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Hoje e Amanha Henry Ford PDF
Hoje e Amanha Henry Ford PDF
-
~ N H
POR
HENRY· FORD
DE COLLABORAÇAo COM
SAMUEL CROWTI-IER
TRADUCçAO DE
MONTEIRO LOBATO
L
RUA CUSMÕE8. 33 . 1927 SÁc PAULO
COMPANHIA EDITORA. NACIONAL
HENRY FORD
de collaboração com
SAMUEL CROWTHER
Hoje e Amanhã
Tradução de
MONTEIRO LOBATO
COMPANHIA EDITORA NACIONAL
S. P ~ U l O
1927
ESTABELECIMENTO GRAPHICO
EUGENIO CUPOLO
I,AD. SANTA EPHIGltNIA. 21 - S. PAULO
HOJE E AMANHÃ
Duas palavras
o magnifico acolhimento que o nos-
so publico dispensou ao primeiro livro
de Henry Ford, MINHA VIDA E MI-
NHA OBRA.. permittindo duas edições
de dez milheiros cada uma, anima-nos
a dar o seu segundo livro, a que pode-
remos chamar. a verdadeira biblia da
Efficiencia. Livro creador, do qual nin-
guem sae como entra - pois lava-nos
das ideas falsas e dá-nos a co.nprehen-
são nitida de que os maiores milagres
da industria não passam de bom senso
e intelligencia no trabalho.
Ford é o genio mais benefico ainda
surgido entre os homens. Descobriu a
verdadeira significação da industria e
experimentalmente pôl-a em termos de
conciliar ,j velho e na apparencia irre-
ductivel ifIntagonismo entre o capital e
o trabalho. E tão certos se demonstra-
ram os seus principios que em 20 annos
se tornou elle o homem mais rico de
todos os tempos sem que urna só crea-
tura se resentisse da sua victoria. Não
venceu abatendo rivaes, nem exploran-
do q miseria do operario, nenl sugando
o consumidor. Não enriqueceu por meio
de especulações e valorizações á custa do
trabalho alheio. Enriqueceu enriquecen-
do a humanidade, enriquecendo e tor-
nando feliz o operario, enriquecendo e
facilitando a vida do consumidor.
A industria posta nas bases das' suas
geniaes idéas não conduz, corno até aqui,
á formação de magnatas em troca da
perpetuação ou aggravamento da mise-
ria humana. Conduz á extincção da mi-
seria humana. Pela primeira vez desde
que o mundo é mundo surge com H ell-
ry FQrd a solução certa do problema da
lniseria. Extendida que seja a solução
fordiana sobre todo o globo, estará ex-
linelo o terrivel cancro.
Nenhum pais nlais q ue o nosso pre-
cisa comprehender e praticar o fordis-
mo. Fazemos, pois, votos para que o
Brasil ponha de lado o livro de S. Cy-
priano e adopte como livros de cabe-
ceira biblias conlO MINHA VIDA e HO-
JE E AMANHÃ.
M. L.
Capitulo I
AURORA DA OPPORTUNIDADE
Ha centenas de annos que o homem ouve falar
em falta de opportunidades e urgente necessidade
~ repartir as cousas existentes. Mas cada um desses
annos se abotoou e desabrochou de idéas novas,
creadoras Ele nova série de opportunidades, de modo
que .já hoje possuimos um grande acervo de idéas
comprovadas, capazes, si postas em pratica, de ar-
rancar o mundo ao atoleiro em que jaz e banir delle
a pobreza, proporcionando trabalho a quantos quei-
ram trabalhar. Mas idéas velhas e gastas impedem
esta solução das idéas novas. O mundo algema-se,
venda os olhos e admira:-se oe que não possa correr.
O que vale um.a idéa
Tome-se apenas uma idéa - um idéa peque-
nina em si e possive.! de occorrer a qualquer pessoa
mas que coube a mifn realizar - a da factura de um
pequeno auton10vel, forte e simples, de construcção
barata e ao mesmo tempo susceptivel de proporcio-
8 Henry Ford
-nar altos salarios aos que trabalham em sua cons-
trucção.
A 1.0 de Outubro de 1908 fabricamos o primeiro.
Em Junho de 1924. o decimo millionesimo. Hoje,
1926, estamos no decimo terceiro millionesimo.
Embara it;lteressante, talvez careça isto de irn-
portancia. Tem importancia, sim, o facto de um
simples grupo de homQns reunidos num barracão
transformarem-se hoje num grande corpo industrial
que emprega duzentos mil homens, nenhum dos
quaes percebe menos de seis doBares por dia. Nossos
revendedores dão seryiço, por sua vez, a outros
duzentos mil homens e como não produzimos tudo
quanto nos é necessario, adquirindo talvez o dobro
do que fabricamos, é possivel affirmar que outros
duzentos mil homens trabalham indirectamente para
a nossa industria. Não tomando em conta o grande
numero de pessoas empregadas na distribuição, con-
ducção e conservação dos nossos carros, isto dá um
total bruto de seiscentos mil operarios, directos e
indirtlctos, significando cerca de tres milhões de
creaturas, homens, mulheres e creanças, que tiram a
de uma simples idéa posta em realiza-
ção no decurso de dezoito annos. E é idéa que está
na infancia ainda!
Nenhuma jactancia me move ao enfileirar estas
considerações. Não falo de uma certa pessoa ou de
um certo negocio. Falo de e essas cifras n10S'-
tram o que uma simples idéa comporta de possibili-
-dades. Toda esta gente n6cessita de viveres, roupas,
Hoje
e
Amanhã
9
calçado, habitação, etc. Reunida num mesmo ponto,
com os aggregados que lhe teriam de gyrar em
torno para supprir-lhe as necessidades, dava a po-
pulação duma cidade maior que N ew Y ork. E como
isto se fez em menos tempo do que gasta uma crean-
ça para attingir a maioridade, vê-se que falta de
senso é repetir o leit-motif da escassez de opportuni-
dades. Não penetra'mos ainda no sentido intimo da
palavra opportunidade, isso sim.
