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Ensino de História

Experiência e
interculturalidade

Aliny D. P. de Medeiros Pranto


Paulo Souto Maior
Azemar dos Santos Soares Jr
(Organizadores)

Ideia – João Pessoa – 2021


Todos os direitos dos organizadores(as).
A responsabilidade sobre textos e imagens é do respectivo autor(a).

Editoração/Capa: Magno Nicolau

Ilustração da capa
https://www.istockphoto.com/br/foto/reserve-gm484017844-70996017
(STILLFX)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

E598 Ensino de História: experiência e interculturalidade [recurso


eletrônico] Aliny D. P. de Medeiros Pranto, Paulo Souto
Maior, Azemar dos Santos Soares Júnior, Organizadores. –
João Pessoa: Ideia, 2021.
6.3mb; pdf

ISBN 978-65-5608-147-2

1. História – ensino. Paraíba. 2.Ensino de história - prática


docente. 3. Colóquio de Ensino de História – UFRN, Brasil. I.
Pranto, Aliny D. P. de Medeiros. II. Souto Maior, Paulo. III.
Soares Júnior, Azemar dos Santos. IV. Título.

CDU 94:37(813.2)

Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Gilvanedja Mendes, CRB 15/810

EDITORA
contato@ideiaeditora.com.br
www.ideiaeditora.com.br
SUMÁRIO

Apresentação 10
Aliny D. P. de Medeiros Pranto
Paulo Souto Maior
Azemar dos Santos Soares Jr

Ensino de História e Gênero

My Little Girl: Abordando em sala de aula a figura feminina nas canções de rock
dos anos 50 e 60 12
João Paulo Brito Lima

Memórias escolares revisitadas na pandemia: Gênero na Antiguidade (PIBID-2015) 20


Emanuella Bezerra de Oliveira

Ensino de História e Gênero: uma reflexão da figura do feminino e sua relevância


como agentes da história 28
Elaine Cristina dos Santos Silva
Jamilly J. Martins Fernandes

Independência dos corpos e seus prazeres: sair do armário ainda é proibido... ao menos
no “7 de Setembro” 35
Walber Ferreira da Silva

O papel da mulher no período colonial: a(s) perspectiva(s) dos discentes sobre novos
temas nas aulas de História 41
José Evangilmárison Lopes Leite

Ensino de História e Novas Tecnologias

As Novas Tecnologias no ensino da Segunda Guerra Mundial: O caso dos objetos


educacionais digitais 50
Maria Luiza Pérola Dantas Barros

A Memetização do Ensino de História 57


Pedro Henrique Ribeiro Fernandes
Julia Beatriz Silva Vicente Chaves
História e História em Quadrinhos: novas abordagens para o ensino de história 63
Natalia Santos Amorim
Aline de Souza Silva

Ensino de História e seus desafios: A utilização do método audiovisual como fonte


e metodologia em sala de aula 68
Aline de Souza Silva

Práticas Educativas Digitais: Técnicas Imersivas no SESI Museu Digital de


Campina Grande 73
Thiago Acácio Raposo
Vivian Galdino de Andrade

Escutas da Docência: Aulas de História sobre a Ditadura 81


Thyara de Lemos Cavalcante

Pesquisando e inventariando os lugares de memória no brejo paraibano por


meio das TIC 86
Amanda Tavares da Silva
Aline Ferreira da Silva

A importância de pensar historicamente: dilemas da contemporaneidade 93


Luciana Angelice Biffi

Jogos em realidade virtual no ensino de História- Experiência com BV128 para o


ensino de História de Roraima 98
Édla Sonaira Salazar de Oliveira

Experiências no Ensino de história na Educação Básica

Literatura e ensino de História: mandela, ontem um filho da África, hoje, o pai dos
africanos 105
Luana Pereira da Cunha
Paulo Roberto Souto Maior Junior

Representatividade nas páginas do livro didático sobre as religiões e cultura


de matriz africana 113
José Luiz Xavier Filho
Currículo, mediação pedagógica e atitude historiadora: a utilização de fontes
históricas na Educação Básica 121
Eduardo José Neves Santos
Tiago Ricardo Luciano

História africana e afro-brasileira como prática antirracista 129


Viviane Aline Marcolino de Lima
Layson Gabriel Brito Silva

Pedagogia cultural: a construção de um perfil emancipador na educação 136


Rander de Souza Ferreira
Urano Augusto Lopes Ferreira da Silva

Práticas docentes no ensino de história em João Pessoa durante a pandemia de 2020144


Maday de Souza Morais Pereira
Alyne Rosiwelly Araújo Figueiredo

Produzindo um inventário pedagógico para o ensino de história local: os lugares


de memória em Bananeiras e Solânea/PB 148
Emanuela Rocha da Silva Arcanjo
Sabrina Castro de Almeida

Estágio IV e a experiência do Ensino Remoto na Pandemia do Novo Coronavírus 159


Laís Eunice Oliveira Dantas
Sarah Karolina Sucar Ferreira

Ensino de história e literatura afro-brasileira: possibilidades metodológicas na poesia de


Solano Trindade 166
Jamilly Jessica Martins Fernandes
Natalia Santos Amorim

História e Ilustração Literária: a importância dos estudos da África no ensino


básico brasileiro 173
Vivian Vital Gualberto

A falta de compreensão sobre a utilidade do ensino de História: uma pesquisa de


amostragem 179
Augusto Agostini Tonelli (UEM)
Letícia da Silva Leite
História do Ensino de História

Perpectivas em pauta: o ensino de história na história da educação brasileira 185


Maria Artenisia da Costa Lima

O ensino de história e suas abordagens em diferentes contextos históricos 191


Flavia Moraes Cartaxo

Do conceito à representação: a Eugenia e as obras didáticas de História 196


Cintia Rufino Franco Shintate

O ensino da história em manuais didáticos soviéticos traduzidos para o Brasil


na década de 1960 200
Flávio José Dalazona

Formação de professores de história e ensino de história: a trajetória da ANPUH


através das páginas da revista brasileira de história e revista história hoje 208
Silvano Fidelis de Lira

O livro didático e o ensino de história: uma breve análise 215


Caroline Cataneo

O acervo de escolas extintas de goiânia um local de memórias 222


Arleth Barbosa Ferreira Pereira
Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida

Ensino de História e História Oral

Um banquete de oralidade na moita: Práticas alimentares de uso dos cactos e


das bromélias na comunidade Moita de Boqueirão-PB (2002-2004) 228
José Carlos Silva
Iranilson Buriti de Oliveira

Patrimônios históricos culturais de Aquidauana/MS: análise e discussão sobre o Museu


Marechal José Machado Lopes, morro dos mirantes e cultura imaterial do tereré 237
Letícia Mortari Fonseca

As rendeiras e bordadeiras como preservação da memória oral através do


ensino de história 240
Roberta Mendes de Sá
Práticas do ensino de História na Educação Básica

Luz, câmera, ação: o cotidiano do ensino de História como invenção 249


Anna Gabriella de Souza Cordeiro
Maria Inês Sucupira Stamatto

As grandes navegações e a importância do Rio Grande no Oeste da Bahia 253


Rafaela Martins Oliveira

Relações étnico-raciais nos espaços escolares: religiões de matriz africana da


educação básica 256
José Luiz Xavier Filho

Continuando os diálogos

Conhecer, empoderar, resistir: os desafios de uma História plural 262


Aliny Dayany P. de M. Pranto

Anotações sobre ensinar História com sensibilidade ou a defesa de uma prática


docente não fascista 267
Azemar dos Santos Soares Júnior
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Apresentação

Este e-book reúne todas as comunicações apresentadas no I Colóquio Ensino de


História: experiência e interculturalidade, realizado na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, na formato remoto, entre os dias 4 e 6 de novembro de 2020.
A proposta do evento foi discutir questões relacionadas aos usos do passado na sala de
aula, as experiências de docentes da Educação Básica, as possibilidades colocadas pela
memória social, o ensino de história frente às novas tecnologias e temas sensíveis, a exemplo
dos marcadores de raça, gênero, classe, pertencimento religioso, além da formação inicial e
continuada de professores de História.
Acreditamos que o evento, nas suas mesas, simpósios temáticos e roda de conversa
com professores da educação básica trouxe a possibilidade de refletirmos diversos temas
caros à nossa área, bem como reflexões sobre o ensino de história durante a pandemia de
coronavirus.
Nesse sentido, a/o leitor/a tem em mãos o resultado da primeira edição do nosso
Colóquio e, com isso, uma oportunidade de conhecer trabalhos que, mais conclusivos ou em
passos iniciais, é mais uma perspectiva dos combates atuais na área de ensino de História.

Aliny D. P. de Medeiros Pranto


Paulo Souto Maior
Azemar dos Santos Soares Jr

SUMÁRIO
Ensino de História e Gênero
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My Little Girl: Abordando em sala de aula a figura feminina nas


canções de rock dos anos 50 e 60

João Paulo Brito Lima1


joaopaulolima156@gmail.com

INTRODUÇÃO

Os anos 50 e 60 do século XX, foram de intensas mudanças e transformações


socioculturais, grande parte devido as várias manifestações e movimentos sociais, tais como:
o movimento feminista, a contracultura hippie, e os movimentos de direito civis; apenas para
citar os mais importantes movimentos e mobilizações sociais que irradiaram dos Estados
Unidos e da Europa, para o resto do mundo. Dito isto, é possível fazer uma abordagem a
respeito de como era retratada e cantada figura feminina dessa época, correlacionando com
as músicas compostas e lançadas. O relacionamento entre História e Música é bastante
enriquecedor e pode ser utilizado em sala de aula devido a sua importância como bem cultural
e transformador da sociedade.
A relação entre elementos tão complexos como a História e a Música não foi algo que as
academias e o campo historiográfico levaram muito a sério no tocante como a música sendo
uma fonte, um objeto de estudo. Mas, quando levamos em consideração que a sonoridade, a
música caminhou e se aperfeiçoou junto com a humanidade desde seus primórdios; que a
música está intrinsecamente vinculada ás práticas culturais, aos rituais religiosos, ao dia-a-dia
da população, esse cenário muda e ganha novos formatos, novas possibilidades.
Uma única música, se analisada de forma correta, analisada com uma “lente
historiográfica”, pode trazer em seus versos, em suas linhas, em suas estrofes, muito a respeito
da época em que ela foi concebida. A música, sendo analisada minuciosamente em sua
composição, letra e melodia, pode mostrar ao historiador aspectos e particularidades são
somente do próprio (ou próprios) compositor(es), mas também acerca da sociedade em que
foi feita e difundida. Qual o gênero estava em alta naquele momento? Quais os acontecimentos
sociais e culturais estavam eclodindo naquela época e que foram cantados por determinado
vocalista? Por que esse tema tão polêmico ganhou vida nas letras de música de determinada
banda? Essas e muitas outras questões podem ser respondidas analisando a música sem se
desvencilhar do contexto histórico.
A música é um elemento lúdico, de uma linguagem comum a todos e que mexe com
percepções cerebrais ativando sistemas motores, que nos fazem dançar, cantarolar, ou bater
o pé acompanhando o ritmo. Ela também pode ser utilizada no trabalho de habilidades
linguísticas. Sabemos que a música também é uma ótima forma de promover uma interação

1
Graduado do curso de licenciatura plena em História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) em 2017.
Atualmente mestrando no Programa de Pós Graduação em História pela Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG), aluno bolsista do CNPQ.
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social, criando uma atmosfera de alegrias, risadas, conversas. Em sala de aula, pode facilitar a
aprendizagem de certos conteúdos, de forma mais prazerosa, descontraída. Sobre música
como uma fonte histórica e um elemento de construção social, hoje em dia, é de conhecimento
que,

“[...] As informações presentes nas canções ajudam a ilustrar os acontecimentos sociais,


políticos, econômicos e eventos do cotidiano de determinado país. Grosso modo, podemos
dizer que a canção é uma interlocutora de acontecimentos culturais e sociais no mundo
contemporâneo. [...]” (MANOEL, 2014, p.04).

Dito isto, este trabalho vem abordar uma forma diferente de trabalhar questões de
gênero em sala de aula, através da análise de algumas letras de música que fizeram muito
sucesso em suas épocas e são perpetuadas até hoje sem que nos toquemos do conteúdo sexista
e machista de suas letras. Também traremos um pouco sobre o que é o rock and roll, um pouco
sobre o que é feminismo e qual feminismo essas músicas estão inseridas, além de trazer em
algumas composições das décadas de 50 e 60, como as músicas do gênero rock and roll
desenhavam a figura feminina e como isso pode ser abordado nas aulas de História. Será feito
a análise de 4 músicas de artistas e bandas da época nas quais poderemos ter uma noção de
como a mulher, jovem, era vista e retratada nessas canções. Além de um apanhado geral sobre
o que é o rock and roll, o feminismo e como inserir estes assuntos didaticamente, em sala de
aula.

[...] Música é linguagem (...) Outro aspecto fundamental na relação entre História, música e
o processo de aprendizagem é a articulação entre o texto e o contexto para que a análise
histórica não seja reduzida, limitando, assim, a própria importância do objeto analisado. O
grande desafio do pesquisador é mapear os sentidos embutidos numa obra musical, bem
como suas fontes de inserção na sociedade e na história. [...] (ABUD, 2010, p. 61-62).

“LUTE COMO UMA MULHER”: nascimento e ascensão do feminismo nos Estados Unidos
Primeiramente, para que possamos discutir a categoria “gênero” utilizamos autores
como Ferreira (2008), que vai na direção de uma definição de gênero enquanto construção
social. Em seus estudos, Ferreira (2008) traz o conceito de gênero, e o coloca na importância
de ser uma construção social das diferenças sexuais ou anatômicas. Tendo a clareza de que os
sujeitos, plurais em seus pensamentos e seus corpos, não são iguais também do ponto de vista
fisiológico, e que portanto estes não deveriam ser considerados uns inferiores aos outros. Dito
isto, ele aponta que,

[...] gênero respeita a cultura, o tempo, o lugar, as condições sociais. Implica produções de
significados, de identidades múltiplas e plurais, de mulheres e de homens no interior das
práticas sociais, portanto, dentro de relações de poder. As formas como homens e
mulheres se relacionam não apenas instituem os sujeitos, mas também dão sentidos às
instituições (FERREIRA, 2008, p. 61).

Portanto, sendo a sexualidade entendida e analisada como uma construção social e


histórico-cultural, se vê necessária ser abordada, discutida e analisada em um espaço tão
privilegiado e provedor de encontros de pluralidades e sensibilidades como a escola. Trazer a
abordar esses e outros assuntos nas nossas salas de aula se faz bastante necessário, tendo em

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vista que a escola, um ambiente de relações interpessoais e proximidades, de


desenvolvimentos de amizades e relações afetivas, também é um ambiente de bullying, de
segregação racial, de machismo e sexismos. Abordar o tema do respeito as diferenças é de
extrema importância e necessidades, para desenvolver o aprendizado e o respeito ao cidadão,
ao seu colega de sala, a seu parente ou vizinho, independentemente de sua orientação sexual
ou de gênero. E a música, como uma integradora social, pode facilitar esse aprendizado em
sala de aula.
Dito isso, a princípio, ao abordar o tema do feminismo, pode-se abranger vários outros
temas como, o emprego da música nessa temática; os seus usos em sala de aula; como a música,
relacionada com o contexto histórico na qual foi composta, gravada, lançada e difundida, pode
vir a explicar as mensagens contidas em seus linhas e estrofes; além de demonstrar como a
figura feminina estava sendo abordada depreciativamente, fazendo entender suas motivações
para as lutas e protestos.
Sobre o feminismo, ele foi, a princípio, um movimento surgido no final do século XIX,
nos Estados Unidos. Esse movimento ficou conhecido como “Primeira Onda Feminista”, e
ocorreu devido a insatisfação das mulheres norte-americana pelo fato dos ex-escravos recém
libertados do sul (1863), terem conquistado o direito ao voto, primeiro do que elas. Elas
lutaram para conquistar não somente o direito ao voto, mas a outros direitos como, direitos
políticos, jurídicos, melhorias de salário e de condições de trabalho nas fábricas. Ficaram
conhecidas como “Sufragistas”.

As sufragistas em protesto pedindo por direito ao voto, no fim do século XIX.


Fonte: https://movimentorevista.com.br/2018/02/sufragistas-primeira-onda-feminismo/.
Acessado dia 16/11/2020.

Segundo Levi,

[...] O feminismo, portanto, era visto como um ramo destas “perigosas” ideologias de
esquerda — a ameaçar a “estabilidade” da Pátria, da Família e da Religião —, em alguns
casos ultrapassando-as para chegar até ao Anarquismo, derradeira escolha anti-americana
e, portanto, “digna” de ser erradicada com todos os meios [...]. (LEVI, 2007, p. 64).

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Já nos anos 1960, deu-se o movimento que ficou conhecido como a “Segunda Onda
Feminista”. Na segunda metade da década de 60, as mulheres participantes desse movimento
buscavam escandalizar os abusos diários sofridos, a grande censura por parte do seus
parceiros em termos de escolhas, empregos, vestimentas, entre outros; além dos abusos e
autoridades do serviço doméstico. Em suas pautas feministas, elas buscaram direitos sexuais
e reprodutivos, além de poderem contestar seus papéis na sociedade e em suas residências.

[...] Na maioria das vezes, pensam que feminismo se trata de um bando de mulheres bravas
que querem ser iguais aos homens. Essas pessoas nem pensam que o feminismo tem a ver
com direitos – é sobre mulheres adquirirem direito iguais [...] (HOOKS, 2020, p. 12).

Passeata de mulheres em Los Angeles, em 27/08/1970.


Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/historia/feminismo-manifestacoes-partir-de-68-inspiraram-
mobilizacao-atual-16512352.
Acesso: 16/11/2020.

Dito isto, é neste contexto social da chamada “Segunda Onda Feminista” que se deu o
surgimento do rock and roll, a adesão dos jovens que mergulharam nesse estilo musical e
viveram intensamente sobre carros possantes, jaquetas de couro, bebidas e muita música e
dança. No próximo tópico iremos abordar um pouco do surgimento desse ritmo que levou
milhões de jovens a loucura.

“BEM, ELA SÓ TINHA DEZESSETE ANOS, VOCÊ SABE O QUE EU QUERO DIZER”: Um pouco
da história do Rock ‘N’ Roll

O título deste tópico é de um trecho de uma música escrita por Paul McCartney e depois
finalizada com a ajuda de John Lennon em 1962, e fala de um garoto que viu uma garota de 17
anos sozinha, no canto do salão onde estava tendo um baile, mas que se apaixonou
perdidamente por ela, e que depois disso, não poderia deixá-la sozinha nem dançar com outra
menina.
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É um tanto romântico quando ouvimos a música e lemos a letra dessa canção. Somos
imediatamente transportados para um momento onde, dois jovens adolescentes, com suas
emoções a flor da pele, se olharam e se apaixonaram perdidamente em meio a toda multidão
que os rodeava, e ficamos a imaginar quantos momentos especiais não aconteceram dessa
forma? Quantos rapaz poderiam dançar com outra quando viram ela parada lá? A imaginação
flui com essas histórias românticas...
Mas também, agora com um viés histórico e crítico, percebemos que esta canção, como
tantas outras que surgiram nesta época, relega a jovem moça a um papel de inocente,
desprotegida, de uma beleza inspiradora, e que ela está somente esperando seu jovem rapaz
para “tirá-la para dançar”. Escutar com atenção letras de canções pode ser uma aula de
história! Devemos propor uma contextualização entre a música com a época, a região, os
grupos sociais e seus costumes, além de interpretar as gírias e metáforas utilizadas na letra,
gerando conversas sobre história, sociedade, política, cultura e tantos outros elementos.

[...] A importância da música como disciplina é um assunto relevante desde a antiguidade,


pois a formação musical oferece o auxílio ideal para o desenvolvimento psíquico e
emocional de crianças e jovens, porém aqui queremos ressaltar o uso da mesma em sala
de aula para melhor aproveitamento dos conteúdos programáticos. [...] (MOREIRA &
SANTOS & COELHO, 2014, p. 01).

O fenômeno do surgimento e ascensão do rock and roll ou pop/rock nos Estados Unidos
e na Europa, e posteriormente no resto do globo, não se deu do dia para a noite, e muito menos
pelo acaso. Existiram elementos decisivos que criaram o rock e alçaram ao estrelato da fama
internacional, passando a fazer parte não somente como gosto musical, mas também uma
filosofia, um estilo de vida para algumas pessoas. Hobsbawn (2017) em sua obra sobre a
história social do Jazz, nos dá uma ideia de como e em que sociedade este estilo musical surgiu
e foi difundido. O rock and roll como conhecemos hoje em dia é um produto artístico nascido
na fusão de vários outros elementos artísticos, como o country, do rhythm & blues e o jazz,
predominantemente tocado pelos negros de Chicago.
Esse ritmo mudou gerações em todo o mundo, e ainda hoje faz muito sucesso. É uma
forma, creio eu, bastante criativa e divertida de levar para dentro da sala de aula para tratar
de assuntos de tamanha seriedade como a questão de gênero e até mesmo de raça. “Tratar
pedagogicamente do gênero e sexualidade nas escolas significa inserir os assuntos referentes
a este tema da diversidade no currículo, por meio dos conteúdos contemplados nas diretrizes
curriculares.” (GOMES, 2013, p.02).
Portanto, vamos as letras das canções e as respectivas analises. Sobre as letras das
canções que podem servir de exemplo para analisar e serem abordadas em sala de aula, a
primeira é Baby, Let's Play House – Elvis Presley (Querida, vamos brincar de casinha), de 1955.
“Bem, você pode ir à universidade / Você pode ir à escola / Você pode ter um Cadillac cor de rosa
/ Mas não seja a idiota de ninguém...”2. Podemos ver neste pequeno trecho que o homem coloca
a mulher como uma propriedade sua, e que ela pode ter aquilo que ele disse, mas não pode ser
idiota de ninguém, denotando que ela é uma pessoa inocente e que tivesse cuidado.

2
“Well, you may go to college / You may go to school / You may have a pink cadillac / But don't you be nobody's fool…”
É uma canção escrita por Arthur Gunter em 1954 e foi gravada e lançada por Elvis Presley em 25 de abril de 1955.
Possui 2:55 de duração. Letra e tradução disponíveis em https://www.letras.mus.br/elvis-presley/31582/,acessado
em 16/11/2020.
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Seguindo a analise, trago Everybody’s Trying To Be My Baby – Carl Perkins (Todas Estão
Tentando Ser Minhas), de 1957. Vendo pela perspectiva do garoto, o seguinte trecho da letra
diz o seguinte: “Quando saí na noite passada, eu não fiquei até tarde, / Antes de voltar para casa,
eu tive dezenove encontros, / E todas estão tentando ser minhas, / Todas estão tentando ser
minhas, / Todas estão tentando ser minhas, agora...”3. Podemos perceber neste trecho que o
jovem rapaz está dizendo que está sendo altamente cobiçado por todas as mulheres, todas elas
agora estão “tentando ser dele”, demonstrando um superego, e que todas as garotinhas estão
parando suas vidas e se concentrando em apenas serem dele.
A próxima música analisada é The Last Time – Rolling Stones (A Última Vez), 1965. O
seguinte trecho da música diz assim: “Bem, eu lhe disse uma vez e lhe disse duas vezes / Mas
você nunca escuta meus avisos / Você não se esforça para me satisfazer / Com o que você conhece,
isto deveria ser fácil...”4. Notemos como o jovem rapaz interpela a mulher, em tom de
reclamação e desaprovação, e até mesmo sugere que ela tem um conhecimento sexual e
erótico demasiado, que ela não se esforça para satisfazê-lo mesmo sendo fácil para ela,
denegrindo a sua imagem e como se ela ou qualquer mulher tivesse essa obrigação em um
relacionamento.
Seguindo para a próxima e última música desse nosso trabalho, trago a letra em que
considero uma das mais pesadas em termos de machismo contra a mulher. A música Run For
Your Life – The Beatles (Corra Por Sua Vida), de 1965, traz em seu conteúdo, o seguinte trecho:
“É melhor você salvar sua vida, se puder, garotinha, / Esconda sua cabeça na areia, garotinha, /
Te pegar com outro homem é o fim, garotinha, / Que isso seja um aviso, falo sério tudo o que
disse, / Baby, estou determinado e prefiro te ver morta...” 5. Podemos perceber com este tipo de
letra o quanto é agressiva e violenta a abordagem que o garoto (que não é o mesmo compositor
da canção) aborda a garota, e que até mesmo chega a ameaçá-la de agredir ela e até mesmo
morte caso ela esteja com outro garoto fazendo qualquer coisa, por mais simples que seja.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como propõe Durval (2010), por uma educação que deforme, devemos deformar o
ensino, mas não no sentido negativo da palavra. Mas, pelo contrário, devemos fazer diferente.
Diferenciar, fazer abordagens sensíveis aos alunos da sala de aula, problematizar os
sentimentos e os desejos desses alunos, respeitar suas alteridades. Devemos desmistificar a
escola como um lugar chato, corriqueiro, obrigatório. Devemos iluminar nossas salas e ensinar

3
“Went out last night, I didn't stay late‘ / Fore I got home I had ninteen dates, / Everybody's trying to be my baby, /
Everybody's trying to be my baby, / Everybody's trying to be my baby, now…” É uma canção escrita por Carl Perkins em
1956 e foi gravada e lançada no mesmo ano. Possui 2:15 de duração. Letra e tradução disponíveis em
https://www.letras.mus.br/carl-perkins/30535/, acessado em 16/11/2020.
4
“Well, I told you once and I told you twice / But ya never listen to my advice / You don't try very hard to please me /
With what you know it should be easy…” É uma canção escrita por Mick Jagger e Keith Richards em 1965 e foi gravada
e lançada pelos Rolling Stones em 26 de fevereiro de 1965 no Reino Unido e 13 de março do mesmo ano nos Estados
Unidos. Possui 3:41 de duração. Letra e tradução disponíveis em https://www.letras.mus.br/the-rolling-
stones/33934/traducao.html/, acessado em 16/11/2020.
5
“You better run for your life if you can, little girl / Hide your head in the sand, little girl / Catch you with another man,
that's the end, little girl / Let this be a sermon, I mean everything I've said / Baby, I'm determined and I'd rather see you
dead…”. É uma canção composta por John Lennon e Paul McCartney, que foi gravada e lançada em 3 de dezembro de
1965. Possui 2:20 de duração. Letra e tradução disponíveis em https://www.letras.mus.br/the-
beatles/273/traducao.html, acessado em 16/11/2020.
SUMÁRIO
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os alunos a iluminarem suas mentes com as luzes do respeito, da curiosidade, do aprendizado,


da alegria em ensinar e aprender, no respeitar, ajudar e aceitar o próximo.

[...] Fazer as aulas de História “fazerem sentido” para o aluno precisa ser um exercício
contínuo do professor. Para isso, sensibilidade, imaginação e experiência são fundamentais.
Essas são palavras que combinam com uma prática cotidiana. (...) ou seja, trazer á tona
aquilo que se sente, que se pensa e que tantas vezes fica apenas no interior dos corpos e
mentes pela ausência de oportunidade de expor. Revelar a sensibilidade em sala de aula
torna-se uma oportunidade de expressão, de autoafirmação, de comunicar o que sentimos
ao outro, de deixar à mostra nossas fragilidades e, ao mesmo tempo, nossa fortaleza. [...]
(SOARES JR, 2019, p.7-8).

As escolas reconhecem que recebem inúmeras crianças de vários níveis sociais,


religião, etnia, orientação sexual, culturas, entre outros, uma diversidade de sujeitos e,
acredito que a música, seja ela de qualquer ritmo mas em especial o rock ‘n’ roll pois é um ritmo
que tenho maior afinidade, possa proporcionar uma integralização dessas diferenças e
demonstrar, através das letras e melodias das canções, como foi feito acima, de como a
sociedade machista e patriarcal se comportava (e se comporta ainda) em relação a mulher,
como pensavam a mulher e a relegavam a um lugar desprovido de ações, pensamentos e
desejos próprios, e que caso ela não quisesse ou não pudesse se enquadrar neste arquétipo
desenhado pela sociedade machista e misógina, haveria sérias consequências, até mesmo pela
sua vida.
Dos anos 50/60 até a atualidade, apesar das enorme publicidade, das políticas públicas
e do peso da lei, pouca coisa mudou em relação a agressividade e a visão distorcida e violenta
do homem para com a figura feminina na sociedade. Coisas assim foram ditas, lidas, cantadas
e aprendidas. Apesar de serem músicas e bandas muito boas, que embalaram festas e
imaginações de gerações, não podemos perpetuar a mensagem assassina que trazem em suas
letras. A música deve viver, o desejo desvelado e incitado por elas, não.

REFERÊNCIAS

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– São Paulo: Cengage Learning, 2010.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Por um ensino que deforme: o docente na pós-modernidade.
Disponível em: www.cnslpb.com.br/arquivosdoc/MATPROF.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020.
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– 11ª ed. – Rio de Janeiro: Rosa Dos Tempos, 2020.
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SUMÁRIO
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SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 20

Memórias escolares revisitadas na pandemia: Gênero na


Antiguidade (PIBID-2015)

Emanuella Bezerra de Oliveira1


professoraemanuellabezerra@gmail.com

INTRODUÇÃO

Procuramos inicialmente refletir sobre a história da disciplina História, e o papel do


professor. Ao fazermos isso identificamos que as práticas de aulas dos professores, a muito
tempo, valorizavam o papel do professor como o sujeito transmissor do conhecimento. As
professoras e professores de história no exercício do devir da profissão por muito tempo
seguiram a forma de ensinar os conteúdos de forma pragmática, sem reflexão e
problematização dos conteúdos expostos no currículo de história. A proposta de desenvolver
o ensino de História de forma problematizada vai de encontro com o pensamento de
Bittencourt (2004, p. 211): “apenas conhecer datas e memoriza-las, como se sabe, não
constitui um aprendizado significativo, a não ser que se entenda o sentido das datações”. Nos
dias de hoje muitos professores ainda julgam que os alunos são desinteressados para as
atividades propostas em sala de aula. Acreditamos que isso ainda acontece devido a forma
como o conteúdo é apresentado em sala de aula, ou seja, os professores normalmente solicitam
que os alunos leiam o livro didático e respondam os exercícios propostos nestes livros.
Ao percebermos que essas práticas de aula ainda são comuns nas escolas, propomos
investigar quais eram as necessidades dos alunos da escola fundamental? E, quais eram suas
expectativas em relação ao ensino? Ao fazermos isso percebemos que diferentes questões
surgiram em relação ao processo de ensino de História. Entre elas destacamos que os alunos
não percebiam qual era o sentido de entender questões do passado para as suas vidas
cotidianas? Portanto, o aluno questionava constantemente “pra que eu vou querer aprender
um conteúdo que não vai apresentar nenhum sentido pra a minha realidade de vida?”.
Segundo Circe Bittencourt2, a divisão da história em grandes períodos (Antiguidade,
média, moderna e contemporânea), criada para organizar os estudos escolares acabou por
definir as divisões das disciplinas históricas universitárias. Essa organização das disciplinas é
uma das evidencias que permitem refletir sobre as relações entre o conhecimento acadêmico
e o escolar. A modificação do currículo do ensino fundamental e médio, como quer as recentes
propostas do ensino temático, implica mudanças no currículo de nível superior.

A história escolar tem um perfil próprio, mas há um intercâmbio de legitimações entre as


duas entidades específicas. A articulação entre as disciplinas escolares e as disciplinas
acadêmicas é, portanto, complexa e não pode ser entendida como um processo mecânico
e linear, pelo qual o que se produz enquanto conhecimento histórico acadêmico seja
necessariamente transmitido e incorporado pela escola. O professor é quem transforma o

1
Mestranda em História pela UFCG, professoraemanuellabezerra@gmail.com
2
BITTENCOURT; Circe Maria F: “Ensino de História: Fundamentos e Métodos” São Paulo. Ed Cortez, 2004. P. 33-55.
SUMÁRIO
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saber a ser ensinado em saber aprendida, ação fundamental no processo de produção do


conhecimento. Conteúdos, métodos e avaliações constroem-se nesse cotidiano e nas
relações entre professores e alunos. (BITTENCOURT, 2004, P. 50).

PLANEJAMENTO DO PROJETO
Sejamos professores de desejo, nos resinificar, nos
reconstruir a cada momento. Sandra Corazza

A frase dessa professora foi a última fala de um texto que li, em uma disciplina do
componente curricular ESO I, com a minha professora e amiga, in memoria Marisa Tayra, em
que questionava junto a mesma a solução para o ensino, para a escola como conseguiríamos
driblar o sistema tradicional educacional, esse que nos embrutece tanto. E claro, não chegamos
a um ponto final desta indagação e sim ao início de um belo parágrafo, logo procuramos nos
reinventar, procuramos antes de tudo o desejo pelo ensinar e aprender com a escola. Tais
reflexões são relevantes para pensar a escola como espaço de sensibilidade e questionar o
nosso lugar como docente.
Bom o que fazer para trabalhar conteúdos3 que eram tidos como desinteressantes para
os alunos? A antiguidade por apresentar um largo espaço de temporalidade com o
contemporâneo, oferece uma distância maior aos jovens adolescentes em pleno século XXI,
então começamos o ano letivo com um diálogo com as turmas 1ºF, 1ºC, 1ºB. Em que indicamos
para as turmas saber o “porque” eles deviam estudar história, qual o significado para as suas
vidas a história tinha. Muitas expressões foram apresentadas como: “estudar história é bom
para conhecer o passado” “é importante estudar história para saber o que aconteceu com
nossos antepassados” “estudar história é importante para sabermos os acontecimentos
importantes, as datas”.
Frases como estas, estão congeladas no nosso currículo e na própria formação
acadêmica da disciplina de história é preciso se liberta das correntes da escola tradicional e
que procurava apenas a memorização como Bittencourt exclama: os métodos de memorização
utilizados para os alunos dominarem inúmeras informações, o que, na prática significava
saber de cor saber a maior quantidade possível de acontecimentos da história nacional.
Evidentemente que estas práticas passaram a sofrer críticas mais tarde pelas professoras que
utilizavam os métodos ativos. Que eram propostas metodológicas que envolviam e
incentivavam os alunos na aprendizagem. É importante diferenciar a memorização consciente
do “saber de cor”, pois a memorização mecânica (de cor) é o grande vilão dos métodos de
aprendizagem. Entretanto, é necessária a memorização consciente para aprender História.
Porém outros resultados foram apresentados por uma minoria em sala de aula, que vão
demonstrar uma quebra com o currículo tradicional e com os métodos de memorização e que
a perspectiva histórico critica se torna mais prevalecente.

DISCENTE (A)
Eu estudo história e gosto da matéria de história pelo fato dessa matéria estudar coisas que já
aconteceram no nosso passado, mais que ainda hoje fazem parte do nosso presente mesmo

3
Antes do início das atividades do PIBID 2015.1, nos reunirmos com o coordenador geral que discutiu sobre a proposta
de estabelecer um ensino que se partilha da vivencia do aluno como Bourdier menciona parafraseando devemos nos
adaptar a vivencia do aluno e ao seu capital cultural, se não temos o erudito vamos buscar nos reinventar a partir da
realidade do meu aluno.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 22

acontecido a vários anos, sem a história não seriamos o que somos hoje. A história vai ser
sempre relevante ao nosso presente e também ao nosso futuro.

DISCENTE (B)
Eu gosto muito de história, essa matéria é muito importante para todos nós. Tem várias
histórias que é muito legal como por exemplo a Ditadura militar essa história foi a que eu mais
gostei na minha vida. Essa matéria é muito importante para obter conhecimento sobre nossa
cidade e outros lugares como a colonização Europeia e outros lugares do mundo.

DISCENTE (C)
Estudar história é muito importante, nela aprendemos coisas que tem sentido em nosso
cotidiano. A história estar presente em todos os lugares em nossa vida, na televisão. Agente
ver coisas impressionantes coisas que nunca vimos antes imagens que aprendemos com ela
[...] gente que não gosta de estudar história é porque não entende o significado dela.
Essas respostas são três exemplos 4 de um exercício proposto em sala de aula como
formar de fazer a abordagem dos conhecimentos prévios. Durante o semestre trabalhamos
com três turmas porém a metodologia aplicada em uma turma não apresenta o mesmo
significado que nas demais. Em uma turma começamos o ano letivo com uma proposta de
dialogar sobre a epistemologia do que seria a própria Clio a história e se a disciplina tinha
algum sentido para eles, porém em uma turma mais introspectiva fizemos a seguinte questão:
“Fale porque estudar história e qual o significado para seu cotidiano?”
Essa proposta não buscava respostas prontas e acabadas, queríamos o movimento o
questionamento dos alunos. Depois de ministrar aula sobre o seguinte conceito da disciplina
de história. Que abordamos como a disciplina seria no antigo modelo tradicional positivista e
como está se modifica com as reformas na academia e explicamos também a própria escola
que se modificava com o tempo.
Após a aula inaugural nos reunirmos com a professora supervisora na escola em que
nos incorporarmos com os alunos para sondar seus conhecimentos, sobre a temática,
procuramos nos reunir e saber qual o recorte histórico iriamos abordar para o conteúdo da
Antiguidade em que trabalhamos Egito e Mesopotâmia, o que estabeleceria em sentido e uma
aprendizagem significativa.
O Egito foi abordado no viés da história cultural, em que não procuramos apenas saber
o nome dos faraós, sua organização econômica mas algo que trouxesse sentido sócio cultural,
assim partimos com o documento do MEC5 em que se instrui trabalhar gênero desde o ensino
no fundamental I, O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006), assinado pelo
Ministério da Educação e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, parte da concepção de
que a educação em direitos humanos se faz paralelamente à educação para a valorização da
diversidade. Elaborado pelo Comitê Nacional de Educação e Direitos Humanos por meio de
diversas estratégias, entre elas consulta à sociedade civil, o Plano define como uma de suas
ações programáticas para a Educação Básica:

[...] fomentar a inclusão, no currículo escolar, das temáticas relativas a gênero, identidade
de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, entre outros, bem como todas as formas

4
As atividades e fotografias do projeto se encontram no final do relatório em forma de apenso.
5
Ministério da Educação (CADERNOS SECAD) Gênero e diversidade na Escola: Reconhecer diferenças e superar
preconceitos. Brasilia,2007.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 23

de discriminação e violações de direitos, assegurando a formação continuada dos(as)


trabalhadores(as) da educação para lidar criticamente com esses temas
(BRASIL/CNDH/MEC, 2006:24).

Diferente das atuais sociedades ocidentais e do próprio Egito antes do contato com os
Gregos, o Egito antigo é exemplo de uma sociedade de matrilinear, em que a igualdade de
gênero prevalecia, diferente da nossa realidade em que feminicídios, homofobia e desrespeito
a tudo que não se encaixe ao padrão heteronormativo. Para compreender as relações de
gênero e o papel feminino na sociedade egípcia é importante ter em mente a organização
social, suas hierarquias e quais os segmentos sociais entravam nos registros escritos da época.
Segundo Gregory6 da Silva Balthazar a sociedade egipcia era organizada em hierarquias em que
o divino se encontrava no topo, sucedendo a figura do faraó e sua família que poderia ser homem
ou mulher e também representante divino, posteriormente os secerdotes, os burocratas,
escribas e a grande massa da população camponeses, artesãos e escravos que sustentavam a
economia e a base da piramide social.

“[...] a mulher que ocupava a posição de rainha era humana, elas eram, por extensão,
removidas da esfera mortal e dotadas de aspectos divino. A noção de realeza feminina era
complementar ao rei, e a conexão entre os dois significava que uma não podia existir sem
o outro” (ROBINS, 1996, p 42).

GÊNERO E DIVERSIDADE

O choque entre costumes e culturas existe e sempre vai existir na história, a partir do
ponto em que observamos dentro de um meio ao qual já estamos inseridos. Não podemos pôr
os fatos em relação ao que vivemos, e sim, aprofundar e conhecer a cultura daquele que
tratamos como estrangeiro. Não era de se admirar que os Gregos se surpreendessem com a
realidade encontrada no Egito, as mulheres dotavam de profunda liberdade, casavam-se com
que elas escolhessem e diferente dos gregos, e até mesmo das sociedades patriarcais que
estiveram sempre presente em todos os períodos da história, as egípcias tinha uma voz ativa
em sua sociedade, e ocupavam até cargo de poderes, como é o caso da primeira faraó mulher,
Hatchepsut4.
É possível que os homens, que deixaram os testemunhos de que dispomos, se
preocupassem em acentuar a sexualidade das mulheres para os seus próprios fins - que eram
ao mesmo tempo religioso e de prazer, mas não para a promoverem como força independente
e subversiva. A sua atitude em relação à sexualidade era ambivalente. Nas histórias, a sedutora
malvada é um tema comum e a poesia amorosa do Novo Império é frequentemente escrita nas
palavras da mulher ardente, neste caso sem os mesmos tons moralíssimos. Embora as
histórias tivessem elementos religiosos, ambas estas fontes dão-nos um ponto de vista secular
sobre o assunto.
Gênero com os alunos desde as vestimentas deles a sexualidade; usamos de mídias para
o enriquecimento da aula, mostramos como os homens e mulheres se vestiam, mostrando que
tanto homens quanto mulheres usavam túnicas e não eram descriminados pelas suas
vestimentas, trazendo essa questão para atualidade, que se homens usarem roupas como
túnicas são rotulados de gays na atualidade, mostramos que tudo passa por uma questão de

6
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 24

construção histórico cultural em meio de como nós vestimos vai a partir dos nossos costumes,
e deixamos bem claro para eles que o quê vestimos faz parte de nossa subjetividade, claro que
é bom ressaltar que vivemos em tempos diferentes e que termos que usamos hoje não se pode
ser usado antes, pois cometeríamos anacronismo. Usamos de um filme brasileiro para discutir
a questão de gênero, o filme é “Hoje eu não quero voltar sozinho”. Após os alunos verem os o
filme fizemos uma boa discussão com eles.

A REVISITA A PRÁTICA NA FOTOGRAFIA

Como analisar uma imagem, como olhar através da lente obscura, como olhar através
dos olhos? Onde buscar referência? A cupilagem fotográfica não é natural ela é histórica e por
ser histórica ela permeia marcadores sociais. Trata-se de identificar o papel do arquivo como
o depositário das memórias de experiências de homens e mulheres no tempo, suas lógicas de
seleção e descarte e o papel que as fotografias cumprem nesse contexto de guarda (MAUAD,
2007, p. 93). Como construir outras memórias das experiências e memórias vividas? Esse texto
é fruto e construção de uma prática pedagógica revisitada, mas daí a revisitar as imagens, e
utiliza-las como imagem documento histórico é outra perspectiva.
É na fotografia que vamos buscar a construção de modelo de beleza, uma padronização
e um conjuntos de elementos que vão ditar o que é belo e o que não é; logo o olhar fotográfico
a utilização de determinadas escolhas de cenário, vestimenta será um fator pré determinante
sobre o que é o belo e o que não, consequentemente o que está a margem deste padrão é posto
a margem e uma grande maioria é colocada em minoria alimentando um fosso social de
desigualdade social e econômica.

A falta de referência do local de guarda da imagem compromete o uso crítico da fotografia


enquanto fonte e objeto de estudo da História. Para se trabalhar com as trajetórias das
imagens ao longo da História, identificando as ressignificações e as reapropirações por
cada época, não basta identificar por quem, quando e onde foi produzida, mas, sobretudo
onde está arquivada. Trata-se de identificar o papel do arquivo como o depositário das
memórias de experiências de homens e mulheres no tempo, suas lógicas de seleção e

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 25

descarte e o papel que as fotografias cumprem nesse contexto de guarda (MAUAD, 2007,
p. 93).

A provocação da Ana Maria Mauad, me desloca, me coloca em um universo paralelo e


me faz me perguntar: Por que essas fotografias? Em 7 anos como professora de História o que
me fez voltar para 2015? O que me faz trabalhar e revisitar a memória de uma experiência de
ensino em Guarabira interior da Paraíba, aonde nem resido mais. E porque justamente esse
projeto de gênero? O ano é 2020, ano de pandemia, mas também um ano de muitas tenções
políticas, ano em que o conservadorismo, a homofobia, os documentos e leis, a legislação
educacional se coloca em ameaça, novamente ouvimos sobre “kit gay” e “ideologia de gênero”.
Essas falas entristecem o lugar social da historiadora e professora, mas também empodera
para práticas de subversão, e o ensino de história é sim um palco de luta política e disputas de
poder.
Esse é o momento inicial do exercício da sequência didática, como chamaria hoje nossa
prática nesta instituição pibidiana, necessitamos iniciar por um eixo, um problema que já
vivenciávamos na escola a mais de um ano, eu entrei no PIBID em 2015, e vivenciei meus
colegas entrando e saindo do programa, por talvez não sentirem-se estimulados com a
situação e lugar enquanto docente. Afinal o trabalho de campo não é um país das maravilhas,
é combativo.
É sair as 6 da manhã com cartolinas e jornais, e uns cabos, extensão, aparelho de DVD,
escolher entre o café da manhã ou está apresentável é comprar um dvd original (para não
influenciar os alunos a pirataria) e pedir que um professor da graduação que mora na capital
traga para você, afinal estamos falando de Guarabira 2015. É brigar com a direção e outros
docentes da instituição diariamente, quando semana após semana ouvimos “bichinha, veado,
sapa, sapatão, machão, atrevida” vamos suspender! Eles não tem futuro! É cansativo o teto
caindo nas cabeças, a poeira, o cupim mas seguimos até o final.
E nesta fotografia que apresento foi um dia desses de sair as 6 da manhã a pé, 20
minutos de caminhada, com um DVD, mas conseguimos e me sentia a própria Maria Bonita, eu
não ligava muito para os meus futuros colegas docentes, meu foco era os educandos. Eles se
espalhavam na sala de aula, os do primeiro horário alguns chegavam meio acordados, mas
ficavam, alguns disputavam os lugares da frente, eram 3 turmas com perfis diferentes, alguns
bem competitivos, outros viam na escrita um lugar melhor de expressão.
Então o filme “hoje eu não quero voltar sozinho” foi algo que quase me expulsou do
programa, talvez seja esse o motivo que escolhi este recorte e não o dos outros anos ou das
minhas experiências de sala de aula. Poderia aqui trabalhar a fotografia do filme como fizemos
em sala mas acho que não caberia. Mas desmarginalizando o afeto, mostrando que o gostar, o
sentir, o desejo é algo que é fruto de uma construção social, de um projeto burguês para
adestrar os corpos os educandos perceberam que não iriamos trabalhar o Egito com o olhar
colonizado, europeu e sim a partir dos nossos contextos emergentes.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 26

Dois meninos, adolescentes descobrindo o afeto por si, sem o peso do pré julgamento,
só a beleza do sentimento, sem pré determinações. Um deles é cego o que traz toda uma
metáfora de conhecer o mundo pelos olhos do outro.
É preciso se ater ao fato de que a narrativa cinematográfica não é constituída para ser
um trabalho histórico, seu trabalho é interagir com o espectador, causar emoção, alegria, ou
seja, é uma ferramenta de atração para um público alvo apresentando outros elementos que
tentam fazer representações, neste caso medievais. O que faz com que o trabalho das
historiadoras e dos historiadores sejam mais cuidadoso com a apropriação histórica de um
determinado filme, observando elementos de composição sonora e visual, e estudando a
narrativa do filme, as referências que o diretor e o roteirista utilizam para tal filme. A narrativa
cinematográfica para Marc Ferro tem duas dimensões: o filme que passa a ser um instrumento
de um testemunho histórico contemporâneo a época de sua produção e o filme que trata de
personagens históricos que lhe permite uma leitura do passado, tornando-se, portanto criador
de consciência histórica, mas fora da perspectiva analítica que lhe é própria. (MACEDO, 2009,
PP 13-25).

Nesta segunda fotografia, eu havia proposto após o filme e pós debates uma produção
textual, geralmente eles não gostavam de expressar-se ler em voz alta, era uma turma com um
perfil mais contido, mais calados, porém gostavam muito de escrever. Esse aluno de camisa
azul da gincana do ano passado, era um aluno da zona rural, muito dedicado, sempre chegava
mais cedo, às vezes trazia seu pão e comia na escola. Neste dia ele pediu “professora eu escrevi
um texto posso ler em voz alta?” Eu imediatamente disse claro que sim. Aquele menino
expressou tantos silêncios, tantas experiências da sua vida escolar que lhe sufocava e dentre
as frases estava “mas eu aprendi que nem sempre foi assim”. E isso me tocou, havia passado 1
semana do nosso encontro e as ideias passaram o final de semana martelando as mentes. E
somente talvez tenha sido o assunto da hora do intervalo, da sala dos professores; nem que
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E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 27

seja a triste frase que ouvi de uma colega que trabalhava na instituição “a professora passou
filme de veado”, e não preciso discorrer que o assunto rendeu bastante na época.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro da minha narrativa histórica como professora mais vejo e aprendo que ensinar
história não está nos livros, não está nos manuais, aproximo as estratégias e práticas aos
educandos, ao olhar sensível a cada indivíduo; não estou rasgando aqui as normas e regras,
nem as memórias que visitamos, mas alegando que o saber conteudista sem sentido para os
alunos em nada ira significar e transformar essa sociedade, é preciso colocar a mão na colmeia,
levar umas picadas para poder colher o mel, assim e a partir da minha primeira abordagem de
gênero no ensino, observo a construção da professora que se faz. O ensino de história como
disciplina humanística foi um dos setores mais oprimidos no Brasil, desde a universidade a
escola. Na contemporaneidade os desafios e questões são: como fazer um aluno que não tem
muitas vezes a ideia de o porquê estar ali sentado naquela escola, questione o tempo inteiro
para que estudar história? Coisa do passado, Coisa de velho, Aqui não tem história. São falas
corriqueiras do alunado. Falas como essa fazem com que o professor de história ganhe um
desafio a cada aula, para que o aluno construía um saber que tenha sentido para sua vida.
Derrubar as concepções que o professor é detentor de um saber absoluto, acabar com as
concepções que muitos alunos têm sobre o professor de história, são desafios que nos
estudantes de licenciatura temos quando assumirmos nosso trabalho na escola. Afinal o que
somos enquanto professores de história? E qual o nosso devir de pesquisador sobre o ensino
de história?

REFERÊNCIAS

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BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: 11. Ed. Contexto, 2008.
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SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 28

Ensino de História e Gênero: uma reflexão da figura do feminino e


sua relevância como agentes da história

Elaine Cristina dos Santos Silva1


elaine351@outlook.com
Jamilly J. Martins Fernandes2
jamillymartinsf@gmail.com

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos a pesquisa de gênero no Brasil tem ocupado um espaço cada vez
maior no meio acadêmico, exatamente por ser um assunto tão relevante no meio social e
cultural, sendo foco em vários congressos, colóquios e seminários, a exemplo deste trabalho,
que parte da observação de como a mulher está disposta no ensino de História, traremos a
discursão de algumas metodologias que tornem viáveis, no sentido de visibilizar e refletir a
respeito da figura feminina em sala de aula.
O nosso trabalho destoa dessa visão que configura a mulher como elemento secundaria,
de figuração3, cujas qualidades e requisitos ideais são referenciadas como donas do lar, gentil,
amável e dócil, enquanto o homem sempre viril e protetor da mulher, Sobre esta construção
da figura feminina e masculina dialogaremos com (COLLING, 2002). Esta história contada em
sala de aula, pode, reproduzir no imaginário dos discentes e consequentemente se refletir na
sociedade, neste debate sobre a escola como espaço de reprodução de violência simbólica,
conversaremos com (BOURDIEU, 2009).
Desta forma, nossa proposta visa trazer, dentro do ensino de história a mulher para o
lugar que é dela por direito; a mulher não fora só cuidadora, nem sempre do lar, ela ocupou
espações de luta e resistência, nesse contexto traremos de algumas possibilidades
metodológicas para trabalhar Dandara dos Palmares, através da música, no qual o docente
pode encontrar algumas possibilidades para os alunos conhecerem melhor essa agente
histórica, e a paraibana Margarida Maria Alves que fora uma sindicalista e defensora dos
direitos humanos, e será trabalhada através de os versos de cordéis.

Ensino de História no Brasil e a invisibilidade da figura feminina em sala de aula

O primeiro modelo de ensino de história que trouxe a história como disciplina escolar
surgiu no século XIX, na França, inspirados pelos movimentos de tornar a sociedade
independente de qualquer discurso religioso. No Brasil, a instalação de história enquanto
disciplina também se deu através de uma disputa das autoridades religiosas versus o avanço
da laicidade civil, sobre essa inserção do ensino de história no Brasil é colocado que:

1
Graduada em História pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
2
Mestranda em História pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
3
Aquela ou aquele, que sozinho ou misturado a um grupo de pessoas, ocupam um papel secundário ou insignificante.
SUMÁRIO
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No Brasil, sob influência do pensamento liberal francês e no bojo do movimento regencial,


após a Independência de 1822, estruturou-se no Município do Rio de Janeiro, O Colégio
Dom Pedro II (que durante o Império funcionaria como estabelecimento-padrão de ensino
secundário, o mesmo ocorrendo da República, sob denominação de Ginásio Nacional) e seu
primeiro Regulamento, de 1838, determinou a inserção dos estudos históricos no
currículo, a partir da sexta série (Nadai,1992, p. 145).

Usamos a França enquanto parâmetro no início do texto, pois o ensino de história no


Brasil fora inspirado no modelo francês, ainda sobre a luz de Nadai, afirma-se:

Assim a História inicialmente estudada no país foi a História da Europa ocidental,


apresentada como verdadeira História da civilização. A História pátria surgia como seu
apêndice, sem um corpo autônomo e ocupando papel extremamente secundário. Relegada
aos anos finais dos ginásios, com número íntimo de aulas, sem uma estrutura própria,
consistia em um repositório biografias de homens ilustres de datas e de batalhas (Nadai,
1992, p. 146).

A partir dessa breve amostra a respeito dos prelúdios do ensino de história no Brasil,
partimos para a questão da visibilidade da figura feminina no ensino de história enquanto
agente histórico. Uma breve observação sobre a historiografia das mulheres, nos revela que
apenas a partir da terceira geração do Annales que as mulheres foram incluídas nas produções
historiográficas, tendo como uma das principais expoentes a Michelle Perrot na França, ao
analisar os “Excluídos da História”, a partir das pesquisas de sua vida cultural e social. Essa
então exclusão da mulher como agente histórica, até hoje é sentida, de modo que as narrativas
históricas carecem na maioria das vezes de sua participação ativa, refletindo em um ensino de
história na qual a presença masculina e dos heróis brancos, figuram a participação das
mulheres e de outros sujeitos históricos nos bastidores e nas margens.
Nessa perspectiva como Pontua, Burke (2010) a história das mulheres serviu como um
sinal para uma nova perspectiva, perspectiva essa, de arquitetar outras esferas do passado,
com personagens que até então estavam sendo esquecidos. (PETER BURKE, 2010).
Desta forma, observamos que a história das mulheres fora abordada de forma vagarosa
em comparação a história dos grandes heróis que são destacados no ensino de história, a partir
desta problemática, levantamos alguns questionamentos, tais como: Como as mulheres estão
sendo apresentadas em sala de aula? Essa apresentação é satisfatória para os dias atuais? De
que modo queremos ensinar essa história?
A história das mulheres em sala de aula deixa a desejar, pela invisibilidade da figura
feminina, ser ainda, uma questão muito recorrente, principalmente no ensino de história,
tendo em vista que a escola se faz como espaço pedagógico que produz e reproduz tendências
sentimentos sobre o masculino e feminino. Essas concepções são assentadas em uma
manifestação de um discurso das diferenças, biológica, corporal e cultural, que se expressão
cotidianamente através da linguagem e práticas a diferença sexual é sempre construída pelos
discursos que sustentam e a legitimam. (CHARTIER, 2002).
A investigação do ensino de história em sala de aula nos traz uma notória desigualdade
na presença da figura masculina e feminina em imagens e textos, estes discursos se
transmutam em instrumentos sexistas em sala de aula, e tem contribuído para um pensamento
educacional patriarcal e o silenciamento da história das mulheres no ensino de história, sobre
isto, Tedechi coloca: “Basta percorrer o panteão das ilustres e veneradas figuras pedagógicas
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brasileiras para perceber que as teorias educacionais foram construídas pelo masculino”.
(Tedeschi, 2006, p. 2).
Podemos usar como exemplo a escrita de Aristóteles que fora um dos primeiros à
escrever em meio diversos assuntos, sobre as mulheres, ele diz que, esta metade da
humanidade é descrita como inferior, não muito digna de confiança, insuficiente desenvolvida,
pouco inteligente e assim por diante (...) A justificação da autoridade é baseado no princípio
de que o “macho é mais apto para a direção do que a fêmea...” (COLLING,2002).
Vale destacar também que o ensino de história no ato de selecionar currículos e
conteúdos, colabora para sustentar ou questionar conteúdos estipulados de como explicar a
história em sala de aula, que normalmente se fazem por meio de dualidade, operando entre o
privado e público, masculino e feminino, dominante e dominado. Referente os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s) Monteiro e Méndez, colocam:

“Para tanto, faz-se necessário discutir os currículos para a área (...) Implica em observar,
entre outros aspectos, as políticas e diretrizes educacionais. Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN’s) para a área de História apontam a relevância de uma práxis educacional
que seja inovadora, que busque aproximar-se de tendências teóricas capazes de refletir
sobre a pluralidade da produção historiografia.”(Monteiro, Méndez, 2012, p. 2)

Ao pensar e estabelecer o que será ensinado nas aulas de História, é preciso levar em
consideração as estruturas de dominação social, as formas de violência simbólica
reproduzidas por agentes sociais e instituições entre elas a escola (BOURDIEU, 2009). Ainda
sobre a escola enquanto estrutura de dominação: “Todo sistema de educação é uma maneira
política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes
que eles trazem consigo.” (FOUCAULT, 1970). Michel Foucault tem teorias pautadas na relação
entre poder e conhecimento, e de que forma essas relações podem controlar a sociedade.
Desta forma podemos perceber que a escola como meio de propagação das relações de
poder, merece nossa atenção enquanto docente da disciplina de História, para tornar viável a
visibilidade das mulheres enquanto agente sócio cultural, as alternativas metodológicas para
tal feito, serão abordadas nas próximas páginas do nosso artigo.

Ensino De História E Interdiciplinaridade: possibilidades metodológicas para trabalhar


em sala de aula Dandara dos Palmares e Margarida Maria Alves

O Ensino de História ainda parte de uma visão masculina da história, comumente nas
aulas falamos dos grandes líderes políticos, dos heróis, dos guerreiros, das personalidades
masculinas que mudaram o rumo da história por levantes, traições, reivindicações, tudo
porque, durante muito tempo na historiografia a história foi dominada por um viés político da
qual não abarcava a diversidade e as complexidades dos sujeitos da história, conforme cita
Martinho Guedes dos Santos Neto (2008): “A história política tradicional cunhou uma visão
institucionalizada do poder definindo os temas e os objetos. Ela pretendeu ser memória, na
medida em que privilegiou os Heróis, as personalidades políticas e as guerras” 4. Nesse sentido,
sujeitos como mulheres, negros, índios, ciganos, dentre outros grupos apareciam nas margens
ou nos bastidores da história.

4
NETO, Martinho Guedes dos Santos. História ensinada: linguagens e abordagens para a sala de aula. João Pessoa:
Ideia, 2008. Cultura Política e Poder: Perspectivas Para o Ensino de História. P, 135.
SUMÁRIO
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Nesta perspectiva, nesse segundo momento nosso principal objetivo é discutir


possibilidades metodológicas para trabalhar em sala de aula algumas figuras femininas
históricas que possuíram um papel importante no campo cultural, social e político da história
brasileira. Escolhemos duas agentes históricas, que apesar de viverem em épocas diferentes e
possuírem problemáticas distintas, há algo que as aproximam: a luta pelos seus direitos e a
prerrogativa de assumirem sua individualidade em cenários nos quais a figura masculina se
exercia de maneira hegemônica, coercitiva e instituída. São elas: Dandara dos Palmares e
Margarida Maria Alves. Pensando em possibilidades de como abordá-las em sala de aula,
partimos de um diálogo interdisciplinar aliando história com a música e o cordel.
Dandara foi uma guerreira negra e importante representação feminina na luta contra a
dominação portuguesa e holandesa entre os séculos XVI e XVII contra a escravidão. Sendo ela
uma das principais figuras do Quilombo dos Palmares, localizado no Estado de Alagoas, na
Serra da Barriga, entre 1595-1695. É considerado pelo Movimento Negro5 como a primeira
sociedade livre do Brasil. Zumbi dos Palmares foi o seu último e principal líder, visto como o
único que preservou e defendeu a realidade de um lugar que transformava a realidade da
escravidão em condições igualitárias, sendo morto em 20 de novembro de 1695.
Não obstante, o nome de Zumbi seja mais citado nas aulas de história, Dandara é
considerada uma das principais heroínas da resistência negra, e símbolo de identidade para
muitas mulheres negras, no entanto, a respeito de sua identidade comumente é conhecida
como companheira de Zumbi dos Palmares, deixando muitas vezes nos bastidores sua
importância na luta pela liberdade na época da escravidão. Dandara morreu em 6 de fevereiro
de 1694, tendo como principal causa da morte o suicido, preferindo a morte do que a condição
de escravizada.
Nesta perspectiva, pensamos como metodologia para tratar em sala de aula os debates
acerca do período escravista e a força feminina nesse contexto, trabalhar Dandara dos
Palmares através da música, no qual o docente pode encontrar algumas possibilidades para os
alunos conhecerem melhor essa agente histórica e sua representação como mulher e guerreira
contra a escravidão através de produções musicais que mostram sua importância para a
história.

Dandara do meu quilombo


Me faz livre e voar
Rainha do meu congo
Me dá forças pra lutar
Ê Dandara

A música “Dandara” da artista Nina Oliveira, narra à luta, a dor e a resiliência da


guerreira dos palmares, que apesar de conhecer em sua existência o amargo dos inúmeros
atentados a sua liberdade e a do seu povo persistia na luta, preferindo a morte a ceder seu
corpo à escravidão, pois sua alma era, de sobremaneira livre. Dandara demonstra em sua
representação uma autonomia que, como trata a artista Nina Oliveira, “Me faz livre e voar/ Me
dá forças para lutar”.
Outra música que escolhemos foi a também de nome “Dandara” da artista Bia Nogueira

5
Cardoso, Marco Antônio. O movimento negro em Belo Horizonte: 1978-1998. Movimento Negro: Quilombo,
Resistência e Identidade. Marcos Antonio Cardoso. 2. Ed. – Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011.

SUMÁRIO
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Dandara, uma mulher


Que era de Obá, de Elekô
Dandara, uma guerreira
Independente e sem senhor [...]

Por (De) todo povo negro


Dandara é meu espelho
Minha guia, inspiração
Pra romper amarras
Pra romper amarras
Dandara Rompeu amarras

Percebemos nesses versos a importância que a figura histórica representa para muitas
mulheres negras, que buscam em personalidades como Dandara uma identificação com a
história, que mostrem negras para além das narrativas da ama de leite, escravizadas
domésticas, da exploração nas lavouras, partindo para histórias que mostrem negras e negros
ativos contra o sistema que maculavam seus corpos, mentes e almas. Ainda temos muitas
Dandaras para conhecer, do passado e do presente, igualmente importantes para serem
trabalhadas em sala de aula.
A despeito das músicas, o professor pode dividir a turma em grupos nos quais eles
podem pesquisar músicas sobre Dandara e apresentá-las em sala de aula, assim como criar
seus próprios versos a partir do que foi discutido pelo docente, bem como no livro didático,
fazendo um paralelo de como essa agente histórica é trabalhada no livro e nas canções levadas
em sala de aula.
Outra importante agente histórica da luta social e política, é a paraibana nascida em
Alagoa Grande, Margarida Maria Alves. Não, ela não nasceu na mesma época que Dandara, a
sindicalista nascera em Agosto de 1933, mais de 200 anos as separam, inclusive suas
reivindicações, contudo, tinha algo que as aproximavam, o fato de preferir morrer na luta, a se
entregar aos algozes. Margarida Maria Alves tinha como principal lema “É melhor morrer na
luta que morrer de fome”, fala a primeira mulher presidente do sindicato dos trabalhadores
rurais na cidade que nascera, tendo como seu propósito de vida a defesa dos direitos dos
trabalhadores sem-terra, tendo uma participação ativa nas reivindicações e denúncias por
melhores condições de vida. A ação de Margarida Alves foi tão significativa que acionou a
covardia e o medo dos latifundiários:

“No dia 12 de agosto, do ano de 1983, novos tiros, novas mortes assombraram o mundo
camponês brasileiro. Desta feita, atingiram a Presidenta do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Alagoa Grande (PB), Margarida Maria Alves, assassinada, covarde e
barbaramente, pelos senhores de terras do Brejo paraibano. Seus algozes seriam
amparados pela justiça paraibana, permanecendo impunes até os dias de hoje.”
(FERREIRA, 2017, p.11).

Margarida Maria Alves é uma importante agente histórica para o professor abordar em
sala de aula em diversas temáticas, como: a representação feminina no âmbito regional, assim
como na luta pelos direitos civis e trabalhistas, acionando outras agentes históricas como, por
exemplo, Elizabeth Texeira; no campo da história local de Alagoa Grande; questionar e refletir
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sobre os conflitos de terra não apenas na região paraibana, mas a nível nacional, uma vez que
a problemática da terra é algo que sempre existiu em nosso país, presentes na luta do MST e
também dos grupos indígenas que nunca deixaram serem atacados pela posse de suas terras.
Para trabalhar Margarida Maria Alves em sala de aula, escolhemos os versos de cordéis,
uma vez que existem amplas possibilidades para o alunado criar e pesquisar, a exemplo da
poesia do paraibano Medeiros Braga (2008), sobre Margarida Maria Alves 6:

Talhada para os entraves,


Pra ser mártir, pra lutar,
Margarida Maria Alves
Foi uma mulher exemplar.
Não se afrontando com nada,
Já nasceu predestinada
Para a extorsão arrostar.

Ela foi a presidente


Do aguerrido sindicato
Dos trabalhadores rurais
Onde havia um patronato
De prática abominável
Que reagia, implacável,
Do grito ao assassinato.

Por se tratar de um cordel o professor pode trabalhá-lo por partes, contudo o


importante é ir instigar o aluno na produção do conhecimento, elemento que, Circe
Bettencourt (2012) enfatiza a importância: “Nesse sentido, cabe ao professor à tarefa de
utilizar uma metodologia que possibilite leitura e interpretação que despertem o sentido
histórico nas relações triviais da sala de aula”. Doravante, por se tratar de uma personalidade
da história paraibana, o docente pode pedir que os alunos, façam uma pequena pesquisa de
campo, entrevistando seus amigos e familiares a respeito de Margarida Maria Alves, se eles já
tinham ouvido falar, se conhecem a história de luta da líder sindical.
Esse exercício promove não apenas o conhecimento do aluno ao tema, mas, o coloca
como parte dessa produção do conhecimento, como sujeito que faz parte da história, que
investiga, que questiona, critica, são elementos de suma importância para promover o gosto
do aluno de estudar história, o envolvendo, fazendo ser participativo, auxiliando, o ensino de
história, com tecnologias e assuntos que os chamem atenção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existem vários comunicações para se refletir o ensino de história, se trata de uma


seleção feita a cada dia, através de várias metodologias, desta forma o ponto inicial deste artigo
fora a percepção de que o ensino de história, se trata de uma experiência que, ultrapassa
apenas, a repetição de conteúdos, se trata de uma reflexão sobre a capacidade e competência
6
Sobre esse tema ver a dissertação de mestrado de: Oliveira, Renata Maria Fernandes de. Letramento literário: a
mulher no cordel e a conscientização sobre violência no campo. Universidade Estadual da Paraíba, Pró-Reitoria de Pós
Graduação e Pesquisa, 2019.
SUMÁRIO
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de formar o conhecimento histórico, que são resultantes e resultam nas experiências


vivenciadas pelos sujeitos dentro e fora do âmbito escolar.
Portanto, para o presente trabalho escolhemos a música e o cordel, mas poderia ser
pinturas, grafites, produções de vídeos, curta metragens, peças de teatros, poesias. As
possibilidades metodológicas são das mais variadas. E esperamos que você, leitor, tenha se
envolvido e aprendido algo a mais sobre Dandara dos Palmares e Margarida Maria Alves,
através dessa proposta metodológica interdisciplinar.

REFERÊNCIAS

NADAI, Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, v. 13, n.
25/26, p. 143-162, 1992.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
CHARTIER, Roger. A história entre narrativa e conhecimento. In: À beira da falésia. A história entre certezas e
inquietudes. Porto Alegre, Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
PEREIRA, Nilton M. & SEFFNER, Fernando. O que pode o ensino de história? Sobre o uso de fontes na sala de
aula. Revista Anos 90. Porto Alegre, v. 15, n. 28, dez. 2008.
BRAGA, Medeiros: Cordel Margarida Maria Alves, disponível em: http://www.rnsites.com.br/cordeis-
margarida.htm. Acessado em: 03/11/2020
BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula: Livros didáticos entre textos e imagens. São
Paulo:Contexto, 2012. P.69
CARDOSO, Marco Antônio. O movimento negro em Belo Horizonte: 1978-1998. Movimento Negro:
Quilombo, Resistência e Identidade. Marcos Antonio Cardoso. 2. Ed. – Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011.
FERREIRA, Ana Paula Romão de Souza. Margarida, Margaridas: memória de Margarida Maria Alves (1933-
1983) através das práticas educativas das Margaridas/ Ana Paula Romão de Souza Ferreira. – João Pessoa:
Editora da UFPB, 2017
NETO, Martinho Guedes dos Santos. História ensinada: linguagens e abordagens para a sala de aula. João
Pessoa: Ideia, 2008. Cultura Política e Poder: Perspectivas Para o Ensino de História. P, 135.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: Editora
Universidade Estadual Unesp, 2010.
MONTEIRO, Katani Maria Nascimento; MÉNDEZ, Natalia Pietra. Gênero, biografia e ensino de História. AEDOS,
v. 4, n. 11, 2012.
Link das músicas:
Dandara – artista: Bia Nogueira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UdXza6OMpH0. Acessado
em: 03/11/2020
Dandara – artista: Nina Oliveira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Vr7NlJbpf74 . Acessado
em: 03/11/2020

SUMÁRIO
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Independência dos corpos e seus prazeres: sair do armário ainda é


proibido... ao menos no “7 de Setembro”

Walber Ferreira da Silva1


walberfs_4@hotmail.com

“E a gente vai à luta e conhece a dor, consideramos justa toda forma de amor”

Esse texto é inspirado no meu objeto de pesquisa de mestrado, trabalhando com as


homossexualidades no contexto do interior, resolvi tecer fios para um pequeno retalho dessa
história a partir de 2014, na cidade de Cubati, região do Curimataú paraibano. Trabalhando
como professor da rede municipal, e morando na cidade há mais de 10 anos, pude construir
laços de sociabilidade que me ajudam a pensar as muitas experiências em meu ambiente de
trabalho, e que colaboram para a produção desse sujeito que fala de si.
Naquele ano, eu completava dois anos fora da sala de aula. Havia aceitado o desafio de
ser gestor da escola pública da segunda fase da cidade. Já havia passado pela experiência de
dirigir a escola estadual de 2003 a 2006, de ser coordenador de escola particular em Campina
Grande, mas nesse instante eu entendia ou acreditava que a cidade respirava ares
progressistas. Dilma Rousseff estava no último ano de seu primeiro mandato e depois de
alguns anos vivendo num cenário nacional de apoio e respeito às minorias, graças aos
governos de esquerda pós ditadura militar, entendia que havia um “lugar tranquilo”, naquele
interior paraibano, para não somente perfomar um gênero, como discutir uma pauta
identitária na educação da cidade.
A partir de 2013, a gestão municipal resolveu retomar os desfiles cívicos de 7 de
setembro. Essa prática havia sido interrompida por mais de 4 anos, por questões econômicas
e outras prioridades das gestões anteriores e agora voltava com uma nova roupagem. Em um
cenário mais amplo, o “7 de setembro”, fora comemorado, de acordo com contextos históricos
específicos, sendo-lhe atribuído usos e significados que foram do nacionalismo, patriotismo e
ao civismo.
A gestão municipal ressignificou o uso deste evento e atribuiu-lhe a ideia de cidadania.
Assim, o desfile passou a ter um caráter temático. Naquele ano de 2014, seu tema principal era
a “Paz Mundial” e o subtema da escola em que trabalhava era, “a paz na diversidade”. Apesar
de ser amplo, nosso subtema, escolhido pela secretaria de educação, fora bem recebido pela
comunidade escolar de nossos mais de 700 alunos e cerca de 30 professores.
No entanto, o equívoco, já começava pelo título de nosso sub-tema, ele falava de
“diversidade”, conceito que nasce da preocupação com os conflitos étnicos-raciais e culturais,
tanto da Europa quanto da América do Norte, entre os anos 1980 e 1990, fazendo com que
esse contexto histórico seja a razão para discussões políticas que pensem a conciliação, a paz.
Dessa forma, a noção de “diversidade”, tentou compreender a luta do que eventualmente

1
Walber Ferreira da Silva é graduado em História (UFCG); Especialista em História do Brasil e da Paraíba (Faculdades
Integradas de Patos - FIP); Aluno do Mestrado do PPGH (UFCG); Professor da rede pública municipal da cidade Cubati
– PB.
SUMÁRIO
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chamamos de “minorias”, pelo reconhecimento de seus direitos nunca postos em debate.


Segundo Miskolci (2020) “as demandas sociais são pelo reconhecimento da diferença, mas o
filtro político as traduz na linguagem da tolerância à diversidade”.
Acreditávamos ser apropriado, o tema escolhido para nós, por se tratar de uma escola
bem diversa, de crenças, religiosidades, formas de pensar e agir e de sexualidades, das
normativas às desviantes. O que saltava aos olhos de uma parcela dos pais, era uma quantidade
expressiva de professores gays, além do diretor da escola.
Apesar de trabalharmos num espaço de disciplina, os nossos corpos nunca foram
disciplinados, como a escola, enquanto espaço biopolítico gostaria que fossem, eles
mostravam-se performáticos, seduzindo e causando curiosidade na comunidade escolar; a
vontade de saber, bem como a estranheza e a vontade de interditar, nosso desejo, nossas falas,
nossos corpos, coexistiam, entrelaçando nossas existências, (re)elaborando estes sujeitos e
suas subjetividades. Assim, o professor Durval Muniz afirma:
“A escola se tornou lugar de aprisionamento de corpos e mentes, conforme os costumes
e valores de uma dada sociedade, das expectativas e injunções econômicas e políticas,
mediadas pelo estado e pelo mercado. Fazer da escola um espaço de liberdade, pelo menos um
espaço de práticas de liberdade, é um desafio para todos os agentes escolares, notadamente
para professores e alunos.” (Junior, 2019, pg. 221).
Dessa maneira, alguns professores, dando voz a essa liberdade pretendida, resolveram
criar um pelotão do desfile cívico que abordasse questões de gênero, que mais precisamente
mencionasse a existência gay na cidade. De forma lúdica, um dos professores, queria criar um
“armário” em que um aluno sairia de dentro com uma placa com a frase “Tire o seu preconceito
do armário e venha nos amar”. Esse esboço não saiu do campo das ideias, não chegou a ser
materializado no desfile.
A medida em que os alunos iam levando a narrativa, do que seria o pelotão daquele
professor, para suas casas, começava a ser tecida uma rede repressiva, para tentar limitar
aquilo que não se podia ousar dizer. Assim, Foucault nos diz:
“O casal, legítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a norma,
detém a verdade, guarda o direito de falar, reservando-se o princípio do segredo. No espaço
social, como no coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade reconhecida, mas
utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes
esconde os corpos, a decência das palavras limpa os discursos. E se o estéril insiste, e se mostra
demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá pagar sanções. “(Foucault, 2014,
p. 8).
Como afirma o filósofo, os detentores da verdade e guardiões do princípio do segredo,
tentaram emudecer aqueles que falavam de si. Uma mãe de aluno, chegou à escola para dizer-
me, enquanto diretor, que se o suposto “armário” fosse colocado no desfile de 7 de setembro
ainda por acontecer há duas semanas, ela tiraria os filhos do desfile. Tentando resolver a
situação com cordialidade, mas sem precisar censurar a liberdade artística e de expressão do
professor de artes da escola, disse a senhora que iria averiguar a situação exposta e traria uma
solução viável para todos da comunidade escolar.
Para aquela mãe, seu dever era conter a ameaça dos anormais que ousavam ao dizer de
si, ao passo que ela colaborava com a (re)construção daquela masculinidade hegemônica pela
qual ela lutava. Eu começava a sentir na pele, o equívoco do tema, porque tolerância à
diversidade, não era a mesma coisa que reconhecer o outro, valorizá-lo em sua especificidade,

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aceitá-lo. Eu sentia na pele o quanto era abjeto para aquela senhora, temido como uma ameaça
a estabilidade da comunidade, a perturbação da ordem.
Os gays da comunidade escolar, deveriam ser, imediatamente interditados em suas
palavras, em seus corpos performáticos, caracterizando o currículo oculto e biopolítico,
comprometido com uma imposição heternormativa. Em nome da decente família, era acionada
a polícia dos enunciados. A mãe começou a mobilizar as pessoas próximas a ela, sobre esse
“escândalo” que seria o desfile cívico da cidade. A história passava a ter muitas versões, a
população da cidade se dividia entre os que estavam a favor da família, da moral e bons
costumes e aqueles que estavam do lado dos imorais, gays depravados, que queriam
influenciar seus filhos a partir de suas práticas pedagógicas, de suas sexualidades desviantes.
A notícia viralizou nas redes sociais e os comentários a favor ou contra, fez acirrar os
ânimos dos sujeitos envolvidos, em uma situação que não deveria tomar tais proporções. Não
havia, no esboço do professor de artes, nada que ferisse a moral da família, não havia a
intenção de se colocar corpos nus, considerando que a nudez seja também um ponto a ser
questionado ou debatido por parte de uma moral cristã. Apenas o desejo de se colocar em
pauta um debate transversal sobre igualdade de gênero e respeito às minorias ou mais
precisamente aos LGBTQs, mostrar pedagogicamente, que esse grupo, muitas vezes silenciado
e interditado, existia. Talvez tenhamos errado na metodologia, ou não ter abordado o tema
com a comunidade escolar, de forma prévia, ter promovido um debate não para se assimilar a
“diversidade”, mas para se discutir criticamente as “diferenças”.
Quantos alunes, alunas e alunos LGBTQ não se sentiriam representados por nós
naquele instante. Quantos alunes, alunas e alunos não LGBTQ aprenderiam o respeito à
diferença? Me coloquei como um defensor dos Direitos Humanos, tentando levar à cabo o tema
do desfile, porque só num contexto de paz, seria possível pensar nos chamados “direitos
individuais” e “direitos coletivos”. Esse meu esforço pessoal e consciente não só de minha
responsabilidade profissional, bem como de meu papel enquanto sujeito histórico, não
conseguiu adesão ao coletivo. Fiquei falando em meio à multidão, eu e o professor de artes,
que não podia se manifestar em razão de ser um professor contratado, parecia que estávamos
sozinhos remando num mar em fúria contra a nossa existência.
A secretaria de educação da cidade nos chamou para uma reunião e pediu para que
mudássemos nossas estratégias sobre o desfile cívico. Prontamente atendemos ao pedido da
gestão municipal e o já famoso “armário” não foi visto no desfile. Ele foi visto nas redes sociais,
problematizado por pais, que viam nessa prática educativa, a ameaça da feminização de seus
filhos. Pais que também estavam desempenhando suas práticas educativas da sexualidade,
como o machismo ou mesmo a homofobia.
Estávamos sendo encurralados por discursos que não queriam nos invisibilizar, mas
também não queriam nos dar sossego. Por ser uma cidade pequena, era o assunto do
momento, ouvíamos as vozes de quem falava nas calçadas, quando passávamos, os risos e
olhares de reprovação. Já estávamos sendo punidos sem nem mesmo, haver a materialização
daquilo que só foi apenas pensado como uma ideia a ser posta em prática.
Essa heteronormatividade que nos censurou, também impunha regras para os demais,
a exemplo dessa mãe machista e homofóbica que liderou esse movimento contra,
ironicamente, aquilo que estava sendo proposto no desfile, a paz. Essa experiência educacional
que nos afetou, foi costurada por padrões morais que se traduziam em normas e regras de um
dado recorte temporal, e que mesmo de forma indireta nos colocavam subalternizados e
abjetos.
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Sem deixar-nos abater, precisávamos de uma reviravolta tática, uma vez que, invisíveis
já não éramos mais, diante da dimensão causada por esta celeuma. Então, partindo da ideia
abortada, mas trazendo uma outra abordagem sobre a temática pretendida, convidamos mães
de LGBTQs para participar do desfile cívico. Estas levavam placas e cartazes, com dizeres
contra a homofobia.
Assim, não fomos impedidos de discutir o tema, de abordar de maneira leve a questão
da “paz na diversidade”, que também falou de religiões e outras subtemáticas associadas, mas
nenhuma delas, causou tanto desconforto quanto a do amor, que segundo Oscar Wilde que
viveu na era vitoriana, não poderia ousar dizer seu nome.
O Dia da Pátria foi criado ainda no governo Dutra em 1949, após a ditadura militar de
1964, a ideia do civismo encarnou os desfiles, que mesmo sendo apropriados por outras
formas de abordagem como a cidadania, proposta pela secretaria de educação do município,
eles ainda não perderam seu caráter autoritário e repressor, não apenas político mas também
constitutivo de um estado-nação e que também neste nível cultural colaboram para a
reafirmação dessa masculinidade hegemônica neste contexto local.
A mãe que iniciou esta querela, contrária ao respeito e ao reconhecimento às
diferenças, protestando agora de forma silenciosa, por nós estarmos femininizando um desfile
cívico carregado de signos do masculino, e reafirmando seu lugar machista e heteronormativo,
foi às ruas assistir a escola desfilar, vestida de preto, debaixo de um sol escaldante de nosso
desabrochar da primavera no Curimataú paraibano. Ao vê-la, percebi que aprisionada estava
ela, encarcerada simbolicamente naquele luto, num sol à pino, dentro de uma moral construída
não somente para os nossos corpos, mas para o dela também. Talvez o luto fosse por ela
mesma, não conseguir, performar seu gênero com criatividade, como estávamos fazendo.
Muitas pessoas olhavam com reprovação a participação das mães no desfile, chegavam
a tirar fotos delas com suas placas carregadas com mensagens de empoderamento,
contrariando o auto propalado desinteresse em questões relativas à sexualidade.
O pensamento pós – estruturalista presente no texto de Michel Foucault (2014), foi o
meu amparo durante a escrita deste artigo, apoiando-me com a sua análise sobre a hipótese
repressiva e a incitação aos discursos. Assim, busquei refletir sobre uma das práticas
educativas da sexualidade, a homofobia, dentro de uma escola de ensino básico, seus discursos
de interdição dos corpos, e a produção desses sujeitos e suas performances de gênero.
A escolha deste recorte temporal se deu por ter sido um dos casos mais emblemáticos,
em vinte anos de trabalho, em escola pública em Cubati. Deixando-me marcas que me
reelaboraram enquanto sujeito histórico. Vale lembrar que somente em Junho de 2019, o
Supremo Tribunal Federal, determinou que a discriminação por orientação sexual e
identidade de gênero passasse a ser considerada um crime e mesmo assim, a morosidade da
lei nos traz a sensação de um tempo bastante lento, deixando-nos próximos desta vontade de
nos interromper, de nos interditar.
Como fonte, trago uma narrativa de minha vida, como disse anteriormente, um
pequeno recorte, uma elaboração provisória completamente exposta a possíveis correções
posteriores, considerando esta arte de viver como um eterno devir, um eterno (re) elaborar
de minha existência, suavizando marcas que ao serem feitas, doem a princípio, mas que as
carrego com orgulho e sem nenhum arrependimento, pois elas dizem um pouco de mim.
Apesar das diferenças não serem respeitadas em meio a diversidade, o tema proposto
à nossa comunidade escolar repleta de sujeitos LGBTQs, nos conduzia à fala, ao grito, ao eco
de nossas vozes e ao brilho de nossos corpos performáticos, o que não diminuiu ou ofuscou a
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 39

narrativa do desfile, quanto ao tema e sua abordagem para outros segmentos como a religião,
por exemplo. Para além disso, o desfile cívico, nunca deixou de ser uma aula de história,
embora elaborada a partir de um tema que veio de cima (secretaria de educação), ela foi
planejada pelo professor de artes e supervisionada pelo gestor da escola, cuja formação
docente é em História.
Durval Muniz (2019) nos reforça o pensamento: “Uma aula, como a própria origem da
palavra indicia, deve basear-se numa atividade de discussão, de partilhamento de ideias, de
emulação entre distintas posições”. Assim, pudemos perceber o quanto foi importante, o tema,
a abordagem, as discussões entre os sujeitos envolvidos da comunidade escolar, pais,
professores, secretaria de educação, todos estes, estavam se posicionando, debatendo. Mesmo
que dentro dessas narrativas, houvesse práticas educativas da sexualidade como o machismo
e a LGBTQfobia, não nos calamos. O mesmo dispositivo de sexualidade que nos aprisiona e nos
silencia, foi o que nos deu corpo e voz para falarmos de nós mesmos, de nossas existências, de
nossas identidades e diferenças.
Falar de si, num espaço educativo, como o desfile cívico, foi um ato de transgressão,
desordenando as regras que nos foram postas, com a ingenuidade legítima em acreditar que
estávamos vivendo tempos de liberdade, tempos de “paz na diversidade” de opiniões, de
religiosidade, de desejos, de identidades, de sexualidades.
Em Cubati, a prática do desfile cívico é carregada de vários sentidos, assim, concordo
com Sandra Pesavento (2003), ao dizer que ao lermos um texto, percebemos outro. E nessa
leitura intertextual da prática pedagógica, percebemos o que Foucault (2014) chama de “rede
sutil de discursos, saberes, prazeres e poderes”, se entrelaçando, formando esse retalho que
busquei narrar, a partir de minhas memórias.
A mãe que tentou regular e defender uma das masculinidades hegemônicas, na escola,
alegava que não cabia discutir gênero, nem na sala de aula e muito menos num desfile cívico,
tomando de assalto, a autoridade do professor e da própria escola, passando ela a (des)educar
com seu machismo e sua homofobia. Era o poder da mãe enunciado em seu discurso
autorizado, não apenas a falar de sexualidade como de desautorizar qualquer um que o falasse
fora do espaço educativo e pedagogizante da casa.
Ao passo que, enquanto educadores, dizíamos que falar de sexualidade, de gênero, é
sim, possível e necessário, não para deslegitimar o lugar de autoridade da mãe ou mesmo do
dispositivo de aliança que é a família, mas para desestabilizar preconceitos arraigados,
bagunçar, como um aluno indisciplinado, uma outra prática educativa da sexualidade que
anula o prazer homoafetivo, que o interdita e o silencia.
O dispositivo de sexualidade que tentou nos emudecer, também nos deu a palavra, não
apenas a mim e ao professor de artes, bem como aos alunos que se engajaram no projeto, além
das mães daqueles estudantes homoafetivos. Entre o silêncio e a fala, não houve uma disputa
ou queda de braço, mas uma (re)construção de padrões masculinos hegemônicos, que se
cruzaram e alinhavaram, um tecido de relações expostas.
A presente pesquisa não tem a pretensão de ser conclusiva. Ela faz parte do início de
uma investigação de um projeto de mestrado em andamento. A pesquisa é um processo de
libertação e aqui pego por empréstimo um conceito de Foucault (2014) para dizer que esses
discursos postos nesta narrativa, são instrumentos e efeitos de poder, pontos de resistências
e ponto de partida para uma escrita de si mais longa, que vai abarcar um recorte de tempo
maior. E o nosso papel como educadores e constitutivos deste biopoder, é preparar nossos

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alunos para conviver com as diferenças, é estimular não somente a empatia, mas criar laços
de solidariedade para sermos resistência em tempos de obscurantismo.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O tecelão dos tempos: novos ensaios de teoria da História. São Paulo:
Intermeios, 2019.
CONNELL, Robert; MESSERSCHMIDT, James W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista
Estudos feministas, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.
FABRE, Michel. “Fazer de sua vida uma obra”. Educação em Revista. Belo Horizonte: UFMG, V.27, n.1, pag. 347-
368, abr. 2011.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A vontade de saber, tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 1ª ed. São Paulo, Paz e Terra, 2014.
MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: Um aprendizado pelas diferenças/3ª ed. rev. e ampl.; 1 reimp. – Belo
Horizonte: Autêntica Editora: UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto, 2020 – Série Cadernos de
Diversidade
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 3ª ed.; 1ª reimp. – Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2014.
SILVEIRA, Marília; FERREIRA, Lígia Hecker. Escritas de si, escritas do mundo: um olhar clínico em direção à
escrita. Athenea Digital – 13(3): 243-263. (noviembre 2013).

