais importante
que um ser humano completamente formado? Ao
refletir esses questionamentos, este trabalho objetiva
a discussão do direito ao aborto como um direito
reprodutivo, reconhecido como um direito humano a
partir partir das lentes do feminismo negro, dentro do
contexto racializado e pós-colonial brasileiro,
tentando observar a criminalização do aborto e
dados sobre mulheres que abortam.

89
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

MÉTODOS

A pesquisa realizou uma abordagem


qualitativa explicativa, a partir da revisão
bibliográfica acerca do tema apresentado, das
discussões realizadas durante o Componente
Curricular “Gênero, Direitos Reprodutivos e Direitos
Sexuais no Brasil Atual” na Universidade Federal do Sul
da Bahia, da produção de feministas do sul global e
sob o marco teórica da jurista e norte-americana
Kimberlé Crenshaw, utilizou-se artigos, dissertações,
notícias específicas e livros que abordassem os
direitos reprodutivos das mulheres como direitos
humanos, apresentando a problemática da
criminalização do aborto no Brasil e seu impacto
sobre as vidas das mulheres.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


aponta que o aborto no Brasil tem cor e tem renda,
já que o índice de aborto provocado em/pelas
mulheres negras é de 3,5%, o dobro do número
verificado entre mulheres brancas (1,7%). Vale
ressaltar que no Nordeste o percentual de mulheres
com nível baixo de escolaridade que realizaram
aborto provocado (37% do total de abortos) é sete
vezes maior que o número de mulheres com superior
completo (5%) (HUFFPOST BRASIL, 2015).

90
II Simpósio de Saúde Sexual

A proporção de mulheres que realizaram ao


menos um aborto entre a Pesquisa Nacional do
Aborto (PNA) em 2010 e o PNA 2016 não se alterou de
forma relevante, o que chama a atenção para um
problema de saúde pública persistente e de alta
magnitude. Embora o aborto seja comum entre
mulheres de todos os grupos sociais, a criminalização
da prática da interrupção voluntária da gravidez se
mostrou inefetiva, pois, não diminui o número de
abortos e impede que mulheres busquem o
acompanhamento e a informação de saúde
necessárias (DINIZ; MEDEIROS; MADEIRO, 2017).
Apesar da quantidade de pesquisas e dos
números alarmantes quanto ao aborto no Brasil é
essencial recordar o fato de que há uma
subnotificação dos casos de aborto no país devido a
legislação do Código Penal (BRASIL, 1940). O discurso
jurídico, moral e religioso condena essas mulheres a
marginalidade, fazendo com que elas tenham suas
histórias e seu sofrimento silenciados, para evitar uma
denúncia às autoridades.
Como alvos do sistema patriarcal, vale refletir
que as diferentes mulheres são oprimidas por ele de
formas distintas. Além disso, o controle sobre os corpos
femininos está sempre se atualizando dentro do
sistema de gênero moderno/colonial, e a autora
Suely Carneiro aponta que a partir daí as identidades
vão ser criadas por um espectro cromático, o que
tem como consequências, formas particulares de
violências simbólicas e sexuais, como a animalização

91
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

de mulheres negras e indígenas como selvagens e


sem marcas da feminilidade, e a infantilização dos
corpos das mulheres brancas como animais
domésticos (CARNEIRO, 2003).
Biroli (2018) destaca que a América Latina e
mais precisamente o Brasil, tem investido no termo da
“defesa da família” como a palavra de ordem nas
primeiras décadas do século XXI, ao tentar firmar a
ideia de que família, sexo e parentalidade são da
ordem da natureza e não fatos sociais (BIROLI, 2018).
Ao colocar que os cuidados à criação dos filhos, a
contracepção e a reprodução é uma obrigação
feminina, na qual o Estado não se responsabiliza pela
criação de creches públicas, por exemplo: no sentido
de excluir a mulher do mercado de trabalho, do
ensino superior, espaços políticos de poder etc.
A autora Paula Rita Gonzaga (2015) vai
apontar que essa associação simbiótica da mulher
com a natureza as prende somente às suas funções
biológicas, principalmente a reprodução, no qual o
dispositivo da maternidade conjuga “incitações,
constrangimentos e restrições ao comportamento
das mulheres na fusão de feminino e maternal”
(GONZAGA, 2015).
A naturalização da maternidade serve ao
sistema de gênero moderno ao reiterar a condição
de coadjuvante das mulheres na sociedade. Essa
rede de práticas cotidianas e as construções
simbólicas dos corpos femininos contribuem para a
criminalização do aborto no Brasil (GONZAGA, 2015).