Rotineiros e pioneiros
Duas especies de homens vejo no mundo - os
pioneiros e os rotineiros. Estes atacam sempre áquel-
leso Accusam-nos de açambarcar todas as opportu-
nidades, quando, de facto, nem rotineiros poderiam
ser se o pioneiro não lhes ralDgasse caminhos.
Reflecti no vosso trabalho no mundo. Abristes
o V05S0 logar ou alguem o abriu para vós? Creastes
o trabalho que vos occupa ou o encontrastes creado?
Descobristes, inventastes uma opportunidade ou vos
beneficiaes com opportunidades que outros inventa-
ram ou descobriram?
Temos assistido ao surto de urna mentalidade
que não deseja opportunidades - prefere tomar-lhes
os fructos trazidos numa bandeja. Esta mentalidade
não é americana. Vem de outras terras e pertence
a raças inaptas para descobrir ou usar opportunida-
des e que sempre viveram do que lhes foi dado.
10 Henry
Ford
As opportunidades e a honestidade
Na geração anterior á nossa contavam-se mil
homens para cada opportunidade, emquanto que hoje
em dia ha mil opportunidades para cada homem. Os
negocios na America mudaram nesta proporção.
Muito escassas eram as opportunidades quando
as industrias vagiam. Os homens só conheciam um
caminho e toq.os queria.m marchar por elle. N atural-
mente que alguns se viram alijados para as margens,
Ja que o numero de homens superava o das oppor-
tuni@ades. D'ahi a crúa dureza da competição de
outróra.
Com a maturidade da industria, entretanto, todo
um mundo inedito de opportunidades se revelou.
Pensa e no numero de portas que cada progresso in-
dustrial abriu á actividade creadora. Disso resultou,
atravez da concurrencia feroz, que uma pessoa não
•
pode ser bem succedida na sua propria opportuni-
dade sem crear muito mais opportunidades do que
as que pode abarcar.
E' quasi impossivel comprehender o surto da
industria sem admittir a primitiva escassez de op-
portunidades. Algumas formas de negocio parecem
ter progredido, mas tal juizo vem da comparação
com as que fracassaram.
Este facto indica que quando a industria come-
çou a evoluir sob a pressão das necessidades publi-
cas (e foi este o seu unico impulso consolidador)
alguns homens revelavam visão ampla, em contraste
com os que a tinham curta. Os de visão ampla me-
Hoje
e
Amanhã
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lhoraram aos de visão curta. Seus methodos eram ás
vezes immoraes, mas não foi a immoralidade dos
methodos que lhes cdeu a victoria e sim a visão mais
larga das publicas e dos caminhos e
meios de attendel-as. E enorme deve ser o alcance
dessa visão em qualquer ramo, para que a industria
assim possa sobreviver a methodos cruQis e desho-
nestos. E' um erro attribuir successo á deshonesti-
dade. Ouvimos falar em homens "muito honestos
para vencer". Isto poderá ser para elles uma reflexão
confortadora, pG>rém não constitue razão para que
falhem.
Os deshonestos vencem algumas vezes, mas uni-
camente quando os serviços que prestam sobreexce-
dem á sua deshone"tidacle. E outras vezes os hones-
tos falham - por lhes faltarem qualidades que sir-
vam de complemento á honestidade. No successo do
deshonesto tudo quanto é tocado pela tara apodrece
e cahe.
Os que não creem na opportunidade encontra-
rão logar dentro de opportunidades que outros crea-
ram; os que não podem dirigir a contento a sua
actividade sempre julgarão possiyel subordinal-a á
direcção de ou trem.
o progresso
Mas, pergunto, estamo-nos adeantando muito
depressa - não apenas no fabrico de carros luas na
vida em geral? Murmura-se por ahi do operario sa-
çrificado nél, engrenagem da tarefa, diz-se que o que
12
Henry
Ford
se chama progresso se faz a expensas disto ou da-
quillo e, ainda, que a dficiencia está destruindo todas
as cousas bellas da vida.
E' facto que a vida está em desequilibrio - e
sempre esteye. Até bem pouco tempo muitas creatu-
ras não tinham uma hora de lazer e naturalmente
agora não sabem como usaI-o. U nl dos nossos gran-
des problemas é encontrar um ponto de equilibrio
entre o trabalho e o lazer, entre o som no e a alimen-
tação, descobrindo-se eventualmente porque motivo
o homem adoece e morre. Voltaren;lOs a isto depois.
Não ha duvida que caminhamos mais depressa
do que outróra. Ou, precisando, que sornos moviàos
,com mais rapidez. Todavia, serão vinte minutos de
automovel cousa mais commoda ou \ mais penosa do
que quatro horas de caminhadas a pé por caminhos
poeirentos? Ao termo da viagem, qual dos dois pro-
cessos deixa em melhor estado o viajante? Qual
lhe deixa mais tempo e mais energia mental? E
breve estaremos fazendo numa hora, por via aerea,
o q.ue hoje nos rouba dias de automoveI. Seremos
então ruinas nervosas?
Mas esta depressão nervosa existirá na vida ou
só nos livros? Muito falam livros da depressão ner-
vosa dos trabalhadores - mas confessam-na elles?
Consultae os que estão a lidar na tarefa da vida,
do operario que viaja de bonde para o seu trabalho
ao homem que atravessa o continente num dia. Ve-
reis attitudes muito diversas. Em Nez de se furtarem
ao que já veio estão a olhar com esperançosa ansie-
dade para o que está vindo. Sempre boa vontadç
Hoje
e Amanhã 13
para o sacrificio do hoje em prol do amanhã. Esta é
a felicidade do homem activo, do que não se encafua
numa bibliotheca, experimentando ageitar o novo
mundo a velhos moldes. Ide ao operario que segue
no seu bonde. Consultae-o. Dir-vos-á elle que, pou-
cos annos atrás, voltava para casa tão tarde e ex:-
hausto que nem animo e tempo tinha de trocar de
roupa - jantava e atirava-se á cama. Agora muda
de roupa na officina, regressa á casa inda de dia,
janta mais cedo e sáe com a familia a espairecer. E
dizendo isso esse operario dirá que o témpo da com-
pressão terrivel já passou. Poderá o homem hoje ser
mais mercantil no seu trabalho, mas o tempo do ve-
lho e exhaustivo mourejar sem fim passou.