SUMÁRIO
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O papel da mulher no período colonial: a(s) perspectiva(s) dos


discentes sobre novos temas nas aulas de História

José Evangilmárison Lopes Leite1


gil.lopes1980@gmail.com

INTRODUÇÃO

A segunda metade do século XX foi significativa no que se refere à incorporação de


novas perspectivas na produção do conhecimento histórico. A denominada “velha história de
fatos e nomes”, ou História tradicional, foi substituída por produções vinculadas à História
social e cultural. Os estudos das mentalidades e das representações foram incorporados às
produções historiográficas. O cotidiano se configurou como possibilidade nas práticas
pedagógicas, o etnocentrismo vem sendo abandonado e a abordagem de uma visão mais
pluralista dos fatos históricos referentes às diversas temporalidades e espacialidades passara
a ser uma realidade (PINSKY, 2010).
Pesquisas relativas à infância, corpo, gênero, medo, alimentação, religiosidade,
cidadania etc. foram incorporadas ao trabalho dos historiadores, abrindo as fronteiras da
História para o estudo de atividades humanas até então pouco investigadas. Esses novos
temas, à medida que passaram a ser abordados nas aulas de História, trouxeram inúmeras
outras reflexões sobre os fatos históricos.
No que concerne ao ensino dessa disciplina do currículo escolar, não se tratava mais,
recorrendo a uma metáfora de Miceli (2002, p. 33), de conceber a História como uma ciência
que “parece voltar-se para traz, sustentando-se numa sucessão de mortos-famosos,
acontecimentos distantes e sem relação com a vida do estudante”. Consubstanciava-se, ao
contrário, uma prática pedagógica que, nas palavras de Azevedo e Stamatto (2010, p. 71),

apesar das permanências que lembravam o ensino do século anterior, marcado pela
monumentalidade dos feitos atribuídos a heróis nacionais e um ensino tradicional sem
espaço para discussões, reflexões, promoção da autonomia do pensamento, no final da
segunda metade do século XX novas discussões e mudanças nos pressupostos teórico-
metodológicos da história e da educação contribuíram para a construção de propostas
didáticas e curriculares marcadas por diferentes concepções de ensino, aprendizagem e
avaliação.

E para a construção das propostas didáticas referenciadas pelas autoras,


professores/as passaram a dispor de uma diversidade de temas a serem trabalhados na sala
de aula, abordando outros sujeitos da História. Todavia, no que concerne aos sujeitos
cognoscentes, questionamos: como se dá a aprendizagem dessas novas perspectivas de
produção do conhecimento histórico? A problematização, a reflexão, a análise se evidenciam
nos posicionamentos construídos a partir do trabalho com novos temas? O entendimento das

1
Graduado e Mestre em História - UFRN
Professor de História - Secretaria de Estado da Educação e da Cultura - SEEC/RN
SUMÁRIO
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rupturas e continuidades – conceitos indispensáveis para a compreensão do conhecimento


histórico escolar – torna-se mais fácil quando se abordam os novos temas?
Partindo dessas inquietações, enfatizando as temáticas representativas da renovação
da produção do conhecimento (gênero, especificamente) e sua utilização no desenvolvimento
da prática docente, o presente trabalho objetiva analisar a(s) perspectiva(s) dos discentes
sobre novos temas nas aulas de História. Para tal, utilizando como aporte teórico autores como
Bittencourt (2004), Ferreira e Franco (2009), Fonseca (2003), Karnal (2003), Pinsky (2010),
entre outros, analisaremos os posicionamentos apresentados pelos discentes em atividades
relacionadas ao papel da mulher no período colonial da História do Brasil.

1 - Novos temas nas aulas de história e o desenvolvimento da prática docente

O desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem em História está vinculado


às mudanças nos pressupostos teórico-metodológicos dessa área do conhecimento,
evidenciadas no trabalho dos historiadores ao exercerem seu ofício. Logo, como vivenciamos
um período de produção do conhecimento no qual, como afirma Bezerra (2003, p.45), “a trama
da história não é resultado apenas da ação de figuras de destaque, mas sim a construção
consciente/inconsciente, paulatina e imperceptível de todos os agentes sociais, individuais ou
coletivos”, ressaltamos que no desenvolvimento da prática docente, a abordagem da
multiplicidade de temas contemplados pelos historiadores permite que a diversidade inerente
ao universo da sala de aula possa ser representada a cada intervenção pedagógica
devidamente planejada a partir da abordagem de outros sujeitos da História, expondo, assim,
a multiplicidade de enfoques, característica do conhecimento e isso é fundamental para a
construção social dos sujeitos. Como afirmam Ferreira e Franco (2009, p. 103-104),

O ensino escolar ganha na medida em que pode se utilizar da diversidade de interpretações


como forma de expor a multiplicidade de enfoques, própria do conhecimento. [...] Nesse
sentido, a disciplina [História] tem um papel de ensinar a refletir e a ler o mundo a partir
de uma orientação histórica. Contribui na medida em que ajuda os alunos a entenderem
noções como o tempo, as permanências, as mudanças, o contexto e, a partir disso, serem
capazes de selecionar e criticar as informações do seu dia a dia.

Respaldando-nos em prerrogativas como as que referenciamos acima, sobretudo no


que concerne à reflexão e a leitura do mundo a partir de uma orientação histórica,
desenvolvemos uma atividade nas turmas do 2º ano do Ensino Médio (Integral e Técnico),
enfatizando uma temática representativa da renovação da produção do conhecimento:
gênero.2
Na referida atividade, abordamos especificamente o papel da mulher no período
colonial da História do Brasil (1500-1822), para que, a partir daquele contexto histórico os/as
alunos/as pudessem – além de entender os conceitos concernentes à disciplina – posicionar-

2
A atividade foi desenvolvida de forma assíncrona – em virtude do contexto de aulas remotas provocado pela
Pandemia da COVID-19 – na Escola Estadual Governador Walfredo Gurgel (Natal/RN), na qual exerço minha prática
docente em História há mais de uma década. Ressaltamos que os posicionamentos dos discentes objeto desse artigo
dizem respeito exclusivamente às atividades respondidas e postadas na plataforma digital da Secretaria de Estado da
Educação e da Cultura (SEEC/RN), o SEEC-SIGEduc – Sistema Integrado de Gestão da Educação. A turma do 2º ano
Integral é composta por 28 alunos (09 homens e 19 mulheres) e, desse total, foram respondidas e postadas 17
atividades. Já a turma do 2º ano Técnico (Curso Técnico em Sistemas de Energia Renováveis) é composta por 19 alunos
(12 homens e 07 mulheres) e, desse total, foram respondidas e postadas 12 atividades.
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se criticamente sobre aspectos atuais referentes ao papel da mulher. 3 Ou seja, procuramos


abordar o conteúdo aproximando-o da realidade dos sujeitos cognoscentes, concebidos, no
nosso entendimento, como sujeitos ativos do processo de aprendizagem, que se constroem
como sujeitos críticos e reflexivos diante dos mais diversos aspectos da vida social. Logo,
tomando por empréstimo as palavras de Haydt (2006, p. 61), concordamos que “quando o
professor concebe o aluno como um ser ativo, que formula ideias, desenvolve conceitos e
resolve problemas de vida prática através de sua atividade mental, construindo, assim seu
próprio conhecimento, sua relação pedagógica muda”.
E para concretizar o nosso planejamento, propusemos dois textos para análise. O
primeiro abordava o papel da mulher no período colonial, enfatizando aspectos relevantes
para reflexão sobre aquele contexto histórico:

Mulher, mulheres: como seriam no passado? O que faziam? Como viviam, ou melhor,
sobreviviam? [...] [Na América Portuguesa], sua quase invisibilidade as identificava “aos de
baixo”. Isso porque a maioria das mulheres era analfabeta, subordinada juridicamente aos
homens e politicamente inexistente. Sua condição as excluía de qualquer exercício de
função nas câmaras municipais, na administração eclesiástica, proibindo-as de ocupar
cargos de administração que lhes garantissem reconhecimento social. O sistema patriarcal
instalado no Brasil colonial, sistema que encontrou grande reforço na Igreja Católica, que
via as mulheres como indivíduos submissos e inferiores, acabou por deixar-lhes,
aparentemente, pouco espaço de ação explícita (PRIORE, 2000, p. 9-10).

O segundo texto, selecionado com o propósito de fornecer elementos para estabelecer


a relação presente/ passado, abordava o papel da mulher na sociedade atual:

O desenvolvimento de novas tecnologias para a produção requer cada vez menos o


trabalho braçal, necessitando-se cada vez mais de trabalho intelectual. Consequentemente,
criam-se condições cada vez mais favoráveis para a inserção do trabalho da mulher nos
mais diferentes ramos de atividade. [...] Pode-se afirmar que a mulher de hoje tem uma
maior autonomia, liberdade de expressão, bem como emancipou seu corpo, suas ideias e
posicionamentos outrora sufocados. Em outras palavras, a mulher do século XXI deixou de
ser coadjuvante para assumir um lugar diferente na sociedade, com novas liberdades,
possibilidades e responsabilidades [...] Deixou-se de acreditar numa inferioridade natural
da mulher diante da figura masculina nos mais diferentes âmbitos da vida social,
inferioridade esta aceita e assumida muitas vezes mesmo por algumas mulheres. Hoje as
mulheres não ficam apenas restritas ao lar (como donas de casa), mas comandam escolas,
universidades, empresas, cidades e, até mesmo, países (RIBEIRO, 2020).

Os referidos textos serviriam, no nosso entendimento, para subsidiar a construção do


conhecimento sobre o tema abordado, para que os/as alunos/as pudessem, como defende
Priore (2008, p. 9) “desvendar as intricadas relações entre a mulher, o grupo e o fato,

3
Ressaltamos que a atividade se refere ao período colonial da História do Brasil (1500-1822) porque tal período
compõe o currículo de História das turmas citadas. Sendo assim, dentro dessa periodização pesquisamos e planejamos
a atividade para que os/as alunos/as percebessem as perspectivas diversas sobre uma mesma espacialidade e
temporalidade históricas. Ressaltamos, ainda, que a atividade proposta envolvia vários aspectos, todavia, nos limites
da discussão proposta no presente artigo, abordaremos somente as questões referentes ao papel da mulher no
período colonial.
SUMÁRIO
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mostrando como o ser social, que ela é, articula-se com o fato social que ela também fabrica e
do qual faz parte integrante”, partir daí, construir os posicionamentos objeto de nossa análise.

2 - A(s) perspectiva(s) dos discentes sobre novos temas nas aulas de história

No desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem em História, concordamos


com Bezerra (2003, p. 42) segundo o qual “o objetivo primeiro do conhecimento histórico é a
compreensão dos processos e dos sujeitos históricos, o desvelamento das relações que se
estabelecem entre os grupos humanos em diferentes tempos e espaços”.
Seguindo as pistas do referido autor, retomamos as nossas inquietações relacionadas
às novas perspectivas de produção do conhecimento histórico (gênero, especificamente) e sua
utilização em sala de aula para colocarmos em prática uma atividade característica do ofício
do historiador: a reflexão. Logo, para refletir sobre como se dá a aprendizagem dessas novas
abordagens, passaremos a analisar a(s) perspectiva(s) dos discentes sobre esses novos temas
a partir dos posicionamentos apresentados nas respostas da atividade.
Nesse sentido, alicerçando a atividade na “compreensão dos processos e dos sujeitos
históricos”, anteriormente referida, propusemos a seguinte problematização: “Explique o
papel ocupado pelas mulheres no período colonial. Posicione-se a respeito”. Evidenciava-se,
assim, o propósito de colocar os/as alunos/as na posição de sujeitos do processo de
aprendizagem, que refletem a partir dos olhares do presente, sobre aspectos do passado.
Inicialmente, ressaltamos que apesar do posicionamento acerca do papel ocupado pela
mulher no período colonial ser uma exigência, poucos alunos/as se posicionaram. Em sua
maioria, as respostas ficaram restritas à transcrição de elementos do texto disponibilizado,
sem nenhuma reflexão – sobretudo dois aspectos específicos: a submissão ao homem e a não
participação em cargos políticos. Perséfone, por exemplo, respondera apenas que “no período
colonial as mulheres eram absolutamente donas de casa”. 4 Deméter, seguindo a mesma linha
de raciocínio, respondera que “as mulheres naquela época eram analfabetas, subordinadas ao
homem e sem espaço na área política. Viviam como indivíduos submissos e inferiores”. Essas
respostas nos inquietam, porque se distanciam do que pressupõem os documentos oficiais que
norteiam a prática de ensino em História que, numa amplitude geral, referenciam a formação
de sujeitos críticos e reflexivos. Na perspectiva de Bezerra (2003, p. 41, 77),

as propostas curriculares que concebem o currículo e a educação dentro dos padrões mais
atualizados constroem a trama expositiva procurando envolver o aluno por meio da
problematização dos temas, de sua abordagem, da relação necessária com o mundo
cultural do aluno; as atividades constituem o cerne do trabalho pedagógico apresentado,
pensando sempre do ponto de vista da construção de um conhecimento escolar
significativo. [...] Trata-se, portanto, de ensinar os alunos não a contemplar o “edifício da
História” como algo já pronto, mas ensinar-lhes a edificar o próprio edifício.

A não contemplação do “edifício da História” como construção acabada e a edificação


do “próprio edifício” pelo sujeito, ou dizendo de outra forma, “a construção de um
conhecimento escolar significativo”, nas respostas anteriormente citadas não foram
observadas. Os alicerces para tal construção foram observados em outras respostas que,

4
Ressaltamos que para fazer referência direta às respostas dos/as alunos/as, os nomes oficiais foram substituídos por
nomes dos deuses e deusas da mitologia grega.
SUMÁRIO
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mesmo de forma superficial, apresentaram aspectos relevantes acerca da problemática


sugerida.
Para Ártemis, por exemplo, “as mulheres no período colonial, não tinham voz, não
tinham direito entre outras coisas. O que é muito errado, para mim isso é uma forma de
opressão”. Apolo, por sua vez, destaca, além dos dois aspectos reiterados na maioria das
respostas: “Eu acho que a mulher tem o direito de trabalhar e sustentar sua família, e deve ter
seus direitos respeitados”. Acreditamos que nesses exemplos, a “problematização”, “a relação
com o mundo cultural do aluno”, começam a ser vislumbradas, uma vez que as respostas
ultrapassam os limites da transcrição dos elementos do texto disponibilizado e sinalizam
outros aspectos concernentes ao posicionamento individual, como a opressão feminina, na
primeira resposta e a defesa do direito da mulher de inserir-se no mercado de trabalho, na
segunda resposta. Esses mesmos aspectos podem ser identificados na resposta de Héstia que,
ao sinalizar a mulher como objeto sexual, afirma que “as mulheres eram consideradas
inferiores, serviam apenas de “decoração”, eram objeto sexual do senhor de terras”.
E finalmente, para refletir acerca da criticidade evidenciada nas respostas, ressaltamos
que a análise do passado com “os olhos do presente” foi bastante comum. Dionísio respondera
que as mulheres “tinham um papel como donas de casa, não tendo nenhum papel significativo
ou de destaque”. Atena, por sua vez, sustenta que o papel da mulher se vinculava às “atividades
domésticas. As mulheres não eram valorizadas como deviam”.
Essas respostas são relevantes para a discussão que propomos por evidenciar que as
reflexões podem contribuir para estabelecer hierarquia nas posições ocupadas pelas
mulheres. E no caso das respostas apresentadas, trata-se de uma hierarquização
contemporânea, que atribui às donas de casa um papel inferior. Isso porque no período
colonial, o “espaço da casa” era, por assim dizer, um espaço feminino. Logo, para as
“sinhazinhas”, por exemplo, era um lugar de destaque. De todo modo, as respostas de Dionísio
e Atena evidenciam um aspecto importante, qual seja: a preocupação que o professor deve ter
em aproximar o conhecimento histórico da realidade do aluno, pois, como sugere Pinsky
(2003, p. 28) “quanto mais o aluno sentir a História como algo próximo dele, mais terá vontade
de interagir com ela”, mais ainda “como uma prática que ele se sentirá qualificado e inclinado
a exercer”.
A outra problematização proposta foi elaborada seguindo os conselhos de Miceli (2011,
p. 37, 40), que enfatiza a responsabilidade dos professores de História “pela condução dos
alunos por caminhos que levem ao pleno exercício da cidadania, cabendo-lhes acompanhar –
sem dirigir – os passos iniciais do processo de formação da consciência crítica dos estudantes”
e, ainda, ressalta que “o aluno deve ser incentivado a desenvolver uma espécie de sentido
histórico, para atuar no mundo em que vive”. E nesse caso, “cabe ao professor de História
disponibilizar elementos que possam auxiliar esse processo de conscientização”.
Para seguir os conselhos do autor referenciado, abordamos conceitos basilares para
uma aprendizagem significativa da História: permanências e rupturas. Construímos, assim, a
seguinte problematização: “Considerando os textos, descreva as permanências (ou seja, o que
ainda se observa) e as rupturas (o que mudou) na condição da mulher no Brasil”. Perseguindo o
propósito, anteriormente citado, de colocar os/as alunos/as na posição de sujeitos, que reflete
a partir dos olhares do presente, sobre aspectos do passado, os posicionamentos acerca das
permanências e rupturas na condição da mulher no Brasil evidenciaram aspectos relevantes
sobre o uso de novos temas nas aulas de História.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 46

Consideramos, inicialmente, que apesar evidenciarmos uma liberdade maior nas


respostas a essa segunda problematização em relação à primeira – o que nos leva a conclusão
de que o texto disponibilizado para provocar as reflexões foi melhor aproveitado para atender
o nosso propósito – alguns posicionamentos apenas citam as mudanças no papel da mulher,
como a inserção nos “cargos políticos e profissionais” ou a “luta” pela igualdade, mas não há
reflexão sobre esse processo. É o que podemos constatar no posicionamento de Deméter,
segundo o qual “observa-se ainda a submissão da mulher ao homem em alguns aspectos. E o
que mudou, foi a mulher em cargos políticos e profissionais”.
Nesse mesmo conjunto de respostas sucintas e sem a reflexão que o tema provoca,
poderíamos ressaltar, também, posicionamentos que, apesar de fazerem referência à luta das
mulheres na sociedade atual, não avançam nas reflexões. No posicionamento apresentado por
Héstia, “as mulheres agora estão mais livres e com mais direitos na sociedade, isso veio
mudando ao longo do tempo, com muita luta”. Já para Dionísio, “as mulheres atualmente ainda
são menosprezadas por uma boa parcela da sociedade e em sua maioria não ocupa cargos
importantes, mas conquistaram vários direitos e lutam por mais igualdade na sociedade”. E
Hera, por sua vez, destaca que “as mulheres atualmente ainda são pouco valorizadas perante
os homens, porém estão ainda na luta pela igualdade perante a sociedade”.
Nas respostas apresentadas, alguns aspectos provocam inquietações relacionadas à
importância do professor como mediador no processo de ensino e aprendizagem: O que
estaria por trás de “mais livres” e “mais direitos”? Que referência (ou referências) as alunas
tem desse processo de luta das mulheres “ao longo do tempo”? Quais seriam os “cargos
importantes” que poderiam ser ocupados pelas mulheres?
Como as nossas reflexões tiveram como objeto uma atividade assíncrona
disponibilizada no contexto de aulas remotas, limitamo-nos aos posicionamentos escritos
devolvidos. O que nos conduz a enfatizar a importância das interações no processo de
construção do conhecimento. Numa aula presencial, as inquietações que nos limites do objeto
de nossas reflexões ficaram sem respostas – levando-nos a considerar que as respostas não
avançam nas discussões que o tema suscita – provocariam intervenções, reflexões, análises e
esclarecimentos e, ainda, promoveriam uma dinamicidade ao processo de construção
(coletiva) do conhecimento, confirmando o que sugere Haydt (2006, 57) ao afirmar que “no
processo de construção do conhecimento, o valor pedagógico da interação humana é ainda
mais evidente, pois é por intermédio da relação professor-aluno e da relação aluno-aluno que
o conhecimento vai sendo coletivamente construído”.
Outras respostas, contudo, avançaram nas reflexões e apresentaram posicionamentos
que denotam a autonomia dos sujeitos ao abordarem e refletirem – uns mais, outros menos,
evidentemente – sobre diversos aspectos. Os aspectos abordados exemplificam a prerrogativa
defendida por Freitas Neto (2003, p. 63) segundo a qual “o aluno deve aprender mais do que
conteúdos e incorporar a reflexão crítica e a aquisição de valores, por intermédio dos temas
apresentados pelos professores, para que sua compreensão da realidade seja mais abrangente
e menos preconceituosa”.
Partindo dessas considerações, destacamos que Perséfone, sobre tais aspectos
respondera que “hoje em dia o papel da mulher mudou muito, hoje se fossem para as mulheres
entrarem nas guerras elas iriam entrar, são donas de casa mais também tem a sua própria
empresa e etc”. Apolo, por sua vez, registara que “as permanências é que ainda tem muito
homem que proibir a mulher de trabalhar, fazendo a mulher ser submissa a ele. A ruptura é
que algumas mulheres estão tendo seus direitos reconhecidos, ocupando cargos públicos, e
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entre outros trabalhos”. E, finalmente, Ártemis, ao se referir às permanências respondera que


“permanece um machismo contra as mulheres, muitos homens ainda se acham melhores que
as mulheres ou que elas só servem dentro de casa pra fazer as necessidades deles”. E com
relação às rupturas, a mesma aluna considera que “o que mudou foram algumas coisas, as
mulheres lutaram, ganharam visibilidade e respeito” e, ainda, “ganharam espaço em algumas
profissões que não eram permitidas, ganharam o direito do voto, tem também oportunidade
de falar não tanto quanto desejam mas falam e sim mudou muitas coisas, mas, ainda tem
opressão contra a mulher tentam calar as mulheres a todo custo”.
No que concerne às discussões sobre o uso de novos temas nas aulas de História, tais
posicionamentos evidenciam que a sugestão de Schmidt (2002, p. 57), segundo a qual o
professor de História deve trabalhar a partir da problematização, para assim superar a
“passividade” que é característica do alunado receptivo, concretiza-se no desenvolvimento do
processo de ensino e aprendizagem a partir de uma prática pedagógica que concebe o ensino
como descoberta, investigação, reflexão e produção.
E, finalmente, numa amplitude geral, consideramos que os posicionamentos
referenciados atenderam ao propósito da atividade e evidenciaram a concretização de
situações didático-pedagógicas que ultrapassaram os limites do caráter meramente
reprodutivista, por assim dizer, dos temas trabalhados nas aulas e se efetivaram numa prática
pedagógica pautada na problematização, que possibilita, no nosso entendimento, a construção
significativa do conhecimento histórico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício da prática docente exige dos/as professores/as de História muito mais do


que o conhecimento específico da disciplina, embora esse conhecimento seja condição
indiscutivelmente necessária. Para exercer uma prática alicerçada na renovação do ensino
daquele componente curricular é importante, por um lado, assumir o ensino como descoberta,
investigação, reflexão e produção e, por outro, conceber o aluno como sujeito ativo, como
protagonista do processo de ensino e aprendizagem (FONSECA, 2003).
É importante, ainda, articular diferentes saberes no desenvolvimento da prática
pedagógica para que possamos dar sentido às diferentes experiências históricas vividas pelos
vários sujeitos nas diversas espacialidades e temporalidades que superem as práticas
tradicionais. E é Miceli (2011, p. 37) quem nos empresta as palavras para justificar os
pressupostos apresentados ao afirmar que “para desempenhar, de modo satisfatório, sua
missão, o docente deve partir da experiência cotidiana dos alunos, oferecendo elementos que
lhes permitam ultrapassar as sempre lembradas formas tradicionais de ensino de História”.
Na discussão que propusemos, os “elementos” oferecidos aos alunos e alunas para
ultrapassar as “formas tradicionais de ensino” estavam vinculados aos novos temas nas aulas
de História (gênero), especificamente atividades relacionadas ao papel da mulher no período
colonial. Contudo, como partimos da premissa de que o exercício da docência é um processo
complexo que exige uma reflexão constante acerca das nossas práticas, as análises dos
posicionamentos dos/as alunos/as, evidenciaram, sobretudo, duas constatações relacionadas
ao ensino História.
A primeira é a de que a abordagem de novos temas nas aulas não garante um ensino de
História mais inovador, mais dinâmico. É o/a professor/a que, como mediador/a do processo

SUMÁRIO
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de ensino e aprendizagem possibilita a inovação e a dinamicidade ao provocar, questionar,


conduzir, permitir a problematização na interação com os sujeitos cognoscentes.
A segunda constatação é a de que a diversidade das respostas constitui um reflexo da
diversidade encontrada no “chão da sala aula”, com todas as particularidades que lhe são
inerentes. E isso deve ser considerado na construção de propostas vinculadas ao ensino
renovado da História. Dada a diversidade do contexto educacional, não podemos nos eximir
da responsabilidade de procurar abarcar os múltiplos níveis, saberes, contextos culturais,
discursos externados cotidianamente.
Essas constatações nos levam a concluir que afirmar qual tendência da História
possibilitaria um ensino renovado e promoveria uma aprendizagem significativa constituiria
uma afirmação controversa porque inúmeros aspectos – alguns inclusive nem ressaltados nos
limites desse artigo – deveriam (e devem) ser considerados no processo de construção das
propostas didático-pedagógicas e por mais que nos esforcemos, não abarcaríamos
completamente todos os aspectos que envolvem o processo de ensino e aprendizagem, não
que seja esse o nosso propósito. Contudo, consideramos que essa sensação de incompletude
permite que reflitamos continuamente acerca do nosso fazer docente que, como uma forma
de intervir na realidade social, modifica-se, reformula-se, contrapõe-se, continuamente.

REFERÊNCIAS

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aprendizagem e ensino de história. In: Revista metáfora educacional (ISSN 1809-2705) – versão on-line, n. 9.,
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https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/o-papel-mulher-na-sociedade.htm. Acesso em 03 de dezembro de
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SUMÁRIO
Ensino de História e Novas
Tecnologias
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As Novas Tecnologias no ensino da Segunda Guerra Mundial: O


caso dos objetos educacionais digitais

Maria Luiza Pérola Dantas Barros1


malupedanbar@gmail.com

O abrangente campo da História e seu ensino como disciplina

Certamente falar do litigioso campo da História e de seu ensino em sala de aula não se
confere numa tarefa simplória, principalmente em virtude da gama de produções existentes
sobre tais temáticas. Assim, como não é pretensão esgotarmos este assunto, nem, tão pouco,
dizermos o que já fora dito, neste momento tentaremos fornecer uma visão panorâmica acerca
do campo da História, bem como o ofício do historiador, e das propostas atuais do ensino da
disciplina, a fim de contextualizar o nosso objeto de estudo: o ensino da Segunda Guerra
proposto nos Objetos Educacionais Digitais2.
Comecemos pela indagação “o que é História? ”. Muitas são as respostas possíveis para
tal questão, em vista das lentes culturais 3 de quem observa tal campo, como por exemplo
designar a História como: “a ciência dos homens no tempo”; o “diálogo interminável entre o
presente e o passado”; “uma dialética da duração”; uma “forma científica da memória coletiva”;
o estudo “das transformações complexas ao longo do tempo”; “a narrativa de
acontecimentos”4.
Diante da pluralidade de respostas, adotamos aqui o que escreveu Marc Bloch, na obra
Apologia da História ou ofício do historiador (2001), para pensarmos o vasto campo da História
como a ciência dos homens no tempo (p.55). Se a História e, por conseguinte o historiador, se
debruça no estudo do “ser humano no tempo”, precisa levar em consideração, para tanto, os
vestígios deixados pelo seu objeto de estudo, conhecidos por fontes ou documentos. Podemos
afirmar, com toda certeza, que sem documentos não se faz História.
De início ligado à escrita, e tido por prova cabal dos fatos, a concepção do que viria a
ser documento se ampliou em virtude dos Annales5, e a “entrada em cena” de novos métodos
e novas abordagens no campo da História.
Não podemos deixar de considerar que os documentos são fabricados em uma dada
sociedade, em um dado contexto histórico, e que, portanto, precisam ser questionados já que

1
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPq/UFS)
2
Objetos Educacionais Digitais, ou simplesmente OEDs, são conteúdos multimídias em formato DVD que integraram
os livros didáticos aprovados pelo PNLD 2014, e foram distribuídos para o ensino fundamental maior das escolas
públicas brasileiras, para serem utilizados durante o triênio 2014, 2015 e 2016.
3
Ver: LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
4
Definições retiradas: ALVES, Francisco José (org.). Segunda unidade: os usos sociais da historiografia (Material da
Disciplina de Introdução à História). São Cristóvão: UFS, 2011.
5
Revisa Annales d’Histoire Économique et Sociale, criada em 1929 por Bloch e Febvre “com o explícito objetivo de
fazer dela um instrumento de enriquecimento da história, por sua aproximação com as ciências vizinhas e pelo
incentivo à inovação temática” (BURKE, 1997, p.4). Ver: BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989). São Paulo,
Fundação Editora da UNESP, 1997.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 51

eles resultam do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro, voluntária ou
involuntariamente, determinada imagem de si próprias.
Se tudo que se relaciona com os seres humanos diz respeito à História, podemos ter
uma ideia de quão grande, diversificados, variados e polêmicos, são os seus territórios, fruto
da especialização do ofício de historiador, cujos campos de investigação vão desde de história
agrária, à, por exemplo, história das religiões, do cotidiano, e da paisagem.
Diante de tanta diversidade, surge a questão: como abordar um campo tão vasto, como
é o campo da História, em sala de aula? De acordo com Joaquim Prats, em artigo intitulado
Ensinar História no contexto das Ciências Sociais: princípios básicos (2006), dever-se-ia
“implementar um ensino de História que tenha muito presente como é o método de análise
histórica” (2006, p.28), ou seja inserindo o discente no ofício de historiador no que se refere
a: levantar explicações prévias; criar hipóteses explicativas; analisar e classificar as fontes
históricas; fornecer explicação histórica do fato estudado.
Essa inserção do aluno no ofício do historiador não deveria ser algo penoso, mas
palatável, feito de forma a propor um profícuo diálogo entre o vasto campo da História e a
realidade do discente, para além de aulas expositivas e do tão conhecido “cuspe e giz”. Porém,
como afirma Derocina Josa e Luana Tavares, em artigo intitulado Ensino de História e novas
tecnologias (2013), o que se percebe hoje no ambiente escolar é que

Há um crescente desinteresse por boa parte dos alunos que possuem pouco hábito de
leitura [...] para assistir aulas expositivas, não se envolvem com as atividades,
apresentando [...] baixos resultados nas avaliações. Acredita-se que o desinteresse [...] está
[...] ligado ao distanciamento da escola com as modificações sociais ocorridas [...] (JOSA;
TAVARES, 2013, p. 825)

As autoras defendem que com o uso de diferentes tecnologias seria possível tornar a
aula de História mais dinâmica, despertando o interesse dos alunos, fazendo inclusive relações
com o tempo presente. Ainda nessa perspectiva, vemos que muitas vezes o desestímulo dos
alunos com a disciplina atrela-se a falta de inovação na forma de transmitir o conhecimento
histórico, uma vez que o aluno se mantem em contato com um mundo moderno que dispõe de
inúmeras formas de tecnologias (CIAMPI, 2003 apud ALVES; ROSA, 2016, p. 36).
Por um lado, sabemos que, contrapondo-se a tal debate, prevalece no ensino de História
o método tradicional, que, nas palavras de Circe Bittencourt (2004), fundamenta-se na ideia
de que ensinar é transmitir um conhecimento e aprender é repetir tais conhecimentos da
maneira como foi transmitido (BITTENCOURT, 2004, p. 230).
Por outro lado, sabemos que a concepção de aluno e de aprendizado se modifica com a
sociedade e o contexto vivenciado. As pessoas e o próprio processo de ensino aprendizagem
se renovam (ALVES; ROSA, 2016, p.38). Neste sentido, a perspectiva mais contemporânea de
ensino da História propõe torna-lo voltado para a realidade do discente (SILVA; FIGUEIREDO,
2013). Mas que realidade seria essa? Nos valendo das análises de Pierre Lévy, em Cibercultura
(1999), os jovens de hoje fazem parte do ciberespaço, ou melhor no “universo oceânico de
informações que a intercomunicação dos computadores fez surgir” (p.17). Assim, os alunos de
hoje não são os mesmos para os quais o nosso sistema educacional foi pensado, eles são
“falantes nativos” da linguagem digital dos computadores, vídeo games e internet, para os
quais devemos inventar metodologias para transmissão do conhecimento (PRENSKY, 2001).
Tal imersão no mundo tecnológico, vivida em grande parte pelos discentes, acaba
agindo de forma incisiva no processo de ensino-aprendizagem, já que faz com que a escola
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sinta a necessidade de atualizar os seus meios didáticos para que o ensino possa tornar-se
prazeroso e eficaz, utilizando novos métodos, linguagens e meios (ALVES; ROSA, 2016),
valendo-se das novas tecnologias em sala de aula.
Utilizamos aqui o termo “novas tecnologias” para além da internet, jogos ou redes
sociais, mas também recursos audiovisuais (iconografia, mapas) e até computador (SILVA;
FIGUEIREDO, 2013). Diante de tal abrangência semântica, analisaremos em seguida o caso dos
Objetos Educacionais Digitais (OEDs), aprovados pelo PNLD 2014 e distribuídos pelo governo
ao ensino fundamental maior das escolas públicas brasileiras para o triênio 2014, 2015 e
2016. Eles se conferiram numa tentativa do governo de proporcionar um ensino mais
interativo e atraente, conforme o já mencionado debate existente em torno da temática.
Ressaltamos que, de certa forma, o nosso trabalho se relaciona a preocupação de
estudos educacionais, que por sua vez vem na esteira dos Annales, com novos métodos, novos
temas, novas fontes, novas abordagens (CARVALHO, C.; CARVALHO, L., 2010)

O ensino da História da Segunda Guerra através dos OEDs

Na pesquisa que por hora utilizamos para confecção deste artigo, intitulada O ensino da
Segunda Guerra Mundial e os Objetos Educacionais Digitais: um estudo comparado das coleções
do PNLD 2014, nos dispomos a investigar, a partir de uma perspectiva comparada6, a proposta
de ensino da História da Segunda Guerra Mundial existente nos Objetos Educacionais Digitais
(OEDs) que integram as obras aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
2014 e foram destinadas às escolas públicas brasileiras.
De antemão, diante da abrangência de assuntos possíveis, como vimos, no vasto campo
relacionado ao ensino de História, escolhemos a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em
virtude desse ter sido um dos piores conflitos bélicos do século XX, que atingiu uma escala de
horrores até então impensada, deixando um rastro de destruição por onde passou, como nos
afirma Richard J. Evans, em A chegada do Terceiro Reich (2016), a partir da entronização da
discriminação racial e do ódio no centro de sua ideologia, uma guerra de conquista implacável
e destrutiva (EVANS, 2016, p. 21)
Assim, diferentemente do senso comum, consideramos que este conflito não está
sepultado no passado, em virtude da gama de produções (bibliográfica, audiovisuais, lúdicas)
que o representam, e de notícias de jornais que trazem novas descobertas, na esteira, como
Evans bem apresentou em sua obra, da “terceira fase” de pesquisas em torno da temática,
concentradas a partir da década de 1990, nas quais

A descoberta de novos documentos nos arquivos do antigo bloco soviético, o crescente


destaque público dado à perseguição e ao extermínio pelos nazistas de judeus e outros, de
homossexuais a “antissociais”, de trabalhadores escravos a deficientes, geraram uma
grande quantidade de novos e importantes conhecimentos (EVANS, 2016, p.30)

A memória ou a representação do conflito também pode ser ativada em nosso dia-a-dia


através de ambientes digitais, como é o caso dos OEDs, aqui eleitos para a análise, tornando a

6
Buscando encontrar semelhanças e diferenças, consequentemente, o que é comum e específico entre os 18 OEDs
que serão comparados. O uso da metodologia da história comparada proporcionará aumentarmos o nosso campo de
visão e não nos limitarmos ao analisarmos diferentes variáveis, através da iluminação recíproca (BARROS, 2007, p.18).
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Segunda Guerra um tempo vivido, um tempo presente. Esclarecido este ponto, nos voltemos
para o caso dos Objetos Educacionais Digitais, os OEDs.
Conforme mencionamos, os OEDs são materiais, ou melhor, documentos multimodais
interativos de suporte digital ou hiperdocumentos (LÉVY, 1999), em formato DVD, que
integravam os livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
2014, e que foram distribuídos pelo MEC ao ensino fundamental maior das escolas públicas
brasileiras para o triênio 2014, 2015 e 2016.
O PNLD é um programa existente há décadas, transformado em uma política de Estado
no governo Lula (2007-2010) (ASSIS, 2015), cujo objetivo é avaliar livros didáticos e distribui-
los nas escolas públicas brasileiras. O programa é executado em ciclos trienais e cada ciclo é
destinado a um nível escolar (ensino fundamental menor e maior e ensino médio). As editoras
submetem suas coleções ao Edital PNLD para serem avaliadas por especialistas de cada área,
conforme as normas deste documento. Em seguida, é produzido o Guia PNLD que contém
resenhas dos materiais aprovados para as escolas públicas escolherem as coleções que melhor
se adéquam ao seu programa pedagógico. A compra é feita pelo Estado que os distribui aos
alunos. Desta forma, as editoras precisam se enquadrar às exigências do Programa para serem
aprovadas e assim garantir a compra de seus produtos.
Um exemplo da amplitude do Programa: no PNLD 2014 para o ensino fundamental
houve um investimento de R$ 879.828.144,04; com 23.452.834 alunos atendidos; 50.619
escolas beneficiadas referentes aos anos finais e 103.229.007 livros distribuídos. Isso, para as
editoras, é um mercado estratégico e altamente lucrativo, sendo por isso fundamental para
elas se enquadrarem às exigências dos editais PNLD.
Em 2012 foi aprovado um edital, cujo objetivo era a

Convocação de editores para o processo de inscrição e avaliação de coleções didáticas


destinadas aos alunos e professores dos anos finais do ensino fundamental das escolas
públicas que integram as redes de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal e que
sejam participantes do PNLD (MEC, 2012, p.1)

As coleções deveriam ser escritas de acordo com as composições, dividida em dois


tipos: 1) conjunto de livros impressos; 2) conjunto de livros impressos acompanhados de
conteúdos multimídia, armazenados em DVD-ROM, que deveriam ser pensados em sua
utilização dentro e fora da sala de aula, primando pela diversidade de objetos interativos e de
possibilidades de uso por parte do aluno e do professor. Esta última categoria se refere aos
OEDs, que, conforme deixa claro o edital, seriam complementares no processo de ensino-
aprendizagem, e, portanto, deveriam estar articulados com os conteúdos dos volumes
impressos. O foco dos OEDs seria facilitar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos, com
abordagens atraentes das temáticas tratadas no livro impresso, e adequadas ao público alvo,
considerando as atividades de maior dificuldade. Eles podiam se apresentar na forma de: 1)
audiovisual; 2) infográficos animados; 3) simuladores; 4) jogos eletrônicos; 5) hipermídias.
A necessidade para inserir esta tecnologia no ensino está ligada aos tempos
cibernéticos em que vivemos, sendo os alunos, alvos desta proposta, o que Marc Prensky
chama de “nativos digitais” (PRENSKY, 2001), isto é, pessoas que nasceram imersos em uma
cultura digital, ou, nas palavra de Lévy, na cibercultura, que seria um “conjunto de técnicas
materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 1999, p.17). Ciberespaço,

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por sua vez, diz respeito ao “novo meio de comunicação que surge da intercomunicação dos
computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação
digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga” (LÉVY, 1999, loc.cit.).
Segundo o relatório TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) Educação 2012,
ano de lançamento do Edital para o referido PNLD, do Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI) 62% dos alunos das escolas públicas possuíam computador em casa e 54% possuíam
acesso à internet (CGI, 2012, p. 172). Sendo que 91% já utilizara internet, ou seja, mesmo que
não tenham acesso no domicílio procuraram o contato por outros meios seja nas escolas (9%),
nas lanhouses (14%) ou nas casas de terceiros (13%) (Ibidem, p. 173).
Para se integrar ainda mais na vida destes alunos, a escola deveria tentar incorporar
essa cultura em seus métodos, uma estratégia da política educacional contemporânea de
tornar o ensino voltado à realidade do discente, contribuindo para a fixação de sentidos sobre
os temas relacionados ao conhecimento. Com o uso dos OEDs, podemos considerar que o MEC
afirmava, ao lançar o edital ainda em 2013, a pretensão em ligar as novas tecnologias ao ensino
de História

Tal ensino deve ser de qualidade, ou seja, deve adequar-se às necessidades socioculturais
da sociedade brasileira, considerar os interesses e as potencialidades cognitivas dos
alunos, levar em conta os saberes gestados na prática docente e oferecer tecnologia
educacional compatível, seja com a legislação educacional em vigor, seja com as tendências
científicas abonadas pela academia (MEC, 2012, p. 58).

Sobre ensino e virtualidade, Marc Prensky, na obra Aprendizagem baseada em jogos


digitais (2012), tenta provar como os jogos digitais tornam o ensino eficiente. Como os alunos
atuais são, para ele, “nativos digitais” (PRENSKY, 2001), a aprendizagem deveria se adequar
ao universo desses jovens. Para o autor, o ensino por exposição e avaliação foi eficiente no
passado, mas agora não o é. Não são divertidos e os alunos que estão acostumados com jogos
digitais não se adequam a esse processo de ensino-aprendizagem. Prensky mostra que utilizar
os jogos, por exemplo, pode facilitar o ensino, porque são motivadores e divertem os jovens,
aprendendo de forma mais fácil e lúdica.
Sabemos que o livro didático ainda é a principal ferramenta utilizada pelo professor
nas escolas brasileiras, que ainda se valem do referido ensino por exposição. Salvo raras
exceções, o nosso educando está sendo formado para reprodução do “saber” transferido pela
escola, através do livro didático e do professor. Por meio da iniciativa estatal, a partir de 2014
e, ao menos, até 2016, tal ferramenta passou a contar também com Objetos Educacionais
Digitais (OEDs) que os complementaram. A diferença entre os OEDs em relação aos livros
impressos é que eles tentam se enquadrar à cibercultura.
Diante do exposto, levemos em conta que ao falar de OEDs, e consequentemente do
livro didático como política de Estado, estamos falando de elementos importantes da história
pública, a saber, a difusão do conhecimento histórico para além da universidade (DIAS, 2016)
Também consideremos que o conteúdo curricular trabalhado nos OEDs, se relacionam
diretamente com o que é exposto no livro didático, que por sua vez é mais que o conjunto de
conhecimentos, sendo sempre uma tradição seletiva, por resultar da seleção de alguém, da
visão de um grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. O debate curricular, que é
marcado por tensões, contradições, concessões, conflitos de ordem política, econômica, social,
cultural, que acabam por influenciar as formas de organização de uma nação (CAIMI, 2009),
se encontra, portanto, presente nos OEDs. Há disputas em torno do que (e de que forma) deve
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ou não ser abordada determinada temática. Tirando o fato de que, por vezes, autores e editoras
não possuem a mesma “visão de mundo” em torno do que deve conter nos OEDs, havendo,
assim, disputas em relação ao que deve ou não ser abordado (ASSIS, 2015).
Lembremos que a compra do material aqui tratado é feita pelo Estado, o que acaba por
obrigar as editoras a se enquadrarem às exigências do edital para garantir a aprovação e
compra de seus produtos, um mercado, como vimos, altamente lucrativo.
Diante disto, podemos dizer que a presente pesquisa pretende “des-ocultar”, deixar
claro e compreensível a mensagem implícita nos objetos digitais acerca do ensino de história
(SILVA, 2003).
Destacamos que: analisar os OEDs que integram os livros didáticos, suporte importante
nas escolas públicas brasileira, é uma forma de estudarmos a história da educação, e como ela
pode ser influenciada pelos aspectos econômicos, no que tange os lucros para as editoras
quando uma livro é aprovado e comprado pelo governo; investigar a Segunda Guerra nos OEDs
nos possibilitará percebermos como que este conflito influencia o ensino de história; ao
investigarmos tal conflito nos objetos educacionais, estaremos investigando, mesmo que
indiretamente, como o governo tentou “oficializar” os conteúdos, os assuntos, as abordagens
que constam nos livros didáticos e, por conseguinte, nos objetos educacionais (já que o
material em circulação passou pelo crivo governamental); com este estudo também
poderemos ter uma ideia em torno dos usos (ou não) feitos pelo governo destes objetos para
legitimar o poder até então em vigor no país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vale a pena ressaltarmos que o projeto de pesquisa utilizado para a confecção deste
artigo se insere em uma linha de pesquisa que propõem percebermos a educação como um
fato social (NUNES, 1984; BOTO, 1996; HILSDORF, 2006).
Claro que não a enxergamos como algo estático, antes a consideramos a partir da ideia
de pluralismo no que se refere a pensarmos que o “complexo social ora se estrutura tendo
como determinação básica o fator econômico ora os fatores políticos, culturais, religiosos,
psicossociais” (FRIGOTTO, 2010, p.92).
Diante disto afirmamos não podermos estudar a educação, de maneira geral, e o ensino
de história proposto pelos OEDs, de forma específica, como algo descolado da realidade. Não
podemos desconsiderar que os OEDs em questão foram pensados para compor o processo de
escolarização e que, portanto, “portam mensagens”, por serem um elemento que também tem
a pretensão de educar.
Neste artigo não apresentamos as conclusões desta pesquisa. Isto se explica pelo fato
da mesma ainda ser algo incipiente. Muito ainda precisa ser pesquisado para sustentar nossas
análises. O que, antes de ser um problema, se confere num grande desafio que faz convergir as
vastas e riquíssimas áreas da História, da Educação e das Novas Tecnologias. Áreas estas que
por sua vez se encontram amplamente vinculados aos contraditórios interesses da sociedade
e do tempo histórico ao qual fazem parte.

REFERÊNCIAS

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SUMÁRIO
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A Memetização do Ensino de História

Pedro Henrique Ribeiro Fernandes1


pedrofe1636@gmail.com
Julia Beatriz Silva Vicente Chaves2
juliab.chaves@outlook.com

INTRODUÇÃO

Com o passar dos séculos, uma série de realidades permearam as sociedades,


perpassando por concepções históricas, artísticas, econômicas, sociais e políticas. Nesse
seguimento, atualmente, é preciso atentar para outro pilar que se torna influente sobre todos
os aspectos anteriores de forma tangível, a tecnologia. Assim, várias condições atuais estão
passando por um processo de alterações e de modificações extremamente significativas no
processo de interação social. Com base nisso, precisa-se compreender que a adesão da
tecnologia ao ambiente educacional está ocorrendo lentamente. Logo, cada vez mais essas
mudanças tornam-se necessárias para as transações humanas.
Nesse contexto, as interações que ocorrem dentro dos espaços virtuais e digitais
tendem a migrar para as ambientações sociais físicas, como linguagens, economia e outros. A
par disso, precisa-se ressaltar a consolidação de um novo método de linguagem que envolve o
verbal e/ou o não verbal que, com o passar do tempo, abrange um número significativo de
pessoas, os memes. Por sua vez, recentemente, de modo análogo aos conteúdos e as interações
escolares houve o surgimento e o compartilhamento de memes educativos. Isto é, várias
contas surgiram em redes sociais, como Instagram e Twitter para divulgação de memes
históricos, filosóficos, geográficos e outras.
Diante disso, é interessante compreender as possibilidades existentes dentro dos
ambientes educacionais por meio da produção e da utilização desses memes nos ambientes
educacionais formais. Visto que a utilização de métodos que fogem do tradicional gera
interesse, atenção e compreensão maiores por parte dos estudantes. Isto posto, o trabalho
voltado a identificação inerente a apropriação de realidades conhecidas por parte dos
educandos, assim como, a consistência voltada ao ensino-aprendizado a partir do humor, do
riso e do lúdico.

UTILIZAÇÃO DO HUMOR NO ENSINO

A sala de aula, na ampla maioria das vezes, é admitida como um local de transmissão
de conhecimentos e, por sua vez, consolidou-se como um ambiente de seriedade. Assim,
verificar o humor e o riso como métodos da tal transmissão de conhecimentos pode ser, por
muitas vezes, suprimido e rejeitado por educadores e por coordenadores das instituições de
ensino formais. Entretanto, o ato de rejeitar o aspecto lúdico no aprendizado pode suplantar

1 Graduando em História pela UFS, Bolsista PITIVol.


2 Graduanda em História pela UFS, Bolsista PIBITI
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 58

uma realidade que fomenta a adesão ao conhecimento através de atividades que envolvam a
criatividade, o humor e a imersão.
Com o passar dos anos, a educação tornou-se enrijecida, isto é, pautada em um modelo
de transmissão unilateral e vertical, ignorando as necessidades individuais de cada pessoa
dentro do ambiente educativo. Nesse sentido, precisa-se entender que existe uma dificuldade
de implementar, de modo geral e compreensível, as possibilidades envolventes sobre a
utilização de metodologias que abarcam um número exponencial de educandos, isto de
métodos simples até os mais complexos. A par disso, é possível verificar uma linha de
abrangência social através de movimentos artísticos, isto é, a apropriação de elementos
visuais, auditivos e táteis de modo distinto ao convencional da sala de aula gera mais atenção
e interesse por parte dos estudantes devido à exploração de meios que fogem do convencional
enrijecido. Esta realidade caminha em congruência com a pesquisa da Anabela Ruas de
Oliveira que afirma que “com a abordagem de ensino multissensorial, o cérebro tem a
oportunidade de acionar diferentes canais para a entrada de conhecimento, contemplando
todos os estilos de aprendizagem” (2018, p. 84).
A par disso, pode-se contemplar a ideia da utilização do teatro, da dança, da música, da
caricatura e de várias outras atividades artísticas que creditem um valor diferenciado e
promovam os vários tipos de aprendizados que existem. Nesse contexto, uma dessas
possibilidades de criação de um ambiente educativo divergente com o convencional é a
utilização do humor que passa por continuidades, por transformações e por modificações. Isto
é, o aspecto humorístico já foi aplicado de diversas formas em variadas manifestações
artísticas, no entanto, a que destacamos é o humor introduzido ao desenho ou as construções
imagéticas.
Em vista disso, dentro da uma realidade adversa, a utilização de charges é construída,
em sua maioria, para promover a crítica com base no humor que, por sua vez, distingue-se da
comédia. Logo, muitas críticas sociais e históricas são desenvolvidas em torno das charges,
seja na contemporaneidade, seja sobre o passado. Destarte, dentro da sala de aula, muitos
docentes apropriam-se desse método para promover debates e análises críticas sobre as
intenções e as abordagens presentes nos textos imagéticos. Por vez, cabe destacar a ampla
apropriação desse método, seja convencionalmente, seja na aplicação de testes.
Através disso, é preciso evidenciar que, atualmente, a utilização de outra estratégia, que
permite uma relação com a ideia das charges, podem ser cruciais para a exploração de uma
identificação e da compreensão das informações por parte dos educandos, gerando o
aprendizado. Isto é, o surgimento de uma nova forma de linguagem que, com o passar dos
anos, torna-se mais utilizada e difundida, os memes. Hoje em dia, a difusão dos memes como
imagens de rápida compreensão geral é algo que fica cada vez mais amplo e alcança um
número maior de pessoas. Ou seja, os estudantes que tendem a estar inseridos no ambiente
digital compartilham e se identificam com essas mensagens que mesclam humor e imagens
pontuais.
Com isso, atualmente, uma série de páginas na internet surgem para a criação e para o
compartilhamento dos memes, nessa sequência, uma nova onda mescla o potencial entre a
educação e os memes. Assim sendo, a criação de contas como “História no Paint” somam mais
de 500 mil seguidores em redes sociais, este é resultado da criação de memes em torno de
conceitos e de abordagens históricas. Entretanto, não é um caso isolado, a criação de espaços
como esses dentro da internet tornou-se comum e com um potencial distintivo entre si que
permite que os públicos dinamizem, compartilhem e renovem o aprendizado.
SUMÁRIO
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Através dessa ideia, é preciso compreender a motivação da dinamização e das


possibilidades que envolvem a utilização dos memes em sala de aula, promovendo a chamada
memetização do ensino. Nessa perspectiva, através da apropriação do humor no sistema
educativo, de forma adequada, ocorre uma influência positiva sobre o ambiente educacional,
assim como, no processo de aprendizagem, estimulado criatividade e auxiliando a
compreensão (SHADE, 2002, p. 17). Além disso, os memes carregam um aspecto distintivo ao
serem introduzidos na sala de aula, isto posto, o fato de inserção sobre as experiências e a
identificação dos estudantes que, de certa forma, como já abordado, estão inseridos dentro da
comunidade digital. Logo, esta identificação através do contato anterior direto permite uma
inserção sobre a vivência do estudante que, por sua vez, é capaz de uma compreensão
contextual e, mesmo que não tenha o conhecimento anterior, poderá realizar associações e
chegar a conclusões, por fim, trabalha-se sobre a ideia das habilidades e das competências que
poderão ser desenvolvidas.
Nesse seguimento, precisa-se entender que os memes são uma nova figura de
linguagem que apresentam um aspecto dinâmico e efêmero, ou seja, a aplicação dos memes
referentes aos conteúdos educacionais precisa ser direcionada de forma rápida ao período que
há a divulgação de determinados memes dentro das redes sociais. Visto que o aspecto
imediatista presente nos memes com situações que circundam o planeta em um determinado
momento promovem um impacto maior de associação e de interpretação desde que haja uma
confluência de construções entre a criação, o compartilhamento e a adesão dos memes em sala
de aula. Portanto, compreende-se dentro desse imediatismo dos memes a possibilidade de
associação das situações reais e de identificação geral ou de uma parte da população que, por
sua vez, geram impactos semelhantes quando referenciados dentro dos centros educacionais.

REDES SOCIAIS

Nós humanos temos a imensa necessidade de mantermos a comunicação com outras


pessoas e ao longo dos séculos fomos melhorando nossas comunicações, tanto as biológicas
com o desenvolvimento da fala, como comunicação com outros seres humanos em longas
distancias em que temos como primeiros registros as pinturas rupestres que a partir dessas
pinturas são percebidos sinais de fumaça, marcas em arvores, com o desenvolvimento da
escrita vemos a revolução nesses tipos de comunicação e a partir vemos o surgimento das
cartas que eram enviadas por mensageiros e até por aves, com a revolução industrial vemos o
surgimento dos telefones, que se mesclou a utilização das cartas, hoje estamos na 4º revolução
tecnológica em que temos os smartphones que dentro de só um aparelho temos a mescla dos
meios de comunicação escrita e fala, como também podemos utilizar de imagens para passar
mensagens para um número imensurável de pessoas.
Os millenials são as pessoas nascidas no segundo milênio, cotados como os mais
sintonizados com os novos adventos tecnológicos e principais utilizadores das novas redes de
comunicações, as redes sociais, como WhatsApp, Instagram ou Twitter. Essas são as redes de
comunicação que tem funções distintas, mas que são utilizadas com grande frequência, feito
uma pesquisa mundial pela Statista em que a população do Brasil é a 4º maior em número de
utilizadores desses canais e pelo Tic Domicílios de 2019, temos 134 milhões de usuários, em
que é observado que os brasileiros gastam em média 1 hora e 22 minutos do dia para utilizar
as redes sociais, segundo pesquisa da ComScore, que explica que esse tempo é dividido entre
as mensagens instantâneas e os serviços de social mídia.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 60

Com esses números é sabido que os números de usuários tendem a aumentar cada vez,
e a utilização das redes também, já que cada vez mais elas oferecem ferramentas para ajudar
na cotidiano dessas pessoas, como também oferecem térreo para o desenvolvimento de
projetos que podem da muito certo e vem se percebendo cada vez a migração de alguns
empresas para a utilização dessas redes, para ter o maior contato com os usuários de
determinada plataforma, pois é um meio de atingir o público que é pleiteado pelo seu produto.
Ao se observar essas pesquisas e o aumento de uma grande quantidade de pessoas
utilizando as redes socias e as de ainda vão utilizar, é recomendado a necessidadede
orientação para essas pessoas, trazendo mais um novo tipo de aprendizagem, pois mesmo que
esses números tendem a crescer, pessoas ainda tem dificuldade na utilização dessas
ferramentas como também as que não entram por não terem o conhecimento, então se
recomenda a inserção da alfabetização digital.
Alfabetização é uma fase que todos necessariamente temos que ser submetidos para
desenvolvermos as habilidades de escrita e leitura, o termo é conhecidos por toda comunidade
da educação, já que é uma passagem básica para que o aluno venha desenvolver todas as
outras as habilidades, porém vem sé observando que só a alfabetização clássica não supra a
necessidades do novo mundo com a expansão da rede mundial de computadores e outras
tecnologias da informação e comunicação(TIC), agora é pensado uma nova forma de
alfabetizar disso se vem pensando na alfabetização digital, que de acordo com a Universidade
de Cornell, como “a habilidade para encontrar, avaliar, compartilhar e criar conteúdo
utilizando tecnologias da informação e a Internet”.
Temos que entender que mesmo que tenhamos jovens que utilizem dos meios digitais,
podem não saber como utilizar, por isso a necessidade de uma boa educação mas alguns
professores tem dificuldade de trabalhar esse tipo de coisas, ou o local que está inserido não
deixa brechas que faça tal tipo de trabalho, aí a necessidade da renovação da educação ou o
professor realmente não entende do assunto, já que essas novas ferramentas apareceram
muito rápido e eles não puderam ter tempo de aprender tudo, sendo necessário então a
capacitação desses profissionais, que disso talvez tenhamos uma possibilidade de alfabetizar
digitalmente as futuras gerações, mas vale ressaltar que países como o Brasil, que tem outros
tipos de atrasos, a possibilidade de sanar essa nova necessidade vai demorar, já que as mais
antigas ainda permanecem.
Voltando a temática desse texto que é a utilização das redes socias para ensinar por
meio dos memes, observamos duas páginas que utilizam de desse meio para ensinar sobre a
temática de cada um, o @ClickMuseus foi o primeiro observado, em que utilizar de memes
para educação patrimonial, mas também para refletir sobre o cotidiano das idas aos museus,
como também procura interagir com seus usuários a partir de enquetes, a pagina sé localiza
no instagram e atualmente eles tem mais de dez mil seguidores nessa plataforma.
A segunda página observada foi o @Histórianopaint, pagína que utiliza de memes para
transmitir a história em geral, um conteúdo muito diversificado, onde o autor aproveita para
não só retratar os fatos históricos, como também pontua sobre as situações do
contemporâneo, até fazendo links com momentos do passado, a pagina se localiza tanto no
instagram como no Twitter, que juntas elas tem mais de 600 mil seguidores.
Ao se observar que os memes não só poderia ser um recurso muito bom para divertir
as pessoas e gerar um breve conhecimento de algo, foi criado pela Universidade Federal
Fluminense, o #MUSEUdeMEMES, é um museu desenvolvido por alunos da graduação e pós-
graduação, como também de docentes, onde eles desenvolvem um plataforma que tira o
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caráter efêmero de um só meme, e os aglutina em um contexto social que foi desenvolvido,


segundo o portal deles, o motivo é para que quem se interesse por o assunto e queira
desenvolver sua pesquisa utilizando os memes tenha uma plataforma que auxilie, eles também
disponibilizam o acervo com pesquisas desenvolvida nessa área.

METODOLOGIA DE APLICAÇÃO

Ao se observar tudo que foi elencado, pensamos que a forma que vai se utilizar desse
recurso é como um auxiliar, muito similar como é utilizado os flashcards por alguns, mas os
memes como além de trabalhar com os textos curtos, também trabalha com o visual,
auxiliando no ensino continuado do aluno. O professor ao utilizar dentro da sala de aula, tanto
pode utilizar os que já foram feitos por páginas das redes sociais, e gerando assim discussões,
como também pode produzir com seus alunos, mediando o assunto que deve ser abordado,
mas deixando livre para que o aluno desenvolva o assunto e gerando uma discussão com os
demais.
Destarte, pode-se compreender a metodologia de aplicação o trabalho sobre a ideia de
uma Educação 4.0, ao qual envolve os educandos sobre seu próprio aprendizado de forma
direta. Isto é, os estudantes aprendem através da interação e da criação, ao qual, é construída
uma realidade voltada às competências e às habilidades, como análise crítica, trabalho em
equipe e capacidade de comunicação, além de outras questões que acabam por ser analisadas
e empreendidas diante do movimento citado. Portanto, precisa-se entender que a aplicação
dos memes em sala de aula constitui-se como uma válvula de adesão e de criação de alicerces
entre educandos e conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto vemos que a educação vem saindo dos moldes herdados pelos jesuítas e vai
tomando a direção de uma modernização e aceitação do livre pensamento do aluno, pois
começamos entender que o aluno é protagonista do seu aprendizado, e por isso ele deve ser
incentivado a usar das mais variadas formas para chegar ao nível de aprendizagem, cabendo
aos sistemas de ensino entenderem essa nova realidade de que seus alunos vem.
Mas não é só a educação que cabe andar com os passos da mudança, toda a sociedade
civil tem que participar da mudança, e aceitar ela, como também fazer com que as esferas
governamentais sanem as problemáticas já existentes no Brasil, para que assim possamos ter
uma revolução educacional tecnológica harmônica, em que todos tendo o mínimo para serem
inseridos nessa nova forma de pensar o aprendizado e a sociedade em geral, que podemos
depositar muito dessa nova forma de pensar pelas novas formas de gerar o pensamento crítico
nos alunos. Então o nosso texto teve o intuito de abrir o legue de possibilidade de ensino com
mais uma nova ferramenta para auxiliar o professor e aluno, como também mostrar como
temos uma estrada longa para gerar a mudança.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 62

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Acesso em: 24 nov. 2020.
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SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 63

História e História em Quadrinhos: novas abordagens


para o ensino de história

Natalia Santos Amorim1


nataliasanttosa@gmail.com

Aline de Souza Silva2


allinesoouza_@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Exibidos nas mídias da televisão, nos jornais, revistas e livros, as Histórias em


Quadrinhos desde muito cedo passam a fazer parte dos traços da vida pessoal de alguém.
Associando imagens e texto, muitas dessas histórias influenciam de geração a geração
aguçando a imaginação do leitor de todas as idades que tem contato com esse gênero textual.
Tornando-se um gênero textual a partir do ano de 1896, as primeiras Histórias em quadrinhos
foram lançadas em Jornais na cidade de Nova York, mais tarde ela vem a se expandir em outros
lugares, no Brasil as HQs já eram escritas desde os anos de 1869, mas, só passaram a se
propalar por volta de 1905 com a primeira publicação feita em uma revista brasileira infantil
“O Tico Tico”.3
No campo educacional, as Histórias em Quadrinhos foram por muito tempo rejeitado,
acreditava-se que essas histórias não só atrapalhavam no processo de aprendizagem, como
também distorciam os valores morais e éticos das crianças, uma vez que, algumas dessas
leituras poderiam, por exemplo, induzir a criança ao homossexualismo, fator este considerado
transgressor para a época. Além disso, esse tipo de gênero textual poderia também, impedir
no aprofundamento de outras obras consideradas muito mais importantes, observações como
essas se encontram no livro “A sedução dos inocentes” de Wertham, publicado no ano de 1954.

Aqui no Brasil, já em 1928, surgiram as primeiras críticas formais contra as historinhas: a


Associação Brasileira de Educadores (ABE) fez um protesto contra os quadrinhos, porque
eles “incutiam hábitos estrangeiros nas crianças”. Na década seguinte, em 1939, diversos
bispos reunidos na cidade de São Carlos (SP) deram continuidade à xenofobia, propondo
até mesmo a censura aos quadrinhos, porque eles traziam “temas estrangeiros prejudiciais
às crianças”. (CARVALHO, Djota. 2006. P. 32)

Ilustrando aspectos específicos explicados por um texto escrito, e embora que de


maneira restrita, pois temendo a resistência ao uso do material por parte das escolas, as
narrativas sequenciais das HQs foram incluídas nos livros didático brasileiros nos anos de

1
Universidade Estadual da Paraíba
2
Universidade Estadual da Paraíba
3
VERGUEIRO, Waldomiro; SANTOS, Roberto Elísio dos (org.) O Tico-Tico: centenário da primeira revista de quadrinhos
do Brasil. São Paulo: Opera Graphica, 2005.
SUMÁRIO
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1970, mas, apenas no ano de 1996 com a promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), as HQs no Brasil passam por um marco em sua trajetória de aceitação de seu
uso como ferramenta pedagógica utilizada em sala de aula.
Ainda que inicialmente vista de forma negativa a começar por professores que
cresceram na época das más contribuições da leitura das Histórias em Quadrinhos, com a
evolução dos tempos as HQs passaram a evidenciar seus benefícios para o ensino, e assim
garantir a sua presença no ambiente escolar. Este trabalho, portanto, tem como objetivo
apresentar as Histórias em Quadrinhos no ensino, mostrando um pouco de sua história, suas
relações disciplinares e de que maneira está intrínseca ao processo de aprendizagem.

História das Histórias em Quadrinhos

Alguns pesquisadores datam o fim do século XIX a época do aparecimento do Yellow


Kid nos Estados Unidos, como marco inicial das histórias em quadrinhos, mas há
pesquisadores que vão mais além, e remontam as Histórias em Quadrinhos à ‘’Pré História’’,
tendo como embrião desse período a arte rupestre, que na verdade eram imagens que
contavam histórias de caçadas e de situações cotidianas que alguém vivenciou.
O Yellow Kid personagem de Richard Outcault foi o primeiro personagem fixo semanal
publicado em cores no jornal, no ano de 1896 nos EUA. Especialistas consideram o início da
década de 30 até meados da década de 50 do século XX como a idade de ouro dos quadrinhos,
onde: o Batman, Super Homem, Mandrake fantasma, Tarzan, Flash Gordon, e centenas de
outros personagens viviam uma história de suspense, ação e aventura em meio a cenários um
tanto realistas.
Personagens e criadores não faltam ao longo da história das histórias em quadrinhos,
mas, como qualquer bom roteiro de aventura de super heróis, neste percurso também existiu
um anti-herói no ano de 1954 quando o psiquiatra norte americano Frederick Wertham
publicou o livro ‘’A sedução dos Inocentes’’, o livro colocava as revistas em quadrinhos como
vilãs que exerciam uma forte influência na delinquência juvenil, foi neste momento que os
mecanismos de censura aos quadrinhos entraram em ação na forma de selo com os Comics
Code, os livros que não obtivessem esse selo não poderiam nem ser comercializados e nem
veiculados.4
No Brasil, o percussor das Histórias em Quadrinhos foi Ângelo Agostini5, criador do
personagem Nhô Quim que é apontado como o primeiro herói das histórias em quadrinhos no
Brasil, suas aventuras foram publicadas entre 1869 e 1883 na revista ‘’Vida Fluminense’’ no
Rio de Janeiro.
A revista ‘’O Tico Tico’’ idealizada por Manuel Bonfim e Renato de Castro no início do
século XX, foi uma das primeiras a publicar regularmente histórias em quadrinhos em suas
páginas. Nessa, tanto obras norte americanas como nacionais eram encontradas, e foi nela que
o personagem brasileiro Juquinha criado por J. Carlos ganhou vida, outras obras infantis

4
SILVA, Cíntia Cristina da, Quem inventou as histórias em quadrinhos?
Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/cultura/quem-inventou-as-historias-em-quadrinhos/> Acesso
em 16 de Janeiro de 2018.
5
Ângelo Agostini (1843-1910) foi um ilustrador, caricaturista, desenhista e pintor italiano, o mais importante artista
gráfico do Brasil na segunda metade do século XIX. Foi um dos criadores das histórias em quadrinhos no Brasil, foi
editor e ativista político. (FRAZÂO, 2017). Disponível <em:https://www.ebiografia.com/angelo_agostini/> Acesso em
18/01/2018.
SUMÁRIO
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também se encontravam em suas páginas, como: os contos da "Mãe Preta" de Orico, "Papae"
de Juracy Camargo e "O Detetive errado" de Luís Sá, por exemplo.
Nesse cenário, outras HQs foram surgindo, e marcaram época no Brasil, entre elas
temos: O Suplemento Juvenil de Adolfo Aizen apontado como um grande incentivador das
Histórias em Quadrinhos no país, e conhecido por fundar a Editora Brasil América Ltda.
(EBAL), O Gibi de Roberto Marinho, O Amigo da Onça do cartunista Péricles, O Perêrê de
Ziraldo, Capitão 7 de Aires Campos e a Turma da Mônica, criação de Mauricio de Souza que
atualmente não apenas é sucesso das revistas, como também das telinhas de televisão. 6

A Arte Sequencial como ferramenta de aprendizagem

Gibis, tirinhas, a Nona arte 7, ou simplesmente quadrinhos, o que são? Segundo


Vergueiro (2006) os quadrinhos são uma combinação de dois tipos de comunicação: a imagem
e o texto. Sua unidade narrativa denota-se no próprio quadrinho, ou nas conhecidas vinhetas.
Neste sentido, composta por quatro ou mais quadros a História em quadrinhos é uma
narrativa visual e oral, que pode ser associada apenas a sequência de imagens, ou a associação
de palavras e imagens. É certo que, a combinação dos elementos imagem e texto formam os
quadrinhos, mas, a sequência apenas de imagens podem também formar uma história em
quadrinho? Segundo a sabedoria popular “uma imagem vale mais que mil palavras”, neste
sentido, de acordo com Eisner (2010, p. 16) "é possível contar uma história apenas através das
imagens" tanto nos quadrinhos como em outros tipos de narrações ilustradas.
Nesta perspectiva, a imagem, ou a junção da imagem e texto nos quadrinhos quando
bem utilizados são grandes aliadas do ensino, estas combinações facilitam a compreensão de
uma leitura abstrata se relacionadas apenas às palavras. Reproduzindo contextos de valores
éticos, morais, culturais, e ampliando o conhecimento sobre o mundo social, as HQs foram alvo
de censura e de muitas críticas principalmente dentro das escolas, e embora tenham sido por
muito tempo rejeitado por pais e professores, seus benefícios hoje são totalmente evidentes.
Segundo Vergueiro (2006, p. 21), "no Brasil [...] o emprego das histórias em quadrinhos
já é reconhecido pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN)". Foi então a partir de meados dos anos 90, após a avaliação realizada pelo
Ministério da Educação que muitos autores de livros didáticos passaram a diversificar a
linguagem como atividade complementar para os alunos, incorporando então a linguagem de
quadrinhos em suas produções.
Aguçando a curiosidade, desafiando o senso crítico, e trazendo certo entretenimento,
as Histórias em Quadrinhos ainda de acordo com Vergueiro (2010, p. 22) auxiliam o hábito de
leitura, enriquecem o vocabulário do aluno, exercita o pensamento através da interpretação
do quadrinho que está sendo lido, e o que é ainda mais importante, ela é recebida com
entusiasmo pelos estudantes, pois eles querem ler quadrinhos e é por este motivo que esta
ferramenta possibilita um bom desempenho dos alunos através do seu uso.

6
CRUZ, Dandara Palankof e, Matéria: A história dos quadrinhos no Brasil - Parte 2
Disponível em <http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=558>. Acesso em 16 de
Janeiro de 2018.
7
Expressão difundida pelo jornalista e estudioso de quadrinhos francês Francis Lacassin em 1962 dando continuidade
a classificação proposta pelo intelectual italiano Ricciotto Canudo no seu Manifesto das Sete Artes publicado em 1923.
Fontes: PACHECO, Elza Dias. Comunicação, educação e arte na cultura infanto-juvenil. São Paulo: Loyola, 1991. P.62;
LACASSIN, Francis. Pour un neuvième art, la bande dessinée, Paris: Slatkin, 1982.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 66

Embora as Histórias em Quadrinhos impliquem na leitura, não é correto dizer que ela
é literatura, e por mais que compartilhem elementos narrativos literários, quadrinho é
quadrinho, e sua aplicação no processo de aprendizado se insere nas inúmeras adaptações das
áreas de ensino podendo ser utilizadas para reforçar pontos específicos dos conceitos teóricos
desenvolvidos em aula. Outra característica dos quadrinhos é que eles não devem ser vistos
como a solução de todos os problemas e serem colocados acima de qualquer outra ferramenta
de ensino, pois cada uma tem o seu benefício pedagógico, deve-se então haver uma integração
entre os quadrinhos e as outras ferramentas de ensino, pois o quadrinho leva o leitor para o
cinema, para a literatura, para o teatro e assim para as demais artes.
Neste seguimento, ao trabalhar as HQs o professor ao selecionar o material que vai
utilizar em sala de aula deve levar em conta: a proposta didática que está sendo estudado, o
objetivo da aula, o nível escolar, a faixa etária dos alunos e, por conseguinte o desenvolvimento
destes a partir da proposta feita de acordo com o tema da aula.

[...] na utilização de quadrinhos no ensino, é muito importante que o professor tenha


suficiente familiaridade com o meio, conhecendo os principais elementos da sua linguagem
e os recursos que ela dispõe para representação do imaginário; domine razoavelmente o
processo de evolução histórica dos quadrinhos, seus principais representantes e
características como meio de comunicação de massa; esteja a par das especificidades do
processo de produção e distribuição de quadrinhos; e, enfim, conheça os diversos produtos
em que eles estão disponíveis (VERGUEIRO, 2010, p. 29).

Não existindo regras enquanto a seu uso, o bom aproveitamento do uso das HQs em
sala de aula é a criatividade do professor, cabendo a ele no processo de planejamento e
desenvolvimento de qualquer disciplina, estabelecer as estratégias que mais se adequam tanto
as suas necessidades quanto também as necessidades e compreensão de seus alunos.
Dominado esses elementos, o professor fará dessa ferramenta de ensino um grande aliado do
processo de aprendizagem, além de dinamizar sua aula, trabalhará com um aluno motivado e
disposto a participar da aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Agregados inicialmente ao entretenimento e colocados por muito tempo como causa


da delinquência juvenil da década de 50 e adquirindo espaço na educação quase duas décadas
depois, principalmente através de livros didáticos, as histórias em quadrinhos é um riquíssimo
material a ser trabalhado em sala de aula. Podendo ser utilizado nas diferentes áreas de
ensino, cabe ao professor o sucesso de sua utilização, sendo necessária a seleção do material,
de acordo com o nível escolar, a faixa etária do aluno e a proposta temática trabalhada em aula.
Uma parte da informação que vem pelo texto, outra parte da informação que vem pela imagem
e a outra parte da informação que é processada na cabeça do leitor por aquilo que está na
junção das duas e por aquilo que não está em lugar nenhum as Histórias em Quadrinhos na
sala de aula, exercita de forma criativa e divertida o processo de aprendizagem dos alunos,
tornando-a assim uma ferramenta pedagógica eficaz.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 67

REFERÊNCIAS

CARVALHO, DJota. A educação está no gibi. Campinas: Papirus, 2006.


EISNER, Will. Narrativas gráficas: princípios e práticas da lenda dos quadrinhos. São Paulo: Devir, 2008.
RAMOS, Paulo. VILELA, Túlio. RAMA, Angela. VERGUEIRO, Waldomiro. Como usar as histórias em quadrinhos
na sala de aula. (orgs.) 2. Ed. São Paulo. Contexto, 2005.
SANTOS, Roberto Elísio dos. VERGUEIRO, Waldomiro, Histórias em quadrinhos no processo de aprendizado: da
teoria à prática. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 27, p. 81-95, jan./abr. 2012.
VERGUEIRO, Waldomiro; SANTOS, Roberto Elísio dos (org.) O Tico-Tico: centenário da primeira revista de
quadrinhos do Brasil. São Paulo: Opera Graphica, 2005.

SUMÁRIO
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Ensino de História e seus desafios: A utilização do método


audiovisual como fonte e metodologia em sala de aula

Aline de Souza Silva1


1
allinesoouza_@hotmail.com

INTRODUÇÃO

A priori o audiovisual e sua relação com a sociedade é peculiar principalmente quando se


enquadra nas ciências humanas e sua história como uma criação, aperfeiçoamento ou
estabilidade. Essa metodologia, segundo o historiador Hagemeyer (2012) representa uma
diversidade, isto é, dentro do audiovisual outros recursos se formam e cada uma possui sua
história e uma problematização.
Enquanto audiovisual eles possuem imagem e ação, a exemplo disso está a cinematografia,
vídeos, videogame, etc. Contudo, Hagemeyer diz que “cabe aos historiadores, embora não apenas
a eles, fazer a sociedade imaginar a história, seja com palavras ou acompanhamentos de imagens
e sons.” (HAGEMEYER, 2012, p. 13).
O objetivo é ressaltar o audiovisual como fonte de conhecimento para a sociedade e de
como pode facilitar o ensino aprendizagem em relação a educação. Traz uma perspectiva de
reflexão e conhecimento através de imagens e sons que dão vida a um acontecimento, a algo que
foi escrito em forma de movimento, possibilitando ao espectador uma forma diferente de
compreender o mundo em si.
Nesse sentido, esse mecanismo e a história trazem uma fonte de pesquisa riquíssima para
o campo da história tanto a própria história do audiovisual como a relação entre ambos.

Um pouco de história: origem da linguagem audiovisual

O audiovisual na Europa e na América do Norte e até mesmo no Brasil obteve seu apogeu
no início do século XX, com o cinema antigo, com imagens ainda em preto e branco, era a atração
na época, posteriormente a televisão com a imagem em movimento que nos anos seguintes foram
fabricadas com som. Antes dessa tecnologia as máquinas fotográficas deram o apogeu às
câmeras e filmagem que assim permitiu que o cinema oferecesse uma forma de chamar a atenção
da sociedade.
Além do desenvolvimento dessas máquinas foram surgindo outras tecnologias audiovi-
suais como os videogames que eram de acordo com a faixa etária de crianças, adolescentes e
jovens, mas por situação social e econômica, muitas pessoas não tinham acesso a esses
mecanismos, por conta do custo de imposto o preço dessas maquinas eram abundantes, por isso,
a tecnologia “não era para todos”.
O cinema, vídeos, televisão e videogames como uma atração foram se desenvolvendo
para outros campos importantes na humanidade, como a comunicação social e também para o
campo da História.

1
Graduada do departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
SUMÁRIO
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O cinema como fonte de conhecimento e fonte de pesquisa histórica foi ganhando força,
historiadores avaliavam os filmes que relatavam sobre temáticas históricas, foram sendo
trabalhados juntamente com cineasta uma forma de incentivar a compreensão da história para a
sociedade através de imagens em movimento gerando uma perspectiva diferente de entender o
passado sem se limitar somente na escrita. Hagemeyer ainda afirma que, “A história dos meios
audiovisuais é parte da história da cultura[...]” (2012, p. 65)
Como já foi abordado, a linguagem audiovisual subdivide-se entre outras linguagens que
possuem a junção da imagem com o som e que pode reproduzir a “realidade”, isto é, “São critérios
de representação visual do mundo, que concebem a 'tela' como uma 'janela' aberta para o
imaginário.” (HAGEMEYER, 2012, p.66).
Contudo, a história nos remete a arte moderna que também carrega esse sentimento do
imaginário e da representação e o principal: da crítica. Seja uma tela de pintura que reflete uma
história, assim com uma tela cinematográfica, ou até mesmo de um vídeo que possui uma
diferença enquanto produção e sentido eletrônico, Hagemeyer aborda essa diferença entre
ambas quando detalha: “A linguagem do vídeo, nesse sentido, é muito mais devedora do colorido
da lanterna mágica do que o cinema.” (HAGEMEYER, 2012, p.66).
Vale salientar que, para a construção da linguagem audiovisual na sociedade antes
mesmo o destaque é para a artes visuais como a pintura e posteriormente a fotografia, ambas,
tem o sentido de, instruir no espectador a curiosidade e a reflexão de compreender o sentido da
obra e que cada espectador possui uma interpretação diferente até mesmo do artista ou
fotógrafo.
Com essa perspectiva a imagem e o som foi mais um processo tecnológico da humanidade
para despertar cada vez o espírito de reflexão e conectividade. Dessa maneira, o autor enfatiza
que “Na era digital, é o saber que viaja veloz nas estradas virtuais da informação." (KENSKI, 2003,
p.32).

A linguagem audiovisual e suas variações: recurso didático

Os atrativos da linguagem audiovisual no século XXI está em volta de todos nós, a


televisão como um meio comunicativo, assim como o cinema, vídeos e vídeo games fazem parte
do século tecnológico que promove possibilidades que facilitam o cotidiano da humanidade entre
vários fatores.
É essencial trazer essa linguagem para a educação, assim com um aluno de escola básica
está cooptado por tecnologia, seria viável o professor utilizar desse meio como recurso didático
para sua metodologia nas aulas ministradas. “O mundo de muitas pessoas é o mundo das imagens
que escolheram e muitas delas são imagens do cinema e da televisão.” (COUTINHO, 200, p. 74.)
A linguagem audiovisual como fonte de conhecimento e fonte de pesquisa para
historiadores, vale ressaltar, que muitos historiadores são licenciados e uma forma de levar para
a sala de aula um mecanismo diferenciado e atrativo é excepcional tanto para a formação do
professor como para os alunos de ensino básico.
Sobretudo, antes de reproduzir qualquer ferramenta de audiovisual em sala de aula, é
necessário que haja uma análise do mecanismo, se for um filme, por exemplo, deixar bem claro
paro os alunos que é algo produzido tanto com base histórica, mas que se constrói com base
fictícia também e isso pode ser problematizado junto com eles, após isso um roteiro como base
para guiar e facilitar os alunos na observações dos pontos principais do filme, chamar a atenção
deles para o conteúdo histórico e explicar, posteriormente ressaltar a trilha sonora do filme.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 70

Nesse caso, em uma turma do segundo ano do Ensino Médio, foi aplicado pelos alunos
universitários e supervisão do PIBID2, um episodio de uma série que retratava sobre a escravidão
negra na América do Norte, a série televisiva The Book of Negroes, seu primeiro episódio que
revisa o conteúdo sobre a escravidão negra, acompanhados de um roteiro para nortear a
visualização e, posteriormente, a aplicação de slides sobre as principais cenas do episódio. Além
disso, pensamos a importância da produção textual dos discentes, resenha crítica, para
compreender como se deu a recepção e aprendizagem dos mesmos.
Esses apontamentos, facilitam na compreensão do aluno tanto para aprender a analisar
um filme como também compreender o objetivo da aula que é a compreensão da historicidade
juntamente com a posição de opiniões ou críticas. Como enfatiza o historiador Hagemeyer:

“O recurso musical provavelmente amplifica o poder evocativo das imagens, assim como
auxiliava a fixação melódica e rítmica da poesia e ajudava na sua memorização, conferindo
maior estabilidade na conotação das palavras.” (HAGEMEYER, 2012, p 62)

É com essa mesma ideia que o historiador supracitado enfatizou em sua obra, os autores
Azevedo e Souza, que afirmam: “Logo, o uso do recurso audiovisual transmitido na aula, faz com
que os alunos fixem melhor o conteúdo, guardem a imagem, ela situa na maioria das vezes o
aluno historicamente e geograficamente." (AZEVEDO; SOUZA, 2013, p. 4).
Um mecanismo importantíssimo do audiovisual é o vídeo, onde o professor pode trabalhar
junto com os alunos uma oficina de produção de vídeo, onde instigue os alunos a pesquisa e
trazer informações e criatividade facilitando o trabalho em grupo, além de interligar a arte, a
imagem e a partir disso colocar em movimento todo o esquema construído e o melhor, a
imaginação ganhando vida.
Mesmo com as dificuldades enfrentadas na utilização desses mecanismo, no ano de
2018, em escola pública, com a mesma turma citada anteriormente, turma do segundo ano do
Ensino Médio, foi utilizado o método do vídeo produzidos pelos alunos a partir do conteúdo
sobre as grandes navegações especificamente da América espanhola, os alunos juntamente com
a supervisão e alunos do PIBID 3 a qual eu estava incluída, elaboramos um vídeo lúdico sobre a
vinda de Colombo para a América, assim como sua biografia. Isso implica o que Coutinho (2006)
fala sobre reflexões e consequências desses mecanismos:

Mais do que os conteúdos que cada filme possa trazer, a presença docinema, da televisão, dos
vídeos, na escola, pode se constituir emmomentos dereflexão que transcendamos próprios
filmes e incluamo olhar de cada umà narrativa que o diretor propôs e nos ofereceu,
emimagens e sons (COUTINHO, 2006, p.75)

No entanto, é importante estar ciente de que esses mecanismos (trabalhar com jogos
digitais) podem promover tanto distração como aprendizado, o videogame exemplifica isso. A
primeira impressão que se tem é que o videogame seria uma distração com objetivo de lazer e que
tira o foco do aluno em relação ao conteúdo, mas temos que instruir os alunos a visualizar o
videogame como um mecanismo didático que eles podem utilizar desse modo uma forma de

2
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCENCIA – Departamento de
História da Universidade Estadual da Paraíba.

SUMÁRIO
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retirar dúvidas e aproximar conteúdos para o seu dia a dia pessoal como também educacional.
Nesse sentido, o videogame é um mecanismo audiovisual porque tem a aparição da
imagem juntamente com o movimento da fotografia, ângulos digitais e trilha sonora também,
e principal possui regras e o condutor tem a autonomia de controlar esse jogo.
Com a temática ministrada pelo professor de forma verbal, o videogame pode somar em
relação de uma prática educacional, onde os alunos terão contato com a história investigando a
cada nível do jogo os detalhes das informações e atuações. Além disso, é uma forma de ensino
aprendizagem, chamando a atenção para a instigação de saber sobre tal esquema do jogo que os
leva ao campo da história como se fosse na vida presente.
Destarte, entende-se que o videogame possui as mesmas mobilizações e animações do
cinema e vídeo, mas a única diferença entre todas as linguagens audiovisuais é a que o videogame
se diferencia quando se trata do condutor que seria o jogador, o próprio aluno.
Para que haja o movimento desse mecanismo precisa-se de um jogador, por isso daria
certo para um aluno como condutor de um jogo, condutor das informações históricas do jogo
relacionando com o ensino de história. “A simulação do game aponta não só para o audiovisual,
mas também para o táctil, buscando criar um tipo de simulação onde mais de dois sentidos da
percepção humana não mobilizados.” (HAGEMEYER, 2012, p. 100) Kenski diz que “Não importa
o lugar que o aluno estiver, em casa, em um barco, no hospital, no trabalho. Ele tem acesso ao
conhecimento disponível nas redes, e pode continuar a aprender." (KENSKI, 2003, p.32). Assim,
todas essas possibilidades que a linguagem audiovisual transmite para a sociedade juntamente
com a educação, facilita no ensino aprendizagem, onde os professores e alunos estão abertos a
expressões de opiniões e debates.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da história, percebe-se que o desenvolvimento do audiovisual não é tão


recente, pois suas origens vêm desde exposições das pinturas principalmente as modernas, com
todo o movimento de análise e as interpretações que elas transmitem. Com esse mesmo objetivo,
a linguagem audiovisual fornece, com uma tecnologia avançada - onde a música e a imagem em
movimento entram em cena- um apoio na sala de aula passível de aperfeiçoamento nos dais
atuais.
A educação é um fator que se interliga com essa linguagem, onde utiliza o ensino
aprendizagem através da exposição de um filme, vídeo e aplicação de games através dos
videogames e até a própria televisão que transmite informações da atualidade e até mesmo da
história, trazendo uma perspectiva diferente de construções de outras opiniões e ideais para uma
sociedade de educação e com o senso crítico.
Como uma reprodução audiovisual pode desenvolver o senso crítico através da
análise do audiovisual despertando o imaginário, a autora Coutinho (2006) relata em sua obra
que na escola tem a possibilidade de assistir um filme e após discutir sobre as cenas em questão,
assim construindo ideias e histórias, compreendendo o sentido da sobrevivência, culturas de
determinado recorte temporal que a linguagem audiovisual utilizada demostra.

