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Universidade Federal de Juiz de Fora

Faculdade de Educação
Licenciatura em História

Bianca Ribeiro de Sá

O estranho e o familiar na escola


Prática Escolar em Ensino de História

Juiz de Fora – Minas Gerais


2022
O estranho e o familiar na Escola

Venho realizando a atividade de Prática Escolar na Escola Estadual Marechal


Mascarenhas de Moraes, localizada no bairro Teixeiras, na cidade de Juiz de Fora em Minas
Gerais. A escola é popularmente conhecida como “Polivalente”, já que fez parte do programa
de governo dos anos 70 que buscou promover uma interação entre escola e trabalho.
Atualmente ela oferece vários cursos, sendo eles: Ensino Médio, Ensino Médio Integral,
Ensino Fundamental, EJA (Ensino Fundamental e Ensino Médio), Curso técnico em Logística
e Curso Técnico em Administração. No ensino básico a escola tem 745 alunos matriculados,
225 no ensino médio e 350 no ensino fundamental.

A escola conta com uma boa estrutura física, com salas de aulas bem divididas
e espaçosas, janelas dos dois lados (o que ajuda na circulação de ar). O pátio é bem grande,
porém um dos principais problemas são os degraus; a única rampa que leva ao lado mais
elevado do prédio possui inclinação maior do que a indicada, o que atrapalha a circulação de
alunos e funcionários com deficiência. Conversando com a professora de apoio de um dos
alunos da escola, soube que muitas vezes ela necessita da ajuda dos próprios alunos e
funcionários para locomoção da cadeira de rodas.

Minha primeira experiência na escola foi nostálgica, já que também estudei em


uma escola do programa Polivalente dos anos 70. A estrutura dessas escolas é praticamente a
mesma, o que me surpreendeu, uma vez que estudei em Santos Dumont (MG). Os
funcionários da escola me receberam muito bem, assim como a diretora e o professor de
História. Não me senti acolhida pela coordenadora, que não me deu abertura para conversa e
pediu para que eu falasse com a diretora.

Conversando com alunos e professores, soube que durante a pandemia a escola


sofreu com uma onda de furtos. Foram roubados fios de cobre, por esse motivo a parte
elétrica foi afetada. Reparos mais urgentes foram realizados, mas os ventiladores, por
exemplo, seguem sem funcionar. A escola também foi beneficiada com uma obra nos
telhados, já que antes existiam muitos buracos que causavam goteiras. Outra benfeitoria foi a
instalação de rede de internet com wi-fi, que infelizmente não estava funcionando (até então
aguardavam o técnico).

A sala de informática, que antes já deixava a desejar, encontra-se agora em


pior estado: de 25 computadores, somente 7 funcionam. A sala de professores também tem
computadores, e nem todos funcionam. Um dos problemas enfrentados nas redes estaduais de
ensino é a falta de profissional específico nos infocentros. Muitas vezes os professores não
têm a capacitação necessária para ministrar aulas em computadores e a tarefa fica para o
bibliotecário (que nesse caso também não é capacitado). Os esforços para a modernização da
escola são evidentes, segundo a diretora o uso dos celulares foi flexibilizado e instrumentos
como projetores e computadores são oferecidos a professores, mas nem todos acatam a ideia.

Seguindo orientações da BNCC, que já está sendo implementada na escola


desde 2017, os planos de curso foram reformulados, o ensino fundamental foi padronizado, e
a escola vem tentando promover uma educação mais multidisciplinar e implementar as aulas
diversificadas como dança, música e capoeira. Feiras de ciências com temas que tocam nos
assuntos vivenciados pelos alunos, como a mulher na sociedade e as drogas, e concurso de
redação com premiação foram formas de incentivar, educar os alunos e promover interação
entre as matérias. Entretanto, de acordo com a diretora, alguns professores não são receptivos
ao projeto e não aceitam bem as interferências da escola em sala de aula.

Os reflexos da pandemia são evidentes no funcionamento da escola. O ensino


remoto iniciou-se em 2020, em outubro de 2021 iniciou-se o ensino híbrido facultativo e no
dia 22 de novembro de 2021 o retorno foi obrigatório (exceto para alunos com comorbidades).
Depois da volta presencial, as atividades foram suspensas duas vezes em decorrência do
aumento de casos de Covid-19. A evasão escolar no ensino remoto foi perceptível, porém a
grande maioria retornou a escola. Muitos alunos não tinham condições de assistir aulas
síncronas, por esse motivo, para eles, as apostilas PET foram a única alternativa. Um dos
resultados foi a defasagem de aprendizagem: aproximadamente 20 alunos do ensino
fundamental não foram alfabetizados.