Os dirigentes, os homens que do alto estão mu-
dando todas essas cousas, vos dirão o mesmo. Não
estão sendo anniquilados, estão marchando pela es-
trada que o progresso segue e acham mais facil se-
guir com o progresso do que procurar oppor obices
á marcha das cousas.
E justamente é este o segredo: só teem dor de
cabeça os que estão experimentando puxar para trás
o mundo, e enquadraI-o outra vez em suas pequeni-
nas concepções, o que é absurdo.
A palavra "efficiencia" soffre guerra em virtude
de muita cousa que, não sendo efficiencia, se masca-
ra com as suas feições. Efficiencia significa apenas
fazer o trabalho da melhor e não da peior maneira.
E' transportar morro ácima, em carreta, um tronco
de arvore, ao envez de carregal-o a hombros. E' o
14 Henry
Ford
treino do operario e o proporcionar-lhe energias para
que possa ganhar mais e viver com mais conforto.
Os coolies chinezes, que percebem poucos cents por
longas horas de trabalho, não gosam de mais feh·
-cidade que o operarjo americano, possuidor de sua
casinha e seu automovel. Não pa!3sam de escravos,
em quanto que este é um homem livre.
O. que estamos fazendo
Na nossa organização industrial procuramos
sempre augmentar as nossas reservas de força. Va-
mos ás minas, ás cachoeiras, aos cursos d'agua, no
intento de captar fontes de força barata e adequada,
passiveis de se transformarem na electricidade que
vae augmentar o rendimento da machina e do ope-
rario, elevar-lhe o salario e baixar o preço de venda
dos nossos productos.
Entra neste jogo grande copia de factores. E'
preciso tirar o maximo da força, da materia prima
e do tempo - mira que apparentemente nos tem
levado a -campos diversos, como mineração, viação
ferrea, extracção de madeira, navegação. Gastamos
ás vezes milhões de dollares apenas para economisar
algumas horas de trabalho aqui e alli. Mas realmente
só nos dedicamos a cousas directamente ligadas ao
nosso negocio - fabrico de carros.
A energia empregada em nossa manufactura
produz outra energia - a do motor encerrado den-
tro do automovel. Materia prima no valor de 50 dol-
lares que transformamos em 20 cavallos montado
Hoje
e Amanhã
15
sobre rodas. A 1.0 de Dezembro de 1925 tinhamos,
entre carros e tractores, augmentado o mundo com
perto de 300 milhões de cavallos-vapor moveis, ou
cerca de 97 vezes a força das cataratas do Niagara.
O mundo inteiro emprega apenas 23 milhões de
cavallos-vapor fixos, dos quaes para cima de 9 mi-
lhões pertencem aos Estados Unidos.
O facto de dotar o paiz desta energia addicional
é alguma cousa cujo effeito não podemos ainda bem
apreciar, mas estou convencido de que a notavel
prosperidade do paiz em larga se deve a esta
energia addicional que, libertando os movimentos do
homem, tambem lhe liberta e estimula as idéas.
O progresso do mundo está na razão directa
das facUidades de communicação. Nós refizemos o
paiz por meio dos automoveis, e não os possuimos
por €starmos prosperas: estamos prosper0S porque
os possuimos. Não esquecer que não foram elles ad-
quiridos de um bloco, mas gradualmente. O movi-
mento de vendas tem sido gradual - e de facto
nunca fomos capazes de superar os pedidos, sendo
que com a nossa capacidade de dois milhões
por anno mal poderiam os satisfazer ás necessidades
dos nossos freguezes se cada um quizesse adquirir
um novo carro de seis em seis annos.
Isto é um aparte. A prosperidade geral do paiz,
a despeito dos máos annos agricolas, está em directa
relação com o numero de carros em uso. Cousa ine-
vitavel, porque não é passiveI injectar tanta energia
moveI num paiz sem que se sintam os effeitos enl
todas as direcções. Entre outras cousas, e de lado
16 Henry Ford
a sua funcção essencial, o automove1 familiariza o
povo com o uso da energia move1 - ensina-lhe o
que força é, e o põe a circular fóra da concha onde
vivia encaramujado. Antes do automovel muita gen-
te vegetava até morrer sem se afastar de casa mais
de 50 milhas. Isto, porém, nos Estados Unidos, já
se perde no passado, embora inda seja o presente de
outros paizes. Quando os representantes da Russia
vieram comprar-nos tractores, dissemos-lhes:
- "Não. Primeiro deveis adquirir automoveis
e deixar que o vosso povo se habitue a lidar com
machina e fprça, e a mover-se ,com desembaráço. Os
autos vos trarão estx:adas e tornarão possiveis a re-
messa dos productos dos campos ás cidades.
Assim fizeram elles, comprando alguns milhares
de autos, e agora, annos depois, passaram a adqui-
rir tractores em quantidade.
A verdadeira concepção da industria
A grande questão em tudo isto não é que o auto-
moveI. otl o que seja, se torne bom e barato devido
a um plano de producção efficiente. Isto o sabemos
de ha muito. O automovel é particularmente impor-
tante pelas razões dadas, mas o que sobreleva a tudo
é a descoberta duma nova concepção de industria
que torna sem sentido os termos "capital", 'traba-
lho' e "publico".