SUMÁRIO
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REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Ronillo; SOUZA, Suelly. Construção de uma didática audiovisual no ensino de história. XXVII
Simposio Nacional de História. ANPUH. Natal – RN, 2013.
CBC|Toronto ,Honouring The Book of Negroes. Disponível em:
<http://www.cbc.ca/news/canada/toronto/events/bold-black-risk-takers-honouring-the- book-of-negroes-
1.2933723>. Acesso em 13 de maio de 2017
COUTINHO, Laura Maria. Audiovisuais: arte, técnica e linguagem. 60 horas — Brasília: Universidade de
Brasília, 2006.
HAGEMEYER, Rafael Rosa. História & audiovisual. - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. – (História &...
Reflexões,15).
KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e Ensino presencial e a distância. – Campinas, SP: Papirus, 2003. - (Série
Prática Pedagógica).

SUMÁRIO
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Práticas Educativas Digitais: Técnicas Imersivas no SESI Museu


Digital de Campina Grande

Thiago Acácio Raposo1


thiagoraposo20@gmail.com
Vivian Galdino de Andrade
vivetica@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Para início de conversa, gostaríamos de sinalizar aos leitores que os parágrafos que se
seguem correspondem a uma adaptação do segundo capítulo – No trote do passado digital: as
histórias de Campina Grande nas tramas do SESI Museu Digital – da dissertação23 de Thiago
Raposo, orientada pela professora Vivian de Andrade. Sendo assim, o texto se apresenta como
um convite para aqueles que se sintam curiosos em relação aos processos de produção,
divulgação e ensino de história em lugares de memória que se apropriam do uso da tecnologia
em seus espaços.
Ao analisarmos as manifestações da História Pública Digital em Campina Grande,
verificamos que o SESI Museu Digital seria, juntamente com o Blog Retalhos Históricos de
Campina Grande (um museu virtual), formatos de divulgação do passado da cidade,
construídos e/ou consumidos pelo público. Seus recursos tecnológicos destacam essa
instituição em relação as demais da cidade, justamente por oferecer possibilidades interativas
e imersivas, estimulando a participação do público com o conteúdo disposto pelo espaço.
Diante de tais observações preliminares, torna-se importante indicar para o leitor parte
de base teórica, responsável por balizar a analise apresentada a seguir. Tomamos de
empréstimo a percepção de Larrosa a respeito da experiência, segundo ele

[...] a experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto
de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar
para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais
devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).

1
Universidade Federal de Campina Grande
2
Universidade Federal de Campina Grande
3
A dissertação “Um barco que veleje nesse (in)formar: A história Pública Digital em Campina Grande (2009-2020)” foi
apresentada ao programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande em 2020.
Todavia, em decorrência da pandemia de COVID-19, ela ainda não se encontra disponível nas plataformas virtuais da
instituição, havendo uma previsão para o começo de 2021.
SUMÁRIO
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Essa experiência se manifesta pelo campo subjetivo dos sujeitos, num ato de
desligamento momentâneo do mundo que o circula para vivenciar algo por meio das
sensibilidades. No caso do museu em questão, ela se manifesta principalmente por meio da
interatividade e da imersão possibilitadas pelos equipamentos que fazem parte da exposição.
Complementando essa percepção, nos valemos de uma história das sensibilidades pensada
por Pesavento (2004), que nos ajuda a treinar o nosso olhar, para que sejamos capazes de
investigar esse formato de educação dos sentidos.

A história de Campina Grande (re)contada pela tecnologia

O Museu Digital de Campina Grande estimula a constante participação do visitante, que


interage com a exposição produzindo sentidos e experiências. O público não atua na
elaboração e escolha da história ali compartilhada, mas participa ativamente no processo de
produção de sentido sobre a mesma, sendo importante observar como essa instituição se
apropriou daquilo que foi elencado pela historiografia tradicional da cidade e transformou em
conteúdo interativo, por meio da utilização de diversos aparelhos eletrônicos que estimulam
a interatividade com o público. Nesse contexto, Noiret observa que:

Atualmente, a autoridade científica oferecida pelos historiadores públicos aos museus,


arquivos e bibliotecas, estendida à rede com uma oferta de percursos multimidiáticos,
enriqueceu de forma notável a experiência museal, interagindo com ela e colhendo a
participação direta do público (NOIRET, 2015, p.45).

O autor assinala como as instituições museólogas passam a adotar cada vez mais a
interação entre a exposição e o público, ampliando as possibilidades de consumo do material
exposto (até mesmo daquelas exposições que não possuem acesso à rede) pelo
enriquecimento da interatividade, expressa pelo processo autônomo ofertado aos visitantes.
Esse comportamento põe em evidência a fluidez conceitual que caracteriza as manifestações
da História Pública Digital. No caso do Museu Digital, o acesso à internet não está interligado
as atividades oferecidas – excluindo-se apenas o trecho denominado Selfie, onde o visitante
pode mandar uma foto tirada no lugar para seu e-mail pessoal –, porém isso não impede que
muitas pessoas o façam de maneira espontânea.
Nesse lugar de memória, podemos encontrar uma mistura de tradição e modernidade
ao trazer, “sob o lombo de velhos burros”4 (Figura 1), parte da história da cidade sob o formato
digital. O prédio foi construído como monumento em homenagem ao sesquicentenário de
emancipação política da cidade, porém só fora concluído um ano após essa data, em 2015,
quando a cidade já tinha completado seus 151 anos. Após a conclusão do mesmo, a Prefeitura
Municipal não possuía nenhuma proposta sobre o que seria instalado no interior do
monumento, o que já demonstra certo desinteresse das instituições públicas com a
manutenção de seus espaços de memória, apesar de enaltecer a história. A ociosidade levou
ao repasse do prédio para Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (FIEPB) 5 que, em

4
Referência ao monumento que busca representar o trabalho desempenhado pelos Tropeiros da Borborema.
5
De acordo com o site institucional: a Federação das Indústrias do Estado da Paraíba foi constituída em 1949, e filiada
à Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 1957, sendo considerada como entidade de grau superior de
representatividade industrial do Estado da Paraíba.
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parceria com Serviço Social da Industria (SESI) 6, transformou o espaço no primeiro museu
digital da Paraíba, inaugurado em novembro de 2017.

Figura 1 – Fachada do SESI Museu Digital

Fonte: SESI Museu Digital, 2020.

Sabe-se, por meio de conversas informais com os monitores do Museu Digital de


Campina Grande, que fora um projeto coordenado por Katarina Leite, Superintendente de
Relações Institucionais da FIEPB. Orientada pelas proposituras elencadas pelo SESI, que
garante a destinação de recursos e projetos com vistas ao desenvolvimento da educação e da
cultura da comunidade, a superintendência encontrou no museu um espaço para endossar
esta política. Nele, a superintendente é apontada como uma espécie de gestora do espaço, que
responde legalmente por ele em seu gabinete.
O Plano Museológico 7do espaço foi pensado e executado por um emaranhado de
empresas e personagens que foram contratados pela FIEPB. O grupo de consultoria se
estruturava em três eixos, compostos por Bruno Gaudêncio (Consultor Histórico), Carlos
Mosca (Consultor Artístico) e Reinaldo Toscano (Consultor Tecnológico). Esses profissionais
foram responsáveis pela construção do material disponível para a exposição, atendendo,
evidentemente, aos anseios de seu grupo idealizador. Foram produzidos e reunidos diversos
tipos de materiais digitais, a exemplo de vídeos e fotografias, sendo importante mencionar que
as informações técnicas ligadas a autoria e ano não estão disponíveis em todas as obras,
evidenciando uma falha na referencialidade do conteúdo disposto no espaço.
Durante a cerimônia de inauguração realizada no dia 7 de novembro de 2017 e que
contou com a presença de políticos, artistas, empresários e da imprensa, o presidente da FIEPB
Francisco Benevides Gadelha afirmou em seu discurso que

Campina Grande mais uma vez sai na frente, com esse museu que tem uma tecnologia
pioneira. Aqui, o visitante vai poder fazer uma viagem no tempo, através da tecnologia,
conhecendo a história da cidade, monumentos, prédios e pessoas que fizeram história
aqui. Nós ficamos felizes em fazer parte disso (Canal da FIEPB, 2017).

6
Criado em 1946, o SESI atende indústrias e trabalhadores em gestão da Segurança e Saúde no Trabalho (SST) e na
promoção da saúde e educação dos trabalhadores, seus dependentes e comunidade.
7
Não obtivemos acesso ao documento do Museu Digital.
SUMÁRIO
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Em sua fala, assim como na própria visão historiográfica do museu, é possível observar
a utilização de argumentos que se esforçam para elencar a Campina Grande uma trajetória de
sucesso e pioneirismo, que a colocam como uma cidade que está à frente de seu tempo,
discurso recorrente na historiografia campinense e que está em consonância com o olhar da
historiografia tradicional da cidade, a exemplo de Almeida (1978) e Câmara (2006). A
tecnologia assume, segundo Gadelha, o papel de conduzir o presente e futuro em direção ao
passado, conectando tempos e pessoas. Os discursos responsáveis por inscrever a cidade
como um ambiente de sucesso e de contínua evolução são revestidos de uma roupagem
tecnológica, muito mais sedutora, explorando os sentidos auditivos, visuais e táticos; e
possibilitando múltiplas experiências e significações sobre o passado campinense.
Outros trechos de sua fala, na mesma ocasião, fazem parte de um vídeo institucional
utilizado pelo site do museu como porta de entrada para apresentação do espaço/projeto.
Francisco Gadelha utiliza um trecho de autoria de Miguel de Cervantes 8 para estabelecer a
visão de história que norteia a proposta da instituição, onde “a história é a guardiã dos fatos.
É o testemunho do passado, é o exemplo do presente e a advertência do futuro” (GADELHA,
2017). Trata-se de uma visão que atribui a história uma tarefa utilitarista e que se constrói de
maneira linear e evolutiva, atribuindo ao museu o dever de guardar os fatos que representam
a história de Campina Grande.
O presidente da FIEPB continua seu discurso afirmando que “nós (o museu) seremos
obrigados a apanhar as fotografias, as páginas dos cartórios e transformar em vídeo, porque
essa é a missão do Museu Digital” (GADELHA, 2017, os termos em destaque são nossos). Nesse
sentido, a instituição agrega a tarefa de guardar fatos, a obrigação de coletar dados e de
oferecê-los por meio de um suporte tecnológico, estabelecendo uma ponte entre passado e
futuro, entre os visitantes do museu e a história da cidade. Trata-se de uma história factual,
que procura narrar os eventos tal qual ocorreram e apresentar para o público a verdadeira
história da cidade, características de uma visão histórica metódica (REIS, 1996).
Nesse mesmo evento, o princípio educativo é evocado pelo presidente da Confederação
Nacional das Indústrias (CNI), Robson Braga de Andrade, como uma das funções a serem
desempenhadas pelo SESI Museu Digital. Segundo ele,

[...] o que a Federação das Indústrias da Paraíba, por meio do SESI, fez aqui (no museu) foi
exatamente proporcionar a população de toda a Campina Grande e seus visitantes, a
oportunidade de conhecerem uma escola rica em cultura, arte, educação, trabalho e de
sucesso. Este museu é extremamente importante e vai contribuir muito para que crianças,
jovens e as pessoas, em geral, que estão iniciando a sua vida escolar e ainda não conhecem
a história da cidade, a terem acesso aos fatos históricos principais deste município. Isso
aqui é, realmente, uma inovação do Sistema Indústria e, com certeza, servirá de modelo
para uma série de outros que podem surgir em outros estados brasileiros (ANDRADE,
2017, os termos em destaque são nossos).

O líder empresarial argumenta como a experiência empreendida pelo Museu Digital


pode acabar influenciando outros estados brasileiros, colocando essa cidade na dianteira de
um processo de modernização dos espaços de memória. O museu é compreendido como um

8
A frase proferida por Francisco Gadelha é uma paráfrase da encontrada na obra Dom Quixote: “[...] deverem ser os
historiadores muito pontuais, verdadeiros, e nada apaixonados, sem que nem interesse, nem temor, nem ódio, nem
afeição, os desviem do caminho direito da verdade, que é a filha legítima de quem história, êmula do tempo, depósito
dos feitos, testemunha do passado, exemplo e conselho do presente, e ensino do futuro” (CERVANTES, 2005, p. 59).
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espaço de práticas educativas que complementam as experiências das instituições de ensino


ao possibilitar o acesso dos estudantes a uma versão da história da cidade. Observemos que a
presença dessa autoridade do ramo industrial brasileiro reforça o grau de visibilidade
destacada para o espaço inaugurado. Podemos identificar um claro esforço em reforçar a
importância que as instituições ligadas a indústria desempenharam no papel inovador de
construir um espaço destinado a educação da população campinense. A premissa da “cidade
industrial” reaparece no interior do recinto sob o formato de textos, fotografias, vídeos e jogos.
A construção desse lugar de memória (NORA, 1993) é vislumbrada pelo presidente da CNI
como um exemplo a ser seguido por outros estados, justamente por compreender a
importância desse tipo de instituição para o fortalecimento do setor a qual ele e a FIEPB
representam – os grandes empresários do setor industrial.
Mesmo havendo destaque para estudantes, o endereço eletrônico do museu o classifica
como um “equipamento cultural direcionado a todos os públicos e faixas etárias”, ou seja,
compreendendo como um espaço educacional destinado a toda a comunidade 9. Todavia,
diante da realidade socioeconômica que caracteriza Campina Grande, vale a pena destacar
que, mesmo se tratando de um prédio público e que, sob a gestão da iniciativa privada, propõe-
se a oferecer cultura para toda a comunidade, torna-se inacessível a grande parte da população
da cidade por conta do valor cobrado em sua entrada e por não estar sempre aberto à visitação.
O museu é dividido em 12 seções, sendo elas: 1) Tropel; 2) Tropeiros da Borborema; 3)
Ciclos Socioeconômicos; 4) Campina 360º; 5) Mapa Digital; 6) Campina Grande Acolhedora; 7)
Selfie; 8) Karaokê; 9) Cidade Industrial; 10) Signos do Moderno; 11) Cidade da Cultura; 12)
Cidade da Grandeza. Diante da impossibilidade de apresentar toda exposição, optamos por
analisar um de seus espaços: Campina Grande 360º. A escolha feita se manifesta diante das
múltiplas possibilidades educativas e interativas que podem ser exploradas a partir desse
trecho.
Trata-se de ima experiência sensorial imersiva, utilizada por uma série de museus ao
redor do mundo, com o objetivo de levar seus visitantes a sentirem as exposições de maneira
mais ativa, explorando tecnologias que possibilitam um desligamento com o mundo exterior
e que conduzem seus visitantes a se concentrarem nas informações transmitidas pela
instituição. A imagem a seguir apesenta a seção em questão:

9
O espaço funciona de terça a sexta-feira das 9h às 18h e nos sábados das 9h às 13h, no qual o atendimento às
instituições educacionais é feito por meio de agendamento prévio9, estando as escolas públicas a possuir entrada
franca e as privadas precisam pagar o valor de R$ 5,00 por estudante. No caso dos demais públicos, excluindo-se visitas
em grupo, não é necessário o agendamento. O valor unitário por pessoa é de R$ 10,00, exceto para crianças menores
de 07 anos e idosos acima de 65 anos, que possuem isenção. Professores e guias turísticos, que acompanham grupos
de visitantes, também garantem direito à gratuidade da entrada.
SUMÁRIO
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Figura 2 - Uso da tecnologia de Realidade Virtual

Fonte: FIEPB, 2019.


Acesso em 15 abr. 2020.

Segundo Murray (2003), a intensidade da imersão em uma experiência sensorial


depende muito do conteúdo, da forma como ele é apresentado e do envolvimento do público
com este. Como observado, os equipamentos disponíveis nessa seção acabam oferecendo
experiências que permitem o deslocamento sensitivo de seus usuários, por meio de uma
simulação virtual de realidade, onde se projeta, segundo Borba (2014), um quase-lugar, um
quase-objeto e um quase-corpo. Murray aprofunda essa discussão, ao observar que

Buscamos de uma experiência psicologamente imersiva a mesma impressão que obtemos


num mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma
realidade completamente estranha, tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de
toda nossa atenção, de todo nosso sistema sensorial (MURRAY, 2003, p. 103).

A autora afirma que as experiências imersivas quebram as fronteiras que separam o


virtual e o real, ao lançar perante o indivíduo a capacidade de criar outras realidades
diferentes da sua, se deslocar imaginariamente para outros espaços, outros campos do sentir
e pensar. Ela observa que esse “mergulho” pode ser feito pelo próprio poder da mente ou
auxiliado pela tecnologia, atribuindo ao indivíduo um poder único e intransferível, gestados
pela sua capacidade subjetiva. Ela observa que “a grande vantagem de ambientes
participativos na criação da imersão é sua capacidade de induzir comportamentos que dão
vida a objetos imaginários” (MURRAY, 2003, p. 113), expandindo a compreensão humana
sobre a noção de realidade. Por assim dizer, vale reforçar que o virtual se coloca diante de nós
como a manifestação no campo semântico daquilo que é elaborado no espaço real, tal qual
observara Lévy (2011). Nesses termos, podemos compreender que aquilo que é provocado
pelas experiências imersivas – no campo da virtualidade – encontra-se inserido também no
próprio mundo real, como uma hiper-realidade (LEMOS, 1997). Essas manifestações
apresentam experiências também comuns ao campo da história pública, que investe
justamente na constante troca de experiências entre diversos sujeitos, reforça Santhiago
(2016).
Entre os museus que se destacam com essa proposta, podemos citar o Digital Art
Museum, localizado em Tóquio. O espaço possui mais de 50 instalações tecnológicas que
comportam pinturas em múltiplas dimensões e diversas instalações, proporcionando uma
multiplicidade de experiências sensoriais por meio da interação entre o público e as obras. Os
SUMÁRIO
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visitantes do museu são conduzidos a uma viagem pela imaginação, por meio da utilização de
diversos efeitos audiovisuais, rompendo as fronteiras da racionalidade ao incentivar o público
a tocar, seguir, interromper ou iniciar dispositivos.
No Brasil, o Museu da Língua Portuguesa também apresentava uma proposta de
interatividade com experiências de realidade virtual e de intervenção nos dispositivos digitais.
Entre o conteúdo disponível na exposição, podemos citar a existência de um mapa interativo
que apresentava exemplos de variação linguística no país e um piso luminoso que projetava
poemas de grandes intelectuais da língua portuguesa e que variava conforme o público
“pisava” nele. As técnicas imersivas não se encerram com essas duas seções citadas, elas
estavam disponíveis em todo o espaço da instituição. Em 2015, o prédio que comportava o
museu sofreu um incêndio de grandes proporções, mas o acervo sobreviveu por conta de seu
formato majoritariamente digital. De acordo com o site oficial da instituição, o museu será
aberto durante o ano de 2021.
Retornando para a seção do museu campinense, podemos observar que o título sugere
algo que não é oferecido pela experiência durante a visita. Supõe-se, pelo convite, uma visita à
cidade de Campina Grande em todos os ângulos possíveis, todavia, o que temos é um passeio
pela Pirâmide do Parque do Povo10. Feita as devidas colocações, vale salientar que tal turismo
virtual é acompanhado do uso de fones de ouvido, estimulando, juntamente com as imagens
oferecidas pelos óculos de realidade virtual, a imaginação do usuário, que se vê em meio a uma
apresentação de quadrilha junina. Tal experiência é auxiliada pela existência de um banco de
madeira que executa o movimento giratório em 360º. Para onde olhamos, observamos
músicos tocando forró e dançarinos executando os tradicionais passos da festividade realizada
em homenagem a São João, evento esse que é responsável por levar o nome da cidade ao
contexto internacional. A experiência proporciona a sensação é de que todos os personagens
da projeção estão olhando para o usuário dos óculos, provocando a conhecida experiência
humana de se sentir observado por alguém. O visitante é colocado como o centro de todas as
atenções e isso enriquece a proposta do “mergulho”.
A seção estimula os sentidos dos visitantes, levando-os a viver experiências novas ou
até mesmo revisitar outras já vividas, estimulando a sensibilidade daqueles que são tocados
pela exposição. “A sensibilidade é, pois, capacidade humana, que fundamenta a apreensão do
real; é uma habilitação sensorial que marca a capacidade de ser afetada pelo mundo ou de
reagir a estímulos físicos ou psíquicos por meio das sensações” (PESAVENTO, 2004, p. 224).
Assim como não é possível entrar duas vezes no mesmo rio, tal qual observara o filosofo grego
Heráclito (1996), é impossível não ser tocado por alguma parte da exposição. Em algum ponto
ela nos toca, seja por nostalgia de algo que vivemos (ou não), admiração ou indiferença.
Experiências, na perspectiva de Larrosa (2002), podem ser gestadas ao colocar o
equipamento do museu, onde o visitante se desliga momentaneamente do mundo físico e
passa a viver uma outra realidade – a virtual – construindo significações que parte de suas
subjetividades individuais. Mesmo apresentando um conteúdo simples e que não condiz com
seu título, a seção acaba envolvendo o público por oferecer uma experiência que foge aos
padrões dos espaços culturais paraibanos, como o Museu Histórico e Geográfico de Campina
Grande e o Museu de História e Tecnologia do Algodão, onde o acervo é completamente
material. Uma forma criativa e atrativa de compartilhar o conhecimento sobre a principal

10
Corresponde a uma área coberta do Parque do Povo, cujo formato se assemelha a uma pirâmide, onde são realizadas
durante o mês de junho apresentações de quadrilhas juninas e de trios de forró.
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festividade da cidade, corroborando para a difusão dos discursos sobre a grandeza de suas
festividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, podemos notar que o SESI Museu digital apresenta em seu formato, uma
manifestação de ensino de história da cidade de Campina Grande por vias digitais e que, apesar
de muitas informações não estarem em consenso com os discursos acadêmicos, ela se
apresenta como uma possibilidade pública de acesso a informações sobre o passado da cidade.
As técnicas imersivas e interativas podem conduzir os visitantes a uma viagem por universos
alternativos, provocando os sentidos desses sujeitos, possibilitando a experiência.

REFERÊNCIAS

BORBA, Eduardo Zilles. Imersão visual e corporal: paradigmas da percepção em simuladores. in: Soster, D. e
Piccinin, F. (Orgs.). Narrativas Comunicacionais Complexificadas II – A Forma. Santa Cruz do Sul: Edunisc,
pp.239-258, 2014.
CÂMARA, Epaminondas. Os Alicerces de Campina Grande: esboço histórico-social do povoado e da Vila
(1697-1864). Campina Grande: Edições Caravela, 2006.
CÂMARA, Epaminondas. Os Alicerces de Campina Grande: esboço histórico-social do povoado e da Vila
(1697-1864). Campina Grande: Edições Caravela, 2006.
CERVANTES, Miguel. D. Quixote de La Mancha – Primeira parte. Edição: Ebooks Brasil, 2005. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb00008a.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2020.
HERÁCLITO. Fragmentos. Tradução: José Cavalcante de Souza. Editora Nova Cultural: São Paulo, 1996.
LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: Revista brasileira de
educação. Rio de Janeiro: ANPEd: Autores Associados, n. 19, p. 20-28, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2020.
LEMOS, André. Ciber-socialidade: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Logos, v. 4, n. 1, p. 15-19,
1997. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/view/14575>. Acesso em:
26 jul. 2020.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual. Tradução de Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
MURRAY, Janet H. Imersão. Hamlet no Holodeck: O futuro da narrativa no Ciberespaço, p. 101-126, 2003.
NOIRET, Serge. História Pública Digital│ Digital Public History. Liinc em Revista, v. 11, n. 1, 2015. Disponível
em: <http://revista.ibict.br/liinc/article/view/3634>. Acesso em: 26 jul. 2020.
NORA, Pierre et al. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História: Revista do
Programa de Estudos Pós-Graduados de História, v. 10, 1993. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/revph/article/viewFile/12101/8763>. Acesso em: 26 jul. 2020.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Ressentimento e ufanismo: sensibilidades do Sul profundo. In: BRESCIANI, Stella;
NAXARA, Márcia (orgs.) Memória e (res) sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas:
UNICAMP, p. 223-238, 2004.
REIS José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Editora Ática, 1996.
SANTHIAGO, Ricardo. Duas palavras, muitos significados: alguns comentários sobre a história pública no
Brasil. In: MAUAD, Ana Maria; DE ALMEIDA, Juniele Rabêlo;
SANTHIAGO, Ricardo (org.) História pública no Brasil: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, p. 23-36,
2016.

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Escutas da Docência: Aulas de História sobre a Ditadura

Thyara de Lemos Cavalcante1


thyara.lemos@aluno.uece.br

Desde o mês de março de 2020 até os dias atuais, o Grupo de Estudos e Projeto de
Extensão Fontes Históricas da Ditadura do curso de Licenciatura de História da
FECLESC/UECE realizam uma série de atividades remotas devido a Pandemia de Covid-19,
como por exemplo, discussões sobre pesquisas acadêmicas relacionadas a ditadura civil-
militar no Ceará (1964-1985) e a produção de Podcasts, dentre estes, a série "Escutas da
Docência: Aulas de História sobre a Ditadura", com professores de escolas do Sertão Central
Cearense. O presente trabalho objetivou trazer um relato de experiência a respeito da
produção da série de Podcasts, e das discussões desenvolvidas nesta quais sejam: ensino de
história, autoritarismo, pandemia, dentre outros. Ao longo dos meses supracitados, realizamos
as gravações para lançarmos nossa série de Podcast, que de acordo com Souza (2017), é uma
mídia "que permite aos usuários uma maior liberdade na sua relação com o conteúdo,
permitindo que seja possível escolher seus programas preferidos sem depender
exclusivamente de conteúdos previstos em uma grade de programação" (p. 44).
Assim sendo, após as gravações lançamos os episódios em diversas plataformas digitais
como Youtube, Spotify, etc. Para a realização de nossos objetivos, tratamos de utilizar daquilo
que Meihy e Holanda (2018) denomina de história oral temática onde há a "existência de um
foco central que justifica o ato da entrevista" (MEIHY e HOLANDA, 2018, p. 35). Neste sentido,
utilizamos questionários previamente confeccionados. Ainda sobre isto, destacamos que
todos os episódios foram específicos em si, haja visto que cada um abordou questões diferentes
que enriqueceram ainda mais nossa série. Sobre isto, Portelli (1997) já nos alertara quando diz
que "Cada entrevista é importante, por ser diferente de todas as outras” (PORTELLI, 1997, p.
17).
O momento atual é difícil, o autoritarismo no mundo todo (vide os exemplos nos EUA,
Hungria, Filipinas, dentre outros) resolveu sair, com todas as forças, das sombras e esgotos
nos quais haviam se escondido durante algum tempo. O Brasil também o sente, pelo menos
com mais força, desde o início da década passada (já que como nossa história nos atenta, este
nunca deixou de estar presente), agora com uma nova roupagem, evocando novamente o seu
monstro autojustificativo – o “perigo comunista” – ao passo em que se atrela a
fundamentalismos religiosos e negacionismos científicos, se fazendo presente nos diferentes e
mais distantes rincões de nosso país, no sentimento das pessoas, nos espaços públicos,
atacando constantemente nossa democracia.
Aulas de história, principalmente aquelas relacionadas a temáticas recentes e delicadas,
como o caso da ditadura civil-militar de 1964, por exemplo, tornam-se alvos prediletos dos
negacionistas. Nega-se a ocorrência da ditadura, nega-se a tortura como ação legitimada pelo
Estado, nega-se a morte de vários cidadãos brasileiros durante o período. Quando muito,
mencionam tais situações, mas de modo defensivo e heroico, justificando-as como a luta contra

1
Universidade Estadual do Ceará, Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central/FECLESC
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o “perigo vermelho”. Tais narrativas e memórias ocupam imensos espaços físicos e,


principalmente, virtuais, já que a “formação histórica” online, via sites, youtubers e demais
pseudocientistas é o que (infelizmente) está em voga atualmente. Deste modo, se faz
necessário que nos organizemos e lutemos contra tais questões.
Vivemos a era das Fake News (notícias falsas) e estas possuem um poder viral, ou seja,
se espalham rapidamente através, principalmente, das mídias sociais. Tais notícias são
acessadas a partir de bolhas e círculos de afeto onde as pessoas, de forma acrítica, acabam as
vendo como uma verdade absoluta, no entanto, tais informações não possuem referências
sólidas que deem validade e confiabilidade ao que se está sendo noticiado, é a situação perfeita
para o autoritarismo dar as caras. Ante o exposto, percebemos o quanto se faz necessário,
apesar de todas as dificuldades já mencionadas, a presença de uma postura em defesa de uma
educação crítica a partir do trabalho historiográfico.
Uma forma de nós, historiadoras, nos organizarmos nessa luta é seguirmos nosso
trabalho ético e responsável a partir do trato crítico daquilo que é o metiêr de nossa prática,
ou seja, das fontes históricas, que como sabe-se, são tudo aquilo que permite-nos construir
análises, reflexões e hipóteses sobre o conhecimento histórico e o ensino de História das
sociedades e modos de vida do passado, e estabelecer uma relação com o tempo presente.
(Bittencourt, 2008) Deste modo, a partir das reflexões históricas possibilitadas por estas,
podemos compreender e questionar o contexto atual em suas diversas nuances, além de
percebermos as inverdades que o autoritarismo constrói e manipula. Outra situação que se faz
necessária é que comecemos a ocupar outros espaços que não os da Universidade somente e a
Internet é o principal alvo nesse sentido.
Para além do momento autoritário atual, também nos encontramos imersos em uma
pandemia que exige de nós, para garantia de nossas segurança e saúde, o isolamento social,
além de demais cuidados. Esta situação impossibilita que demos continuidade a nossas
atividades e ações de modo presencial, desse modo, como forma de enfrentar este contexto
pandêmico e de ocupar espaços virtuais, o Grupo de Estudos e Projeto de Extensão Fontes
Históricas da Ditadura decidiu criar uma série de podcasts no intuito de levar nossas
discussões até onde os carros não podem levá-las, para que possamos contribuir com uma
educação libertadora e crítica no sentido de divulgar nossas discussões e produções
acadêmicas para as mais diversas pessoas que possam ter acesso a estes podcasts. Em nossos
episódios discute-se sobre o contexto atual, sobre a Ditadura Civil-Militar (1964-1985), sobre
o conhecimento historiográfico e as fontes históricas, bem como a prática docente de
professores de história da região do Sertão Central cearense e seus desafios, sendo esta última
série homenageada por nós durante este mês de outubro. Segue uma palha do que discutimos:
Como salientamos ao longo de nossa exposição, a vida no magistério é permeada de
dificuldades e estas se acentuam quando do início da prática docente, ou seja, ao saímos da
Universidade e nos inserirmos no mercado de trabalho. Instabilidades são a tônica deste
momento em que uma maior seguridade, estabilidade e organização ainda se encontram em
uma perspectiva distante, o que faz a vida de novos professores se tornarem ainda mais difícil.
Tal problemática se faz presente nos relatos dos professores de história das cidades de Choró
e Banabuiú durante realização de nosso podcast.
Uma das principais dificuldades mencionadas por praticamente todos os professores
quanto a isto é o fato de, ao ingressarem nas escolas, em seus primeiros momentos enquanto
docentes recém formados, assumirem a responsabilidade de ministrarem aulas de outras
disciplinas para os quais não foram formados e preparados. A maioria dos professores, neste
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caso, para completarem sua carga horária de trabalho ou mesmo para assegurarem seus
primeiros empregos são obrigados a lidarem com disciplinas, conceitos, problemáticas e
reflexões que por mais que se aproximem da disciplina de história (como as demais ciências
humanas, no caso), também apresentam disparidades e questões específicas que em muito
dificultam a vida dos professores.
Outra questão interessante abordada por estes, especificamente sobre o ensino da
temática da ditadura civil-militar brasileira foi o fato de existir uma enorme defasagem quanto
ao volume ao qual tal conteúdo é submetido, não só na disciplina de história, mas na educação
de um modo geral. De acordo com os relatos dos professores, o currículo escolar aborda a
temática apenas em séries específicas e em momentos muito específicos, o que torna o
conhecimento sobre esse período de nossa história algo muito carente, pouco desenvolvido e
pobre de reflexões mais acuradas e críticas. Quando observa-se, por exemplo, que no terceiro
ano do ensino médio a temática se apresenta apenas no final do ano letivo – momento em que
os alunos estão com a atenção voltada quase que exclusivamente para provas externas – tal
problemática se torna ainda mais flagrante.
No fim das contas, esta defasagem e falta de continuidade no que diz respeito ao trato
com a temática supracitada – muito por conta de um currículo voltado para um projeto
específico (e autoritário) –, faz com que, quando muito, uma memória oficial e conciliatória
sobre a ditadura civil-militar continue imperando, uma vez que o próprio esquecimento
(justificado por errôneas ideias de revanchismo, por exemplo) seja instigado. No fim das
contas, essa ferida ainda aberta continua sem um tratamento adequado. Falando em ferida
aberta, tal questão também é abordada pelos professores de ciências humanas e integrantes
do núcleo gestor da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral César Cals, da cidade de
Quixadá, instituição a qual recebeu as atividades e reflexões proporcionadas pelo Projeto de
Extensão Fontes Históricas da Ditadura, durante o ano de 2018, e que também participaram de
nossa série de podcasts.
Como dito, a questão da memória e das implicações que a temática da ditadura civil-
militar impõe também se apresentam fortemente na fala de tais docentes. Um exemplo tácito
disto se dá a partir do próprio nome da escola, assim como de logradouros e diferentes espaços
públicos não só da cidade, mas por todo o país, onde militares e demais personagens daquele
período autoritário continuam sendo lembrados e cultuados, nos evidenciando mais uma vez
a vertente conciliatória final daquele período e, consequentemente, de sua memória, o que faz
com que narrativas que buscam legitimar ou defende-lo acabem tomando gigantescas
proporções, principalmente nos espaços cibernéticos.
As redes sociais, portanto, foram outra problemática abordada com muita ênfase pelos
professores da referida escola. A cada dia que passa torna-se mais evidente que estas possuem
uma força enorme e, consequentemente, uma grande influência social, principalmente em
termos políticos e sociais a partir do espalhamento de notícias falsas e/ou manipuladas a
partir de interesses específicos, o que acaba por influenciar também o contexto escolar que é,
como se sabe, um ambiente em que as questões da sociedade se refletem a partir de suas
especificidades, obviamente.
Deste modo, as aulas de história, como mencionamos ao longo do texto e como
enfatizaram os professores em nosso podcast, acabam por tornarem-se um desafio ainda
maior, visto que os discursos negacionistas e ideologicamente revisionistas espalhados

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pelas redes sociais, bem como outras plataformas (Youtube, por exemplo) são apropriados
pelos alunos que, por não checarem esses fatos e por analisarem-nos a partir de seus
interesses e crenças pessoais, acabam por duvidar constantemente das reflexões críticas
desenvolvidas nas aulas a partir das práticas docentes.
O Podcast gravado com os professores do ensino básico das cidades de Itapiúna e
Capistrano foi marcado por falas a respeito da complexidade do ensino de História,
especialmente do tema ditadura militar por toda a delicadeza e cuidado que é necessário se
ter na hora de se promover um amplo debate. Também foi apontado que por vezes o currículo
escolar não se atentava para a importância de se discutir com profundidade a ditadura, ou que
por seguir a cronologia do livro didático o conteúdo era tocado nos últimos meses dos anos,
podendo acontecer até mesmo de não ter tempo para sua abordagem, o que após foi visto
como um erro gravíssimo e o que levou a reformulação do currículo.
Já sobre os métodos didáticos usados do tema nas salas de aula, os professores
responderam que buscam além do livro didático trazem fontes diversas para que haja ampla
percepção do conteúdo por parte dos alunos. O uso da música e das artes se mostram
fundamentais na hora de se entender a resistência a repressão causada pelo período.
Já as professoras da escola Abraão Baquit localizada na cidade de Quixadá, declararam
sobre a passagem do projeto com grande alegria por parte da gestão, dos docentes como
também dos discentes. Pontuaram que iniciativas como as do Projeto de extensão Fontes
Históricas da Ditadura são meios de trazer a universidade para mais perto do âmbito escolar,
sendo assim uma parceria mútua.
Quando perguntados sobre as dificuldades em relação ao ensino da história da ditadura
militar, as professoras expressaram que há uma grande necessidade de mostra- los que o que
é levado para sala pelos professores não são meras opiniões sobre o assunto, que a é História
uma ciência que se baseia em documentos e fontes e os docentes são profissionais éticos que
exercem seu trabalho com profissionalismo.
Uma das dificuldades abordadas no episódio de Quixadá e Quixeramobim é apontado a
era da Fake News, que acaba prejudicando a área do ensino de História. Mencionada por um
dos professores, a discussão que existe na atualidade sobre a Educação é a de que todos
querem opinar sobre como deve ser o processo de ensino nas escolas, mas não se dá o espaço
devido para o professor que, durante todo o processo, é quem está na linha de frente. Nos é
relatado também que muitas vezes o currículo limita a profundidade de alguns temas como a
Ditadura Militar já que tal conteúdo é (estrategicamente?) abordado apenas em momentos
curtos e específicos. Sobre isto, mencionam a importância do Projeto de extensão e a parceria
com as demais escolas da rede básica, pois existe a necessidade da valorização de projetos que
incentivem a pratica histórica de ensino.
No bloco onde os professores falam sobre didática, eles mencionam que ao abordar o
tema Ditadura Militar dentro de sala, atualmente, é preciso ter prudência no momento de fala,
por conta de toda uma desvalorização da História. A abordagem do docente não pode ser vista
por seus alunos como uma afronta, mas sim como uma maneira de debater o conhecimento
histórico por meio da crítica, fazendo indagações sobre o período, para assim combater
negacionismo que rodeia a história da Ditadura.
Consideramos que a produção da série de podcasts "Escutas da Docência: Aulas de
História sobre a Ditadura", nos ajudou a ter um feedback do Projeto de extensão das escolas
que já passamos, além de dar voz aos professores do ensino básico a respeito dos desafios e
possibilidades frente ao contexto atual (pandemia e autoritarismos), e também a
compartilharem seus métodos didáticos sobre o ensino de história da ditadura.

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REFERÊNCIAS

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Dissertação (Mestrado Académico) - Mestrado Interdisciplinar em História e Letras, Universidade Estadual do
Ceará, Quixada, 2018
CONCEIÇÃO, FLÁVIO DA. AS PRÁTICAS POLÍTICAS DO “MOVIMENTO DOS SARGENTOS” NA BASE AÉREA DE
FORTALEZA (1962-2002). 2015. 172 f.
Dissertação (Mestrado Acadêmico ou Profissional em XX) – Universidade Estadual do Ceará, 2015.
COSTA, Jucélio Regis da. Os jornais em marcha e as marchas da vitória nos jornais: a imprensa e o golpe civil
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https://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/transversos/article/view/31585/22491 a cesso em
14/10/2020.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 86

Pesquisando e inventariando os lugares de memória no brejo


paraibano por meio das TIC

Amanda Tavares da Silva-1


amandatavares27@gmail.com.
Aline Ferreira da Silva2
af2242581@gmail.com.

INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado das atividades de pesquisa e extensão, desenvolvidas em torno


do Projeto Responsabilidade Social 3, intitulado “Lugares de memória e história de Solânea e
Bananeiras” 4, vinculado a Universidade Federal da Paraíba, Campus III/ UFPB. Ele traz o
intuito de historicizar os espaços de memória e história dos municípios de Solânea e
Bananeiras, buscando registros históricos que possam ser digitalizados e depositados no
repositório “História da Educação do Município de Bananeiras” - HEB5, com vistas a
possibilitar o acesso de moradores e pesquisadores para as fontes históricas que narram sobre
o passado destas cidades.
Para caracterizar uma cidade é necessário considerar seus diversos aspectos: físicos,
históricos, culturais e socioeconômicos, pois essas relações são definidoras da estrutura
espacial de um núcleo urbano. Com isso, os lugares de memória se tornam “meios de acesso
da sociedade a sua memória formadora, organizadora e portadora de sentidos” (ARÉVALO,
2005, p.4), bem como representam a oportunidade que os indivíduos possuem de se
reconhecerem como sujeitos partícipes de uma história local.
Neste contexto, ainda é válido destacar que o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP), a partir do Decreto nº 31.842 de 03 de dezembro de
20106, protege Bananeiras através do tombamento dos imóveis de seu Centro Histórico. A
história dessa cidade também é expressa em seu patrimônio edificado, por meio da igreja
matriz, estação ferroviária, ruas e praças e etc. 7. Já Solânea, antes denominada de Vila de

1
Graduanda do curso de Pedagogia, Campus III da UFPB.
2
Graduanda do curso de Pedagogia, Campus III da UFPB.
3
O Programa de Responsabilidade Social é desenvolvido exclusivamente pelo Campus III da UFPB, que financia o
desenvolvimento de projetos que abordem conteúdos e ações pertinentes às Políticas de Educação Ambiental, de
Educação em Direitos Humanos, de Educação para as Relações Étnico-Raciais e Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira, Africana e Indígena, bem como a defesa da memória cultural, produção artística e preservação do
patrimônio histórico.
4
Orientado pela professora Dra. Vivian Galdino de Andrade. Departamento de Educação – DE/UFPB/Campus III.
vivetica@hotmail.com.
5
Repositório Digital “História da Educação do Município de Bananeiras- HEB”, disponível:
http://www.cchsa.ufpb.br/heb.
6
Decreto de Lei Nº 31.842 de 03 de dezembro de 2010, disponível no repositório digital HEB, no seguinte endereço
eletrônico: http://online.pubhtml5.com/vced/rzoz/
7
A Peteca de banana é uma sobremesa declarada Patrimônio Cultural Imaterial do Município de Bananeiras – PB pela
Medida provisória Nº 06, de 02 de outubro de 2017.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 87

Moreno, era distrito de Bananeiras até os primeiros anos da década de 1950, trazendo ares de
um comércio populoso, que se destaca pela economia e pelas festas juninas, inscritas no
Circuito do Caminho do Frio.
Mapear estes espaços de memória não foi uma tarefa fácil, principalmente em um
contexto de pandemia que inviabilizou a pesquisa em arquivos e a realização de entrevistas in
loco. Foi para narrar este processo de pesquisa e coleta destes dados que propomos este artigo,
voltado a enfatizar o papel das novas tecnologias dentro de uma pesquisa histórica.

Metodologia

Este trabalho, de cunho histórico e documental, se constituiu de várias etapas


metodológicas, sendo elas:
I Fase: Mapeamento e levantamento de documentos históricos, livros de memórias, leis e atas
que anunciam a criação de instituições de memória nos municípios pesquisados;
II Fase: Digitalização destes documentos para serem postados no repositório digital HEB
(acervo virtual);
III Fase: Entrevistas com pessoas reconhecidas de ambas as cidades, realizadas por meio de
redes sociais e plataformas de webconferência, para a coleta de informações e dados sobre
suas memórias afetivas;
IV Fase: Produção de uma memória histórica, por meio da produção de um registro (que
caracterize e apresente estes espaços) sobre estas instituições, assim disponibilizados para
pesquisa;
V Fase: Construção de mapas afetivos, com a localização geográfica desses espaços, por meio
do Google Map.

Nossa investigação percorreu diversos acervos digitais, bem como buscou captar as
oralidades em meios virtuais, como nas redes sociais Instagram, WhatsApp, sendo esses
caminhos prováveis para a realização das entrevistas. Livros de memória e alguns jornais
foram adquiridos em acervos pessoais e digitalizados para acesso de todos os componentes
de nosso Grupo de Pesquisa8. Outros Jornais (como A União9) e demais documentos locais
foram consultados em diversos acervos virtuais, como o repositório HEB, bem como em
demais hemerotecas digitais, tais como “Jornais e Folhetins Literários da Paraíba” 10,
“Biblioteca Nacional Digital”11 e “Biblioteca Britânica”12. Estas plataformas foram
instrumentos essenciais para o desenvolvimento de nossas atividades de pesquisa.

Fundamentação Teórica e Discussões

8
Os livros de memória consultados não estavam disponíveis – em sua grande maioria- nas Bibliotecas Municipais,
principalmente considerando o caso de Solânea. Vale ainda destacar que estes espaços também se encontravam
fechados devido ao contexto da Pandemia.
9
Jornal A União: https://auniao.pb.gov.br/servicos/arquivo-digital/jornal-a-uniao
10
Jornais e Folhetins Literários da Paraíba. Disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/acervo.html
11
Jornais da Biblioteca Nacional Digital. Disponível em http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx
12
Jornais da Biblioteca britânica: Disponível em: https://eap.bl.uk/search/site/Bananeiras%2520
SUMÁRIO
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Os lugares de memória são instituições de cultura e sociabilidade, ambientes que


despertam um sentimento de pertencimento por serem dotados de sentidos e afetividades.
São objetos historiográficos tecidos nas relações que cercam os sujeitos e suas memórias,
como instituições de lazer, comemorações cívicas, museus, arquivos, grêmios literários,
mercados, associações, cinemas, bibliotecas e etc. São espaços de convívio onde as relações
aconteceram, ambientes onde as pessoas viviam, sentiam e se relacionavam. Para Nora (1993,
p. 19)

[...] os lugares de memória são, antes de tudo, um misto de história e memória, momentos
híbridos, pois não há mais como se ter somente memória, há a necessidade de identificar
uma origem, um nascimento, algo que relegue a memória ao passado, fossilizando-a de
novo. O passado nos é dado como radicalmente outro, ele é esse mundo do qual estamos
desligados para sempre. É colocando em evidência toda a extensão que dele nos separa
que nossa memória confessa sua verdade como operação que, de um golpe a suprime.

Para ele, os lugares de memória existem por que não há mais memória, por isso ser
preciso criar espaços específicos de memória para resguardá-las. Por meio deles, os indivíduos
se reconhecem como sujeitos partícipes de uma história. Neste contexto, o que podemos
encontrar em Bananeiras e em Solânea como espaços de memórias? Bananeiras é uma cidade
localizada no Brejo Paraibano, a 136 km de João Pessoa. Marcada historicamente como uma
das maiores produtoras de café e açúcar da Paraíba no início do séc. XX, esta cidade traz em
seu casario marcas dessa cultura. Solânea, produtora de fumo, foi Chã de Moreno (em 1832),
Distrito da Paz (em 1926) e Vila de Bananeiras, sendo emancipada administrativamente em
26 de novembro de 1953. Para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN, 2014) lugares de memória são

[…] aqueles que possuem sentido cultural diferenciado para a população local, onde são
realizadas práticas e atividades de naturezas variadas, tanto cotidianas quanto
excepcionais, tanto vernáculas quanto oficiais. Podem ser conceituados como lugares
focais da vida social de uma localidade, cujos atributos são reconhecidos e tematizados em
representações simbólicas e narrativas, participando da construção dos sentidos de
pertencimento, memória e identidade dos grupos sociais13.

Neste certame, e considerando os dados coletados em livros de memória e jornais, dentre


os lugares de memórias catalogados nestas cidades podemos destacar os clubes, grêmios
literários, bibliotecas, Centros Culturais, Museus, sítios arqueológicos, cemitérios,
Associações, Cooperativas e instituições de lazer (Praças, teatros e cinemas) Epitácio
Pessoa. Jornais de época, Rádios e Instituições escolares também foram mapeadas. Os dados
coletados permitiram a criação de um inventário (tanto para Bananeiras quanto para Solânea),
fundamentado na produção de tabelas (com lugares de memória elencados em categorias),
bem como na elaboração de memórias históricas (com informações que caracterizavam estes
espaços). Estas fontes foram adicionadas no repositório HEB, que reúne ainda pesquisas e
produções de nosso Grupo de Pesquisa História da Educação do Brejo Paraibano – HEBP.
Todas as fontes históricas por nós encontradas também foram digitalizadas e constam no
repositório para acesso de toda a comunidade.

13
Citação disponível no seguinte endereço: http://portal.iphan.gov.br/fototeca/detalhes/18/fototeca-registro-dos-
lugares. Acesso: 20/10/2020.
SUMÁRIO
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F1. Interface do repositório HEB

Fonte: www.cchsa.ufpb.br/heb

O termo “repositório” se direciona a constituição de um banco de dados, uma espécie


de acervo digital que cataloga resultados de pesquisa que podem ser acessados de maneira
aberta e irrestrita. Um verdadeiro patrimônio documental composto de fontes digitalizadas.
Plataformas como estas tem sido bastante utilizadas para viabilizar pesquisas históricas,
principalmente neste contexto de pandemia, uma vez que permitem o acesso a fontes antes
inacessíveis.
No nosso repositório ainda é possível encontrar recursos didáticos, produzidos dentro
dos princípios da Educação Patrimonial, entre eles quebra-cabeça, caça-palavras e
cruzadinhas. A cartilha digital “Jogos Culturais: um olhar sobre o patrimônio” (2019) também
se encontra disponível14, orientando docentes sobre como produzir jogos patrimoniais com o
auxílio das tecnologias.

F2. Cartilha “Jogos Culturais: um olhar sobre o patrimônio”

Fonte: https://issuu.com/marianaferreira195/docs/cartilha_final
No que se refere a confecção do Inventário, o item “memória histórica” possui grande
potencial didático para o debate da história local, pois pode subsidiar a produção de pesquisas
e recursos educativos na área. Informações como localização, data de fundação, função social

14
Acesse a cartilha “Jogos Culturais: um olhar sobre o patrimônio”, produzidas pelas professoras Vivian Galdino de
Andrade e Mariana Ferreira pelo endereço eletrônico: https://issuu.com/marianaferreira195/docs/cartilha_final.
SUMÁRIO
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e principais dados históricos são considerados para a produção da memória. A seguir,


apresentamos uma memória produzida sobre a Igreja São José, localizada no distrito de Vila
Maia, em Bananeiras/PB. Outras podem ser consultadas no link disponibilizado.

F3. Exemplo de Memória Histórica

Fonte: http://www.cchsa.ufpb.br/heb/contents/arquivos/educacao-patrimonial/patrimonio-arquitetonico-1

A quinta e última fase de nosso projeto se concentrou na confecção de mapas afetivos,


ferramentas que podem possibilitar leituras sensíveis sobre o território urbano, e por assim
dizer sobre o patrimônio e sua cartografia. A relação sentimental que as pessoas podem
desenvolver com os monumentos e seu entorno revelam partes integrantes das dinâmicas
com o espaço. Daí nos apoiarmos na necessidade de criar mapas afetivos, que “objetivam
representar como se revelam determinadas lembranças de algum indivíduo relacionadas a um
local, evidenciando seus lugares de memória, como pontos que mais marcam uma pessoa na
cidade, em seu cotidiano (Vetorassi apud CIASCA, 2018, p.212).
Com o Google Map, ferramenta de busca e mapeamento, foi que produzimos os mapas
afetivos das cidades de Bananeiras e Solânea, localizando os lugares de memória mapeados e
catalogados no inventário por nós produzidos.

F4. Mapa Afetivo Bananeiras

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 91

Fonte: encurtador.com.br/fpsLT

F5. Mapa Afetivo Solânea

Fonte: encurtador.com.br/pLQT1

Esses mapas são instrumentos cartográficos que representam “os processos que
envolvem a construção identitária” dos sujeitos (CIASCA, 2018, p.212). Eles podem permitir o
acesso a memória e aos vínculos afetivos que determinados moradores tecem com os
lugares/espaços da cidade onde vivem. Por meio deles é possível reunir dados que possam
auxiliar na produção de políticas públicas de preservação do patrimônio local, uma vez que
eles são também artefatos que materializam memórias sociais.
Diante desta trajetória narrada até aqui, podemos ver o papel das tecnologias para o
desenvolvimento da pesquisa histórica. No entanto, não podemos deixar de alertar que,
mesmo diante das inúmeras possibilidades do fazer pesquisa, mais especificamente no
contexto da operação historiográfica, surgidas nessa "Era Google" (GINZBURG, 2010),
devemos superar uma perspectiva dicotômica e advogar o saudável convívio entre o digital e
o impresso. Acreditamos na construção de instituições híbridas de guarda e difusão do saber,
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 92

onde tanto o impresso quanto o digital tenham o seu lugar, estando os recursos tecnológicos
como auxiliadores na preservação do patrimônio histórico-documental impresso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tecnologias são tomadas como ferramentas que facilitam a vida dos sujeitos sociais,
estando presentes na humanidade desde sempre. Não diferentemente tem ocorrido no âmbito
da pesquisa historiográfica, estando estas ferramentas a auxiliar as atividades de pesquisa e
ensino no campo da História. Dentro da História Local de algumas cidades brejeiras, como
Bananeiras e Solânea, estes artefatos tem possibilitados a produção de recursos didáticos para
o debate da história local, ampliando o acesso a informações antes isoladas em acervos
pessoais.
Mesmo reconhecendo o benefício e o potencial destas ferramentas, repudiamos
posturas extremas que defendem a supremacia absoluta das novas tecnologias, visto que, o
advento das TIC não implica no abandono dos antigos procedimentos. Mas também refutamos
posições que negam as diversas possibilidades proporcionadas por estas mídias na
propagação da comunicação e da informação, mais enfaticamente no que se refere a produção
do conhecimento histórico em âmbito local. Enquanto objetos culturais, tanto o impresso
quanto o digital indiciam aspectos das sociedades que os produziram (e produzem) e em que
circularam (ou circulam). Portanto, oportunizar a existência de ambas é ansiar garantir a
indestrutibilidade da materialidade textual e de suas formas de difusão.

REFERENCIAS

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primária para pesquisas históricas. In: Aedos, n.8, v.3, jan./jun. 2011. Disponível em:
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concreto. Revista História Hoje. Revista eletrônica da história. Volume 3, Nº 7, 2005.
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NORA, Pierre. Entre memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP,
1993.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 93

A importância de pensar historicamente: dilemas da


contemporaneidade

Luciana Angelice Biffi1


luciana.a.biffi@gmail.com

O presente trabalho, se propõe a refletir e levantar questões sobre as práticas do


professor de história e as novas tecnologias. Não existem aqui conclusões, fórmulas ou
receitas, mas perguntas e pensamentos que surgem diante das adversidades do nosso oficio
dentro do contexto atual. Neste texto, pensado a partir da prática docente, de uma perspectiva
interdisciplinar entre educação, histórica e tecnologias e de debates acerca do ensino
realizados em algumas disciplinas sobre a pratica e a formação docente, a questão do
letramento digital surge enquanto um problema principalmente para os professores e para as
escolas, entendendo letramento como aquele que sabe ler, interpretar e produzir dentro
daquela linguagem. Essas questões tornam cada vez mais complexas quando pensamos que o
ensino bilíngue abriu um mercado e se tornou um grande negócio para escolas privadas, sendo
que muitas seguem um currículo internacional, com algumas adaptações de acordo com o
conteúdo e a língua materna, tendo até franquias de metodologia canadense, por exemplo.
Como se não bastasse, já se discute sobre a ideia de um ensino ‘trilingue’, onde se aprenderia
a língua materna, a língua inglesa e a linguagem digital.
Este rápido início já abre para discussões e aponta para inúmeros questionamentos e
talvez a principal esteja na grande desigualdade social e educacional existente em nosso país.
Ao mesmo tempo que vemos grandes mudanças no ensino privado, temos escolas que não
possuem sequer um único computador. Ou seja, escolas com acesso muito restrito a questões
consideradas globalizadas, como aprender uma língua estrangeira e como se relacionar
documentos que se encontram em pesquisas rápidas de internet, pois ele é limitado ao poder
econômico, políticas educacionais, distribuições de recursos, entre vários outros. Outro ponto
é em relação ao ensino digital no Brasil, que a pandemia de 2020 fez questão de mostrar e
agravar que o acesso ainda é limitado, muitos alunos ficaram sem aula por não terem acesso a
internet ou por não terem um dispositivo (celular, tablet, computador, notebook) para
acompanharem as gravações feitas por professores. Marcas de um Brasil profundamente
desigual.
Outra questão que surge, e esta será a última a ser ressaltada neste texto, diz respeito
a capacitação de profissional, com característica muito especificas, como formar esse
profissional super especializado que consiga desenvolver essas temáticas nos alunos? De
repente, com a pandemia, o professor se viu dentro de casa, tendo que gravar vídeos, editar,
enviar para os alunos, fazer provas online, as relações sociais físicas foram abruptamente
interrompidas e passaram a ser através da tela, que causaram em um primeiro momento

1
Luciana Angelice Biffi é doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Educação, Arte e História da Cultura na
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia (2018). Faz parte
do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura – NEHAC e da REDE de Pesquisa em História e Cultura no
Mundo Contemporâneo.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 94

angústia sobre a condição docente. Todos tiveram que se ‘reinventar’. Mas nós estávamos
preparados e estamos preparados para isso?
Isso posto, as reflexões partem da premissa de que os alunos possuem acesso a um
smartphone e a internet assim como os professores, alguns inclusive, considerados ‘nativos
digitais’2. Invariavelmente, isso afetou, afeta e afetará cada vez mais o cotidiano da sala de aula
e tem-se que se aprender a lidar com ela e tudo que ela produz, tantos os aspectos
considerados bons, que auxiliam e facilitam o processo de ensino-aprendizagem quanto as
ruins, que atrapalham a aula e dificultam o desenvolvimento.
Pensar essas questões dentro do cenário contemporâneo parece algo diatópico, onde
as relações sociais e a própria dinâmica da sala de aula, tudo parece estar competindo com o
professor pela atenção do aluno. A utilização de celulares faz com que inclusive o aluno
questione os dados, datas, acontecimentos históricos, já que basta ele “dar um google” que
surgem todas as respostas, das mais diversas maneiras (vídeo, desenhos, podcasts, textos etc.)
e com as mais diversas interpretações.
Alguns dos efeitos imediatos do nosso tempo são as fakes news, notícias falsas que
sempre existiram, mas não com a quantidade e rapidez que se tem hoje, criadas no mundo
‘online’ podendo reverberar no mundo ‘offline’. Outra noção que surge é ideia de cancelamento,
onde alguém fez algo o público julga estar errado, equivocado, rapidamente ele perde
patrocínio, é excluído das redes sociais, e o outro ponto é relacionado as redes sociais
(Facebook, Instagram, Twitter, alguns exemplos) temos o compartilhamento de manada, onde
muitos usuários compartilham e publicam a mesma imagem. De alguma forma todos esses
conceitos e problemáticas são conteúdo dos professores das ciências humanas, da história, que
em alguma medida vai ter que elaborar, processar e interpretar em um exercício dialógico com
seus alunos essas questões que permeiam e transpassam a sociedade contemporânea.
No atual cenário, não apenas no Brasil, vemos emergir questões complexas que
influenciam o cotidiano das pessoas e que causam questionamentos profundos na sociedade.
Pensar o ensino de história se tornar muito importante, em tempos de revisionismo histórico,
de disputas por espaços nas redes sociais e entre narrativas que tentam se firmar na memória.
Alguns dos acontecimentos recentes foram as derrubadas de estátuas de escravocratas nos
Estados Unidos, na Bélgica e em outros países com o movimento Black Lives Matter (Vidas
Negras Importam), assim como cancelamentos de filmes e artistas considerados racistas e/ou
misóginos, são alguns dos acontecimentos para entendermos como esse revisionismo aparece
efetivamente. Contudo, não podemos olhar para esses eventos sem o auxílio da história e
entendendo-os como fruto do seu próprio tempo e possível de acontecer na especificidade do
nosso tempo.

“Pensar com a história” não é o mesmo que pensar sobre a história, como uma forma geral
de produzir sentido. Isso é o que os filósofos ou teóricos da história fazem. Pensar com a
história implica o emprego dos materiais do passado e das configurações em que os
organizamos e compreendemos para nos orientar no presente. Em um modo, pensamos
com o produto substantivo da investigação histórica, com as imagens que formamos do
passado, a fim de nos definir por estática, uma imagem ou tableau vivant de uma cultura
que pertence ao passado. Podemos também ‘pensar com a história’ de outro modo, quando
concebemos história como processo. Então a história é dinâmica, ligando ou dissolvendo

2
Termo criado pelo norte americano Marc Prensky, para determinar os nascidos a partir dos anos 80 que tiveram
acesso desde o seu nascimento e cresceu com tecnologias digitais na sua vivência.
SUMÁRIO
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elementos estáticos num padrão narrativo de mudança. Podemos ainda tratar esse
processo como um objeto, mas é difícil divorciá-lo de nossa existência como sujeitos
pensantes. Se nos situamos na corrente da história, podemos começar a nos ver e à nossa
vida mental, seja pessoal, seja coletiva, como condicionados pelo presente histórico tal
como ele se define a partir do – ou contra o – passado. “Pensar com a história”, no primeiro
sentido, implica, portanto, a utilização de elementos do passado na construção cultural do
presente e do futuro. No segundo sentido, torna relativo o sujeito, seja pessoal, seja
coletivo, de um modo auto-reflexivo, ao fluxo do tempo social.3

Como escreve Carl Shorske, é preciso ‘pensar com a história’ e isso significa levar em
consideração o nosso passado. Enquanto historiadores, não podemos julgá-lo, sendo esse um
dos ensinamentos basilares de Marc Bloch em ‘Apologia da História’, mas compreender as
características do seu tempo. Isso significa compreender quais eram os valores de uma
sociedade em um determinado tempo histórico e aqui, lembrar dos preceitos teóricos de
Koseleck em ‘Estratos do Tempo’ quando ele traz a ideia de que existem no nosso presente,
várias camadas temporais, que coexistem, e neste sentido o historiador/pesquisador tem que
fazer um exercício arqueológico, como diz Michael Foucault, de cavar e descobrir essas
‘camadas’ do passado que estão no presente.
Em tempos efêmeros ou líquidos como diz o Bauman, onde quase tudo que é sólido se
desmancha no ar, é possível apontar um agravamento, um aceleramento desse ‘presentismo’
através dos dispositivos tecnológicos como celulares, como a internet, sites de pesquisa como
o Google. O foco está no agora, se vê o que as pessoas nas redes sociais estão comendo, lendo,
viajando, comprando, agora. Nessa lógica, pode-se pesquisar sobre qualquer assunto, neste
exato momento, inclusive em uma perspectiva acadêmica, ao utilizarmos o Google Acadêmico,
a Plataforma Lattes, ou qualquer outra. Isso acarreta numa percepção típica do século XXI, faz
com que até o conhecimento, entre na lógica de uma entrega quase imediata, que é mediada
pela internet, um site, um aplicativo, que é o ‘delivery’ (entregar, tradução livre).
E o que isso nos diz sobre nós, enquanto sociedade? Revela em partes que não se tem
um conhecimento claro de como funciona a lógica de uma pesquisa, um baixo ‘letramento
científico’, independentemente da área do conhecimento. Ficando evidente ao vermos
promessas, notícias de que a ‘vacina contra o corona vírus vai sair em 2021’, quando pesquisas
com vacina levam até quatro (4) anos para serem aplicadas na população, a angústia de querer
um tratamento que corresponda imediatamente a nossa doença, quando na verdade para um
remédio dar certo, outros tantos tiveram que dar errado. Qualquer pesquisa envolve o erro. E
leva tempo, porque pesquisa é processo que requer acúmulo teórico, de método, diálogo entre
pares para que algo de qualidade possa ser apresentado e experiência na realidade. Esse
imediatismo, de ‘feed infinito’ que é atualizado a todo momento, a forma como nos
relacionamentos com o conhecimento, os acontecimentos do nosso tempo, precisam ser
analisados com cuidado. Como diz a professora Drag-Queen Rita von Hunty:

Conhecimento não é produto e não existe devilery de conhecimento. É impossível que se


produza um vídeo/texto sobre um assunto, sem antes estudar, pesquisar, mesmo porque
nós estamos orientados pelo Paulo Freire: não existe ensino sem pesquisa.4

3
SCHORSKE, Carl E. Pensando com a história: indagações na passagem para o modernismo. Editora Companhia das
Letras, São Paulo. 2000. P. 13 - 14.
4
DELIVERY DE CONHECIMENTO. Disponível em:
< https://www.youtube.com/watch?v=ifegCpvnvdo > Acesso dia 05 de novembro de 2020.
SUMÁRIO
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Neste sentido, pensar historicamente, nunca foi tão importante. Porque entender o
processo no qual vivemos faz parte do ofício do historiador, assim como buscar quais são as
disputas em jogo é fundamental para compreendermos o cenário atual. Ao nos depararmos
com a quantidade de documentos, sejam eles fakes, posts em Instagram, ou o cancelamento de
alguma celebridade, se constitui como documento para o história, que, através do método,
pode e deve ser analisado pelo historiador Ou seja, o método, o pensamento crítico e o
manuseio dos documentos é fundamental no ensino de história, independente do grau
educacional. E apesar das adversidades, do calendário rígido, do conteúdo a se seguir, das
cobranças das provas e do cumprimento do livro didático, é preciso achar uma brecha para a
compreensão da produção de conhecimento histórico.
O que o professor de história vai ensinar? Quais as habilidades queremos desenvolver
nos alunos e nos professores? Desta forma, dois possíveis desdobramentos são como isso afeta
o currículo e a construção do conhecimento, que tem como consequência pensar
historicamente. Analisar o currículo do ensino de história, sendo algumas dessas questões já
estão previstas nas Bases Nacional Comum Curriculares (BNCC) e como aplicar a metodologia
cientifica da ciência histórica. Pensando nos exemplos supracitados, fake news, cancelamentos
e publicação (o chamado repost) ‘pensar com a história’ auxilia a análise, a interpretação dos
eventos contemporâneos, compreendendo o passado, manuseando esses novos documentos
que estão sendo produzidos em grande quantidade e chegam para nós das mais diversas
formas.
Ao trazer o método e a técnica do historiador para a sala fará a diferença, tanto na sala de
aula, quanto na formação dos alunos enquanto cidadão. Compreendendo a história como
processo, articulando as temporalidades e as camadas temporais para compreender as
características do nosso tempo, através dos nossos espaços de experiencias e dos nossos
horizontes de expectativas. O pensamento crítico, a análise de documentos, o processo de
disputa da memória são ferramentas que a história e o ensino de história podem oferecer.
Principalmente para os desafios dos impactos que envolvem as relações no ciberespaço.
Nunca foi tão importante pensar historicamente, precisamos levar em consideração o
nosso passado para entendermos uma estrutura de sociedade. A importância de entender que
existem camadas temporais que temos que aprender a escavar e a ver. Não obstante é
importante entender que existem espaços de disputas da memória. “Não basta vencer no
processo, você tem que vencer na memória” Hannah Arendt. Ou seja, as coisas não são dadas
por acaso. É também pensar metodologicamente os documentos e fontes que são produzidas
hoje e saber lê-las. Pensar com a história é levar tudo isso em consideração, é difícil e dá
trabalho, e tanto nós professores, quanto nossos alunos, vão ter que estudar para sempre, para
alcançar uma autonomia.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. "Vida líquido." Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar 2008
BLOCH, Marc. Apologia da história ou, O ofício do historiador. Editora Zahar. Rio de Janeiro, 2001.
KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre o tempo. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC Rio,
2014.
SCHORSKE, Carl E. Pensando com a história: indagações na passagem para o modernismo. Editora
Companhia das Letras, São Paulo. 2000.
RIFKIN, Jeremy. O Fim dos Empregos: O contínuo crescimento do desemprego em todo o mundo. M. Books,
São Paulo. 2020.
SUMÁRIO
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FAVA, Rui. Trabalho, Educação e Inteligência Artificial: A Era do Indivíduo Versátil. Penso Editora, São Paulo.
2018.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1996.

SUMÁRIO
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Jogos em realidade virtual no ensino de História- Experiência com


BV128 para o ensino de História de Roraima

Édla Sonaira Salazar de Oliveira1


edla_sonaira@hotmail.com

Toda sociedade passa por processos de mudanças que exigem formas inovadoras para
enfrentar as novas experiências e problemas que surgem, isso ocorre em todas as áreas,
inclusive no campo educacional. Atualmente discutir o ensino de História, como o de outras
áreas do conhecimento, passa pelo exercício de se pensar em novas práticas educativas
atrelados à realidade dos educandos. Pesquisadores discutem a importância de uma boa
relação entre professores e alunos, bem como a necessidade de conduzir o discente a pensar
e a agir em seu meio.
No campo da História, tem-se buscado redefinir não apenas o aspecto seleção e
organização dos conteúdos, mas também novas metodologias para trabalhar os conteúdos
com os alunos com o propósito de tornar mais atrativas as aulas de história, já que são vistas
por muitos alunos da educação básica como “chatas”. Esses métodos são pensados na
perspectiva do professor e do aluno como sujeitos da História. Segundo Vygotsky, o contexto
interfere diretamente no desenvolvimento do indivíduo, os jovens estão acostumados dentro
da lógica da web, esse contexto no qual a tecnologia está cada mais presente no cotidiano das
pessoas e não deve ser ignorado na sala de aula.
Nesta sociedade contemporânea, as Tecnologias da Informação e Comunicação-TICs
vem destacando-se como campo fértil na produção e difusão de informações. Desse modo, o
uso dessas ferramentas nas escolas pode proporcionar aos professores e alunos uma
comunicação de forma multimidiática, o que oportuniza experimentações pedagógicas de
construção do conhecimento, além de permitir novas práticas culturais (TORI, 2013).
Neste aspecto “os jogos digitais também apresentam-se como forte base de
entretenimento entre os estudantes da escola pública, que deslumbram-se com o meio virtual
a ser apresentado nestes” (DUARTE, 2013, p. 12), Pois os processos de aprendizagem ocorrem
em todos os espaços, tanto dentro da escola como nas experiências sociais fora dela.
Desta forma, o presente artigo é resultado da experiência de um projeto de pesquisa
em andamento, que tem como referência a utilização de jogo em realidade virtual que retrata
a História de Roraima no ensino fundamental I nas salas de aula do município de Boa Vista,
Roraima, foi criado em 2018 e é resultado do Programa de Talentos da Prefeitura de Boa Vista,
capital do estado de Roraima.
O jogo foi denominado BV1282 porque no ano de sua criação era comemorado o
aniversário de 128 anos da cidade. Neste momento contextualizaremos a metodologia digital
nas salas de aula e posteriormente um breve relato de como o jogo se constitui e os resultados
das primeiras experiências do projeto.

1
Universidade Federal de Roraima
2
Jogo disponível gratuitamente pelo link:
https://play.google.com/store/apps/details?id=com.fabriciolpu2.boavista128
SUMÁRIO
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Nativos digitais: como agem e pensam a nova geração

O termo nativo digital aqui apresentado surge a partir das definições do educador e
pesquisador norte americano Marc Prensky (2001), em seus estudos ele analisa os
comportamentos da nova geração na Era da informação. Esse período é entendido a partir dos
anos de 1980, caracterizado especialmente pela popularização da Internet e de novas
tecnologias digitais, o que ocasionou modificações sociais, culturais, comportamentais nas
sociedades pelo mundo.
Para Prensky, a tecnologia digital é entendida como uma linguagem e define dois
grupos de usuários dessa língua: os nativos digitais considerados todos nascentes a partir da
década de 1980 e os migrantes digitais que seriam os que aprenderam a lidar com tecnologia
a partir da vida adulta. Entretanto, dentro das definições do autor, observa-se a exclusão das
pessoas que mesmo nascidas posteriormente ao período supracitado, não possuem acesso às
tecnologias por conta das questões financeiras que lhes privam desse conhecimento. Com isso,
a pesquisa aqui apresentada observa os nativos digitais a partir da premissa que são aqueles
que “falam” a linguagem digital desde que nasceram pois possuem acesso as tecnologias e
recursos disponibilizados.
A partir dessas definições, percebe-se que essa geração de jovens possui
características no modo de agir, pensar e se comunicar diferentes das gerações anteriores. Os
nativos digitais estão acostumados a obter informações de forma rápida e costumam recorrer
primeiramente a fontes digitais e à Web antes de procurarem em livros ou na mídia impressa
(PESCADOR, 2010). Para Prensky (2001) a familiaridade desses jovens com a linguagem
digital faz com que ela seja para eles como uma segunda língua.
A analogia de Prensky (2001) sobre linguagem digital como segunda língua também
estende-se aos migrantes digitais, ou seja, as gerações anteriores. Para o autor, as pessoas que
aprenderam a usar tecnologia ao longo da vida adulta possuem “sotaques”, pois mesmo que
aprendam a ser fluentes no uso da linguagem digital, eles ainda manifestam certos costumes
da sua primeira língua, analógica, como por exemplo, escrever antes de digitar e buscar
informações primeiramente em fontes impressas.
Os contrastes entre as gerações mais novas e mais velhas não estão relacionados
apenas ao que esses jovens estão fazendo, mas também a como estão fazendo. Palfrey e Gasser
(2008) afirmam que os nativos digitais estão acostumados a receberem informações muito
rapidamente e processam mais de uma coisa por vez, realizando multitarefas. Para eles é
comum que realizem duas ou três coisas ao mesmo tempo, como, por exemplo, assistir filmes,
enquanto fazem download de arquivos ou interagem com amigos virtuais através das redes
sociais. Segundo Mattar (2010), os nativos digitais aprendem de forma interativa e baseada
em suas próprias descobertas, são impacientes com aulas meramente expositivas pois
aprendem através do processo de tentativa e erros.
Atualmente as salas de aulas do ensino básico são compostas, na sua grande maioria,
por, alunos falantes nativos 3 e professores Imigrantes Digitais. Para Prensky (2001) os
educadores usam uma linguagem pré-digital e estão lutando para ensinar uma população que
fala uma linguagem totalmente nova. Desse modo, o docente precisa falar a mesma língua

3
PRENSKY, M.: Digital Natives Digital Immigrants. In: PRENSKY, Marc. On the Horizon. NCB University Press, Vol. 9 No.
5, October (2001a). Disponível em . Accesso em 13/Março/2008.
SUMÁRIO
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digital do seu aluno ao mesmo tempo que ensina conteúdos do currículo tradicional, neste
contexto o autor afirma que é necessário fazer adaptações dos materiais e repensar as
metodologias. Prensky (2001) indica que guiar as produções de metodologia através da
percepção dos alunos é uma das alternativas para esse repensar metodológico, dentro disso,
os jogos digitais são uma boa ferramenta já que possuem um idioma familiar para os alunos.
Corroborando com essa afirmativa, Mattos (2010) ao falar sobre os jogos
digitais e sua aplicação na educação, aponta que produzem um aprendizado
altamente social pois é comum que os seus jogadores, para atingir objetivos individuais,
realizem um trabalho de troca de experiência. Realizando o compartilhamento de descobertas
e dúvidas através das comunidades virtuais criadas nas redes sociais, canal no youtube ou pela
plataforma do próprio jogo.
Os nativos digitais buscam explorar como funciona determinados sistemas fugindo de
informações baseadas por meio de instruções. Segundo Arruda (2011) Os games são
projetados intencionalmente para que as regras se tornem aparentes à medida que se joga, ou
seja, para que o jogador aprenda jogando na medida que passa de fases e geralmente eles
fazem uso de estratégias por meio de experiências adquiridas a partir de outros games que já
conhecem.
Os games são ferramentas culturais e transformam conhecimentos através da
internalização que o sujeito faz dos processos no ambiente do jogo (MATTAR,2010), são
utilizados pelos nativos digitais como lazer e integram a construção de sua cultura, visto que
geram interesse e motivação em sua prática (AZEVEDO, 2012). Os games permitem a prática
exploratória de aprendizagem baseada na tentativa e erro. Essa forma de aprendizagem
baseado nas próprias descobertas encontra respaldo na teoria de Vygotsky (1998) no qual
afirma que o conhecimento é o resultado da ação que se passa entre o sujeito e um objeto.
A sociedade modernizou-se por meio do avanço das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs), com esse processo surgiram novos modos de pensar e aprender.
Considerando o processo de transição vivenciado no campo educacional, que se faz necessário
para acompanhar essas mudanças, é perceptível que a escola não vem acompanhando estas
mudanças na mesma rapidez (DUARTE, 2013). Nota-se que a prática educativa ainda está
enraizada em métodos e parâmetros tradicionais que não encontram mais um formato
satisfatório entre nossos jovens.
Portanto, visando contribuir com o debate sobre a adequação das escolas e as novas
metodologias que estejam integradas à realidade dos jovens, o presente artigo apresenta uma
proposta de gamificação voltada para o campo educacional, uma possibilidade a ser pensada
e inserida nas salas de aulas.

BV128 - A experiência

O BV128 é jogo em realidade virtual que retrata momentos históricos da formação da


cidade de Boa Vista-RR, desenvolvido para ser usado como recurso educacional que
proporciona ao aluno e professor interagirem em um cenário virtual, com personagens e
construções históricas da cidade de outros tempos, levando os alunos a vivenciaram novas
experiências com participações ativas dos acontecimentos históricos de Boa Vista através das
missões propostas.

SUMÁRIO
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O aplicativo foi elaborado pelo Estúdio Canaimé, Statup formada a partir de uma
iniciativa pública municipal para o desenvolvimento de tecnologias que valorizassem a cultura
local. A atualmente a equipe é composta com 9 membros dentre programadores, designes,
modeladores e pesquisadores. Após um intenso estudo com base em documentos e fontes
iconográficas, produzimos uma versão da Boa Vista do século XIX.
A narrativa construída no jogo contempla, em partes, a visão do papel dos indígenas,
que em sua grande maioria foram excluídos da história oficial, mas que fizeram e deram
significado na cidade de Boa Vista. Buscando romper com o que Pesavento (2007) chama de
“memória cristalizada”, contribuindo assim para a valorização da cultura local que sofre forte
influências das tradições indígenas. A figura 1 é um Screen shot retirada do jogo BV128 na sua
parte introdutória, explicando brevemente a presença dos índios no forte junto aos
portugueses.

Figura 1- Screen shot retirada do jogo BV128


Fonte: Canaimé Studio

Para o piloto do projeto, atendemos 2 escolas da rede pública municipal da cidade de Boa
Vista-RR, as instituições escolhidas pela Secretaria de Educação foram a Escola Municipal
Raimundo Eloy Gomes e Escola Municipal Pequeno Polegar, localizadas na zona oeste da
cidade. O projeto atendeu cerca de 300 alunos do 4° ano do ensino fundamental.
Antes da aplicação do jogo na sala de aula, houve um treinamento com os professores
para manuseio dos equipamentos, além disso, houve uma formação para os professores sobre
História regional. Foram ministradas pelos 2 historiadores da equipe 5 aulas sobre História de
Roraima, produzimos também um material de apoio para auxiliar os docentes nas aulas que
antecederam a aplicação do jogo com os discentes. Houve todo um preparo teórico com os
alunos sobre o jogo e sua finalidade para a disciplina, pois a experiência foi aplicada como uma
atividade avaliativa integrada a plataforma do jogo.
Através do financiamento público municipal a startup Canaimé pode adquirir todas as
ferramentas utilizadas na aplicação do projeto, dentro e fora da sala de aula, como Celular,
Óculos de RV e Fones de Ouvido, Tablet com o aplicativo do BV128 VR, tablet com aplicativo
de Realidade Aumentada, livro e material de apoio para docente, para acesso em Laboratório
de Informática ou domiciliar, portal EAD: com apostilas, artigos, vídeos, livro digital; versão
WEB (Linux e Window), Android do BV128.
O projeto foi aplicado efetivamente na sala pela equipe da Canaimé studio, levamos os
equipamentos, distribuímos, houve uma breve explicação de como funcionava o jogo e
introduzimos o aluno na época em que se passa o cenário. Como não havia equipamentos
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 102

suficientes para todos da sala, fizemos um rodízio das ferramentas até que todos os alunos
fizessem uso da Realidade Virtual e aumentada.

Figura 2: Representação do capitão Inácio Magalhães em Realidade


Aumentada durante a aplicação na escola Municipal Pequeno Polegar.
Fonte: Canaimé studios.

Foram utilizadas duas aulas para sua aplicação e posteriormente, aplicamos um


questionários de 5 questões sobre o tema. Houve o acerto da média de 90% das perguntas,
percebemos a animação em participar das aulas, a concentração dos alunos em cada detalhe
que observavam no jogo.
Em nossas primeiras reflexões no que se refere à pesquisa de campo com os alunos,
percebe-se o quanto não conhecem a história local e não conseguem se identificar como
pertencentes ao estado. Observa-se que o ensino de história de Roraima não vem sendo
trabalhado regularmente nas aulas, mesmo que a nova BNCC aponte que 40% dos conteúdos
seja regional, ainda assim há uma falha com relação à sua aplicação prática. Isso muitas vezes
pela precariedade de materiais que possam ser trabalhados em sala de aula.
Quanto a aplicação do jogo, cada sala atendida tinham em média 35 alunos e
possuíamos somente 20 óculos, fizemos o revezamento dos equipamentos. Enquanto cada um
dos jogadores se preparava para jogar, foi possível observar um padrão do tipo exploratório,
em que cada jogador ia descobrindo o que deveria fazer à medida que explorava o mundo do
game. Durante o jogo o narrador relatava uma descrição de acontecimentos baseados em fatos
históricos, fazendo um contexto das missões apresentadas.
Apesar de haver uma pessoa da equipe para ajudar com informações sobre o jogo,
todos que pegavam começaram imediatamente a jogar sem qualquer pergunta e enquanto iam
explorando faziam comparativos com a lógica de outros jogos. Foi possível observar o
compartilhamento de informações entre os alunos que já haviam jogado e os que não, fato que
no processo de aprendizagem é definido por Vygotsky (1998) como andaimanento, no qual
construímos novos conhecimentos através da ajuda de um indivíduo mais experiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos com a experiência que o aplicativo tornou a aula participativa, despertou


o interesse do aluno pelo ensino da História local de maneira inovadora e divertida, além de
contribuir com uma narrativa que valoriza a cultura da região. Com auxílio da Realidade
Virtual e aumentada, o aluno ficou imerso no mundo virtual, tornando o aprendizado mais
interativo dentro da sala de aula. Além do jogo BV128 ter apresentado características que
podem ser trabalhadas interdisciplinarmente.

SUMÁRIO
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No contexto da aprendizagem dos nativos digitais percebe-se que não querem ser
simples ouvintes, são estimulados e motivados em atividades que possam interagir a partir de
negociação e trocas de informações, no qual sua opinião é respeitada e levada em
consideração.
No sentido de buscar aprender novas maneiras para se aplicar o conteúdo do currículo
tradicional e fazer algo antigo dentro da dinâmica educacional atual, é necessário se estudar
melhor a geração que se apresenta e entender como utilizar as ferramentas de modo
produtivo. Os alunos são nativos digitais, porém, muitas vezes eles só tem domínio de
aplicativos das redes sociais mas em relação em contextualizar, a trazer para o processo
educacional eles ainda precisam de uma pessoa mediadora, que seria o professor.
Nativos e imigrantes digitais devem juntos construir uma parceria que seja benéfica
para as práticas educativas. Portanto, dentro do quadro exposto é possível a realização de boas
práticas por meio da inserção de tecnologias como os jogos digitais pois proporcionam um
aprendizado por meio de troca de experiências e ações colaborativas que fortalecem a
comunicação com e entre os jovens.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, Eucidio Pimenta. Aprendizagens e Jogos Digitais. Campinas: Alínea Editora, 2011.
AZEVEDO, Victor de Abreu. Jogos eletrônicos e educação: construindo um roteiro para a sua análise pedagógica.
Renote – Novas Tecnologias na Educação – UFRGS, Porto Alegre. V. 10 nº 3, 2012.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo, Editora:
Cortez,2018.
DUARTE, Sofia de Carvalho. A utilização de Tecnologias da informação e da comunicação Ensino da história –
Teses de mestrado, Universidade de Lisboa, Portugal, 2013.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Trad. João Paulo Monteiro. 4. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1996, p. 51.
MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson, 2010.
MORAN, José M. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In ______ (et al.).
Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. 10ª ed. Campinas: Papirus, 2006.
PALFREY, John; GASSER, Urs. Born Digital – Understanding the First Generation of Digital Natives. New York:
Perseus Books, 2008.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades Imaginárias Revista Brasileira de
História, vol.27, nº 53, São Paulo Jan./June 2007.
PESCADOR, Cristina M. TECNOLOGIAS DIGITAIS E AÇÕES DE APRENDIZAGEM DOS NATIVOS DIGITAIS. V
Congresso Internacional de Filosofia e Educação, Caxias do Sul- RS, Maio de 2010.
PRENSKY, Marc.: Digital Natives Digital Immigrants. In: PRENSKY, Marc. On the Horizon. NCB University Press,
Vol. 9 No. 5, October (2001a). Disponível em . Accesso em 13/Março/2008.
_______ . Digital Game-Based Learning. Minnesota: Paragon House, 2001b.
SEIXAS, Luma da Rocha. A efetividade de mecânicas de gamificação sobre o engajamento de alunos do ensino
fundamental. Dissertação de mestrado, Refice-PE, Universidade Federal de Pernambuco, 2014.
TORI, Romero, 2015. EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIA As tecnologias interativas na redução de distâncias em
ensino e aprendizagem. São Paulo: Editora Senac, 2010.
VYGOTSKY, Lev. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. org.
por Michel Cole et al. tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SUMÁRIO
Experiências no Ensino de
história na Educação Básica
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 105

Literatura e ensino de História: mandela, ontem um filho da África,


hoje, o pai dos africanos

Luana Pereira da Cunha


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
luanapcunha@hotmail.com

Paulo Roberto Souto Maior Junior


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
paulosoutom@gmail.com

1 INTRODUÇÃO

A escola é uma instituição social privilegiada para a apropriação dos conhecimentos


historicamente produzidos. É necessário, portanto, que ela esteja organizada para esse
objetivo. Assim, é preciso organizar o ensino para propor situações de aprendizagem que
sejam significativas para que o aluno possa se constituir como sujeito, perceber o seu lugar no
mundo e até mesmo agir na busca da transformação da realidade social. O Ensino
Fundamental (EF) é um dos níveis da educação básica, dividido entre Anos Iniciais – foco do
presente relato – e anos finais, tendo como objetivo a formação básica do cidadão (BRASIL,
1996). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9394/96, documento que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, estabelece que o ensino da história deve estar
presente nos currículos desta etapa.
Em sala de aula a Literatura é uma possibilidade para a aprendizagem das crianças,
pois permite questionamentos de diversos problemas sociais, reflexão por meio da ficção e
conhecimento de histórias de vida (NÓBREGA; SANTOS, 2015). Neste sentido, esta se torna
um recurso de ensino-aprendizagem para os professores, pois, conforme afirmam Nóbrega e
Santos (2015, p. 37), utilizar a Literatura em sala de aula é imprescindível nos Anos Iniciais
“para a aprendizagem, para o desenvolvimento da criatividade e da capacidade crítica dos
alunos e, ainda, como forma de incentivo para a prática de leitura, em ambientes e horários
diversos”.
Os seres humanos, por sua natureza, predispõem-se à capacidade de aprender,
entretanto, esta aprendizagem não deve se desvincular do afeto. Segundo Piaget (2009), a
afetividade é uma força que estimula a ação de aprender, pois, para que a aprendizagem seja
significativa, a criança precisa desejar aprender, sentir interesse e estar envolvida no processo.
Desse modo, Cunha (2008) afirma que o professor deve planejar metodologias que mobilizem
a necessidade de aprender nos alunos. A Literatura infantil oportuniza esse envolvimento,
uma vez que proporciona desenvolvimento emocional e sociocognitivo das crianças, sendo
que ler para elas é abrir as portas para a percepção e o entendimento do mundo.
No Ensino de História, podemos utilizar a Literatura como fonte em sala de aula, uso
que permite, por exemplo, o conhecimento sobre narrativas de outros tempos e espaços, as
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possibilidades de histórias marcantes, despertando a curiosidade e a criticidade, destaca


Fonseca (2005). Assim, neste artigo temos por objetivo refletir a relação entre ensino de
História e a fonte literária, delimitando reflexões para os Anos Iniciais do ensino fundamental.
Para isso, lançaremos mão da obra Madiba: o menino africano, dos autores Rogério Andrade
Barbosa.