92
II Simpósio de Saúde Sexual

Fenômeno que para ser compreendido


necessita da conceituação do problema sobre o
olhar da interseccionalidade. Kimberlé Crenshaw
(2002), a jurista e feminista negra cunhou o conceito
buscando “capturar as consequências estruturais e
dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de
subordinação”. A opressão de classes, raças, gênero,
etnias, geração se atravessam em um mesmo corpo
ao constituir aspectos dinâmicos ou ativos de
desempoderamento dos sujeitos (CRENSHAW, 2002).
A interseccionalidade surge então como
ferramenta para perceber como o machismo, o
racismo e o capitalismo se atravessam para cercear
a vida e a dignidade dessas mulheres negras e pobres
que sofrem com abortos inseguros e correm o risco da
criminalização, já que mulheres ricas conseguem
realizar o procedimento em clínicas que apesar de
serem ilegais são seguras. Essa problemática vêm
apresentando avanços e retrocessos no campo
jurídico-discursivo brasileiro, mas somente a
descriminalização do aborto pode garantir justiça
reprodutiva para essas mulheres.

CONCLUSÕES

Diante das discussões pode-se inferir que o Feminismo


Negro, como produção teórica e prática, oferece as
ferramentas analíticas necessárias para visualizar a
situação das mulheres no Brasil de forma complexa
ao compreender os sistemas de opressão que

93
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

constroem um conjunto único que relega às mulheres


negras um não-lugar. Essa vertente feminista ainda
contribui para reconhecer o acesso ao aborto seguro
como um direito humano e revela a urgência de
discutir a legislação vigente sobre as práticas de
abortamento, visto a positivação dos direitos
reprodutivos das mulheres no âmbito internacional e
a necessidade de readequação das leis nacionais.

REFERÊNCIAS

BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da


democracia no Brasil. Boitempo Editorial, 2018.

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de


1940. Código Penal. Diário Oficial [da] República dos
Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
Disponível em: . Acesso em: 09/05/2019.

BRASIL POST. 2015. Disponível em: . Acesso em: 08 de


Maio de 2019.

CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação


da mulher negra na América Latina a partir de uma
perspectiva de gênero. Racismos contemporâneos.
Rio de Janeiro: Takano Editora, v. 49, p. 49-58, 2003.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro


de especialistas em aspectos da discriminação racial

94
II Simpósio de Saúde Sexual

relativos ao gênero. Revista estudos feministas, v. 10,


n. 1, p. 171, 2002.

DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo. Aborto no Brasil:


uma pesquisa domiciliar com técnica de urna.
Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 959-966, 2010.
DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO,
Alberto. Pesquisa nacional de aborto 2016. Ciência &
Saúde Coletiva, v. 22, p. 653-660, 2017.

GONZAGA, Paula Rita Bacellar . Eu quero ter esse


direito a escolha: formações discursivas e itinerários
abortivos em Salvador. 2015. p. 12. Dissertação
(Dissertação em Estudos Interdisciplinares sobre
Mulheres, Gênero e Feminismo) - Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
da Bahia, 2015.