Por muitos annos OUVilTIOS a expressão "lucro-
causa" significando que alguem, chamado capitalista,
Hoje
e Amanhã
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provia-se de machinario, empregava homens (isto é
trabalho), pagando-lhes o minimo possivel, afim de
manufacturar cousas para vendeI-as, pelo maior pre-
ço possivel, a uma collecção de creaturas chamada
"publico". O capitalista vendia a este publico e em-
bolsava os lucros. vinha o publico
do ar e tambem tirava o seu dinheiro do ar, devendo
ser protegido contra o capitalista espoliador. Tam-
bem os operarios tinham de ser protegidos, e alguem
inventou a noção do "salario indispensavel ávida" ...
Tudo isto provinha dum falso conceito do processo
industrial.
Acanhados negoclOs podem ser conduzidos com
alicerces nesse systema erroneo, mas não o podem
05 grandes, nem os pequenos se tornarão grandes
assim firmados numa theoria que admitte o esmaga-
mento dos seus collaboradores. O facto evidente re-
side em que o publico não vale por uma entidade á
parte. O dono da industria, os operarias e o publico
constituem um bloco uno e, a menos que a industria
possa organizar-se com fito de salarios altos e preços
baixos, destroe-se ella a si propria, pela limitação
do numero de compradores. Os proprios opera-
rios devem ser os seus melhores consumidores.
Q progresso real da nossa empreza data de 1914,
quando elevamos o salario minimo de dois doBares
e pouco a cinco dollares, porque então augmentamos
o poder acquisitivo do nosso proprio povo, o qual
por sua vez fez o mesmo a outro povo e assim por
deante. Esta idéa de alargar o poder acquisitivo por
18
Henry
Ford
meio ~ salarios altos e baixo preço de venda é que
está determinando a prosperidade do nosso paiz.
Constitue a razão fundamental da nossa empre-
za e chamamol-a "salario-causa" (wage motive).
Mas altos salarios não podem ser pagos a quem
se limita a pedil-os. Se os salarios subissem sem
baixa correspondente no preço de custo, o poder
acquisitivo não se alargaria. Não ha "salario de vi-
da", pois, a não ser que um equivalente em trabalho
seja dado, nenhum salario pode ser alto bastante
para que um homem viva delle. Tambem não pode
ha\-er um salario standard. Ninguem no rr ... .1ndo é
bastante sabio para fixar um salario padrão. A pro-
pria idéa de um salario padrão presuppõe que a
invenção e a organização tenham attingido seus ul-
timas limites.
Peior mal não se pode fazer a um homem do que
pagar-lhe um alto salario em troca de pequena som-
ma de trabalho; este salario alto aggrava o preço das
cousas e põe-nas fóra do alcance desse homem. Tam-
bem muito falso é dizer-se que o lucro consequente
ás invenções que baixam o custo pertença ao ope-
rario. Vem isto de outro erroneo conceito do indus-
trialismo. Lucros pertencem, precipuamente, ao ne-
gocio, do qual os operarios são um dos componentes
associados. Se todos os lucros lhes fossem inverti-
dos, os melhoramentos, de que adeante falare"i, tor-
nar-se-iam impossiveis. Os preços augmentariam, o
consumo declinaria, e o negocio morreria. Os lucros
hão de ser empregados de modo a promover a baixa
do preço de custo, e as vantagens resultantes da
Hoje
e
Amanhã
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baixa do custo hão de, em larga escala., caber ao
consumidor, o que vale por augmentar os salarios.
Isto pode parecer complexo, mas sua applicação
não nos trouxe nenhuma' difficuldade.
A grande industria
Para effectuar economias, em material e for-
ça, suppnmlr o desperdicio e assim
realizar o "salario-causa", precisamos tt:lr grandes
negocios - cousa que não significa, necessariamen-
te, negocios centralizados. Nós estamos descçntrali-
zando.
Nenhum negocio fundado no "salario-causa",
e unicamente animado da idéa de utilidade geral,
pode deixar de crescer. Não pode crescer até um
certo ponto e parar; tem que cres·cer sempre ou
decahir. Grandes negocios, sem duvida, podem ser
creados da noite para o dia, pela fusão por compra
de um grande numero de pequenos negocioso O re-
sultado poderá ser algo vultuoso, um mostrengo,
um museu de negocios, muito proprio para denun-
ciar que curiosas cousas consegue o dinheiro. Gran-
de negocio não é demonstração de força do dinheiro
e sim demonstração de força de utilidade geral.
Grandes negocios devem significar os meIOS
pelos quaes os Estados Unidos ganham a vida. To-
dos os nossos negocios, por mais que se fragmen-
tem, são inevitavelmente grandes. Grande paiz que
somos, com grande população e grandes necessida-
des, sempre appellaremos por grande producção e
20
Henry
Ford
grandes supprimentos. Não existe cousa trivial que
não constitua aqui gran.de industria. Bicyc1etas, por
exemplo: mais estão sendo feitas do que quantas
se fizeram no apogeu da sua industria. E os nego-
cios teem de crescer mais e mais, viâto que de tudo
temos supp1;imento insufficiente e caro.
Funcção dos negocias
Tome-se o caso dos lavradores de Sudbury,
Mass., a menos de duzentos annos atrás. Conserva-
se o relatorio da sua reunião para resolver sobre as
medida$ tomadas pelos "mercadores e outros habi-
tantes de Boston afim de reduzir os exorbitantes
preços das cousas necessarias ávida". O café era
tido como razoavel a 20 dollares a libra; sapatos de
homem a 20 doBares o par (aos de mulheres não ha
menção, desnecessarios que seriam, talvez) ; tecidos
de algodão, por hora da morte; um alqueire de sal,
valor de uma pequena fortuna.
Que é que determinou a mudança dos preços
naquelle tempo e os determina hoje? Os negocios -
isto é, a organização do supprimento.
Os negocios começaram minimos e cresceram.