2 LITERATURA E ENSINO DE HISTÓRIA

A Literatura infantil é importante para a formação do sujeito crítico, leitor e


consciente de si e do mundo; é fonte de integração do sujeito com a sociedade, uma vez que
esta ferramenta “transmite emoções e sentimentos de forma prazerosa, ao mesmo tempo que
educa e instrui para os princípios éticos e morais” (NÓBREGA; SANTOS, 2015, p. 35).
Bettelheim (2007) afirma que a história deve chamar sua atenção, despertar sua curiosidade,
deve desenvolver a sua imaginação, como também estar vinculada ao crescimento da sua vida,
com objetivo de encontrar na ficção o reconhecimento das suas dificuldades, mas, na mesma
medida. deixar o leitor ciente de soluções para os seus problemas.
No Ensino de História, ao utilizar a Literatura como fonte em sala de aula, é possível
permitir o conhecimento “sobre a história que não ocorreu, sobre as possibilidades que não
vingaram, sobre os planos que não se concretizaram” (FONSECA, 2005, p. 165). Além disso, é
considerada também como uma fonte/documento que proporciona o conhecimento sobre “a
realidade, as mudanças menos perceptíveis, os detalhes sobre lugares e paisagens, as
mudanças naturais, os modos de o homem relacionar-se com a natureza em diferentes épocas”
(FONSECA, 2005, p. 166). “Assim, como a História, a Literatura também possibilita elucidar
aspectos da cultura e da sociedade. Não esqueçamos que todo texto cria e constrói,
intencionalmente, realidades” (ANDRADE, 1996, p. 12).
Considerar a Literatura como fonte histórica é uma possibilidade para enriquecer o
desenvolvimento das propostas pedagógicas, entretanto, deve-se ter cuidado ao fazer essa
mediação, pois antes de introduzir a obra literária, no ensino de história, é preciso saber que
ela é uma fonte, assim como qualquer outra, e precisa, portanto, de questionamentos como –
Quem? Quando? Como? Onde? e Por quê? – para que as respostas possam buscar desenvolver
o conhecimento histórico (SANTOS, 2014). Para Andrade (1996, p. 12), a “Literatura constitui
chave para a investigação histórica de novos objetos e novos problemas. Nesse tipo de
documentação, podemos encontrar dados dispersos ou mesmo silenciados por outras fontes”.
O mesmo autor ainda afirma que “a História e a Literatura cruzam-se principalmente pela
importância do testemunho literário para a pesquisa histórica. Através da sua riqueza de
dados, a Literatura possibilita captar do cotidiano o real de uma sociedade (ANDRADE, 1996,
p. 12)”, auxiliando com um olhar mais estético sobre o social na construção crítica e reflexiva
da análise histórica, já que possibilita “reconstituir a vida cotidiana, desvendar contradições e
revelar divergências presentes nas relações sociais e nas suas representações” (ANDRADE,
1996, p. 13), como também estabelecer relações com outras áreas do conhecimento, como
política, sociedade, religião, representações sociais, problemas da sociedade etc. (RUIZ, 2015).
Neste sentido, ensinar, nessa perspectiva, é

ensinar a edificar o próprio ponto de vista histórico, significa ensinar a construir conceitos
e aplicá-los diante das variadas situações e problemas, significa ensinar a selecionar,
relacionar e interpretar dados e informações de maneira a ter uma maior compreensão da

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realidade que estiver sendo estudada; ensinar a construir argumentos que permitam
explicar a si próprios e aos outros, de maneira convincente, a apreensão e compreensão da
situação histórica; significa, enfim, ensinar a ter uma percepção o mais abrangente possível
da condição humana, nas mais diferentes culturas e diante dos mais variados problemas
(RUIZ, 2015, p. 77).

Assim, fica evidente que, para o ensino e a aprendizagem da História, a Literatura se


configura como uma fonte/documento que permite, dentre tantas possibilidades, construir
conceitos para refletir problemas sociais, cumprindo a escola, portanto, o seu papel social de
apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos. Além disso, por mediar a
construção de conhecimentos em outras áreas, permite o trabalho interdisciplinar, ao
possibilitar a compreensão da realidade. Nesse contexto, é importante ressaltar que “devemos
ficar atentos, no entanto, para que, no usufruto da LiteraturaLiteratura pela investigação
histórica, não abandonemos sua porção poética” (ANDRADE, 1996, p. 12).

3 CONHECENDO O LIVRO MADIBA

A Lei nº 11.645/2008, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira,


africana e dos povos indígenas no Ensino Fundamental e Médio, esclarece que durante todo o
currículo escolar o conteúdo programático incluirá diversos aspectos da história e da cultura
que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais
como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas
no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes
à história do Brasil (BRASIL, 2008). Além disso, pela Lei das Diretrizes e Bases da Educação –
LDB (1996), tem como princípio “Respeito à liberdade e apreço à tolerância” e a “Consideração
com a diversidade étnico-racial”.
A Literatura é fundamental para ampliar os conhecimentos como também para
formar a personalidade dos alunos; é um agente de conhecimentos e questionamentos sobre
a vida na sociedade, constituindo-se assim como uma fonte de saber histórico. Nas aulas para
o ensino de história o professor deve utilizar a Literatura como ferramenta de ensino e
aprendizagem para as crianças, para que estas se sintam instigadas a conhecer, a criticar,
questionar e se formar.
Nesse sentido, elegemos o livro “Madiba: o menino africano”, Figura 1, do autor
Rogério Andrade Barbosa, como fonte para o Ensino de História, o qual narra desde ainfância
de Mandela, até sua escolarização e formação como advogado. É evidenciada no livro a luta de
Mandela, quando adulto, contra o regime racista conhecido como Apartheid –
instaurado na África do Sul. Por sua militância, Mandela ficou preso durante 27 anos. Após a
queda do regime segregacionista, foi presidente da África do Sul e recebeu, em 1993, o Prêmio
Nobel da Paz (BARBOSA, 2011).

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Figura 1 – Conhecendo o Livro Madiba

Fonte: Barbosa (2011).

O autor do livro, Rogério Andrade Barbosa1, é formado em Letras pela Universidade


Federal Fluminense. O escritor do livro já morou em Guiné-Bissau, quando foi voluntário da
Organização das Nações Unidas. Com essa experiência, conseguiu trazer para o Brasil várias
histórias da tradição oral daquele continente, iniciando em 1987, com o lançamento de Bichos
da África, lendas e fábulas (Editora Melhoramentos). Como um estudioso do folclore nacional,
tem se dedicado não apenas aos contos africanos, mas também às lendas populares das
diversas regiões do Brasil. Em 2005 recebeu o Prêmio ABL de Literatura Infanto-Juvenil da
Academia Brasileira de Letras pelo livro Contos africanos para crianças brasileiras. Além disso,
sua presença em eventos nacionais e internacionais sobre Literatura infantil é frequente.
O livro em estudo foi lançado pela Editora Cortez em 2011 e contém 28 páginas. Foi
ilustrado por Renato Alarcão com traços e cores fortes durante todo o livro, buscando
aproximação com a realidade que estava sendo apresentada durante a história. Ao trabalhar
esse livro para o ensino da História, é possível conhecer a trajetória desse grande líder dos
povos africanos, as terras africanas, a origem e formação de Madiba, que é símbolo de luta e
resistência guiado pelos ideais de justiça e liberdade, o processo histórico da região de
Mandela, a exploração do trabalho nas minas de pedras preciosas, o regime de apartheid e a
luta contra o segregacionismo, enfim, a história contemporânea da África do Sul, sendo
possível mediar a construção do conhecimento de forma crítica e sobre a realidade.

4 POSSIBILIDADE DE APRENDIZAGEM SOBRE OS CONHECIMENTOS HISTÓRICOS

1
Biografia do autor consultada no periódico: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/405-rogerio-andrade-
barbosa.
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Como uma forma de organizar o ensino, a sequência didática possibilita planejar


situações pedagógicas com o objetivo de contribuir com o processo de ensino e aprendizagem.
Para Zabala (1998, p. 18), essa forma de organizar o ensino é definida como “um conjunto de
atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos
educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos pelos professores e pelos alunos”.
Corroborando Zabala, Oliveira (2013, p. 39) pontua que a sequência didática é apresentada
como “um procedimento simples que compreende um conjunto de atividades conectadas
entre si, e prescinde de um planejamento para delimitação de cada etapa e/ou atividade para
trabalhar os conteúdos disciplinares de forma integrada”, tornando-se, por conseguinte, um
recurso para o planejamento do professor.
Assim, como uma experiência para o ensino da História, foi planejada uma sequência
didática para o 5º ano de ensino fundamental anos iniciais, com o tema “a Literatura como
fonte para compreender a história de Nelson Mandela e sua representatividade na resistência
dos povos negros africanos”, a ser desenvolvida em sala de aula com a mediação do professor
e interação entre alunos-alunos e alunos-professor. Apresentamos a seguir algumas etapas
para desenvolvimento dessa sequência que não devem ser tomadas como uma prescrição, mas
um conjunto de possibilidades sobre o uso da Literatura nas aulas de História objetivando uma
educação antirracista.
- Conhecendo e se envolvendo com o livro Madiba: Este momento se iniciará com as
atividades de pré-leitura do livro, instigando e despertando a curiosidade das crianças,
realizando questionamentos. Além disso, é interessante construir um pré-vocabulário de
palavras que não estão no cotidiano dos alunos para que, ao escutá-las durante a contação, já
se compreenda o significado, já que no livro existem palavras africanas.
- Vivenciando a leitura do livro: momento de leitura do livro que deve acontecer em dois
dias diferentes para que não se torne cansativa. Ao término, deve ser solicitado às crianças que
levem de casa algum objeto de valor simbólico, que contenha uma memória e um significado
pessoal.
- Nelson Mandela: uma identidade de liberdade: os objetos devem ser recebidos de forma
que ninguém perceba quem os levou, serão colocados em mesa para realizar uma exposição.
Posteriormente, os estudantes irão escolher um objeto e criarão uma história sobre o objeto,
como se fosse o seu. Depois, em roda, contarão a história inventada e o aluno a quem o objeto
pertence irá contar a “história verdadeira”. Ao final, os alunos serão questionados se as
histórias são parecidas e se elas são importantes para formar quem somos. Neste momento
será discutido sobre as experiências pessoais e sociais com objetivo de introduzir a temática:
identidade. Em seguida a essas construções, os alunos serão instigados a pensar sobre a
identidade e história do menino africano presente no livro com perguntas como: Quem é
Nelson Mandela? Quem é o menino africano que está na capa, quem era o menino do livro?
Quem já conhecia Nelson Mandela? As informações podem ser registradas no caderno da
professora, posteriormente, os alunos podem ser instigados a procurar no livro as marcas
culturais e da personalidade de Mandela, solicitando que separem as frases que possam
demonstrar essas marcas e será feita uma lista coletiva, que será utilizada para construir o
perfil de Nelson Mandela.
- Entendendo a história do lugar de Madiba: este momento deve levar o aluno a perceber
qual o lugar que perpassa toda a história. Podem ser apresentadas imagens que possibilitem
ao estudante conhecer a África, como também será localizada geograficamente no mapa-
múndi (impresso em folha A1). Este momento será proposto para entender a história da
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África, levando-os a perceber que a localização geográfica tornava o país um ponto estratégico
no comércio entre Europa e Índia, o que resultou no início da colonização. Com isso, será
possível despertar o olhar crítico e perceber que esses países objetivavam recursos, explorar
os homens, impor as leis e segregar os nativos. Nesta aula, o professor deve buscar recursos
audiovisuais (vídeos ou imagens) para que os alunos percebam a segregação racial e
construam uma reflexão crítica perante esse fenômeno que ainda faz parte da construção
histórica e segregativa da sociedade. Todas essas provocações podem resultar na produção de
um texto coletivo.
- Mandela: o africano de todas as cores: este momento pode ser iniciado com
questionamentos sobre as cores do livro, por meio das perguntas: as cores no livro são
vibrantes? Será que têm um significado? Transmitem alguma ideia? Com intuito de
demonstrar que a presença de muitas cores é para representar os diferentes grupos da África
do Sul. A união dessas cores foi resultado de muita luta e resistência, pois um país que durante
três séculos viveu sob o domínio de uma única cor, precisa demonstrar em sua história o poder
das cores2. Depois os alunos serão instigados a pensar em palavras que apresentem ideias
contraditórias (exemplo: alegria/tristeza; paz/guerra), que serão anotadas no quadro e, para
cada uma delas, deverão pensar em cores para representar. Terminado esse momento será
entregue uma folha de papel pardo para que os alunos utilizando as antíteses escritas no
quadro ilustre cada uma com imagens de revistas para criar um mural que representará a
identidade do grupo por meio da participação de todos e construção de todos, pois era essa a
intenção de Mandela. Além disso, nesse momento com as cores escolhidas a professora pode
propor a (re) ilustração individual da capa do livro “Madiba: o menino africano”a ser entregue,
ao final, para a professora.
- O que é liberdade para você? Os heróis são reconhecidos por um povo pelos seus ideais e
pelo empenho que dedicam para realizá-los. A trajetória é sempre marcada pela dedicação e
luta. Em muitos casos, esse trajeto pode expressar violência, dor, morte, mas também é
possível vencer pela resistência. E os nossos heróis? Será realizado um diálogo com os
estudantes sobre quem são os heróis da ficção e da vida deles. Em seguida, em trios, eles
criarão os seus próprios heróis, identificando: qual seu nome; se terá identidade secreta;
contra o que vai lutar; qual a sua trajetória de luta. Cada trio escreverá um parágrafo para ler
para turma. Terminado esse momento, serão levantadas as características de um herói e
questionado: O que fez de Nelson Mandela um herói? Este momento levará os alunos a
refletirem sobre o que era o Apartheid, solicitando que eles procurem no livro o que era esse
sistema, qual a importância do seu fim, qual foi a trajetória de luta para que se colocasse um
ponto final nesse regime, quais foram os direitos conquistados para os negros, o que a luta
representou para a sociedade. Além disso, será construído um texto-suporte sobre o regime
utilizando as fontes abaixo, ou seja, à medida que forem falando as características, serão
realizadas anotações no quadro. Depois, será proposta a construção de uma esquete,
demonstrando a realidade dos negros na época do Regime, bem como a importância de Nelson
Mandela nesta luta.
- Os sonhos de cada um: Esta sequência será finalizada com a inspiração de leitura coletiva e
vagarosa do poema “Nossos Medos”, de Nelson Mandela, com intuito de levar os alunos a
pensarem que, assim como Mandela, todos nós temos sonhos e talentos que cultivamos, bem

2
Essa informação foi contextualizada por meio da pesquisa no Portal Sua Pesquisa disponível no link:
https://www.suapesquisa.com/paises/africa_do_sul/bandeira_africa_do_sul.htm.
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como apresentar a que mundo o poema se refere. Inspirados pela sua história, será proposto
que os alunos registrem seus sonhos em formato textual propondo um olhar sobre as
injustiças que mais os incomodam, e pedindo que observem seus talentos e os conhecimentos
que acreditam poder disponibilizar em suas vidas para tornar o mundo melhor. Assim, será
construído o livro dos sonhos, das mudanças e lutas da turma, acompanhado da (re) ilustração
proposta no momento “Mandela: o africano de todas as cores”, considerando que a arte foi e é
mobilizada por muitas pessoas para pensar e intervir no mundo.
Ao final da sequência didática será possível mobilizar e despertar os conhecimentos
dos alunos sobre Nelson Mandela e sua representatividade, assim como desconstruir “os
estereótipos e estigmas relacionados a esse segmento da população; produzir sentimento de
representatividade nas crianças afrodescendentes; proporcionar contato com as diversidades
raciais, geográficas, de gênero, de classe e linguísticas” (SOUZA; BOAKARI, 2018, p. 85).
Tais apontamentos permitem inferir que nas proposições pedagógicas cotidianas com
o ensino de História nos Anos Iniciais é possível utilizar a obra literária como
fonte/documento para o conhecimento e saber histórico. Por fim, a educação, como
mecanismo de transformação social, não pode ficar alheia a essa questão do racismo, pois,
como afirma Paulo Freire (2003), na ação docente o educador precisa propor mecanismos de
intervenções na sociedade. Essa sequência possibilita, de acordo com o pressuposto freireano,
a construção de uma pedagogia e didática antirracista.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por objetivo refletir a relação entre ensino de História e a fonte
literária, delimitando reflexões para os Anos Iniciais do ensino fundamental. Para isso,
pensamos as possibilidades de aprendizagem sobre os conhecimentos históricos por meio da
leitura e trabalho acerca da obra literária: Madiba: o menino africano, do autor Rogério
Andrade Barbosa. Evidenciamos que esta pode ser utilizada como fonte/material didática com
potencial para aproximar-se do universo lúdico das crianças, despertando e mobilizando a
construção de conhecimentos de forma crítica para possibilitar a compreensão da realidade.
Para o ensino de História, o professor precisa desenvolver um olhar sensível e
perceptível e respeitar os limites das informações transmitidas, como também não trocar a
história real com a ficcional, por isso é importante observar e entender as metáforas presentes
na ficção. Assim, mediar a organização dos conhecimentos sobre a África é necessário para a
formação humana e o reconhecimento do continente Africano, estimulando a criticidade para
conhecer as terras africanas e perceber a importância do fim do regime do Apartheid para a
história.
Este trabalho interdisciplinar, além de proporcionar o conhecimento histórico e
ficcional, desperta o interesse no campo disciplinar, estimula a criatividade e criticidade, além
de ajudar os estudantes a compreenderem o mundo da realidade. Portanto, a Literatura pode
ser considerada como fonte histórica e uma possibilidade para enriquecer o desenvolvimento
das propostas pedagógicas, reconhecendo que o texto literário contém potencialidades que
contribuem para a análise histórica, social, política e cultural.

REFERÊNCIAS

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Santana, n. 14, p. 9-21, 1996.
BARBOSA, R. A. Madiba, o menino africano. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos Contos de Fadas. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
BRASIL. Lei n° 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm.
CUNHA, A. E. Afeto e Aprendizagem, relação de amorosidade e saber na prática pedagógica. Rio de Janeiro: Wak,
2008.
DOROTEIO, P. K. S. S. Ensinar história nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: desafios conceituais e
metodológicos. História & Ensino, Londrina, v. 22, p. 207-228, 2016.
FONSECA, S. G. Literatura. In:______. Didática e prática de ensino de História. Campinas: Papirus, 2012. p. 314-
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FREIRE, P. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. 2. ed. São Paulo: EdUNESP, 2003.
MANDELA, N. Nossos medos. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/pfdc/informacao-e-
comunicacao/eventos-1/igualdade-nao-discriminacao/comemoracao-dos-120-anos-de-abolicao-da-
escravatura/nossos%20sonhos%20-%20nelson%20mandela.pdf. Acesso em: 04 out.
2019.
NÓBREGA, D. G.; SANTOS, J. O. A importância da Literatura infantil para o aprendizado da leitura nos anos
iniciais. REBES, Pombal, v. 5, n. 2, p. 32-38, abr.-jun. 2015. ISSN 2358-2391
OLIVEIRA, M. M. Sequência didática interativa no processo de formação de professores. Petrópolis: Vozes, 2013.
Disponível em: faltou este dado
PIAGET, J. Aprendizagem e Conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979.
RUIZ, R. Literatura. Novas formas de abordar o ensino de história. In: KARNAL, Leandro. História na sala de
aula. São Paulo: Contexto, 2015. p. 75-94.
SANTOS, A. F. Entre fatos e artefatos: Literatura e ensino de História nos
encontros acadêmicos nacionais (1979-2007). Londrina: SciELO-EdUEL, 2014.
SOUZA, E. G. M.; BOAKARI, F. M. Resistindo ao epistemicídio: em busca de uma Literatura infantil afro-
brasileira, moçambicana e angolana. Revista Mulemba, Rio de Janeiro, UFRJ, v. 10, n. 19, p. 82-98, jul.-dez. 2018.
STENGEL, R. Os caminhos de Mandela: lições de vida, amor e coragem. São Paulo:
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ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Tradução de Ernani F. da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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Representatividade nas páginas do livro didático sobre as religiões


e cultura de matriz africana

José Luiz Xavier Filho


Prefeitura Municipal da Lagoa dos Gatos – PE
jlxfilho@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Os currículos escolares, tem ainda insistido trabalhar a História tradicional do


Ocidente, limitados por uma visão eurocentrista, e quase sempre trata como não relevante a
história de outras regiões do mundo a exemplo da África. Esse olhar, que tem subordinado e
diminuído a importância de outros povos apresenta a Europa como eixo do movimento
evolutivo, impulsionado desde a Antiguidade, época em que a região mediterrânea era
definida como o centro do mundo.
A África desde então, passou a ser vista como distante, como a região dos “homens de
faces queimadas” (DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2004, p. 56). Daquele período até o final da Idade
Média, especialmente com a religiosidade cristã medieval, ganhou impulso a associação da cor
negra ao pecado e ao demônio, firmando a visão preconceituosa em relação aos povos
africanos. Para confirmar essa “inferiorização” da África, apontada como a região do mal, havia
ainda uma passagem bíblica do Gênesis, a qual os referidos autores fazem menção:

Cã, segundo filho de Noé, exibiu-se diante de seus irmãos, gabando-se de ter visto o sexo
de seu pai, quando esse se encontrava bêbado. Para castigá-lo, o patriarca amaldiçoou
Canaã, filho de Cã; ele e sua descendência se tornariam servidores de seus irmãos e sua
descendência. Eles migraram para o sul e para a cidade das sexualidades malditas:
Sodoma. Depois atingiram Gomorra. Lendas contam que os filhos dos filhos dos
amaldiçoados foram viver em terras iluminadas por um sol que os queimava, tornando-os
negros (DEL PRIORE & VENANCIO,2004, p. 59).

A ideia de supremacia europeia trouxe ideologicamente a inferioridade de outras


culturas, especialmente as africanas, consolidou-se durante a Idade Moderna, quando a
Europa passou a centralizar o poder econômico, político e militar mundial. Por séculos
prevaleceu a mentalidade de enquadrar os africanos num grau inferior da escala evolutiva, a
mesma que classificava os vários povos em avançados e atrasados ou civilizados e primitivos,
a exemplo do que foi disseminado sobre os africanos no imaginário de muitos brasileiros.
Além dos indisfarçáveis interesses de conquista, exploração e dominação, esse discurso
tradicional encobria as diversidades e características próprias dos povos africanos,
decorrentes de milênios de sua história. Os africanos que vieram para as Américas, em
condição de escravizados, embora no mesmo período colonial tenha havido uma pequena
imigração de africanos livres, provinham de diferentes povos que pertenciam a variadas
culturas. As suas práticas religiosas eram, em alguns casos, assemelhadas e, em outros,
bastante diferenciadas.
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Neste artigo, objetivou-se analisar a partir da visão do conteúdo programático do livro


didático, as possibilidades do professor trabalhar a cultura africana e afro-brasileira na sala
de aula do Ensino Fundamental dos Anos Finais, em função dos seus valores de vida e do
desconhecimento sobre o assunto, combatendo assim o aumento da discriminação racial na
escola.

A construção do conhecimento histórico em sala de aula

O ensino de História nas escolas de Ensino Fundamental não se limita a uma mera
submissão ao conhecimento produzido pelos historiadores. Nas escolas, alunos e professores
geralmente dialogam com os conhecimentos eruditos da História, produzem e (re)produzem
conhecimentos históricos. Os professores, então, não são meros reprodutores de
conhecimentos produzidos por pensadores que se encontram fora do ambiente escolar. A
velha noção de divisão do trabalho entre os que pensam e os que executam o pensado não se
enquadra nesse caso.
Os professores, então, cumprem um significativo papel de (re)produzir conhecimentos
eruditos importantes para a sociedade, ao mesmo tempo, são pensadores que produzem
conhecimentos no espaço escolar. Por isso mesmo, ainda tem sido recorrente a valorização de
uma qualificada formação e uma vez bem formados serão para desempenhar as inúmeras
tarefas que lhe são atribuídas. Contudo, o ambiente escolar apresenta-se desafiador ao
professor para a abrangência de novos conhecimentos face ao que se demanda da própria
sociedade representada pelos alunos para ampliação e/ou aquisição de novas aprendizagens.
Rüssen (2006) afirma que o aprendizado da História não deve se limitar à aquisição do
conhecimento histórico como uma série de fatos objetivos. Para além dessa perspectiva, o
conhecimento histórico deve atuar como regra nos arranjos mentais tornando-se, de forma
dinâmica, parte integrante da vida do sujeito. Em outras palavras, o conhecimento histórico
não significa simplesmente o acúmulo de uma quantidade de informações relacionadas a fatos
do passado.
Na perspectiva da consciência histórica, o conhecimento histórico deve servir como
uma ferramenta de orientação temporal que levaria a uma leitura do mundo no presente e
embasaria uma avaliação quanto às perspectivas de futuro alicerçadas nas experiências
humanas do passado. Desse modo, aqueles que desenvolveram a consciência histórica não
conheceriam apenas o passado, mas utilizariam esse conhecimento como meio para auxiliar a
compreensão do presente e/ou “antecipar”, no plano mental, o futuro em forma de previsão
pertinente (MEDEIROS, 2006; BARCA, 2006).
É sob essa perspectiva, que nos debruçamos sobre a relevância da abordagem do nosso
objeto de estudo. Tendo a consciência de que as religiões afro-brasileiras podem ser
construídas em sala de aula, através e inclusive, a partir das narrativas de alunos e professores,
não se atendo apenas ao livro didático. E neste sentido, diagnosticaremos as discriminações
históricas a respeito. Por outro lado, as mudanças exigem novas possibilidades que se tornam
inseridas no cotidiano dos estudantes do Ensino Fundamental (Anos Finais). Neste sentido
busca-se na escola o conhecimento sobre as religiões de origem africana por serem
questionadas até por professores ao desconhecerem o conhecimento, não somente como
responsáveis, por falta mesmo de Formação atualizada. É o que se espera no cotidiano escolar.

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O livro didático como agente facilitador em sala de aula

Assim visto nas pesquisas há algumas décadas o livro didático não é um instrumento
moderno, estudos comprovam que, na metade do século XVI, já existia uma preocupação em
adotar livros adequados para a prática de transmissão de conhecimentos.
No Brasil, o livro didático é controlado pelo Estado através da legislação desde 1938,
pelo Decreto n. 8.469. Não obstante os livros tem mudado no século atual, assim estes
instrumentos didáticos só podem ser adotados com a autorização do Ministério da Educação.
Ou seja, o livro deve cumprir o papel de estimulador da cidadania, produzindo efeito contrário
a todo e qualquer tipo de preconceito e discriminação dentro ou fora da escola com se tem
registro de imagens de livros didáticos dos anos 40 (BITTENCOURT, 1993) onde o índio era
visto como passivo , inferior , Por sua vez os negros eram apresentados sempre em trabalhos
“pesados” no campo, disseminados a indicar dificuldades na aprendizagem quando as
pesquisas dos anos 40 e 50 já mostravam visões, se bem que isoladas ideologicamente, de
grandes destaques na sociedade brasileira quer seja na arte, no teatro, nas grandes obras, na
literatura, e outros campos. (NASCIMENTO, 2017)
Isto quer dizer que, está presente na maioria dos livros didáticos, formas de
discriminação ao negro, além da presença de estereótipos, que equivalem a uma espécie de
rótulo utilizado para qualificar de maneira conveniente grupos étnicos, raciais ou, até mesmo,
sexos diferentes, estimulando preconceitos, produzindo assim influências negativas, baixa
autoestima às pessoas pertencentes ao grupo do qual foram associadas tais "características
distorcidas".
Por ser o principal portador de conhecimentos básicos das variadas disciplinas que
compõem o currículo dentro das escolas, o livro didático torna-se um dos recursos mais
usados em sala de aula, e um instrumento pedagógico bastante difundido, por isso facilita à
ação da classe dominante de registrar como quer e como lhe convém a imagem do negro na
sociedade brasileira. Caberá ao professor ter a preocupação com a forma pela qual o conteúdo
histórico é exposto nos livros didáticos, na medida em que possam contribuir para combater
as abordagens incompletas e estereotipadas das imagens dos afrodescendentes.

O conteúdo sobre África e cultura afro-brasileira no livro didático

Neste trabalho os livros didáticos escolhidos fazem parte de uma série publicada pela
editora FTD e foi adotado numa escola da rede pública. A diversidade cultural pontuada nos
livros pode ser percebida a partir de suas capas. Vejamos:

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Figura 1 – Sequência de imagens de livros didáticos

Fonte: Editora Saraiva.


(Disponível em: <https://www.saraiva.com.br/historia-sociedade-cidadania.html>).

Nas observações da professora que trabalha em escola pública no município da Lagoa


dos Gatos, alunos do 6º ao 9º ano, as capas dos livros causaram grande impacto às crianças,
principalmente do livro do 7º ano que traz a imagem de uma criança africana. Foi necessário
abordar em sala de aula a cultura diferente de alguns países e a forma como as pessoas se
vestem, se cuidam e se embelezam. Dentre as capas, a mais criticada e observada pelos alunos
foi esta. Frases como: “Que criança feia” ou “Parece que passou cocô no cabelo” foram ditas.
Ao longo do ano, a professora aproveitou alguns momentos para elogiar,
“despretensiosamente”, a criança da capa, na tentativa da mudança de olhar diferente o belo.
Sobre essa questão do belo, também foi trabalhado em outra disciplina, a de Língua
Portuguesa, para desmitificar o padrão de beleza que as crianças acreditam que exista. A
imagem da capa do 9º ano, última série do Fundamental Anos Finais, já leva aos alunos a
perceberem a união entre nossas diferenças, exemplificando a necessidade da paz entre nós,
com a simbologia de uma pomba branca.
Passemos ao conteúdo das obras:
No livro do 6º ano são abordados os seguintes temas sobre África e cultura afro-
brasileira:
• A valorização das matrizes africana e indígena (uma página com imagens citando o
Tambor de Crioula do Maranhão);
• Patrimônio cultural (uma página com atividade sobre a capoeira);
• Patrimônio cultural (uma página com atividade sobre o frevo, enfatizando a origem
da dança na capoeira);
• Os primeiros hominídeos (uma página a qual faz referência à origem da
humanidade no continente africano);
• Da África para outros continentes (quatro páginas que abordam a origem do
homem e como ocorreu a povoação dos continentes com suas hipóteses de rota a
partir da África);
• O Egito Antigo e o Reino de Kush (um capítulo abordando esses dois impérios,
contendo duas páginas e meia falando sobre a religiosidade egípcia);
Percebe-se, portanto, que o livro do 6º ano aborda muito superficialmente sobre a influência
da cultura afro-brasileira, apenas quando se trata de patrimônio cultural, mas em nenhum
momento fala-se sobre religiosidade afro-brasileira. Apesar de abordar a mitologia egípcia,
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essa não faz parte de nossas influências. Aqui, neste espaço, cabe ao professor ou professora,
abrir espaço para o debate sobre a mitologia dos orixás, para que os estudantes entendam que
existem várias mitologias, a exemplo da egípcia, grega, germana e iorubá.
No livro do 7º ano, temos:
• A unidade 1 inicia com o tema diversidade e discriminação religiosa, no entanto, dá
ênfase à tríade islamismo-judaísmo-cristianismo. A ideia é introduzir o conteúdo da
Europa Medieval a partir do entendimento da intolerância religiosa, visto que o
capítulo se encerra com o tema das cruzadas, guerra religiosa a qual envolvia essas
três religiões.
No entanto, nesse início de unidade, a professora pode discutir sobre o atual contexto
que vivemos no Brasil, onde as religiões de matriz africana são duramente perseguidas por
religiões cristãs.
• Povos e culturas africanas: malineses, bantos e iorubas (um capítulo que aborda
esses reinos africanos e as influências culturais que eles trouxeram para o Brasil).
Apesar de toda a influência religiosa que esses povos nos trouxeram, o livro perde até
novo programa a oportunidade de aprofundar o assunto e não fala em Candomblé, por
exemplo. Porém, o debate pode ser sugerido em sala para que possam ser abordados o
Candomblé e Umbanda, Jurema, por exemplo. Na ocasião pode ser feita uma investigação para
descobrir se existem adeptos dessas religiões em sala de aula.
• A economia açucareira (seis páginas abordando sobre a mão de obra escrava no
Brasil colonial);
Esse tema já é muito usual nos livros didáticos de uma maneira geral. A novidade seria
aprofundar o conteúdo fazendo uma relação da mão de obra nos tempos do Brasil Colonial
com os dias atuais. Pode-se trabalhar, neste caso, o mercado de trabalho para negros e negras
do Brasil, o índice de escolaridade, de presidiários e a situação atual do negro no Brasil.
Neste capítulo não há nenhuma menção sobre a dimensão religiosa afro-brasileiras e
suas dificuldades ao serem trabalhadas nas escolas. Há um silêncio nesse aspecto. Também
seria uma oportunidade de estudar sobre este tema.
O livro do 8º ano aborda as seguintes questões relacionadas aos negros e à África:
• Africanos no Brasil: dominação e resistência (um capítulo que trata da escravidão,
do tráfico de escravizados, do trabalho, da violência, da resistência e dos
quilombos).
O momento em que se fala em resistência poderia ser abordado sobre a resistência
religiosa, que apesar de proibições e perseguições, as religiões de matriz africana resistem até
os dias atuais. Como o livro deixa a desejar neste sentido, a professora pode levantar o debate
em sala de aula.
• A sociedade mineradora (uma página que aborda os escravizados da região das
minas).
Nesse trecho de capítulo, pouco se fala sobre a religião, as festas e a resistência.
Apenas uma breve menção sobre a congada.
• Conjuração Baiana (duas páginas que abordam brevemente sobre a presença da
população afrodescendente em Salvador).
• Revolta dos Malês (duas páginas que tratam da revolta escrava considerada a mais
importante do Brasil). A seção esclarece o motivo pelo qual a revolta fica conhecida
como Revolta dos Malês e traz algumas imagens de africanos e afro-brasileiros.

SUMÁRIO
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• A pressão inglesa e o fim do tráfico (três páginas abordando o tráfico de


escravizados e a pressão que os ingleses passam a fazer à coroa portuguesa para
que o mesmo fosse extinto).
• A abolição (oito páginas que fazem um percurso histórico sobre o movimento
abolicionista, as leis que foram instituídas e a realidade que acontecia à época).

Por fim, no livro do 9º ano, os conteúdos abordados sobre nosso objeto de estudo são:

• Teorias racistas do século XX (uma página com atividade de interpretação de texto).


• O imperialismo na África (três páginas que tratam da exploração sofrida em regiões do
continente africano. Esse trecho também aborda brevemente a resistência dos
africanos através de rebeliões. As questões trabalhadas são mais políticas).
• A Revolta da Chibata (uma página e meia que trata desse episódio de resistência, face à
permanência de condutas escravagistas. Aqui não há espaço para falar-se em questões
religiosas).
• O nazismo na Alemanha (seis páginas que abordam esse momento histórico. Inserido
nesse contexto, brevemente a seção trata da superioridade da raça ariana).
• Independências: África e Ásia (um capítulo sobre o tema, sendo que sobre África são
seis páginas com atividades). Nesta seção, os aspectos trabalhados são o econômico e
político, sem espaço para as questões religiosas.
• Observamos que em todos os livros da série, os aspectos religiosos são deixados de
lado. Quando abordados, são abordados muito superficialmente. Das possíveis
oportunidades, dentro do conteúdo, o professor ou a professora deve levantar debates,
fazer pesquisas, expor o tema, independentemente do livro.

A aplicabilidade da Lei n. 10.639/2003

A Lei n. 10.639/2003 versa sobre a inserção do estudo da História da África e cultura


afro-brasileira e as resistências que percebemos em nossa prática, na abordagem sobre o que
se refere ao continente. Ora por estranheza, desconhecimento e discriminação, em sala de aula
observa-se uma recusa constante, uma negação por este conteúdo e esse diagnóstico é visível,
vindo de professores ou estudantes. Dispõe a lei 10.639/2003 em seu artigo 3º:

Art. 3° A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-


Brasileira, e História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de conteúdos,
competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e seus
professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedoras e
coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações e diretrizes
explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004 (DCN, 2004, p. 32).

O conteúdo exige que o professor tenha conhecimento e formação específica, o que


ainda não observamos na prática essa realidade. Na prática, a discriminação racial é retratada
nos conteúdos que são abordados nos livros didáticos, a exemplo do que apresentamos com a
série História: sociedade & cidadania. A série se atém ao passado escravocrata e apenas aborda
muito brevemente alguns aspectos e heranças da cultura afro-brasileira. Neste contexto,
questões religiosas são deixadas de lado e o candomblé, sequer é mencionado nos livros.
SUMÁRIO
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Em geral, em nossas escolas os conteúdos de história brasileira contam apenas uma versão
dos fatos históricos, pautada numa visão eurocentrista da descoberta de nosso país e do
desenrolar da economia daquela época, apresentando a história do negro apenas por meio
do negro escravo, do tráfico negreiro, um pouco das senzalas e muito pouco ou quase nada
do modo de vida e da ascendência africana (COUTINHO et al, 2008, p. 76).

É preciso entender que a história dos afrodescendentes vai além de um passado


escravocrata. É preciso que se apresente em temas e textos, o protagonismo, valorizando
aspectos históricos, culturais, religiosos, econômicos, sociais, intelectuais. E isso ainda está
muito aquém do ideal. Primeiramente, é necessário que os profissionais da educação superem
o racismo e o preconceito para abordarem o tema da religiosidade afro-brasileira, visto que
ainda se percebe no dia a dia a permanência de discursos discriminatórios que foram
perpassados ao longo de nossa história cristã. Essa característica faz com que muitos da área
da educação ainda considerem a religião africana uma prática demoníaca e profana,
desconsiderando o seu verdadeiro valor de relações de permanências, resistências, mudanças,
históricas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As religiões de matriz africana foram incorporadas a cultura brasileira desde há muito,


quando os primeiros escravizados desembarcaram no país e encontraram em sua
religiosidade uma forma de preservar suas tradições, idiomas, conhecimentos e valores
trazidos da África.
E assim como tudo que fazia parte deste universo, tais religiões, apesar de sua
influência e importância na construção da cultura nacional, também foram perseguidas e, em
determinados momentos históricos, até proibidas. Atualmente, os ataques mais expressivos
às religiões de matriz africana vêm das chamadas religiões ‘neopentecostais’, que comumente
as rotulam de ‘culto aos demônios’, ‘crendices’ e ‘feitiçarias’.
Toda essa ignorância com relação a essas culturas gera um ambiente propício para
intolerância, proporcionando sofrimento aos praticantes e a todos aqueles/as que fazem parte
da população negra, que tem o seu direito de pertença e identidade racial muitas vezes negado
em função do racismo.
Espera-se que a leitura deste artigo seja útil e ajudado os leitores a perceber a mistura
de etnias existente no Brasil e que a maioria das crenças são frutos dessa mistura. Que possam
reconhecer e valorizar a diversidade humana, partindo de um processo de conhecimento e
respeito de nossas identidades culturais, com o intuito de resgatar e fomentar atitudes
individuais e coletivas contra o preconceito e a favor do respeito às diferenças.

REFERÊNCIAS

BARCA, Isabel. Literacia e consciência histórica. Educar, Especial, p. 93-112. Editora UFPR. Curitiba, 2006.
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de
civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. (Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais).
BITTENCOURT, Circe Fernandes. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar.
Tese de doutorado em História Social, Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo, 1993.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC/SEF, 2004.
SUMÁRIO
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COUTINHO, Ana Cecília Porto Cunha et al. Raça, etnia e a escola: possibilidades de Implementação da Lei
10.639/03. Cadernos de Pedagogia, ano 2, v. 2, n. 4, ago.-dez./2008, p. 74-85.
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma introdução à história da África Atlântica. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2004.
MEDEIROS, Daniel Hortêncio de. Manuais didáticos e a formação da consciência histórica. Educar, Especial, p.
73-92. Editora UFPR. Curitiba, 2006.
NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo:
perspectiva, 2017.
RÜSSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectiva a partir do caso alemão. Práxis Educativa.
v. 1, n. 2, p. 70-16, Ponta Grossa, PR. jul.-dez. 2006.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 121

Currículo, mediação pedagógica e atitude historiadora: a utilização


de fontes históricas na Educação Básica

Eduardo José Neves Santos1


eduardoneves@usp.br

Tiago Ricardo Luciano2


tiago.luciano2@etec.sp.gov.br

INTRODUÇÃO

Pensar possibilidades de utilização de fontes na Educação Básica é questão basilar ao


planejamento do componente curricular de História no tempo presente. Refletir sobre as
relações entre o currículo, práxis pedagógica e a atitude historiadora são valorativas e
necessárias à orientação de procedimentos didáticos que visam a construção do senso crítico
e que estimulem o desejo de investigação por parte dos educandos. A este respeito, selecionar
documentos, promover adaptações – visando adequação de material – e eleger metodologias,
são algumas das tarefas cotidianas dos professores que se dedicam à “ciência do homem no
tempo” (BLOCH, 2001).
Este artigo vislumbra demonstrar algumas perspectivas de utilização de fontes em sala
de aula a partir da análise de duas dimensões: a) da escolha docente, que envolve realidades,
vivências e formações multifacetadas e; b) da aplicabilidade, que se refere as experiências,
dificuldades e desafios impostos às distintas etapas da formação básica, mormente, os anos
finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Contemplar a atividade docente de
preparação de sequências didáticas e seu reflexo no processo de ensino-aprendizagem é nosso
objetivo. Especialmente, o desenvolvimento da consciência história possibilitado pela atitude
historiadora preconizada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Currículo e Mediação Pedagógica

O currículo, entendido como documento norteador das práticas escolares, possui


caráter multifacetado e constitui-se em consonância com a realidade e objetivos das
instituições de ensino. Enquanto programa de atividades a serem desenvolvidas, os caminhos
possibilitados pelo currículo não são estáticos e pautam-se por distintas demandas que a
comunidade escolar apresenta e coloca como prioridade e necessidade. Nestes termos, apesar
de partir de um eixo estruturante, possibilita o diálogo e a inclusão daquilo que dota de

1
Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Professor de História – Prefeitura Municipal de
Lençóis Paulista/SP.
2
Mestre em Docência para Educação Básica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP, Campus Bauru); Diretor de
Escola – Prefeitura Municipal de Lençóis Paulista/SP; Professor de Ensino Médio e Técnico do Centro Paula Souza (CPS)
– ETEC Cidade do Livro.
SUMÁRIO
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significação e pertencimento o ambiente escolar, permitindo que seja constantemente


revisitado. (FERNANDES, 2007)
Para Rostas (2010), o discurso curricular deve ser entendido em vista das influências
de poder que se impõem às teorias do currículo, que por sua vez são permeadas por disputas
culturais e forças econômicas. Deste modo, argumenta que

Talvez seja um equívoco considerar que o currículo articula-se apenas entre as aspirações
da classe operária e a elite dominante a partir das necessidades de mercado, resumindo-
se em um discurso polarizado. Em verdade, essas aspirações perpassam pelas
necessidades dos grupos sociais que lutam pela sobrevivência de suas identidades,
principalmente as culturas que tendem a ser silenciadas pelo discurso hegemônico
(ROSTAS, 2010, p. 35).

Nesta acepção, o currículo é território de embate, onde as discussões acerca das


identidades ocorrem. Este entendimento salienta a complexidade da composição curricular,
não limitada a escolha de temáticas de ensino e a delimitação de disciplinas e áreas do
conhecimento. Destaca, sobretudo, as múltiplas esferas em que se articula e aponta para
análise dos documentos orientadores e normativos de maneira meticulosa, levando em
consideração as camadas organizativas do currículo e seu processo de elaboração e
legitimação.
Como argumenta Moraes:⁠

Já não podemos continuar com a visão simplista do conhecimento limitada à transmissão


de informações nos processos de ensinar e aprender. É preciso aumentar o número de
vozes que questionem as interpretações por demais reducionistas que distancia o
currículo de sua função principal, que o afasta dos aspectos relacionados às configurações
sociais da educação e das relações de poder delas decorrentes. Isto pressupõe, sem dúvida,
uma discussão mais aprofundada dos aspectos ontológicos, epistemológicos e
metodológicos que prevalecem na ciência, a partir das novas descobertas científicas e das
novas realidades ecológicas, humanas, políticas e sócio-culturais (MORAES, 2010, p. 292).

Pautado, destarte, por uma atuação social, a execução do currículo também se coloca a
partir de múltiplas possibilidades, que incluem o docente como elemento fundamental de sua
viabilização. Ao selecionar materiais, criar sequências didáticas e estimular a construção do
conhecimento dos estudantes de maneira abrangente e participativa, o professor desempenha
uma função de relevância que permite contemplar a realidade de seus alunos, reconhecer e
valorizar suas experiências e atribuir vida ao currículo.
Neste processo, em uma abordagem social do currículo, a mediação pedagógica se
destaca como prática significativa no processo de ensino-aprendizagem. O aluno é estimulado
e desafiado a construir seu conhecimento, e o docente enquanto facilitador, apropria-se de
nova função, que se distancia do papel tradicional de comunicação dos conteúdos
programáticos, tendo em vista a orientação para estudos. Como afirma Masetto (2000), a
mediação é

a forma de se apresentar e tratar um conteúdo ou tema que ajuda o aprendiz a coletar


informações, relacioná-las, organizá-las, manipulá-las, discuti-las e debatê-las com seus
colegas, com o professor e com outras pessoas (interaprendizagem), até chegar a produção
de um conhecimento que seja significativo para ele (MASETTO, 2000, p. 145).
SUMÁRIO
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Esta modificação de atitude requer uma grande mudança de mentalidade, que envolve
entre outras ações, a seleção de técnicas que enfatizam a participação dos alunos, o trabalho
em equipe, a pesquisa, o diálogo e desenvolvimento de habilidades, possuindo como
referência a concepção que a aprendizagem engloba “o desenvolvimento intelectual, afetivo
[e] o desenvolvimento de competências e de atitudes”. (MASETTO, 2000, p.143)
No escopo das práticas de mediação, o trabalho com fontes históricas em sala de aula se mostra
sugestivo, possibilitando avançar sobre conteúdos a partir de análises críticas de documentos
de distintas tipologias. O cotejo de dados e informações, o entendimento do contexto e a
elaboração de argumentos são fundamentais à atitude historiadora.

Fontes históricas e atitude historiadora

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por meio dos processos de identificação,
comparação, contextualização, interpretação e análise, sugestiona que o conhecimento
histórico desenvolvido nesta etapa de formação deve contemplar a atitude historiadora, que
não pode ser dissociada de um trabalho constante com distintas fontes de conhecimento.
Acerca desta questão, uma das competências específicas do componente curricular é
“elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação a documentos,
interpretações e contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens e mídias,
exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito”. (BRASIL,
2017, p. 398) A atitude historiadora aqui se configura como prática de entender a sociedade e
exercer a cidadania, já que os procedimentos característicos da disciplina de História
aparecem interligados com o exercício de atividades fundantes da vida social contemporânea.
A BNCC busca neste processo, trazer aos estudantes uma percepção crítica da
sociedade, ao mesmo tempo que destacar a necessidade de dialogar, pesquisar e compreender
para argumentar. A História se volta, dentro das Humanidades, não apenas à apreensão dos
conhecimentos do passado e sim como possibilidade de pensar as ações do homem no tempo
e relacioná-las com sua própria experiência, cultura e saberes, dotando-a de significação para
o aluno. Deste modo, refletir sobre as maneiras de se contar o tempo, os papéis sociais em
distintas temporalidades e as formas de registro, são questões que permeiam todo o conteúdo
programático sistematizado na Base.
Nesta linha, os aspectos do trabalho do historiador e a importância do trabalho com
fontes históricas são explorados no documento do Ministério da Educação nas primeiras
unidades temáticas do 6o ano e se estendem por todas as seriações do Ensino Fundamental e
Ensino Médio, assinalando que estes elementos são cruciais para o desenvolvimento do aluno
no componente curricular.
Se as fontes históricas são destacadamente um recurso relevante no ensino de História,
o papel do professor na seleção, adaptação e utilização de documentos evidencia-se e coloca-
se como ponto importante na preparação de aulas e na abordagem dos conteúdos. Estas etapas
são primordiais para que o trabalho seja estruturado e possibilite o aprendizado significativo
dos estudantes, isto é, que faça sentido e colabore para sua construção intelectual. Assim, como
argumenta Silva, “trazer para a sala de aula diferentes fontes para o uso didático permite ao
professor despertar a curiosidade dos alunos e ultrapassar a rotina teórica do ensino de
história, pautada tradicionalmente no livro didático e na reprodução maciça de conteúdos
pouco flexíveis” (SILVA, 2014, p.35).
SUMÁRIO
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A respeito da seleção dos materiais, o planejamento é questão fundamental. A


realização de sequências didáticas e planos de aula que especifiquem os objetivos de
aprendizagem, os procedimentos e quais fontes serão trabalhadas, colaboram para o
alinhamento entre as temáticas exploradas e as habilidades curriculares que se deseja
priorizar.
Com a difusão dos meios informacionais, os docentes podem se valer de gama variada de
fontes disponibilizadas por diversas instituições arquivísticas e museológicas na Internet. Uma
pesquisa apurada e fundamentada em sites especializados no momento de preparação das
aulas assegura que não se incorra em problemas decorrentes de procedência inadequada e
referências destoantes, o que muitas vezes ocorre quando se copia fontes de páginas de
conteúdo histórico geral sem análise minuciosa. (ROSA, 2011, p.18)
Tendo realizado a seleção do material, possíveis recortes e a escolha dos
procedimentos didáticos e metodológicos, a aplicação em sala de aula deve priorizar as
práticas de leitura e a elaboração de questões, sempre pautadas pelos referenciais que
constituem o saber histórico. Desta maneira, somente extrair informações não é satisfatório.
Avaliar, contextualizar, analisar e propor questionamentos são fundamentais. Como discorre
Prats,

É muito importante comparar criticamente as fontes utilizadas e reconhecer que o valor


que elas têm é determinado, em grande parte, pelas perguntas que fazemos sobre os dados
que oferecem sobre sua origem, ou sua relação com o tema de que tratam ou ao qual
pertencem.
Finalmente, é preciso demonstrar habilidade para utilizar fontes apesar de sua mutilação
e de suas imperfeições, assim como ter consciência do caráter das fontes, de seus diversos
usos e limitações, das circunstâncias de sua criação e se podem ser utilizadas outras
informações que sejam melhores. (PRATS, 2006, p. 7)

Nesta acepção, introduzir a utilização de fontes em sala de aula desde o Ensino


Fundamental, permite que os alunos constituam ao longo de sua trajetória na Educação Básica
a atitude historiadora.

Docência, fontes históricas e possibilidades para o Ensino Fundamental

Com o desenvolvimento e difusão dos meios de informação, o contato de professores


com as instituições de guarda se tornaram cada vez mais frequentes. Grande parte dos
Arquivos e Bibliotecas públicas no Brasil já possuem sítios na internet que possibilitam acesso
imediato a uma variedade significativa de documentos, que devidamente selecionados e
contextualizados em planos de aulas, são importantes instrumentos para introdução à
pesquisa e investigação histórica no Ensino Fundamental.
O Arquivo Nacional, por exemplo, possui rico acervo sobre a história nacional
digitalizado e com acesso via plataforma SIAN (Sistema de Informações do Arquivo Nacional).
A Biblioteca Nacional, por meio da BN Digital, disponibiliza periódicos, fotografias e
documentos manuscritos, além de artigos e uma série de outros dados auxiliares. O Museu
Imperial de Petrópolis, por intermédio do DAMI (Programa de Digitalização do Acervo do
Museu Imperial) permite o acesso a coleções de manuscritos, pinturas e impressos, além de
disponibilizar uma visita virtual às suas dependências. Obras raras e documentos que

SUMÁRIO
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constituem nossa trajetória histórica e política também podem ser consultados de maneira
remota na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Além das instituições e respectivos canais de atendimento citados, outros tantos
estabelecimentos executam ações similares, estendendo o bastião de possibilidades dos
professores no que concerne a acessibilidade às fontes históricas. Não obstante, o simples
contato com a documentação histórica não possibilita o desenvolvimento da atitude
historiadora. É preciso preparação por parte dos docentes para que as fontes selecionadas não
sejam utilizadas como ilustrações de dados conteúdos, mas como possibilidade de se avançar
sobre aspectos fundamentais à construção da narrativa historiográfica.
Priorizar o tratamento técnico e a abordagem investigativa são bons caminhos na
preparação das aulas no Ensino Fundamental. Isto é, selecionar documentos e metodologias
adequadas a cada tipo de fonte são fundamentais, do mesmo modo que promover adequação
a cada seriação, para que aquilo que foi escolhido seja inteligível pelos alunos.
Neste sentido, nos anos finais do Ensino Fundamental, uma introdução aos
procedimentos de pesquisa e a prática de cotejo de informações são fundamentais,
possibilitando que a posteriori, perguntas de maior complexidade sejam elaboradas. Tais
medidas permitem inicialmente o conhecimento sobre o fazer historiográfico e o
reconhecimento de distintos tipos de fontes e tratamentos. Em um segundo momento, coletar
informações explícitas e implícitas e realizar comparações são importantes para a construção
de argumentos por parte dos estudantes.
Outro elemento fundamental, é enfatizar o processo social de concepção das fontes e
contextualizá-lo temporal e espacialmente. Como argumenta Araújo

Ao aprender e compartilhar a ideia de fontes como práticas e expressão das práticas sociais
imbricadas no fazer-se da experiência social, articuladas ao desenvolvimento da história,
torna-me perceptível para novas questões, sensível a outras vozes e atenta às tensões
sociais na disputa por espaços e poderes. (ARAÚJO, 2009, p.103)

Nesta acepção, evidencia-se como as relações de poder e disputas sociais permeiam a


análise das fontes, questões que deve ser pontuadas e destacadas quando das orientações em
sala de aula. Deste modo, o entendimento destas referências, o estímulo à leitura atenta e à
formulação de questões a partir de documentos históricos devem então ser prioridades,
visando uma aproximação entre o aluno e a ciência histórica.

Experiência docente com fontes históricas no Ensino Médio

Refletir sobre as memórias silenciadas pela historiografia em sala de aula é


imprescindível para a formação crítica dos alunos. Apesar da pluralidade cultural presente na
composição da sociedade brasileira, a narrativa histórica, por muito tempo, silenciou a
memória das mulheres, dos indígenas, dos pobres, dos africanos e dos afrodescendentes.
Neste sentido, surgiu a ideia de desenvolver trabalho que pudesse colocar em evidência
parcelas da sociedade historicamente excluídas, com os discentes do Ensino Médio de uma
escola pública do interior do Estado de São Paulo.
As atividades foram realizadas no formato de sequência didática, visando colocar os
alunos em contato com documentos históricos e fomentar o desejo de investigação. Antes de
iniciar o projeto, que mobilizou toda a comunidade escolar, houve a fase de planejamento, em

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 126

que foi constituída uma equipe composta por três alunos e um professor responsável por
coordenar as ações.
Para ampliar o repertório do grupo de trabalho inicial e possibilitar aos alunos o
contato com diferentes tipos de documentos, a equipe foi inscrita na Olimpíada Nacional de
História do Brasil (ONHB), organizada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Uma das características da Olimpíada é explorar manuscritos, como cartas, e documentos
oficiais, além fontes visuais, como fotografias e pinturas. A ONHB também contribuiu no
sentido de abordar aspectos singulares, distantes da história tradicional, ou história dos
vencedores, nas palavras de Walter Benjamin (1996).
Em um segundo momento, o grupo foi ampliado para dez pessoas, nove alunos e um
professor. Os discentes foram selecionados de acordo com o interesse, após apresentação do
projeto nas turmas dos terceiros anos do Ensino Médio. Para instigar os debates com o novo
grupo, foi utilizado o samba-enredo História para Ninar Gente Grande, da Estação Primeira de
Mangueira, referente ao ano de 2019. A letra, de autoria de Wantuir, faz uma crítica a narrativa
tradicional e valoriza personagens como Dandara, Luiza Mahim e Chico da Matilde, o Dragão
do Mar, entre outras “páginas ausentes” da história oficial.
Após as discussões, estudos e planejamento entre o grupo de trabalho inicial, teve início
a mobilização com os demais alunos da escola. A primeira ação ocorreu com a apresentação
do tema central “memória silenciadas”. Em seguida, o grupo apresentou aos colegas a carta de
Luiz Gama a Lúcio de Mendonça. A missiva, transcrita em Menucci (1938), é permeada de
elementos autobiográficos:

Nasci na cidade de S. Salvador, capital da província da Bahia, em um sobrado na rua do


Bângala, por às 7 horas da manhã, e fui batizado, 8 anos depois, na igreja matriz do
Sacramento, da cidade de ltaparica. Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa
Mina (Nagô de nação), de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a 5
doutrina cristã. (...)
(...) Meu pai, não ouso afirmar que fosse branco, porque tais afirmativas, neste país,
constituem grave perigo perante a verdade, no que concerne à melindrosa presunção das
cores humanas: (…) [ele] pertencia a uma das principais famílias da Bahia de origem
portuguesa. Devo poupar à sua infeliz memória uma injúria dolorosa, e o faço ocultando o
seu nome. (...)

Na oportunidade, os discentes tiveram contato com a carta de Luiz Gama e puderam


conhecer parte da história de um intelectual negro e uma das principais figuras do movimento
abolicionista e republicano no Brasil. Além do debate sobre a importância de Gama, foi
possível destacar o papel de sua mãe, Luiza Mahim, e de movimentos como a Revolta dos
Malês, pouco enfatizada nos livros didáticos.
A segunda atividade proposta foi a apresentação de uma peça teatral inspirada em
Dandara, também citada no samba-enredo História para Ninar Gente Grande. A apresentação
foi uma adaptação de uma peça censurada pela Ditadura Militar no ano de 1977, cujo título
era Arena Conta Zumbi, que pode ser encontrada na plataforma SIAN (Sistema de Informações
do Arquivo Nacional). Apresentar personalidades negras, desconhecidas por muitos, contribui
significativamente para o ensino de história, tendo em vista que amplia a representatividade
em um país plural e ao mesmo tempo desigual.
Encerrada a primeira fase, o projeto abordou questões sobre a Ditadura Militar no
Brasil. Primeiramente foram selecionados documentos que indicam a presença do movimento
SUMÁRIO
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negro, de indígenas e operários no combate ao regime, demonstrando que a luta não se limitou
a setores da classe média, de maioria branca. Os sites da Comissão da Verdade da ALESP
(Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo)3 e Memórias da Ditadura4, foram valorativos
ao desenvolvimento das atividades, mormente por possuirem grande acervo sobre a temática,
que pode ser explorado em sala de aula.
Após a preparação dos materiais, foi organizada uma sala temática sobre a Ditadura
Militar, com diversos documentos sobre violação dos direitos durante a regime, como o
racismo presente em documentos do SNI (Serviço Nacional de Informação) e relatórios
confidenciais do DOPS/SP. A sala temática foi aberta à comunidade os alunos envolvidos com
o projeto puderam levantar questões sobre direitos humanos, valorização das fontes
históricas e resistência à pressão.
A partir da sequência didática apresentada, evidencia-se possibilidades do trabalho
com documentos em sala de aula e a desconstrução de narrativas excludentes a partir de
distintas perspectivas. Sendo que as plataformas digitais mencionadas anteriormente,
contribuiram significativamente para colocar os alunos em contato com diferentes
documentos e aguçar o desejo de investigação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, este artigo buscou discorrer sobre elementos basilares sobre a
utilização de fontes históricas na Educação Básica, destacando o papel do professor como
mediador no processo de ensino-aprendizagem. Nosso argumento principal é que as fontes
em sala de aula colaboram para aproximação dos estudantes às práticas de investigação:
analisando e comparando documentos, extraindo informações e formulando criticamente
questões. Acreditamos que tais procedimentos colaboram na criação de argumentos
fundamentados e pautados na compreensão do papel social que a História desempenha.

REFERÊNCIAS

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com as fontes no ensino e na pesquisa histórica. Campo Grande: Editora UFMS, 2009. p. 99–112.
BENJAMIN, W. Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.
BLOCH, M. Apologia da História, ou, O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministerio da Educação, 2017.
FERNANDES, C. O. Indagações sobre currículo: currículo e avaliação. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2007.
MASETTO, M. T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, J. M. (Ed.). . Novas tecnologias e
mediação tecnológica. Campinas: Papirus, 2000. p. 113–173.
MENUCCI, S. O precursor do abolicionismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.
MORAES, M. C. Complexidade e currículo: por uma nova relação. Polis, v. 9, p. 289–311, 2010.
PRATS, J. Ensinar História no contexto das Ciências Sociais: princípios básicos. Educar em Revista, n. spe, p.
01–20, 2006.
ROSA, M. R. Educação histórica, fontes históricas e novas tecnologias: descompassos e possibilidades. Àgora, v.
2, p. 13–24, 2011.

3
Cf. <www.comissaodaverdade.al.sp.gov.br>. Acesso em: 21. nov. 2020.
4
Cf. <www.memoriasdaditadura.org.br>. Acesso em: 21. nov. 2020.
SUMÁRIO
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ROSTAS, G. R. O currículo e as competências educacionais no Ensino Médio: a competência leitora e a prática


docente no IFMA. In: NASCIMENTO, I.V. DO; MORAES, L.C.S. DE; BONFIM, M. N. B. (Ed.). . Currículo Escolar:
dimensões pedagógicas e políticas. Sao Luís: EDUFMA, 2010. p. 35–52.
SILVA, J. M. DA. Fontes históricas em sala de aula: instrumentos para a prática da criticidade. Revista Profissão
Docente, v. 14, n. 30, p. 34–41, 15 maio 2014.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 129

História africana e afro-brasileira como prática antirracista

Viviane Aline Marcolino de Lima-UFRN


vivianealine62@gmail.com
Layson Gabriel Brito Silva-UFRN
laysongabriel@gmail.com

INTRODUÇÃO

No Brasil do século XXI a escola que conhecemos ainda reflete a educação do


colonizador europeu reservando para africanos, as populações negras e as/os heroínas/heróis
negras/os apenas o lugar de subalternidade e carnavalização em seus currículos, pois no
ambiente educacional ocorre o apagamento desses grupos. Dentro das paredes da escola
nunca houve lugar para a discussão crítica sobre nossos ancestrais vindos do continente
africano, além é claro da escravidão, prática essa, que foi e ainda é propagada como normal e
necessária para o desenvolvimento e “evolução” do Brasil enquanto sociedade, onde há uma
romantização de momentos históricos como a lei Aurea, a Declaração da independência e
entre outros acontecimentos que moldaram nossa estrutura social, que hoje é apresentada de
forma rasa, induzindo-nos a pensar que os negros tiveram um papel pouco relevante nos
processos de formação do país e enaltecendo sempre a figura de uma superioridade branca e
benevolente que lutou para construir um país igualitário.
Sabemos que hoje graças à manifestações feitas por ativistas do Movimento Negro e
coletivos políticos, organizados por pessoas que estão engajadas nas discussões étnico-raciais,
a sociedade se mostra cada vez mais aberta ao diálogo sobre estas questões. A escola é a
instituição responsável por proporcionar a seus sujeitos o contato direto com os elementos
que compõem a sociedade, tanto a nível ético quando a nível afetivo de relação com os pares,
sendo organizada por um currículo que orienta quais conteúdos e valores devem ser
trabalhados durante o ano letivo, segundo Tomaz Tadeu da Silva(2007) o currículo é o
elemento que vai guiar a prática docente dentro da escola e sabemos que a educação é um
direito garantido a todos, segundo a Constituição Brasileira. Porém, como a educação pode se
dizer igualitária quando sua estrutura fornece apenas um lado da nossa história? Por quais
motivos a verdadeira história não é contada?
Estudar as Histórias da África e dos Afro-brasileiros é um ato político. Nas palavras da
escritora nigeriana Chimamanda Adichie(2009), aceitar a influência europeia como única
verdade, disseminar uma única forma de se contar histórias e permitir que a história preta
seja contada apenas pela ótica do colonizador europeu, reforça os estereótipos apresentados
por eles. Esse conceito que a escritora nos apresenta, permite conceber que a perpetuação de
visões racistas, é gerada por estar extremamente enraizada na sociedade em que a história do
continente africano é constituída apenas de pobreza e miséria. Neste relato falamos sobre a
importância e o processo que conduzimos, pensando em como contemplar novas
possibilidades de educação acerca do ensino básico e de como esse ensino pode contribuir de
forma significativa para uma educação antirracista, tal como determina a Lei Federal nº

SUMÁRIO
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10.639/03, que torna obrigatório o ensino da influência africana e afro-brasileira para o


desenvolvimento social do nosso país.

Conhecendo a Escola e nosso projeto

Nosso trabalho se iniciou dentro de uma escola da rede pública de educação da cidade
de Natal-RN, a Escola fica localizada na zona oeste da cidade, oferta todos os anos do ensino
fundamental I, funciona no período integral e possui o Atendimento Educacional Especializado
(AEE), conta com uma sala de recursos multifuncionais, uma biblioteca bem equipada, uma
sala de informática e uma quadra poliesportiva. A instituição dispõe de um grande espaço
dentro das suas imediações e um corpo de funcionários que em sua maioria possuem
dedicação exclusiva na Escola.
Através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) tivemos a
oportunidade de trabalhar no turno matutino com a turma do 4ªano da Escola durante todo o
segundo semestre de 2018 e no ano seguinte, ficamos com a turma do 5ª ano durante todo o
ano de 2019, encerrando o contrato em janeiro de 2020. Embora tenhamos acompanhado a
transição da turma do quarto ano para o quinto, nossos alunos não foram os mesmos, por uma
questão de organização das turmas e a mudança de docente.
No PIBID fazíamos parte do núcleo das Diferenças que tinha como premissa trabalhar
com a diversidade que existe dentro da sociedade, onde o objetivo central eram atividades
desenvolvidas para a valorização das diferenças socioculturais, por meio do reconhecimento
das características individuais dos alunos. Nesse sentido, nossa atuação abordava aspectos das
diferenças, por meio de temáticas, tais como: a cultura afro-brasileira, questões acerca de
gênero, gordofobia, musicalidade, culturas e a homofobia.

METODOLOGIA

Iniciamos todo o processo com uma observação in loco. Ao começarmos as atividades


foi feito um questionário chamado “Quem eu sou e como me vejo” com o intuito de identificar
as questões de autoimagem que perpassavam àquelas crianças. Identificamos que as crianças
negras pintavam-se brancas nos seus autorretratos desenhados, também que havia muita
vontade de ter cabelo liso principalmente entre as meninas e uma das crianças que se pintou
negra expressou claramente seu desejo de ser branca.
A organização das aulas era feita através de um planejamento semanal, a escolha das
discussões iam mudando conforme a pertinência do que era observado na turma, mas a
questão étnico-racial sempre esteve presente, tanto evidenciada em aulas quanto no cotidiano
das intervenções.
Ao levarmos o assunto para dentro da sala de aula de uma escola pública, onde a grande
maioria das crianças tem a pele negra, podemos observar grande dualidade em relação às
opiniões dos pequenos. Quando são confrontados alguns sabem o significado da palavra
racismo e sabem que não é correto discriminar alguém por conta da cor da pele, no entanto
temos ainda uma forte influência dos costumes de nossa sociedade, principalmente associados
a estereótipos e padrões de beleza, onde uma pessoa negra nunca é colocada em evidência.
Um aluno negro em específico, relata não gostar de ser chamado de negro mas de “moreno”, e
que a mãe o orientou assim. Em conversa com a professora autora desse trabalho, a mesma

SUMÁRIO
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comparou seus respectivos tons de pele se declarando negra e o aluno visualizou que a sua cor
ainda é mais escura que a dela, mas não se sentiu confortável com a palavra negro.
Nas intervenções desenvolvidas buscamos trazer conhecimentos sobre África, mostrar
que ela não está tão distante de nós como pensamos e possibilitar que as crianças tenham
acesso a informações que os livros didáticos não nos contam. Para nos auxiliar recorremos a
literaturas, vídeos, curtas-metragens e afins. Desta forma, apostamos em materiais que
trouxessem reflexões e fossem ricos em representatividade, resistência e riquezas presentes
no continente.

Discussões referentes às relações étnico-raciais trabalhados dentro da sala de aula

Objetivando promover a inserção da história e cultura africana, afro-brasileira no


contexto escolar e incentivar a valorização da diversidade, buscamos refletir sobre a
importância da influência africana na formação da cultura e da arte no Brasil
Em nossa primeira aula situamos onde fica África. Sabe-se que muitas pessoas ainda
pensam que África é um país, não um continente, contar sua história é não reduzi-la a
estereótipos preconceituosos e ter ciência de sua grandiosidade enquanto nação milenar,
então para a trajetória de aprendizagens tratamos de desmistificar essa ideia e mostrar o quão
grandiosa ela é. Com a ajuda de um mapa múndi os alunos observaram o continente e puderam
perceber que lugares muito conhecidos por eles estavam ali, como por exemplo: Egito com
suas lindas e maravilhosas pirâmides, que já foi um objeto de estudo da turma sem que
soubessem que era de África e a ilha de Madagascar, onde todos da turma já haviam assistido
na animação produzida pela Dreamworks, porém poucos sabiam que fazia parte do continente
africano.
Falar sobre esse continente é também saber que lá existem várias comunidades e
povos, os alunos perceberam que não existe apenas uma cultura e que eles não são todos
iguais, nem todos negros, e que lá não há só pobreza e fome nem tampouco só deserto e seca,
ele apresenta um rico ecossistema com florestas, savanas e até montanhas.
Ao abordarmos as influências africanas em nosso país, contamos histórias de alimentos
deliciosos conhecidos aqui e que têm o dedinho de costumes africanos, como a feijoada, o
acarajé, a farofa que são todos originados das senzalas; o cuscuz que é uma variação do prato
árabe, da região norte da África. E as crianças que já conheciam a capoeira, se aprofundaram
mais em sua história entendendo como ela era um ato de resistência, e tivemos como
culminância desse encontro uma oficina de capoeira onde eles puderam ter contato também
com os instrumentos.
Também realizamos a exibição do filme “Dudu e o lápis cor de pele”, discutimos através
de uma roda de conversa a questão da identidade étnica que o personagem busca no curta e
qual a cor de pele está sendo representada através do lápis de cor. Durante a roda buscamos
alguém que tinha a pele parecida com a do personagem Dudu e lançamos mão de uma caixa
de lápis com vários tons de pele, onde foi evidenciado pelos próprios estudantes que todas as
cores representam peles possíveis e refletimos por quais motivos, e onde aprendemos a
chamar o lápis daquela cor.
Em mais um de nossos encontros trouxemos a discussão sobre o racismo na mídia, na
escola e na sociedade, identificando junto com as crianças as possíveis situações racistas, as
causas do racismo na infância e adolescência assim como suas consequências; Questionamos
os estereótipos associados à mulher negra e como o povo negro é representado na mídia.
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Assim iniciamos a reflexão sobre as pessoas negras que as crianças veem na tv. Após elas
citarem alguns exemplos de pessoas negras na mídia e perceberem que este número é bem
menor que o de pessoas brancas, foram colocados como principais papéis realizados por
pretos na tv: Empregada, escrava, cantora e passistas em escola de samba.
O curta “Cores e botas”, foi apresentado à turma. Ele trata de uma menina que sonha
em ser paquita, mas que se encontra com a realidade do racismo na escola. Contextualizamos
os anos 80 e mostramos as paquitas evidenciando que não haveria nenhuma negra entre elas.
Com a turma dividida em grupos, perguntas suleares foram também divididas para que
pudéssemos promover a discussão sobre a situação da personagem e fazendo paralelos com a
realidade do Brasil. Ao final das discussões as crianças compartilharam suas opiniões sobre o
tema, levantando que o fato da personagem Joana ser uma menina negra não a impedia de ser
paquita, mas que na trama isso não foi possível por conta do racismo que estava exposto nas
atitudes dos personagens da trama.
Foi realizada também uma oficina de Abayomi. As bonecas são símbolo da resistência,
nos navios negreiros para amenizar a dor das longas viagens, as mães faziam bonecas com
pedaços dos tecido de suas saias para as crianças. Elas eram feitas apenas com nós e sem olho
e maiores características físicas para simbolizar toda a população africana sem estereótipo.
Todas as bonecas produzidas na oficina foram expostas na Mostra Cultural da Escola. Nesta
atividade os alunos montaram a boneca e tiveram contato com todos os materiais necessários
para a sua feitura, ao final da atividade foi relatado que a turma já tinha visto a boneca
Abayomi, pois ela havia sido abordada com a turma vizinha, mas que mesmo assim a
experiência de montar e conhecer a história foi bastante agradável e diferente para eles.
Mais uma vez tratando sobre racismo e mídias sociais, organizamos a turma em grupos e
propomos como tarefa montar um telejornal e entrevistar funcionários da Escola a fim de
saber qual a opinião deles sobre o racismo em nossa sociedade. As perguntas de cada grupo
foram propostas pelos próprios alunos bem como a função de cada um dentro da atividade,
auxiliados pelos professores autores deste relato, os grupos foram em busca das pessoas
escolhidas para entrevista, após as filmagens foi pedido aos alunos que escrevessem um
pequeno texto do o que havia aprendido com a atividade. Segue o relato de uma das alunas da
turma:

“Eu aprendi que todas as pessoas tem uma opinião diferente sobre o racismo, mas que
todas as opiniões tem o mesmo sentido que é que o racismo não é legal, essa experiência
serviu para me ensinar que assim que as pessoas sofrem racismo,é como uma doença que
você se sente oprimido e isso não é nada legal.”
Aluna do 5ºAno.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Com todas as nossas intervenções dentro da sala de aula nos foi possível observar
fatores que indicam mudança de comportamento dos sujeitos em relação às questões étnicos-
raciais, é pertinente relatar que com o passar das atividades e dos dias, observamos que
começam surgir personagens negros nas histórias criadas pela turma, algo que não estava
presente nas primeiras aulas. Na produção de um livro de histórias criadas pelos alunos onde
eles puderam escolher quaisquer temáticas já trabalhadas por nós, surgiram personagens
negros pelo menos na metade destas criações, apontando que eles começam a visualizar e
perceber a importância dos corpos negros na sociedade e de suas existências representadas
na literatura.

SUMÁRIO
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Houve claramente a ressignificação do termo “negro” onde alunos aprenderam que não
havia problema de pronunciar a palavra, assim como também mudaram o entendimento de
palavras racistas e xingamentos proferidos aos colegas com teor racista como “cabelo ruim”.
No referente à identidade os ganhos foram muitos, a turma pôde refletir e alunos
negros passaram a ter orgulho de sua cor de pele quando antes sentiam vergonha em se
declarar como pessoa negra. Quanto ao cabelo, percebemos que apesar de haver uma mudança
de olhar em relação ao cabelo cacheado e afro, as meninas seguiam alisando o cabelo,
sobretudo aquelas matriculadas no 5º ano.
Nesse sentido, a oficina de Abayomis representou um instrumento didático que pode
auxiliar o educador na práxis docente, demonstrando que é possível trabalhar a temática da
cultura africana e afro-brasileira de maneira lúdica, criativa, sem que haja a folclorização desta
questão trazendo uma história verdadeira e que representa um povo ancestral. Aliando ao
trabalho de gênero que já vinha sendo desenvolvido simultaneamente, todas as crianças
fizeram as bonecas, inclusive os meninos, numa turma que ao chegarmos ainda acreditava que
haviam brinquedos de meninas e de meninos. Consideramos essa atividade uma das mais
importantes por permitir, de forma lúdica, uma aprendizagem de descolonização de corpos e
saberes.
As atividades realizadas ao longo de nossa permanência no projeto, proporcionaram
uma mudança de postura dos estudantes diante do continente africano, seus saberes e suas
relações sociais no próprio contexto. Por meio das práticas adotadas, do espaço de
acolhimento e escuta, muitos alunos conversaram sobre situações que os deixavam tristes e
preconceitos sofridos, conseguimos atrair a atenção dos estudantes, possibilitando abordar
questões mais complexas e até pessoais, bem como ampliar seus conhecimentos acerca da
verdadeira história das culturas africanas, favorecendo assim, o fortalecimento da autoestima
e identidade étnica de alguns estudantes.
Em tom de conversa na sala de aula, já sabendo que o nosso trabalho na escola estava
acabando, questionamos sobre como se sentiram no processo, e dois dos alunos negros, um
menino e uma menina em particular, demonstraram extrema satisfação, pertencimento e um
lindo discurso identitário. Suas produções quanto a isso resultaram nos seguintes relatos:

“Professora antes eu não gostava da minha cor, mas agora amo minha cor,
tenho orgulho.”
Aluno, 5º ano

Em concordância com o colega, a aluna também mostrou grande sensibilidade com o


seu relato de aprendizagem durante o processo. Segue o relato:

"Eu gostei muito dessa experiência pois nunca tinha estudado sobre minha cor. Antes eu
já me considerava parda mas essa experiência me fez ver que minha cor significa muito,
mas tem gente que acha que é só uma coloração para pele boba, mas por conta desses
tempos de estudo consegui ver que minha cor não é só isso, minha cor tem direitos, eu
tenho direitos mas tem gente que não enxerga isso, essa gente zomba das pessoas, eu sofri
isso mas eu levava como brincadeira e nem ligava. Se as pessoas que sofrem isso levarem
como se nem ligassem, as pessoas que fazem não param por quê sabem que isso não lhe
“aflinge”. E essa é minha dica!"

SUMÁRIO
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Aluna, 5 ano1

Os demais alunos, mesmo aqueles que não possuem a pele negra, também expressaram
bastante satisfação ao participar das aulas ministradas pelos proponentes desse relato, e
ficaram bem satisfeitos com as metodologias e assuntos abordados durante o período de
vigência do projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, resta lembrar que África é somente o berço da nossa humanidade. Estudos nos
contam que o primeiro homo sapiens surgiu no continente e que estes construíram
civilizações, há registros que indicam migrações e assim os negros africanos foram povoando
o mundo. De forma resumida, essa exposição já nos dá conta de pensar que, a partir disso,
surgiram outras civilizações e também foram exportados saberes, culturas e invenções criadas
em África. Sabermos disso é extremamente necessário, consideramos o primeiro passo para a
construção de uma educação antirracista, além de uma afirmação científica fundamentada e
que nos oferece a possibilidade de negras/os e não negras/os perceberem que o mundo em
que vivemos hoje advém do continente africano. É urgente o entendimento de que a matriarca
de toda humanidade é o oposto dos ideais e padrões eurocêntricos, assim deixar de assumir o
discurso e o "estudo" apresentado pelo colonizador.
O povo preto não apenas descende de escravos, mas de homens e mulheres incríveis
que desenvolveram tecnologias como a escrita, as pirâmides, a ciência e muito mais. O
estereótipo precisa parar de ser alimentado, de alimentar o próprio racismo, inclusive para
as/os próprias/os negras/os conseguirem desconstruir a identidade apresentada ao encontro
da ancestralidade, deixando de ver tudo que vem do negro como negativo.
Enquanto estudantes de Pedagogia que ao entrar no projeto não tinham tido contato
no ambiente acadêmico com essas discussões, e que anteriormente na educação básica
também tiveram uma educação eurocêntrica, assim por sua vez reforçando e silenciando o
racismo, pertencente ao sistema, fortemente marcada e influenciada pela história única e pelo
mito da democracia racial; nos demos conta que a formação para os pedagogos não contempla
como deveria as relações étnico-raciais.
Percebemos nas professoras que nos receberam em suas salas a imensa vontade de
perpetuar o ensino antirracista e inclusivo (não só na perspectiva de pessoas com deficiência)
e que elas são exceções ao observar o trabalho de outras docentes, além de que há sim, uma
necessidade de aprofundamento nas questões para além de só um desejo. Nós, enquanto
licenciandos não estávamos sendo preparados para tal (tanto que colegas de outras escolas
relataram muitas dificuldades em trabalhar com os temas) e nem os professores atuantes
estão preparados a contento. Isso nos indica que esses docentes e nós, apesar de termos
cursado a escola em épocas diferentes, tivemos a mesma educação que apaga as pessoas
negras. A escola precisa ser reinventada.
Concluímos com isso, que os pedagogos devem ser preparados em sua formação para
lidar com a complexidade destas questões em suas práticas. Reforçamos que a Lei Federal nº
10.639/03 precisa fazer parte do cotidiano de toda a escola (O que fazíamos mesmo
trabalhando outros temas também) não apenas no dia da Consciência Negra e ela requer um

1
Nota dos autores: Os relatos foram escritos conforme a escrita original dos alunos.
SUMÁRIO
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investimento na formação docente, este perpassa inclusive pela revisão dos referenciais
teóricos da própria academia que nos forma, visto que as questões étnico-raciais estão
presentes diariamente em nossas vidas e não podemos nos desvincular dessas discussões
enquanto sujeitos.

REFERÊNCIAS

TOLENTINO, Luana. Outra educação é possível. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2018.
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia da Letras, 2019.
HAMPATÉ BÁ, Amadou. A tradição viva: História Geral da África, v. 1, SP, Ática/Unesco, 1980.
BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnicoraciais e para o ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, Ministério da Educação/Secad/Seppir. 2004
ENSINO de História da África ainda não está nos planos. Entrevista com Petronilha
Beatriz Gonçalves e Silva por Rute de Pina. Brasil de Fato, São Paulo, 8/1/2017.Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2017/01/08/ensino-de-historia-da-africa-ainda-naoesta-nos-planos-
pedagogicos-diz-professora/ Acesso em 01/11/2020
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.

SUMÁRIO
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Pedagogia cultural: a construção de um


perfil emancipador na educação

Rander de Souza Ferreira1


randersouza2013@outlook.com

Urano Augusto Lopes Ferreira da Silva2


urano_lopes@yahoo.com.br

“A pedagogia representa um modo de produção cultural implicado na forma como o poder e o


significado são utilizados na construção e na organização de conhecimento, desejos, valores. A
pedagogia, neste sentido, não está reduzida ao domínio de habilidades ou técnicas. Ela é definida
como uma prática cultural que deve ser responsabilizada ética e politicamente pelas estórias que
produz, pelas asserções que faz sobre as memórias sociais e pelas imagens do futuro que
considere legítimas.”
Tomaz Tadeu da Silva

INTRODUÇÃO

Neste ensaio, teremos como objetivo destacar a maneira pela qual a educação e
experiência segregaram a partir do século XIX, uma vez que ao criar às instituições escolares
essa relação se separa, de acordo com o historiador inglês Edward Palmer Thompson. Assim,
há o estabelecimento de poder que se constitui em aspectos culturais da burguesia europeia,
sobretudo na Inglaterra que impõe sua ideologia marcada pelos interesses políticos, sociais e
econômicos. Por conseguinte, teremos como foco a importância de recordar o passado como
forma de impedir que violências e barbaridades cometidas no passado se repitam no presente,
bem como destacar-se a importância da educação nesse processo.
É partir do Estudos Culturais e da Teoria Crítica, que buscaremos assinalar que o
esquecimento do passado é favorável aos grupos que estão no poder e que se beneficiam com
esta prática ao passo que seus privilégios são mantidos e reforçados. Desse modo,
compactuamos com a abordagem de Thompson (2002) que a experiência é feita de maneira
concreta com homens e mulheres, ou seja, educação é experiência humana. Portanto,
procuraremos destacar que a escola enquanto espaço de educação formal, é pensada e
estruturada para mascarar ou mesmo ocultar o caráter excludente do sistema capitalista, ou
seja, está a serviço da manutenção da ordem burguesa desde sua construção.
Ademais, os filósofos e sociólogos alemães Max Horkheimer e Theodor Adorno, ligados
à teoria crítica, apontam que nos séculos XIX e XX o conhecimento muitas vezes não serviu
para a emancipação do ser humano, não consistindo em forma de razão crítica. Por outro lado,

1
Mestrando PPGEdu/UFMT
2
Mestrando PPGEdu/UFMT
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foi tomado pela lógica da razão instrumental, também denominada técnico-científica, que se
estabelece através da técnica e da tecnologia como instrumentos para reforçar a dominação.
Nesse sentido, os educadores necessitam adotar a pedagogia da responsabilidade para
a constituição de um perfil que consiga promover emancipação entre os sujeitos, com
objetivos de compreensão das causas que levaram ao sofrimento e assim precaver para que a
barbárie não se repita. Sobre isso Adorno afirma,

A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma alto-reflexão crítica.
Contudo na medida em que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda, todo
caráter, inclusive daqueles que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância,
a educação que tem por objetivo evitar a repetição precisa se concentrar na primeira
infância (ADORNO, 2000, p. 2).

Entretanto, as crianças e jovens precisam desde cedo, conhecer as raízes do passado


para que entendam que a violência praticada contra grupos considerados vulneráveis e
subalternos, não se constitua como algo natural, mas como algo que é mascarado e planejado
entre as classes burguesas. No entanto, para que reconheçam que as perseguições e mortes
foram realizadas por pessoas que se consideravam como superiores a partir de uma lógica
eurocêntrica e assim se davam ao direito de eliminar quem era considerado inapto para estar
no convívio social. Por isso, essas raízes do passado precisam se tornar compreensíveis no
presente, como forma de impedir que as barbaridades já cometidas em outras épocas se
repitam e façam novas vítimas.
Desse modo, a crueldade presente em Auschwitz se repete todos os dias, com novas
configurações, assim podemos assinalar um desses exemplos que está no cotidiano da vida
das sociedades partir dos dispositivos estatais, que tem feito vítimas nos diferentes espaços
sociais. Assim, algumas camadas da sociedade ainda hoje reagem com naturalidade e frieza
diante a dor e o sofrimento do outro, resultado de uma educação que não educa para a
convivência e respeito da alteridade. Neste aspecto, Adorno destaca: “A exigência que
Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação.” (ADORNO, 1995, p. 1).
Evidentemente, para se pensar em um perfil educacional que consiga preparar para a
convivência e respeito mútuo é necessário que os sujeitos estejam comprometidos com a
realidade e que valorize, cotidianamente, o passado não deixando que este caia no
esquecimento. Aqui se promove a importância da ação do educador, como mostra Adorno:

No fundo, tudo dependerá do modo pelo qual o passado será referido no presente; se
permanecemos no simples remorso ou se insistimos ao horror com base na força de
compreender até mesmo o incompreensível. Naturalmente, para isso será necessária uma
educação dos educadores. (ADORNO, 2000, p.10-11).

Portanto, compreende-se que a memória do passado é primordial para impedir a repetição de


ações que provocam violência e dor nos indivíduos marginalizados que formam as castas das
sociedades. Obviamente, é impossível mudar o passado, mas é indispensável refletir acerca do que
está por vir, partindo do já vivido em outras épocas por outros grupos, assim a memória e o
pensamento são categorias essenciais para evitar repetições de injustiças contra as camadas sociais.
Mediante as facetas que foram mencionadas, fica evidente que a face perversa do
capitalismo se constitui ao longo dos séculos, persuadindo uma realidade na qual as camadas
populares são deixadas à margem da sociedade, em que pessoas desprovidas de bens

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materiais estão sujeitas a todas as configurações de violência e injustiças. Por isso, a partir da
educação formal pouco ou nada contribuem para que possam ter melhores condições na
qualidade de vida, uma vez que muitos ainda vivem sem os princípios considerados básicos:
moradia, saúde e educação. Para tanto, isso vem sendo naturalizado por uma parcela da
sociedade que com discurso meritocráticos contribuem para a enorme desigualdade social.
A partir das situações mencionadas acima, no ambiente escolar e fora dele os
profissionais educativos devem estar atentos através do fazer pedagógico cotidiano, com
maior comprometimento de suas ações/atitudes que priorizem por uma educação autônoma
e emancipatória. Visto que se não estivermos atentos as mudanças globalizadas que o modelo
econômico neoliberal se fundamenta suas ideologias nos espaços educativos, estaremos
fortalecendo a sua existência, uma vez que tenhamos adotado práticas pedagógicas de uma
educação bancária, que se reconfiguram dando sustentabilidade na engrenagem social. De
acordo com Freire, se os sujeitos não decodificarem tais transformações no modelo educativo,
tratarão seus pares como coisas:

A opressão, que é um controle esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do


amor à vida. A concepção “bancária”, que a ela serve, também o é. No momento mesmo em
que se funda num conceito mecânico, estático, especializado da consciência e em que
transforma por isto mesmo, os educandos em recipientes, em quase coisas, não pode
esconder sua marca necrófila. Não se deixa mover pelo ânimo de libertar tarefa comum de
refazerem o mundo e de torná-lo mais e mais humano (FREIRE, 1987, p. 37).