95
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

SUJEITO-NEGRO-GAY-MACUMBEIRO:
PROCESSOS E DIVERSIDADE NO AMBIENTE
ESCOLAR

Yuri Miguel Macedo

RESUMO: O presente estudo traz como problema a


questão dos discursos instituídos na escola sobre os
estudantes negros e/ou gays e/ou macumbeiros,
engendrados no contexto das políticas de ações
afirmativas/redistributiva e outras formas de inserção
das diferenças. É relevante trazer à tona a presente
discussão porque o racismo, bem como a
homofobia e a intolerância religiosa, no século XXI,
ainda pode ser evidenciado na sociedade em geral,
nos espaços públicos e privados. Assim, aspectos
legais, como o direito à educação, as relações
étnico-raciais, direito de culto, as identidades
múltiplas e a escolarização desses grupos
historicamente espoliados, constituem temas de
estudo e investigação. A intenção é conhecer quais
as representações dos educadores sobre a

96
II Simpósio de Saúde Sexual

escolarização destes grupos sociais e sua


participação no cotidiano escolar. Considerando o
alto índice de exclusão de estudantes negros, gays
e macumbeiros da instituição escolar, estas ações
podem contribuir para a diminuição das práticas
discriminatórias neste espaço e, consequentemente,
o risco social e os processos de exclusão que ainda
assola esse contingente.

Palavras-Chave: Sujeito negro-gay; Diferenças;


Identidades; Educadores; Diversidade.

97
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

Vê-se que medidas estratégicas de contenção


das situações adversas que se apresentam no
cotidiano escolar são discutidas por instituições de
ensino, governo e organizações não governamentais
por todo o país. As constantes tensões existentes nos
espaços educacionais provocadas pelas complexas
relações intensificadas nos últimos tempos – violência,
indisciplina, relatos de maus-tratos, conflitos entre
família e escola e outras situações – emergem a todo
instante e exigem um atendimento cuidadoso e
qualificado por parte dos profissionais da escola.
Muitas dessas tensões estão relacionadas às
demandas sociais que se apresentam neste
ambiente provenientes, em grande parte, das
desigualdades sociais, raciais, de gênero e
sexualidades que permeiam a estrutura da
sociedade brasileira.
Isso nos leva a pensar se seria uma forma de
culpabilizar, “curar” ou enquadrar esses sujeitos da
diferença em critérios universalistas de identidades.
Assim, corre-se o risco de invisibilizar as identidades
dos diferentes sujeitos que se formam no espaço
escolar, na medida em que a escola nega os
conhecimentos sobre a África e a Cultura Afro-
brasileira, bem como das várias formas de pensar as
sexualidades enquanto currículo e debate,
importantes no combate ao racismo e à homofobia,
assim como, na constituição da afirmação de
identidades e direitos.

98
II Simpósio de Saúde Sexual

A relação do Estado com a situação social,


racial e de sexualidade através do atendimento a
estes grupos, também se faz essencial. Assim,
aspectos legais, como o direito à educação, o
combate do racismo na sociedade brasileira, a
desconstrução de imagens depreciativas sobre os
sujeitos gays, as relações étnico-raciais na escola, a
escolarização desses sujeitos e a postura do professor
diante das legislações antirracistas e contra a
homofobia são aspectos que devem ser observados
e problematizados.
Colocamos para reflexão já uma hipótese
inicial, ou seja, as escolas não vêm cumprindo a
implementação da Lei 10.639/03 e que as
representações dos professores sobre as crianças e
adolescentes negros e gays influenciam nessa
decisão. Que as desigualdades educacionais
atingem, principalmente, o sujeito negro e que os
professores não reconhecem o racismo e, também,
desconsideram as legislações educacionais
antirracistas. Além de se colocarem inertes frente às
diferenças sexuais e de gênero que compõem o
quadro escolar, pois o tema da sexualidade ainda se
constitui como tabu nas práticas educativas,
silenciando essas diferenças e muitas vezes
reforçando situações de homofobia e violências.
Consentida e ensinada na escola, a homofobia
expressa-se pelo desprezo, pelo afastamento, pela
imposição do ridículo. Como se a homossexualidade
fosse “contagiosa”, cria-se uma grande resistência
em demonstrar simpatia para com sujeitos

99
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

homossexuais: a aproximação pode ser interpretada


como uma adesão a tal prática ou identidade. O
resultado é, muitas vezes, o que Peter McLaren
(1995) chamou de um apartheid sexual, isto é, uma
segregação que é promovida tanto por aqueles
que querem se afastar dos/das homossexuais como
pelos/as próprios/as. (LOURO, 2000, p. 16/17).