N ada de mysterioso nisto. Quando eram difficeis os
transportes e as communidades precisavam de bal-
des ou enxadas, muito mais facil se tornava mandar
fazei-as no logar. Não seriam os melhores baldes,
nem as melhores enxadas, mas eram os mais acces-
siveis. Ter a cousa perto representa um dos grandes
elemc;!ntos do n e ~ o c l ter a cousa perto de quem
Hoje
e A nl U Il hã
21
della necessita. Em tempos mais recuados a praça
era necessariamente a zona da manufactura. A mór
parte dos objectos de uso se faziam na cidade. To-
dos os commercios cresciam em redor dos correios.
O ferreiro forjava os instrumentos agricolas. O te-
celão fabricava a maior parte dos tecidos não feitos
em casa. UnIa .çidade era quasi uma communidade
ql1e se bastava a si propria.
Disto não se conclue, que todos estes serviços
fossem os melhores e os mais baratos. Qualquer ven-
deiro dir-vos-á que "manteiga alli da fazenda" não
significa cousa nenhuma. A manteiga depende da
mulher do fazendeiro que a faz. A melhor e a peior
podem vir da mesma casa. As fabricas de hoje dão
uma qualidade de manteiga em media muito supe-
rior. Era natural, pois, que, á medida que o paiz se
expandia e os meios de permuta entre as communi-
dades se tornavam mais maneiros, e ainda porque
os transportes se aperfeiçoavam, os melhores for-
necedores obtivessetn um sempre crescente campo
de penetração.
Por este motivo llluitas das nossas grandes in-
dustrias cresceranI no Oeste, que era onde mais se
avultava a população. Quando a industria penetrou
no campo, cresceu ás maiores proporções nas zonas
ricas de materia prima, minerios e combustiveis. A
industria alimentar estabeleceu-se na zona interme-
dia entre os consumidores e os productores de ali-
mentos. Estas grandes organizações de serviço sur-
de modQ natural e Fel-as o povo. Um
22
Henry Ford
ou mais homens lançam a semente mas só o povo
as faz germinar e desenvolver-se.
E hoje, como o paiz cresceu, assim paralella-
mente avultam os negocios, e vamos aprendendo
muita cousa. Vamos aprendendo que negocio é
sciencia para a qual todas as outras contribuem. Es-
tamos na grande éra de transição qa vida penosa
para a vida confortavel. O que a ardua experiencia
nos ensinou acerca dos meios e caminhos relativos
a esta transição, constitue a materia deste livro.
Capitulo II
HA LIMITES PARA OS GRANDES
NEGOCIaS?
Si o operario tornar-se apto para adquirir os
productos que fabrica, isto é, si predominar na in-
dustria o "salario-causa", serão inevitaveis as gran-
des corporações industriaes.
A idéa de pôr o operario em situação de adqui-
rir o que produz tem suas restricções e applica-se
principalmente ás cousas que lhe dizem respeito ao
conforto. Ninguem espera que possa o operario
adquirir um orgão de igreja, um navio, um arranha-
céo. Na sua qualidade de operario nada destas cou-
sas lhe seria de uso. Mas o é, por exemplo, a boa
mesa, como tambetn a boa roupa, a boa casa e uma
razoavel dose de divertimentos para si e sua familia.
Não pode o operario conseguir taes utilidades
por meio de nenhuma combinação politica ou atra-
vez de nenhulna organização de troca, ao molde das
uniões laboristas, porque as cousas não são creadas
pelas leis nem pela troca - facto que não parece
sufficientemente reconhecido. Muitos lideres laboris-
tas estrangeiros, que me teem visitado, sem excep-
24
Henry
F () r d
ção só falaram de politica, do mesmo modo que os
lideres industriaes só falaram de politica defensiva.
O principal interesse delles, ao que parece, reside
em encontrar caminhos e meios para ajustar os des-
accordos entre o capital e o trabalho. Quem muito
medita sobre esses termos começa a pensar em. cir-
culo e. por fim, si é operario, Yae-se afastando da
trilha da producção e. si é lider laborista, acaba an-
sioso por fechar o escriptorio e sahir para a rua, a
discursar.
Idéas falsas
Inpculou-se no povo o lnedo ás grandqs corpo-
rações. As razões desse temor devem-se em parte
a incomprehensão e em parte ao receio do mono-
polio. Tamoem muito amedronta o poder do dinhei-
ro, confundindo-se grandes industrias com grande
força de dinheiro. Idéas atrazadas, fóra dos tempos.
Idéas ainda da epoca em que, valendo um milhão
de dollares por grande fortuna, acceitava-se que ne-
nhum homem podia usar honestamente de tal som-
ma. Quem quer que inicialmente deu curso a esta
idéa mostrou-se bem curto de visão; do contrario
reconheceria quanto mais facil é ganhar dinheiro
honesta do que deshonestamente. O unico ponto im-
portante nisto está em que se confundem grandes
industrías com cousas de dinheiro, em' vez de tel-as
como instrunlento de serviço social.
Hoje
e
Amanhã
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Lideres naturaes
Permittam-me relembrar que tratamos do dia
de hoje, e não do de hontem ou do de amanhã. O
mundo sempre necessitou de chefes. Os chefes de
hontem eram m,ilitares ou politicos. Pouco importa
a forma de governo que um pai? tenha; o paiz pros-
pera quando possue chefes e falha quando não os
tem. A direcção militar ou politica jamais foi crea-
dora. Só se consideravam victoriosas as emprezas
militares ou politicas quando destruiam qualquer
cousa já creada. Mas não ha nenhum interesse em
deblaterar contra o passado. Os lideres antigos se
riatll sem duvida os lideres necessarios no momento.
Os tempos mudaram e hoje a liderança politica ou
militar não pode servir tão bem aos povos como a
liderança industrial.
A razão do descredito da direéção politica está
no habito em que cahiram os povos de pedir a ella
o que só a industria pode dar. E' o que não compre-
hendem os reformadores profissionaes. Julgam que
á politica é dado fazer o que só cabe á industria, e
propõem regulamentações de preços, disto e daquil-
lo, certos de assim conseguirem a prosperidade.