O modelo econômico perverso capitalista é extremamente excludente e opressor. Para


manter-se e fortalecer-se precisa de algumas instituições que ajudem a ocultar sua face
seletiva, uma delas é a escola. Assim sendo, há que se pensar que a educação pode também
contribuir para modificar a ordem constituída. Evidentemente que ela sozinha não consegue
promover uma grande ruptura na estrutura capitalista, mas tem possibilidades de educar para
a convivência, para o respeito mútuo, para o amor, para a promoção da vida.
Neste viés, dentro de uma sociedade, a educação tem o papel fundamentalmente de
transmitir os valores e a cultura de geração a geração, ou seja, transmitir os conhecimentos
necessários à sobrevivência das pessoas que compõem esta sociedade que sofrem com as
gritantes desigualdades sociais. A educação está presente durante toda a vida do indivíduo e
é primordial na formação do ser humano. Assim Brandão destaca:

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de


muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para
aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias
misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações
(BRANDÃO, 2007, p.1)

Dessa maneira, a partir dos Estudos Culturais, legitimamos a necessidade de


estabelecer a experiência e educação como um método indissociável. Pois assim, como
ninguém escapa da educação, ninguém escapa das mídias. Todavia, partimos do pressuposto
de que sociedade e cultura são terrenos de disputa e de que as produções culturais nascem e
produzem efeitos em determinados contextos. Assim, as mídias atuam na busca pela
compreensão do que produz significados e gera experiências, estando interligada com a
relação escolar na construção do conhecimento. Segundo Kellner:
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 139

Estamos convencidos de que a análise da cultura da mídia em sua matriz de produção e


recepção ajuda a elucidar suas produções e seus possíveis efeitos e usos, bem como os
contornos e as tendências dentro do contexto sociopolítico mais amplo. Visto que as
formas de cultura produzidas por grupos gigantescos de comunicação e entretenimento
constituem um aspecto imediato e onipresente da vida contemporânea, e como a cultura
da mídia é constituída por uma dinâmica social e política mais ampla, ao mesmo tempo
que a constitui-se, consideramos que uma excelente óptica consiste em elucidar a natureza
da sociedade, da política e da vida cotidiana de nossa época. (KELLNER, 2001, p.14)

Indubitavelmente, temos notado que tendências capitalistas se sobrepõem as


tecnologias, articulando-se na sociedade estabelecendo poder, bem como utilizando da força
para se permear nas culturas midiáticas, escolares, políticas, sociais, religiosas e etc. Para
tanto, os estudos culturais tem como foco mostrar as relações de poderes e práticas culturais,
expondo-se como o poder atua para modelar estas práticas.
Assim, a cultura não pode mais ser concebida como acumulação de saberes ou
processos estéticos, intelectuais ou espirituais, por outro lado a cultura deve ser vista de tal
maneira que se estenda para dentro dos aspectos da vida social dos sujeitos. Neste sentido, a
tentativa se faz de captar e compreender as complexidades no interior dos contextos sociais e
políticos. Se nos Estudos Culturais, a cultura é uma arena, um campo de luta em que o
significado é fixado e negociado as escolas sua maquinaria, seu currículo e práticas são parte
desse complexo.
Desse modo, educação, experiências e culturas são indispensáveis para as práticas
pedagógicas no processo educacional, bem como a real necessidade de estarem alicerçadas ao
modelo progressista no qual os sujeitos consigam desvincular das tendências capitalistas do
mercado consumidor e opressor das classes vulneráveis. Assim, a cultura de um povo se
restabelece na prática educativa constituindo a relação dialética entre professor e aluno. A
educação para Thompson se faz em diferentes espaços, como por exemplo:

“Toda educação que faz jus a esse nome envolve a relação de mutualidade, uma dialética,
e nenhum educador que se preze pensa no material a seu dispor como uma turma de
passivos recipientes de educação. Mas, na educação liberal de adultos, nenhum mestre
provavelmente sobreviverá a uma aula – e nenhuma turma provavelmente continuará no
curso com ele – se ele pensar, erradamente, que a turma desempenha um papel passivo. O
que é diferente acerca do estudante adulto é a experiência que ele traz para a relação. A
experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes radicalmente, todo o processo
educacional; influencia os métodos de ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos mestres
e o currículo, podendo até mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas
acadêmicas tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de estudo.” (THOMPSON,
2002, p. 13)

É nesta perspectiva que temos consciência de que não estamos com a


intencionalidade nenhuma de desprezar a escola ou seu desenvolvimento intelectual
institucionalizado. Para tanto, ponderamos que a escola, ao se estruturar e se legitimar como
uma instituição destinada a educar crianças e jovens, na Modernidade Ocidental, não age em
um vazio cultural, mas numa situação de grande densidade cultural, na qual as pessoas são
produzidas e reconhecidas como sujeitos na e da cultura. As sociedades humanas sempre
produziram modos de significar e reconhecer suas práticas educativas.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 140

Ademais, vivenciamos mudanças gigantescas nos diversos campos, porém tais


transformações tem prejudicado algumas camadas da sociedade, que em grande parte estão a
mercê dessas situações por inúmeros motivos. A educação por si só não tem conseguido
superar tamanho descaso que se prevalece entre os privilegiados e os não privilegiados, uma
vez que a falta de investimento no setor não favorece seu crescimento e outra situação que
para uma parte dessa sociedade a educação deve ser vista como um meio de incômodo e que
não deve ser responsabilidade do Estado.
Mediante a tais medidas elencadas, identifica-se que alteridade não tem nenhuma
relevância para determinados grupos da sociedade, uma vez que outro tem sido visto como
uma coisa e assim seu valor perde total sentido de existência no que tange a ganância do
Sistema Mundo Moderno. Por conseguinte, quando se nota tamanha perversidade em relação
a figura dos indivíduos, notoriamente os impactos se fazem presentes, sobretudo nas questões
econômicas e sociais, por outro lado, as questões representativas de determinados grupos já
se encontram estigmatizadas e banalizadas por aqueles que controlam os recursos. Assim,

na cultura popular e na mídia de massa, nota-se que algumas imagens são de publicidade
e ilustrações de revistas que utilizam estereótipos raciais datadas do período da
escravidão ou do imperialismo popular do final do século XIX. A pergunta que surge com
essa comparação através dos tempos é: os repertórios da representação em torno da
“diferença” e da “alteridade” mudaram ou as características anteriores permanecem
intactas na sociedade contemporânea? (KELLNER,2001, p.140)

Neste sentido, se faz jus a uma pedagogia cultural a partir da relação de educação das
experiências dos sujeitos se colocando como um meio educacional eficaz e que traga
resultados positivos as populações que estão sendo discriminadas, marginalizadas e
estereotipadas ao longo dos séculos. Pois, devido aos interesses econômicos dos países
colonizadores da época, muitos tiveram suas vidas ceifadas, tanto quanto em aspectos de
escravização por parte de uma Europa que se constituiu sobre as bases de suas colônias.
Assim, restaram resquícios em vários países no mundo das brutalidades que fizeram com os
negros, indígenas, homossexuais, judeus, ciganos e outros grupos.
Neste aspecto, ressaltamos que em pleno século XXI, com base no ATLAS da Violência 3,
inúmeras pessoas negras ainda são vítimas de racismo, ou injúria racial, que ainda as exclui
dificultando o acesso ao mercado de trabalho e a outros espaços sociais, as relegando à
pobreza e a condições precárias de vida. Incontáveis pessoas negras são assassinadas todos os
dias em diferentes contextos e quase ninguém se importa. A vida destas pessoas tem pouco
valor, a violência se banalizou, o amor ou a sensibilidade é inexistente frente ao desespero de
famílias que perdem seus entes queridos constantemente.
Atualmente, milhares de pessoas pelo país ainda se encontram sem desfrutarem do
acesso e continuação na escola, isto é, são excluídos, ou nem sequer entram numa escola, que
em vários casos se revela inóspita para muitos. Conforme as palavras de Eliane Cavalleiro; “A
globalização da economia aumentou o que se tem, impropriamente, denominado de “exclusão
social”, marcadamente pautada na cor” (CAVALLEIRO, 2000, p.11). Além disso, é um direito de
toda brasileira e todo brasileiro que não é consolidado, mesmo que a garantia a esse direito
esteja explicitamente oficializada e estipulada na Constituição como dever do Estado. Para a

3
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 141

sociedade brasileira fazer valer esse direito tem sido um desafio que requer inovadoras
soluções.
A cultura que representa uma sociedade, assim como as relações étnico-raciais,
enquanto informações a serem ensinados aos discentes e aos profissionais que atuam na área
da Educação, não podem ser desconsideradas ou negadas, uma vez que é um direito garantido
por Lei 10.639/034. Seguindo esse raciocínio, acrescentamos as palavras de Kabengele
Munanga:

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos
alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas,
principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles
também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Além disso, essa memória não
pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual
nos alimentamos cotidianamente é fruto de todos os segmentos étnicos que, apesar das
condições desiguais nas quais se desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na
formação da riqueza econômica e social e da identidade nacional. (MUNANGA, 2005, p.16)

Portanto perante estes fatos, distintos grupos sociais, assim como os vários
segmentos que compõem os Movimentos Negros no Brasil, nos últimos tempos, sobretudo a
partir do final do século XX, apontaram a escola como lugar primordial para socializar as novas
gerações e transmitir a elas: valores, hábitos, atitudes, posturas, conhecimentos acumulados e
constituídos ao longo da História. Contudo, na área educacional, a reflexão e as pesquisas estão
num patamar que apontam caminhos para que se possa combater o racismo efetivamente e
promover uma educação antirracista. É neste cenário sociocultural e político, no qual a
diversidade e as relações étnico-raciais estão inseridas, que surgiram algumas políticas
definidas como “Ações Afirmativas”, sancionadas com o intuito de reparar injustiças e
discriminações com relação a determinados grupos étnico-raciais.

A prática de reduzir as culturas do povo negro à natureza, ou naturalizar a “diferença” foi


típica dessas políticas racializadas da representação. A lógica por trás da naturalização é
simples. Se as diferenças entre negros e brancos são “culturais”, então elas podem ser
modificadas e alteradas. No entanto, se elas são “naturais” – como acreditavam os
proprietários de escravos -, estão além da história, são fixas e permanentes. A
“naturalização”, é, portanto, uma estratégia representacional que visa fixar a “diferença” e,
assim, ancorá-la para sempre. É uma tentativa de deter o inevitável “deslizar” do
significado para assegurar o “fechamento” discursivo ou ideológico. (KELLNER, 2001, P.
171)

Assim sendo, alguns grupos socias considerados vulneráveis e marginalizados,


continuam sendo injustiçados pela maneira que se estruturam as organizações sociais, apenas
moldando, adestrando, controlando e preparando para desempenhar com pujança seu papel
no processo produtivo. Portanto, evidenciamos que as classes estigmatizadas continuam
sendo submissas e ordeiras, para que os ricos mantenham seus privilégios. Educação voltada

4
BRASIL. Lei n.10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p.1, 10
jan.2003.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 142

à formação integral da pessoa humana é reservada apenas aos que detém o poder econômico
e político no mundo capitalista.
Por fim, ressaltamos que a educação por si só não tem papel decisivo, porém, não se
pode negar sua importância no sentido de promover debates e reflexões que apontem em
direção a um mundo em que as pessoas possam conviver valorizando a vida e não o lucro. Um
mundo onde se defenda o bem-estar de todos, e que todas as causas sociais que levam à
barbárie possam ser rejeitadas. E que o ato educativo se coloque em favor dos oprimidos dessa
sociedade, construindo outra forma de organização de sociedade mais justa e humana que
esteja pautada no educar para emancipar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deste modo, identificamos que a educação tem papel fundamental para conter as
práticas de injustiças no Brasil e no mundo. Obviamente, fará sentido se for capaz de se
posicionar contra toda a barbárie social existente, bem como considerar a relevância dos
profissionais educativos neste processo. Assim, há que se considerar que a educação sozinha
não pode ser apontada como a grande responsável pela transformação do atual modelo de
sociedade, mas ela é fundamental na luta contra toda forma de barbárie decorrente do atual
modelo social.
Todavia, as comunidades educativas devem prezar por práticas progressistas,
autônomas e de libertação, uma vez que sem estas ações não há possibilidade de educar para
emancipar. Por outro lado, os espaços de constituição de saberes precisam estimular os
sujeitos em direção a uma sociedade com justiça e qualidade de vida para todos. Assim, se faz
necessário que a educação vise promover o respeito mútuo entre as pessoas, e que esteja
voltada para a convivência e não para a competição.
Hoje, vivemos um momento em que o sistema econômico capitalista é incapaz de
assinalar soluções aos problemas mais básicos, como a violência, a fome, a saúde e a miséria.
Por conseguinte, um sistema como esse que só visa a lucratividade, promove a diminuição do
bem-estar e dos direitos fundamentais dos cidadãos. Neste arcabouço, nota-se outros graves
problemas como o retorno de práticas políticas autoritárias e conservadoras, o crescimento
da desigualdade de renda e riqueza, a acelerada degradação da natureza, e frente a tudo isso,
a educação precisa ter como objetivo tornar esta cruel realidade inaceitável, ajudando
desvendar os mecanismos que são utilizados para a sustentabilidade e manutenção deste
fenômeno.
Portanto, que o perfil do educador(a) deve estar pautado para uma prática
emancipatória e que seja capaz de promover a reflexão e a crítica ao atual modelo de
sociedade, pois isso é fundamental para a superação das condições de desigualdade e
dominação que caracterizam o Sistema do Mundo Moderno. Destacamos ainda que, no atual
contexto político em que vivemos, torna-se urgente que a educação se posicione contra toda a
barbárie social que se propaga nos diversos espaços sociais todos os dias, em nosso cotidiano,
afetando aqueles e aquelas que estão à margem de nossa sociedade.
Conclui-se que os Estudos Culturais e a Teoria Crítica são epistemologias fundamentais
para a formação dos sujeitos, uma vez que tais estudos possibilitam a criticidade em relação
aos mecanismos que estão sendo implantados nos diferentes segmentos e a educação é uma
dessas que continua sendo afetada por ações e métodos mascarados deste meio econômico
perverso. Por fim, ressaltamos também que educação, experiência e memória são
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 143

fundamentais para o ato de educar pela convivência. Para tanto, também podem ser maneiras
de resistir frente ao autoritarismo e ao conservadorismo que insiste em prevalecer nos dias
atuais e que interessa tão somente a grupos sociais que, historicamente, sempre foram
beneficiados com tais atitudes.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T.W. Educação após Auschwitz. In: Educação e Emancipação. 3 Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
ADORNO, T.W. O que significa elaborar o passado. In: Educação e Emancipação. RJ: Paz e Terra, 2000.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 2007.
CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação
infantil. São Paulo: Contexto, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.17 Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas. In:
Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. RJ: Jorge Zahar Ed., 1985
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia- estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-
moderno/ Douglas Kellner; traduação de Ivone Castilho Benedetti. Bauru, SP: EDUSC,2001.
MUNANGA, Kabengele. Algumas considerações sobre “raça”, ação afirmativa e identidade negra no
Brasil: fundamentos antropológicos. In: Revista USP – São Paulo, n.º 68, dez/fev, 2005/2006, p.46-57.
THOMPSON, E. P. (Edward Palmer), 1924-1993 T39 r Os Românticos / E. P. Thompson; tradução de Sérgio
Moraes Rêgo Reis. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

SUMÁRIO
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Práticas docentes no ensino de história em


João Pessoa durante a pandemia de 2020

Maday de Souza Morais Pereira1


madahistoria_jp@hotmail.com

Alyne Rosiwelly Araújo Figueiredo2


Universidade Federal da Paraíba
profaalynehist.jp@gmail.com

É difícil colocar em palavras um momento tão presente, sentido por meio dos noticiários
de cada dia que atualizam o número de mortes. (...) Não precisaríamos desenhar o pior dos
cenários para fazer valer aquilo que deveria ser a regra número da História: a empatia, o
exercício da cidadania. (...) Cito outro texto, agora da professora Alessandra Nicodemos:
"como garantir, em um país desigual como o nosso, acesso democrático aos dados e
instrumentos/ferramentas da cultura digital em contexto de educação"? (COSTA, 2020)

INTRODUÇÃO

A educação dos espaços institucionais, da sala de aula, do olho-a-olho professor(a) x


aluno (a) sentiu uma mudança radical neste ano de 2020. Como todos sabem um vírus se
espalhou por todos os continentes e aqui no Brasil sentiu-se e ainda são sentidas suas
consequências. Dessa forma, o presente texto tem como objetivo discorrer sobre a situação
educacional discente e docente diante do quadro instalado pós-pandemia, que afetou e ainda
afeta o mundo, tendo como ênfase experiências em escolas públicas e privadas de João Pessoa,
na Paraíba.3 São diferentes realidades. Diferentes sujeitos. Contudo, sabemos que a educação
básica possui objetivos em comum, independentes do lócus educacional, do material, da
metodologia, do professor, da teoria aplicada em sala de aula, etc. E esta é uma das
preocupações que afetam a toda comunidade escolar.
As escolas em diferentes locais, têm tido experiência de abertura e reabertura
constantes. O poder público, os sindicatos e as secretarias de educação e saúde vivem em
constantes debates sobre esta situação. O clima de insegurança quanto a um retorno e a

1
Mestre em História pelo Programa de Pós Graduação em História pela Universidade Federal da Paraíba
(PPGH/UFPB). Graduada em Licenciatura Plena em História na UFPB. Graduanda em Biblioteconomia pela UFPB.
Atua como Professora de História na Prefeitura Municipal de João Pessoa e na rede privada de Ensino.
2
Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação pela Universidade Federal da Paraíba
(PPGE/UFPB). Graduada em Licenciatura Plena em História na UFPB. Graduada em Licenciatura Plena em
Pedagogia na UniDBSCO. Membro do Núcleo de Estudos, Projetos e Pesquisas sobre Formação Docente
NEPESF/UFPB. Atua como Professora de História na Prefeitura Municipal de João Pessoa e coordenadora
pedagógica do Ensino Fundamental e Médio.
3
Este trabalho tem como base o debate sobre o Fundamental II, no que consiste nas turmas de 6º a 9º ano.
SUMÁRIO
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continuidade desse formato (ensino remoto e/ou Educação a Distância - EaD) cresce cada vez
mais. E no estado da Paraíba, mais especificamente, as aulas foram suspensas em 18 de março,
e a cada quinze dias tínhamos uma resposta governamental se retornaríamos ou não.
Compreendemos igualmente que o termo “práticas docentes” abrange diversos
significados, entre eles: a formação dos professores (que tem se dado igualmente de forma
virtual); a problemática que envolve o pagamento dos professores, tendo em vista que muitos
colegas tiveram seus salários reduzidos nesse contexto; a saúde física e mental da comunidade
escolar; a alteração do espaço-escola e as suas consequências; as (velhas) questões “Como
chamar a atenção das crianças?”, agora em formato digital; as conversas paralelas substituídas
no plano do chat do aplicativo; a obrigatoriedade e a eficácia do uso das mídias na sala de aula,
entre outros.
Diante dessas colocações iniciais, dialogaremos como se deram as práticas que
perpassaram o dia-a-dia escolar ao longo desses meses, no que diz respeito ao Ensino de
História, compartilhando esta relação entre os diferentes sujeitos educacionais (atuação dos
docentes e como se deu o parecer do alunado) nesse atípico processo de ensino aprendizagem.

Desenvolvimento

Em termos micro e macro, metodologias, práticas, currículos e teorias foram vistos e


revistos ao longo deste ano, na tentativa de dar vez e voz ao sistema educacional neste
contexto da pandemia, diante das discrepâncias sociais, econômicas, políticas e culturais que
circundavam e circundam a realidade da comunidade escolar em destaque.
Ao professor coube o papel de se inserir no campo das redes sociais e de aplicativos de
mensagens instantâneas para o ensino remoto e a EaD, ou melhor, aprender a reutilizá-las
como material educacional, e isso também ocorreu com o alunado. Dessa forma, a partir desse
contexto, a cultura material escolar é novamente modificada. A seguir, apresentamos como se
deu o desenvolvimento das aulas nos diferentes espaços institucionais.
As escolas, públicas e particulares adotaram diferentes medidas de retorno, entre elas,
considerar o tempo sem aula como férias e/ou recesso. O calendário se alterou em ambos os
espaços escolares (privado e público). Entretanto, neste último foi revista a divisão por
bimestre e permanece em aguardo de um calendário, para aplicação de exercícios de avaliação,
por exemplo.4 O tão chamado “ensino híbrido” segue até o momento sem previsão no sistema
público de ensino, e na rede privada segue em fase de organização e adaptação. Contudo, tudo
isso depende e dependerá de decisões fora dos muros escolares.
A escolha por se trabalhar com conteúdos previstos na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC)5; pela produção intensa de relatórios (com a participação/frequência dos
alunos, conteúdos trabalhados e metodologias desenvolvidas); o contato da escola com os

4 De acordo com os órgãos responsáveis pela normalização da educação nacional (Ministério da Educação – MEC
e o Conselho Nacional de Educação - CNE) temos as possibilidades de que o “ensino remoto funcionará até
dezembro de 2021, com a fusão dos anos letivos de 2020 e 2021, tendo como ênfase igualmente a flexibilização
da aprovação escolar”. Para o sistema público de ensino, até o presente momento de escrita deste texto, o ano
letivo de 2020 não terminará em 2020.
5 A BNCC “fornece informações sobre os direitos de aprendizagem durante a educação básica, tanto das escolas

públicas quanto das particulares. Com a nova reforma, espera-se favorecer uma crescente melhora na educação
do Brasil.” A lei é uma só. Na prática há a diversidade, no sentido negativo da palavra. A pandemia agravou ainda
mais essas peculiaridades.
SUMÁRIO
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alunos(as), e consequentemente, as famílias se estreitou, criando assim, mesmo em um clima


tenso diante do contexto, um relacionamento mais forte desses sujeitos educacionais – foram
fatores que se deram de forma igualitária no plano público e privado.
Para a rede pública as aulas têm sido ministradas através das redes sociais
(especialmente o whatsapp) e de aplicativos do Google como o meet e formulários. A rede
privada dispõe de uma plataforma digital, na qual muitos aplicativos já citados, e outras
ferramentas permitem uma maior interação do aluno.
A respeito da participação dos alunos(as) na escola pública os índices têm decaído
consideravelmente, e na privada variou ao longo do ano, mas tem mantido um percentual
estável.
Nossas experiências docentes tem revelado que a participação dos alunos(as) com
relação a adesão dessa forma de ensino e o feedback no que diz respeito a entrega de
atividades, por exemplo, variou bastante no decurso citado. A faixa etária, o envolvimento com
a atividade e os docentes, o tipo de atividade, a quantidade (no caso de questionários) e o
tempo aplicado para a proposta educacional foram fatores que influenciaram diretamente
nesta resposta dos educandos(as).
Um método amplamente utilizado em nossa disciplina foi a leitura, compreensão e
interpretação de texto, tendo em vista que estas competências são essenciais a quaisquer área
do conhecimento, e é base para formação da criticidade e leitura de mundo, seja de forma
individual e/ou coletiva.

Resultados e Discussões

A aplicação da trans/inter/multi e pluri disciplinaridades têm se colocado cada vez


mais presente. E a utilização de diferentes linguagens se torna uma necessidade diária, pois o
acesso ao “mundo digital” permite isso no poder de um clique, e o ser docente precisa estar
conectado a esses saberes.
O uso de jogos digitais no campo do Ensino de História se tornou um tema frequente
nos eventos de História. É uma realidade posta e imposta que exige dos profissionais uma nova
postura frente às tradicionais metodologias. Muitos professores tiveram de se reinventar
ainda mais com esse novo contexto. O emprego das mídias na educação chegou efetivamente
para ficar.
Outra questão que incomoda alguns ouvidos dos docentes da área é a praticidade do
conhecimento histórico, e que diante dessa premência, a aplicação dos jogos, por exemplo, têm
sido uma saída para a apreensão dos conhecimentos históricos na contemporaneidade.
Eis algumas necessidades do nosso século, da nossa geração, que tendem a se
aprimorar mais e mais. O ser professor está além dos conhecimentos adquiridos na Academia.
As práticas docentes são vivas, e para cada contexto elas devem ser revistas.

Considerações Finais

A escola, pelo coronavírus, finalmente chegou ao tempo da computação e da internet.


Caberá às Faculdades de Educação, às Secretarias de Educação, enfim, a todos os
educadores comprometidos com a educação pública integrarem e interpretarem esse
processo. Quem não souber mergulhar na ocasião que a história nos coloca ficará para trás.
(BOTO, 2020)
SUMÁRIO
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Como nos foi apresentado ao longo do texto, a pandemia acentuou velhos problemas e
trouxe à tona novos problemas para o sistema educacional, seja ele no plano público ou
privado. Os alunos inseridos na vivência de serem nativos digitais começaram a utilizar essa
experiência agora para a prática do aprender a estudar.
Escolher um canto em sua casa, que permita esse espaço de estudo, de uma rotina
escolar em casa, era um desejo dos docentes, mas não imaginávamos que aconteceria dessa
forma.
A produção historiográfica para o ensino remoto e EaD para a educação básica está a
todo vapor. Precisamos cada vez mais colocar em prática essa “nova” e presente realidade. O
processo de ensino-aprendizagem ganha novos desafios.
Compreendemos igualmente que fatores externos também interferem neste processo
educacional, como a saúde física, mental e emocional dos discentes, por exemplo, mas que no
momento não é trazido nesta proposta de trabalho.
Esse ano servirá de lição, de análise, de fonte histórica para as práticas docentes, para
a História da Educação, do Ensino de História e de todas as demais áreas do conhecimento.

REFERÊNCIAS

ANTÔNIO, José Carlos. Uso pedagógico do telefone móvel (celular), Professor Digital,SOB, 13 de jan. 2010.
Disponível em: https://professordigital.wordpress.com/2010/01/13/uso-pedagogico-do-telefone-movel-
celular/ Acessado em: 01 nov.2020.
BOTO, Carlota J. M. C. dos R. A educação e a escola em tempos de coronavírus. Disponível em:
https://jornal.usp.br/artigos/a-educacao-e-a-escola-em-tempos-de- coronavirus/. Acesso em: 01/11/2020.
CHARTIER, Roger.Encontros Históricos 2020 - Historiar no Século XXI: novos desafios, novas respostas.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hHIO4PczzKY&feature=youtu.be. Acesso:
04/11/2020.
COSTA, Marcella Albaine Farias da. Qual o papel do ensino de História em tempos de covid-19? Disponível
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NUNES, I. B. A história da EAD no mundo. In: Fredric Michael Litto, Manuel Marcos Maciel Formiga (orgs.).
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https://books.google.com.br/books?id=c21XfpbzgSwC&printsec=frontcover&hl=ptBR #v=onepage&q&f=false
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aprova-ensino-remoto-ate- dezembro-de-2021-e-fusao-de-anos-letivos.ghtml. Acesso: 01/11/2020.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 148

Produzindo um inventário pedagógico para o ensino de história


local: os lugares de memória em Bananeiras e Solânea/PB

Emanuela Rocha da Silva Arcanjo


Sabrina Castro de Almeida

INTRODUÇÃO

O referido trabalho é fruto do projeto desenvolvido no Programa Responsabilidade


Social, edição 2020, uma ação extensionista desenvolvida pela Universidade Federal da
Paraíba, Campus III – Bananeiras. O projeto “Lugares de memória e história em Bananeiras e
Solânea”1 busca mapear e inventariar os espaços históricos e de sociabilidade que
circunscrevem estas cidades. Tão próximas espacialmente entre si, Solânea é filha de
Bananeiras, tendo se emancipado no ano de 1953. Já Bananeiras, no alto de seus mais de 150
anos de existência, tem seu Centro Histórico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP), conforme Decreto Nº 31.842, de 03 de dezembro
de 2010.
A história de Bananeiras é expressa em seu casario, bem como no patrimônio
arquitetônico constituído pela Igreja Matriz Nossa Senhora do Livramento, a Estação
Ferroviária, Correio, Escolas, ruas e praças. Com ares pacatos, essa cidade brejeira tem se
destacado turisticamente na Paraíba, tanto pelo seu clima frio como pelos eventos que tem
desenvolvido culturalmente, como o tradicional São João, o Ecoturismo e o Festival Literário
de Bananeiras – FLIB.
Solânea, cidade vizinha, era anteriormente chamada de Vila de Moreno, tendo se
tornado distrito de Bananeiras durante os anos finais da década de 1930. A partir da Lei Nº
520, de 31 de dezembro de 1943, passa a receber o nome Distrito de Solânea, sendo elevada à
categoria de município pela Lei estadual Nº 967, de 26 de novembro de 1953. Reconhecida pelos ares
comerciais, bem como pelos seus festejos juninos, esta jovem cidade possui diversos lugares de
memória ainda desconhecidos de seus moradores, despertando a necessidade de debates mais
profícuos na área de história local.
Diante desta necessidade, nosso grupo de pesquisa História da Educação do Brejo
Paraibano – HEBP2, passou a desenvolver pesquisas que investem esforços no mapeamento e
levantamento do patrimônio documental destes municípios, digitalizando fontes para compor
o acervo pessoal do Repositório Digital História da Educação do Município de Bananeiras –
HEB3. Para este artigo, focamos no mapeamento de lugares de memória e sociabilidade
existentes nesses dois municípios paraibanos, dando relevo a uma memória social que auxilia
no reconhecimento da cultura e da identidade coletiva.
Metodologicamente, trabalhamos com três etapas de pesquisa:1. A primeira voltada ao
levantamento dos dados em livros de memória, jornais e revistas de época; 2. Entrevistas

1
Orientado pela professora Vivian Galdino de Andrade. Departamento de Educação – DE/ UFPB/Campus III.
2
Conheça nossas linhas de pesquisa no seguinte link: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9244025594549006
3
Disponível em www.cchsa.ufpb.br/heb.
SUMÁRIO
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também foram realizadas tomando como base os princípios da história oral; 3. Com os dados
coletados passamos a produzir inventários, que se materializam na produção de memórias
históricas, com fotos e informações históricas sobre cada lugar catalogado.
Teoricamente, nos orientamos pela definição de lugares de memória a partir de Pierre
Nora (1993), que aponta:

Diferentemente de todos os objetos da história, os lugares de memória não tem referentes


na realidade. Ou melhor, eles são, eles mesmos, seu próprio referente, sinais que devolvem
a si mesmos, sinais em estado puro. Não que não tenham conteúdo, presença física ou
história; ao contrário. Mas o que os faz lugares de memória é aquilo pelo que, exatamente,
eles escapam da história. Templum: recorte no indeterminado do profano - espaço ou
tempo, espaço e tempo - de um círculo no interior do qual tudo conta, tudo simboliza, tudo
significa. Nesse sentido, o lugar de memória é um lugar duplo; lugar de excesso, fechado
sobre si mesmo, fechado sobre sua identidade, e recolhido sobre seu nome, mas
constantemente aberto sobre a extensão de suas significações (1993, p.27).

Estes espaços resguardam histórias, lembranças que falam do lugar onde estão
inseridos, símbolos históricos situados no tempo e no espaço, carregados de sentido e
identidade. Desde sua origem, os lugares de memória impregnam um significado próprio e
particular, ao mesmo tempo em que se associam ao social com o qual possuem contato, de
geração em geração. Eles constituem e são constituídos pela memória desse lugar, objetos de
celebração, marcas do povo, de sua cultura e religião. Os sujeitos sociais devem estabelecer
com eles vínculos de pertencimento e afetividade, dotando-os de sentido e valorizando-os
como parte integrante de sua identidade, pois é isso que os levam a querer preservá-los e
mantê-los vivos.

O Patrimônio, a Educação e os Lugares de memória

Grunberg (2007, p. 5) chama “[...] de Educação Patrimonial o processo permanente e


sistemático de trabalho educativo, que tem como ponto de partida e centro o Patrimônio
Cultural com todas as suas manifestações”. Sendo assim, debater cultura, patrimônio (em suas
características materiais e imateriais), identidade e memória é discutir a alfabetização cultural
dos sujeitos, a formação de suas percepções de mundo e sociedade.
Sendo assim, a Educação Patrimonial (EP) possui um papel determinante de ajudar a
formar um olhar crítico e sensível nos sujeitos sobre o que os cerca, contribuindo para
despertar o desejo de proteção e preservação de lugares de memórias, sejam eles físicos –
como as edificações, ou manifestado em expressões culturais – como nas celebrações e
elementos artísticos. Neste aspecto, é por meio da EP que vislumbramos a confecção do
Inventário Pedagógico, recurso que pode auxiliar docentes a desenvolver aulas voltadas para
a história local. Construído de maneira participativa,

O inventário [...] é, portanto, primordialmente uma atividade de Educação Patrimonial cujo


objetivo é construir conhecimentos a partir de um amplo diálogo entre as pessoas, as
instituições e as comunidades que detém as referências culturais a serem inventariadas.
Um de seus objetivos é fazer com que diferentes grupos e diferentes gerações se conheçam
e compreendam melhor uns aos outros, promovendo o respeito pela diferença e o
reconhecimento da importância da pluralidade. (FLORÊNCIO; BIONDO, 2016, p. 55)

SUMÁRIO
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Segundo o Manual de Aplicação do IPHAN (2016, p. 7), “Inventariar é um modo de


pesquisar, coletar e organizar informações sobre algo que se quer conhecer melhor. Nessa
proposta, é necessário um olhar voltado aos espaços da vida, buscando identificar as
referências culturais que formam o patrimônio do local”. Contudo, a ideia de produzir um
inventário pedagógico ainda pode permitir o registro da memória viva, transmitindo para as
futuras gerações conhecimentos próprios do local que logo desapareceriam com o passar do
tempo, isso quando não registrados.
Diante da consulta em livros de memória4, produzidos localmente e encontrados em
acervos pessoais, foi que conseguimos ter acesso a um levantamento sobre os lugares que
existiram (e ainda existem) em Bananeiras e Solânea. Verificamos que Bananeiras ainda
resguarda algumas dessas memórias edificadas, sendo também nela encontrada um maior
número de jornais de época para acesso5. Em Solânea, a pesquisa obteve maior dificuldade,
tanto pela ausência de arquivos institucionais como pelo pequeno número de edificações
históricas que ainda continuam vivas na cidade. Os acervos pessoais nos permitiram ter acesso
a alguns volumes do jornal Correio de Moreno6, bem como a alguns livros de memória,
indisponíveis na biblioteca municipal.
Aparentemente sucinto nos nossos relatos, essa fase do mapeamento e do
levantamento foi a etapa mais longa e árdua de nossa pesquisa, sendo as entrevistas realizadas
pelo aplicativo do WhatsApp. Esse procedimento dificultou ainda mais essa fase de coleta dos
dados, tendo em vista que nosso maior público é idoso e demonstrava falta de familiaridade
e/ou paciência com a ferramenta.
Após esse processo, elaboramos quadros com as instituições de sociabilidade das
cidades de Bananeiras e Solânea.

4
SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras: Apanhados Históricos. João Pessoa: Sal da Terra Editora. 2007.
SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras sua história, seus valores. Bananeiras. Luz e sombra. 1997.
SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras, uma visão do Passado. João Pessoa. Sal da Terra, 2016.
SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras, uma visão do Passado-2ºEd.rev. e atual- Bananeiras- PB: Edição do Autor. 2019.
SILVA, Manoel Luiz. “Uma volta ao passado”. Bananeiras. Editora e Impressa. 1999
5
Alguns dos jornais consultados já tinham sido digitalizados em outros projetos de nosso Grupo de Pesquisa, que
desde 2015 tem desenvolvido trabalhos com o patrimônio documental de Bananeiras. Para acessar estes jornais
consulte: http://www.cchsa.ufpb.br/heb/contents/menu/acervos-digitais/jornais.
6
Confira esse jornal em nosso repositório HEB. Disponível em:
http://www.cchsa.ufpb.br/heb/contents/paginas/correio-do-moreno.
SUMÁRIO
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Quadro 1: Mapeamento das instituições de Sociabilidade de Bananeiras

1. Clube Charadista Barburin;


2. Clube 8 de Dezembro;
3. Polimnia Club;
4. Bananeiras Clube;
5. Clube Jaú;
6. Clube dos Vinte;
7. Atalaia Esporte Clube;
CLUBES 8. 20 Sport Club;
9. Clube dos 11;
10. Clube 2 de Dezembro;
11. Esporte Clube Xavier Júnior;
12. Clube Agrícola “Dr. José Augusto Trindade”;
13. Clube 4-S;
14. Clube10;
15. Centro Popular Bananeirense;
16. Primeiro Salão de Leitura da Cidade;

1. Sociedade Literária 1º de Maio;


2. Grêmio Literário Augusto do Anjos;
GRÊMIOS 3. Grêmio Literário Olavo Bilac;
LITERÁRIOS, 4. Grêmio Literário John Kennedy;
SOCIEDADE E 5. Associação Bananeirense de Estudantes Secundários – ABES;
ASSOCIAÇÕES 6. Associação Rural de Bananeiras;
7. Associação Atlética Banco do Brasil - AABB;
8. Grêmio Dramático Francisco Barroso;
9. Cooperativa Caixa Rural de Bananeiras;

1. Biblioteca Antenor Navarro;


2. Biblioteca Sólon de Lucena;
3. Biblioteca Dr. José Augusto Trindade;
BIBLIOTECAS 4. Biblioteca Arruda Câmara;
5. Biblioteca Durmeval Trigueiro;
6. Biblioteca José Antônio Aragão;
7. Biblioteca Sinésio Guimarães;

1. Centro Popular Bananeirense;


2. Centro Cultural de Bananeiras;
CENTROS 3. Fundação Casa de Cultura Severino Lucena - 1987;
CULTURAIS 4. Fundação Ed. Pedro A. de Almeida;
5. Centro Cultural Isabel Burity - 1991;
6. Espaço Cultural Oscar de Castro- 2009;
7. Fundação Dr. Napoleão Rodrigues;

ESTAÇÃO 1. Armazém;
FERROVIÁRIA 2. Túnel - 1918;
3. Estação

1. Museu Municipal Ivaldo Lucena - 1991;


MUSEUS 2. Museu Municipal Simeão Cananéia - 2007;
3. Museu Escolar Círculo de pais e mestres “Leônidas Santiago”;

SUMÁRIO
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1. Estádio de Futebol Governador Clóvis Bezerra Cavalcanti;


2. Cine Excelsior - 1948;
INSTITUIÇÕES DE 3. Cine Educativo;
LAZER 4. Cine Barlan;
5. Cinema Educativo “Celso Cirne”;
6. Praça Coração de Jesus;
7. Praça Epitácio Pessoa - 1922;
8. Praça da Matriz Nossa Senhora do Livramento;
9. Praça Pedro Almeida;
10. Praça Manoel Marcolino Marques (Conjunto Adelson Lucena);
11. Praça João Pessoa;
12. Ginásio “Alcides Bezerra”;
13. Ginásio Estadual de Bananeiras

1. O Combate;
2. O Mirante;
3. Ensaio;
4. Labor - 1897;
5. Rebento -1898;
6. Rebentinho -1899;
7. Lápis -1901;
8. Cidade de Bananeiras - 1908 e 1940;
JORNAIS 9. Pharol - 1909;
10. Momento - 1934;
11. Vida Agrícola -1947 (mudando de nome para “Agro-lux”);
12. Verdade -1961;
13. Giro – 1961;
14. O Renovador;
15. Jornal estudantil “O saber”;
16. O Momento;
17. A Cidade;
18. Era Nova - 1921;
19. Encrenca;

RÁDIO 1. Muricituba;

CASARÕES 1. Casarão da família Mendonça em Roma


HISTÓRICAS 2. Casarão do Barão de Araruna
3. Casarão das Meninas

CORREIOS 1. Correios Telégrafo - 1835

1. Colégio do Dr. Luiz de Sá Lima;


2. Colégio Borborema;
COLÉGIOS 3. Instituto Bananeirense - 1914/1915;
4. Colégio Sagrado Coração de Jesus - 1918;
5. Patronato Agrícola Vidal de Negreiros - 1924;
6. Colégio José Rocha Sobrinho - 2005;
7. Colégio Profª Emília de Oliveira Neves - 1980

SUMÁRIO
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1. Grupo Escolar Umari


2. Escola de música municipal Maestro Severino Celestino
3. Escolas municipais mistas
ESCOLAS 4. Escolas supletivas (baixadas do mel)
5. Grupo escolar Miguel Filgueira Filho (Vila de Tabuleiro)
6. Escola São José
7. Grupo Escolar de Jaracatiá
8. Grupo Escolar de Lagoa de Matias
9. Grupo Escolar de Gamelas
10. Grupo Escolar Dr. Dionizio Maia
11. Escola Municipal João Paulo II em Roma
12. Escola Municipal Lindolfo Grilo na Chã do Lindolfo

CEMITÉRIO 1. Cemitério de Bananeiras - Séc. XX

MERCADOS 1. Mercado Público de Bananeiras

SÍTIOS 1. Umari;
ARQUEOLÓGICOS 2. Pedra Preta;
3. Gruta dos Morcegos

1. Engenho Roma;
2. Canafístula II;
3. Coiós;
4. Farias;
ENGENHOS 5. Goiamunduba
6. Gamelas
7. Pau D’Arco
8. Poções
9. Santo Antônio I
10. Santo Antônio II
11. São José
12.Tanques

CHAFARIZES 1. Chafariz localizado no Bairro Cassiano Cicero - 1951;


2. Chafariz localizado na Rua da Areia -1951
3. Chafariz localizado no Bairro Paravelho - 1951;
4. Chafariz localizado na Rua Alfredo Guimarães;
5. Chafariz localizado na Rua Presidente Castro Pinto

PONTOS TURÍSTICOS 1. Cruzeiro de Roma


2. Lajedo Preto
3. Bica dos Cocos
4. Trilha do Padre Ibiapina
5. Cachoeira do Roncador
6. Trilha da Caverna
7. Trilha do Moura
8. Trilha Bicas da Almas

SUMÁRIO
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INSTITUIÇÕES 1. Igreja Matriz Nossa Senhora do Livramento - inaugurada em 1865


RELIGIOSAS 2. Cruzeiro de Roma - construído em 1889/ inaugurado em 1901
3. Capela de São Francisco de Assis (CCHSA) - inaugurada em 1941
4. Capela São Sebastião na Chã do Lindolfo
5. Igreja de Vila Maia
6. Igreja Nossa Senhora do Carmo
7. Capela do Sagrado Coração de Jesus

Fonte: Quadro produzido pelo Grupo de Pesquisa HEBP, 2020.

Como foi supracitado no quadro é apresentado o mapeamento das instituições de


Sociabilidade de Bananeiras divididas em algumas categorias entre Clubes, Grêmios
Literários, Sociedade e Associações, Bibliotecas, Escolas e etc. Em consonância com ARÉVALO,
qual compactua com as ideias de Nora percebemos que

“Nora conceituará os lugares de memória como, antes de tudo, um misto de história e


memória, momentos híbridos, pois não há mais como se ter somente memória, há a
necessidade de identificar uma origem, um nascimento, algo que relegue a memória ao
passado” (ARÉVALO, 2005 p.4)

Essa necessidade de algo que resguarde a memória traz a necessidade de transformá-


las em concretudes resguardando-as e possibilitando o debate da história local e a identidade
desse sujeito com esses lugares de memória assim como Nora coloca

"Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea,
que é preciso criar arquivos, organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar
elogios fúnebres, notariar atas, porque estas operações não são naturais". (ARÉVALO,
2005, p.4)

Solânea é uma cidade que mesmo muitos desacreditando do seu potencial histórico ela
apresenta parcos, mas riquíssimos ambientes de socialização que serão apresentados do
quadro 2 abaixo:

Quadro 2: Mapeamento das instituições de Sociabilidade de Solânea

1. Grêmio Morenense, 1924;


CLUBES 2. Clube das Mães Nossa Senhora de Fátima;
3. Clube Samaritana, 1981;
4. BNB Clube, 1982;

COOPERATIVA 1. Cooperativa Mista de Solânea, 1954;

1. Correio de Moreno 1° edição (1927)


JORNAIS 2. Correio de Moreno 2° edição 1984;
3. Jornal da Paróquia de Santo Antônio, 1979;
4. Correio da Borborema;

SUMÁRIO
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1. Associação São Vicente de Paula (Abrigo Menino Jesus, também


conhecida como Casa do Vicentinos) ;
2. Associação Solanense de Assistência Socia;
3. Associação de Moradores de Solânea;
4. Associação dos Produtores Rurais Assentados na Fazenda Mariana
ASSOCIAÇÕES - 2014;
5. ATUS- Associação Turística e Artesanal de Solânea - 2017;
6. ASUS- Associação Universitária de Solânea;
7. Associação Cultural e Recreativa Solanense;
8. USE- União Secundária Estudantil - 1960;
9. Associação Rural de Solânea - 1954;

1. Biblioteca Municipal Clóvis Salgado, 1924;


BIBLIOTECAS 2. Dr. Sinésio Guimarães, 1952;
3. Biblioteca Álvaro de Carvalho;
4. Biblioteca Pública Municipal Padre José Fidélis;
5. Biblioteca Pública Municipal Poeta Cícero Imperiano da Silva
(Biblioteca da Câmara);

MUSEUS 1. Casarão Manoel Moreira (informalmente posto como existente desde


o início da criação da cidade, possuindo mais de 60 anos);

1. Praça 26 de Novembro, 1960;


PRAÇAS 2. Calçadão da Rua 13 de Maio, 1985;
3. Praça Janúncio Pessoa de Lima - 2013;
4. Pracinha da Correio da Serra;

1. Cinema do Grêmio Morenense (1949-1953);


2. Cine Solânea (fins dos anos de 1950 e início dos anos de 1970);
3. Cine Moderno;
INSTITUIÇÕES DE 4. Cine Santo Antônio;
CULTURA E LAZER 5. Cine Santa Rosa;
6. Cine Municipal (1972 até início dos 1990);
7. Cine Dino Maranhão (1980);
8. Cineteatro Jacob Soares Pereira (2016);
9. Centro Cultural Jacob Soares Pereira (2017);

MERCADOS 1. Primeiro Mercado - fins do século XIX;


PÚBLICOS 2. Mercado (localizado onde hoje é o Banco de Brasil, 1950;
3. Mercado Público Municipal (Atual) desde 1984;

1. Santuário de Santa Fé, 1866;


2. Igreja Matriz Santo Antônio, 1944;
CENTROS 3. Primeira Igreja Batista de Solânea, 1959;
RELIGIOSOS 4. Loja Maçônica José Pessoa da Costa, 1969;
5. Igreja de Santa Tereza;
6. Assembleia de Deus;
7. Igreja Universal;

ESTÁDIO 1. Estádio Tancredo de Carvalho, 1950


2. Parque de Exposição de Animais, 1962

GINÁSIOS 1. Ginásio de Esporte e Área de Lazer Municipal, 1980


2. Ginásio de Esporte Adauto Silva, 2011

SUMÁRIO
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ESPAÇOS DE 1. Bob´s Lanches, 1980;


REFEIÇÃO E LAZER 2. Boate Levitagem;
3. Bar do Palmeiras;

RODOVIÁRIA 1. Estação Rodoviário Municipal, 1970. Atualmente chamada de


“Terminal Rodoviário Anísio Rodrigues da Costa”;

PONTOS TURÍSTICOS 1. Pedra da Pintura;


DE SOLÂNEA 2. Mata do Cano / Bica do Cano ou Bica da Mata;
3. Pedra do Vento;
4. Gruta de Santa Tereza;
5. Trilhas do Padre Ibiapina

FÁBRICAS 1. Fábrica de doce de seu José Carlos;


2. Fábrica de charutos de Dr. Celso Cirne;
3. Fábrica de Sisal;

RÁDIOS 1. Estação de Rádio Integração do Brejo;


2. Rádio Sucurus de Solânea;
3. Rádio Cultura de Solânea
4. Rádio Difusora de Solânea
5. Rádio comunitária Solânea FM
6. Rádio Correio da Serra FM

CEMITÉRIO 1. Cemitério Público - 1937

1. Colégio Comercial Arlindo Ramalho (1985)


2. Colégio Comercial Pedro Augusto de Almeida (1956)
3. Creche Casulo Adélia Araújo de Melo (1984)
4. Escola Modelo e Jardim de Infância Lobinho (1982)
5. Escolinha “Canteiro do Vem-vem ” (1973)
6. Escolinha GEN (1979)
7. Grupo Escolar Açude Velho (1973)
8. Grupo Escolar de Cinco Lagoas (1973)
ESCOLAS 9. Grupo Escolar de Juazeirinho (1973)
10. Grupo Escolar do Sítio Barrocas (1978)
11. Grupo Escolar Ernestina Pinto (1973)
12. Grupo Escolar Fazenda Velha (1973)
13. Grupo Escolar Jaguaré (1973)
14. Grupo Escolar Lagoa de Tanque (1975)
15. Grupo Escolar Alagoinha dos Bragas (1985)
16. Grupo Escolar Manuel Teodósio da Costa (1984)
17. Grupo Escolar Mariana (1986)
18. Grupo Escolar Pedra D’água (1985)
19. Grupo Escolar Ramada de Baixo (1985)
20. Grupo Escolar Serra Branca - recuperado em (1985)
21. Unidade Escolar de 1º grau Avelino Posidônio Pereira – Sítio
Pedrinha D’água (1991)
22. Unidade Escolar de 1º grau Dr. Francisco de Gouveia Nóbrega-
Sítio Gruta de Sta. Tereza (1984)
23. Unidade Escolar de 1º grau Sabino Macena da Silva (1974)

Fonte: Quadro produzido pelo Grupo de Pesquisa HEBP, 2020.

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O referido quadro das instituições de sociabilidade solanense dentre os quais citados


acima destacam o crescimento e a autonomia socioeconômica-cultural da cidade, a partir do
estabelecimento de tais na cidade brejeira, porém, visto que ao longo do tempo muitos desses
lugares acabaram desaparecendo para serem destinadas à áreas comerciais e poucas pessoas
ainda resguardam a memória e acervos desses ambientes. Por isso, é relevante afirmar que a
escola compõe um papel fundamental quando se trata do assunto espaço de memória, pois,
mesmo sendo um ambiente pouco valorizado foram nesses locais pelo quais passaram - e
passam- a maioria dos bananeirenses e solanenses é nesses ambientes em que essas pessoas
iniciaram e vivenciará várias histórias das suas vidas.
A partir deste mapeamento partimos para a construção do inventário pedagógico,
fundamentado na caracterização destes espaços. Dados como ano de fundação, função social,
fotografias são registrados na catalogação. Para a construção destes quadros, seguimos as
orientações de Florêncio (et al., 2012, p.13), quando sugere que para a confecção dos
inventários algumas categorias sejam elencadas:

O inventário traz um conjunto de fichas para os estudantes organizarem e reunirem


informações sobre o patrimônio cultural local. Sugerimos algumas categorias para
classificar os diversos bens culturais: Lugares, Objetos, Celebrações, Formas de Expressão,
Modos de Fazer e Saberes. Elas são baseadas nas categorias que o próprio Iphan/MinC
utiliza em seus trabalhos de identificação e reconhecimento do patrimônio cultural do
Brasil.

Todavia, se torna válido alertar que para a composição destas memórias históricas, as
informações registradas estavam condicionadas ao que foi coletado nas fontes documentais,
dados que muitas se demonstraram contrários ao que expuseram os entrevistados em suas
falas. Isso revela a necessidade de ampliar a pesquisa, intensificando a busca e o registro
destas memórias em narrativas escritas.

CONCLUSÕES

Foi com o propósito de levantar e detalhar informações sobre os lugares de memórias


das duas cidades supracitadas que realizamos esta pesquisa, objetivando corroborar com a
produção de recursos didáticos – os inventários pedagógicos – para o debate e a reflexão sobre
a história local é que foi baseada nossas atividades. Este instrumento propõe colocar – de
forma didática - esses lugares de memória em posição de visibilidade, auxiliando com
informações que podem subsidiar a produção de outros materiais didáticos e recursos
didáticos, como o que já produzimos e se encontra disponível em nosso acervo virtual 7.
Dessa maneira, é de suma importância a contribuição de um inventário pedagógico nas
aulas de história, dado que os alunos possam internalizar os saberes e valores identitários,
sendo assim, tornando-se atores sociais que contribuirão com a história do seu lugar.

7
Confira algumas possibilidades de recursos didáticos no nosso repositório HEB. Disponível em:
http://www.cchsa.ufpb.br/heb/contents/menu/acervos-digitais/recursos-didaticos-1.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 158

REFERÊNCIAS

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do concreto. Revista História Hoje. Revista eletrônica da história. Volume 3, Nº 7, 2005. Disponível em:
<https://www.anpuh.org/revistahistoria/view?ID_REVISTA_HISTORIA=7 >.
Acesso em 04/03/2020.
FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim et al. Educação Patrimonial: inventários participativos: manual de
aplicação. Brasília: Iphan, 2016.
FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim. Educação Patrimonial: Programa mais Educação. Brasília:
MEC/Secretaria de Educacao Basica e Minc/Iphan, 2012. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_EducPatrimonialProgramaMaisEducacao_fas1_m.pdf
>. Acesso em: 27 de outubro, 2020.
FLORÊNCIO, Sônia Regina Rampim; Fernanda Gabriela, BIONDO. Educação Patrimonial Expandida:
inventários participativos como instrumentos de educação patrimonial e participação social.
Patrimônios Possíveis, 2016, p. 50-58. Disponível em: <https://patrimonios-
possiveis.medialab.ufg.br/05_sonia_rampim.html>.
Acesso em: 29 de outubro, 2020.
GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de educação patrimonial. Brasília, DF: IPHAN, 2007. (p
1-24)
NORA. Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. São Paulo: Projeto História, 1993.
Repositório Digital História da Educação do Município de Bananeiras - HEB.
Disponível em: <www.cchsa.ufpb.br/heb>
SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras: Apanhados Históricos. João Pessoa: Sal da Terra Editora. 2007.
SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras sua história, seus valores. Bananeiras. Luz e sombra. 1997.
SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras, uma visão do Passado. João Pessoa. Sal da Terra, 2016.
SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras, uma visão do Passado-2ºEd.rev. e atual- Bananeiras- PB: Edição do Autor.
2019.
SILVA, Manoel Luiz. “Uma volta ao passado”. Bananeiras. Editora e Impressa. 1999.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 159

Estágio IV e a experiência do Ensino Remoto na Pandemia do Novo


Coronavírus

Laís Eunice Oliveira Dantas1


laisoliveird@gmail.com

Sarah Karolina Sucar Ferreira2


sarahsucar22@gmail.com

INTRODUÇÃO

Em meio a um turbilhão de notícias que poderiam indicar um retorno às aulas


presenciais, em setembro deste ano, a governadora do RN anunciou que as aulas da rede
pública de ensino só retornarão em 2021. Deixando, assim, uma perspectiva de permanência
do ensino remoto a longo prazo, enquanto as escolas, consideradas os mais perigosos pontos
de transmissão do novo coronavírus, se preparam física, higiênica e pedagogicamente a fim de
atender essa nova realidade, priorizando a saúde e a segurança dos alunos e funcionários.
De acordo com Arruda (2020), o ensino remoto é muitas vezes confundido com a
modalidade de ensino à distância (EaD), muito popular entre as instituições de ensino
superior no Brasil. Entretanto, tal equívoco deve ser esclarecido devido às características de
cada um, sendo o primeiro uma ação emergencial que só se aplica ao momento de isolamento
social que estamos vivendo, cujo planejamento por parte dos professores teria ocorrido para
as aulas presenciais. Enquanto o segundo é caracterizado por um planejamento prévio,
específico para seu formato, leva em conta perfil de aluno e professor, e todos os materiais que
envolvem o funcionamento dessa modalidade.
A singularidade que envolve o ensino remoto vai além do seu caráter emergencial, com
a implementação desse novo formato, metodologias que já vinham sendo discutidas nos meio
educacionais mas que os professores não consideram viáveis por n motivos. Metodologias
essas que envolvem, principalmente, a utilização de tecnologias digitais em sala de aula, que
se apoiam em uma estrutura tanto por parte das escolas e professores quanto dos alunos.
Cabendo aos professores, refletir, pesquisar e aplicar, estratégias inovadoras que, mesmo
temporariamente, sanem as dificuldades do novo contexto de ensino remoto, de modo que os
alunos não se sintam completamente isolados do processo de aprendizagem.
A inovação do ensino não se trata apenas da introdução de uma tecnologia digital, é
preciso que atrelada à sua utilização, se tenham objetivos precisos para que haja um
melhoramento na aprendizagem. Além disso, através de uma experiência, na qual o aluno
consegue aproximar o conteúdo de sala com uma ferramenta presente no seu dia-a-dia, a
potencialidade de engajamento dos alunos se torna um indicador positivo na educação (NOVA
ESCOLA, 2017. p.26-27).

1
Graduanda pela UFRN
2
Graduanda pela UFRN
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 160

Na apresentação dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais, BRASIL, 1998) é posta


a necessidade de se observar, os “novos atores, novos direitos, novas mediações e novas
instituições redefinem o espaço das práticas cidadãs” (BRASIL, 1998. p. 20), aplicando essa
observação à vivência do ensino atual, nota-se que esta não se limita ao acesso de tecnologias
ou redes móveis, haja vista, são noticiadas aulas por meio de emissoras de rádio e/ou canais
televisivos estatais. Dessa forma, os novos espaços de aprendizagem se estendem quaisquer
meios pelos quais os docentes se articulem com os educandos ampliando, consequentemente,
os meios pelos quais se produz conhecimento.
Isto posto, o ensino de História proporciona aos alunos uma possibilidade uma
formação crítica a partir do percurso das sociedades anteriores, visando a compreensão das
sociedades atuais, e, principalmente, aquela em que o sujeito se encontra inserido. Enquanto
guia para o desenvolvimento da cidadania, os professores em consenso com o que trata a
constituição, devem ter um caráter de busca da transformação da realidade, discutindo o
significado da cidadania e sua relação, direta, com a democracia (BRASIL, 1998). Dessa forma,
“decidir pela inoperância da escola poderia significar não só a fragilização desse espaço
institucional, mas também promover amplo crescimento de desigualdades diversas”
(ARRUDA, 2020, p.264), fazendo com que seja percebido a importância maestra das escolas
ante a realidade socioeconômica brasileira.

ENTENDENDO A DINÂMICA ESCOLA

O campo de estágio foi a Escola Estadual Jacumaúma, localizada em Arez/RN. Essa


escola funciona nos três turnos, e oferece as três séries do Ensino Médio. Devido a pandemia
a escola está focada desde de setembro nos alunos concluintes para esses se formarem esse
ano, por isso, as aulas foram ministradas via google meet para em tese 143 alunos de 3 turmas
de terceiro ano. O estágio foi desenvolvido em 5 semanas. Como não se pode ter acesso
presencial à escola, foram feitos 3 formulário do google meet enviado pelo celular. O primeiro
para a gestão da escola (a qual não se obteve resposta), o segundo para o professor e o terceiro
para os alunos (de 143 apenas 37 responderam).
Quando se pensa em aulas remotas, uma das primeiras perguntas que vem a cabeça é
como os professores encaram essa nova realidade. De acordo com o professor supervisor, as
aulas remotas começaram no dia 15 de maio de 2020, essas aulas estavam sendo para todas
as turmas. Mas, em setembro houve uma resolução estadual que definiu que os professores
deveriam “focar” nos alunos concluintes para finalizarem o Ensino Médio ainda esse ano, com
isso os alunos da terceira série passaram a ser os únicos com aulas sincrônicas. O professor
supervisor está responsável por 3 turmas de 3ª série, totalizando 143 alunos, mas segundo o
mesmo a média de participação estar entre 26 a 27 alunos nas aulas sincrônicas.
Além dos alunos, a dificuldade nessa modalidade de ensino remoto também foi difícil
para o professor que afirmou que as notícias dos órgãos estaduais de educação estavam muito
desconectadas inicialmente. E quando decidiram voltar às aulas, não teve curso para capacitar
os professores e não se sabia exatamente a realidade tecnológica dos alunos para participar
das aulas. De acordo com o professor supervisor, outra dificuldade foi mostrar para os alunos
que a internet era um meio de acessar o conhecimento não somente as aulas formais. Assim,
o professor usou dessa situação, para utilizar diversos materiais, como “ vídeo, poema, letras
de música, imagens, artigos, entrevistas (...) fontes históricas (...)”, etc. Dessa forma, o professor

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 161

mostrou na prática como é possível usar um problema e transformá-lo em solução, pois pode
acrescentar diversos materiais nas aulas.
No que se refere aos meios de comunicação com os alunos, o professor afirmou que o
SIGEDUC (plataforma de acesso para alunos de escolas estaduais) passou a ser mais utilizado,
e o google meet foi uma saída encontrada para ministrar aulas. Essa última ferramenta,
segundo o professor, foi apreendida na prática tanto pelo professor, quanto pelos alunos
devido a pandemia.
Já o formulário dos alunos, foi respondido por 37 estudantes. Ao que parece os alunos
não sabem ou não se lembram exatamente quando a aula online começou, assim quando
perguntados sobre o início das aulas remotas, as respostas variaram entre março e junho. Mas
de acordo com o professor foi durante o mês de maio que as aulas começaram neste formato.
Nós acreditamos que essas respostas talvez signifique que alguns professores possam ter
passado atividades pelo SIGEDUC antes do retorno das aulas, e que uma parte dos alunos
somente souberam do retorno mais tarde, pelo menos o que acreditavam que as aulas
começaram novamente em junho. Uma outra pergunta do formulário, foi se gostavam de
História e o que preferiam estudar, a maioria dos alunos responderam que sim, já os assuntos
escolhidos, 4 responderam quase tudo, 1 epidemias, 4 não disseram o assunto, 6 História do
Brasil (3 especificamente Brasil Colônia), 2 estudar o passado, 2 “escravos”, 1 guerras, 1 gosta
da aula do professor, 1 Revolução Francesa, 1 História Geral, 1 reflexórios (texto-resumo feito
pelos alunos sobre o que aprenderam na aula, que é uma das metodologias utilizadas pelo
professor, supervisor), 1 Brasil e Portugal, 1 “sobre a história do pais”, 1 cotidiano, 1 sobre o
desenvolvimento do país e revoluções, 1 aprender coisas novas, e outro “(...) conhecer o
passado para entender o presente e projetar o futuro, não repetir os erros de nossos ancestrais
e compreender a atuação da humanidade …”. Essas respostas mostram para nós que esses
alunos, pelo menos a maioria gostam de estudar História e se interessam por diversos temas,
podendo se entender que isso também reflete a boa qualidade das aulas ministradas pelo
professor supervisor. Os alunos também foram questionados sobre a importância de estudar
História, as respostas foram bastante interessantes, como mostra a seguir: 6 alunos afirmaram
que é um aprendizado para hoje em dia; 2 gostam por saber do passado; 1 saber a História do
país; 2 saber dos lugares que nos cercam; 2 conhecer o passado para refletir e entender o
presente; 1 as diferenças entre a sociedade do passado e atual; 1 “Tem muita importância”; 1
coisas que marcam a nossa História; 1 não respondeu; 1 para evitar erros; 1 “Devido a história
sabemos quem fomos, quem somos e quem seremos no futuro”. Essas respostas nos
surpreendeu bastante, percebemos que os alunos não somente gostavam de História, mas
tinham uma consciência histórica bastante desenvolvida, algumas respostas mostram
claramente a função da História de entender o presente, de saber as origens e de tentar
responder questões do presente. A ótima qualidade das respostas, fizeram com que nós nos
esforçamos mais ainda para tentar ministrar uma boa aula.
A 4ª pergunta do questionário foi se os alunos tinham acesso a uma estrutura
apropriada para estudar, 43, 2% afirmaram que sim, 56,8 % disseram que não, isso pode talvez
ser uma das causas porque a maioria dos alunos não assistem aula, uma vez que não foi dado
apoio financeiro para os alunos terem acesso a computador ou internet. Além disso, 40,5%
dos alunos afirmaram que incluindo eles em casa, moram 5 ou mais pessoas, uma casa com
muitas pessoas as vezes não é muito silenciosa, principalmente se a casa não for muito grande.
Mas para além disso, com a pandemia 35,1% dos alunos afirmaram que precisaram trabalhar,
então outro motivo que nos parece fundamental para o número reduzido de alunos nas aulas
SUMÁRIO
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sincrônicas, foi que alguns alunos precisaram trabalhar. Sobre o trabalho ajudando os pais são
4, já trabalhando como vendedor são mais 4, além de, 1 moto táxi, e outros dois que trabalham
como ajudantes. Então como esses alunos têm acesso às aulas? 97,3% assistem aula pelo
celular, e 2,7 % pelo tablet e 2,7 por notbook. No que se refere a internet, 59,59% consideram
que tem uma internet regular, 21,6% que é boa, 16,2% que é ruim e 2,7% dizem que é ótima.
Assim percebemos, que a maioria dos alunos possuem uma internet que não lhes garante uma
boa qualidade de uso e que utilizar o celular para assistir a aula torna mais cansativo ainda
esse processo.
No tocante a ferramenta que os alunos usam para estudar, 75,7% afirmaram que eram
slides, 10,8% apenas a narração, 18,9% videos, 5,4,% aplicativos paralelos, 10,8% resumo de
capítulos de livros. Esse dado nos mostra que a maioria dos alunos procuram alguns outros
meios de informação além da aula. Por fim, foi perguntado quantos alunos fizeram as
inscrições do Enem 16 disseram que sim, e 21 que não. Essa resposta foi bastante triste, pois
o Enem é uma porta de entrada para cursos de graduação e técnicos, talvez isso seja uma
expressão da medo da pandemia, mas segundo o professor no ano passado poucos alunos
prestaram esse exame. Assim, talvez a escola precisa-se se voltar mais para si, para entender
porque esses números.
Dessa forma, a turma em que o estágio foi feito, foi as três turmas do 3ª série que
estavam tendo aulas juntas. No que se refere ao planejamento das aulas, o professor já havia
decidido os temas, e como só havia 8 semanas para fechar as notas, o professor concedeu 5
aulas, uma de redação, e outras quatro que iriam desde do Império até a ditadura civil-militar,
que deveria ser relacionada com as epidemias das épocas. Dessa forma, também fizemos as
provas do 3º e 4º bimestre. E decidimos fazer um pequeno material didático sobre cada aula,
pois nem todos alunos têm livro.

VIVENCIANDO O ESTÁGIO REMOTO

A criação do material

Material didático, na concepção de Circe Bittencourt (2008) pode ser entendido como
um instrumento de trabalho que serve de mediador entre ensino e aprendizagem, apoiando,
assim, a prática docente em um número considerável de ferramentas a serem refletidas e
fazerem refletir. Bem como afirmam Ferreira e Oliveira (2019), que um material didático será
aquilo que o professor/mediador decidir o que ele seja dentro de um parâmetro de uso
considerado ou não didático, dependendo da sua aplicação.
O material didático desenvolvido nessa experiência de estágio, foi pensado pelas
estagiárias como um apoio direcionado aos alunos que, devido uma situação ímpar, não
possuíam os livros distribuídos pela escola, bem como não tinham acesso ao material em um
formato compatível às ferramentas tecnológicas (celulares, notebooks, computadores,
kindles, etc). Deste modo, a função assumida nessa experiência foi o que Circe Bittencourt
(2008) nomeou de suporte informativo, cujo objetivo se concentra na apresentação dos
elementos do saber da disciplina em questão.
Tendo em vista esta característica, elaboramos as páginas de acordo com a temática
das aulas, dividindo uma parte para o contexto histórico e outra para a relação entre a
epidemia vigente e as ações político-culturais que tiveram lugar no seu tempo. Levamos em
conta, também, os limites, as vantagens e as desvantagens que esse material possui como
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 163

instrumento no processo educativo (FERREIRA, OLIVEIRA, 2019. p.301). Por fim,


acrescentamos perguntas norteadoras ao final dos tópicos com a intenção de fazê-los refletir
sobre o que foi lido e apresentado durante os encontros, com a nomenclatura “refletindo…”,
tentamos aproximar o máximo possível a interação aluno-professor, porém esta foi mais uma
das dificuldades que os tempos de pandemia e isolamento social proporcionaram ao ensino
brasileiro.

Aulas em formato remoto

A postura aqui adotada é de professor-pesquisador, tal postura implica na capacidade


de pensar, argumentar e refletir sobre seu próprio contexto, sua prática, as circunstâncias
escolares e as necessidades dos alunos. Dessa forma, pensar sobre a vivência no estágio no
período remoto, é basilar para tentar entender essa nova realidade. Sendo assim esse relato
de experiência tenta ter um olhar crítico sobre a realidade (AZEVEDO, 2017, p. 19-20).
Antes mesmo de começarmos a ministrar as aulas, o professor supervisor questionou
ou alunos sobre quantos gostariam de ter dicas sobre redação, e de 15 alunos apenas 2
queriam tais dicas. Isso pode ser visto como um problema uma das consequências da
pandemia, mas também como um reflexo do contexto da cidade, na qual a perspectiva de
emprego é baixa, e o apoio aos estudantes e o incentivo aos estudos dados apenas por alguns
professores. Esses diversos fatores agravados com a pandemia geram este triste resultado.
Historicamente, no Brasil a educação de boa qualidade não é acessível a todos, e o Ensino
Médio ainda não é universalizado no país, além disso, há déficit desse nível de educação em
escolas públicas brasileiras, perpassam a evasão e a repetência (MACHADO, TOLEDO, 2017, p.
178). Mas como professoras-pesquisadoras, que acreditamos que a educação como meio de
transformação, e com o apoio do professor, decidimos ministrar a aula de redação.
Ademais, se nas aulas do professor a média chegava a 20 alunos, quando se iniciou o
estágio, essa média caiu, desde a primeira aula, apenas 7 alunos passaram a assistir aula. Dessa
forma, o estágio remoto mostrou nos que era preciso mais esforço para superar a barreira da
distância. A observação nos ajudou a entender como está funcionando as aulas remotas na
escola, ao menos na disciplina de História.
Essa específica sobre redação foi inserida a partir de uma sugestão do trio que o
professor supervisor apoio. A aula começou com apenas 4 alunos e até o fim da aula tinham 7.
Talvez essa quantidade baixa de presença seja porque a maioria dos alunos não vão fazer
Enem, ou naquele momento não quiserem dicas sobre redação. No tocante a participação
nenhum aluno participou. Quando começamos a aula estávamos ansiosas por causa desse
novo formato, assim iniciamos falando muito rápido, possivelmente isso também tenha feito
diminuir a probabilidade de haver participação na aula, mas depois diminuímos o ritmo. Dessa
forma, aprendemos nessa aula que não devemos nos sentir desmotivadas pelos alunos que
não foram, mas sim felizes pelos alunos que se disponibilizaram para assistir aula. Também
ficamos felizes que alguns alunos agradeceram a aula e disseram que gostaram. Além disso,
nos disponibilizamos para corrigir as redações dos alunos, mas ninguém enviou.
Na aula em que começamos a dar continuidade ao assunto que o professor estava
passando, a aula iniciou com apenas 2 alunos e ao final tinha 8. No que se refere a participação
apenas 1 aluno participou uma vez. Tentamos falar mais devagar, mas precisamos melhorar
mais nisso. Sobre o número de alunos o professor supervisor, o qual assisti todas as aulas,
disse que isso poderia ser porque teve comício no dia anterior, mas nós achamos que os alunos
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 164

estão frequentando menos as aulas porque somos nós que estamos ministrando. Com isso,
vamos nos esforçar para ministrar boas aulas para ver se os alunos voltam.
Na terceira semana de aula novamente começou com 2 alunos e finalizou com 7 alunos.
A aula foi sobre a Primeira República e o processo de vacinação. Os alunos logo no início da
aula se queixaram da atualização do google meet que tornou mais difícil o envio de mensagens
no chat. Isso nos mostrou que as vezes os alunos não participam das aulas remotas muitas
vezes por desconhecimento do manuseio das plataformas. Nessa aula a participação foi boa,
dois alunos participaram duas vezes, um dos alunos apenas respondendo sim ou não. E a outra
aluna ligou o microfone e falou sobre sua posição em relação a obrigatoriedade da vacina, a
qual tinha dúvida sobre, uma vez que considera que o governo não deve forçar as pessoas se
vacinarem.
Nessa aula novamente a média de alunos foi 7. Antes da aula começar, o professor
comentou que houve muitos alunos que desistiram de estudar, por causa da pandemia do
Novo Coronavírus e as informações desencontradas sobre como seria o retorno às aulas. Tal
informação, aponta para mais uma das tristes consequências da pandemia. Sobre nossa aula,
hoje a participação foi maior, 5 alunos participaram, apesar das respostas terem sido via chat
e se limitando a ser “sim” e “não”. Por outro lado notamos que os alunos estão se acostumando
com a gente. Segundo a professora do estágio isso iria acontecer com o tempo, mas
infelizmente só se acostumaram com a nossa presença na penúltima aula. Hoje aprendemos
que é preciso esperar para que os alunos se sintam mais à vontade para interagir.
Em nossa última aula que começou com 7 alunos e com a presença do professor
supervisor, mas como esse teve que sair a maioria dos alunos saíram. Mas para além do
número de alunos que frequentaram nossas aulas, o importante foi a experiência e o
aprendizado. Um triste dado, que aponta para uma enorme evasão, é que dos 143 das três
turmas, apenas 36 fizeram as provas que estão sendo entregues impressas pela escola, e que
eles tem uma semana para fazer.

CONCLUSÃO

Uma das dificuldades apresentadas no Ensino Remoto, é o tempo da aula que foi
consideravelmente reduzido para as interações, mas que se estendeu para a possibilidade
narrativa. As mudanças na didática que foram impostas ao professor, sem um curso prévio,
visto que esse formato é inédito para a maioria dos professores do ensino básico, bem como
para os alunos, que ficaram desassistidos de qualquer auxílio e orientação para esse formato
também foi uma grande dificuldade. Outro ponto a ser considerado é o de que boa parte dos
alunos que não possuem acesso a internet, por isso se distanciaram da escola, provavelmente
a evasão escolar vai ser um dos principais problemas a serem combatidos nos próximos anos
letivos.
Ademais, uma parcela dos alunos que assistem às aulas remotas terminam por apenas
escutar sem perguntar, possivelmente por acharem estranho esse formato de aula, uma
atitude que já vem refletida da sala de aula quando há pouco diálogo no espaço escolar. Esse
formato também dificulta a participação dos alunos que gostariam de responder os
questionamentos em sala de aula, uma vez que nem todos estão acostumados a utilizar
recursos como o google meet e suas atualizações.
Um ponto apresentado pelo professor, foi a desistência de alunos, ou seja um aumento
na evasão escolar durante a pandemia. Pode-se inferir que essa realidade, além de uma falta
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E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 165

de apoio da escola também reflete as questões sociais e psicológicas dos alunos,


principalmente as incertezas com o futuro. Diferente de outros países como a China, que as
aulas retornaram no modo remoto após o início da quarentena (ARRUDA, 2020), no Brasil
essa resposta demorou muito, e esse pode ser um dos fatores que colaboraram para esse
cenário.
Todavia, não se pode perder de vista de as plataformas de educação e a internet, como
ferramentas de aprendizagem, passaram a ser pontos que os alunos tiveram que administrar
como respondeu o professor supervisor. Mas mesmo assim, o cenário para a educação
brasileira é desolador, a desigualdade está saltando aos olhos, pois quem tem acesso a internet
pode ter aula e quem não tem, acaba sendo colocado de lado. Acreditamos que essa pandemia
já aponta para efeitos piores na educação, como a inserção do modelo remoto para ensino
médio, e evasão escolar.
Dessa forma, para mudar o cenário caótico que se projeta cada vez mais em nosso
futuro, é necessário investimento na educação, e não só investimentos centralizados em
escolas modelos. Mas que essas escolas possam ser realmente difundidas, que os professores
tenham melhor qualidade de trabalho e salário digno. E que as escolas sejam vistas como a
porta larga de um futuro próspero para seus cidadãos e não como mera obrigação.

REFERÊNCIAS

ANNUNCIATO, Pedro. Inovação na educação. Nova Escola, n. 299, p. 26-33, fev. 2017.
AZEVEDO, C. Estágio Supervisionado como lugar de pesquisa: o caso dos estágios do curso de História da
UFRN. In: AZEVEDO, C. (Org.). Docência em História: experiências de Estágio Supervisionado e Formação do
Professor-pesquisador. Natal: EDUFRN, 2017.
ARRUDA, Eucidio Pimenta. Educação remota emergencial: elementos para políticas públicas na educação
brasileira de COVID-19. Revista EmRede: Revista de Educação a Distância, v.7, nº1. Porto Alegre, 2020, p.257-
275. Disponível em: https://www.aunirede.org.br/revista/index.php/emrede/article/view/621.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 2.ed. São Paulo: Cortez,
2008.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros
curriculares. Brasília: MEC/SEF, 1997.
FERREIRA, Marieta de Moraes. OLIVEIRA, Margarida Dias de. Dicionário de ensino de história. Rio de Janeiro:
FGV Editora, 2019.
MACHADO, André Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Golpes na História e na Escola: o Brasil e
América Latina nos séculos XX e XXI/MACHADO, André Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida (Orgs.).-
1.ed.- São Paulo: Cortez: ANPUHSP-Associação Nacional de História- Secção São Paulo, 2017.

SUMÁRIO
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Ensino de história e literatura afro-brasileira: possibilidades


metodológicas na poesia de Solano Trindade

Jamilly Jessica Martins Fernandes1


jamillymartinsf@gmail.com

Natalia Santos Amorim2


nataliasanttosa@gmail.com

INTRODUÇÃO

Desde muito cedo, o indivíduo na sociedade está envolvido com as realidades históricas
de seu tempo, sejam elas relacionadas à sua vida pessoal, ao lugar onde vive, seu país, ou ao
mundo, mas, sempre se ouve uma história e sempre se memoriza uma, quer em casa, na rua
ou na escola, e apesar disso ao longo de sua vida em algum momento ele passa a se questionar:
Mas afinal, o que é História? Esse é um questionamento que ressoa nas aulas de História,
todavia, percebemos que mais importante que a conceituação é perceber os sujeitos que
mudaram a história, que contribuíram para a sociedade, a cultura, a política e economia.
Dentre desses universos de personalidades masculinas e femininas, iremos tratar de uma,
especificamente, um poeta negro brasileiro, que usou sua arte como forma de expressão e
identidade. Caro leitor, apresento Francisco Solano de Trindade.
Francisco Solano Trindade nasceu em 24 de julho de 1908, no Bairro de São José, em
Recife PE, fixando moradia no Rio de Janeiro na década de 40. Trindade, homem negro e
nordestino inicia sua vida na militância no Movimento Negro ainda na juventude, não somente
por ser de descendente de escravizados, mas, sobretudo pela admiração e o prazer que tinha
em vivencia a sua cultura [afro-brasileira], não à toa que é uma das principais personalidades
da cultura e história afro-brasileira no Brasil3.
Considerado como o criador de uma poesia “assumidamente negra”4, Trindade
conciliava as produções de suas poesias com a atuação na criação de outras manifestações da
arte negra, como a inauguração, juntamente com sua esposa Margarida e o sociólogo Edison
Carneiro, do Teatro Popular Brasileiro, em 1951. Faleceu em 1974 na cidade do Rio de Janeiro
de pneumonia.
Artistas como Solano Trindade, comumente são lembrados entre os ciclos de conversas,
em aniversários de sua morte, nos simpósios e colóquios acerca da temática afro-brasileira.

1
Aluna do curso de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
2
Graduada em História pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
3
Em 1934, no Recife é um dos organizadores do I Congresso Afro-brasileiro e em 1936 funda a Frente Negra
Pernambucana, juntamente com o pintor Barros Mulato e o escritor Vicente Lima Ver: Fundação Palmares: 111 anos
de Solano Trindade, o poeta do povo e pai da poesia negra brasileira. Disponível em:
http://www.palmares.gov.br/?p=54702
4
Ver: Portal Geledés: Solando Trindade. Disponível em: https://www.geledes.org.br/solano-trindade/
SUMÁRIO
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Não obstante, suas poesias estão presentes nos livros didáticos de História, muitas das vezes
deixadas de ser contemplada a historicidade e o teor criativo e crítico de sua obra.
Nessa perspectiva, partimos de tais objetivos para acionar a relevância de se estudar
artistas como Solano Trindade, pois, acreditamos no potencial histórico e discursivo de sua
escrita, fundamentalmente por fazer parte de importantes transformações políticas e sociais
entre as décadas de 30 até o ano de sua morte, ademais, assim como a sensibilidade e
profundidade em que toca os temas relativos à escravidão, dotados de um preciosismo
poético, mas, pontual e firme em suas narrações. Solano de trindade é um importante agente
histórico que não pode ficar esquecido nos finais dos capítulos dos livros de história, para isso
que pensamos na reflexão de duas de suas vastas obras: Sou Negro (1961) e Navio Negreiro
(1961).
Para tanto, utilizaremos como aporte teórico para reflexão de nossos diálogos, os
autores: Almeida (2019), Bittencourt (2012), Neto (2008), Pesavento (2003), Chagas (2008),
entre outros autores que discutem em suas produções historiográficas o ensino de História e
a Literatura Negra Brasileira.

Ensino de História e a importância da Literatura Afro-brasileira em sala de aula

Por muito tempo o ensino de História foi evidenciado pela mecanização do ensino-
aprendizagem, onde o fato de aprender estava ligado ao saber de datas, nomes contemplativos
e grandes transformações ocorridas na sociedade. Além disso, o documento como fonte
imprescindível do saber histórico para o historiador foi um fenômeno do século XIX. Essas
evidências definidas como pensamentos positivistas foram rompidas com novas vertentes
históricas que surgiram no fim do século XIX para o início do século XX, ampliando assim a
didática do estudo histórico, estas novas vertentes surgiram com a Escola dos Annales 5 que
valorizavam outras fontes além do documento muito importantes.
Se antes tínhamos o documento escrito como principal e única fonte do que é
verdadeiro, aqui, novas fontes seriam trabalhadas como a música, a literatura, as imagens ou
a cultura material. Este fator modificou, portanto, o conceito de fontes históricas, entendendo-
as como vestígios, registros do passado ligados diretamente aos estudos como o cotidiano, o
imaginário, a alimentação, as tradições e a cultura, por exemplo. No entanto, os documentos
escritos não perderam seu valor, mas passaram a ser reinterpretados partindo de técnicas
interdisciplinares. Além disso, sua principal proposta foi ampliar o conhecimento histórico
acerca dos tantos outros agentes históricos que não estão registrados nos documentos ditos
oficiais.

O positivismo admite apenas o que é real, verdadeiro, inquestionável, aquilo que se


fundamenta na experiência. Deste modo, a escola deve privilegiar a busca do que é prático,
útil, objetivo, direto e claro. As ideias positivistas influenciaram a prática pedagógica na
área das ciências exatas, influenciaram a prática pedagógica na área de ensino de ciências
sustentadas pela aplicação do método científico: seleção, hierarquização, observação,

5
A escola dos Annales traduz a essência das pretensões do grupo de historiadores formado a partir de quatro grandes
nomes: Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel e Jacques Le Goff cujas obras, unidas, sintetizam o espírito desta
escola: “Historiadores sejam geógrafos. Sejam juristas, também, e sociólogos, e psicólogos.”. BURKE, Peter. A Escola
dos Annales. São Paulo: UNESP, 1997.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 168

controle, eficácia e previsão. (Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 3, n.7, p. 89-94,


set./dez. 2002.).
Neste sentido, o ensino de história passou a vincular-se com a construção de cidadania,
através do conhecimento histórico, permitindo a compreensão das questões sociais, culturais
e morais, tanto do passado quanto da realidade ao qual estamos inseridos.
Refletir sobre o diálogo da história e literatura no Brasil, assim como a
interdisciplinaridades com outras áreas, remonta a década de 80, na qual, a inserção de novos
problemas, sujeitos da história, novas abordagens, alargamentos das fontes e uma ampliação
da própria noção de história, ganharam tônica em um solo historiográfico cujos modelos de
regimes de verdade, explicações globalizantes e as aspirações às totalidades, estavam em
declínio e esgotamento, conforme explica Sandra Pesavento em a “História e História Cultural”.
Nessa perspectiva, tais ampliações não se restringem apenas as escritas do campo
social, cultural e político, mas, também no âmbito educacional através de reflexões que
pensem o ensino de história:

“As experiências com trabalhos através da música, da literatura, do cinema, da fotografia,


etc. revelam possibilidades de se substituir ou confrontar a “única” linguagem “oficial” do
livro didático com estas outras, que muitas vezes são desprezadas pelo historiador.”
(FONSECA, 1989/1990, P.205).

A despeito disso, o ensino de história vem pensando possibilidades, através do diálogo


com outras formas de abordagem, que se distancie dessa dita história tradicional que tem
como característica uma história factual, eurocêntrica e masculina, e que se aproxime de
debates que abarquem as novas tecnologias e diálogos interdisciplinares, como também, que
reflita a respeito da diversidade e dos problemas dos diversos sujeitos da história: mulheres,
negros, indígenas, ciganos, em suas expressões sociais, políticas e culturais.
Doravante, embasadas nesses apontamentos acima, pensamos para esse trabalho o
diálogo entre literatura e ensino de história, no sentido de abordarmos um importante poeta,
cineasta e diretor afro-brasileiro, Francisco Solano de Trindade, por meio de sua poesia que
tem muito a nos ensinar sobre o período da escravidão, desigualdade social, racismo e a
cultura negra em nosso país.
Trindade é um artista demasiadamente citado nos livros didáticos, se nos voltarmos
para uma pilha de livros de história não seria estranho se encontrássemos algumas de suas
poesias, aliás, o diálogo com os textos literários é algo comum nos livros didáticos, entretanto,
sobram textos e faltam didáticas e metodologias efetivas para trabalhá-las em sala de aula,
sobretudo quando se trata da literatura afro-brasileira, como mencionado por Waldecir
Ferreira Chagas a respeito da obrigatoriedade do ensino de história afro-brasileira nas
escolas:

“Essa realidade é denotativa de que não basta fazer referência à África, à cultura afro-
brasileira e ao negro (a) na sala de aula, é preciso atentar para a abordagem dada aos
conteúdos trabalhados, ela também aponta para a necessidade da formação docente, uma
vez que os problemas identificados decorrem da estratificação de um imaginário sobre a
África que a concebe como continente pobre, subalterno e incivilizado.” (NETO, 2008, P.
163).

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 169

Nesta direção, é de extrema necessidade que se busquem caminhos e metodologias


possíveis para melhor formar um conhecimento histórico a respeito do tema, em especial as
temáticas afro-brasileiras, como enfatizado por Circe Bittencourt (2012), o livro didático é um
documento, objeto produzido por um determinado sujeito: “Nesse sentido, cabe ao professor
a tarefa de utilizar uma metodologia que possibilite leitura e interpretação que despertem o
sentido histórico nas relações triviais da sala de aula” 6. Não obstante, temos assim, como um
dos nossos principais objetivos do nosso trabalho, pensar metodologias através dos poemas
de Solano trindade, Sou negro (1961) e Navio Negreiro (1961).

Solano de Trindade e a expressão da história e cultura afro-brasileira: diálogos


metodológicos dos sonetos: Sou negro (1961) e Navio negreiro (1961)

Nesse segundo momento temos como principal objetivo trabalhar os poemas Sou negro
(1961) e Navio Negreiro (1961), dialogando a respeito de como a produção literária de Solano
Trindade pode ser trabalhada. Optamos por propor ao docente trabalhar o poema em partes,
caracterizando os elementos contidos e fazendo com que o aluno reflita acerca do diálogo que
Solano de Trindade propõe.
Sou negro (1961)
Meus avós foram queimados
Pelo Sol da África
Minh’ alma recebeu o batismo dos tambores
Atabaques, gonguês e agogôs.

No título e na primeira estrofe percebemos que o autor tem o propósito de deixar


evidente uma identidade, a afirmação do que é: “Sou negro”. E a partir dessa marcação ele
inicia sua narrativa falando de uma origem cuja ascendência se refere à África, lugar onde veio
seus avós, que vieram do “sol forte” do continente africano. Percebe-se que se trata de uma
conversa, como se estivesse narrando para um ciclo de pessoas, na qual ele abertamente fala
de suas raízes, e poetiza a respeito da alma, que recebeu o batismo dos tambores, dos
atabaques e agogôs, ou seja, remonta as manifestações da cultura, da musicalidade e
expressões africanas, que consideram os elementos da natureza e a música como algo
sagrados.
Contaram-me que meus avós vieram de Luanda
Como mercadoria de baixo preço
Plantaram cana pro senhor do engenho novo
E fundaram o primeiro maracatu

No passo que Trindade se aprofunda no diálogo com o leitor ele nos revela de onde seus
avós vieram, de Luanda, capital da Angola, uma das muitas regiões que foram retirados de seu
solo milhares de seres humanos para serem escravizados no Brasil. Como pontuado, tratados
como “mercadoria de baixo preço”, para trabalhar no engenho. A didática do autor nesses
trechos é de extrema relevância, pois, ele toca especificamente em uma das principais
características da escravidão: retirar seres humanos do seu lugar de origem, extrair suas

6
Ver: Bittencourt, Circe. O saber histórico na sala de aula (org) 12 ed. São Paulo: Contexto, 2012, - P.86
SUMÁRIO
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identidades e vendê-los como mercadoria para serem explorados nos engenhos que
enriquecerem os latifundiários.

Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi


Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
Escreveu não leu o pau comeu.
Não foi um pai João
Humilde e manso

Doravante, o autor em sua plena intimidade com sua escrita, estabelece uma relação
mais próxima do leitor, ele nos aponta característica do avô, que mesmo sem ter um nome
revelado, nos fala que o mesmo era valente, briguento, de temperamento forte, uma vez que
brigou “como um danado nas terras do zumbi”. Ora, teria o tal avô fugido do engenho e sendo
acolhido no Quilombo dos Palmares? cuja permanência foi atentada por inúmeros ataques a
esse espaço de resistência, até a morte do último líder Zumbi, como também de sua
companheira a guerreira Dandara.
Não obstante, percebemos o propósito de Trindade em caracterizar elementos
históricos, como a referência a África, a musicalidade africana, ao espaço de resistência e
liberdade que foi o Quilombo dos Palmares, ao citar a valentia do avô, o faz o mesmo processo
com a avó, não a deixando de mencionar sua participação na Guerra dos Malês:
Mesmo vovó
não foi de brincadeira
na guerra dos Malés
ela se destacou.

Na minh’alma ficou
O samba
O batuque
O bamboleio
E o desejo de libertação

Contudo, mesmo tendo conhecimento do contexto que Trindade fala, como as


perversidades da escravidão e da luta de seus descendentes, o autor nos dá um desfecho
interessante, apesar de tudo isso, o que fica em sua alma é o samba, o batuque e o bamboleio,
o riso e a sensação de fuga da realidade que a música e a dança traz, entretanto, o desejo de
libertação nunca sana: do racismo, das desigualdades, da injustiça e violência policial e dentre
outros elementos que ferem o sentido de liberdade da população negra.
Nesse sentido, para fecharmos o primeiro poema, deixamos para o docente a
possibilidade também de fazer um paralelo entre as questões tratadas no poema, com o tempo
presente, fazendo com que o aluno pense e reflita a respeito dessa tal noção de liberdade, o
fazendo questionar sobre temas como violência e a inclusão de negros e negras nas
universidades.
Assim como o exercício de se colocar no lugar do outro, pergunte a seus alunos como
eles se sentiriam se fossem eles próprios ou um familiar, um amigo na condição de
escravizado. Questionem seus alunos, como se sentiria se trabalhassem sem remuneração, se
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 171

fossem mantidos em cativeiro em péssimas condições de vida, o que sentiriam? Provoquem


seus alunos, como eles se sentiriam, uma vez ex-escravizados, serem colocados a margem da
sociedade, como ocorreu no pós abolição. Uma educação que faz o aluno pensar e se colocar
no lugar do outro é um passo para promovermos a formação do conhecimento, além de seres
humanos mais conscientes e sensíveis, elementos que contribuem para um ensino de história
efetivo.
Escrito em 1961 por Solano Trindade, o poema “Navio Negreiro” em seus versos,
representa a fala do negro que por muito tempo foi abafada pelo colonizador. Não obstante,
nos poemas aqui escolhidos, que fazem parte da Literatura Negra Brasileira, o sujeito negro
passa de objeto à sujeito, uma vez que, não é apenas dele que se fala, mas é ele quem fala.
Nessa continuidade, usar o poema “Navio Negreiro” de Trindade em sala de aula,
proporciona ao professor de História a possibilidade de mais de uma abordagem conteudista
para ser trabalhada em sala de aula que remonta a um período da História do Brasil Colonial,
não obstante que, Navio Negreiro é tema de mais de uma obra literária e poética, escrita por
outros autores em diferentes épocas, como Castro Alves e Caetano Veloso, por exemplo.
O que foi então o Navio Negreiro? Iniciaremos com essa pergunta seguindo os versos
da primeira e segunda estrofe:
Lá vem o navio negreiro
Lá vem ele sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar...

Lá vem o navio negreiro


Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana...

Os navios negreiros na História representavam a prática de tráfico de escravos da


África para o continente europeu e americano, dos quais o Brasil está inserido. Constituída, de
uma migração forçada de africanos com o intuito de escravizá-los durante o período de
colonização, é importante discutir em sala de aula a luta desse povo que há mais de trezentos
anos usaram modos de resistências diversos para sobreviverem fisicamente e culturalmente
ao processo de colonização imposto pelo sistema escravista.
Nesta perspectiva, os dois últimos parágrafos, em seus veros, para além daqueles
negros que estavam sendo trazidos nas embarcações, Solano também faz uma alusão de si
mesmo, como alguém que fala e que ver e que se representa, o Eu negro, herdeiro de uma
tradição e de uma cultura dos seus ancestrais:
Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia...

Lá vem o navio negreiro


Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência...
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 172

Nestes versos acima, Trindade elucida o povo negro, na perspectiva de um olhar crítico,
onde, naquelas cargas vindas para o Brasil, o negro era bem mais do que os estereótipos
ligados à sua figura: a selvageria. No contrário da desumanização, eles eram humanos,
inteligentes e poéticos, Trindade, no entanto, é uma representação disso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando toda a discussão do ensino de história voltada para o uso metodológico dos
poemas de Solano Trindade, a não limitação apenas da compreensão do tempo histórico ou
fato histórico, instigam nos alunos uma complexidade de significados históricos que estão
relacionados às intencionalidades de informações ligadas aos atores sociais de uma
determinada época, servindo estes como elemento provocador, que faz o aluno repensar as
múltiplas representações de conhecimentos históricos já cristalizados ao longo dos tempos,
estimulando assim, com que estes proponham debates, indo à busca de informações e
elaboração de seus próprios argumentos.
Nesta perspectiva, faz-se necessário que o professor de história use e não apenas esses
poemas aqui trabalhados como parte de seu material didático, haja vista a sua importância e
contribuição na formação de um sujeito crítico mediante as informações que lhes são
apresentadas.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Roberto Emerson Câmara. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira/ Roberto
Benjamin. – João Pessoa, PB. Editora Grafset, 2004. P. 9-10
BITTENCOURT, Circe. O saber histórico em sala de aula/ Circe Bittencourt (org.) Livros Didáticos entre textos e
imagens, p.69. 12, ed – São Paulo: Contexto, 2012. P.86.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales. São Paulo: UNESP, 1997.
CHAGAS, Waldeci Ferreia. Cultura afro-brasileira na escola: A obrigatoriedade da lei e o compromisso
político. P.163. História ensinada: linguagens e abordagens para a sala de aula/ Martinho Guedes dos
Santos (org.). João Pessoa: ideia, 2008. P.197
FONSECA, S, G. Ensino de História: diversificação de abordagens. Revista Brasileira de História, São
Paulo, vol. 9, n. 19, p. 197-108, set. 1989/fev.1990.
Fundação Palmares: 111 anos de Solano Trindade, o poeta do povo e pai da poesia negra brasileira.
Disponível em: http://www.palmares.gov.br/?p=54702. Acessado em: 03/11/2020
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História &... Reflexões. História & História Cultural. Ed Autêntica. 3ª ed. 2003.
Portal Geledés: Solando Trindade. Disponível em: https://www.geledes.org.br/solano-trindade/. Acessado em:
03/11/2020.
Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 3, n.7, p. 89-94, set./dez. 2002.

SUMÁRIO
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História e Ilustração Literária: a importância dos estudos da África


no ensino básico brasileiro

Vivian Vital Gualberto1


viviangualberto9@gmail.com

INTRODUÇÃO

O Brasil se destaca como uma das maiores sociedades multirraciais do mundo e abriga
um contingente significativo de descendentes africanos dispersos na diáspora. De acordo com
o censo de 2000, o país conta com um total de 170 milhões de habitantes; destes, 91 milhões
de brasileiros(as) se auto classificam como brancos (53,7%), 10 milhões como pretos (6,2%),
65 milhões como pardos (38,4%), 761 mil como amarelos (0,4%), e 734 mil indígenas (0,4%).
Essa distribuição demográfica e étnico-racial é passível de diferentes interpretações
econômicas, politicas e sociológicas.
Visto que, desde meados do século XIX, as elites intelectuais discutiam a criação de uma
identidade para o Brasil. Essa identidade implicava em transformar o caráter rural e escravista
do país em modernidade, espelhada em transformações urbanas e arquitetônicas, no advento
de novos costumes e na incorporação de novas ideias cientificas. O período final do século XIX
culminou no desenvolvimento do pensamento ocidental, e nele se assistiu a discussão do
racismo cientifico, que associava raça e cultura. Entre as várias discussões em curso, os
“homens das ciências” estudavam a contribuição das raças na identidade nacional, para
melhor discernir soluções para o país (SCHWARCZ, 1995, p.40).
O presente estudo é sugestionado a partir de inquietações acerca dos estudos étnicos
raciais e especificamente a respeito da África e a complexidade que encontramos nos
professores (as) em lecionar acerca do tema de maneira segura, objetivando também
desmistificar o eurocentrismo que ainda é predominante nesse campo do conhecimento. As
ações propostas aqui surgem como proposta pedagógica para auxiliar o (a) professor (a) de
História nas séries do Ensino Fundamental II, de maneira que consiga trabalhar o conteúdo a ser
ministrado conforme o currículo escolar e atrele isto à fonte lúdica de fácil acesso.
Percebe-se que as ações do professor (a) de história podem ser desenvolvidas de forma
lúdica, para estimular o aluno pelo gosto da leitura, especialmente pela história do povo
africano e afro-brasileiro desmistificando, também, a ideia de que a aula de história é
monótona e enfadonha. Desta forma, propomos a utilização de novas ferramentas nas aulas,
como o uso de recursos multimídias, a fim de que os alunos possam conhecer a realidade do
povo africano e sua identidade. Com esse objetivo surge nossa proposta, como diz BRITO
(2017):

O papel do professor é de fundamental importância nesse caso para que novas metodologias, e
recursos tecnológicos, assim como os trabalhos pensados de forma lúdica tragam resultados
positivos, os professores necessitam trabalhar em parceria e também ter conhecimentos a

1
Graduanda em Licenciatura plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba. E-mail:
vivian.gualberto9@gmail.com
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 174

respeito do que está sendo trabalhado [...] utilizando destas atividades para a interação e
comunicação entre áreas diferentes de conhecimento, facilitando o ensino e promovendo o
aprendizado, que, por sua vez, pode ser mútuo (BRITO 2017, p.8).

A palavra lúdica vem do latim Ludus, que significa jogo, divertimento, gracejo, escola.
Este brincar também se relaciona à conduta daquele que joga, que brinca e se diverte. Por sua
vez, a função educativa do jogo oportuniza a aprendizagem do indivíduo: seu saber, seu
conhecimento e sua compreensão de mundo. Portanto, entendemos como necessário a
utilização do lúdico na sala de aula, e desta forma, utilizaremos em nossa proposta o livro “A
Caixa de segredos” do autor Rogério Andrade Barbosa com ilustrações de Gerson Conforti que
aborda a narrativa das memórias de Malã, apresentado como tataravô do narrador, o qual
descreve um percurso de sofrimento, participação e superação. A obra também traz elementos
que mobilizam a curiosidade a partir das ilustrações que vão sendo esclarecidas.
Consideramos, pois, que o professor (a) deve provocar o aluno (a) a pensar e criar
situações para sua interação no contexto escolar; e solicitar que ele (a) acompanhe a
construção do conhecimento, através de uma aula que se apodere de instrumentos lúdicos,
especificamente as ilustrações contidas na proposta do livro “A caixa de segredos”. Porém o
mais próximo possível da sua realidade, porque assim ficará mais fácil para os alunos (as)
identificarem, investigarem e resolverem problemas, bem como gerar sentimentos de
pertencimento, equidade ao estudar sobre a África e os Afro-brasileiros criando um ambiente
em que o professor (a) será capaz de construir situações de problematizações que serão
desencadeadoras de conhecimentos.

Fundamentação Teórica

Dessa forma, antes de apresentar os procedimentos para a abordagem dos textos a que
nos referimos, visto que é preciso entender o que é a História da África e a cultura Afro-
Brasileira, faremos uma apresentação teórica do tema. Pontuamos que a educação em países
multiculturais deve se desenvolver sem discriminações, sem fazer omissões, garantindo,
valorizando e respeitando os vários segmentos e etnias que constituem a nação.
Indiscutivelmente, a percepção que ainda se tem da África, junto a um imaginário
europeu que foi construído no paulatino decorrer da história, é a que existia muita miséria,
fome, doenças e escravos. Segundo Carlos Serrano e Maurício Waldman em sua obra “Memória
d’África” (2007), a percepção do europeu sobre o africano no século XVI foi o alicerce para os
inúmeros preconceitos que a comunidade negra ainda sofre, tendo em vista que várias
explicações de cunho religioso fundamentaram uma visão pessimista sobre a África, como por
exemplo, o mapa dos salmos e a teoria camita.
Ao tornar obrigatório o ensino da temática história e cultura afro-brasileira em todos
os níveis de ensino, busca-se germinar questionamentos e reflexões sobre a diversidade em
todos os níveis em especial a racial e cultural, como um conhecimento que valorize e promova
respeito à diversidade de nosso país. Definido os objetivos, torna-se necessário apontar fontes
para o trabalho com essa temática em sala de aula.
A literatura lúdica seria não como uma solução de problemas, mas uma ferramenta a
mais para o professor (a) nortear seu trabalho. Assim como, os livros didáticos oferecem
algum “suporte” as mais variadas disciplinas, da mesma forma que é investido milhões em
livros didáticos, também pode ser investido em algo que facilite a compreensão do tema que

SUMÁRIO
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tem levantado diversos movimentos. Em síntese, como concluem Maria da Glória Bordini e
Vera Aguiar:

Para que a escola possa produzir um ensino eficaz da leitura da obra literária, deve
cumprir certos requisitos como: dispor de uma biblioteca bem aparelhada, na área da
literatura, com bibliotecários que promovam o livro literário, professores leitores com
boa fundamentação teórica e metodológica, programas de ensino que valorizem a
literatura e, sobretudo, uma interação democrática e simétrica entre alunado e
professor (1988, p. 17)

Dessa forma, visa-se abolir abordagens preconceituosas, principalmente nas séries


iniciais da escolarização, preocupando-se em trazer um conhecimento maior e a quebra dos
efeitos perversos da intolerância que são percebidas precocemente, uma vez que a realidade
escolar espelha as questões da realidade social na qual ela está inserida. Contudo, essa
realidade pode e deve ser moldada, a partir de temas pertinentes como esse, sendo trabalhado
em sala de aula, já que busca refletir sobre a ausência de representações dos grupos étnicos,
as várias manifestações da sociedade, a ausência de questionamentos sobre a ordenação social
e estereótipos, desconstruindo mitos que impedem a formação de uma sociedade pluralista e
equilibrada.
É fundamental para alcançarmos nosso objetivo principal caminhar em direção ao
ensino de história que possa dar suporte, sobre a importância do ensino da África. Posto isso,
a Constituição Federal de 1988, define a educação como um direito social. A lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n°. 9394/96) e o Plano Nacional de Educação (Lei n° 10.172,
de 9/01/01) traduzem esta definição jurídica em desdobramentos específicos nacionais e
legislações complementares. Estes desdobramentos se configuram como componentes das
politicas educacionais e são base importante para a concretização das mesmas. Portanto, no
âmbito da proposição, a lei 10.639/03 se configura como uma politica Educacional de Estado.
Contribuindo assim para uma maior efetivação da lei 10.639 que prevê a inclusão,
reconhecimento e a valorização da história e da cultura afro-brasileira, esperando criar novas
formas de abordagem, assim como, priorizar a educação e construir uma educação
antirracista. Como destaca Nilda Gomes:

[...] em alguns setores da mídia, dos meios intelectuais e políticos permanecem tensões
e discordâncias sobre a importância da inclusão da temática étnico-racial nas políticas
curriculares e nos processos de gestão. A Lei 10.639/03, suas diretrizes nacionais e a
Resolução CNE/CP 1/2004 podem ser consideradas como um divisor de águas e, ao
mesmo tempo, a explicitação dos tensionamentos sobre a responsabilidade do poder
público no combate às desigualdades raciais. (GOMES, 2009, p.51)

Segundo Cruz (2006), apesar de ser possível constatar o alto índice de pessoas negras
ou seus descendentes no Brasil, ainda falta ampliar o leque de conhecimento dos mesmos
acerca da História e da cultura africana. A preocupação em desmontar os preconceitos logo
nas primeiras séries se explica pelo fato de que os efeitos perversos da intolerância são
sentidos ainda cedo. A articulação da disciplina história da África tem como objetivo dar a
ancestralidade aos grupos africanos que vieram para a América. Saber quem eram, o que
faziam, onde se localizavam e enfocar suas contribuições nas relações sociais.
Uma ferramenta para auxiliar no debate é a educação. Entre tantas possibilidades
selecionamos uma de Rogério Andrade Barbosa – pioneiro e expoente na literatura que versa
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sobre a temática africana e afro-brasileira – apresenta no livro A caixa dos segredos (Galeria
Record, 2010), que conta a história de Malã, narrada pelo o seu tataraneto Antônio (batizado
com nome cristão).
Ao longo da obra o leitor conhece a história desde a captura do povo africano à chegada
ao Brasil e sua permanência no país. O livro é dividido em quatro etapas: A primeira fase
enfatiza a infância de Malã (nome de origem africana), sequenciada dos ensinamentos sobre
sua religião e a mudança do seu nome para Antônio, assim como o primeiro contato com
línguas, costumes diferentes e a servidão que lhe fora imposta depois da invasão que fazem na
Aldeia onde ele morava. O capítulo também retrata a sua captura para o Rio de Janeiro, em que
anúncios foram colocados sobre a chegada de vários negros, inclusive Malã (que teve sua
venda anunciada com destaque nos jornais da época) com o realce de “peça rara” porque os
seus vendedores espalharam as boas qualidades que viram desenvolver durante a sua captura
sendo um dos primeiros a ser vendido e levado pelo um dono lusitano que, tinha um vasto
comércio de lojas e alfaiataria para a cidade de São Salvador. Após este episódio o protagonista
passa a ser chamado por Antônio, embora sempre fizesse questão de manter seu nome
africano que usaria por toda a vida: Malã.
O segundo capítulo retrata a sua juventude, em que é apresentada a vasta população
negra da cidade de São Salvador. O protagonista relata que às vezes tinha a impressão de estar
em um reino Africano dominado por brancos. Nessa fase, Malã foi colocado para trabalhar
numa das alfaiatarias que seu dono tinha, ficando sobre os cuidados de um empregado
chamado Licurgo. O que Malã não imaginava era que esse homem também iria dar
continuidade aos ensinamentos que ele tivera na infância sobre as rezas do alcorão e a escrita
árabe advertindo que evitasse falar sua origem. O personagem presencia e participa da revolta
dos malês, na qual acontece a morte de Licurgo a quem ele tinha grande estima, considerando-
o como mestre. O capítulo finaliza com o seu retorno ao Rio de Janeiro, onde é vendido a outro
comerciante.
No terceiro capítulo, maturidade, Malã torna-se um alfaiate conhecido e respeitado por
sua sabedoria, assim como pela agilidade com as agulhas. É aí que conhece Eponina
(descendente de poderosas “tias baianas”) sua futura esposa e companheira de lutas e
sacrifícios a quem chamava carinhosamente de Nininha. Depois de muito tempo trabalhando,
ele consegue comprar sua carta de alforria. Ele e Nininha tiveram sete filhos, mas somente três
atingiram a idade adulta, os outros morreram em decorrência de várias doenças. Cada um de
seus filhos seguiu um rumo, mas o mais novo, chamado Balbino (capoeirista e metido a
valentão) acabou sendo recrutado à força para servir como “soldado voluntário” durante a
guerra no Paraguai. Depois de anos ele volta com medalha no peito, mas com uma perna só, a
outra acaba ficando no campo de batalha. Mesmo assim, Malã mantém seu sincretismo sendo
chamado de mestre por todos os que conheciam. Nos fundos do seu estabelecimento, ensinava
outros meninos e meninas a ler e a escrever e, também, a costurar.
Por último na quarta fase, velhice, Malã, à medida que envelhece, limita-se a registrar
os fatos mais marcantes que tivera o privilégio de testemunhar. A campanha abolicionista fora
um deles. Participava sempre que podia dos comícios e das marchas cívicas que agitaram as
ruas e praças do Rio de Janeiro. Mesmo na velhice ele se preocupava com a falta de medidas
efetivas para a integração do negro à nova realidade, até que conhece João Cândido, em 22 de
novembro de 1910, e juntos passaram a liderar a rebelião da marujada para acabar com os
castigos corporais e por melhores condições de trabalho. Malã foi um mestre popular,

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E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 177

testemunha da história de nosso país, que tanto ajudou a construir sua luta, seu sofrimento e
seu trabalho, faleceu um mês depois do final da Revolta da Chibata, na véspera de Natal.
A partir das ideias discutidas neste trabalho sugerimos que, sempre que possível, as
atividades de sala de aula sejam iniciadas com alguma atividade motivacional, visto que, como
diz BRITO (2017) tais atividades visam preparar os alunos (as), de forma lúdica, para realizar
as atividades que serão propostas pelo professor (a), utilizando do humor, como ferramenta
de estímulo aos alunos (as), para que possam entender à diversidade cultural brasileira, assim
como, aceitar esta diversidade e reconhecê-la, visto que o Brasil é formado a partir da
miscigenação dos povos. Para tanto, propomos as seguintes atividades que estarão divididas
em três momentos diferentes, para que sejam desenvolvidas em sala de aula:
O professor (a) poderá iniciar a sua primeira aula fazendo a abordagem do nome
ÁFRICA com visibilidade no quadro e perguntará aos alunos (as) o que esse nome traz a
memória, seja algum personagem, conto, palavra, entre outros. A partir do que for exposto e
acrescentado ao quadro, faz-se necessário que seja iniciado um pequeno debate do que é
discutido nas escolas. Após este primeiro procedimento, será dado à continuidade com a
distribuição de alguns papéis para que eles respondam as seguintes perguntas:
a) “O que vocês conhecem acerca da África?”.
b) “Na sua escola com que frequência é passada sobre a cultura dos africanos e afro-
brasileiros? Já ouviram esse termo?”.
Num segundo momento, será solicitado aos alunos que listem as atividades que
lembrarem no papel e socializem suas respostas. Após essa atividade, propomos que seja feito
o seguinte questionamento:
a) Alguém tem consciência do que é o continente Africano?
Com base nas respostas, apresentar a geografia onde está localizado o continente e logo
após, apresentar de maneira didática a História da África, fazendo uso de slides e fotografias.
No terceiro e ultimo momento, será trabalhado sobre o preconceito e visões acerca da história
da África e afro brasileira com as seguintes perguntas: Você já foi vítima de algum preconceito?
De que tipo e onde? Sente-se à vontade para poder falar sobre o assunto? O que o continente
Africano traz a sua memória?
A partir da atividade anterior serão apresentadas aos alunos (as) as ilustrações do livro
“A caixa de segredos” e explorado cada fase que o autor narra sobre a vida de Malã. Pode ser
entregue aos alunos (as) as ilustrações que vem no livro, dividindo a turma em trios e
sorteando diferentes ilustrações que o autor narra no livro durante cada fase de sua vida. Cada
grupo terá que expressar através de mímicas a ilustração que foi entregue.
Após o momento acima, deve-se proceder a um pequeno debate sobre o continente
Africano e o preconceito contra os africanos e afro-brasileiros com intenção de ocasionar um
ambiente de reflexão, desconstrução, respeito e pertencimento.

CONCLUSÃO

A inclusão de novas orientações escolares que privilegiam a história da África e afro-


brasileira é a concretização das antigas reivindicações iniciadas no século XX. Sua efetivação
em politica pública está ligada ao reconhecimento do estado da necessidade de valorização de
uma população que desconhece sua própria história. Não se trata apenas de alterar livros ou
obrigar ao desenvolvimento de determinas ações, mas, sobretudo, promover um processo que

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envolva o combate às formas de intolerância que, junto com o debate, possa promover a
inclusão.
Acreditamos, pois, que estes procedimentos podem facilitar o processo de ensino-
aprendizagem no âmbito escolar e a partir do lúdico, os alunos (as) possam assimilar melhor
os conteúdos, compreendendo, dessa forma, como os povos africanos e afro-brasileiros se
reinventarem, para que possam ser quebrados diversos preconceitos com uma cultura que
luta por ter seu papel de contribuição na sociedade e também uma conscientização juntamente
com momentos que podem se tornar prazeroso através das ilustrações utilizadas na obra em
trabalho. A proposta apresentada faz-se necessária ao ambiente escolar para dar suporte aos
professores (as) de história, assim como, oferecer aos alunos (as) da educação básica aulas
pautadas em propostas pensadas de forma lúdica e multimodais.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Rogério Andrade. A caixa dos segredos. Il. Gerson Conforti. Rio de Janeiro: Record, 2010.
BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor. Alternativas
metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
COSSON, Rildo. O espaço da literatura na sala de aula. In: PAIVA, Aparecida; MACIEL, Francisca; COSSON, Rildo
(Coords). Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2010.
GOMES, Nilma Lino. Limites e possibilidades da implementação da Lei 10.639/2003 no contexto das políticas
públicas em educação. In: PAULA, M; HERINGER, R. (Orgs.) Caminhos emergentes: estado e sociedade na
superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Boll, ActionAid, 2009.
GOMES, Nilma Lino. Implantação da Lei 10.639 esbarra na gestão do sistema e das escolas. Nação escola, 2, p.6-
9, 2010.
CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e educação: olhares em convergência. Ponta Grossa: UEPG, 2007.
p.153.

SUMÁRIO
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A falta de compreensão sobre a utilidade do ensino de História:


uma pesquisa de amostragem

Augusto Agostini Tonelli (UEM)


augusto.tonelli@hotmail.com

Letícia da Silva Leite (UEM)


leticia.leite10@gmail.com

A pesquisa aqui exposta pretendeu desenvolver uma reflexão sobre o ensino de


História por meio de questionários aplicados por nós durante o período do estágio
supervisionado nesta área em dois colégios estaduais da cidade de Maringá. Nossa intenção a
priori foi obter, a partir do estudo dos resultados do questionário, um maior conhecimento
sobre a opinião dos alunos sobre estudar História, para que assim, pudéssemos melhor pensar
formas de planejar aulas que gerassem interesse e atendessem o real objetivo da disciplina,
posto que, como afirma Libâneo (2006), para compreendermos as necessidades de atualização
na forma de transmissão de conteúdo sente-se a necessidade de ouvir e analisar a parte mais
importante no processo de ensino aprendizagem - o aluno.
Aplicamos os questionários impressos em papel sulfite durante aulas disponibilizadas
pelos professores que acompanhamos durante o período do estágio obrigatório do curso de
História. Os questionários foram aplicados em 4 turmas do ensino fundamental, mais
precisamente de uma turma de sétimo ano, duas turmas de oitavo ano e uma turma de nono
ano, sendo duas dessas turmas de um colégio e duas de outro, ao todo 77 alunos participaram
da pesquisa, a idade dos entrevistados varia entre 12 e 16 anos. Os alunos tiveram 50 minutos,
a duração de uma aula, para responder as perguntas, que variavam entre perguntas abertas,
perguntas com múltipla escolha e perguntas que pediam justificativas para as respostas “sim”
ou “não”, variadas entre interesses culturais e pessoais, bem como fatores econômicos e
sociais, deixando-os livres para deixar de responder questões que os deixassem
desconfortáveis. Para esse texto, utilizaremos apenas os resultados de duas questões
relacionadas ao ensino de História.
A primeira questão que fizemos dentro deste tema foi se os alunos gostavam ou não de
estudar a disciplina, 64% dos alunos responderam que sim, enquanto 35% afirmou não gostar
e 1% não respondeu. Ao perguntarmos se eles consideram essa uma disciplina útil, 73% deles
responderam que sim e justificaram que consideram importante estudar História para que
adquiram conhecimentos sobre o passado, outros 23% responderam que não, pois
consideram inútil pra sua vida estudar fatos que já aconteceram. Percebemos que tanto nas
justificativas da parte que considera a disciplina inútil quanto da parte que considera útil,
havia uma desinformação por parte dos alunos quanto a importância do ensino de história.
Visto isso, pretendemos discorrer a seguir uma reflexão no sentido de repensar o ensino de
História no contexto escolar e na sociedade contemporânea, posto que, a escola, juntamente
com os professores/educadores, pais e a comunidade escolar em geral, podem e devem ser
capazes, de analisar, refletir e compreender verdadeiramente, que o ensino de História vai
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 180

além de pequenos conhecimentos retirados dos livros didáticos, que muitas vezes, os docentes
ou a própria instituição de ensino oferece aos estudantes.
Refletir sobre o ensino de História acarreta diversos desafios, um deles é a busca por
legitimação sobre a importância de um conhecimento que no âmbito escolar vem sendo
desvalorizado. A História cumpre sua função enquanto conhecimento científico, para isto, é
necessário que se constitua uma consciência histórica por meio de uma formação histórica,
que se realiza entre outras instâncias, por meio da aprendizagem escolar. Propõe-se, destarte,
um diálogo entre a construção do saber histórico escolar e o conhecimento histórico científico,
valorizando o seu caráter orientador na vida humana. Considerando isso, podemos afirmar
que estudar História é de fundamental importância para tornar os alunos cidadãos mais
conscientes e formadores de opiniões críticas.
De acordo com Caimi (2008), o campo do ensino de história propõe abarcar
competências como: a compreensão da relatividade do conhecimento histórico, fruto não de
verdades definitivas, mas do olhar do historiador, sempre seletivo, do método e das fontes; a
ruptura com a ordenação temporal e espacial dos conteúdos, fundamentada na noção de
múltiplas temporalidades, de Fernand Braudel (1978), e na perspectiva francesa da história
por eixos temáticos; o consenso em torno da impossibilidade de estudar toda a história da
humanidade, de todas as épocas e lugares, e da necessidade de fazer recortes de temáticas e
problemáticas de estudo nos programas escolares, com base em preocupações advindas das
práticas sociais e das problemáticas do tempo presente; a compreensão da memória histórica
como instrumento de luta, de emancipação e de transformação social, na medida em contribui
para o desenvolvimento de habilidades de pensamento que permitem a desnaturalização do
passado e o questionamento das tradições herdadas, a incorporação de diversas linguagens
de ensino, com especial atenção para o cinema, a música, a imagem e documentos históricos
impressos em geral, a tentativa de substituição da memorização pela reflexão histórica,
favorecendo a aprendizagem pela descoberta e pela construção do conhecimento; a ênfase na
produção do conhecimento pelo manuseio de fontes históricas, visitações a arquivos, museus,
sítios arqueológicos, destacando-se o esforço de promover a apropriação dos procedimentos
da pesquisa histórica, pelos estudantes, e ainda a valorização da história local pelo estudo do
meio e pela memória oral.
Relacionando as informações supracitadas com as respostas dos alunos, destaca-se a
falta de associação entre a história e a realidade em que vivem, como se a história fosse um
passado sem relação nenhuma com o presente e o futuro. Possivelmente, essa não associação
é ocasionada pelo sistema de ensino positivista, narrativo, burocrático e repetitivo que acaba
desestimulando alunos e professores, dado a transmissão de conhecimentos e experiências
socialmente acumulados se dar sem o estímulo ao desenvolvimento das habilidades que
tornam o aluno apto a aprender a conhecer. Ciampi (2003), chama atenção ao fato de que o
conhecimento produzido diariamente por pesquisadores dentro das universidades não chega
às salas de aula, tornando, por consequência, o ensino monótono e pouco atrativo.
Deste modo, observamos ser preciso trazer à tona a ideia de que o conhecimento
histórico é conseguido através de pesquisas e descobertas, como afirmou Schmidt (2004), e
portanto não é algo fixo que deve ser apenas absorvido, mas sim interpretado e ressignificado.
Desta forma, temos a figura do professor como mediador do conhecimento, como já indagava
Piaget, “o que é desejado é que o professor deixe de ser um expositor satisfeito em transmitir
soluções prontas; o seu papel deveria ser aquele de um mentor, estimulando a iniciativa e a
pesquisa” (PIAGET, 1973, p. 16).
SUMÁRIO
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Introduzindo a afirmação de Piaget em um contexto de ensino de História, temos que


“o professor de História pode ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho
necessárias; o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lançar os germes do histórico. Ele é o
responsável por ensinar o aluno a captar e a valorizar a diversidade dos pontos de vista. Ao
professor cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegrá-los num conjunto mais vasto
de outros problemas em problemáticas.” (SCHMIDT, 2004, p.57). De forma que o professor,
com sua maneira própria de ser, pensar, agir e ensinar, transforma seu conjunto de complexos
saberes em conhecimentos efetivamente ensináveis, fazendo com que o aluno não apenas
compreenda, mas assimile, incorpore e reflita sobre esses ensinamentos de variadas formas.
É uma reinvenção permanente, como afirma Fonseca (2003), e para que isso ocorra, o
professor necessita transformar sua sala de aula em um grande laboratório trocando por vezes
livros por um trabalho com base em pesquisas, e referências metodológicas, sabendo fazer
bom uso de fontes históricas em sala de aula, permitindo o aluno criar seu próprio
conhecimento e entender o fazer historiográfico.
A incorporação e a utilização de fontes históricas nas aulas de história constituem uma
das possibilidades de superação do conteudismo posto seu potencial enquanto instrumento
de produção de conhecimento histórico na educação básica. Os próprios PCNs (Parâmetros
Curriculares Nacionais) sugere essas abordagens, tratando por documentos históricos “as
mais diversas obras humanas produzidas nos mais diferentes contextos sociais e com
objetivos variados” (BRASIL, 1998, p. 83) propõe: Desenvolver atividades com diferentes
fontes de informação (livros, jornais, revistas, filmes, fotografias, objetos, etc.) e confrontar
dados e abordagens; trabalhar com documentos variados como sítios arqueológicos,
edificações, plantas urbanas, mapas, instrumentos de trabalho, objetos cerimoniais e rituais,
adornos, meios de comunicação, vestimentas, textos, imagens e filmes; ensinar procedimentos
de pesquisa, consulta em fontes bibliográficas, organização das informações coletadas, como
obter informações de documentos, como proceder em visitas e estudos do meio e como
organizar resumos (BRASIL, 1998, p. 77).
Sintetizando, as fontes devem ser trabalhadas no sentido de desenvolver habilidades
de análise, comparação, formulação de hipóteses, problematização, identificação de diferenças
e semelhanças, ou seja, capacidades que favorecem a construção do conhecimento histórico
numa perspectiva autônoma ou ainda pelo argumento de que o uso de documentos pode
favorecer o desenvolvimento do pensamento histórico, facilitando “a compreensão do
processo de produção do conhecimento histórico pelo entendimento de que os vestígios do
passado se encontram em diferentes lugares, fazem parte da memória social e precisam ser
preservados como patrimônio da humanidade” (BITTENCOURT, 2004, p. 333).
É importante também dar atenção ao processo de diversificação das fontes, que leva a
uma dinamização das práticas de ensino e aprendizagem, de maneira que o aluno tenha a
possibilidade de entrar em contato com o conteúdo histórico através de um processo muito
mais dinâmico e atrativo. Do mesmo modo, o uso de fontes também auxilia na aproximação da
realidade do aluno, possibilitando a discussão e o debate de diferentes visões, ao proporcionar
o maior estímulo diante da complexidade cultural e da experiência histórica do homem
(CORREIA, 2012). Esses processos instigam os estudantes na construção de um olhar e do
pensamento crítico a respeito das relações sociais que os cercam e das aptidões históricas que
lhe afetam, levando a construção daquilo que pode ser chamado de consciência histórica.
“Assim, a proposta do ensino de história passa a valorizar a problematização, a análise e a
crítica da realidade, transformando professores e alunos em produtores de história e
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conhecimento em sala de aula, tornando todos “sujeitos históricos” do cotidiano”. (Fonseca,


2005)
Ensinar e aprender história requer uma avaliação profunda do papel formativo da
disciplina, ou seja, deve-se pensar a história como saber disciplinar, que possui uma função
relevante na construção da consciência histórica do homem. Em uma sociedade tão desigual
como a que vivemos, a relação ensino aprendizagem torna-se um desafio devido às fronteiras
impostas pelas diferenças entre os diversos grupos sociais existentes. Se estudada e aceita sob
esse aspecto, a História vincula-se diretamente com a construção da cidadania relacionando-
se ao conhecimento do outro como ser histórico permitindo compreender o entrelaço social,
a cultura, a construção moral e a realidade que estamos inseridos. Ao incorporar diferentes
linguagens no processo de ensino de História, reconhecemos não só a estreita ligação entre
saberes escolares e a vida social, cumprindo dessa forma as afirmativas dos PCNs sobre a
grande importância adquirida pelo ensino de História ao longo da História do Brasil para a
formação de identidades.
Se faz válido frisar que não pretende-se fazer do aluno uma espécie de “historiador
mirim", a intenção é desenvolver sua capacidade de extrair informações e de interpretar
algumas características da realidade em seu entorno a partir da observação e associação,
estabelecendo relações e informações atuais e históricas, e na medida do possível conseguir
relativizar com criticidade as questões específicas de sua época. “A história tem como papel
central a formação da consciência histórica dos homens, possibilitando a construção de
identidades, a elucidação do vivido, a intervenção social e práxis individual e coletiva.”
(FONSECA, 2003, p, 89). Até porque as finalidades do trabalho do historiador, ao produzir
conhecimento histórico, são distintas das finalidades do trabalho do professor ao ensinar
história. O historiador toma as fontes como matéria-prima para desenvolver o seu ofício e,
como especialista, reconhece todo o contexto de produção antes mesmo de delimitá-las para
o seu estudo, ao passo que, como afirma Bittencourt (2004, p. 329), “os jovens e as crianças
estão aprendendo história e não dominam o contexto histórico em que o documento foi
produzido”. Assim, ensinar o ofício do historiador consistiria em construir com os alunos uma
bagagem conceitual e metodológica que lhes permitisse compreender (e utilizar em certo nível
de complexidade) os instrumentos e procedimentos básicos da produção do conhecimento
histórico.
Podemos concluir portanto, a partir dos resultados do questionário aplicado por nós
somados a discussão teórica existente, a importância que tem a escolha de práticas
pedagógicas que possibilitem o aluno refletir sobre seus valores e práticas cotidianas,
relacionando- as com as problemática históricas, tornando possível despertar no aluno
noções importantes para construção da identidade e pensamento crítico em relação ao outro
e suas diferenças ou semelhanças, considerando a importância desse estudo como elemento
transformador de uma sociedade opressora. A disciplina de História como oportunidade para
o ensino crítico situado em discussões do cotidiano dos alunos e sujeitos históricos.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história. Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC /SEF, 1998.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 183

CAIMI, Flávia Eloísa. Aprendendo a ser professor de história. Passo Fundo: Editora Universidade de Passo
Fundo, 2008.
CAIMI, Flávia Eloisa. Fontes históricas na sala de aula: uma possibilidade de produção de conhecimento
histórico escolar? Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 129-150, dez. 2008.
CIAMPI, H. O Processo do Conhecimento/pesquisa no ensino de história. In: História & Ensino: Revista do
Laboratório de Ensino de História. Londrina . Eduel. 2003.
FONSECA, S. G.. Didática e Prática de Ensino de História: experiências, reflexões e aprendizados . 7 ed. São
Paulo: Papirus, 2003.
FONSECA, S. G. Didática e prática de ensino de história. Campinas, SP. Papirus, 2005.
LIBÂNEO, J,C. Democratização da Escola Pública: a pedagogia crítico-social dos
conteúdos. 21ª ed. São Paulo: Loyola, 2006.
PIAGET, J. A psicologia. 2. Ed. Lisboa: Livraria Bertrand, 1973.
SCHMIDT, M. A. A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe. O
saber histórico na sala de aula. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2004.

SUMÁRIO
História do Ensino
de História
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Perpectivas em pauta: o ensino de história


na história da educação brasileira

Maria Artenisia da Costa Lima (UEPB)


artenisialc@gmail.com

INTRODUÇÃO

Realizamos uma pesquisa bibliografica sobre as mudanças de perspectivas do ensino


de História no Brasil, através de um mapeamento que visa demonstrar como se deu o ensino
de história no Brasil, a forma como fora introduzido, e as formas de abordagens dos conteúdos
que buscavam contribuir para a constituição de uma determinada sociedade.
Ao longo da história do Brasil o ensino de história fora realizado para atender os
interesses sociais em questão da sociedade que se desejava constituir, alguns traços dessas
práticas de ensino marca até os dias atuais a forma que o conteúdo de história é abordado nas
escolas atuais, como o fato de apresentar heróis, datas fundamentais e as conquistas dos
europeus, ignorando a trajetória dos povos negros, indígenas e mulheres. Estes fatores
buscavam consolidar uma identidade social baseada nos aspectos de homem, branco e
europeu.
Fazemos um pequeno percurso sobre o ensino de história no Brasil Colônia, Brasil
Império e Brasil República. Permeamos pelas principais características do ensino de história,
e as suas respectivas alterações ao logo da história do Brasil, uma vez que a educação é
entendida como pilar para a construção da sociedade que se deseja constituir, buscamos
entender quais eram as bases da sociedade almejada e quais lugares relegados aos grupos
menos favorecidos.
Para Michel Foucault: “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou
modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.”
(FOUCALT, 1996, p. 44). De forma, que buscamos entender aqui as principais características
do discurso da educação, mais precisamente do ensino de história do Brasil, e quais grupos
instituía seus dogmas e interesses sobre os demais através do sistema educativo.

O ensino de História no Brasil Colônia

Quando consideramos o enorme poder político e social que adquirem aqueles que
dominam o saber e o uso que fazem do conhecimento, surge a indagação sobre quais
seriam seus interesses em apresentar uma determinada visão da História. (NEMI, 2009, p.
9).

Com a chegada dos europeus ao território brasileiro se fez necessário construir um


sistema social para atender aos interesses dos mesmos, em que o Brasil seria um
complemento para a economia portuguesa através principalmente da utilização da mão de
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obra escrava. Dessa forma, os proprietários de terra foram o primeiro grupo dominante do
Brasil, que buscaram se assemelhar a cultura européia e diferenciar-se dos povos negros e
indígenas.
Foi iniciado um processo de catequização que tinha como objetivo a conversão ao
cristianismo dos povos que habitavam o Brasil, logo foi fundado pelos jesuítas colégios que
ensinavam as primeiras letras aos indígenas e filhos de colonos. A fase estudantil que hoje
chamamos de ensino médio era destinada apenas aos filhos da elite, que posteriormente
iriam para Europa completar a sua formação acadêmica, aos negros e aos pobres não havia
espaço nas escolas.

A História ensinada estava voltada apenas para a erudição e os educadores pouco


preocupados com a realidade social e com a qualificação para o trabalho. Aliás, o trabalho
manual, então considerado uma atividade inferior, era relegado em parte aos indígenas e,
especialmente, aos negros. (NEMI, 2009, p. 18).

Os métodos educacionais desvinculados da cientificidade dos jesuítas se mantiveram


no Brasil até a instauração da República, e até mesmo depois, de forma que o ensino
confessional ainda era uma referência para a elite. No que corresponde ao campo da história
a historiografia grega e latina eram referência, e a cronologia era estabelecida para instaurar
uma visão de mundo eurocêntrica.

O Ensino de História no Brasil Império

A independência do Brasil em 1822 trouxe a necessidade de forjar uma identidade


nacional, em que a escola se tornou ponto referencial para atingir esse objetivo, de forma que
a fundação do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e a utilização da literatura romântica foram
importantes instrumentos ideológicos para atingir esse objetivo, uma vez que o papel da
escola era ensinar a ler, escrever e contar. O ensino de História do Brasil se retinha a narração
de trajetórias de personagens heróicos.

O ensino de História associava-se a lições de leitura, para que se aprendesse a ler utilizando
temas que incitassem a imaginação dos meninos e fortificassem o senso moral por meio de
deveres para com a Pátria e seus governantes. Assim, desde o início da organização do
sistema escolar, a proposta de Ensino de História voltava-se para uma formação moral e
cívica, condição que se acentuou no decorrer do século XIX e XX. Os conteúdos passaram a
ser elaborados para construir uma idéia de nação associada à de pátria, integradas como
eixos indissolúveis. (BITTENCOURT, 2009, p.61).

A constituição de 1824 que ampliou as Escolas de Primeiras Letras, bem como as


medidas do Ato Adicional de 1834 que atribuía as Assembléias Estaduais a obrigação de
legislar sobre o Ensino Elementar e Médio não diminuiu a influência religiosa na educação e
acabou reforçando a aplicação das vontades dos coronéis. O ensino da História Sagrada ainda
fazia parte da doutrina religiosa e era mais difundida que o ensino de História laico, dessa
forma que a moral cívica estava atrelada a moral religiosa.
O Estado assumiu as responsabilidades em relação ao ensino a partir da
Independência do Brasil, se fezendo necessário formar um corpo administrativo para que o
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Estado funcionasse, aumentou a demanda por profissionais capacitados incluindo mais


pessoas ao processo de ensino, diversificando as disciplinas isoladas por meio de aulas régias,
e os letrados se tornaram os responsáveis na organização do ensino.

A responsabilidade pelos Ensinos Primário e Secundário caberia às províncias, Enquanto


o Ensino Superior seria de competência do governo central. Formaram-se, assim, liceus
isolados em diversas províncias sem que houvesse um projeto nacional de educação e
oferta de vagas que atendesse a toda a população. Nesse vazio, as escolas particulares com
influência religiosa cresceram e continuaram a formar a elite, em detrimento da maioria.
(NEMI, 2009, p. 12).

O governo central fundou as universidades de maneira satisfatória, dando enfoque


especialmente aos cursos de Direito, enquanto a educação básica ficou sob responsabilidade
dos governos regionais. Posteriormente a iniciativa direta do Estado em organizar o ensino
secundário é visível com a fundação do Colégio Pedro II, que até 1878 o ensino religioso
configurava a maior parte da grade curricular, e o ensino de História integrava o chamado
“humanismo clássico” que se tratava de uma forma de ensino para que fosse adquirido
marcas de pertencimento a elite. O colégio formava a elite brasileira, e oferecia o titulo de
bacharel em Letras, além do livre acesso as universidades brasileiras sem a necessidade da
realização de provas de admissão, enquanto a população pobre continuava sem acesso a
educação.

Independente dos avanços obtidos, no fim do Império, o Brasil possuía 82,3% de


analfabetos, ou seja, pessoas que nem mesmo haviam entrado em uma escola. A educação
continuava a reforçar a exclusão das camadas populares iniciada pelos jesuítas. O
professor, por sua vez, limita-se a apresentar a História segundo a verdade estabelecida
pelas elites regionais, o que impedia a formação de uma consciência para a cidadania.
Assim, o ensino dessa disciplina continuava como um apêndice para a reprodução das
desigualdades sociais. (NEMI, 2009, p. 19).

O Ensino de História no Brasil República

A instauração da República em 1889 trouxe a separação entre Estado e Igreja, e a


promessa de uma organização educacional que incluísse a todos, por meio das reivindicações
sociais, e pelo direito ao voto de alfabetizados. No entanto foi estabelecido que o ensino
Superior e Secundário fosse responsabilidades da União, e o ensino Primário e técnico eram
responsabilidades dos estados, o que dificultou o atendimento das exigências dos grupos
populares, somente em 1930 com a forte mobilização social foi estabelecido um Plano
Nacional de Educação.
O ensino de História ainda atendia a tradição positivista, com uma narrativa linear,
factual e pouco crítica, não se discutia fatores sociais como concentração de terra na mão de poucos
e o motivo de exclusão de grupos populares do processo produtivo. As discussões giravam em torno
da construção de heróis nacionais, governadores e presidentes responsáveis por realizações de obras.
Os movimentos sociais como o cangaço e os Movimentos Messiânicos originários de problemas da
distribuição de terra, eram abordados julgando os seus lideres como marginais, além da ocultação da
cultura negra e indígena.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 188

O conceito de cidadania, criado com o auxílio dos estudos de História, serviria para situar cada
indivíduo em seu lugar na sociedade: cabia ao político cuidar da política, e ao trabalhador comum
restava o direito de votar e de trabalhar dentro da ordem institucional. Os feitos dos “grandes
homens”, seres de uma elite predestinada, haviam criado a Nação, e os representantes dessas
mesmas elites cuidariam de conduzir o País ao seu destino. (BITTENCOURT, 2009, p. 65).

Apesar dessa proliferação do ensino de História, alguns profissionais se opuseram a


este modelo por meio de tentativas de consolidação de um ensino de História que identificasse
os traços de mestiçagem na sociedade brasileira, a exemplo de Manuel Bonfim que procurou
introduzir o ensino de História da América em escolas normais, assim como seguidores dos
princípios anarquistas.
Após Revolução de 1930 liderada por Getúlio Vargas houve um maior investimento em
escolas públicas e também certo desenvolvimento de escolas confessionais para manter as
idéias religiosas na educação. Nesse momento surge o movimento da Escola Nova, a partir de
um manifesto de assinaturas de um conjunto de educadores em um documento que cobrava
do governo a qualidade em relação ao ensino. No entanto, esse período de euforia é cessado
com o estabelecimento do Estado Novo que suprimiu todos os movimentos sociais.

Duas características identificaram o ensino de História nas escolas primárias a partir de


então: a sedimentação do culto aos heróis da Pátria, consolidando Tiradentes como “o
herói nacional” e os festejos também nacionais do 7 de Setembro; a obrigatoriedade, como
fruto dessa política educacional, da História do Brasil para os alunos que desejavam ou
possuíam condições de prosseguir os estudos secundários, integrando os programas dos
exames de admissão aos cursos ginasiais. (BITTENCOURT, 2009, p. 67).

O ensino é transformado em uma forma de ampliar o apoio das elites regionais e de


preparar mão de obra para atender os interesses capitalistas. E a História serviu de
instrumento ideológico do Estado, marcado pela consolidação de uma memória histórica
nacional e patriótica nas escolas primárias, embora fosse nesse período que foi criado o
Ministério da Educação.

Nesse contexto de ditadura, o ensino de História voltou a ser mero instrumento de


reprodução dos valores dominantes e de alienação. As aulas continuaram a se pautar pela
sucessão de nomes e datas consideradas fundamentais pelo professor e pela divulgação
das teses acerca de nossa “democracia racial”. Nas escolas técnicas nem sequer se ensinava
História. (NEMI, 2009, p. 21).

O período de redemocratização entre 1945 e 1964 buscava democratizar a cultura por


meio da erradicação do analfabetismo, é nesse período que é promulgado a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Entre os anos 40 e 50 passou se a refletir sobre os métodos e as
técnicas de ensino, foram pensadas técnicas de trabalho em grupo, técnicas de leitura, etc.
Estas reflexões não isentava as ciências humanas, em que se esperava destas um caráter
neutro, que era paradoxal ao conteúdo político da disciplina.

As críticas aos métodos que organizavam e desenvolviam os conteúdos como um fim em si


mesmo passaram a ser a tônica dos professores formados pelos cursos de História das
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E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 189

faculdades de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLs) que se multiplicavam a partir dos anos
40 e 50. Vários artigos publicados em revistas de História propunham mudanças nos
métodos, mas com diferentes posições sobre os objetivos da disciplina. Em muitos desses
artigos divulgava-se a idéia de que o professor deveria manter uma atitude de neutralidade
diante de todos os acontecimentos históricos do passado ou do presente. A constante
solicitação da postura neutra do professor evidenciava, paradoxalmente, o caráter político
da disciplina. (BITTENCOURT, 2009, p. 89).

Os anos de ditadura foram responsáveis pela instauração da pedagogia tecnicista,


voltada para uma formação profissionalizante e, o ensino de História foi acoplado ao de
Geografia em um componente curricular intitulado de Estudos Sociais, em que ambas
perderam as suas especificidades, era inspirado nas escolas norte-americanas que visava à
integridade do individuo na sociedade e fundamentado nos estudos da psicologia cognitiva,
em que os temas eram apresentados aos alunos de acordo com a faixa etária. A História aqui
ainda era ensinada por um víeis descritivo, linear e de culto aos heróis
A partir da década de 1980 a pauta do debate educacional se refere aos problemas de
conteúdo e métodos, assim como a organização política dos educandos. Em 1984 no período
de redemocratização e com os debates em torno da educação é instaurado a proposta
curricular dos Parâmetro Curriculares Nacionais (PCN) que tem o objetivo de valorizar e
melhorar o ensino público. Assim o ensino de história também sofreu alterações, deixando de
ser apenas a narração de grandes nomes e o emprego da memorização de datas, incluindo
agora um aspecto mais critico aos conteúdos, embora nos dias atuais ainda seja um aspecto
desafiante em sala de aula, como vemos ao analisar atuais livros didáticos de história.

O processo de redemocratização finalizado em 1989 trouxe novamente à superfície a


discussão sobre o caráter do ensino público de caráter universal, agora de forma mais
aprofundada. Assim o ensino de História assumiu caráter crítico, sendo possível, quando
do interesse do professor, trabalhar com processos históricos complexos, tendo como base
para a estruturação do conhecimento, não a datação dos eventos simbólicos para a
cronologia do Estado ou a identificação de indivíduos que operam os rumos da sociedade
com seu espírito de liderança, mas a iteração entre diversos grupos sociais, a relação entre
estrutura distintas de atuação dos indivíduos. A década de 1990 marcou um período em
que o aluno deixou de ser tabula rasa que deve ser preenchida com datas e nomes, muitas
vezes arbitrários, e passou a ser protagonista na construção do conhecimento histórico.
(NEMI, 2009, p. 22)

A partir desse momento o ensino de História se desvinculou de ser sinônimo de mera


memorização, incorporando métodos ativos em que os alunos passam a serem considerados
também sujeitos históricos, os conteúdos estão atrelados as situações sociais com um caráter
critico, não se espera mais que o aluno apenas decore textos, datas importantes e grandes
nomes, o objetivo principal é conduzir um ensino critico, embora ainda nos deparemos com
traços educacionais de apenas memorização do que é considerado os grandes nomes e os
grandes feitos em muitas escolas e em muitos livros didáticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, percebemos através do nosso estudo bibliográfico que o ensino de história


no Brasil, passou por modificações de seus métodos e técnicas da educação e no que
corresponde aos conteúdos de História abordados, além da exclusão de povos indígenas e
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negros do acesso a educação ao longo da história brasileira.


O sistema educacional de um determinado período da história atende aos interesses do
mesmo, além da evolução de um sistema educacional e de didática para efetuar o processo de
aprendizagem. No Brasil colônia a educação estava atrelada ao contexto católico, os
professores eram os jesuítas que não estavam interessados em promover um ensino laico, e
que não levava em consideração a cultura dos nativos e negros, buscando promover a
catequização do povo.
No Brasil Império o sistema de educação só abrangia grupos elitistas, e a área da
história se transformou em uma ferramenta para forjar a identidade do Brasil, arquitetando
heróis brancos e da elite e valorizando a cultura européia. No Brasil República vemos surgir
pedagogias para atender aos interesses de grupos dominantes, ou emergir pedagogias fruto
do movimento de profissionais em pró de uma educação mais humana e inclusiva.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos – 3. Ed. – São Paulo:
Cortez, 2009.
FOUCALT, Michel. A Ordem do Discurso. Trad. Laura F. de Almeida Sampaio. Loyola. São Paulo, 1996.
NEMI, Ana Lúcia Lana. Ensino de história e experiências: O tempo vivido: volume único: livro do professor/
Diego Luiz Escanhuela, João Carlos Martins. São Paulo: FTD, 2009.

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O ensino de história e suas abordagens


em diferentes contextos históricos

Flavia Moraes Cartaxo1


flaviamoraes2610@gmail.com

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve reflexão acerca do ensino de
História. Destacando como esta disciplina foi sendo constituída ao decorrer dos anos. Trata-
se de uma abordagem bibliográfica, realizada a partir de autores que discutem de forma
pertinente esta temática tão relevante para a educação.
A partir das leituras realizadas entende-se que a disciplina de História era considerada
uma disciplina decorativa. Desse modo, as aprendizagem históricas se resumiam apenas, a
memorização de datas históricas e dos nomes dos heróis da pátria. Nesse sentido, percebe-se
que não havia nenhuma possibilidade para despertar a consciência crítica dos educandos. Essa
situação agravou-se consideravelmente, sobretudo, no período da ditadura militar no Brasil,
a disciplina de História passou por uma redução da carga horária, enquanto isso, passaram a
ter mais espaço algumas disciplinas doutrinárias a exemplo de: Educação Moral e Cívica e
Organização Social e Política do Brasil.
Todavia, o ensino de História foi passando por reformulações, logo:

O conteúdo da História ensinada assumiu diferentes imagens nos diversos espaços onde
se processam os debates, as discussões e as reformulações, visando revalorizá-la como
campo de saber autônomo fundamental para a formação do pensamento dos cidadãos
(FONSECA, 2003, p. 26).

De fato, o ensino de História passou a ser compreendido como fundamental para o


despertar da consciência crítica dos educandos, além de partir de uma perspectiva de
pertencimento histórico, enfatizando que todos as pessoas são sujeitos históricos.
Essa nova abordagem exige uma postura crítica e política do educador, sendo este
considerado o responsável por despertar a consciência crítica dos educandos. Desse modo, o
ensino de História estar abandonando uma postura romantizada da história, e
consequentemente, estar adotando uma postura desconstruídora de preconceitos.
O referido estudo está organizado da seguinte forma: O primeiro tópico apresenta
algumas abordagens do ensino de História no passado; O segundo tópico faz uma explanação
de como o ensino de História deve ser desenvolvido na atualidade. E por último têm-se as
considerações finais.

1
Graduanda do curso de Pedagogia da UFCG-CFP campus Cajazeiras-PB.
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O ENSINO DE HISTÓRIA NO PASSADO

A disciplina de História era considerada uma disciplina decorativa, os educandos


precisavam memorizar várias informações. Para ter o domínio dos saberes históricos era
necessário: memorizar as datas, os fatos, conhecer a história dos grandes heróis da nação
brasileira. (BITENCOURT, 2008).
Entre os métodos mais utilizados destaca-se o método catecismo, caracterizado por
perguntas e respostas que geralmente estavam registradas nos livros didáticos. Os educandos
tinham que repetir as perguntas e respostas oralmente, ou copiar no caderno. (BITENCOURT,
2008). Portanto, conforme o método catecismo aprender história resumia-se a memorizar.
Nesse sentido, compreende-se que esse ensino estava ausente a possibilidade do
pensamento crítico. Dessa forma, não havia nenhuma crítica, no que se refere, aos heróis
brasileiros, esses em sua maioria homens, deveriam ser considerados exemplos de brasileiros
dedicados a pátria.
Atualmente alguns movimentos vêm questionando as honrarias prestadas a esses
heróis, em alguns países estatuas vem sendo destruídas, não restam dúvidas que a população
vem construindo uma consciência crítica, e por isso estão contrariando e reconstruindo as
“verdades históricas”.
O ensino de História ao longo dos anos caracteriza-se por apresentar um viés
ideológico. Entre essas ideologias figurava o conceito de cidadania, no qual determinava, os
papeis a serem ocupados pelos sujeitos. Desse modo, cabia aos políticos cuidar da política, e
aos trabalhadores desenvolverem seus trabalhos sem reclamar. (BITTENCOURT, 2008).
No que se refere a cidadania, outro fato que a caracteriza, é que ser cidadão estar
associado ao dever de votar. Em épocas de eleição é comum escutar frases como: “os
brasileiros estão exercendo a cidadania”. Nessa perspectiva, os brasileiros só podem serem
realmente cidadãos nos poucos minutos que passam em frente a uma urna eleitoral. Na
verdade ser cidadão é ter o dever de lutar pelos seus direitos. Todos os cidadãos precisam
usufruir dos direitos básicos para sobreviver. Ter o acesso a uma educação de qualidade, a
saúde, ao mercado de trabalho, segurança e entre outras coisas.
Ao decorrer dos anos os métodos que fundamentavam o ensino de História passaram
por algumas reformulações. A exemplo do método “Zaba” , que utilizava mapas e uma linha
cronológica que auxiliava os educandos nas respostas das atividades. Tratava-se de mais uma
ferramenta que auxiliava a memorização dos conteúdos. Desse modo, “[...] o aluno poderia
‘facilmente’ dominar a sequência cronológica dos principais acontecimentos do
mundo”.(BITTENCOURT, 2008, p.65). Assim sendo, além da memorização dos fatos históricos
os educandos também tinha que memorizar as respectivas datas.
O ensino de história contemplava o domínio de extensos conteúdos, era adotada
algumas novas metodologias como a exibição de filmes e excursões. Entretanto, as aulas de
História eram realizadas em um número reduzido de horas, em comparação a outras
disciplinas. Percebe-se a pouca valorização do ensino de História, visto que, eram poucas as
horas aulas destinadas a essa disciplina.
Seguindo esse caminho, diante de muitos conteúdos e poucas discussões em sala de
aula, os educandos optavam pelo uso da cola como alternativa para obter boas notas nas
provas escritas. Sendo assim, justificando essa ideia tem-se: “ o dito estudantil ‘quem não cola
não sai da escola’ ”. (BITTENCOURT, 2008, p. 88).

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E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 193

De acordo com Fonseca (2003), no período da ditadura militar no Brasil o ensino de


História passou por uma redução significativa da sua carga horária.

Dessa forma, o ensino de História, cujo objeto de estudo é explicitamente citado no decreto
68.065/71, foi sutilmente ‘vinculado’ aos ‘princípios norteadores da educação moral e
cívica’. De um lado os professores de História e Geografia ou estudos sociais passaram a
envolver-se, diretamente, ao ministrar as duas disciplinas, e na medida em que o conteúdo
e os conceitos de moral e civismo perpassavam todas as disciplinas e atividades
extraclasse. Por outro lado, os estabelecimentos de ensino passaram a ser obrigados,
legalmente, a cumprir o programa fixado pelo Conselho Federal de Educação, diminuindo
a carga horária de história e geografia ou estudos sociais, e cedendo espaço na grade
curricular da escola para as duas disciplinas obrigatórias: EMC e OSPB. (FONSECA, 2003,
p.21).

Nesse sentido, o ensino de história perdeu espaço na grade curricular das escolas para
duas disciplinas doutrinárias no caso de Educação Moral e Cívica e Organização Social e
Política do Brasil. Eram disciplinas que visavam manter os ideias do poder dominante, na
tentativa de banir qualquer possibilidade de revolta dos educandos. Além disso, eram
consideradas disciplinas de formação especial, enquanto história e geografia eram disciplinas
de formação geral.
Para aquele contexto de opressão foi inevitável a redução da carga horária da disciplina
de história, visto que, esta era compreendida como uma disciplina que despertava a
consciência crítica dos educandos, logo, representava uma ameaça para o poder dominante.
De fato: “[...] havia uma intenção de dissolução desses campos do saber como disciplinas de
formadoras do espírito crítico”. (FONSECA, 2003, p.24).
Nesse período era exigido a postura neutra do professor, sobretudo do professor de
história, visto que, a disciplina de História de certa forma envolvia aspectos políticos. Dessa
forma, cabia ao professor manter uma postura neutra diante dos fatos do passado e do
presente.
Direcionando-se para o contexto histórico atual essas concepções ainda são
valorizadas, uma vez que, surgiu o projeto da escola sem partido, ou seja, tal proposta proibia
os professores de tratar de temas como a: diversidade religiosa, sexualidade, problemas
sociais e políticos. Percebe-se que historicamente vem surgindo concepções que tentam
ocultar a postura do educador crítico e reflexivo.
Sendo assim, entende-se que ao longo dos anos tentam exigir uma postura neutra dos
educadores. No entanto, como afirma Freire (2018, p.108), “Não há nem jamais houve prática
educativa em espaço- tempo nenhum de tal maneira neutra, comprometidas apenas com
ideias preponderantemente abstratas e intocáveis”. Em outras palavras, é impossível a
educação ser neutra, uma vez que, todas as posturas adotadas sempre estão seguindo um viés
político, ou seja, seguindo os interesses de uma classe.
Portanto, diante das discussões apresentadas entende-se que o ensino de História era
comprometido com o viés nacionalista, isento de qualquer crítica. Estudar a História resumia-
se a memorização de conteúdos. Tais práticas eram condizentes com a neutralidade tão
cobrada dos educadores. Entretanto, não podemos permitir que a educação atual seja
comprometida com a neutralidade, pois, nunca houve neutralidade na educação. Trata-se
apenas de um discurso que tenta impedir a liberdade do educador crítico reflexivo.

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NOVAS PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA NO ATUAL CONTEXTO

No que se refere ao ensino de História, esta deve ser estudada não apenas para
relembrar os acontecimentos do passado, mas, sempre buscando desconstruir verdades e
falsos conceitos que vão sendo difundido de geração a geração sem nenhuma crítica.
Dessa forma, compreende-se que o passado não deve ser entendido como irrelevante
para o presente, uma vez que, os fatos do passado sempre são discutidos no presente, muitas
das vezes, aparecem ideologias que tentam amenizar tais acontecimentos. Atualmente surgiu
discursos que afirmavam que no Brasil não houve ditadura militar, uma concepção errônea de
uma elite conservadora que justifica suas ideias a partir da religião e dos valores morais. Esses
discursos são graves, e pode afetar o entendimento dos jovens estudantes de hoje, esses jovens
podem acreditar neste discurso, e passar a acreditar que nunca houve ditadura militar no
Brasil. Diante desse caos ideológico, somente um bom professor ou professora de História,
pode desfazer essa confusão, esclarecendo para os educandos que houve ditadura militar, que
muitas pessoas morreram, podem mostrar que há vários livros que apresenta depoimentos de
pessoas que sofreram repressão. Além disso, há músicas que tratam desse acontecimento na
História do Brasil. Desse modo, percebe-se que é fundamental que o professor ou professora
de História seja um intelectual crítico, pois, uma das suas principais funções como historiador
e historiadora é desconstruir preconceitos.
Outra questão que surge quando se trata da História, trata-se de questionamentos
sobre sua importância. Afinal para que serve estudar a História ? Provavelmente muitos
educandos já fizeram essa pergunta. É possível que uma das respostas que tiveram foram
como essa: “é conteúdo para o Enem”. No entanto, essa concepção é reducionista, estudar
História não é importante só para o Enem. O ensino de História possibilita a compreensão da
identidade dos seres humanos e da sociedade em que vivemos. Sendo assim, contribui para a
formação de sujeitos críticos e conscientes.
Tendo em vista as discussões apresentadas vale destacar que o ensino de História, só
pode adotar uma perspectiva crítica desde que tenha os livros como principal instrumento de
estudo. Afinal: “O pensamento crítico não se sustenta sem leitura, vicio silencioso, lento e
profundo”. (PINSKY, PINSKY, 2007, p. 35). Além disso, não deve pautar-se somente nos livros
didáticos, há várias formas de estudar História, além de muitos livros podem ser usadas fontes
documentais, iconográficas, objetos e etc.
Outrossim, é preciso enfatizar que a História como ciência também tem suas falhas.
Durante muito tempo foi excludente, muitos personagens e sujeitos históricos ficaram a
margem das narrativas. A História trazia em destaque os grandes homens, pessoas da classe
dominante, enquanto isso, os pobres, os negros, e as mulheres ficavam a margem da História.
Nesse sentido, para que os educandos passem a gostar da História, e sobretudo,
compreender a sua importância é necessário que os educandos percebam-se como sujeitos
que também fazem parte da História. Para isso há muitas possibilidades a serem trabalhadas,
os professores podem propor pesquisas sobre a comunidade onde reside os educandos, seus
primeiros habitantes e etc. Desta maneira os educandos podem entender que a História faz
parte do seu cotidiano, embora essas histórias não estejam registradas em livros, mas possui
um valor histórico inestimável.
Portanto, compreende-se que o ensino de História deve adotar uma postura crítica,
então, cabe aos professores sujeitos políticos, tornar as aulas de História um momento de
desconstrução de preconceitos. Caso contrário, essas aulas serão apenas uma apresentação
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romantizada dos acontecimentos históricos. Como afirmava Paulo Freire (2018) a educação é
política, por isso as aulas de História tem um papel fundamental na formação de sujeitos
críticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando-se em consideração as discussões apresentadas, pode-se compreender a


importância do ensino de História para a formação dos educandos. Em alguns momentos essa
disciplina passou por várias processos de desestruturação, na tentativa de desmobilizar o seu
caráter crítico. Nessa perspectiva, a História era considerada uma disciplina que poderia
colocar em risco as ideias da classe dominante, por esse motivo, sua carga horária foi reduzida,
e seus conteúdos foram descontextualizados.
Sendo assim, compreende-se o papel formador dessa disciplina, não somente
constituindo-se como uma narração romantizada dos fatos do passado, mas, sobretudo como
uma ciência que possibilita o despertar da criticidade dos educandos.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Fundamentos e métodos. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de História: Experiências, reflexões e aprendizados.
Campinas, SP: Papirus, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 24 ed. São Paulo: Paz e
terra, 2018.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro.
História na sala de aula: conceitos práticas e propostas (org.) -5.ed. São Paulo: Contexto, 2007.

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Do conceito à representação: a Eugenia


e as obras didáticas de História

Cintia Rufino Franco Shintate1


cintiarufinofranco@gmail.com

A Eugenia foi um termo criado por Francis Galton em 1883 que significava “bem-
nascido”. Mas é importante salientar que não se pode pensar a eugenia sem antes
compreender como o evolucionismo de Charles Darwin foi a base do nascimento dessa ciência.
A Teoria da Evolução de Darwin foi um dos principais alicerces teóricos da eugenia. Em
1859, Charles Darwin publicou sua obra A origem das espécies por meio da seleção natural, ou
a preservação das raças favorecidas pela vida, com os resultados de sua pesquisa sobre a
seleção natural. Esse trabalho deu origem ao darwinismo, a teoria que rompeu com o
criacionismo (crença na origem mítico-religiosa do homem), afirmando que a ordem biológica
e natural rege a vida e o desenvolvimento da humanidade. Dessa forma, somente os seres os
mais adaptados, os mais “equipados” biologicamente, sobreviveriam. Essas ideias vão
encontrar eco nas teorias econômicas e sociais que justificavam o comportamento humano em
sociedade. Deste debate surgiu o darwinismo social, fornecendo uma base científica para o
controle e a permanência no poder da burguesia industrial.
Neste contexto, higienistas e evolucionistas contribuíram para a biologização da
sociedade. Os higienistas eram adeptos do lamarckismo, teoria criada por Jean-Baptiste
Lamarck segundo a qual o meio ambiente e o comportamento teriam a capacidade de
influenciar os caracteres hereditários. Por outro lado, os evolucionistas se baseavam nas
teorias mendeliana e weismanniana acerca da hereditariedade. Gregor Johann Mendel é
conhecido como o “pai da genética”, pois foi o pioneiro ao demonstrar as leis da
hereditariedade. A teoria de August Weismann complementa a de Mendel e reforça a de
Darwin. Neste sentido, conforme os estudos de Weismann, os gametas são os responsáveis
pela transmissão dos caracteres ancestrais e são imutáveis em face da ação do meio ambiente.
Dessa maneira, a seleção natural das espécies estaria assegurada por eliminar os caracteres
defeituosos, inferiores e mais fracos adquiridos na sucessão das gerações. (DIWAN, 2020)
O darwinismo social se apropriou dessas ideias e as usou numa tentativa de aplicação
nas sociedades humanas. Quis justificar a pobreza pós-revolução industrial, por exemplo,
afirmando que os pobres eram seres inferiores, que não possuíam a habilidade e/ou a
capacidade necessária para se adaptar e evoluir com aquele novo sistema e com a nova
sociedade que surgia.
Francis Galton, por sua vez, dedicou-se ao desenvolvimento de técnicas biométricas
capazes de melhorar o gênero humano e Charles Darwin, seu primo treze anos mais velho,
sempre o apoiou nesses empreendimentos. A teoria evolutiva e a seleção natural inspiraram
Galton a se debruçar sobre uma teoria social que tivesse por objetivo a evolução da raça
humana. Mas neste sentido, a discussão teórica de Darwin e Galton se distanciam, pois, para

1
UFABC/Seduc-SP

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Galton, a teoria de melhoria da raça seria validada pela seleção dos caracteres mais
importantes (atributos físicos, mentais, de raça e de classe) e o meio ambiente não poderia ter
influência na carga hereditária.
Com a publicação da obra Hereditary Genius (Gênio Hereditário), de 1869, Francis
Galton afirmava que o talento é hereditário e não resultado do meio ambiente, desenvolvendo
a teoria eugênica e o estudo de distribuição do talento nas populações.
Depois de passar quase vinte anos tentando provar que o talento é hereditário, Galton
voltou a sua investigação no sentido de mostrar que a doença mental, o crime e a
marginalidade resultavam também da herança genética. Com a publicação de Inquires into
Human Faculty and its Development (Investigação da capacidade humana e seu
desenvolvimento) em 1883, Galton fundou a pesquisa antropométrica, criando instrumentos
de medição do físico humano (análise de digitais) e iniciando estudos para os testes de
inteligência, conhecidos atualmente como testes de QI (DIWAN, 2020).
Em 1884 Francis Galton instalou um Laboratório de Antropometria na International
Helth Exibition, realizada em Londres. Através de um programa de investigação científica,
através de esforços conjugados provenientes da matemática, da estatística, da biologia e da
antropologia com o objetivo de propor uma teoria da hereditariedade humana. (CONT, 2013).
Dessa forma, Galton intencionava, na posse desses dados, controlar casamentos, impedir a
reprodução.
Galton estudou a herança das características humanas físicas e não físicas. Para o
cientista, comportamentos humanos como a preguiça, alcoolismo, criminalidade e a
inteligência, eram hereditários e para demonstrar sua teoria, utilizou seus conhecimentos de
estatística aplicados aos estudos de heranças em famílias (TEIXEIRA & SILVA, 2017).
Para mostrar a viabilidade da eugenia, Francis Galton publicou em 1873 o livro Heredity
Improvement (Hereditariedade aperfeiçoada), propondo que o valor da raça seria superior e
mais importante do que a educação e o meio ambiente. Essa obra recomendava, inclusive,
também que os “débeis” poupassem a sociedade de seus descendentes, adotando o celibato.
Finalmente, em 1907, Francis Galton pediu a seu amigo, o físico e estatístico Karl
Pearson, que fundisse o Laboratório de Biometria com o Escritório de Registros Eugênicos,
este fundado em Londres por ele, Galton, em 1904. Assim foi criado o Laboratório Galton para
Eugenia Nacional e se lançou o conceito de “eugenia nacional”. Nesse mesmo ano Galton criou
a Sociedade de Educação Eugenista, que em 1912 promoveu o Primeiro Congresso
Internacional de Eugenia, em Londres, dando status de ciência à eugenia.
De acordo com Nancy Leys Stepan (STEPAN, 2005), no Brasil e no restante da América
Latina, a receptividade às teorias eugênicas se manifestou desde fins do século XIX e se
mantiveram, até à época pós-colonial, na ordem do dia em relação aos estudos e práticas
científicas no “Terceiro Mundo”. Com o objetivo de incorporar o “novo mundo” à “velha
civilização”, o darwinismo social se apropriou das ideias e propôs aplicá-las nas sociedades
humanas.
Procurava-se explicar a pobreza provocada pelas consequências da Revolução
Industrial, relacionando-a a formação de um proletariado urbano e desprovido das mínimas
condições de vida em termos de habitação, higiene e alimentação (DIWAN, 2020). Seguindo a
mesma linha de pensamento, também, considerava-se as diferenças culturais entre os povos
que a empreitada neocolonialista incorporava ao mundo capitalista. Afirmava-se, dessa
maneira, que pobres e etnias africanas, asiáticas e latino americanas eram inferiores, pois não

SUMÁRIO
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teriam a habilidade e/ou, a capacidade necessária para se adaptar e evoluir de forma a se


habituar ao novo sistema e com a nova sociedade, que estava surgindo.
Neste sentido, tais evolucionistas contribuíram para a “biologização” da sociedade e, no
Brasil, dadas as características sociais e ambientais distintas do “mundo civilizado” europeu,
suas teorias obtiveram, aqui, interpretações peculiares, sendo recebidas e recriadas a partir
de perspectivas e experiências diversas.
Na trajetória dos estudos eugênicos brasileiros, vindas dos oitocentos, para um grupo
de médicos da “Escola Nina Rodrigues”, ligada à Faculdade de Medicina da Bahia, a
miscigenação era impedimento para o desenvolvimento do país, pois a mistura proporcionaria
a loucura, a criminalidade e a doença (SCHWARTZMAN, 1979). Ao mesmo tempo, no Rio de
Janeiro, médicos dedicavam-se ao combate das doenças tropicais, como a doença de Chagas e
a febre amarela e ao desenvolvimento de políticas sanitaristas encabeçadas pelo Instituto de
Patologia Experimental de Manguinhos, que em 1908 se transformou em Instituto Oswaldo
Cruz. As pesquisas eugenistas e dos sanitaristas muitas vezes convergiam e confundiam-se nos
projetos de constituição da nação brasileira. E, assimilando e incorporando dados das teorias
evolucionistas, os pesquisadores eugenistas nacionais elaboraram suas análises a partir de
experimentos que visavam explicar, em bases científicas, a formação “racial” do povo
brasileiro.
No Brasil, o principal porta-voz da eugenia foi Renato Kehl que, em sua obra Lições de
Eugenia, no qual afirmava que a nacionalidade brasileira só embranqueceria “à custa de muito
sabão de coco ariano”. Em sua opinião, o Brasil não teria progresso devido a sua diversa
composição racial. Neste sentido, o acompanhou parcela da intelectualidade brasileira.
O entusiasmo a partir da conferência intitulada “Eugenia”, realizada por Kehl em 1917,
impulsionou a fundação da Sociedade Eugênica de São Paulo (SESP), que contou com a
participação de médicos e membros de vários setores da sociedade interessadas em discutir a
nacionalidade a partir de questões biológicas e sociais. A SESP publicou os Annaes de Eugenia
em 1919, onde constam uma série de conferências realizadas por seus associados, além de
artigos, que discorriam sobre a intervenção direta no corpo dos indivíduos a fim de mudar o
“corpo coletivo”, tendo em vista a formação da nacionalidade brasileira (SOUZA, 2006).
Neste interim, em 1918, foi fundada a Liga Pró-Saneamento do Brasil (LPSB), unindo
médicos e outros intelectuais, como Belisário Penna, Carlos Chagas, Arthur Neiva, Monteiro
Lobato, Miguel Pereira, Vital Brasil e Afrânio Peixoto, em torno das propostas de centralização
administrativa dos serviços de saúde e a implantação de projetos na área. Mas, o foco principal
desta reunião de importantes cientistas e de parte da intelectualidade do país, era a formação
do povo brasileiro, a partir da constatação de que suas mazelas se relacionavam às
características “raciais”.
O tema eugenia sempre nos chamou a atenção, devido ao debate da função da ciência.
Como poderia ser elaborada uma ciência que classificava os seres humanos em melhores e
piores? Neste sentido, existe uma vasta bibliografia que trata deste tema, e no momento, não
nos cabe realizar essa discussão historiográfica.
Dessa forma, a proposta é a de apresentar o levantamento de um problema para futuras
pesquisas.
Sabe-se que a Eugenia se colocou como uma teoria científica e deu aporte teórico para
o nazismo, na medida em que o governo alemão a utilizou como política de estado em busca
da melhoria da raça ariana, culminando na morte de milhões de judeus, ciganos, pessoas com
necessidades especiais, negros e homossexuais.
SUMÁRIO
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Há que se sublinhar que não foi apenas o governo nazista que fez uso das teorias
eugênicas para justificar suas políticas discriminatórias de estado. Nos Estados Unidos,
Charles Davenport foi o maior expoente da eugenia naquele país, cujos estudos e práticas
foram utilizados para institucionalizar práticas de esterilização e segregação racial.
Tendo isso em vista, surpreende que o debate do conceito de eugenia não apareça nos
livros didáticos de História da educação básica nos diversos lugares e tempos históricos.
Muitas vezes o termo aparece de maneira descritiva e ligado apenas às políticas de extermínio
nazistas. Dessa maneira, nosso objetivo é a investigação da maneira como esse conceito
aparece ou não no interior das obras didáticas de História. Neste sentido, nossa proposta é a
de comparar como o conceito de eugenia tem sido apresentado em diferentes livros didáticos
de História para o ensino fundamental, anos finais e ensino médio, além de apontar os desafios
do debate acerca da temática dentro da sala de aula.

REFERÊNCIAS

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218, 2008.
DEL CONT, Valdeir. O controle de características genéticas humanas através da institucionalização de
práticas socioculturais eugênicas. Scientiae Studia, São Paulo, v.11, n. 3, p. 511-530, 2013.
DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto, 2020.
GALTON, Francis. Hereditary Talent and Character. In: Macmillan’s Magazine, 12, 157-166.1865. Disponível
em: <http://galton.org/essays/1860-1869/galton-1865-hereditary-talent.pdf > Acesso em 06/10/2020.
GALTON, Francis. Hereditary Genius. Disponível em < http://galton.org/books/hereditary-
genius/text/pdf/galton-1869-genius-v3.pdf >. Acesso em 06/10/2020.
GERALDO, Endrica. Entre a raça e a nação: a família como alvo dos projetos eugenista e integralista de nação
brasileira nas décadas de 1920 e 1930. Dissertação de Mestrado. Campinas: Unicamp, 2001.
MAIO, Marcos Chor Maio; SANTOS, Ricardo Ventura (orgs). Raça como questão: História, Ciência e Identidades
no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2010
RODRIGUES, José Carlos. O corpo na história. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.
SÁ, Dominichi Miranda. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935). Rio
de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006.
SCHWARTZMAN, Simon. A formação da comunidade científica no Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, Rio de
Janeiro: Financiadora de Estudos e Projetos, 1979.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A política biológica como projeto: a “eugenia negativa” e a construção da
nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1932). Dissertação de Mestrado (História das Ciências), Casa
de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2006.
STEPAN, Nancy Leys. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: FIOCRUZ,
2005.
TEIXEIRA, Izabel Mello; SILVA, Edson Pereira. História da eugenia e ensino de genética. História da Ciência e
Ensino, São Paulo, v. 15, p. 63-80, 2017.

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O ensino da história em manuais didáticos soviéticos traduzidos


para o Brasil na década de 1960

Flávio José Dalazona (UNICENTRO)


flaviodalazona@gmail.com

INTRODUÇÃO

Os livros didáticos representaram e ainda constituem um objeto que está diretamente


ligado com o cotidiano escolar e parte constitutiva da cultura escolar. A partir disso nota-se
que tal objeto acaba contribuindo para a formação da consciência histórica de alunos e
também de professores. Ainda que hoje muito criticado pelas mais diversas correntes,
continua sendo referência no ensino em sala de aula, exercendo “um papel fundamental no
ensino de História, pois é subsídio teórico para a construção dos saberes históricos na sala de
aula” (MATOS, 2012, p. 168).
Durante o século XX a instituição escolar passa por intensas e profundas renovações,
passa-se a compreender, a estrutura do ensino como um processo de múltiplas variáveis e
possibilidades para sua efetiva compreensão. Dentro da disciplina de História, o livro didático
se torna um referencial para a aula de professores e alunos, sendo os últimos sendo muito
mais influenciados por tal literatura escolar, sendo muitas vezes o único livro que uma criança
ou jovem lê no decorrer de sua formação educacional.
Afinal, como se constitui um texto destinado a fins didáticos? Segundo Moreno (2012,
p.729), “o texto didático busca a construção coletiva de um sentido, que sempre envolve
valores morais ou éticos reelaborados a partir de dispositivos cognitivos e simbólicos”, ou seja,
constitui-se como um espaço para a transmissão de saberes.
Dentro do panorama de pesquisas em ensino de História encontram-se vários estudos
sobre diferentes possibilidades de se compreender momentos e os objetos que possuem
significação com a disciplina dentro do contexto escolar brasileiro. O livro didático dessa
forma constitui-se como um objeto cultural que merece ser analisado a partir das significações
que o mesmo engendra na sociedade. Destaca Circe Bittencourt (2004, p.72-73) que:

O livro didático tem sido, desde o século XIX, o principal instrumento de professores e
alunos, sendo utilizado nas mais variadas salas de aula e condições pedagógicas, servindo
como mediador entre a proposta oficial do poder expressa nos programas curriculares e
conhecimento escolar ensinado pelo professor.

Inserindo as obras selecionadas para a presente análise, temos um contexto histórico


marcado por um momento de radicalização ideológica (bipolarização do globo a partir da
Guerra Fria1), podem-se estabelecer as relações e os significados históricos que tais obras

1
A Guerra Fria foi um período de instabilidade na geopolítica global. Sendo instaurada logo após a Segunda Guerra
Mundial o conflito teve como oposição os Estados Unidos da América e a União Soviética, ou seja, capitalismo versus
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possuem. Precisamos, portanto, “analisarmos os livros didáticos enquanto documentos


históricos marcados por ideologias próprias de cada tempo” (MATOS, 2012, p. 170). Sendo
assim, o material didático se configura como um;

Depositário de conteúdos escolares, suporte básico e sistematizador privilegiado dos


conteúdos elencados pelas propostas curriculares; é por seu intermédio que são passados
os conhecimentos e técnicas considerados fundamentais de uma sociedade em
determinada épocas. (BITTENCOURT, 2004, p. 72).

Para Campos (1996, p. 92) os manuais didáticos do século XX possuem características


específicas que, “propõe a função pragmática de iniciação numa disciplina científica e possui
um conteúdo ideológico, que tende a ser amplo, no sentido de pensar criticamente a sociedade
a partir de valores considerados universais”. O sentido ideológico colocado pelo autor tem em
vista o conceito de ideologia enquanto concepção de mundo a ser transmitida a partir dos
manuais.
Compreende-se assim que os livros didáticos são um “suporte privilegiado dos
conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo
social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações” (CHOPPIN, 2004, p. 553). No
caso específico das obras selecionadas para a pesquisa a vanguarda da classe proletária tentava
transmitir por meio do livro didático um novo hábito e mentalidade na então União Soviética.
Os estudos sobre livro didático vêm sendo ampliados constantemente nos últimos
anos, dessa forma torna-se imperativo tentar ler através deles momentos específicos que
marcam a atividade educacional, bem como o ensino de História. Segundo Choppin (2004, p.
560) “os livros didáticos constituíram-se e continuam a se constituir como poderosos
instrumentos de unificação, até mesmo de uniformização nacional, linguística, cultural e
ideológica”, trazendo consigo marcas do seu tempo histórico.
A escolarização na sociedade moderna adquire o papel de formar competências
cognitivas, morais e comportamentais que estão no horizonte objetivo de formar as novas
gerações. Diferentemente do conhecimento acadêmico, então, o texto escolar deve ir além da
transmissão/comunicação de conclusões de pesquisa, para conseguir promover a
compreensão e a alteração de esquemas mentais.
A partir disso, tendo o livro didático como uma fonte histórica, busco refletir como
materialismo histórico se converte em método epistemológico para elaboração do discurso
historiográfico das obras didáticas soviéticas?

Os manuais didáticos soviéticos

As fontes utilizadas na pesquisa foram uma coleção de livros didáticos traduzidos pelo
professor Paschoal Lemme2 da União Soviética para o Brasil. Os referidos manuais eram
destinados aos estudantes soviéticos, sendo todos manuais do ensino de História. Essa coleção
de manuais didáticos da disciplina de História, produzidos e destinados aos estudantes
soviéticos foram trazidos e traduzidos para o Brasil, alguns anos antes de se concretizar o
golpe militar de 1964.

socialismo. As duas potências nunca chegariam a realizar conflito aberto, apenas patrocinar e promover conflitos nos
países de terceiro mundo.
2
Paschoal Lemme (1905-1997) foi um educador comprometido com as causas sociais e com a transformação da
realidade brasileira. Possui uma vasta obra sobre a história da educação no século XX.
SUMÁRIO
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A coleção subdivide-se em cinco livros: História da Antiguidade (1960) de A. V.