A lei 10.639/03 trata da inserção dos conteúdos


de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial,
além da orientação quanto ao trato das questões
estruturais contidas nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais, sendo uma medida que contempla as
políticas afirmativas instituídas dentro de um conjunto
maior de ações de inserção social da população
negra. No caso da Educação, tais ações tornam-se
importantes instrumentos garantidores do direito à
educação e, consequentemente, possibilidade de
afirmação de identidades. Neste sentido, vislumbrar a
permanência de crianças e adolescentes negros na
escola e assim, diminuir os riscos intensificados sobre
aqueles que abandonam o ambiente escolar e
acabam compondo índices de violência,
institucionalização e morte letal, verificados no Mapa
da Violência2.
Com relação à diminuição da violência contra
as diversidades sexuais nas instituições de ensino
brasileiras muito pouco tem se feito. O problema

2O Mapa da Violência mostra o panorama deste fenômeno nas


diferentes regiões do Brasil, por cor/raça, gênero e idade.
10
0
II Simpósio de Saúde Sexual

acaba incidindo também nas perspectivas


relacionadas à formação dos sujeitos nas identidades
de gênero, ou seja, o papel que deve ser
desempenhado por mulheres e homens na
sociedade, moldando subjetividades padrão,
formando sexualidades que se orientam para o
normativo, portanto, heterossexual, ao mesmo tempo
em que não se permite uma discussão mais
aprofundada sobre os desejos e devires sexuais
diferentes, silenciando corpos e discursos
homocentrados.
[...] a escola tem uma tarefa bastante importante e
difícil. Ela precisa se equilibrar sobre um fio muito
tênue: de um lado, incentivar a sexualidade
“normal” e, de outro, simultaneamente, contê-la.
Um homem ou uma mulher “de verdade” deverão
ser, necessariamente, heterossexuais e serão
estimulados para isso. Mas a sexualidade deverá ser
adiada para mais tarde, para depois da escola,
para a vida adulta. É preciso manter a “inocência”
e a “pureza” da criança (e, se possível, dos
adolescentes), ainda que isso implique no
silenciamento e na negação da curiosidade e dos
saberes infantis e juvenis sobre as identidades, as
fantasias e as práticas sexuais. Aqueles e aquelas
que se atrevem a expressar, de forma mais evidente,
sua sexualidade são alvo imediato de redobrada
vigilância, ficam “marcados” como figuras que se
desviam do esperado, por adotarem atitudes ou
comportamentos que não são condizentes com o
espaço escolar (LOURO, 2000, p. 14).

Certamente, o olhar dos educadores sobre


estes grupos influenciam a decisão de garantir ou

10
1
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

não práticas educativas voltadas para a valorização


das diferenças na escola. Compreende-se que estas
ações podem estar imbricadas com os resultados do
processo de escolarização e de formação identitária,
bem como o papel desempenhado por estes sujeitos
na sociedade.

INQUIETAÇÕES OUTRAS

Se antes a disciplina era a estratégia de


dominação dos instintos “selvagens” e incivilizados,
nestes últimos tempos a tentativa de enquadrar os
que são colocados à margem, quase sempre
crianças empobrecidas, indígenas, negras, gays, está
legitimada nas práticas escolares. Os discursos
apresentados no currículo, nas literaturas, no livro
didático, nas práticas pedagógicas e nas relações
entre os diferentes atores demonstram tal realidade.
Estas considerações apontam alguns fatores
indicadores de desigualdades sociais, da violência e
indiferença para com alguns dos sujeitos mais
fragilizados na história da sociedade brasileira: as
crianças e adolescentes negros, indígenas e
homossexuais. Neste contexto, em 2003, é instituída a
Lei 10.639, ou seja, uma alteração da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional que trata da
obrigatoriedade da inserção da História e Cultura
Afro-brasileira no currículo escolar. Além disso, as
diretrizes, construídas em 2004, descrevem os
princípios e temas a serem instituídos. No caderno da