Ha (3 desejo da prosperidade decretada por leis
- e é natural que seja assim, dad,a a idéa geral que
vê o trabalho como o castigo' da vida. Quem pensa
com acerto, entretanto, sabe que o trabalho vale pela
$alvação g;<.l. raça - moral, physica e socialmente.
26
Henry
Ford
Trabalho e prosperidade
Dá-nos elle mais que a subsistencia: dá-nos a
yida. De algum modo, porém, a prosperidade - e
ninguem ignora quanto ser prospero - se rela-
ciona taato com os altos preços como com os altos
salarios, e desde que salarios e preços podem, appa-
rentemente (não mais hoje), ser elevados por meio
de leis, nasce a confusão de que as leis possam SUDS-
tituir o trabalho.
Ninguem em nossos dias desconhece que a ver-
dadeira prosperidade se assignala pela reducção de
preços, caminho unico de a nonnalizar em vez de a
conservar em uma situação espasmodica.
" Consideremos uns tantos principios fundamen-
taes. Primeiro: porque precisamos de prosperidade?
Sendo ella a facil e ininterrupta satisfação das neces-
sidades do povo e sendo as necessidades do povo
normaes e varias, e os meios de suppril-as amplos,
a pergunta logica é: Por que haveriamos de viver
sem prosperidade? Ainda nos "tempos duros" temos
tido á mão todos os elementos da prosperidade, don-
de se conclue que soffremos "tempos duros" graças
á má conducção dos negocias. As bases economicas
da prosperidade persistem sempre.
l'vfas os homens prc=cisam ser conduzidos á pros-
peridade. A multidão é de capacidade fragilíma, eK-
cepto para destruir. Nem todas as creaturas são
yolnntariamente teem que ser instrui-
das. Nem todos comprehendem que o metter intelli-
no trabalho tira ao trabalho o caracter odio-
Hoje
e Amanhã
27
~ o teem que aprender isto. Nem todos comprehen-
tem a sabedoria do bem dispor os meios para um
certo fim, do preservar material (cousa sagrada, co-
mo producto que é de trabalho anterior), do eco-
nomizar o mais precioso dos bens, o tempo; teem
que ser ensinados.
A industria precisa contar com um generalato
- e de altissimo valor. E as grandes corporações
surgem, inevitavQis, como consequencia da liderança
industrial, posta em logar da liderança politica.
Limites do negocio
Até que ponto deve crescer uma corporação?
Ha limites para a sua expansão? Devem ser regula-
mentadas em vista do interesse publico? Quaes os
perigos do monopolio? Devem os monopolios ser
restringidos?
Estas questões recebem resposta de si mesmas,
si observamos como surge uma corporação de utili-
dade geral. Antes de mais nada tem ella de propor-se
á realização de um serviço social, e acompanhaI-o,
e não fazer-se acompanhar por elle. Tudo no mundo,
para ser feito ás rectas, tem que visar unl objectivo
e o tempo gasto em conduzir uma cousa ás direitas
jamais se torna perdido. E' tempo ganho no fim.
Mas aqui me pergunta alguem: Que devo objecti-
var? Responpo: Deveis tomar algo já conhecido e
experimentar fazer tuelhor. E para isso o bom ca-
minho será julgar das necessidades do publico pelas
vossas proprias necessidades.
28 Henry
F o r d
Parti, então, de onde estiverdes e deixae que o
publico faça por si proprio o vosso negocio. O publi-
co, € somente elle, crea um negocio.
Si temos hoje pom aço é porque o publico com-
prou aço no tempo em que o aço era defeituoso, per-
mittindo a5sim que os fabricantes o aperfeiçoassem.
Temos bons transportes porque o povo de boa von-
tade pagou transportes máos e permittiu que o sys-
tema se aperfeiçoasse. Possuimos optimos automo-
veis porque o povo os adquiria quando ainda no
estagio experimental. Temos os variados productos
do petroleo porque o povo comprava e queimáva pe-
troleo crú, possibilizando assim a expansão ulterior
da industria do oleo.
Desde qtte é o publico que crea as industrias,
a obrigação maior das industrias se estabelece para
com o publico, visto como os que nellas trabalham
fazem parte do publico. Isto responde a um ponto
fundamental: - para quem cabem os lucros dos
melhoramentos introduzidos?
Supponha-se uma industria que; graças á sua
efficiencia, consegue reduzir os preços de venda.
Essa industria transfere aos consumidores os lucros
ach'indos do seu aperfeiçoamento. Si um artigo se
produz por um dollar a menos do que antes, um dol-
lar deve ser abatido no preço de venda. Por este
processo crescerá sempre o numero de compradores
e, mais haverá conlpradores, mais c!:,escerá a indus-
tria. E mais crescerá ella, mais se habilitará a redu-
zir os preços - e assim por deante.
E' obvio que, por efficiente que seja a idéa da
H oj e
e Anlunhâ
29
producção economica, não poderá uma industria
crescer, si com isso não se beneficia o publico. Sup-
ponde que o doBar economizado no custo de pro-
ducção vae para a conta de lucros e o preço de venda
permanece o mesmo. Nenhum augmento traz isto
para o volume do negocio. Fazendo, porém, que o
publico participe do lucro obtido, ha para elle um
beneficio immediato, que logo reage sobre a indus-
tria. Preço mais baixo, industria augmentada, mi-
lhares de homens empregados, salarios augmenta-
dos, lucros accrescidos. Nada se dará, todavia, se
invertermos todo o lucro nos salarios. Para uma
familia de operarios composta de cinco pessoa.s, mais
lucro existe na baixa de preço das cousas do que
no .augmento da paga do chefe. Este augmento vem
por meio do augmento da industria, e nenhuma se
augmenta si não houver baixa de preços para o pu-
blico.