Michulin; História da Idade Média (1960) de E. Kosminski; História Moderna (1960) de N.
Efímov, História Contemporânea (1961) de Jvostov e Zubok; e fechando a coleção História dos
Tempos Atuais (1961) de Revunenkov. A coleção representa em sua forma de escrever a
História, as aspirações da classe que havia ascendido ao poder na Rússia, tornando-se
importante fonte de pesquisa para compreender a trajetória educacional de um povo.
Não se sabe dizer o ano da elaboração da coleção em território russo, porém estima-se
que seja a partir de 1957, pois a última obra demonstra a noção de se trabalhar uma história
do tempo presente para os autores soviéticos em questão. Essa coleção de obras de História
de autores soviéticos destinada a fins didáticos, não obstante a clandestinidade dos
comunistas e a censura velada fora traduzida no Brasil no final dos anos 1950 e publicadas no
início da década de 1960, pelo grupo Editorial Vitória ligado ao Partido Comunista Brasileiro.
Toda a coleção é elaborada por autores russos, contendo discursos históricos que eram
construídos pelo viés ideológico muito radicalizado. Compreendendo em síntese que “todo e
qualquer suporte de escrita carrega em si a idealização de seu produtor e ao mesmo tempo de
seu consumidor” (MATOS, 2012, p. 168), os manuais didáticos também se constituem como
veículos disseminadores de determinada concepção de mundo.

O Materialismo Histórico nos livros didáticos da URSS

O centro estruturante da teoria da história marxista contida nos livros se dá em torno


da apresentação do método Materialismo Histórico como sendo o fio que conduz a história
nos diferentes períodos históricos. Karl Marx nunca foi um historiador como já é conhecido,
porém em suas análises utiliza-se muito da história para poder construir seus estudos sobre a
então instaurada sociedade do capital.
Toda a história se adequa a um padrão que seria legitimar a construção do regime
socialista. Dessa forma, há uma intrínseca relação entre o ensino e o projeto político vinculado
dentro do ensino de História através dos manuais didáticos. Comprovando a ideia de que “a
escola não é somente um ambiente de desenvolvimento intelectual, humano e de assimilação
de conteúdos culturais, mas também uma instituição de acentuada dependência e influência
política” (CARRETERO, 2010, p. 69).
A narrativa histórica inicia-se a partir das descrições da produção das condições
objetivas de existência pelos homens: “naquela época não existiam ainda nem a propriedade
privada, nem as classes sociais, nem a exploração de uns homens pelos outros. Esse era o
quadro que apresentava a vida na primitiva ordem comunal ou na comunidade primitiva”
(MICHULIN, 1960, p. 13).
Observa-se uma perspectiva histórica-cronológico presente nas obras que é linear. E
também evolucionista e teleológica onde a história tenderia necessariamente a um finalismo
que seria o socialismo:

A história da sociedade demonstra que, como resultado de uma longa luta dos oprimidos
contra os opressores, conquista-se o estabelecimento de uma nova etapa, na qual não
existe a exploração, nem a opressão, nem potentados, nem capitalistas. Essa nova etapa é
o socialismo. (MICHULIN, 1960, p. 16)

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 203

É preciso, contudo, empreender uma crítica à perspectiva finalista da História presente


nos livros didáticos em questão. Esse modelo de explicação histórica, como visto no trecho
acima, considera que o movimento histórico-real necessariamente tenderia ao socialismo.
Esse modelo explicativo, contudo, nega o movimento do real que por sua essência possui
caráter contraditório. Portanto, os historiadores marxistas rompem com a dialética
empregada por Marx.
A partir disso a tônica que se toma no discurso histórico em pregado nas obras é de
uma história vista a partir da luta de classes. No decorrer da narrativa histórica presente nos
livros toda a história se desenvolve na perspectiva de uma série de revoltas de oprimidos
contra opressores, e que quase na maioria dos casos os sublevados são derrotados pela classe
opressora. Um exemplo é da rebelião dos escravos e camponeses que ocorreu no Egito antigo.
Segundo o autor;

A fortuna dos faraós, da aristocracia e dos escravistas aumentava continuamente e a vida


da população oprimida se fazia cada vez mais difícil. Mas os escravos e os camponeses nem
sempre suportavam resignadamente o jugo de sua vida difícil. De vez em quando se
levantavam contra os opressores. (MICHULIN, 1960, p. 27)

A queda de Roma no final do primeiro volume se apresenta como uma Revolução, onde
se anunciava através dos levantes de massa. Se no período antigo a classe oprimida em
evidência na cena histórica eram os escravos que constantemente se rebelavam contra suas
condições de existência, na Idade Média a classe que carregará esse germe da luta serão os
camponeses; “a luta social entre os exploradores – os senhores feudais – e os explorados – os
camponeses – constitui a característica essencial do regime feudal” (KOSMINSKY, 1960, p. 29).
Agora superado o modo de produção escravista, uma nova estrutura social se instaura:
o regime feudal. Nesse regime social as classes que seriam a força motriz da luta na nova
estrutura social são os grandes senhores de terra e os servos da gleba. E, assim como durante
todo o período da antiguidade a característica essencial pela qual se desenrolava a história na
perspectiva de tais autores; a luta de classes, também no volume presente se encontra uma
série de sublevações que eclodiriam no período da Idade Média.
O declínio da Idade Média é apresentado a partir do advento das grandes navegações
europeias. A partir disso é apresentado o panorama desenvolvimento e a consolidação dos
impérios coloniais. É uma das raras vezes a ser citado o continente americano no decorrer das
obras num conjunto total, visto sob o aspecto do colonialismo. A América é concebida como
um produto europeu demonstrando a visão eurocêntrica assumida pelos autores. É através,
justamente, desse contexto levantado pelo autor evidencia-se o que ficou conhecido como
acumulação primitiva de capital:

O descobrimento da América e da rota marítima para a Índia teve consequências enormes


para o ulterior desenvolvimento econômico da Europa. A usurpação e o saque das novas
terras foram o signo constitutivo das colônias europeias e marcaram o começo da cruel
exploração de seus povos. As colossais riquezas que afluíam continuamente das colônias,
aceleraram na Europa o desenvolvimento da economia capitalista (KOSMINSKY, 1960, p.
171).

De fato, o declínio da Idade Média e consequentemente do modo de produção feudal se


dá, segundo o autor, a partir do desenvolvimento capitalista na Inglaterra, que segundo o autor
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“surgiram numerosas manufaturas de tecidos e começou a difundir-se o método capitalista de


produção” (KOSMINSKY, 1960, p. 201).
O começo dos tempos modernos dá-se a partir da Revolução Burguesa na Inglaterra
(1640 – 1660). Esse novo período da humanidade durará até a Revolução Socialista de
Outubro de 1917. É justamente na Revolução Inglesa que reside a transição do regime feudal
para o modo de produção capitalista, fundamentado na exploração dos trabalhadores
assalariados. Contudo, “o regime capitalista se consolida definitivamente na Europa ocidental
a partir da revolução burguesa, realizada na França, nos fins do século XVIII” (KOSMINSKY,
1960, p. 237).
Um aspecto a ser notado de forma crítica nas obras é que a sucessão de modos de
produção se dá de forma mecanizada, transformando, assim, um modo de produção apenas na
sucessão do outro, negando a própria concepção dialética da história que seria analisar a
realidade como um processo contraditório.
O livro seguinte, que trata dos tempos modernos iniciando com o processo de revolução
burguesa na Inglaterra. Talvez pode-se dizer que esse livro é o mais elaborado teoricamente,
onde é abordado de forma consistente pelo autor as mais diferentes situações pelas quais que
a dupla revolução (Revolução Francesa e Revolução Industrial) consolidam o modo de
produção capitalista.
É nesse momento da História que aparece o sujeito histórico transformador da sua
realidade e que terá seu grande triunfo em outubro de 1917: o proletariado. Se, por um lado,
com a expansão capitalista, temos a consolidação da classe burguesa como dominante, por
outro lado, surgem as forças que acabariam por transformar esse movimento de expansão em
contração: a antítese da burguesia: a classe operária.
Surgem na cena histórica então os pilares teóricos do socialismo científico: Karl Marx e
Friedrich Engels. Nos livros suas trajetórias de vidas são representadas como exemplo para a
classe operária. Para o autor do livro História Moderna a Revolução Socialista seria a antítese
da Revolução burguesa na França. A Revolução Francesa, um dos baluartes do capitalismo é
vista apenas sob o prisma contrastante da Revolução Russa que “liquidou a exploração do
homem pelo homem”:

No século XVIII, na Europa, e durante o período da revolução Francesa, o capitalismo


triunfou em sua luta contra o feudalismo. A revolução francesa do século XVIII era de
caráter burguês, desde que tinha levado ao poder a classe burguesa, então jovem e plena
de energia. No século XX, na Rússia, realizou-se a Grande Revolução Socialista de Outubro,
pela qual o proletariado derrocou a burguesia. Essa revolução implantou um novo regime
social: o regime socialista. Durante sua luta contra o imperialismo a União Soviética
liquidou toda exploração do homem pelo homem (EFÍMOV, 1960, p. 13).

O traço teleológico ou finalista seria o fio condutor de uma errônea perspectiva


materialista da história presente em tais obras. Tal traço apresenta a história a partir de uma
perspectiva evolucionista onde o final dela seria inevitavelmente o socialismo. Tal percepção,
de certa forma, é mais fruto do stalinismo3 do que uma afirmação mais propriamente inferida
por Marx.

3
O stalinismo pode ser definido como um fenômeno tanto teórico quanto histórico. Após a morte de Lênin, Stálin
toma o poder na União Soviética e o marxismo sofre severas deformações teóricas, sendo reduzido e denominado
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Prosseguindo a análise do período dos tempos modernos, temos, com o advento da


Revolução Industrial e a introdução das máquinas, o surgimento em definitivo da classe
operária, que não tinha outro bem a não ser sua força de trabalho para vender. Para o autor, o
proletariado seria o “coveiro futuro” da burguesia. A revolução francesa configura-se como um
processo que possui na sua essência o caráter burguês, assentando as bases para o capitalismo
no século XIX.
A quarta obra didática refere-se à História Contemporânea, onde, para os historiadores
soviéticos inicia-se a partir da experiência histórica do proletariado na Comuna de Paris. Em
“18 de março de 1871 deflagrou-se a primeira revolução proletária do mundo. Pela primeira
vez na história era derrubado o poder da burguesia” (JVOSTOV e ZUBOK, 1961, p. 19). Contudo
ainda para a Comuna de Paris faltou um partido dirigente que pudesse orientar o
proletariado para conduzir a Comuna.
Na conclusão do livro os autores apresentam: A significação internacional da Grande
Revolução Socialista de Outubro e a saída revolucionária da Rússia durante a Primeira Guerra
Mundial. A saída da Rússia da guerra representava o anseio pela paz que o povo russo passava;
logo, a Revolução de Outubro representa a paz e também o momento mais importante da
história soviética relatado nos livros didáticos:

Em 25 de outubro (7 de novembro pelo novo calendário) sob a direção dos bolcheviques,


a classe operária da Rússia, em aliança com os camponeses pobres e apoiada pelos
soldados e marinheiros, derrubou o poder da burguesia e instaurou um novo tipo de
Estado, o Estado Socialista Soviético. A Revolução de Outubro implantou a ditadura do
proletariado. Pela primeira vez na história, a direção do Estado estava em mãos do
proletariado. Começou uma era na história da humanidade, a era das revoluções
proletárias (JVOSTOV; ZUBOK, 1961, p. 223).

A partir desse acontecimento a revolução socialista impactaria as massas do mundo


inteiro com os anseios revolucionários. A partir disso, se finda a respectiva obra e inicia a
última da coleção: História dos Tempos Atuais. Nessa obra são relatados os desafios da classe
proletária russa ao ascenderem ao poder e consolidar o Estado Socialista Soviético.
A obra realiza um corte historiográfico que se inicia no ano de 1917 e vai até 1957,
sendo publicada na Rússia em 1958. Mais uma vez, figura no cenário político mundial a figura
do imperialismo das nações mais potentes, tais como Inglaterra, França e Estados Unidos. O
imperialismo é, em sua síntese, o grande inimigo da classe operária, segundo os autores das
duas últimas obras. Contudo, a Rússia consegue se desprender do elo imperialista mediante a
revolução de sua classe revolucionária;

A Revolução de Outubro constituiu a transformação social mais profunda em toda a


história da humanidade. Em todas as revoluções do passado, a questão limitava-se à
passagem do poder de uma classe exploradora para outra; variavam apenas as formas de
exploração, mas a exploração continuava. A Revolução de Outubro significava o fim de toda
exploração do homem pelo homem, o fim de toda opressão nacional (REVUNENKOV, 1961,
p. 20).

como “marxismo vulgar”, em grande medida pela influência de Stálin que se isola em uma autocracia política. A esse
respeito, ver: NETTO, José Paulo, 1981.
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Ao efetivarem o processo revolucionário, os comunistas russos se converteram em


mestres do devir histórico, onde a classe operária de todo o globo deveria se espelhar neles
para realizar tal processo. Agora, entra como sustentação a teoria revolucionária do
marxismo-leninismo, influenciando também na escrita dos autores.
A ascensão do Nazi-Fascismo na Europa no período anterior à guerra atende também
aos interesses burgueses, sendo nada mais que uma nova fase do imperialismo das nações
europeias. A Segunda Guerra Mundial seria também, portanto um subproduto do
Imperialismo. Para o autor, “a Segunda Guerra Mundial foi desencadeada pelo fascismo
germânico, setor mais facinoroso do imperialismo alemão. Os aliados da Alemanha nazista
eram: a Itália fascista e o Japão imperialista” (REVUNENKOV, 1961, p. 117).
Assim sendo, podemos compreender que as obras didáticas estão inseridas em um
contexto histórico muito específico e significativo da disciplina histórica. Percebe-se,
claramente, o que Marc Ferro (1983) chama de “manipulação” da história com fins ideológicos
e identitários muito claramente definidos. O século XX na trajetória da disciplina explicita
muito bem como projetos nacionais procuravam se consolidar através de um passado que
interligasse a nação em um projeto comum; logo, um dos meios utilizados foi o ensino, tendo
o ensino de História, ocupado um capítulo muito particular e importante em tal processo
histórico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir, dessa forma, que o livro didático de História se constitui como um
instrumento histórico utilizado para uma determinada finalidade adquirindo, portanto, uma
função específica no cotidiano escolar. Obviamente, há uma grande diferença entre aquilo que
é posto pelo autor como uma expectativa a ser atingida com o texto didático e o que de fato
acontece na prática diária por alunos e professores quanto à assimilação e transmissão de
conteúdo. O livro didático contribui para a formação de mentalidades e representações de
mundo diferenciadas, ou seja, como os alunos se vêm e vêm os outros ao seu redor.
Há, de certa maneira, uma relação de diferentes histórias criadas em sua mentalidade
e repassadas pelos professores. Ora, no caso específico da pesquisa essa “rede de histórias as
quais mediam e experiência do mundo, o conhecimento histórico ministrado pela escola se vê
deslegitimado pela evidencia de sua manipulação ideológica” (CARRETERO, 2010, p. 82).
Compreender o trajeto pelo qual passou o ensino de História em diferentes contextos
históricos contribui para que, a partir desse trajeto histórico, não se cometam novamente tais
equívocos, caminhando sempre na direção de um ensino emancipador e de uma História que
seja útil para a vida prática dos alunos.

REFERÊNCIAS

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Paulo: Contexto, 2004.
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SUMÁRIO
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Formação de professores de história e ensino de história: a


trajetória da ANPUH através das páginas da revista brasileira de
história e revista história hoje
Silvano Fidelis de Lira
Mestre em História - UFPB
Secretaria Municipal de Educação – Cubati/PB
silvanohistoria@gmail.com

INTRODUÇÃO

A proposta da pesquisa, que se encontra em fase inicial, é perceber quais as estratégias


e ações desenvolvidas dentro da Associação Nacional de Professores de História (ANPUH)1
para a formação de professores e para o Ensino, pensando especificamente nos professores de
História da educação básica e da escola pública.
Na verdade, trata-se de uma inquietação bastante pessoal de quem atua há quase dez
anos na educação e sente a necessidade de uma política de formação continuada que nos
prepare para o exercício e para os desafios da docência, bem como para a pesquisa em História.
Pensar dessa forma, me leva a questionar e investigar como é que a ANPUH, enquanto
instituição que agrega certo capital cultural 2 tem pensando a formação docente, e elaborada –
ou não – um quadro de ações que forme os profissionais da educação básica de nossa
disciplina, levando em consideração temas que fazem parte do quadro atual de nossa
sociedade, além dos temas já elencados como necessidades formativas essenciais, tais como:
metodologias de ensino, linguagens, livro didático, gênero, linguagens e tantos outros.
O tema e discussão acerca da formação de professores existe desde a fundação da
instituição, contudo, é nos anos noventa que o debate é ampliado, tendo em vista todo um
contexto, a redomoratização e a necessidade de romper com a herança dos militares na
educação, que havia substituído a disciplina História, pelos Estudos Sociais, esvaziando-a do

1
Fundada em outubro de 1961, na cidade de Marília, estado de São Paulo, a Associação Nacional dos Professores
Universitários de História, ANPUH. A entidade trazia na sua fundação a aspiração da profissionalização do ensino e da
pesquisa na área de história, opondo-se de certa forma à tradição de uma historiografia autodidata ainda amplamente
majoritária à época. Atuando desde seu aparecimento no ambiente profissional da graduação e da pós-graduação em
história, a ANPUH foi aos poucos ampliando sua base de associados, passando a incluir professores dos ensinos
fundamental e médio e, mais recentemente, profissionais atuantes nos arquivos públicos e privados, e em instituições
de patrimônio e memória espalhadas por todo o país. O quadro atual de associados da ANPUH reflete a diversidade
de espaços de trabalho hoje ocupados pelos historiadores em nossa sociedade. A abertura da entidade ao conjunto
dos profissionais de história levou também à mudança do nome que, a partir de 1993, passou a se chamar Associação
Nacional de História, preservando-se, contudo, o acrônimo que a identifica há mais de 50 anos. Texto disponível no
site da instituição - https://anpuh.org.br/index.php/quem-somos - acesso em 08 de novembro de 2020.
2
O conceito de capital cultural, que se auto explica usando as palavras do próprio Bourdieu retiradas do texto “Os três
estados do capital cultural” Bourdieu (1979): “O capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado,
ou seja, sob a forma de disposições duráveis do organismo; no estado objetivado, sob a forma de bens culturais -
quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas, que constituem indícios ou a realização de teorias ou de críticas
dessas teorias, de problemáticas, etc.; e, enfim, no estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso
colocar à parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ela confere ao capital cultural - de que são,
supostamente, a garantia - propriedades inteiramente originais. (BOURDIEU p.02)”.
SUMÁRIO
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debate e de uma proposta de formar para a criticidade, mas, essa preocupação é mais
fortemente gestada a partir de dois acontecimentos históricos, a Conferência Mundial de
Educação para Todos3 (Tailândia, 1990) e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional4 (LDB 9. 394/1996)5, documentos que irão levar a educação a uma série de
transformações, exigindo, inclusive do Estado, uma nova postura frente ao tema.
Mas tudo é mutável, tudo se desmancha no ar, como nos alerta Berman (1980) e ao
analisar as aventuras e desventuras da modernidade, hoje os desafios são outros, as demandas
da educação se ampliaram e abrangem o mundo digital, os novos movimentos sociais,
migratórios. Além disso, as demandas da juventude, seus desejos e projetos devem passar a
fazer parte de nossa formação, mais que qualquer coisa, precisamos ampliar os debates e
inserir debates para formar professores, que estejam atentos para entrar na sala de aula,
formar cidadãos e contribuírem para a sociedade, assim, o tema da formação docente, e as
demandas relacionadas ao ensino, devem ser sempre acompanhadas de uma intensa reflexão
sobre a realidade, a sociedade e os atores sociais e sua consciência histórica (CERRI, 2014).
Em um texto bastante interessante sobre formação docente, os professores Margarida
Maria Dias de Oliveira e Itamar Freitas (2014), iniciam a discussão por definir quem é o
professor de História, esse movimento é importante no sentido em que se trata de um esforço
em estabelecer uma identidade ao docente, de desenhar aquilo um professor se constitui ao
longo de sua trajetória e principalmente, a partir de sua formação. O professor de História é
alguém situado no tempo e na sociedade, faz parte dos debates políticos e sociais. Um segundo
aspecto relacionado ao profissional é pensá-lo dentro da necessidade de formação, os autores
defendem que a formação não pode ser compreendida como um momento pré-determinado
ou cronometrado, a formação deve acontecer de maneira constante e sempre de acordo com
as necessidades docentes.
Um corpus documental muito importante para se investigar as ações da ANPUH no que
diz respeito ao Ensino de História são as revistas editadas pela instituição, a saber, a Revista
Brasileira de História6 e Revista História Hoje 7. A Revista Brasileira de História teve seu
primeiro número publicado em 1981, quando a instituição esteve sobre a direção da
professora Alice Canabrava, e contava com poucos artigos não organizados em forma de
dossiê, mas com temas diversos8. Merece destaque o texto “A Associação Nacional dos
Professores Universitários de História”, de autoria da diretora da instituição naquele momento,
no texto a autora dedica-se a fazer uma reflexão sobre o expaço que a ANPUH almejava criar
naquele e ressalta qual a importância do lançamento da revista.

3
Fruto da Conferência, temos o documento que é a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, um documento
de grande importância para se pensar a educação e do qual vários países, inclusive o Brasil, são signatários. A integra
do documento pode ser acessado em https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-
conferencia-de-jomtien-1990. Acesso em 12 de novembro de 2020.
4
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira está disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 12 de novembro de 2020.
5
Essa contextualização é proposta por FONSECA; COUTO (2008), no texto, as autoras apresentam um panorama de
como forma pensadas as estratégias para a formação de professores de História no Brasil, destacando a ação da
ANPUH nesse cenário.
6
Todos os números da Revista Brasileira de História podem ser encontrados no site do periódico, disponível em
https://anpuh.org.br/index.php/revistas-anpuh/rbh.
7
Todos os números da Revista História Hoje podem ser encontrados no site do periódico, disponível em
https://anpuh.org.br/index.php/revistas-anpuh/revista-historia-hoje-i.
8
https://anpuh.org.br/index.php/revistas-anpuh/rbh.
SUMÁRIO
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Destacando o contexto em que nasce a instituição, que de início pretendia tirar os


professores do Ensino Superior de certo isolamento existente no Brasil, proporcionando assim
a criação de espaços de diálogo e troca de saberes, sobretudo no que diz respeito à construção
dos currículos da graduação e pós-graduação. Nesse caminho, Canabrava faz uma denúncia
dos vários pontos que prejudicavam e mesmo impediam a construção do conhecimento
histórico e comunhão entre os profissionais da área, uma dessas denúncias se refere ao
abandono dos arquivos. No que diz respeito à RBH, a autora diz que:

A Revista Brasileira de História pretende suprir o vazio criado, desde que se


interrompeu a sequencia daquela publicação. Vem de encontro, prioritariamente, às
exigências legitimas que envolvem as conquistas no campo cientifico, quanto à divulgação
das mesmas. Uma parte do periodico dará publicidade a artigos originais sobre pesquisas
de História ou de seu interesse. A attualização permanente com respeito à bibliografia
histórica é objeto de outra secção. Esta, de inicio, considerou especialmente a produção
dos periodicos consagrados à História, nacionais e estrangeiros, no sentido de
proporcionar aos professores e pesquisadores uma contribuição que viesse suprir as
carências das bibliotecas universitárias. A informação bibliográfica deverá ser ampliada
para divulgar também comentários de obras históricas (CANABRAVA, p, 09, 1981). Grifos
meus.

Quando a autora fala na interrupção na sequencia de publicações, ela se refere aos


Anais, conjunto de trabalhos oriundos dos Simpósios da ANPUH entre os anos 1961 e 1977.
No trecho, são direcionados os primeiros caminhos da revista, e ao mesmo tempo se desenha
a sua proposta, que é de reunir discussões dos professores universitários, a RBH surge para
preencher uma lacuna, uma fresta na produção do conhecimento histórico que é discussão da
bibliografia de nossa disciplina.
A Revista História Hoje seu primeiro número lançado em 2003, quando a ANPUH
encontrava-se sob a presidencia de Edgar Salvadore de Decca, e foi “concebida para ampliar a
linha de publicações da Associação, a Revista História Hoje tem por objetivos divulgar a produção
historiográfica recente, temas da atualidade e experiências didáticas em todos os níveis”, como
consta na sua apresentação do primeiro número da revista 9. O primeiro número da RHH conta
com três artigos e duas resenhas, nenhum dos textos contempla a formação de professores, e
nem questões relacionadas ao ensino de história.
Para que possamos ter uma dimensão do tema em discussão dentro da ANPUH,
apresentarei aqui uma análise, mesmo que limitada e aberta à criticas e observações, sobre
como as duas principais revistas apresentaram reflexões sobre a Formação dos professores
de História e do Ensino de História, o intuito não é fazer uma crítica, mas identificar esses
discursos sobre o tema e como eles são estabelecidos. Para isso, analisei alguns números das
revistas e confrontei com algumas publicações de docentes ligados à instituição, como por
exemplo, Selva Guimarães Fonseca (2003) e textos da mesma autora, em parceria com Marcos
Silva (2004) bem como textos das professoras Ernesta Zamboni e Margarida Maria Dias, a meu
ver, referências essenciais na discussão.

9
https://anpuh.org.br/index.php/revistas-anpuh/revista-historia-hoje-i/numeros-anteriores. Acesso em 17 de
novembro de 2020.
SUMÁRIO
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METODOLOGIA

Como forma de colher material, os sites das duas revistas atreladas a ANPUH foram
visitados, para que os números e os principais textos relacionados ao tema fossem analisados,
devido aos limites de tempo e o objetivo do texto, que não é exaurir a discussão, mas apontar
algumas observações, não foi possível a leitura e a análise de todos os números, mas o que se
fez foi buscar a discussões dentro dos números das duas revistas editadas pela ANPUH.
O número 10 da RBH trás um texto de Zita de Paula Rosa sobre formação do professor
“I” e o ensino de História, o mesmo, um texto de apenas cinco laudas apresenta uma análise,
nele a autora priblematiza a formação de professores polivalentes e as suas limitações para
ensinar história. Ao final do seu texto, a professora Zita de Paula, defende a formação
continuada, como mecanismos de se alcançar uma visão de mundo mais ampla para o docente
de História, com o objetivo de que “essa formação se revigore num processo contínuo de
ensinar e aprender” (ROSA, 1985, p, 259). Considero imporante ressaltar a importância desta
publicação por ser o primeiro momento em que dentro da RBH se pensa alguma questão
relacionada à formação dos professores de história, e mais ainda, por se tratar de uma
preocupação direcionada aos professores sem a formação especifica.
Antes de seguir com a busca do tema da formação, cabe aqui abrir um grande parêntese.
O ensino de história ocupa grande espaço das publicações das revistas dos anos 1980 e nos
anos 1990, o que mostra um movimento bastante instigante para se pensar como os
professores universitários, a exemplo de Joana Neves, Ernesta Zamboni, Pedro Paulo Funari,
etc., estão propondo novas questões para os professores da educação básica, em um momento
muito especifico, onde a educação passa por um processo de reestruturação. Uma bela reflexão
sobre as condições de trabalho do professor de história é tecida por Joana Neves e Zeluiza
Brandão (1986), mostrando a preocupação da ANPUH com o ensino de história na escola
pública, preocupação esta que passa a ocupar o centro das discussões da instituição.
O dossiê “História em quadro-negro: escola, ensino e aprendizagem”, número 19,
publicado em 1989/1990 apresenta um conjunto de reflexões sobre o processo de
escolarização e as dinâmicas do ensino de história. Como afirma Marcos Silva, já na
apresentação do dossiê, a revista naquele momento se tornava um lugar de fala, para se tratar
de algo tão importante como a educação escolar e a educação histórica, ressalta-se que é um
número surgido em um momento chave do processo de redemocratização, as eleições para
presidente e aparecimento da nova Constituição.
MARTINEZ (2004) desenvolve a apresentação de proposta de ação institucional e seus
fundamentos teóricos e metodológicos para a formação de professores de História, a partir de
uma realidade específica que é o Núcleo de Ensino da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp,
em Assis/SP, para seu texto ela parte do enfoque na elaboração de material didático, nas
atividades de ensino e aprendizagem e na avaliação sobre as questões ambientais presentes
no conhecimento histórico escolar, nas práticas de pesquisa e educação ambiental.
Somente em 2010, a RBH passa a dedicar mais um dossiê voltado para a relação entre
história e educação, neste dossiê, vários textos são dedicados para pensar a formação e o
ensino de história, merecendo destaque os textos de Selva Guimarães Fonseca, em parceria
com o professor Marcos Silva e o texto de Aryana Lima Costa. Refletindo sobre a importância
dada ao ensino e a formação. Selva Guimarães e Marcos Silva (2010) apresentam uma reflexão
muito pertinente, sobre as funções do saber histórico e sua relação com as reformas

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 212

curriculares, mesmo sem mencionar diretamente os aspectos relacionados à formação, a


leitura do texto é importante para se pensar o papel do professor e sua relação com o ensino:

Ao Ensino de História cabe um papel educativo, formativo, cultural e político,


e sua relação com a construção da cidadania perpassa diferentes espaços de
produção de saberes históricos. Desse modo, no atual debate da área, fica
evidente a preocupação em localizar, no campo da História, questões
problematizadoras que remetam ao tempo em que vivemos e a outros tempos,
num diálogo crítico entre a multiplicidade de sujeitos, tempos, lugares e
culturas. Portanto, a(s) configuração (ões) da(s) história(s) vivida(s) e
ensinada(s) pelos professores, entre as quatro paredes da sala de aula e,
também, fora dos limites dos territórios escolares, bem como das histórias que
os alunos aprendem nesses e noutros espaços, é bem mais complexa do que
muitos supõem. As dimensões curriculares ora se aproximam, se mantêm, ora
se distanciam, ora se contrapõem num movimento real, dinâmico, dialético,
logo, histórico (p, 24-25).

Essas dimensões curriculares de que falam os autores são um ponto importante para
se pensar como fundamento de um ensino que precisa movimentar-se, modificar-se de acordo
com as dinâmicas sociais, culturais e politicas a que estão atrelados. O ensino, tal qual a
formação são processos continuos, inacabados sempre.
O texto de Aryana Lima (2010) volta-se para o Ensino Superior, discutindo as
alterações ocasionadas pela extensão universitária, e como isso tem contribuido para que a
universidade saia de seus muros e tenha uma ação direta na comunidade. Até o momento este
foi o último dossiê voltado para a discussão sobre ensino de história e formação de
professores, como já dito anteriormente, o fato de não ser uma publicação total voltada para
o tema, ele não desparece, mas permeiam vários números da RBH, a partir de outros enfoques
e outras abordagens, autores que continuam a dedicar-se a pensar esses processos como algo
que carece de constantes reflexões.
A Revista História Hoje passou a circular no meio acadêmico em 2003. Mas é em 2011,
no seu número 11 que há uma edição em que a maioria dos textos dedicados a pensar a
formação do professor e do ensino de história. Mesmo sem haver um titulo expressore sobre
os dois temas, os textos do número 11 da revista ressaltam a importância da formação e da
relação que os professor deve estabelecer conexões com os PCNS e as recentes alterações na
educação, como o trabalho a parir da Lei 10. 639/2003.
A partir de 2012 a Revista História Hoje, passou por várias modificações, com um
formato novo e uma proposta quase que voltada exclusivamente para o ensino de história, a
mesma passou a utilizar desse ponto, o ensino de história, para balisar a sua linha editorial. Na
apresentação do primeiro número, desta nova etapa da revista podemos ler que:

A revista História Hoje inicia uma nova fase com a publicação do número 1
desta série. Em julho de 2011, retomando discussões e anseios que marcaram
sua criação em 2003, o Conselho Editorial assumiu a tarefa de revitalizar o
periódico, adotando a temática “História e Ensino” como estrutura de sua linha
editorial. Para isso, investiu na publicação de Dossiês Temáticos, reviu a
periodicidade da revista, agora semestral, e criou novas seções para a RHHJ –
“História Hoje na Sala de Aula”, “E-Storia” e “Falando de História Hoje”, com a
finalidade de manter canais de diálogo permanentes com professores e
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pesquisadores, discutindo e compartilhando experiências. Por fim, a migração


para a base OJS/SEER, ao garantir acesso amplo e maior qualidade editorial,
completa este momento significativo na institucionalização da RHHJ na
Anpuh/Brasil, no momento em que completamos 50 anos.

Podemos perceber que a partir deste momento, o olhar da equipe editorial da revista
passa a ter como principal ponto de observação, o ensino, e as práticas docentes. A meu ver, a
RHH inaugura assim um espaço dedicado ao professor e as suas múltiplas experiências
docentes e para novas perspectivas para se pensar o espaço da sala de aula e as necessidades
educativas. Todos os números da RHH versam sobre ensino.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU DISCUSSÕES

Pensar essas duas publicações da ANPUH e suas relações com o tema da formação
docente e do ensino de história são antes de tudo desafios que se abrem a qualquer
pesquisador, e isso pode ser pensado por vários motivos. Um deles é compreender que as
revistas, por mais que tenham uma linha, uma orientação para suas publicações, são espaços
de múltiplas vozes, são espaços polifônicos, expressam concepções e ideais muito diferentes,
mas, nisso também está a riqueza dos debates.
Para ao analisar o cenário de produção cientificada revista da Universidade de São
Paulo, NASCIMENTO (2018) fala das revistas acadêmicas como espaço multifacetado de
produção histórica e espaço de uma vasta produção historiografica, no sentido que Michel de
Certeau (2008) dá ao conceito. É preciso levar em consideração que, as revistas científicas e
acadêmicas são parte constitutiva da paisagem intelectual do mundo moderno e de um cenário
acadêmico em ascensão no Brasil, a isso basta perceber a qualidade das publicações dos
Programas de Graduação e Pós-Graduação em História das universidades brasileiras. Estas
desde o século XIX, pelo menos, elas desempenham papel fundamental tanto para a divulgação
do conhecimento, em suas várias formas, quanto para abrigar e potencializar inovações que
muitas vezes tiveram, e têm, profundo impacto sobre seus respectivos campos disciplinares,
inclusive por transgredir barreiras institucionais, ultrapassar limites geográficos e reformular
fronteiras do saber.
Muito embora não seja o foco das revistas acadêmicas ditar as regras ou as diretrizes
para a formação de professores de história e o ensino da disciplina, elas são responsáveis pela
divulgação científica e por um conjunto de ações que são fundamentais para a ampliação,
divulgação e também para fomentar o debate sobre o tema. O lugar ocupado pela ANPUH
diante desse contexto é o de estimular e ampliar as ações nesse sentido, proporcionando aos
profissionais de História formação e estímulos para sua prática docente.

CONCLUSÃO

A guisa de conclusão, acredito que as palavras de Luís Fernando Cerri (2013) fazem eco
às considerações tecidas no texto:

é preciso assumir que a concepção multidimensional da formação do profissional de


história envolvendo em si, intrinsecamente, a formação do professor, expressa na proposta
de diretrizes de graduação apresentada pela ANPUH, pode ser interpretada pelo menos de
duas formas. A primeira, da qual compartilhamos, entende que o curso de história deve
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formar seu estudante para atuar como mediador da sociedade em seu relacionamento com
todas as representações do tempo, para o que precisa conhecer e ser capaz de manejar a
produção de saberes e a crítica dos saberes produzidos, com capacidades técnicas para
desenvolver essa função intelectual na escola e em todas as demais instituições e espaços
sociais. O fator da comunicação do conhecimento, assim, constitui-se num fator intrínseco
não apenas à competência profissional do graduado em história, mas à própria reflexão e
produção histórica (p, 179).

Aos profissionais de História cabe o lugar de cobrar, de requerer e buscar ações que
contribuam para uma formação sólida e que esteja de acordo com as exigências da sala de aula
em contextos especificos, nesse sentido, é necessário cobrar das instituições e do GT de Ensino
de História ações concretas que visem a melhoria da prática. As revistas nesse sentido
precisam ser espaços docentes por excelência de discussão da realidade e das necessidades
educativas.

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O livro didático e o ensino de história: uma breve análise

Caroline Cataneo (IFRS)


caroline.cataneo@ifrs.edu.br

INTRODUÇÃO

A utilização do livro didático é um dos pilares do método educativo brasileiro,


possuindo importância significativa em qualquer disciplina da Educação Básica. A sua
aplicação em sala de aula é fomentada por meio de programas governamentais como o já
tradicional Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), pelo qual as instituições de ensino
podem escolher (dentro de uma gama previamente selecionada) os livros que irão utilizar. As
obras didáticas se constituem de importante recurso para o trabalho do educador, pois
apresentam em seu conteúdo as bases para as aulas, exercícios e atividades que facilitam
bastante o cotidiano escolar.
Entretanto, é necessário problematizar o seu uso enquanto instrumento de
transposição didática de conteúdos. Muitos educadores acabam por utilizar somente o livro
didático na explanação dos temas, o que, muitas vezes, acaba por limitar o acesso dos alunos
a outras maneiras ter contato com os mesmos. De acordo com Freitas Neto (2009, p.71), “o
problema é quando o professor não planeja o seu conteúdo e trabalho, mas segue fielmente a
divisão capitular do livro didático, ficando distante dos alunos e sua vivência, inviabilizando
propostas de renovação do ensino”.
A fim de verificar de que maneira o conhecimento histórico está sendo (ou foi)
transposto através dos livros didáticos, o estudo busca realizar uma análise de três obras de
períodos históricos distintos. São elas: “História do Brasil” de Maria Januária Vilela Santos
(1982), “Oficina de História do Brasil” de Flávia de Campos (1999) e, por fim, “História e Vida
Integrada” de Claudino e Nelson Piletti (2008).
A primeira parte do trabalho apresenta um breve histórico do ensino de História no
Brasil, buscando salientar as épocas em que a disciplina foi mais ou menos valorizada, de
acordo com as correntes historiográficas e/ou as influências políticas do período. À segunda
parte compete abordar a relação entre o livro didático e o ensino de História. Por fim, são
realizadas as análises das obras supramencionadas a partir de quatro categorias: (i) análise
da imagem de capa das obras; (ii) presença de textos e/ou atividades complementares; (iii)
referências a fontes históricas advindas da produção cultural (ilustrações, pinturas, livros,
filmes, músicas, histórias em quadrinhos) e (iv) apresentação de abordagem crítica dos
conteúdos.

A DISCIPLINA DE HISTÓRIA E O ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL

O ensino de história, tanto no âmbito escolar quanto acadêmico passou por


significativas modificações no decorrer do tempo. A inovação oriunda de novas correntes
historiográficas foram elementos basilares para esse processo de mudança. Transformações
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no cenário político e social também corroboram para períodos de maior ou menor valorização
da disciplina de História.
No Brasil Colonial, a educação, de maneira geral, ficava a cargo dos padres jesuítas da
Companhia de Jesus e os ensinamentos eram mais voltados às ideias religiosas, biografias dos
santos (hagiografias) e aos elementos que compunham o Ratio Studiorum1. No entanto, como
enfatiza Fonseca (2006), o fato de os jesuítas ensinarem temas de História em suas escolas nos
séculos XVII e XVIII não significa que este conhecimento já estivesse organizado como
disciplina tal qual a definição contemporânea que dela temos. Ou seja, na época em questão,
não havia elementos suficientes para considerar a História como disciplina escolar de fato, à
medida que as particularidades que a compõe ainda não estavam metodologicamente e
epistemologicamente definidas.
Foi somente após a Independência que há de fato a constituição de uma disciplina
dotada de características e metodologia definidas em consonância com a estruturação do
sistema de ensino imperial. Como discorre Fonseca (2006, p. 23) nas décadas de 20 e 30 do
século XIX surgiram vários projetos educacionais para o ensino de História, que incluíam:
História Sagrada, História Universal e História Pátria. Percebe-se com essa divisão uma
tentativa de englobar os dilemas sociais que estavam em voga no período.
O século XIX, portanto, é marcado pela consolidação da História (e de outras disciplinas
como a Sociologia) enquanto ciência e disciplina independente. É a partir da segunda metade
do século XIX que começam a surgir os primeiros livros e manuais de ensino da disciplina. Um
dos mais conhecidos é o de Joaquim Manuel de Macedo, então professor do Imperial Colégio
Pedro II, que escreveu a obra “Lições de História do Brasil para uso dos alunos do Imperial
Colégio de Pedro II”, que se tornaria um clássico por muitas décadas. Com o advento
republicano, a preocupação maior era a de transmitir conhecimentos que agregassem valores
de civismo e patriotismo para os estudantes, bem como em delimitar as fronteiras
metodológicas da disciplina e evidenciar seus aportes pedagógicos.
A primeira metade do século XX é marcada pela criação, em 1930, do Ministério da
Educação e Saúde Pública (atual Ministério da Educação – MEC). A criação da entidade
promoveu uma significativa mudança nas bases ensino no Brasil. Conforme Fonseca (2006,
p.52), o ministério definiu programas e instruções sobre os métodos de ensino, bem como
retirou a autonomia das escolas para a elaboração dos programas e unificou os conteúdos em
detrimento de interesses regionais. Foi neste período, portanto que, como discorre Souza e
Pires (2010), houve o projeto integrador de Vargas que visava centralizar o processo
educacional a nível nacional, com o intuito de reduzir as liberdades regionais e fortalecer a
União.
Todavia, é a partir do golpe de 1964 que a disciplina de História tem seu maior revés:
História e Geografia são fundidas em Estudos Sociais. A História então intensificou as
abordagens anteriormente já utilizadas de História Tradicional, de “grandes heróis”,
principalmente os do novo regime.

A consolidação dos Estudos Sociais em substituição a História e Geografia ocorreu a partir


da Lei n. 5.692/71, durante o governo militar. Os Estudos Sociais constituíram-se ao lado
da Educação Moral e Cívica em fundamentos dos estudos históricos, mesclados por temas
de Geografia centrados nos círculos concêntricos. Com a substituição por Estudos Sociais

1
Conjunto de norrmas e orientações pedagógicas que definia, prioritariamente, procedimentos e não conteúdos,
tendo em vista objetivos evangelizadores, e formação moral e a difusão do Cristianismo (Fonseca, 2006).
SUMÁRIO
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os conteúdos de História e Geografia foram esvaziados ou diluídos, ganhando contornos


ideológicos de um ufanismo nacionalista destinado a justificar o projeto nacional
organizado pelo governo militar implantado no País a partir de 1964 (BRASIL, 1997, p. 23).

Posteriormente ao processo de abertura política os profissionais das duas áreas se


mobilizam para torná-las independentes novamente. Hoje em dia, a disciplina já está
consolidada, porém os desafios ainda são grandes. Souza e Pires (2010) discorrem que a
História vem passando por um período de maior autonomia, buscando responder aos
questionamentos dos mais variados processos humanos através do tempo e buscando
preparar o cidadão para participar dos processos democráticos do país.
O ensino de História nos dias atuais, por meio do advento da Escola dos Annales e de
outras correntes historiográficas mais atuais, bem como com o aporte dado pelas diretrizes
curriculares nacionais e o PNLD pode se valer de inúmeros recursos para cumprir seus
objetivos. A proposta dos Annales, de acordo com Dortier (2010, p. 15), era o de “reunir as
ciências sociais em torno de um projeto renovador, recorrendo à geografia, à sociologia e à
economia para explicar a história”. Desta maneira, o professor de História pode se valer de
diversas alternativas que não somente as fontes documentais para realizar a transposição
didática dos conteúdos, otimizando os recursos disponíveis nos livros didáticos, nas fontes
específicas e das tecnologias da informação e comunicação.

O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DE HISTÓRIA

A importância da utilização do livro didático no processo de ensino e aprendizagem é


inegável, seja na disciplina de História ou em qualquer outra do currículo escolar. Importância
esta incentivada por meio de políticas públicas específicas para tal fim, como o Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) que engloba as escolas públicas de educação básica.
As obras didáticas são instrumentos essenciais na história da educação no Brasil, alvo
investimentos e políticas públicas dos mais diversos governos. Apesar de sua clara
importância para as escolas, os livros - e sua mescla de significados - suscitam muitos debates
entre professores e teóricos da área da educação. Conforme cita Bittencourt (2016), o livro
didático é um objeto cultural contraditório que gera intensas polêmicas e críticas de muitos
setores, contudo, tem sido sempre considerado como um instrumento fundamental no
processo de escolarização.
De acordo com Borges (1993), a função da História, desde o seu início, foi a de fornecer
à sociedade uma explicação sobre ela mesma e a dimensão que o homem teve e tem em
sociedade. Nesse sentido, os livros didáticos são instrumentos de caráter pedagógico que
transmitem o conhecimento histórico no âmbito do espaço escolar. Espaço esse que é o mais
profícuo para tal finalidade.
A disciplina de História apresenta quando da utilização das obras didáticas
características bem particulares. Ele pode ser tanto um elemento de transmissão de
conhecimento histórico - para fins pedagógicos de ensino e aprendizagem - quanto o próprio
objeto de estudo histórico - analisado como documento histórico -, visto que, os escritos
didáticos também dizem muito a respeito da época em que foram impressos e entraram em
circulação, ou seja, possuem historicidade própria.
Conforme exemplifica Oliveira (2010), nesta relação professor/conteúdo/educando o
que mais importa não é o conteúdo em si, mas a forma como estes são transmitidos, seja por
SUMÁRIO
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meio do uso de um livro didático ou de outros meios mais acessíveis à realidade escolar do
profissional e do educando. Diante da realidade educacional brasileira, o livro didático é um
instrumento que deve sim ser utilizado, mas sobretudo, problematizado com os estudantes.

ANÁLISE DAS OBRAS

O capítulo procura tecer uma breve análise das obras “História do Brasil” de Maria
Januária Vilela Santos (1982), “Oficina de História do Brasil” de Flávio de Campos (1999) e por
fim, “História e Vida Integrada” de Claudino e Nelson Piletti (2008) por meio das seguintes
categorias: (i) análise da imagem de capa das obras; (ii) presença de textos e/ou atividades
complementares; (iii) referências a fontes históricas advindas da produção cultural -
ilustrações, pinturas, livros, filmes, músicas, histórias em quadrinhos - e (iv) apresentação de
abordagem crítica dos conteúdos.
A primeira obra a ser analisada, é o livro “História do Brasil” de autoria de Maria
Januária Vilela Santos. Trata-se de um livro de 6° ano, do antigo primeiro grau. O ano de
impressão é 1982, sendo a 13° edição do mesmo pela editora Ática. O livro aborda o período
da História do Brasil desde 1822 até a data de publicação da obra. Portanto, engloba o período
do Brasil Imperial e Republicano.
Na imagem de capa do livro aparece, em primeiro plano, uma ilustração de Benjamin
Constant (um dos líderes militares responsáveis pela Proclamação da República em 1889). No
plano secundário é possível visualizar, em cores mais sóbrias, fragmentos do quadro “A
Proclamação de República” de Benedito Calixto (1893). Quadro este que se propunha a
retratar o momento da queda do império com a deposição de Dom Pedro II e a Proclamação
da República pelos líderes militares. Podemos ver nesta imagem de capa, uma preocupação
em retratar os grandes heróis desse processo, portanto, utilizando uma abordagem tradicional
positivista da História:
O segundo item a ser verificado na obra é se há ou não a presença de textos ou
atividades complementares aos conteúdos. Os capítulos apresentam textos complementares,
de maneira geral, acerca de personagens relevantes dos momentos históricos estudados.
Assim como na imagem de capa, a maneira de abordar é considerada tradicional, à medida que
os grandes “heróis” são reverenciados em detrimento de outras maneiras de tratar os mesmos
acontecimentos. As atividades também reforçam esta metodologia, à medida que são apenas
descritivas de fatos, datas e episódios marcantes.
O exemplar apresenta poucas referências a fontes históricas advindas da produção
cultural. Há a utilização de pinturas para ilustrar as matérias, mas sem retorno das mesmas
em atividades para serem analisadas pelos estudantes. Desta maneira, elas só estão presentes
para reforçar o que está sendo dito no texto.
Quanto à abordagem crítica dos conteúdos, a obra, como já dito anteriormente, segue a
metodologia tradicional, de maneira descritiva e dando ênfase aos grandes feitos e aos grandes
personagens. No entanto, a própria autora faz questão de atentar para isto, no prefácio
dedicado os alunos:

Você conhecerá a vida de homens e mulheres importantes que realizaram ações


extraordinárias. Ficará entusiasmado com as façanhas dos nossos heróis. Mas lembre-se
sempre: não foram só eles que fizeram a História do Brasil. Não foram só eles que
construíram cidades, semearam os campos, que plantaram e colheram, que abriram

SUMÁRIO
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estradas e defenderam o país... O Brasil e tudo que ele tem foi feito por milhões de
brasileiros, a maioria pobres e desconhecidos (SANTOS, 1982, p. 3).

O segundo livro a ser analisado, de autoria de Flávio de Campos, é o “Oficina de História


– História do Brasil”, do ano de 1999, publicado pela editora Moderna. O livro aborda a História
do Brasil desde o período Colonial até segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso,
quando o livro foi impresso. Assim como a obra de Maria Januária Vilela Santos, esta aborda
os aspectos relacionados ao Brasil de forma separada aos da chamada “História Geral”.
A imagem de capa, de autoria de Paulo Manzi é bem diferente da apresentada no livro
anteriormente analisado. A ilustração é dotada de diversos elementos que se relacionam ao
fazer e pensar histórico. No canto esquerdo da mesma, há um globo terrestre e abaixo um
mapa do Brasil com a divisão de acordo com as antigas capitanias hereditárias. Nota-se a
presença de utensílios do fazer artístico e cultural (pincéis, tintas, partituras e livros).
Materiais de trabalho também aparecem na figura. Há um contraste entre o antigo
(representado pela caneta tinteiro e os papéis escritos à mão) e o novo (representado pelas
fotografias e o disquete, remetendo às inovações tecnológicas).
Todos os temas abordados apresentam a possibilidade de leitura de textos e realização
de atividades complementares. Os textos aparecem em variados formatos: reportagens,
crônicas, poemas, letras de músicas, entre outros. As atividades da mesma maneira são
distintas: questionários, análise de pinturas, de mapas, de textos, de gráficos, utilizando uma
abordagem crítica e rica justamente pelo aporte de uma grande gama de elementos. Diferente
do primeiro livro analisado, este segue uma linha historiográfica mais recente, que incorpora
outras fontes (vestígios históricos) à obra didática.
A obra é bastante rica no que tange o uso de referências e fontes históricas advindas da
produção cultural. Como mencionado anteriormente, o autor utiliza poemas, crônicas, letras
de músicas, trechos da literatura, análise de pinturas, gravuras e fotografias para ilustrar e
enriquecer os conteúdos. Desta maneira, alunos e professores, quando da utilização do
material didático podem tecer análises mais profundas e diversificadas acerca dos temas
estudados, possibilitando um enriquecimento intelectual e cultural em ambos.
O último item a ser analisado corresponde à apresentação ou não de abordagem crítica
dos conteúdos pelo autor do livro. A obra “Oficina da História – História do Brasil” emprega
um tratamento crítico aos temas estudados, uma vez que, na própria contracapa o autor
menciona que “evitando uma abordagem dogmática e restrita da História, o livro oferece
pontos de vista controversos, convidando o aluno a posicionar-se criticamente diante das
questões mais polêmicas da formação do Brasil”.
O último livro a ser analisado é o “História e vida integrada” de Nelson Piletti e Claudino
Piletti, impresso pela editora Ática no ano de 2008. Trata-se de livro da 8ª série do Ensino
Fundamental e pertencente a série “História e vida integrada” uma coleção de quatro volumes
para alunos de 5ª a 8ª série. Distinta das obras anteriores, esta apresenta uma visão integrada
da História, que conforme cita Caimi (2009) parte de uma concepção processual da história
que pressupõe a conjunção de múltiplas temporalidades para compor a explicação histórica,
enfatizando simultaneamente aspectos de natureza econômica, política, social, cultural. Os
conteúdos vão desde a Proclamação da República ao governo Lula, passando pelos
acontecimentos a nível mundial durante o mesmo período.
A imagem de capa, diferente das anteriormente analisadas, trata-se de uma fotografia.
A fotografia, de Jamil Bittar, mostra indígenas pataxós diante do Supremo Tribunal Federal,
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em Brasília, no ano de 2002. Os índios estão ajoelhados diante da estátua que representa a
justiça. Apresenta-se, portanto, uma valorização do elemento indígena, por meio da escolha da
imagem para a capa da obra.
A utilização de textos e atividades complementares é constante. Todos os capítulos
fazem uso deste suporte. As atividades são diversas assim como os textos. Há uma
preocupação com o uso das imagens e a leitura correta das mesmas. São empregados textos
jornalísticos, poemas, letras de músicas, crônicas e fragmentos da literatura para
complementar e ampliar os conteúdos. Desta maneira existe uma forte referência a fontes
históricas advindas da produção cultural, bem como capítulos específicos para tratar de
cultura, colocando-a no mesmo patamar dos acontecimentos nos âmbitos político e
econômico.
Toda essa gama de conteúdos e a integração entre a História do Brasil e a Mundial faz
com que ocorra uma abordagem mais crítica em relação aos temas estudados. Além disso, o
livro apresenta a reunião de alguns temas transversais de bastante relevância como a questão
da globalização, da ecologia, da fome, das epidemias mundiais, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As três obras analisadas são de diferentes períodos históricos, havendo uma diferença
de 26 anos entre obra mais antiga, “Historia do Brasil” de Maria Januária Vilela Santos e a mais
atual “História e vida integrada” de Nelson e Claudino Piletti. Em virtude da questão temporal,
é a obra de 1982 que apresenta uma maior discrepância entra as outras duas. O método de
apresentar a História, neste caso, é mais tradicional, com a descrição de datas e fatos e a
menção aos heróis e seus grandes feitos. Existe pouco espaço para outras fontes históricas e
emprego de referências advindas da produção artística e cultural. No entanto, nos outros dois
livros, este emprego é suficientemente utilizado assim como a abordagem crítica dos
conteúdos.
Outra diferença encontrada são as opções ora pela História Convencional (seriada), ora
pela História Integrada. Nas duas primeiras obras analisadas os conteúdos são apresentados
de forma seriada, ou seja, a História do Brasil era estudada de maneira à parte aos chamados
temas da História Geral. É na terceira e mais atual que ocorre uma mudança nesse aspecto,
integrando os fatos ocorridos nacionalmente aos de âmbito regional e mundial, bem como ao
emprego de temas transversais e capítulos inteiros reservados aos elementos artísticos e
culturais presentes em dado tempo histórico.
O trabalho de análise de livros didáticos se mostrou de grande relevância, à medida que
contribuiu para a verificação de como o conhecimento histórico é transposto didaticamente e
como ele pode se constituir de elemento fundamental na formação dos estudantes. Foi
possível também verificar as diferentes maneiras de transmitir o conhecimento histórico além
de examinar as principais questões que interferem no conteúdo didático: mudanças político-
sociais e o incremento de novas correntes historiográficas.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Em Foco: História, produção e memória do livro


didático. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a07v30n3.pdf. Acesso em: 22 set. 2020.
BORGES, Vavy Pacheco. O que é História? 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. (Coleção Primeiros Passos).

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:


História e Geografia. Brasília: MEC, 1997. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro051.pdf. Acesso em: 22 set. 2020.
CAMPOS, Flávio de. Oficina de História do Brasil. São Paulo: Editora Moderna, 1999.
DORTIER, Jean-François. Dicionário de Ciências Humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
FONSECA, Thais Nivia de Lima e. História e Ensino de História. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
FREITAS NETO, José Alves. Transversalidade: A transversalidade e a renovação no ensino de História. In:
KARNAL, Leandro. História da sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6. ed. São Paulo: Contexto,
2009. Cap. 4. p. 57-74.
OLIVEIRA, Isabella Santana. Livro didático e ensino de História: um estudo de eixos temáticos no Ensino
Fundamental II. 2010. Disponível em: www.uesc.br/eventos/culturaepolitica/anais/isabelasantana.pdf.
Acesso em: 25 out. 2020.
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino. História e vida integrada: São Paulo: Ática, 2008.
SANTOS, Maria Januária Vilela. História do Brasil: 13. ed. São Paulo: Ática, 1982.
SOUZA, Renato João de; PIRES, João Ricardo Ferreira. Os desafios do ensino da História no Brasil. Disponível
em:
http://www.funedi.edu.br/revista/files/edicoesanteriores/numero1/OsdesafiosdoensinodehistorianoBrasil.p
df. Acesso em: 11 abr 2020.

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O acervo de escolas extintas de goiânia um local de memórias

Arleth Barbosa Ferreira Pereira1


Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida2

INTRODUÇÃO

O artigo busca fazer uma breve discussão sobre como os arquivos escolares que
compõem o Acervo de Escolas Extintas podem constituir-se em locais de memóriae história
da educação.
Quando uma instituição de ensino não preserva seus registros documentais, estão
descartando a memória das pessoas que por ali fizeram sua história, trazendo muitos
problemas à aqueles que porventura necessite de dados específicos quanto a comprovação
dos seus estudos e consequentemente dificulta o trabalho do pesquisador da História da
Educação que, por exemplo, esteja em busca de elementos para compreender o
desenvolvimento das políticas voltadas para educação.
Por meio de uma revisão bibliográfica, buscar-se à compreender a finalidade da
história e sua importância para o entendimento da conservação e preservação dos arquivos
escolares, bem como o reconhecimento do Patrimônio que os mesmos representam.
Fundamentado no pensamento dos teóricos como Le Goff (2013), Benjamin (1994), Mogarro
(2005), dentre outros, o breve estudo buscará trazer à luz o entendimento da importância dos
registros documentais para as pesquisas e para a própria formulação do conhecimento
histórico da educação.
Discussão

Para Benjamin, “a memória é a mais épica de todas as faculdades” (1994, p. 210). Essa
frase é marcante principalmente porque na atualidade a preocupação por informações rápidas
com respostas precisas muitas vezes fundamentadas somente no fato e não no contexto, tem
contribuído para que o uso da memória seja dia a dia menos utilizada. Ao procurar narrar uma
história seja através da escrita ou em uma roda de conversa o uso da memória é fator
imprescindível para que ocorra buscando fatos históricos que fizeram parte do momento ao
qual quer ser relembrado.
É muito importante destacar sucintamente o que significa história. Para Le Goff
(2013, p. 22), “[...] falar de história não é fácil”. Em suas pesquisas um dos significados da

1
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação Strito Sensu em Educação-PPGE /PUC-GO. E-mail:
arlethbfp@hotmail.com
2
Profa. Adjunta PUC-GO/Escola de Formação de Professores e Humanidades/Líder do Diretório/CNPqGrupo de
Pesquisa "EDUCAÇÃO, HISTÓRIA, MEMÓRIA E CULTURAS EM DIFERENTES
ESPAÇOS SOCIAIS". Programa de Pós-Graduação Strito Sensu em Educação-PPGE/LPESC/NUPE. e-
mail:zeneide.cma@gmail.com

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palavra história, que vem do grego antigo, é “testemunha”, no sentido de “aquele que vê”.
Porém, a história pode ter também outro significado o de "narrativa".
De acordo com Thompson (1992, p. 20), a história depende de uma finalidade social
e no passado era transmitida de uma geração a outra através da tradição oral e pela crônica
escrita.
Le Goff (2013), faz um importante esclarecimento sobre o valor da memória no viés
coletivo quando escreve

A evolução das sociedades, na segunda metade do século XX, elucida a importância do


papel que a memória coletiva desempenha. Exorbitando a história como ciência e como
culto público, ao mesmo tempo a montante, enquanto reservatório (móvel) da história,
rico em arquivos e em documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho
histórico, a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades
desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das
classes dominadas, lutando, todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela
promoção

[..]

A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou


coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de
hoje, na febre e na angústia.

Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um


objeto de poder. São as sociedades cuja memória social é, sobretudo, oral ou que estão em
vias de constituir uma memória coletiva escrita, aquelas que melhor permitem
compreender esta luta pela dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da
memória. (LE GOFF, 2013,p. 435).

Para Halbwachs (2003), a memória individual está diretamente interligada à ideia de


memória coletiva, haja vista que os aspectos memoriais e as lembranças são estabelecidos no
interior de um determinado grupo. Confirma o autor (2003, p.106), "há muitas memórias
coletivas, e toda memória coletiva tem como suporte um grupo limitado no tempo e espaço".
As considerações de Le Goff (2013) e Halbwachs (2003), corroboram para
compreender o que um Acervo de Escolas Extintas abriga no viés da memória e história. Os
arquivos das Instituições extintas trazem informações de uma época vivenciada por pessoas
que em parte foram registradas tornando documento de comprovação das situações de um
determinado período marcante em sua história escolar e de vida.
Uma instituição escolar quando encerra suas atividades toda a história do tempo
percorrido até aquele momento fica marcado através de arquivos individuais e coletivos. A
trajetória de cada estudante, professores, diretores, secretários, auxiliares de secretaria,
merendeiras, colaboradores em geral, comunidade e tantos outros profissionais são
resguardados nesses arquivos.
Considerando as contribuições de Le Goff, Thompson e Halbwachs todas as narrativas
das testemunhas dos acontecimentos ocorridos em uma instituição escolar e transcritas,
totalizando naquele momento uma história particular e coletiva, contribuem para compor a
história daquela instituição sendo muito importante para a posteridade.
Os arquivos possuem elementos significativos que podem ser utilizados por
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pesquisadores em educação como afirma Furtado (2011, p. 145), “o arquivo escolar é fonte de
elementos significativos para a reflexão sobre o passado da entidade, das pessoas que o
frequentaram, das práticas que nela circularam e, mesmo, sobre asrelações de seu entorno”.
Quando a instituição de ensino extinta repassa ao Acervo de Escolas Extintas a
responsabilidade da guarda, conservação e preservação dos arquivos não significa que
daquele momento em diante pode considerar toda a sua história em um "arquivo morto". Cada
documento que compõe essa história continuará a ser utilizado para expedir documentos
escolares quando solicitados por pessoas que por ali passaram. A historiadora Mogarro,
enumera muito bem e organizadamente as múltiplas “fontes de informação escolar” sendo
importante reproduzi-las:

- Textos legais e documentos oficiais;


- Estatísticas;
- Relatórios técnicos;
- Regulamentos, circulares e normas, enquanto documentos de circulação não apenas
interna, nas instituições escolares, mas também entre estas e o poder central;
- Documentos administrativos e pedagógicos;
- Publicações, como livros, artigos de jornais e revistas, exteriores à escola. São trabalhos
científicos, pedagógicos e culturais, poesias, que surgem na imprensa regional e
imprensa pedagógica, mas que também podem ter a natureza de obras autônomas,
escritas e publicadas por iniciativa dos professores, que são também os autores;
- Equipamentos e objetos de diversa natureza;
- Materiais didáticos e escolares, geralmente pertencentes a arquivos particulares;
- Trabalhos escolares de alunos que, na maior parte dos casos, se encontram também em
arquivos particulares e não nos arquivos das instituições escolares;
- Fotografias e outros documentos iconográficos;
- Testemunhos orais de professores, alunos, funcionários e outros elementos da
comunidade educativa (MOGARRO, 2005, p. 110).

A riqueza de informações contidas nos arquivos traz à luz um pensamento que deve
ser pertinente, a conservação e preservação da memória e história da instituição escolar
extinta através de cada documento existente. Para justificar essa importância dos arquivos
escolares, sob uma análise entre memória e esquecimento de instituições deensino, diz
Mogarro:

O arquivo escolar, garante, em cada instituição, a unidade, a coerência e a consistência que


as memórias individuais sobre a escola, ou os objetos isolados por ela produzidos e
utilizados, não podem conferir, por si sós, a memória e a identidade que hoje se torna
fundamental construir (MOGARRO, 2006, p.77).

Para Le Goff (2013, p. 485), os materiais da memória coletiva, em sua forma científica,
os registros como “documentos e monumentos”, ele apresentou de duas formas: “os
monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador”. O teórico explica
adefinição para ambos os registros:

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O monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou


involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a
testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos. O termo latino
documentum, derivado de docere, “ensinar”, evoluiu para o significado de “prova” e é
amplamente usado no vocabulário legislativo (LE GOFF, 2013, p. 486).

É importante salientar que as instituições escolares em atividade quando não


preservam as fontes documentais por ela produzida, descartam a memória dos seus agentes
históricos trazendo problemas futuros aos que deles precisarem para comprovar os estudos
realizados a fim de garantirem oportunidades diversas de ascensão social. Outro fator
relevante é a dificuldade que os pesquisadores em História da Educação podem enfrentar
quando, por exemplo, estejam buscando elementos para compreensão do desenvolvimento
das políticas voltadas para educação.
A situação tende a se agravar quando os registros através de arquivos são entregues
ao Acervo, após o encerramento das atividades, não forem completos ou deficientes de
informações por não terem sido tratados com responsabilidade e conhecimento adequado por
parte de profissionais ligados a essa função deixando a desejar no comprometimento desses
registros e conservação do material produzido.
O Acervo de Goiânia abriga os arquivos de 577 (quinhentos e setenta e sete)
Instituições de ensino da rede pública estadual, conveniada e particular da região de
Goiânia. Recentemente foi mudada de pasta e está vinculado a Superintendência de
Organização e Atendimento Educacional da Secretaria de Estado da Educação de Goiás. De
acordo com documentos como Ofícios já são mais de cinco décadas de existência com
Instituições que funcionaram desde a década de 1940 até o ano anterior de vigência.
As dificuldades para compor um documento escolar quando não foram preservados
pela Instituição ainda em atividades geram transtornos às pessoas que precisam do mesmo
para atender a sua necessidade do momento.
As fontes documentais existentes em um Acervo são riquíssimas e atendem tanto os
estudantes da época quanto aos professores que quando estão em vias de aposentadoria
precisam de uma declaração que atuaram como regente em sala de aula. Isso é uma das provas
que os arquivos não são "mortos" e possuem um valor imensurável para sociedade que deles
precisam. Outra prova que é importante destacar é a quantidade de solicitações de
documentos escolares. A média anual perpassa por mais de duas mil solicitações ano sendo
um número muito expressivo de procura pelos registros contidos em arquivos valiosíssimos.
Nessa breve perspectiva abordada, é possível reconhecer que a história e memória de
tantas Instituições que atualmente existem somente através dos arquivos depositados em um
Acervo tornam esse lugar um Patrimônio Histórico e Cultural abertopara atender a sociedade
de uma forma geral e contribuindo para pesquisa em Educação fornecendo elementos
significativos para compreensão da trajetória de cada uma delas.

CONCLUSÃO

Como afirmou Le Goff (2013, p. 435) "A memória é um elemento essencial do que se
costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia". Os arquivos
das Instituições que estão no Acervo são compostos dessa memória tanto no individual quanto

SUMÁRIO
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no coletivo. Cada uma delas tem a sua identidade formada nos arquivos que as compõem.
Um Acervo com arquivos de toda história de instituições de ensino tem uma
importância significativa para contribuir com os estudos em História da Educação de um
município, Estado ou do país proporcionando conhecimentos significativos sobre as pessoas
queviveram seu momento épico. Os diversos documentos que as compõem possibilitam uma
rememoração do ato registrado, pronto para realizar uma reflexão da trajetória do ensino
livre de uma visão romântica de escola.
Diante da importância dos arquivos que constam em um Acervo é pertinente tratar
da necessidade de ser considerado um Patrimônio de extremo valor pelos profissionais da
educação e impreterivelmente por aqueles que estão dentro das instituições em atividade.
Com esse breve estudo é perceptível a urgência em trabalhar com alunos,
profissionais da educação, autoridades e a sociedade em geral, na sensibilização e
compreensão que os registros escolares arquivados fazem parte da História da Educação
porque tratam da memória e a identidade de cada uma delas. É necessário também ter o
compromisso e responsabilidade ao registrar os fatos tais quais na forma que foram ocorridos.

REFERÊNCIAS

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Escolhidas; v.1) São Paulo: Brasiliense, 1994.
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passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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Companhia das Letras, 1998. p. 216-231.
FURTADO, A.C. Os arquivos escolares e sua documentação: Possibilidades e limites para a pesquisa em História
da Educação. In CID - Revista de Ciência da Informaçãoe Documentação. Ribeirão Preto, v. 2. n. 2. pp. 145-
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MOGARRO, M.J. Os arquivos escolares nas instituições educativas portuguesas. Preservar a informação,
construir a memória. Revista Proposições, v. 16, n.1, p.103- 116, 2005.
MOGARRO, M. J Arquivo e educação:a construção da memória educativa. Sísifo. Revista de Ciências da
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SUMÁRIO
Ensino de História
e História Oral
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Um banquete de oralidade na moita:


Práticas alimentares de uso dos cactos e das bromélias na
comunidade Moita de Boqueirão-PB (2002-2004)

José Carlos Silva (UFCG)


josecarlosfrance@gmail.com
Iranilson Buriti de Oliveira (UFCG)
iburiti@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

Esse artigo tem por objetivo analisar as relações dialógicas de ressignificação das
práticas alimentares de uso dos cactos e das bromélias nas memórias dos habitantes da
comunidade Moita de Boqueirão-PB. Essa ressignificação de uso dos cactos e das bromélias
ocorrida no ambiente escolar, se deu em 2002 e 2003, por meio de projetos pedagógicos,
realizados na Escola Municipal Osias Francisco de Normandia, com uma turma da Educação
de Jovens e Adultos (EJA). Esses projetos eram sobre a história da comunidade Moita, em
particular, a história das práticas alimentares. Só foi possível os professores, estudantes e
demais membros da comunidade escolar, terem acesso a esse conhecimento culinário
presente na memória dos idosos da referida localidade, por meio da oralidade. Por isso,
problematizamos como os cactos e as bromélias fizeram parte da dieta dos moitenses pela
história oral. O intuito é de com os saberes constituídos oralmente, desnaturalizar as
identidades dos sujeitos e desses espaços, associados à cultura da seca, da fome e da miséria.
A terra que apoiamos a panela do banquete, é denominada de comunidade Moita, desde
o início do XIX, e, está localizada no município de Boqueirão, no Cariri Paraibano, há 181 km
da capital paraibana. A terra dessa comunidade é formada por uma “multiplicidade de
territórios” (HAESBAERT, 2007) regados “de sonhos, desejos, projetos de vida, cura, amores”
(OLIVEIRA, 2011, p. 764).
O recorte temporal que debruçamos nesse artigo é de 2002 a 2004. Em 2002, foi o ano
em que as práticas alimentares de cactos e de bromélias começaram a adentrar o ambiente
escolar, e, em 2004, é o ano que foi construída uma agroindústria de derivados de cactos na
comunidade Moita a partir da ressignificação dessas práticas alimentares.
A escolha do tema se deu pelo fato que cresci ouvindo esses sujeitos dizerem em suas
rotinas alimentares que comiam cactos e bromélias crus, assados e cozidos não só por fome,
mas também por prazer. Ao ampliar os espaços de escuta dessas vozes, estaremos incluindo
narrativas de resistências de pessoas comuns no discurso histórico, valorizando as
experiências dos idosos, desnaturalizando estereótipos, trazendo reflexões sobre a


Mestrando em História pela Universidade Federal de Campina Grande e professor de História do Estado da Paraíba
e das Séries Iniciais no Município de Campina Grande-PB.

Orientador e professor da Universidade Federal de Campina Grande; bolsista de Produtividade do CNPq.
SUMÁRIO
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importância do bioma caatinga e mostrando que a escola é o lugar de produção e


transformação da sociedade da qual o (a) aluno (a) está inserido (a).

Ingredientes do banquete

Nesse artigo, utilizamos o ingrediente Sensibilidade para captar e traduzir as


evidências do sensível nas experiências orais dos habitantes dessa localidade (PESAVENTO,
2003). A Tática (CERTEAU, 2019, p. 45-46), também foi outro ingrediente, entendida como os
cálculos, as possibilidades de ganhos, os aproveitamentos das ocasiões dos habitantes da
Moita para ressignificar oralmente as práticas alimentares provenientes dos cactos e das
bromélias desassociada da cultura da seca e da fome. O ingrediente Identidade (HALL, 2005,
p. 13), por ser uma representação móvel fez parte do banquete. As identidades alimentícias
derivadas dos cactos e das bromélias estão o tempo todo se deslocando e se reinventando,
assumindo novos ingredientes para continuar existindo por meio da experiência.
Compreendemos por “Experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”
(LARROSA, 2019, p.18), escrita e inscrita nas memórias culinárias dos moitenses.
Outros ingredientes importantes foram as fontes, dentre as quais utilizamos as
memórias dos idosos entrevistados (2008) na Comunidade Moita de Boqueirão-PB, sobre as
práticas alimentares dos cactos e das bromélias e fotos (arquivo pessoal do autor) das mostras
pedagógicas (2002 e 2003) e da aula de campo (2002) realizadas na localidade Moita. Esses
eventos escolares só ocorreram por conta do conhecimento oral dos sujeitos da Moita. Por
isso, buscamos explorar tais práticas discursivas de ressignificação no campo da oralidade.
Campo esse que “permite o acesso a uma pluralidade de memórias e perspectivas do passado”
(ALBERTI, 2005, p. 38).
A Memória foi também um dos ingredientes. Segundo Candau (2019, p. 15), somos as
nossas memórias e pela retrospecção aprendemos “a suportar a duração: juntando os pedaços
do que foi numa nova imagem que poderá talvez ajudá-lo a encarar sua vida presente”. Nesse
sentido, fomos juntando os pedaços das memórias dos moitenses, por meio da oralidade e
tecendo uma narrativa discursiva de resistência desses sujeitos sobre o uso dos cactos e das
bromélias em seu cotidiano.

Modo de preparo

Por compreender que a linguagem é um tipo de poder que os sujeitos têm para se
comunicar, trocar experiências e estabelecer vínculos sociais, usamos como modo de preparo
do banquete à análise do discurso para ler os documentos. Para Foucault (2008, p.133), a
noção de discurso é empregada como “um conjunto de regras anônimas, históricas sempre
determinadas no tempo-espaço, que definiram em uma dada época, e para uma área social,
econômica, geográfica, ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa.”
Nessa perspectiva, Brandão (2004, p. 11) afirma que “a linguagem enquanto discurso é
interação, é um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem natural”. A autora
acrescenta que “a linguagem é lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser
estudada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais”
(BRANDÃO, 2004, p. 11). Dessa forma, as fontes analisadas nesse artigo foram vinculadas às
condições histórico-sociais de produção, isto é, ao lugar-tempo, aos interesses e intenções
envolvidas na elaboração do discurso.
SUMÁRIO
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Resultados e discussões

Primeiro banquete da oralidade da Moita: 1ª Mostra Pedagógica (2002)

Foi a partir de 2002, com o projeto “Quem não conhece suas raízes, desconhece sua
existência” que as falas dos idosos da comunidade Moita referente aos hábitos de uso dos
cactos e das bromélias começaram a ocupar as práticas educativas no espaço escolar. O intuito
do projeto era explorar juntamente com os educandos, as potencialidades e os aspectos
culturais, históricos e geográficos da comunidade Moita por meio da história local. Devido à
escassez ou total ausência de material escrito sobre a comunidade, nos baseamos na história
oral para compreender como essa localidade foi formada e consequentemente como fomos
constituídos. “‘Compreender’, diz Dilthey, ‘é reencontrar o eu no tu’. É alargar nossos
horizontes em relação às possibilidades de vida humana, é vivenciar outras existências”
(ALBERTI, 2019, p. 18).
Foi nesse processo de trabalhar com a história oral, que ao vivenciarmos outras
existências, que também passaram a ser a nossa, que tivemos a oportunidade, por meio das
falas dos idosos e demais habitantes da comunidade, de entrar em contato com as práticas
alimentares daquele lugar, em especial, as de uso dos cactos e das bromélias. Essas práticas
ajudaram na nossa formação identitária.

A história oral tem o grande mérito de permitir que os fenômenos subjetivos se tornem
inteligíveis – isto é, que se reconheça, neles, um estatuto tão concreto e capaz de incidir
sobre a realidade quanto qualquer outro fato. Representações são tão reais quanto meios
de transportes ou técnicas agrícolas, por exemplo” (ALBERTI, 2019, p. 09).

Daí por diante, paramos para ouvir as “experiências” (LARROSA, 2019) dos habitantes
da Moita, preferencialmente, dos idosos sobre os fenômenos subjetivos e as representações
existentes nas práticas alimentares. Passamos a escutá-los com mais atenção para aprender
os modos de fazer dos alimentos derivados dos cactos e das bromélias. “Antes de tudo, é
preciso saber, ‘ouvir contar’: apurar o ouvido e reconhecer esses fatos, que muitas vezes
podem passar despercebidos” (ALBERTI, 2019, p. 10).
As práticas alimentares de uso dos cactos e das bromélias não passaram despercebidas.
Tínhamos aprendido a “ouvir contar”. Primeiro foi o doce de facheiro, que os estudantes
aprenderam e fizeram a exposição, de forma também oral em 2002. “Quando bem aproveitada,
a história oral tem, um elevado potencial de ensinamento do passado, porque fascina com a
experiência do outro” (ALBERTI, 2019, p. 22). A experiência dos idosos nos fascinou,
principalmente pelos ensinamentos do passado que chegavam até nós pela comida. Vejamos
a receita do doce de facheiro:

Doce de facheiro
Ingredientes
2 Quilos de açúcar
1 Quilo de facheiro (polpa)

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Modo de preparo

Coloque na panela a polpa do facheiro, o açúcar e meio livro de água. De vez enquanto
mexa os ingredientes para não grudar na panela. Sempre que a panela estiver secando,
acrescente meio livro de água, até o doce ficar consiste (Receita extraída do depoimento do
senhor Feliciano)

Fizemos em sala de aula diversos testes com a receita retirada do depoimento do


senhor Feliciano. Era comum retornarmos a esse senhor para sabermos por meio da
experiência como extrair a “polpa” de forma mais adequada (facilidade) e como retirar o odor
forte presente no doce. Foram idas (falas, escutas) e vindas. Depois de vários testes, finalmente
a iguaria estava pronta. Aprendemos a “vivenciar as experiências do outro, a (...) compreender
as expressões de sua vivência. Saber compreender significa realizar um verdadeiro trabalho
de hermeneuta, de interpretação” (ALBERTI, 2019, p. 19). Em um sábado, demos os últimos
retoques hermenêuticos no doce de facheiro, que seria servido no dia seguinte, na I Mostra
Pedagógica da comunidade Moita.
Era tarde de domingo. Várias pessoas da Moita, de outras localidades e da sede do
município de Boqueirão, se dirigiram para a Esc. Osias F. de Normandia para verem e ouvirem
as apresentações e exposições dos alunos da Educação de Jovens e Adultos.

Foto 01 Foto 02

Tema: I Mostra Pedagógica – 2002. Local: Escola Municipal Osias Francisco de


Normandia. Comunidade Moita de Boqueirão-PB.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.

O ato fotográfico nos dá a “(...) ideia de indício, de resíduo da realidade sensível impressa
na imagem fotográfica. Em virtude desse princípio, a fotografia é considerada como testemunho:
atesta a existência de uma realidade” (MAUAD, 2005, p. 136). Essas fotos em análise nos
oferecem indícios da realização da I Mostra Pedagógica, em 2002. Essas imagens deixam
resíduo testemunhal da existência da representação de uma “realidade” pautada na oralidade
sobre a história da localidade.
A foto 01, não só mostra uma aluna segurando o facheiro e alguns adultos pousando
para a tessitura da imagem ao degustarem o doce da respectiva planta. Ela também representa
a materialização discursivas de uma prática por meio da oralidade se reinventando e se
socializando, penetrando no dia a dia desses sujeitos primeiro pelo ouvido e depois pelo
paladar. Já a foto 02, não só mostra a aluna com o doce de facheiro, rodeada de crianças para
servi-las após a explanação de como prepará-lo. Mas, nos traz indícios de que essa aluna estava
servindo as crianças, por meio da oralidade, o sabor de uma época e como esses sabores,
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ressignificados na sala de aula, podem inscrever e escrever nas sensibilidades dos sujeitos
desde pequenos valores que os humanizam.
Foi nessa tarde que o doce de facheiro ganhou expressiva visibilidade na mostra
cultural. Crianças, jovens, adultos e idosos queriam provar a iguaria. Para alguns, o doce
proporcionava um reencontro com práticas presentes em suas identidades por meio do sabor.
Para outros, essas práticas estavam moldando e inventando as suas concepções identitárias
pelo paladar. “O paladar é um elemento poderoso e permanente na delimitação das
preferências alimentares humanas, e está profundamente enraizado em normas culturais. A
escolha de nossos alimentos diários está ligada a um complexo cultural flexível (CASCUDO,
1983, p. 26-7). Era uma mistura flexível de múltiplas identidades móveis se (re) inventando
nos sujeitos ali presente (HALL, 2005).
Muitos idosos se fizeram presente no evento “patrocinado” por suas vozes. Essas vozes
estavam sendo “ouvidas por outras vozes” (BRANDÃO, 2004, p.09). Dona Zilda, uma das
idosas da comunidade Moita, que aparece na foto 03 (logo abaixo), pegando o doce para
degustar nos repassou oralmente muito dos conhecimentos sobre as práticas de uso dos
cactos e das bromélias. De maneira ressignificada, essa senhora estava saboreando as suas
vozes advindas de suas experiências alimentares. Uma degustação agenciada pela oralidade e
servida na mesa da prática educativa.

Foto 03

Tema: I Mostra Pedagógica - 2002


Local: Escola Municipal Osias Francisco de Normandia.
Comunidade Moita de Boqueirão-PB.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.

Após os visitantes ouvirem as explicações dos alunos, o doce era degustado. De acordo
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), “a educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, [...]. A educação
escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (BRASIL, 2019, p. 08). As
práticas de uso dos cactos e das bromélias estão permeadas de sociabilidades. Elas fazem parte
da vida familiar e da convivência humana dos habitantes da Moita. Por isso, esse hábito deve
estar presente na contextualização das práticas educativas das instituições de ensino e de
pesquisa.
A Base Nacional Comum Curricular (2019), traz a contextualização como um dos seus
principais conceitos com foco na aprendizagem para fomentar a qualidade da Educação Básica
em todas as modalidades. A BNCC, baseando-se no Parecer CNE/CEB nº 7/2010, define o
conceito de contextualização “como ‘a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento
à pluralidade e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias manifestações de
cada comunidade’” (BRASIL, BNCC, 2019, p. 11). As práticas alimentares locais presentes na
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oralidade da comunidade Moita, por meio da contextualização, foram “resgatadas” e


reinventadas. Nesse processo, sujeitos locais, suas diferenças e diversidade cultural foram
incluídas no processo educativo.
Alguns documentos oficiais apontam para as culturais locais. Porém, é comum a
ausência de material sobre o assunto. No entanto, mesmo a história local “ausente” nos livros
didáticos, ela (trans)forma em nós o sabor da vida pela fala. “A oralidade está em toda parte,
porque a conversação se insinua em todo lugar” (GIARD, 2019, p. 338).
Por meio da conversação que se infiltra em toda parte e se insinua em todo lugar, a
oralidade nos levou para dentro da caatinga ou trouxe a caatinga para dentro de nós pela
audição. Era necessário conhecer as plantas usadas na produção dos alimentos (xique-xique,
facheiro, macambira etc.), entender qual parte utilizada (caule, frutos etc.), como tirá-la e
prepará-la como alimento. Isso só foi possível graça a oralidade. As falas dos idosos permitiam
um “ouvir contar” (ALBERTI, 2019) sobre a vida.

Foto 04 Foto 05

Tema: Aula de Campo – 2002.


Local: Com. Moita de Boqueirão-PB.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.

Sobre a vida de um estilo de vida que não tínhamos vivenciado e agora pela fala escorria
para dentro de nós pelo ouvido, (re) estruturando as nossas percepções, sentidos e
sensibilidades sobre o ambiente. A foto 04, mostra como estávamos explorando o nosso
próprio espaço (muitas vezes despercebido por nós pelas narrativas hegemônicas dos livros
didáticos). Já a foto 05, pautada nas técnicas e saberes dos idosos, mostra um dos alunos
aprendendo a retirar a “polpa” do facheiro para fazermos o doce dessa planta. Técnicas essas
que nos passou e nos tocou, como afirma Larrosa (2019).

Segundo banquete da oralidade: II Mostra pedagógica de 2003

Foi a partir das afetações desses relatos e da visibilidade do doce de facheiro que surgiu
a ideia de realizarmos a II Mostra Pedagógica, especificamente só com alimentos derivados
dos cactos e das bromélias. Observou-se que a “polpa” extraída do facheiro era possível
produzir outros tipos de alimentos e que essa mesma “polpa” encontrada no facheiro, também
poderia ser obtida do xique-xique, do coroa de frade e do mandacaru.
Desse momento em diante, começamos novamente as ressignificações das práticas
alimentares de uso dos cactos e das bromélias, surgindo outros alimentos à base de cactos.
Somos históricos e culturais, estamos o tempo todo nos transformando e reinventando
cotidianamente (CERTEAU, 2019).

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Nesse processo de ressignificação cotidiana, inventamos outros pratos (biscoito, bolo,


sopa, papa, canjiquinha, mousse etc.) das respectivas plantas, além do doce e da cocada de
facheiro, relatada pelo senhor Feliciano. Vejamos a receita da mousse de facheiro feita a partir
do saber construído em nós pela oralidade.

Mousse de facheiro

Ingredientes
500 gramas de doce de facheiro
01 lata de leite moça
01 lata de creme de leite

Modo de fazer
Bata todos os ingredientes no liquidificador até ficarem homogêneos. Depois deixe na
geladeira por alguns minutos e estará pronto para ser servido.

Esses alimentos foram “inventados” ao longo do ano de 2003 e no início do 3º bimestre


foi realizada a “II Mostra Pedagógica Raízes da Terra”. Era sexta-feira à noite, quando um
segundo banquete da oralidade foi servido pelos estudantes da EJA. Outros ingredientes são
acrescentados (creme de leite, leite condensado etc.) e novos pratos são (re) construídos e
ressignificados. O “novo” (leite, trigo, maisena, legumes, verduras etc.) e o “velho” (facheiro,
xique-xique, coroa-de-frade, cardeiro etc.) se misturando na mesma panela, no mesmo sujeito.

Foto 06 Foto 07

Tema: II Mostra Pedagógica – 2003.


Local: Com. Moita de Boqueirão-PB.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.

A foto 06, mostra os estudantes que ficaram encarregados de expor e explicar como se
faz o biscoito de facheiro. A foto 07, mostra os alunos servindo doce e biscoito de xique-xique.
As plantas dos referidos alimentos encontram-se dentro de uma panela de barro. Em ambas
as fotos é perceptível a quantidade expressiva de pessoas que o banquete da oralidade
conseguiu convidar para degustá-lo e a satisfação dos estudantes em estarem ali para servir
ao público um pouco do sabor de si também pela oralidade.
Esse segundo banquete da oralidade ganhou repercussão nos ouvidos e paladares dos
ali presentes. As vozes saborosas dos idosos ganharam eco nas panelas e caldeirões da sala de
aula, servido na mesa do pátio da comunidade Moita. Esse conhecimento que se ressignificava,

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deixava de ser apenas um doce, para ser “uma doce esperança de uma comunidade caririzeira”
(PESSOA, 2005), de retirar o seu próprio sustento das práticas alimentícias de uso dos cactos.
Nesse mesmo ano (2003), o governo do Estado, por meio do Projeto Cooperar, estava
reunindo e convidando comunidades rurais do município de Boqueirão-PB, para
apresentarem algumas demandas ou possíveis projetos a serem implantados. O projeto sobre
o uso dos cactos e das bromélias passou a ser principalmente por meio da oralidade, a
bandeira de luta e de reinvindicação da comunidade Moita nessas reuniões. No final do ano de
2003, a agroindústria de derivados de cactos começou a ser construída e finalizada logo no
início de 2004.

Foto 08 Foto 09

Tema: Encenação da Paixão de Cristo – 2006.


Local: Pátio da Agroindústria de derivados de cactos. Comunidade Moita de Boqueirão-PB.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.

Essas fotos são de uma encenação da Paixão de Cristo, em 2006. A encenação foi
realizada ao lado da agroindústria. Na foto 08, é possível observar a lateral da construção. Já a
foto 09, mostra um pouco a lateral do prédio e ao fundo é possível avistar uma caixa d’água,
construída juntamente com a agroindústria. Essa caixa d’água permitiu que uma boa parte da
comunidade Moita tivesse acesso a água encanada em suas residências desde 2004.

Considerações finais

Para Silva (2006), a escola é um local de inculcação de comportamentos e de “hábitus”,


de produção e reprodução cultural e social, é o conjunto de tradições e inovações das relações
sociais, é o campo privilegiado para a renovação teórico e metodológico, principalmente por
permitirem a reapropriação do sentido de suas práticas.
Compreende-se que, por meio do ensino a cultura se ressignifica e por sua vez,
ressignifica os lugares e sujeitos. As receitas e as prescrições transmitidas e construídas
oralmente sobre as práticas culturais de uso dos cactos e das bromélias presentes dentro de
um campo de investigação histórico-educativo (história da alimentação), possibilita à inclusão
de narrativas de resistências de sujeitos comuns no discurso histórico, levando a construção
de novas identidades desassociadas do discurso da seca, da miséria e da fome, e,
consequentemente o combate as mazelas culturais, as desigualdades sociais e os problemas
ambientais.