Observando o funcionamento escolar percebi que alguns alunos, professores e


funcionários ainda utilizam a máscara, outros não. A presença do celular, fones de ouvidos é
mais evidente (levando em consideração a época em que fiz o ensino médio). Entretanto,
apesar da pandemia do Covid-19, não observei grandes mudanças na estrutura escolar.
Porém, conversando com a diretora, me informei dos problemas pós-pandemia. Os alunos
enfrentaram o luto, perderam amigos, pais, avós, familiares e vizinhos durante a pandemia. Os
mais novos, do ensino fundamental, enfrentam dificuldades de socialização e compreensão da
escola e da autoridade do professor. Já os mais velhos, dividem o tempo da escola com o
trabalho e desenvolveram comportamento ansioso e inquieto. De acordo com a direção, os
casos de crise de ansiedade aumentaram consideravelmente. Mesmo assim, as escolas não
contam com apoio psicológico, o que deveria ser obrigatório.

Não só os reflexos da pandemia vem influenciando no ambiente escolar, a


economia do país também reflete na escola. Além do problema da evasão escolar, muitos
alunos passaram a conciliar a escola com o trabalho para ajudar a família. A má economia do
Brasil tem tirado as possibilidades de estudo da vista desses adolescentes. A escola Marechal
Mascarenhas tem um programa de curso integral, os alunos que se formam no integral tem
mais horas no histórico escolar. Porém, muitas vezes, os pais questionam a escola por que
estudar integralmente sem ter uma formação complementar para o mercado de trabalho. Além
disso, a merenda é um dos assuntos mais delicados. Nos últimos meses a escola tem gastado
mais gás e os alunos estão consumindo mais comida. Isso pode estar relacionado a falta de
condições da população em colocar comida na mesa.

Acompanhando um dos professores de história da escola nas aulas do terceiro


e segundo ano do ensino médio, pude observar a sala de aula de perto. O comportamento dos
alunos é normal, o que choca é o constante uso de fones de ouvido em sala de aula e a
dependência do celular. Conversas paralelas e agitação é algo que sempre existiu em sala de
aula, entretanto quando é para falar sobre a matéria os alunos não se mobilizam. Obviamente,
fui aluna da escola básica e olhar para sala de aula agora é completamente diferente de antes.
Realizei o ensino médio no IF e creio que o ambiente escolar é bastante diferente da escola
estadual e temo que minhas comparações sejam injustas. Mas o que mais me chocou nas aulas
de história foi a passividade dos alunos e a prática do professor que se colocou no papel de
reprodutor de conteúdo: passar matéria no quadro, dar visto em caderno e nos 10 minutos
finais da aula falar o que ele escreveu.

A estratégia usada pelo professor é bastante simples, durante o período que os


alunos copiam eles fazem silêncio. O visto no caderno contribui para que copiem. Suas aulas
são idênticas em todas as salas: ele passa tópicos no quadro sobre o tema e duas perguntas,
uma a ser respondida e outra os alunos devem criar, mas ele não corrige as questões. O
professor não utiliza o livro didático e nenhum outro material de apoio. Assim como já disse,
os alunos quase nunca comentam algo sobre a matéria, mas quando comentam ele ignora a
não ser que seja uma pergunta de fato.
Durante uma aula sobre industrialização e imigração no Brasil, o professor fala
sobre café e o aluno faz um comentário sobre o preço do café hoje. Acredito que o professor
deveria ter dado mais valor ao comentário desse aluno para ensinar sobre inflação, por
exemplo. Durante a explicação da matéria na mesma aula o professor retoma a lei dos
sexagenários e um aluno pergunta quanto tempo é preciso trabalhar para aposentar, o
professor ignora. Uma prova de que a aproximação do conteúdo com a realidade do aluno é
promissora é o fato dos alunos terem parado para ouvir o professor explicar cobre colegiado
após reclamações sobre a fila da merenda.

É frustrante ver a quantidade de ganchos desperdiçados pelo professor.


Durante uma aula sobre revolta da vacina, uma aluna faz um comentário em tom de
brincadeira sobre a vacinação do contra o covid e mais uma vez o professor ignora. Em outro
momento, numa aula de Revolução Francesa, um dos tópicos no quadro era "sufrágio
universal” e uma das alunas perguntou ao professor se sufrágio é um movimento feminista e a
resposta dele ainda a deixou com dúvida. A aluna provavelmente já ouviu falar sobre o
movimento sufragista e relacionou a palavra ao feminismo, porém o momento que poderia
ser aproveitado para explicar o que é sufrágio e sanar a dúvida dela e dos demais foi
desperdiçado.O que percebi é que o professor alimenta uma ideia estática sobre seus alunos,
ele acredita que eles não têm capacidade de discussão e questionamento e considera suas
dúvidas e comentários típicos de adolescentes como inválidos.

Nos primeiros dias na escola fui assediada por alunos. Nós mulheres, estamos
acostumadas com o assédio, porém o ambiente em que vivo me fez acreditar que tal
comportamento é ultrapassado e apenas perpetuado por homens mais velhos. Se pudesse dar
uma dica a escola seria para que promovessem mais discussões sobre assédio, respeito,
preconceito, violência doméstica, drogas ilícitas e lícitas. Sabemos que a escola é um local de
formação de cidadãos e que ela tem o poder de mudar o caminho deles e trazer discussões que
não serão abordadas em casa.

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