A industria benefica
o trabalho é mais do comprador do que do ven-
dedor. O eixo -da roda deve ser a acquisição. Favo-
recei, facilitae a acquisição por parte do publico. Isto
gera trabalho. Produz salarios. Fornece margens
para a expansão do serviço social.
A carga toda está nos hombros da direcção,
porque o trabalho funcciona sob qualquer systema.
Pouca ou nenhuma mudança ha numa officina, caso
se sigam os melhores methodos ou se obtenham os
melhores resultados dos ma.teriaes e do trabalho dos
30 Henry
Ford
homens: um dia de trabalho é sempre a mesma
cousa. A differença entre os dias de trabalho reside
no valor- da producçio, índice que só depende da
direcção.
Tomemos um negocio que tenha prosperado sob
esta politica de serviço social. Não se basta elle a
si proprio - depende de outros, aos quaes compra.
Estes fornecimerttos se veem ameaçados. A má
recção industrial dos fornecedores de materia prima
dá origem a greves que trancam o supprimento. Ou
a antiquada de sobrecarregar os preços im·
pede o industrial de vender seus artigos a um preço
satisfactorio para ambas as partes. Nesses casos en-
contra-.se elle á mercê dos máos lideres do trabalho,
alheios á sua industria, e dos aproveitadores que o
supprem de materia prima. Obviamente, esse
trial deve proteger seus freguezes, necessitados de
certa mercadoria ao preço que podem pagar e amea-
çados de um preço que não podem pagar.
O negocio - o manufactureiro - tem imme-
diatamente que decidir si fica o seu dever de ser-
viço para com o publico limitado por forças estra-
nhas ao seu controle ou si, pela extensão dos seus
recursos, deve fornecer-se a si proprio do que ne-
cessita. Si dehbera, como nós deliberamos, que tanto
a quantidade como a qualidade do serviço permane-
çanl sob o seu proprio controle, então gradualmente'
adoptará a politica de manufacturar a materia pri-
ma que antes era adquirida, como nos aconteceu. E
com o tomar sob as mãos as fontes iniciaes da mate-
ria prima, vem a prova do serviço social.
Hoje
e Amanhã 31
Muitos lucros parcellados surgem - lucro-car-
vão, lucro-calcareo, lucro-madeira, lucro-minereo, lu-
cro-alto forno, lucro- transporte, etc. Deve o manu-
factureiro tomar para si todos estes lucros e juntal-
os ao do producto final? Não, si é elle um verdadeiro
industrial, orientado pela idéa de serviço; tomará
para si apenas uma parte correspondente a uma re-
muneração legitima. Os lucros subsidiarios transfe-
re-os ao publico. Os primeiros lucros que o publico
lhe deu habilitam-no a retornaI-os ao publico sob
forma de um supprimento estavel, a preços de custo
estaveis e a mais baixo preço de venda. A prova
do serviço prestado por um negocio está no grá( I
de extensão dos lucros transmittidos ao publico . .:\
reducção dos lucros num artigo corresponde a UllI
immediato bel1eficio geral.
Constitue tal industria uma ameaça ou um bem
publico? Deve ser um bem, sob pena de não expaJ'
dir-se. Sendo-o, só se limita pela sua capacidade de
servir ao publico, capacidade que por sua vez só é
limitada pela organização e pelos meios de trans-
porte. Não sentimos difficuldade em dar direcção á
nossa industria porque (como expliquei na Minha
Vida e Minha Obra), não possuimos nenhum sys-
tema rigido. A' medida que crescemos e que um
appendice novo se crea, surge das fileiras o homem
que o ha de dirigir.
O limite real de uma empreza é o transporte.
Si ella tem que transportar seus productos para mui-
to longe, restringe-se na sua capacidade de serviços
e limita seu proprio tamànho: Transporta-5e demais,
32 Henry
Ford
ha excesso de vehiculação de mercadorias, ha desper-
dicio.
Si altos salarios e baixos preços valem por uma
ameaça, então a grande industria constitue uma
ameaça. Quanto á empreza formada, não para pres-
tar serviço, mas apenas vender seus stocks, isso é
nÍateria que estudaremos noutro ponto.
Velha e nova industria
Povos ha que julgam os grandes negocias perigo
sos pelo simples facto de serem grandes. Creem
justa a idéa do velho systema dos pequenos negocias
locaes.
Ha um seculo era assim. Cada sapateiro, em sua
cidadezinha, fazia sapatos - e bons sapatos. O sejei-
ro local fazia todos os carros usados pelos morado-
res.
O ponto a ser frisado, relativo ao estabeleci-
mento da industria, é que, emquanto todas estas
varias idéas novas se desenvolviam, o povo lhes pa-
gaya o desenyolvimento. Nenhum tractor, malha-
deira, autolTIovel ou locomotiva, nenhuma concepção
industrial ainda se desenvolveu sem que o ROVO lhe
pagasse as despezas.
A velha idéa de indust-.ia, consistente em um
homem avantajar-se ao seu concurrente, já não é
tida como a melhor, ainda pelos que a
A idéa americana de industria tem fundamen-
tos na scie:1cia economica e na moralidade social -
isto é, admitte que toda a actividade economica está
Hoje
e
Amanhã 33
sob a tutella de leis naturaes e reconhece que nenhu-
ma forma de actividade affecta de modo tão conti-
nuo o bem estar dos homens, como a industrial. Não
pedimos regulamentação dessa actividade. O publico
por si mesmo a regulamenta.
Monopolio ou supremo controle de mercado-
rias parece uma impossibilidade entre povos ricos e
esclarecidos. Povo que não admittiu uma taxa sobre
o 'chá lá pode admittir controle despotico e absoluto
sobre as cousas necessarias á sua vida? Povo que
libertou seus escravos pode lá escravisar-se? Ao
fabricante de alfinetes esse povo permitte que fabri-
que alfinetes emquanto os fizer bons. Do contrario,
outros virão fazeI-os em seu logar. O controlador
geral é sempre o publico.