10
2
II Simpósio de Saúde Sexual

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização


e Diversidade – SECAD apontou as seguintes
propostas: Programa Nacional de Direitos Humanos II
(de 2002); o Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres (2004), o Programa Brasil sem Homofobia
(2004) e o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos (2006) gestados a partir de lutas e
transformações que receberam maior impulso desde
a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Além dos documentos apontados acima, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n.
9394/1996, assegurou o direito à escola a todas as
pessoas (brasileiras ou estrangeiras residentes no
país), sem discriminar singularidades ou
características específicas de indivíduos ou grupos
humanos.
Acredita-se que a escola e, em particular, a
sala de aula, devem formar um ambiente privilegiado
para se promover a cultura de reconhecimento das
diversidades e das múltiplas identidades, pois a
formação cidadã prioriza o desenvolvimento pleno
dos sujeitos da diferença nela inseridos.
No entanto, percebe-se, pelas diversas
pesquisas, a total invisibilidade destes documentos na
maioria das escolas brasileiras. Fato que expõe as
crianças negras à manutenção da lógica de
exclusão escolar que afeta de forma mais intensa, as
crianças, adolescentes e jovens negros
(ABRAMOVAY; CASTRO, 2006, 2009; LOPES, 2008,
GOMES, 2007), bem como violentam subjetividades

10
3
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

sexuais diferenciadas. Quando a escola ignora as


desigualdades raciais, de gênero e sexualidades e
continua reproduzindo práticas universalistas, mesmo
diante das legislações antirracistas e contra a
homofobia, pode-se considerar a prática do racismo
institucional e outras formas de sujeição das
diferenças.
O racismo institucional contribui para a
segregação e/ou exclusão de negros e indígenas.
Nesse contexto, podemos compreender que a
identificação de raças é, na realidade, uma
construção social, política e cultural produzida no
interior das reações sociais e de poder ao longo do
processo histórico [...]. É no contexto da cultura que
nós aprendemos a enxergar as raças. Isso significa
que aprendemos a ver negros e brancos como
diferentes na forma como somos educados e
socializados a ponto dessas ditas serem introjetadas
em nossa forma de ser e ver o outro, na nossa
subjetividade, nas relações sociais mais amplas.
A questão mais séria é: por que aprendemos a ver o
outro e, nesse caso, o negro, como inferior devido
aos seus atributos físicos e a sua origem africana? A
resposta é: porque vivemos em um país com uma
estrutura racista que precisa ser superada e porque
o histórico da escravidão ainda afeta
negativamente a vida, a trajetória e inserção social
dos descendentes de africanos em nosso país
(MUNANGA, 2004, p. 176).

Invisibilizado, na maioria das vezes, o racismo


impede a entrada e/ou permanência destes grupos
em espaços que deveriam lhes ser de direito
(HENRIQUES, 2002). Isso nos leva a refletir sobre a

10
4
II Simpósio de Saúde Sexual

instituição escolar, um dos poucos ambientes


representativos de direitos a que as crianças mais
empobrecidas e suas famílias têm acesso, no qual a
sua estada e permanência nem sempre é garantida.
Assim, permitir que práticas homofóbicas, sexistas e
racistas continuem acontecendo em ambiente
escolar, é ferir a legislação específica e os direitos
humanos.
Pois, neste país, as distâncias sociais são tão grandes
e o fosso social tão imenso que parece não ser
plausível uma medida comum que permita que a
questão da justiça e da igualdade se coloque como
problema e critério de julgamento nas relações
sociais, de tal modo que a trama das desigualdades
e iniquidades é como que neutralizada, fixando
diferenças e assimetrias (de classe, de gênero, de
idade, de raça, de origem) em modos de ser não
apenas distintos, mas incomensuráveis [...] (TELLES,
2006, p. 10).