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REFERÊNCIAS

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Manguinhos, RJ, v.18, n.3, jul.-set. 2011, p.745-755.
PENSAVENTO, Sandra J. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
PESAVENTO, S. J. Sensibilidades: escrita e leitura da alma. PESAVENTO, S. J.; LANGUE, F. (Orgs.). Sensibilidades
na história: memórias singulares e identidades sociais. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2007.
PESSOA, J. H. O Facheiro Pilosocerus sp: Uma Doce Esperança de uma comunidade Caririzeira. Areia, PB:
2005. UFPB.
SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. Cultura Escolar: quadro conceitual e possibilidades de pesquisa. Educar,
Cututiba, n. 28, p. 201-2016, 2006.

SUMÁRIO
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Patrimônios históricos culturais de Aquidauana/MS: análise e


discussão sobre o Museu Marechal José Machado Lopes, morro
dos mirantes e cultura imaterial do tereré

Letícia Mortari Fonseca1


letimf@outlook.com

INTRODUÇÃO

O estudo do Patrimônio Histórico Cultural é um assunto de extrema relevância que deve


ser incentivado pelos docentes nas salas de aula pelo Brasil. Quando se trata dessa questão, não
só a assimilação das definições que estão por trás desse quesito merecem espaço, mas também
os diferentes critérios com os quais esses bens sociais são analisados.
De acordo com o IPHAN (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTORICO E ARTÍSTICO
NACIONAL), tudo aquilo que compõe as características de uma determinada sociedade sendo
estes elementos tangíveis e intangíveis, usufruído como bem comum, é considerado
patrimônio. Em Aquidauana, cidade localizada ao norte do estado de Mato Grosso do Sul, o
estudo patrimonial local é de certa forma ineficiente.
Ao realizar a análise de dados sobre o Museu Marechal José Machado Lopes, o Morro
dos Mirantes (Paxixí) e o comum consumo da bebida conhecida como Tereré, apresentarei as
informações coletadas para alunos de escola federal do município, onde juntos discutiremos
quais informações lhes foram ensinadas e como adquiriram esse conhecimento patrimonial
local, através de um questionário, este diálogo será estendido ainda para a docência de mesma
instituição de ensino.

JUSTIFICATIVA

Este trabalho tem por objetivo realizar uma análise sobre três dos patrimônios locais e
propor uma discussão entre discentes e docentes a respeito desta temática, para que assim seja
possível perceber qual a situação parcial do ensino em Aquidauana/MS quando se trata de
educação patrimonial.
O que busco promover com esta pesquisa é a produção de levantamentos bibliográficos
a respeito da legislação patrimonial do estado de MS, partindo assim, para a análise de três
patrimônios históricos culturais locais e discutir as informações reunidas por mim com alunos
do Instituto Federal onde serão questionados sobre o conhecimento que possuem acerca dos
mesmos monumentos.
Para que se busque desenvolver um senso crítico sobre a representatividade histórica
destes patrimônios e consequentemente da cidade, será utilizada a história Oral e o
testemunho de alunos e professores elucidará parte do panorama de como certo grupo de
estudantes percebem o Patrimônio.

1
Graduanda em História-Licenciatura pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campus de Aquidauana-Brasil
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 238

OBJETIVO GERAL

Analisar as informações disponíveis a respeito dos três Patrimônios selecionados,


comparando com o conhecimento adquirido pelos discentes ao longo de sua formação escolar
por meio de um estudo de caso.

Objetivos específicos

1. Levantar registros legislativos acerca da questão patrimonial no estado de MS a


respeito de preservação e tombamento;
2. Explorar três patrimônios históricos culturais locais além da breve história de
Aquidauana;
3. Entrevistar discentes e docentes sobre o ensino de patrimônio se utilizando de tais
informações para produção de material final;

METODOLOGIA

Serão realizados levantamentos bibliográficos em livros e artigos online para coletar


informações como a questão patrimonial trazida por LEMOS, 1981 e CHOAY, 1992, além do
site oficial do INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTORICO E ARTISTISCO NACIONAL (IPHAN)
(cap. 1). Se tratando de Mato Grosso do Sul, os autores LEITE, 2020 e CASTRO, 2017 servirão
de base. A história de Aquidauana MS partirá das referências trazidas por SQUINELO e
ZARBATO, 2008 (cap. 2).
Por meio da História Oral de FREITAS 2002, serão realizadas entrevistas com alunos e
professores da Instituição Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul,
localizado no município de Aquidauana (cap. 3).
Segundo FREITAS, a História Oral é um método de pesquisa que busca utilizar o
testemunho e outras articulações relatando experiências da vida humana. Em seguida, com
um Estudo de Caso, que de acordo com YIN, 2009, diz respeito a um método de pesquisa na
área das ciências sociais que consiste em analisar informações de forma completa onde o
pesquisador não possui controle sobre os fatos que irá concluir ao longo da experiência
científica, serão realizadas discussões onde os dados coletados durante o desenvolvimento da
pesquisa virão a ser comparados com o conhecimento produzido pelos estudantes. Essas
informações embasarão um produto final que será definido ao longo da pesquisa dando origem
ao capítulo 4.

REVISÃO DE LITERATURA

Quando se pensa em Patrimônio Histórico, logo se associa a construções antigas e


artefatos perdidos que compõe determinada civilização. Porém, a ideia se estende muito além
de simples recordações do passado sobre algum lugar que com o tempo se modificou. Na obra
de CARLOS A. C. LEMOS, 1981 intitulada “O que é Patrimônio Cultural” logo no início, somos
convencidos de que a noção de patrimônio histórico vem ganhando cada vez mais espaço em
âmbitos que a algum tempo eram pouco encorajados. O que o autor transmite é que quando as
pessoas pensam nesse conceito nem sempre fazem menção ao valor característico e a riqueza
de identidade a qual estão ligados.
SUMÁRIO
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O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, (IPHAN), define Patrimônio


Histórico como sendo os bens culturais registrados que são caracterizados pela importância e
representatividade social por essa razão devem ser preservados e valorizados pelo Estado em
conjunto com a comunidade que usufrui de tais valores culturais.
Segundo o CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO HISTORICIA DO BRASIL-CPDOC,
2020, a ideia de proteção e preservação com os bens públicos era visada desde os anos 20.
Porém, foi no ano de 1937 que a Lei Nº 378 instituiu a fundação do SPHAN oficialmente como
órgão governamental protetor do patrimônio cultural brasileiro. (THONPSON et.al, 2010).

“O decreto de criação do SPHAN definia o patrimônio histórico e artístico nacional como


"o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja do
interesse público quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, quer
por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico". Eram
também classificados como patrimônio "monumentos naturais, bem como sítios e
paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido
dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana” (CPDOC-FGV, 2020).

Com a morte do diretor do SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade em 1969, a


instituição passou a se chamar Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
como conhecemos hoje.
Segundo (DÓCIO, 2014 pág. 3) no ano de 1937, foi criada uma política pelo órgão
protetor de Patrimônios brasileiros, intitulada “Política de Pedra e Cal” que visava a garantia
da preservação patrimonial arquitetônica do Brasil. Sendo assim, os anos iniciais do projeto
do IPHAN, priorizavam esse caráter de preservação para que mais tarde pudesse expandir seu
portifólio.
Essa política conhecida como Pedra e Cal, viabilizou a conexão entre Patrimônio
Histórico Cultural e a sociedade como um todo, pois começando pelo que é visto, poderia ser
entendido que abstrato também teria sua relevância, transferindo assim, condições propicias
para preservações futuras como o Patrimônio Imaterial, por exemplo.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Iára Quelho - Vigiar e construir a História, memórias e esquecimento. 1ª Ed. Campo Grande: Life
Editora, 2017.
CHOAY, Françoise- A alegoria do Patrimônio. Ed traduzida São Paulo: Estação Liberdade 2001.
IPHAN- INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL.
Reconhecimento dos bens culturais, c2020. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/> Acesso em: 25 ago. 2020.
LEITE, E. F. Olhares sobre a região de Aquidauana e Pantanal Sul-Mato-Grossense, 2020, Campo Grande MS.
Disponível em:
< https://repositorio.ufms.br:8443/jspui/bitstream/123456789/3547/5/Olhares%20sobre%
20a%20Regia%cc%83o%20de%20Aquidauana%20e%20Pantanal%20Sul-mato-
grossense%20%20%285%29.pdf > Acesso em: 22 set. 2020.
LEMOS, C. A. C. O que é Patrimônio Histórico-coleção Primeiros Passos. 1981, SP. Disponível em:
<https://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=DGkvDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT3&dq=Patrimonio+Historico+Cultura
l&ots=wAtmHdo1A1&sig=OJgvtXBpAfghrtLpVoWuh7A5pfI#v=onepage&q&f=false
> Acesso: 24 ago. 2020.
SQUINELO, Ana Paula; ZARBATO, Jaqueline- Ensino de História, Educação Histórica e Linguagem- Olhares
além do Eixo. 1ª Ed. Campo Grande: Life Editora, 2008.

SUMÁRIO
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As rendeiras e bordadeiras como preservação da memória oral


através do ensino de história

Roberta Mendes de Sá (UNIFESP)1


roberta.msa@hotmail.com

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa apresentou o ofício das rendeiras e bordadeiras como um conhecimento


que é transmitido de geração para geração através da memória oral, devendo ser preservado
como saber regional e que caracteriza determinadas comunidades produtoras, sendo um tema
a ser ensinado nas aulas de História para a educação básica.
O ofício da renda e do bordado é secular, sendo passado de geração para geração
através da oralidade, refletindo um costume tradicional feminino.
Em tempos antigos, as meninas aprendiam o ofício como forma de ocupação, sendo
também um auxílio para o sustento das famílias.
É possível trabalhar a História Oral através do Ensino de História para o Ensino
Fundamental I e II, permitindo que os estudantes aprendam sobre a função das entrevistas,
conheçam os trabalhos das rendeiras e bordadeiras e compreendam a importância de dar voz
a estes grupos e de preservar uma tradição.

1.1. Problema

Como a memória oral dos tradicionais ofícios das rendeiras e bordadeiras pode ser
preservada através do ensino de História?

1.2. Hipóteses

Através da análise do ofício das rendeiras e bordadeiras, da tradição oral e do modo de


vida das mulheres que o praticam é possível investigar as questões sociais que envolvem essas
práticas e refletir sobre a importância da preservação destas culturas, permitindo que os
estudantes do Ensino Fundamental I e II conheçam essas culturas e a História Oral.

1
Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Licenciada em Artes Visuais
pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU); com Pós-Graduação Lato Sensu em História
da Arte: Teoria e Crítica pela Faculdade Paulista de Artes (FPA) e mestranda em História da Arte pela Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP).
SUMÁRIO
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1.3. Objetivos

1.3.1. Objetivo geral

Esta pesquisa teve como objetivo geral analisar o ensino de História como preservação
da memória oral e valorização da cultura do tradicional ofício das rendeiras e bordadeiras.

1.3.2. Objetivos específicos

Os objetivos específicos foram: compreender os significados e propósitos do ofício das


bordadeiras e rendeiras; identificar e refletir sobre as questões da tradição oral e da atividade
feminina; analisar que a produção têxtil possui como base as histórias de vida das mulheres
rendeiras e bordadeiras que são ressignificadas através do fazer manual; possibilitar que os
estudantes da educação básica conheçam a cultura popular destes ofícios através da história
oral.

1.4. Justificativa

A tradição oral desse ofício deve ser preservada como memória cultural, revelando as
características regionais e os diferentes saberes, especialmente das mulheres, que tecem as
histórias de suas vidas em cada fio, demonstrando a importância desse ofício como construção
da identidade de um povo.
O ensino de História pode despertar nos estudantes do Ensino Fundamental I e II a
conscientização sobre a importância de se preservar a tradição de um ofício através da
História Oral, e consequentemente valorizar as culturas regionais.

1.5. Metodologia

A metodologia empregou a análise bibliográfica dos conceitos de patrimônio histórico,


história cultural, patrimônio imaterial, memória cultural e ensino de História, com o intuito de
revelar que a tradição têxtil das bordadeiras e rendeiras é um saber transmitido de geração
para geração através da oralidade.

2. AS BORDADEIRAS E RENDEIRAS COMO MEMÓRIA ORAL

O ofício das rendeiras e bordadeiras é uma tradição popular, transmitida de geração


para geração através da oralidade, como um costume voltado apenas às mulheres.
Lemos (1981; p. 25) considera que deveriam ter prioridade para preservação “os
elementos componentes dos recursos materiais e todos os outros não tangíveis ligados ao
conhecimento, especialmente à técnica”.
Conforme Lemos (1981) é dever do patriotismo preservar as condições ambientais e
territoriais em sua integridade, com métodos de intervenção que respeitem os elementos que
compõe o Patrimônio Cultural, assim como o saber brasileiro.
Assim, devido à importância cultural o ofício das bordadeiras e rendeiras deve ser
preservado como memória oral, guardando os saberes regionais das comunidades
responsáveis pela transmissão da prática do bordado e renda.
SUMÁRIO
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Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por


regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam
inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente: uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível,
tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado. (HOBSBAWN;
RANGER, 1997, p. 9)

“A cultura consiste, pois, em transmitir valores adquiridos pela experiência de


determinado grupo humano.” (PELEGRINI; FUNARI, 2008, p. 18)

[...] o patrimônio imaterial transmitido de geração a geração é conceituado a partir da


perspectiva da alteridade. Ele é considerado alvo de constantes “recriações” decorrentes
das mutações entre as comunidades e os grupos que convivem num dado espaço social, do
meio ambiente, das interações com a natureza e da própria história dessas populações –
aspectos fundamentais para o enraizamento ou o sentido de pertença que favorece o
“respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”. (PELEGRINI; FUNARI, 2008, p.
46-47)

Porta (2012) ressalta que um bem cultural é preservado quando se tem uma função
social, se degradando quando a perde, já que para se preservá-lo não bastam a restauração,
conservação ou a documentação, mas sim reforçar ou restabelecer essa função social.

As expressões culturais a documentar dizem respeito a saberes, modos de fazer,


manifestações artísticas, rituais, festas, edificações e lugares onde ocorrem práticas
culturais representativas de um grupo, de uma comunidade ou de uma região. (PORTA,
2012, p. 45)

Ainda de acordo com Porta (2012), o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial
é o instrumento de reconhecimento e valorização das expressões diante a política nacional de
preservação, gerando o compromisso do Estado em documentar as expressões registradas e
estimular de forma sustentável a sua continuidade, fortalecendo também a autoestima das
comunidades representadas.
“O registro de um bem imaterial não é definitivo, devendo ser avaliado e revalidado a
cada dez anos, em razão da natureza dinâmica e mutável dos bens imateriais.” (PORTA, 2012,
p. 54)
O ofício das rendeiras e bordadeiras faz parte da cultura popular de determinada
região, pois está ligado à prática cotidiana de seus habitantes, que a possuem como forma de
sustento econômico, além de conter as características próprias do saber que é transmitido
através de gerações, e não necessita de especialização para ser exercido.

A ideia de “cultura popular” ou Volkskultur se originou no mesmo lugar e momento que a


de “história cultural”: na Alemanha do final do século XVIII. Canções e contos populares,
danças, rituais, artes e ofícios foram descobertos pelos intelectuais de classe média nessa
época. No entanto, a história da cultura popular foi deixada aos amantes de antiguidades,
folcloristas e antropólogos. Só na década de 1960 um grupo de historiadores, sobretudo,
mas não exclusivamente anglófonos, passou a estudá-la. (BURKE, 2008, p. 29)

SUMÁRIO
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Paz (1991) considera que no artesanato há um contínuo vaivém entre utilidade e


beleza, relacionado ao prazer, pois o objeto artesanal satisfaz a necessidade de recreação com
as coisas que são vistas e tocadas. O objeto artesanal conserva também, de forma real ou
metafórica, as impressões digitais de quem o fez.

A história do artesanato não é uma sucessão de invenções nem de obras únicas (ou
supostamente únicas). Na realidade, o artesanato não tem história, se concebemos a
história como uma sucessão ininterrupta de mudanças. Entre seu passado e seu presente
não há ruptura nem continuidade. O artista moderno lança-se à conquista da eternidade, e
o designer à do futuro; o artesão se deixa conquistar pelo tempo. Tradicional mas não
histórico, preso ao passado mas livre de datas, o objeto artesanal nos ensina a desconfiar
das miragens da história e das ilusões do futuro. O artesão não busca vencer o tempo, mas
juntar-se ao seu fluxo. (PAZ, 1991, p. 53)

Paz (1991) reitera ainda que o artesão não é leal à uma ideia ou imagem, mas à prática
de seu ofício. A oficina é o microcosmo social, que possui leis próprias, sem horário rígido e
raramente possui um trabalho solitário, tendo como chefe um mestre que quase sempre é um
parente ou vizinho, considerando-se que sua imperfeição é a dos homens e não dos sistemas.

O artesanato escapa ao museu, e quando cai em suas vitrinas defende-se honrosamente:


não é um objeto, mas uma amostra. É um exemplar cativo, não um ídolo. O artesanato corre
junto com o tempo, e não quer vencê-lo. [...] O artesanato não quer durar milênios nem está
possuído pela pressa de morrer logo. Transcorre com os dias, flui conosco, desgasta-se
pouco a pouco, não busca a morte nem a nega: aceita-a. Entre o tempo sem tempo do
museu e o tempo acelerado da técnica, o artesanato é a palpitação do tempo humano. (PAZ,
1991, p. 57)

O bordado era uma atividade praticada, nos séculos anteriores, também pelas meninas
e mulheres dentro da própria família, pois não era permitido o contato com o mundo exterior,
muito menos era permitido avançar nos estudos ou trabalhar fora.
“A maior parte das meninas não aprendia a ler. Passavam a meninice entre o oratório e
a esteira. Ensinavam-lhes a fazer renda, bordado, costura. Esperava-se que fossem incultas,
piedosas, prisioneiras da casa.” (DEL PRIORE, 2013, p. 19)

Aos observadores estrangeiros no Brasil do oitocentos, a uma moça de boa formação


exigia-se saber um pouco de música, de inglês e de francês, “saber dançar um solo inglês,
fazer crochê”, tocar perfeitamente o piano, ter habilidade no desenho, além de bordar e
tricotar. (VASCONCELOS, 2002, p. 1)

Stimamiglio (2010) elucida que o bordado entrelaçou através do trabalho artesanal a


possibilidade de se registrar a história, transmitindo uma herança cultural e se tornando um
processo de constituição de identidades. Os dizeres nos panos de bordado demarcam a
diferença de gênero, assim como o que era esperado das mulheres, criando uma expectativa
em torno do papel da mulher, que era passada para outras gerações por meio desses dizeres
bordados. Revelam a subjetividade das mulheres apresentando as formas de organização
social, cultural e educacional, em especial das mulheres oriundas das famílias de imigrantes
italianos.

SUMÁRIO
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Pode-se observar que o costume de usar panos de parede tinha por objetivo, a partir dos
dizeres que continham, reportar ao comportamento que era esperado/exigido das
mulheres. O trabalho contínuo era uma virtude e demonstrava a força física e moral da
mulher. À mulher também cabia a abnegação, o silêncio e o sacrifício concretizados na
maternidade, na obediência ao marido, como um dever-ser exigido dessas mulheres. Esse
comportamento foi transmitido de geração em geração, reforçado ainda mais pelos
discursos da Igreja e de textos escritos como os jornais da época. (STIMAMIGLIO, 2010, p.
35)

Stimamiglio (2010) revela ainda que nos bordados as mulheres expressavam suas
crenças, sonhos, angústias, alegrias, temores e histórias, considerando-se que os bordados
também estão intimamente ligados à identidade dessas mulheres, sendo também narrativas
constituintes da identidade de cada uma.

Portanto, o trabalho realizado com as mulheres bordadeiras revelou que as tarefas


domésticas e de artesanato, realizadas no espaço da casa, assumiam, no passado, o status
de um fazer com sentido de dever. Construiu-se, pois, culturalmente, uma desvalorização
relativa ao trabalho feminino, que era desenvolvido na família. (STIMAMIGLIO, 2010, p.
38)

Compreende-se a importância do ofício do bordado e renda como atividade que traz


não somente o sustento econômico, como também a necessidade de expressão dessas pessoas
através da arte do bordar e fazer renda, ou seja, o seu valor estético.
Argan (2014) compreende a questão da passagem da produção artesanal para a
industrial, considerando-se que a primeira possui um valor estético e relacionado ao estilo de
vida de seus produtores.

Crise do objeto significa crise do produto. A tentativa de passar do produto de interesse


individual ao produto de interesse coletivo, ou seja, do produto artesanal ao produto
industrial, foi realizada no fim do século passado e no início do nosso. As duas grandes
premissas eram: 1) o valor de qualquer produto da técnica resulta da quantificação mais
ou menos ampla da qualidade do unicum-arte assumido como modelo; 2) identificando a
qualidade ao valor estético, as técnicas da arte e do artesanato têm a finalidade de produzir
valor estético, ou seja, ligar uma experiência estética, ainda que em grau diverso, a todas
as coisas de que nos servimos na vida. (ARGAN, 2014, p. 253-254)

Dewey (2010) enfatiza que os objetos artísticos comunicam algo por serem
expressivos, sendo essa a consequência do trabalho do artista, pois a comunicabilidade não
tem a ver com popularidade.
A produção artesanal compreende a tradição têxtil das bordadeiras e rendeiras, que
possui o valor estético de acordo com o trabalho manual das mulheres que colocam nesse
ofício as suas histórias de vida e as lembranças de seus antepassados.
Os ofícios das rendeiras e bordadeiras são transmitidos de geração para geração
através da tradição oral, sendo que estes saberes não costumam estar documentados em
registros escritos. Em cada comunidade o ofício é transmitido pelas pessoas adultas às
crianças e adolescentes para que dêem continuidade a este saber.

Estudar as memórias coletivas fortemente constituídas, como a memória nacional, implica


preliminarmente a análise de sua função. A memória, essa operação coletiva dos
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acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra,


como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos
de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes:
partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias, nações etc. A referência ao
passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma
sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementariedade, mas também as
oposições irredutíveis. (POLLAK, 1989, p. 9)

As fontes orais, conforme Smith (2010), trazem visibilidade à vida coletiva,


evidenciando a reconstrução das comunidades e do seu passado, além de permitirem a
recuperação das ideias importantes e que nunca foram documentadas de forma impressa.
Assim, as fontes orais são responsáveis pela difusão do aprendizado e pela perpetuação
desta cultura em uma determinada comunidade.
Pontes (2016) relata que uma das grandes preocupações dos professores de história
tem como foco os estudantes não entenderem os motivos de se estudar a história, pois muitas
vezes não se sentem inseridos no contexto histórico.

Dessa forma, torna-se desafio constante dos professores de história, praticar métodos
pedagógicos que propiciem aos alunos uma compreensão de que a história é matéria
elementar para compreensão da realidade em que eles vivem, ou seja, a história é a ciência
capaz de demonstrar, através das características políticas, econômicas, culturais e sociais,
as atuais condições do seu bairro, cidade, estado, país e mundo. (PONTES, 2016, p. 3)

Nesse sentido, Pontes (2016) ressalta ainda que a história possibilita a compreensão
da sociedade do presente, a partir do entendimento do passado, através da mediação pelo
professor de História da educação básica.
Conforme Pontes (2016), o uso da história oral no ensino de história possibilita trazer
a história para perto dos alunos, compreendendo que todos são sujeitos históricos e que
escrevem seus fatos, especialmente ao conhecer e ouvir sujeitos da história, permitindo uma
aproximação dos fatos históricos e dos aspectos da realidade local.
Nóbrega, Soldera e Senna (2009) relatam que a partir da década de 1980, o ensino de
História no Brasil passou a incorporar as fontes orais como uma ferramenta para o processo
de construção do sujeito, possibilitando que o estudante se entenda como sujeito ativo,
partícipe e construtor do processo histórico, aproximando o aluno desta disciplina.

Nesse sentido, o alcance da utilização das fontes orais vai muito além da mera gravação de
uma fita, ou transcrição de uma entrevista escrita. Utilizar as técnicas de história oral no
ensino de história possibilita aos alunos desenvolverem habilidades lingüísticas tanto
faladas como escritas, tendo em vista que estes participam ativamente do processo de
redação das perguntas a serem feitas, assim como da realização da entrevista em si.
(NÓBREGA; SOLDERA; SENNA, 2009, p. 5)

Dessa forma, o ofício das rendeiras e bordadeiras deve ser preservado, sendo
transmitido às demais gerações através da oralidade como expressão popular, contendo a arte
dessa tradição e das pessoas que a representam, ou seja, a “arte do saber”.
Através da História Oral é possível que o ofício das rendeiras e bordadeiras seja
preservado e transmitido às novas gerações através do ensino de História, mostrando-o como
um elemento cultural, que possui destaque em determinadas regiões como característica local,
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refletindo como a memória oral é imprescindível para o conhecimento dos saberes


tradicionais e populares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ofício das rendeiras e bordadeiras é transmitido através da oralidade, sendo


tradicionalmente uma produção feminina em que as mulheres ensinam essa prática às meninas, como
forma de ocupação e fonte de renda, reverberando as questões sociais que envolvem essas práticas e
a importância da preservação destas culturas regionais.
A tradição têxtil das rendeiras e bordadeiras é popular, pois é uma prática artesanal
que não necessita de especialização formal, sendo que os saberes necessitam da memória oral
como forma de transmissão e para que sejam preservados e difundidos às novas gerações, pois
não costumam estar documentados em registros escritos.
Os sonhos, angústias, esperanças, alegrias e tristezas são passados para os bordados e
rendas, através de uma poética de mulheres que carregam histórias e as transmitem em cada
detalhe de suas produções têxteis manuais, percebendo que estas atividades trazem não
somente o sustento econômico, como também a necessidade de expressão através da arte do
bordar e fazer renda, ou seja, o seu valor estético.
A preservação do ofício das rendeiras e bordadeiras, através do estudo da memória oral
dentro do ensino de História no Ensino Fundamental I e II, permite que os estudantes se
aproximem das narrativas contadas pelas produtoras desse ofício, que envolvem lembranças
familiares e questões sociais, levando à percepção da importância da cultura regional e das
particularidades de seus habitantes, refletindo sobre como o passado se desdobra para o
presente através da oralidade.

REFERÊNCIAS

ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como história da cidade. 6. ed. Tradução de Pier Luigi Cabra. São Paulo:
Martins Fontes, 2014.
BURKE, Peter. O que é História Cultural?. 2. ed. Tradução de Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
DEL PRIORE, Mary. Histórias e Conversas de Mulher. São Paulo: Planeta, 2013.
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SUMÁRIO
Práticas do ensino de História
na Educação Básica
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Luz, Câmera, Ação:


O cotidiano do ensino de história como invenção

Anna Gabriella de Souza Cordeiro


SMEC – João Câmara
gabriellacordeiro@hotmail.com

Maria Inês Sucupira Stamatto


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
stamattoines@gmail.com

RESUMO
No ano de 2020, com o advento da pandemia por corona vírus, muitas atividades
tiveram de se adequar a uma realidade marcada pelo isolamento social, dentre elas, o ensino.
Para que os estudantes não ficassem desassistidos nesse momento, muitas foram as iniciativas
adotadas pelas escolas públicas, com o intuito de promover o aprendizado e fazer com que a
instituição de ensino chegasse na casa de cada um dos alunos da melhor maneira possível.
Mas, como fazer isso? Usando quais ferramentas? Instituiu-se assim um grande desafio para
os gestores, coordenadores e professores de todo o mundo. Os métodos adotados variam de
lugar para lugar, dependo da realidade social de cada escola e da faixa etária dos alunos. O
ensino ofertado remotamente, geralmente, remonta ao acompanhamento síncrono ou
assíncrono, no primeiro as aulas se dão em tempo real através de plataformas como o
Microsoft Teams, Google Meet, dentre outros, esse tipo de ensino demanda que os alunos
possuam equipamentos eletrônicos e internet banda larga; no modo assíncrono são
elaborados conteúdos que podem ser acompanhados a partir das mais diversas mídias como
o rádio, a televisão e as redes sociais como o WhatsApp, também por meio de material
impresso.
Sou historiadora e professora de História do munícipio de João Câmara e atuo na Escola
de Seis Salas, uma escola em tempo integral projetada com base no projeto de mesmo nome
do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. A escola atende alunos do
terceiro ao sexto ano do Ensino Fundamental. No município de João Câmara, localizado na
região do Mato Grande potiguar, optou-se pela forma assíncrona, tendo em vista que a grande
maioria dos alunos da rede municipal de ensino é da classe menos favorecida e não possuem
os meios necessários para o acompanhamento síncrono. Assim sendo, o acompanhamento das
crianças e jovens se dá com a distribuição dos alimentos referentes à merenda escolar, junto
com os insumos as famílias recebem um caderno com atividades impressas, elaboradas pelos
professores da rede, com base nos eixos temáticos determinados pela Secretaria Municipal de
Educação e Cultura da cidade. Os estudantes, no processo de resolução das atividades, são
acompanhados pelos professores através de grupos do WhatsApp, ao final de cada ciclo
mensal, as atividades são devolvidas e corrigidas. Entretanto, para dinamizar o ensino, bem
como para aproximar os professores dos alunos nesse momento de crise, optou-se ainda pela
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gravação de vídeos curtos, com duração de dois a dez minutos, para ensinar e divertir os
alunos. Tendo a elaboração e edição desse material como um grande desafio para os
professores, o presente texto tem por objetivo partilhar a experiência de gravação de vídeos
curtos para o ensino remoto, considerando como invenção de um novo cotidiano para o Ensino
de História.
Com base em Certeau (1994), quando entende que o cotidiano não corresponde a uma
simples repetição1, sofrendo transformações diárias através das práticas dos sujeitos
históricos imbricados no processo de construção do real. O autor destacou ainda que o
cotidiano é caracterizado pelas relações de poder que, por sua vez, são marcadas pelas práticas
sociais entre os dominantes e os dominados. Entretanto, a dominação não se dá de maneira
passiva, sendo um embate representacional constantemente ressignificado pelas estratégias
e táticas. A invenção do cotidiano remete as artes de fazer, as formas de apropriação e de
reapropriação dos bens culturais, dos espaços e dos usos. Assim sendo, compreende-se que a
produção de materiais audiovisuais, aqui representados pelos vídeos curtos, remetem a uma
tática dos professores que tem como objetivo inventar um novo cotidiano em tempos de
isolamento social e, com isso, conseguir chegar na casa dos alunos.
Na perspectiva técnica de produção dos vídeos curtos, relato que precisei de: aparelho
celular, computador, tripé e internet. No tocante aos aplicativos, lancei mão dos seguintes:
IShot (para editar), Vídeo Show (para produzir a vinheta), ApowerREC (para gravar com os
slides) e Hand Brake (para reduzir o tamanho do vídeo). Também tem sido muito importante
o PowerPoint e o site giphy.com na composição das animações. As gravações são feitas com a
câmera do celular ou a câmera do computador, dependendo do tipo de vídeo. Utilizo ainda
uma série de materiais complementares para realização das dinâmicas propostas.
Com relação ao método de composição intelectual desse material, considero o eixo
temático proposto pelo SMEC e busco a relação deste com o Ensino de História. Selecionado o
tema do vídeo, o passo seguinte refere-se à composição do roteiro que norteará a produção.
Para além das produções referentes aos eixos temáticos, tenho produzido outros tipos de
vídeos, como as séries: “João Câmara: meu lugar no mundo” que trata de aspectos históricos
da cidade e “Eu sou do Nordeste” que aborda os elementos culturais da região; ainda destaco
a produção de vídeos alusivos as datas comemorativas, que contam um pouco de como essas
datas foram incorporadas ao calendário nacional, como por exemplo o dia do estudante e o dia
das crianças.

1
Diferentemente de Certeau, Agnes Heller entendeu que o cotidiano é o espaço da repetição.
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Figura 1 – Apresentação do segundo episódio da série


João Câmara: meu lugar no mundo.

Fonte: imagem produzida pela autora.

Figura 2 – Experiência interdisciplinar realizada no segundo episódio da


série João Câmara: meu lugar no mundo.

Fonte: imagem produzida pela autora.

SUMÁRIO
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Figura 3 – Utilização de mamulengos

Fonte: imagem produzida pela autora.

Contudo, apesar do esforço empreendido na produção de vídeos interessantes para as


crianças, a eficácia da ação educativa é comprometida pela mais nova forma de exclusão
inventada pelo capitalismo, a exclusão digital. Embora estejamos vivendo na Sociedade da
Informação, como bem conceituou Castells (1999), onde os avanços tecnológicos provocaram
significativas transformações no modo de produção e nas formas de sociabilidade, muitas
pessoas permanecem à margem desse processo. Desse modo, a tecnologia acaba ocasionando
uma cisão entre os que possuem acesso e os que não têm, o que resulta na exclusão digital. De
acordo com Sen (2000), quanto maior for o número de pessoas que têm acesso ao mundo
digital, maior se torna o fosso que separa os margeados desse processo, o que se configura em
uma forma de privação que compromete o desenvolvimento das capacidades.
Por fim, confesso que me surpreendi com a qualidade dos vídeos produzidos, mesmo
que de forma amadora, considero como uma invenção de um novo cotidiano para o Ensino de
História, podendo estes serem apresentados, inclusive, nas aulas presenciais. No entanto, no
momento em que mais necessitava que essas produções chegassem até os alunos, estas
esbarraram na barreira imposta pela exclusão digital.

REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.


CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
CERTEAU, Michel. GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano: 2 morar, cozinhar. Petrópolis: Artes de
Fazer, 2003.
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 253

As grandes navegações e a importância


do Rio Grande no Oeste da Bahia

Rafaela Martins Oliveira


Universidade Federal do Oeste da Bahia
rafaela.martins@ufob.edu.br

Introdução

O Estágio Supervisionado III é o momento onde o estudante da licenciatura será, de


fato, inserido dentro da sala de aula para a regência, com uma breve observação para entender
o funcionamento da turma e de como o professor se organiza dentro da sala de aula.
A escola aderiu a Base Nacional Comum Curricular, com adesão do município da cidade
de Barreiras, e trabalha de forma a relacionar os temas do livro didático com o que é solicitado
pela BNCC. No III Trimestre, as Unidades Temáticas estarão divididas da seguinte forma: “A
organização do poder e as dinâmicas do mundo colonial americano”; “Lógicas comerciais e
mercantis da modernidade”; tendo como objetos do conhecimento, a primeira: A formação e
o funcionamento das monarquias europeias: a lógica da centralização política e os conflitos na
Europa; O caminho para o Absolutismo; A monarquia e o Absolutismo; Os pensadores e o
Absolutismo; A economia e o Absolutismo; A economia e o Absolutismo; Comemoração da
Independência do Brasil e na segunda: “Mercantilismo e capitalismo: Europa e Oriente”;
“Mercantilismo e capitalismo: Europa e América”; “O dia da Consciência Negra”; o livro
utilizado pela escola é o do autor Alfredo Boulos Júnior, História; sociedade & cidadania, 7º
ano, 3ª edição.

Metodologia

Tendo como foco principal dentro do projeto do Estágio III a inserção da História Local
e Regional, o projeto será voltado para as Grandes Navegações e, correlacionando, o Rio
Grande e seu impacto para a região do Oeste da Bahia, com ênfase na cidade de Barreiras.
Dessa forma, o esperado é que os alunos consigam relacionar como as navegações foram
importantes ao longo dos séculos em diversos locais do mundo e quais seus impactos para as
civilizações.

Fundamentação Teórica

Vilma de Lurdes Barbosa (2006), entende que a história e o ensino de história devem
ser feitos do global para o local, sempre contextualizando o objeto de conhecimento retratado
a partir da visão de mundo do aluno, dentro de sua realidade. Para Barbos (2006) o currículo
não deve chegar pronto e acabado às mãos do professor, como se fosse uma imposição. O
professor deve se formar e pensar sua prática didática refletindo sobre o local, o lugar onde
está. O professor deve dar um novo significado às suas aulas.
SUMÁRIO
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De acordo com Crislane Barbosa Azevedo (2013) o planejamento é fundamental, sendo


parte do processo de organização e sistematização das ideias, a partir das tomadas de decisão
que garantam a eficiência e a eficácia do que se quer produzir e organizar. Dentro da escola, a
organização é um ato político-pedagógico, cheio de intenções, com procedimentos didáticos
que auxiliem o docente dentro e fora da sala de aula. Dessa forma, ao planejar a aula, o docente
estará estabelecendo caminhos para nortear mais facilmente sua aula e sua ação dentro da
sala de aula, evitando assim a improvisação, levando o conhecimento de História ao seu
conhecimento histórico, de fato. O professor precisa estar ciente do tema que irá apresentar,
qual a justificava – os motivos – que esse tema deve ser, de fato, ensinado e aprendido pelos
estudantes, além de fazer ligações que juntem as partes apresentadas ao todo, e para isso é
fundamental que haja o planejamento. Crislane ainda explicita que, ao organizar e planejar sua
aula, o docente precisa estar ciente que a aula é um período variável de tempo, nas quais
diversas ações podem interferir na sua duração e no seu acontecimento, muitas vezes, ao longo
do período letivo acontecem diversos imprevistos que dificultam ou atrasam o desenrolar da
aula. Dessa forma, o professor precisa estar ciente de que esses imprevistos podem acontecer
e tentar sempre se adequar e adequar seus planos de aula, que não são imóveis.
Compreender o ponto de partida para as aulas é fundamental. Por isso, é necessário
que se tenha o que Cerri e Barom (2011) chamam de consciência histórica. Pensando nisso, o
tema a ser trabalhado com os Sétimos Anos do Ensino Fundamental II nesse projeto de estágio
supervisionado a relação existente entre a cidade de Barreiras (ou a Região Oeste da Bahia) e
as sociedades europeias que sofreram a influência das Grandes Navegações, colocando o
estudante como agente histórico e se reconhecendo dentro da História, a partir da relação
entre o passado europeu – passado brasileiro/da cidade onde ele mora. Para tanto, é
necessário que o estudante se sinta pertencente dessa história, fazendo com que a sua
consciência histórica se construa a partir de sua própria experiência, e não a experiência de
regiões que são inimagináveis ou impalpáveis para os estudantes. Ainda de acordo com Cerri
e Barom, o ensino de história deve conversar com a ação, criando um cidadão atuante, que
interpreta as ações do passado e correlacionam com o presente, relacionando a história
local/regional do estudante,
Como aponta Durval Muniz de Albuquerque, no qual os moldes tradicionais da escola
estão fadados ao fracasso e que todo o profissional de educação precisa estar atento às
novidades e às necessidades do estudante, o ensino deve ser pensando a partir da
sensibilização do professor, assim, o educador deve sempre se deformar para depois se formar
novamente. O professor deve compreender a necessidade do aluno, para que elas sejam
atendidas e sanadas, dando aos estudantes as ferramentas necessárias para que haja diversas
formas de se subjetivar. Ao visarmos essas práticas que deformar e reformam o pensamento
do estudante, intercalando a realidade histórica de outras civilizações com a realidade
histórica de Barreiras e região, criando, assim, o espirito questionar e o cidadão pensante, que
reflete sua realidade histórica a partir de outras realidades e se insere dentro dessas
realidades.
A formação da consciência histórica de alunos e professores, de acordo com Maria
Auxiliadora Schmidt e Tania Braga Garcia, surge da necessidade de construir/reconstruir essa
relação entre o passado e o presente, para que assim, de fato, o futuro seja recriado. A memória
histórica é fundamental dentro desse processo. Já Circe Maria Fernandes Bittencourt fala
sobre o ensino tradicional de história, tendo cuidado com as permanências e se questionando
o que, de fato, é tradicional, refletindo sobre mudanças diversas dentro da sala de aula.
SUMÁRIO
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Conclusão

O presente projeto se deu de diversas formas metodológicas, alternando aulas


expositivas com aulas participativas, feita a partir das questões norteadoras, tendo aulas que
utilizarão materiais didáticos diferenciados, como textos e imagens tirados da internet, que
demonstre que a História é interdisciplinar e casa com outras disciplinas.
O estágio in lócus é extremamente importante para a construção da formação, já que a
universidade apenas não nos proporciona a vivência necessária para termos uma ideia do que
é ser professor. Não sairemos da faculdade sabendo tudo sobre ser professor e só ao longo dos
anos, com experiência, é que teremos algumas noções desse trabalho.
Quando saímos de dentro dos muros da universidade e do debate teórico de diversos
temas sobre a docência, compreendemos que o ato de dar aula vai muito além do que
imaginamos que seja. Entrar em contato com a sala de aula, com a realidade de diversos
estudantes e também a realidade da escola, com a troca de informações com outros
professores e tudo mais, isso faz com que nossa visão seja expandida cada vez mais.
É importante que estejamos em contato com a realidade, de forma que consigamos
visualizar o que nos espera, além de aprendermos a lidar com problemas que possam aparecer
dentro da sala de aula. Aproveitar a experiência dos mais velhos e criar sua própria
experiência é importante para o amadurecimento. Além de podermos aplicar algum projeto
que envolva os estudantes, docentes e a direção, não apenas irmos e observamos e depois
tirarmos as conclusões para o relatório, mais do que observar, é necessário que haja a vivência
entre o estagiário e a escola, a fim de melhor os laços e proporcionar o amadurecimento. Ao
ter contato com a sala de aula, o livro didático, o Plano Político Pedagógico da escola, a vivência
dos professores com os estudantes, conseguimos ter uma visão melhor de todo o processo que
ocorre dentro da escola e que, muitas vezes, o que aprendemos na faculdade deverá ser revisto
ou readaptado para a realidade escolar.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Por um ensino que deforme: o docente na pós-modernidade.


AZEVEDO, Crislane Barbosa. Planejamento docente na aula de história: princípios e procedimentos
teórico-metodológicos. In: Revista Metáfora Educacional (ISSN 1809-2705) – versão on-line, n. 14 (jan. – jun.
2013), Feira de Santana – BA (Brasil), jun./2013. p. 3-28. Disponível em:
<http://www.valdeci.bio.br/revista.html>. Acesso em: 09 set. 2019
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João Pessoa. 2006.
BAROM, William Carlos Cipriani; CERRI, Luis Fernando. O ensino da história a partir da teoria de Jörn
Rüsen. In.: Seminário de pesquisa do PPE. Universidade Estadual do Maringá. 2011.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria
de Educação Básica, 2017.

SUMÁRIO
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Relações étnico-raciais nos espaços escolares: religiões de matriz


africana da educação básica

José Luiz Xavier Filho1

Introdução

Os currículos escolares, tradicionalmente, trabalham a História positivista do Ocidente,


limitados por uma visão eurocentrista, e quase sempre tratou como não relevante a história
de outras regiões. Esse olhar, que tem subordinado e diminuído a importância de outros povos
e que apresenta a Europa como eixo do movimento evolutivo, foi impulsionado desde a
Antiguidade, época em que a região mediterrânea era definida como o centro do mundo.
A África desde então, passou a ser vista como distante, como a região dos “homens de
faces queimadas” (DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2004, p. 56). Daquele período até o final da Idade
Média, especialmente com a religiosidade cristã medieval, ganhou impulso a associação da cor
negra ao pecado e ao demônio, firmando a visão preconceituosa em relação aos povos
africanos. Para confirmar essa “inferiorização” da África, apontada como a região do mal, havia
ainda uma passagem bíblica do Gênesis, a qual Del Priore e Venâncio (2004, p. 59) fazem
menção:

Cã, segundo filho de Noé, exibiu-se diante de seus irmãos, gabando-se de ter visto o sexo
de seu pai, quando esse se encontrava bêbado. Para castigá-lo, o patriarca amaldiçoou
Canaã, filho de Cã; ele e sua descendência se tornariam servidores de seus irmãos e sua
descendência. Eles migraram para o sul e para a cidade das sexualidades malditas:
Sodoma. Depois atingiram Gomorra. Lendas contam que os filhos dos filhos dos
amaldiçoados foram viver em terras iluminadas por um sol que os queimava, tornando-os
negros.

A ideia de supremacia europeia e consequente inferioridade de outras culturas,


especialmente as africanas, consolidou-se durante a Idade Moderna, quando a Europa passou
a centralizar o poder econômico, político e militar mundial. Por séculos prevaleceu a
mentalidade de enquadrar os africanos num grau inferior da escala evolutiva, a mesma que
classificava os vários povos em avançados e atrasados ou civilizados e primitivos.
Além dos indisfarçáveis interesses de conquista, exploração e dominação, esse discurso
tradicional encobria as diversidades e características próprias dos povos africanos,
decorrentes de milênios de sua história. Ao contrário do que prega essa versão estereotipada
das populações e da cultura africana, o continente foi palco de uma ampla e complexa

1
Graduado em História pela Universidade de Pernambuco (UPE), especialista em Ensino de História pela Faculdade
Venda Nova do Imigrante (FAVENI), Docência do Ensino Superior pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI) e
História e Cultura Afro-Brasileira pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais (IPEMIG), professor de História do quadro
efetivo da rede municipal de ensino do município da Lagoa dos Gatos – PE, ID Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4762429040202808, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9088-8610, E-mail:
jlxfilho@hotmail.com
SUMÁRIO
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diversidade histórica, cultural e religiosa, que começa com os primórdios da humanidade. Os


africanos que vieram para as Américas, na condição de escravizados, embora no mesmo
período colonial tenha havido uma pequena imigração de africanos livres, provinham de
diferentes povos que pertenciam a variadas culturas. As suas práticas religiosas eram, em
alguns casos, assemelhadas e, em outros, bastante diferenciadas.

No Novo Mundo, alguns se desligaram completamente de suas antigas tradições,


convertendo-se ao cristianismo. No Brasil e nas colônias espanholas, tornaram-se
católicos, posto que o catolicismo era a única religião permitida. Nos Estados Unidos e em
colônias britânicas e francesas da América Central e Caribe tornaram-se evangélicos,
especialmente batistas. De modo geral, os seus descendentes mantiveram-se fieis a estas
novas religiões (BENJAMIN, 2004, p. 29).

Um grande número de africanos e seus descendentes, porém, buscaram recriar as suas


religiões de origem, formando grupos para a prática religiosa dos rituais e para a transmissão
das tradições. Esses grupos se autodenominaram nações e os nomes adotados se referem às
etnias, cujas culturas são predominantes entre eles. Tais recriações foram mais bem-sucedidas
nos locais de maior concentração de escravizados e seus descendentes, especialmente nas
cidades portuárias que mantiveram atividades comerciais com os países da África até as
primeiras décadas do século XX.

Metodologia

A presente pesquisa será documental (fontes primárias ou secundárias –


bibliográficas) e descritiva, recorrendo ao método observacional e do tipo exploratória, pois
está sujeita a entrevistas junto aos alunos e professores, adeptos, ou não, do Candomblé. Com
bases epistemológicas (teoria-conhecimento-lógica), a pesquisa terá como introdução,
aspectos conceituais sobre alguns termos comumente utilizados no Candomblé, como
irmandade, nação, Candomblé, Orixá, Umbanda, Terreiro, sincretismo religioso. Também
racismo, tolerância religiosa, laicidade. Será necessária uma abordagem sobre a resistência
identitária dos possíveis adeptos, da mesma forma que das resistências ao estudo e
conhecimento de uma das origens da formação do povo brasileiro: a africana. Aplicaremos
questionário com professores, gestores, e alunos de escolas de um município de Pernambuco.
Também será significativo a visita em terreiros de Candomblé para perceber o envolvimento
de crianças e adolescentes na religião e que estejam cursando o Ensino Fundamental dos Anos
Finais.
Distribuídos os questionários e realizadas as entrevistas, a intenção é chegar o mais
próximo da realidade e fazer com que o estudo seja útil aos docentes e ao meio acadêmico de
uma maneira geral, uma vez que servirá de referência para a realização de futuros projetos.
Destaco que a identificação das pessoas será mantida em sigilo, atribuindo apenas as iniciais
do nome, exceto se não houver nenhuma objeção por parte do interessado. Nesse caso, será
assinado um acordo entre as partes. Espera-se que os dados e informações obtidos nesta
pesquisa, sejam de grande valia e utilidade para uma profunda reflexão e tomada de atitude
por parte da sociedade com esta temática.

Fundamentação teórica

SUMÁRIO
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As religiões afro-brasileiras já há muito são discriminadas e associadas a uma cultura


inferior, quando não ao próprio mal, ao demônio. Já nas primeiras pesquisas sobre a cultura
afro-brasileira, ou sobre o negro no Brasil, realizadas por Nina Rodrigues (2010) e Arthur
Ramos (2001), ambos médicos, mas que se empenharam em investigar as raízes do povo
negro no Brasil, percebe-se o tom pejorativo ou negativo dado à cultura dos africanos.
As teses desenvolvidas por esses autores irão embasar todo um discurso
preconceituoso e discriminatório que reflete a sociedade do final do século XIX e início do
século XX, mas que perpassam até nossos dias. Mesmo com uma mudança no contexto
referencial histórico de autores mais contemporâneos, que tratam sobre nossas raízes
africanas, a exemplo de Roger Bastide (1971; 2001), José Beniste (2014) e Reginaldo Prandi
(2001), os quais dão ênfase à mitologia dos orixás, e esclarecem sobre esse panteão, e outros
tantos que debatem sobre racismo, como o clássico de Oracy Nogueira (1954-1985),
vivenciamos em pequenos ou grandes espaços, as práticas de intolerância religiosa e os
discursos de ódio das mais diferentes maneiras.
Cabe em nossa discussão, também, a utilização de referenciais básicos, como as obras
de Florestan Fernandes (2007) e Gilberto Freyre (2006a; 2006b), os quais debatem acerca do
mito da democracia racial no Brasil. Embora Freyre não tenha abordado esse conceito em sua
obra Casa grande e senzala, suas publicações posteriores trazem essa discussão. Já Fernandes,
investe na teoria de que a democracia racial seria uma falsa verdade em nosso país.
Obviamente, teremos ao longo da trajetória de nossa pesquisa, tantos outros autores
que se estendem nos variados debates que essa problemática nos impõe. Paralelo a esse
debate, pretendemos analisar a lei n. 10.639/2003, que versa sobre a inserção do estudo da
História da África e cultura afro-brasileira e as resistências que percebemos em nossa prática,
na abordagem sobre o que se refere ao continente. Ora por estranheza, desconhecimento e
discriminação, em sala de aula observa-se uma recusa constante, uma negação por esse
conteúdo e esse diagnóstico é visível, vindo de professores ou estudantes.

CONCLUSÃO

O ensino de História nas escolas de Ensino Fundamental não se limita a uma mera
submissão ao conhecimento produzido pelos historiadores. Alunos e professores, geralmente,
dialogam com os conhecimentos eruditos da História, produzem e (re)produzem
conhecimentos históricos. Os professores, então, não são meros reprodutores de
conhecimentos produzidos por pensadores que se encontram fora do ambiente escolar. A
velha noção de divisão do trabalho entre os que pensam e os que executam o pensado não se
enquadra nesse caso.
Os professores cumprem um significativo papel de (re)produzir conhecimentos
eruditos importantes para a sociedade, ao mesmo tempo, são pensadores que produzem
conhecimentos no espaço escolar. Por isso mesmo, é muito importante que sejam valorizados
e bem formados para desempenhar as inúmeras tarefas que lhe são atribuídas. O professor
também atua para aumentar a abrangência da utilização de determinados conhecimentos
apresentando novos desafios para ampliação e/ou aquisição de novas aprendizagens. Com
base no contexto vivenciado pelos estudantes, o professor desafia, encoraja, esclarece e
oferece novas possibilidades para que sejam redirecionados, ampliados ou desenvolvidos
novos enfoques sobre o conhecimento.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 259

De forma dialógica, o professor pode oferecer dicas e orientações especiais para


atuações individuais e coletivas. Nesse processo, os estudantes são levados a buscar, a
selecionar informações, a construir hipóteses e a tomar decisões, reorganizando e dando
sentido e significado ao conhecimento. É importante que sejam incentivados e orientados a
refletir criticamente sobre o que lhes é apresentado e a transcender, isto é, ir além das
informações obtidas, distinguindo os dados mais importantes dos secundários, buscando
relacionar o aprendido com outras informações e situações.
Rüssen (2006) afirma que o aprendizado da História não deve se limitar à aquisição do
conhecimento histórico como uma série de fatos objetivos. Para além dessa perspectiva, o
conhecimento histórico deve atuar como regra nos arranjos mentais tornando-se, de forma
dinâmica, parte integrante da vida do sujeito. Em outras palavras, o conhecimento histórico
não significa simplesmente o acúmulo de uma quantidade de informações relacionadas a fatos
do passado. Em suma, as narrativas históricas estão presentes por toda a parte e o sujeito
historicamente letrado não se limita apenas a somar um novo conhecimento à quantidade de
outros tantos que já possui. O letramento em História possibilita ao sujeito estabelecer uma
interação mental durante as leituras das narrativas históricas com o conhecimento histórico
já acumulado estabelecendo, assim, uma orientação temporal e permitindo a construção de
novos significados. É importante ressaltar, que o indivíduo pode utilizar-se de seus
conhecimentos históricos para melhor compreender o mundo em que vive e não apenas nas
situações em que as narrativas históricas são evidentes.
É sob essa perspectiva, que nos debruçamos sobre a relevância da abordagem do nosso
objeto de estudo, tendo a consciência de que as religiões afro-brasileiras podem ser
construídas em sala de aula através e, inclusive, a partir das narrativas de alunos e professores
e, neste sentido, diagnosticaremos as discriminações históricas a respeito.

REFERÊNCIAS

BARCA, Isabel. Literacia e consciência histórica. Educar, Especial, Curitiba: UFPR., 2006, p. 93-112.
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de
civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. (Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais).
_______________. O candomblé da Bahia. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
BENISTE, José. Òrun Àiyé: o encontro de dois mundos: o sistema de relacionamento nagô-yorubá entre o céu e
a Terra. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
BENJAMIN, Roberto E. C. A África está em nós: história e cultura afro-brasileira. Paraíba: Grafset, 2004.
CARDOSO, Odimar. Para uma definição de didática da história. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28,
n. 55, 2008, p. 153-170.
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma introdução à história da África Atlântica. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004.
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global, 2007.
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal.
São Paulo: Global, 2006a.
_______________. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento urbano. São Paulo: Global,
2006b.
MEDEIROS, Daniel Hortêncio de. Manuais didáticos e a formação da consciência histórica. Educar, Especial,
Curitiba: UFPR, 2006, p. 73-92.
NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem. In: Tanto preto quanto branco:
estudos de relações raciais. São Paulo: T.A. Queiroz, 1954-1985.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das letras, 2001a. 590p.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 260

RÜSSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectiva a partir do caso alemão. Práxis Educativa.
Ponta Grossa- PR, v. 1, n. 2, jul.-dez. 2006, p. 7-16.

SUMÁRIO
Continuando os diálogos
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 262

Conhecer, empoderar, resistir: os desafios de uma História plural


Aliny Dayany P. de M. Pranto1
alinydayany@gmail.com

Introdução

No ano de 2020 o Centro Acadêmico do curso de Pedagogia presencial da UFRN


(Caped) me convidou a compor uma mesa que discutiria a tríade diversidade, cultura e
História. Este texto partiu de algumas considerações feitas naquele momento e pode ser
entendido como um convite para que reflitamos sobre que História(s) ensinamos e
aprendemos na escola. Espero que a partir dele possamos refletir um pouco mais sobre a
importância de problematizar o que ensinamos, para quem ensinamos e o quanto os/as
estudantes sentem-se, ou não, representados/as nos conteúdos aprendidos na escola.
Algumas questões precisam sempre orientar nosso planejamento de aulas, considero
as seguintes como de grande relevância: qual o objetivo de mediar determinado conteúdo?
Como as populações historicamente marginalizadas são, ou podem ser representadas a partir
dos conteúdos históricos trabalhados em sala? De que forma esses conhecimentos podem
auxiliar no empoderamento dos/das estudantes?
Nossa fala buscou tocar em algumas dessas questões e sensibilizar os/as futuros/as
professores a construir uma práxis (FREIRE, 2013) sobre seu fazer docente, e transformar a
sala de aula em um espaço de fortalecimento da democracia e da luta pelo reconhecimento da
diversidade, da pluralidade étnica e racial em nosso país e da preparação para a conquista de
direitos.

Primeiras considerações

No século XVII, o jesuíta André João Antonil emitia o seguinte posicionamento sobre
a cristianização de negros quilombolas: “E bem é que saibam [os senhores] que isto lhes há de
valer, porque, de outra sorte, fugirão [os escravos] por uma vez para algum mocambo no mato,
e se forem apanhados, poderá ser que se matem a si mesmos...” (ANTONIL apud VAINFAS,
2016, p. 83)
Embora não citasse o quilombo de Palmares, maior organização quilombola do
período colonial, que ia do sul da capitania de Pernambuco até o território do atual estado de
Alagoas, (BALLESTER, 2017, p.31), é bem possível que Antonil escrevesse tendo o quilombo
em mente (uma vez que tal trecho foi escrito no fim do século XVII, momento de forte embate
contra Palmares), isso é o que nos sugere o historiador Ronaldo Vainfas em seu texto “Deus
contra Palmares” (VAINFAS, 2012). Naquela produção, o autor indica uma série de sermões
proferidos por jesuítas, demonstrando que não havia um consesso sobre a catequização, ou
não, de escravizados revoltosos. No entanto, um ponto chama atenção, mesmo escrevendo no
século XVII, mesmo mirando os acontecimentos ocorridos em torno do quilombo dos

1
Professora do Departamento de Práticas Educacionais e Currículo da UFRN.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 263

Palmares, nenhum daqueles padres se referia diretamente a Palmares. Por quê? Qual a
intenção por trás desta omissão?
Não conhecer a resistência palmarina era pouquíssimo provável, haja vista a
repercussão em torno do quilombo, já que havia décadas esse não conseguia ser derrotado
pelos portugueses. Indiferença aos seus acontecimentos também não parece ter sido a
motivação. Então, por que não se remeter a Palmares? Vainfas sinaliza, e concordo com ele,
que a não referência era algo proposital. Era preciso alertar para os riscos de cristianizar
revoltosos e seus potenciais perigos ou ganhos, sem no entanto, permitir a promoção de sua
memória.
Falar de Palmares, citar seu nome, mesmo que para apresentar uma conotação
negativa a seu respeito, possibilitava que a resistência fosse lembrada, permitia que seu nome
fosse divulgado, espalhado e conhecido por muitos. E isto era justo oposto do que buscavam a
Coroa portuguesa e a Igreja através de seus jesuítas.
A dominação de uma crescente população escravizada passava também pela
veiculação de discursos de controle, mas como afirmar que havia total domínio do colonizador
sobre estes povos, se havia, no meio do território supostamente dominado pelos
colonizadores, uma organização política e social capaz de agrupar, organizar e gerir cerca de
20 mil pessoas em seu ápice? (BALLESTER, 2017, p. 31).
Proferir o nome quilombo dos Palmares era o mesmo que lembrar a incapacidade de
controle dos colonizadores. Era o mesmo que atestar que eles, homens brancos (considerados
em muitos momentos da História como representantes da civilização) não era capazes de
conter um número cada vez maior de pessoas trazidas para cá forçadamente para serem
escravizadas. Diante disso, o que fazer? Alertar sobre seus perigos, mas não citá-lo, não
permitir que seus feitos fossem registrados e assim sua memória, mesmo deturpada, fosse de
alguma forma preservada.
A estratégia tem fundamento e foi, e ainda é, repetida diversas vezes. Ou alguém crer
ser mera coincidência termos um currículo escolar historicamente eurocentrado, masculino,
heróico e branco? Quantos de nós tivemos oportunidade de estudar, ler, conhecer sobre o
funcionamento de Palmares e de tantos outros quilombos espalhados por todo país? Que
espaço houve, ou há, para que a resistência negra, indígena, feminina possa ser apresentada,
discutida, profundamente analisada?
O calar dos jesuítas foi mantido com o intuito de fazer morrer qualquer marca de
resistência. Não bastava prender e matar Dandara, Zumbi e demais lideranças. Não bastava
reescravizar os sobreviventes, mesmo crianças e idosos. Era preciso mais que isso, era
necessário fazer calar 100 anos de resistência, de humilhação das forças portuguesas, de
demonstração da ineficiência das tropas portuguesas. Mesmo quando do domínio do núcleo
de Palmares, seu nome era pouco citado ou referenciado, pois era preciso que as gerações
vindouras esquecessem aquela organização, aquela luta, aquela sociedade alternativa dentro
do sistema colonial.
Vocês devem se perguntar se há algum paralelo entre o Brasil setecentista e este que
vivemos hoje. Posso lhes assegurar que muito mudamos, nos transformamos, somos outro
país, mas também somos o mesmo. Pensar historicamente exige que compreendamos que se
há mudanças com o passar do tempo, há também permanências. Ao mesmo tempo que
rompemos, também mantemos. E que mesmo períodos de avanços podem ser seguidos de
inúmeras tentativas de refluxo. Tudo isso faz parte do que chamamos processo histórico.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 264

Por tudo isso, sim, ainda temos pontos que tangenciam este passado distante,
sobretudo, porque algumas práticas estão profundamente entranhadas em nosso imaginário
e são refletidas em nosso cotidiano. Ainda vivemos em uma sociedade marcada por valores
patriarcais e autoritários, ainda estamos mergulhados em uma cultura do mandonismo, em
que muitos se julgam os novos “coronéis”, ou os atuais donos de laranjais. Vivemos em um país
ainda movido por oligarquias, que como bem enfatiza Lilia Schwarcz (2019, p.58), associam o
poder local e a concentração de renda. Ainda estamos em um país em que a morte João Alberto 2
não é um caso isolado, mas o reflexo de tantos outros que não foram filmados ou tiveram a
mesma repercussão na mídia.
E neste país, mesmo após 17 anos da promulgação da lei 10.639/03, ainda
“engatinhamos” em busca de um currículo mais progressista, menos eurocentrado e mais
representativo. Os avanços e recuos podem ser notados se observarmos as inúmeras
mudanças ocorridas nas diferentes versões da BNCC de História para o Ensino Fundamental
anos finais (2017), por exemplo, partindo de uma proposta notadamente focada na História
do Brasil e considerando a diversidade de povos, culturas, etnias, até a fastidiosa chegada em
uma versão ainda movida pela Europa e com alguns tímidos espaços voltados às nossas
histórias, no plural, seguindo uma organização há muito conhecida dos nossos livros didáticos
da área.
Mesmo com os avanços alcançados a partir de legislações específicas (10.639/03 e
11.645/08), ainda há reação por parte de grupos conservadores para que não tenhamos um
ensino de História efetivamente plural. Sobre essa questão, a professora Circe Bittencourt
afirma que:

A implementação de um currículo sob o paradigma da pluralidade cultural tem tido


resistências, sobretudo, por parte de setores conservadores que acusam os estudos de
cultura indígena e cultura afro-brasileira de promoverem uma verdadeira “distorção do
sistema educacional brasileiro”[...]. (BITTERNCOURT, 2018, p. 110)

Tudo isso nos mostra a importância do conhecer, a relevância de estudar, pesquisar,


retomar as memórias dos diversos grupos historicamente marginalizados e construir
narrativas que digam respeito a quem somos e que sinalizem para o fato de que todas nós
somos sujeitos da história. Afinal, como sentir-se empoderada, forte, resistente se não me vejo
representada na História aprendida/ensinada?
Mas se é certo que eu e você compreendemos essa importância e buscamos a cada dia
rever posturas, atos, buscar novos autores e leituras, a fim de não apenas não sermos racistas,
mas sermos antirracistas, conforme nos convoca Angela Davis (2016). É certo também que os
grupos conservadores tem igualmente clareza do “risco” presente em propostas de educação
inclusivas, antirracistas, que debatam gênero, classe, etnia, racismo, preconceito, nazismo,
facismo, ditadura militar e tantos outros temas sensíveis. Assim como nós, eles sabem o
potencial transformador do conhecimento e o quanto ele é capaz de empoderar. E sabedores
disso, tratam de utilizar a estratégia jesuítica do silenciar. Silenciar para conter. Amordaçar
através de projetos de lei vergonhosos como o da escola sem partido (PL 7180/2014), para

2
Homem negro, morto nas dependências do supermercado Carrefour no ano de 2020. O caso foi amplamente
divulgado pela mídia, pois as imagens das agressões foram registradas em vídeos de celulares e compartilhadas na
internet.
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 265

tentar negar uma educação plural, diversa, que possibilite a aprendizagem de histórias no
plural.
Movimentos revisionistas que buscam negar a ditadura militar, a tortura, mortes e
desaparecimentos dela resultante, que tentam impedir que se discuta racismo e gênero na
escola, por exemplo, são ações orquestradas e conscientes em busca de um povo cada vez mais
passivo, acrítico, que assista a “boiada passar” sentado diante da TV ou da tela do celular.
Negar que o nosso Paulo Freire seja o patrono da educação brasileira, ou mesmo que
nomeie uma plataforma digital de formação continuada é a busca pela permanência daquela
antiga estratégia jesuítica: tirem seu nome, para que seu legado seja apagado e não traga
“riscos” às futuras boiadas. Tenhamos apenas nomes técnicos e neutros para que as futuras
gerações não saibam que um dia foi possível aprender a ler em 40h, ou frequentar salas de
aulas circulares, em que o pedreiro ao mesmo tempo que lia a palavra tijolo, também discutia
seus parcos rendimentos (FREIRE, 1967). É preciso esquecer certos temas, épocas, assuntos,
mulheres e homens que resistiram a regimes opressores, para que a cada dia nós acreditemos
mais e mais que somos incapazes de lutar contra qualquer coisa, que tudo já está posto, que
sempre foi assim, que nosso futuro já está dado, que nosso país tem a síndrome da Gabriela: já
nasceu assim, já cresceu assim e será sempre assim.
É preciso que nós sejamos devorados pelo pessimismo e pelo desânimo, para que
percamos a capacidade de sonhar, de sentir e consequentemente de ser. No entanto, nós
historiadoras e historiadores, professoras e professores, que somos ou que seremos, temos o
compromisso de lembrar, de pesquisar e de fazer conhecer. E mais que isso, ao escolher a
docência e assumir uma postura progressista temos o dever de, relembrando Paulo Freire,
esperançar, transformar a esperança em verbo e nos colocar a andar adiante.

À guisa de conclusão...

Gostaria de lembrar que, apesar das estratégias de silenciamento, Palmares continuou


a viver e três séculos passados continua sendo símbolo de luta e resistência, pois se há
“estratégias”, não podemos nos esquecer que há também “táticas”. Se há silenciamentos
oficiais, persistem “memórias subterrâneas”, narradas apenas no interior de pequenos grupos,
à espera do momento oportuno para serem publicizadas.
Então, não! Não estamos atados/as a um futuro predeterminado e incontornável.
Somos parte e autoras dessa História. Se é verdade que ela nos afeta, é igualmente verdade
que somos nós quem a fazemos e podemos interferir em sua condução. Portanto, o título de
minha fala é também uma convocatória para que sigamos estudando, lendo, ouvindo os mais
velhos, provocando o conhecimento presente nas periferias, nas “bordas” da História, nos
grupos historicamente excluídos e marginalizados. É preciso conhecer para poder lutar.
Ninguém se anima a lutar por uma causa perdida. Ninguém se move se está certa de que seu
futuro está posto. Nos lembremos de que aquilo que busca ser calado, certamente o é porque
comporta em si um grande potencial transformador. Sabendo disso, transformemos nossa
docência em ato criativo, rememorador, antirracista, empático e sensível aos outros. Se o que
buscamos não está presente no material didático disponibilizado às nossas turmas, passemos
à outras fontes, provoquemos outras leituras. E mesmo quando nos diminuirem e tentarem
nos silenciar lembremos da importância de sempre ES-PE-RAN-ÇAR! Porque Palmares segue
vivo, mesmo sem estar nos sermões oficiais, porque Catu luta contra a historiografia oficial e
diz: sim, há indígenas no Rio Grande do Norte, porque os terreiros seguem adiante e gritam:
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 266

não, não somos demoníacos, nem reconhecemos seu demônio! Porque sabemos que a História
é feita de histórias, com s, no plural, permeadas por muitas e muitas memórias,
cotidianamente recuperadas, rasgadas e publicizadas hoje e cada vez mais.

REFERÊNCIAS

BALLESTER, Candice. [et al.] Dossiê de Candidatura da Serra da Barriga, Parte Mais Alcantilada –
Quilombo dos Palmares a Patrimônio Cultural do MERCOSUL. São Paulo: Editora Cubo, 2017.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2018.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. 2017. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em outubro
de 2020.
BRASIL. Lei 10.639/2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
"História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em outubro de 2020.
BRASIL. Lei 11.645/2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de
9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial
da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em outubro de 2020.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
_____. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
SCHWARCZ, Lilia. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
VAINFAS, Ronaldo. Deus contra Palmares. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.) Liberdade por
um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2012.

SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 267

Anotações sobre ensinar História com sensibilidade ou a defesa de


uma prática docente não fascista

Azemar dos Santos Soares Júnior1

Era fins do ano de 2018. Aquilo que parecia ser uma noite de alegria numa boate da
cidade de Florianópolis, acabou ao menos para vítima, sendo razão para dor e tristeza ao ter
seu corpo violentado sexualmente. Na ocasião não foi rompido a força apenas o seu hímen,
mas o direito de uma mulher ter liberdade sobre o controle de seu corpo. Nessa semana, dois
anos após o crime de estupro, ocorreu de forma remota o julgamento do caso, na qual, a vítima
tornou-se ré. Foi acusada de através de suas fotografias publicadas em suas redes sociais, de
incitar o dito macho-alfa a cometer estupro, que culminou com a sentença de um “estupro
culposo”. Noutras palavras, a vítima foi acusada e teve a denúncia aceita pela justiça brasileira,
por ser aquela que por possuir um corpo cuidado e vestido a seu modo, provocou o estupro.
Ao homem que a estuprou, nenhuma pena lhe foi aplicada. A boate em que o crime aconteceu
foi responsabilizada por pagar a assistência psicológica da vítima e de sua família.
Mariana Ferrer teve seu corpo violado em 2018 pela ação de um homem que acha que
mulher é um pedaço de carne que pode ser comida a seu bel prazer. Mariana Ferrer teve em
2020 seu corpo novamente violentado por homens de toga que expuseram imagens da vítima
lhes atribuindo adjetivações que induziam seus pares a concordarem que ela era uma mulher
vulgar e que merecia portanto o estupro. Nos vídeos expostos nas páginas de internet nenhum
dos quatro homens presentes exigiram respeito. Nenhum dos homens no recinto on-line saiu
em defesa. Todos os homens presentes a humilharam sejam com falas exaltadas, seja com o
silêncio. Os quatro homens que representam a justiça brasileira, concordaram com a hipótese
do advogado de defesa do criminoso e o inocentaram.
Essa não é uma história apenas de violência. Não é apenas uma história de impunidade.
Essa é uma história que se repete historicamente em nosso país. Trata-se de uma narrativa em
que a mulher, ou como eles a tratara, “um pedaço de carne” é vista por homens machistas. Essa
é uma história que revela uma educação tradicional na qual esses homens foram adestrados
para, enquanto machos, sugar as mulheres de forma a satisfazer a suas vontades. São como
chamou Durval Albuquerque Jr. (2009, p. 106) homens-drácula, que mantém uma relação de
dependência com as mulheres, aquelas que lhes dão a vida, que os alimentam, que os educam,
que deles cuidam ao longo de toda a vida e esses em troca oferecem a tirania, o domínio e a
exploração, em troca lhes sugam até a última gota de sangue. O homem-drácula é aquele que
na hora da cópula, para satisfazer seu desejo sexual revela-se um animal, uma fera a estuprar
e possuir o corpo feminino transformando as mulheres em mortas-vivas que passam a
obedecer-lhes e realizar suas vontades e desígnios. André de Camargo Aranha, o estuprador;
o advogado, Claudio Gastão da Rosa Filho e o juiz Rudson Marcos são exemplos de homens-
drácula. São filhos de uma sociedade machista, patriarcal e que se rejubila na lama do fascismo.
São homens que não aprenderam sobre direitos humanos, muito menos sobre a empatia e o

1
Doutor em Educação. Professor do Departamento de Práticas Educacionais e Currículo da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Credenciado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (UFRN) e em História (UFCG).
SUMÁRIO
E n s i n o d e H i s t ó r i a : E x p e r i ê n c i a e I n t e l e c t u a l i d a d e | 268

respeito. São homens que se aliaram para defender o direito do outro de ser machista e de
perpetuar o modelo de cabra-macho-rico-conservador-e-que-acha-que-pode-comer-quem-
quiser.
Temos muito a dizer e a aprender com essa história. Primeiro, como homem, quero
pedir perdão a todas as mulheres pela ação daqueles que se dizem homem e que acham que
todo o seu poder está concentrado no pênis. Quero dizer que nem todos os homens são assim.
Infelizmente, esses homens-dráculas ainda são muitos e cada um de nós conhecemos alguns.
Segundo, dizer que as manifestações postadas nas redes sociais por mulheres e homens, não
são apesar uma rede de apoio a Mariana Ferrer, mas o grito de revolta contra esse modelo de
homem e de uma justiça que julga conforme os princípios da camaradagem. Essas
manifestações de indignação são uma aula de história fora da sala de aula. Uma aula que vai
de encontro ao que está posto no currículo e no livro didático. Vai de encontro a uma história
masculina, cheias de heróis brancos e que por tantos anos negligenciou ao descaso as
mulheres, as crianças, as questões de gênero e sexualidade, os negros e os indígenas. Há nessa
história uma grande produção de documentos, e, entendo aqui por documento conforme
escreveu Circe Bittencourt (2017), aquilo que não foi produzido com a intenção de ser
problematizado em sala de aula, mas que pode ser apropriado por professores e alunos como
material didático. Existe na trágica e impune história de Mariana Ferrer hoje não só os vídeos
do circo dos horrores que foi a audiência de julgamento, mas como as postagens que levou a
hashtag #justiçapormariferrer ao top trend do Twitter.
Lembro como professor formador de outros professores, que quando queríamos
orientar os docentes a falar sobre determinada temática que não era contemplada pelo
currículo, afirmávamos que sempre que surgisse uma demanda através de algum
acontecimento, esse deveria ser um bom momento para discutir determinados temas em sala
de aula. Hoje, acho que nem é mais preciso esperar que aconteça, pois todos os dias tem
acontecido atrocidades que nos deixam em polvorosa, desgostosos com a humanidade,
enfurecidos pela impunidade de criminosos e estupradores. O professor precisa falar não
apenas do que está acontecendo, como tornar essa uma ação cotidiana nas aulas de história.
Sobretudo, quando se trata de uma profissão em que a maioria de seus profissionais são
mulheres. Mulheres que também são transpassadas pelas notícias que correm nas redes
sociais e violentam nossos sentidos. Mulheres que precisam assumir a dianteira na hora de
adestrar seus alunos para uma vida não fascista, para se tornarem cidadãos antimachistas,
antipreconceituosos e antimisóginos. Mulheres que sentiram e sentem na pele o que é ser
sugada por um homem-drácula e receber de volta a violência como forma de gratidão.
As sensibilidades me parece ser um ingrediente fundamental na hora de preparar uma
aula de história. Dela, provem as formas de apreensão do muno, as formas de sentir e de estar
no mundo. É a possibilidade que cada indivíduo tem de expressar para si ou para o outro as
maneiras de compreender. É aquilo que foge do racional e adentra o mundo das sensações e
emoções. Para Sandra Pesavento (2007) a sensibilidade exige percepção enquanto atividade
reflexiva, evocando as emoções dos alunos de forma a desejarem ou rejeitarem determinadas
ações. O uso das sensibilidades na pratica docente não autoriza o professor a criar situações
meramente ilustrativas, mas lhe atribui o exercício de evocar nos alunos aquilo que se sente
diante das histórias contadas em sala de aula. As sensibilidades fazem com que os alunos se
coloquem no lugar do outro a partir de sua realidade. Emoções como alegria e dor, por
exemplo, são bastante comuns aos nossos alunos. De um lado uma sensibilidade que é
desejada, de outro uma que causa pavor. Ao levar os alunos a imaginarem uma dessas
SUMÁRIO
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emoções, cria-se posturas nos alunos capazes de elaborar consigo práticas de cuidado de si e
do outro, a querer promover as boas ações e a rejeitar as más emoções. Assim, a aula de
história sensível, deve rejeitar a transmissão pura de informações e fazer despertar nos alunos
os sentimentos suscitados a partir daquilo que o professor problematiza em sala de aula. Nesse
sentido, passo a elencar alguns pontos que considero fundamental para uma aula de história
sensível. Um pequeno manual para o Ensino de História e Sensibilidades.

1. O professor precisa conhecer a si. Historicamente existe em nossa sociedade um cuidado


consigo. Se durante anos esse foi um princípio filosófico, precisamos pensá-lo enquanto uma
forma de atividade permanente. Não me refiro aqui apenas ao tão importante cuidado do
corpo, mas sobretudo o cuidado com a alma. Segundo Michel Foucault (2014, p. 178), em seu
estudo sobre a hermenêutica do sujeito, “é preciso tomar cuidado de si mesmo e acender a luz
da razão e explorar todos os recônditos da alma [torna-lo não apenas] um princípio, mas uma
prática constante”. Trata-se de reconhecer que o cuidado de si deve ser considerado como um
dever e como uma técnica, uma obrigação fundamental e um conjunto de procedimentos
cuidadosamente elaborados. Não se trata de uma preparação momentânea para a vida, mas
sim, uma forma de vida. Uma prática durante toda sua existência. Assim, tendo consciência de
si e de seus limites, o docente perceberá que não basta apenas formar, mas que precisa ensinar
a lutar. Se as tecnologias de si, permite saber o que se é, entendo que uma tarefa do professor
passa a ser levar ao aluno que ele também precisa conhecer a si, ser soberano de si mesmo,
exercer sobre si mesmo um domínio perfeito. Professor, se olhe ao espelho. Converse consigo.
Perceba que as dificuldades enfrentadas só são vencidas pela força que existe dentro de você.
Reconheça seus medos e seus preconceitos, em seguida busque dentro de você aquilo que você
não quer para sua vida. Reflita sobre os problemas que seus preconceitos pode causar no
outro. O cuidado de si é sobretudo o conhecimento de suas emoções, portanto, ele deve
orientar a caminhos que possam romper obstáculos e contribuir para a defesa da vida.

2. Conheça seus alunos. Jorge Larrosa (2016) nos fala sobre o tempo do professor que é curto,
apressado e agitado, fato que lhe impede de parar para viver o exercício da experiência. O
professor seria aquele que muito lhe acontece mas nada lhe toca, lhe transpassa, porque a falta
de tempo lhe impede de parar para sentir e refletir. Larrosa ainda chama atenção para
perceber com calma as ações, parar para sentir, para pensar, para imaginar, para elaborar. Mas
como fazer isso quando o tempo é corrido e as salas de aula estão lotadas das mais diversas
subjetividades? Esse é mais um desafio para o professor, especialmente porque faz-se
necessário conhecer seus alunos para conseguir fazer com a aula de história faça sentido. É
preciso vencer a adversidade do tempo corrido e parar para olhar para seus alunos, para ouvi-
los. Pergunte sobre o que eles gostam de assistir e de escutar, quais são seus jogos prediletos,
qual a sua relação com as redes sociais, em que comunidade vivem, em que cultura estão
inseridos, quais os principais problemas sociais existentes na comunidade. Investigue seus
sonhos e suas angustias. Perceba que conhecer seus alunos é trazer o mundo deles para a aula
de história. Que precisamos ensinar história a partir daquilo que faz parte do cotidiano deles.
Alguns dados já são realidade: a maioria dos alunos de escola pública são negros e pobres,
tiveram pouca oportunidade e os heróis que conheceram foram apenas aqueles que possuem
superpoderes e que são exibidos nos filmes em televisão aberta, que muitos dos seus heróis
domésticos agridem mulheres, fazem uso de drogas, promovem violência. Permita que seus
alunos contem suas histórias, você verá que existe nessa oportunidade uma carga emotiva
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bastante alta. Explore essas sensibilidades levado seu aluno a se conhecer, a fazer a autocrítica.
Lembre que a prática de si orienta para que cada um se desfaça de seus maus hábitos, de
opiniões falsas que podem receber das multidões. Conheça seu aluno e o leve a “desaprender”,
a apartar-se de si. Conhecer seu aluno, fará com que você crie nele a função de luta, aquilo que
pode ser tido como um combate permanente. É preciso dar aos nossos alunos as armas da
coragem para lutar contra toda forma de violência e preconceito. Assim, essas armas podem
ser conceitos como cidadania, democracia, respeito, coragem, alteridade, diferença... Não
esqueça que nem sempre seu aluno gosta das mesmas coisas que você professor. Portanto, o
que devemos conhecer e trazer para a sala de aula é o mundo dos alunos. E nesse mundo, o
professor precisa inserir os debates necessários para a formação do cidadão fazendo-os
sentirem e refletirem sobre a história de tantos homens e mulheres. Hoje, nossos alunos estão
mais preocupados em escutar “Rita”, aquela que seu companheiro implora: “Oh Rita, volta
desgramada. Volta Rita que perdoo a facada. Oh Rita não me deixa. Volta Rita que retiro a
queixa”. Talvez a história de Rita seja uma excelente oportunidade para discutir questões
sobre violência contra mulheres e empoderamento feminino. Mas pra isso, é preciso que o
professo pare para viver a experiência como nos ensinou Jorge Larrosa (2016), deixando-se
afetar. A história de Rita, de Tifany, de Edilene e de Letícia, cantadas hoje pela sofrência pode
ser a realidade de muitos de nossos alunos.

3. Use nas aulas documentos que permitem evocar as emoções dos alunos. O professor de história
precisa ser um pesquisador. Aprendemos na formação de nosso ofício que a pesquisa é o
caminho para encontrar as fontes que serão problematizadas e transformadas em enunciados
discursivos, que chamamos de História. O ofício do professor de história está diretamente
ligado ao exercício do historiador. Acredito que não seja possível um historiador que não se
atualiza, que não faz leituras, que não conhece novas culturas. Acredito também, que o mesmo
acontece com o professor. Mesmo cansado dos problemas existentes nas escolas, das parcas
condições de trabalho e dos salários defasados, o professor deve assumir uma postura de
pesquisador e levar para sala de aula materiais didáticos, aqui me refiro mais especificamente
aos documentos, para desenvolver uma boa aula de história. Os documentos são fragmentos
de um dado passado, memórias que foram produzidas intencionalmente por alguém
registrando um dado acontecimento. O professor precisa não apenas fazer a leitura e
apresentação do documento em sala de aula, mas também levar o aluno a imaginar a situação
descrita na narrativa documental. Ao imaginar o acontecimento, é preciso leva-lo a sentir
aquilo que foi vivido pelas pessoas envolvidas na trama. Os sentimentos evocados pela história
ali contada fará com que os alunos se posicionem, assumam um ponto de vista, defendam sua
versão e construam o conhecimento a partir de seu lugar social. Convide o aluno a se colocar
no lugar do outro, permita que ele conheça as características da época, os direitos que as
pessoas tinham, as formas de punir, as consequências marcadas em seus corpos. Acredito ser
o uso de documentos, claro, adequados ao entendimento e faixa etária do aluno, uma boa
forma de fazê-lo refletir sobre seu lugar no mundo, sobre o reconhecimento de si e sobre a
defesa da vida.

4. Elabore boas perguntas. Somos seres que questionam por excelência. Em geral quando
temos dúvidas ou mesmo alguma curiosidade. A aula de história é um espaço fundamental
para despertar o interesse. Lembro que os alunos ficavam vidrados quando começávamos a
contar uma história que continha suspense ou mesmo que se referia a sexualidade de um povo
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numa dada época. Essas aulas eram as melhores, porque os alunos perguntavam para
satisfazer as suas curiosidades. Quando falamos em ensino e sensibilidades, acredito que boas
perguntas devem ser elaboradas pelo professor e direcionadas aos alunos. As perguntas
elaboradas pelos professores pode conter a intenção de fazer com que os alunos se coloquem
no lugar do outro, que imaginem a condição do outro, que sinta a dor ou a alegria do outro. Um
exemplo: ao apresentar a imagem de um indígena sendo capturado no período colonial
brasileiro e levado para o cativeiro, o professor pode apenas deixar que os aluno veja a imagem
e tire suas conclusões, ou mesmo que o professor afirme como um dado que os indígenas
foram capturados, escravizados e mortos. Mas, terá um efeito de entendimento mais
apropriado se o professor ao apresentar as imagens realizar perguntas do tipo: “Você já se
imaginou sendo capturado e escravizado? Sendo impedido de fazer todas as coisas que você
gosta e obrigado a um trabalho compulsivo?”; “Você já foi proibido de ir a algum lugar? Como
você se sentiu?”; “Qual o sentimento evocado quando você é impedido de ter o direito à
liberdade?”. Essas questões vão levar o aluno ao exercício da alteridade e da empatia. São
questões que exigem que o aluno viva a experiência de parar para sentir, para pensar, para
refletir. Um exercício sensível. Professor, faça sempre boas perguntas capazes de afetar o
outro.

5. Seja criativo. Esse é um exercício que demanda tempo. Na hora de preparar as suas aulas de
história, leve em consideração o professor que você quer ser para seus alunos. Considere
aquilo eu você conseguiu conhecer de seus discentes. Não esqueça que a maioria dos nossos
alunos não possui recursos para comprar material. Portanto, as atividades utilizadas em sala
de aula precisa estar de acordo com os recursos que a escola dispõe, ou que pode ser
apropriado a partir do que a natureza ou mesmo a reciclagem permitem. Façam jogos, montem
protestos, confeccionem cartazes, elaborem cartas, escrevam mensagens, façam postagens nas
redes sociais, construam maquetes, gravem podcasts, produzam vídeos caseiros com
celulares, encenem um jogral, pintem imagens... Essas atividades podem fazer parte do
processo de avaliação e são fundamentais para o ensino e a aprendizagem. Não esqueça que
seu aluno também é criativo. Ofereça a ele a oportunidade de criar. Produzam juntos o material
didático que será utilizado para aprender em sala de aula. Já imaginaram o quanto os alunos
vão se sentir importantes quando eles em parceria com o professor construírem um material
didático que o professor vai problematizar em seguida na sua sala de aula para construir o
conhecimento? Os alunos vão aprender duplamente.

Acredito ainda, que diversas outras ações são importantes para uma aula de história
sensível. Esse pequeno manual apresenta apenas cinco pontos que considero fundamental
para tocar o interior de docentes e discentes para o uso das emoções em sala de aula. Não
podemos esquecer que a aula de história precisa fazer sentido para nosso aluno. Para isso,
precisamos também estar bem informados sobre o que está acontecendo na comunidade, no
estado e no mundo; precisamos ser leitores, conhecer novas histórias e culturas; precisamos
atualizar sempre nossa forma de lidar com as formas de ensinar e de usar a tecnologia em sala
de aula, especialmente num mundo digital; precisamos aprender sobre conceitos que prezam
pela vida em comunidade e pela defesa da vida. Um ensino de história sensível, precisa
sobretudo, promover a consciência de viver a e na diferença. Educação assim, irá contribuir
para que mulheres não sejam estupradas e que homens as vejam com respeito e amor. O
ensino de história sensível é uma forte arma que temos na defesa de uma vida não fascista.
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Referências

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A bela ou a fera: os corpos entre a identidade da anomalia e a anomalia da
identidade. In: RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo. Para uma vida não fascista. Belo Horizonte: Autêntica,
2009, p. 95-115.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História. Fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2017.
FOUCAULT, Michel. As técnicas de si. In: ___. Ditos e escritos IX. Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade.
Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 264-296.
_____. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
LARROSA, Jorge. Tremores. Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
PESANVENTO, Sandra Jatahy; LANGUE, Frádérique. Sensibilidade na história: memórias singulares e
identidades sociais. Porto Alegre: UFRGS, 2007.
ROSENWEIN, Barbara H. História das Emoções: Problemas e métodos. São Paulo: Letra e Voz, 2011, p. 21-45).
SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Ensino de História e Sensibilidades: o ver, o ouvir e o imaginar no Ensino
de História. História e Ensino. Londrina, 2019, p. 167-190.

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