A rede de desigualdades sociais atrelada às


diferenciações culturais desmonta qualquer
perspectiva de construção de cidadania. A lógica
capitalista impõe suas conjunturas de manutenção e
reprodução a todas as organizações públicas e
privadas. Neste projeto perverso, o desamparo social
não incomoda a elite empreendedora, que lança
mão de estratégias de garantia da perpetuação do
mercado existente.
A contribuição dos escravizados à economia e
cultura não foi compensada após a abolição. Foram
incorporadas no Brasil teses do racismo científico e de

10
5
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

inferioridade biológica dos africanos e afro-


descendentes, atreladas a uma política de inserção
de imigrantes europeus. Nesse sentido, citamos o
Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil
Racismo, Pobreza e Violência (2005, p. 33):
O racismo científico, elaborado na Europa e nos
Estados Unidos a partir de meados do século 19,
difundiu-se no Brasil após a década de 1870, por
meio de autores como Nina Rodrigues, Oliveira
Vianna, Euclides da Cunha, Sílvio Romero e João
Batista de Lacerda. Suas teses apoiaram-se em
pesquisas da biologia e da antropologia física, que
criaram a idéia de raça com base em investigações
sobre as diferenças físicas e visíveis entre grupos
humanos e civilizações. Esse ideário influenciou a
intelectualidade, os reformadores sociais e os
políticos, até a terceira década do século 20, e
ainda hoje permeia o imaginário social e o universo
econômico, político e cultural do país (BRASIL, 2005,
p. 33).

A democracia racial brasileira é um mito,


afirma Carlos Lopes, editor-chefe do Relatório do
Desenvolvimento Humano Brasil (2005, p. 8):
O Brasil convive, há séculos, com uma barreira que
trava o desenvolvimento humano
de parte significativa de sua população: o racismo,
que se apresenta como um obstáculo de caráter
tanto institucional (por meio de políticas que
ignoram a população negra e indígena) quanto
socioeconômico (por meio da desigualdade social
que segrega parte da população nas áreas mais
pobres do país (BRASIL, 2005, p. 08).

10
6
II Simpósio de Saúde Sexual

Assim, faz-se essencial pensar sobre os


problemas apresentados por estudantes negros, gays
e negros-gays nas escolas, através dos processos
construídos por estas instituições na busca de
compreender que fatores históricos, culturais,
políticos, raciais, de gênero e sexualidades estão
imbricados nas proposições desses espaços.
Considera-se a relevância da disposição do professor
em cumprir o que determina a Lei 10.639/03 e outras
ações de combate à homofobia e modificar o
currículo, as práticas pedagógicas e a concepção
desses sujeitos, no sentido de viabilizar uma
educação para a igualdade das diferenças.
Investigar os discursos dos professores sobre
esses estudantes, assim como identificar possíveis
exclusões no processo de escolarização deste
contingente também é de suma importância para
desconstruir com essa rede de violências e opressão.
Neste sentido, uma proposta é que se estabeleça
uma relação mais íntima dos discursos com as
proposições legais antirracistas e contra a
homofobia. Isso porque os dados do IPEA mostram
que a maioria das crianças e adolescentes que
abandonam a escola são negras ou assumem
identidades sexuais não padronizadas (gays, lésbicas,
travestis, transexuais etc.). Além deste dado, estes
sujeitos estão em desvantagem em relação aos
índices de reprovação escolar, fato este, importante
para a problematização da relação da

10
7
Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

escolarização, currículo escolar e exclusão social,


como desdobramento dessas exclusões.
Para isso, o recorte para a pesquisa histórica
documental e oral se faz essencial na investigação
da existência de uma real inserção das Diretrizes
Curriculares Nacionais na escola, na relação com os
discursos dos educadores, sobre estes grupos
historicamente excluídos, também a produção
discursiva de diferentes movimentos de ativistas que
pululam nas redes sociais promovendo a valorização
da autoestima dessas diferenças, bem como
denunciando situações de violência e opressão.
Pensamos que é na prática da luta e da
resistência que o levante se fará, sendo estes os
pilares mais importantes na manutenção da
cidadania e da democracia, e a escola se faz como
espaço essencial neste processo de fortalecimento
de identidades e subjetividades, mediando
empoderamentos e buscando construir uma outra
História, onde as diferenças sejam concebidas como
riqueza, fontes de novas culturas e expressões, em
prol de um desenvolvimento político, social,
econômico, cultural, educacional mais justo e
verdadeiramente libertário.

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