Grandes ou pequenos negocios surgem em res-
posta á procura e a procura crea-se em razão dos
serviços prestados. Supprima-se o serviço social e a
procura cessa. Estaoque-se a procura - e que é dos
grandes negocias? Todo o dinheiro do mundG não
pode deter a competição entre os americanos. Fazer
bem uma cousa estimula outros a fazerem-na me-
lhor.
A ___ industria cresce em vista da procura, mas
nunca a sobreexcede. Não é passiveI controlar ou
forçar a procura. Nenhum super-controle existe a
não ser o do publico a reagir conforme o gráo de
serviço que lhe prestam. Um só monopolio é possi-
veI: o que se baseia na prestação dos mais altos
serviços sociaes. Esta categoria de monopolio cons-
titue um bem. Nada de tentativa artificial para açam-
2 • HOjE E AMANHÃ
34
Henry
Fo rd
barcamento; apenas methodo de melhor fazer cir-
cular o dinheiro de todos.
Grandes negoclos e iniciativa privada
Mas, dar-se-á o caso de que o surto das grandes
corporações tranque a iniciativa particular? E sendo
assim, para que lado se virarão os moços?
E' preferivel para um homem empregar-se no
negocio de outrem ou crear o seu? A pergunta se
legitima quando feita com plena sciencia de dois
factos: ha mais portas abertas na industria privada
hoje do que antes; os empregos, como carreira para
um homem, competem com a industria privada.
Os homens passam constantemente de um cam-
po para outro. Em todos os grandes negocios encon-
tram-se homens q ~ veem da industria privada e
vice-versa.
Os motivos da passagem da industria privaDa
aos empregos são varios. Uns se reconhecem inaptos
para o esforço, e mais proprios para serem dirigidos
do que para dirigirem o trabalho alheio, ou ainda
adaptam o seu proprio trabalho ás necessidades sem-
pre em mudança do tempo. E tomam emprego onde
possam servir sob alheia direcção, contando com
uma renda certa e livres de se entregarem a outros
interesses.
Ha os que acceitam emprego por verem nos
grandes negocios modernos o mais largo e convida·
tivo caminho para as suas faculdades. O que leva-
110 j e
e Amanhã
35
riam parte de sua vida a construir, encontram já
con'struido por outros e em condições de necessitar
dos seus serviços.
E' esta a attracção que os niodernos negocios
exercem' sobre os nioços: elles podem nUma
organização cujos dias duros já se passaram e que se
mostra apta a realizar o que elles haviam planeado,
e a realizai-o em escala niais alta, graças á experien-
cia adquirida.
Nos negocios pri\"ados a atmosphera é de com-
ao passo que no emprego é de cooperação.
As grandes industrias modernas progridem em vir-
tude da unificação da energia e do pensamento de
lTIuitos" homens. Formam uma cooperação com base,.
não em preferencias pessoaes ou sentimentalismos,
mas no interesse commum em torno da tarefa a ser
executada.
E as opportunidades para adquirir posição tech-
nica se tornam maiores no emprego do que na indus-
tria privada, por haver maior numero de logares a
occupar e mais larga remuneração. Os salarios entre
nós se tornam cada vez maiores que os lucros da
industria privada. Os que pensam ter a industria
ciume do progresso dos seus empregados estão erra-
dos. Porque a industria só pode desenvolver-se caso
seu corpo de empregados desenvolva tanto talento e
energia como si negociassem cada tun delles por con-
'ta propria. A industria vive do vigor cerebral e phy-
sico dos seus collaboradores. E cada grande indus-
tria necessita de mais e maiores homens do que o
necessitariam numerosos pequenos negocioso Esta
36 Henry
Ford
malOr necessidade traz as maIS amplas opportuni-
dades.
Chegamos a um ponto em que ha maIS cousas
a fazer do que homens para fazeI-as. E foram as
industrias que trouxeram esta situação.
Quando ha mais homens do que opportunida-
des, sobrevem a lucta feroz e deshumana. l\Ias é um
contrasenso em nossos dias admittir que isto seja
da essencia da industria. Da condição em que se
admittia o decrescimo das industrias em yirtude da
concurrencia, passamos á condição em que se atlmit-
te que a competição só as augmenta - já que as op-
portunidades abundam onde outr'ora escasseavam.
Não. As grandes industrias baseadas na idéa de
serviço social regulam o seu proprio evoluir e cres-
cer.
Si se baseam na idéa de dinheiro apenas, então
já o caso é outro.
Ca pi tulo II I
GRANDES NEGOCIOS E
ARGENTARISMO
Os negocios - isto é, todo o lado material da
vida - veem-se ameaçados por duas classes de crea-
turas que se julgam em opposição, embora realmente
façam causa comtnum: o financeiro profissional e o
reformador profissional.
Ambos visam a destruição dos negocios - e
nisto fa2em causa commum. Seus caminhos e obje-
ctivos variam, mas, de mãos dadas, tanto um como
outro procuram destruir os negocios com grande pe-
nCla.
Nada ha a dizer contra o financeiro o homem
que realmente entende de dinheiro e de sua applica-
cação. Nada ainda ha a dizer contra o reformador
que sabe o que quer, conhece os effeitos das mudan-
ças que visa e procura dar ao povo uma chança de
melhorar.
Cousa muito diversa, porém, succede com o fi-
nanceiro profissional, que faz finança pela finança,
sem ter em conta o bem-estar do povo. O reforma-
38
llenry
Ford
dor profissional, egualmente, faz reforma pela re-
forma e para sua propria satisfação, sem um pensa-
mento consagrado ao bem-estar publico.
Estas duas classes constituem· positivamente
uma ameaça. Arruinaram os primeiros a Alemanha.
Os segundos, a Russia. Não ha, pois, escolher entre
ambos.
Trabalhando directamente ou por intermedio
dos politicos, taes homens controlam hoje a Europa.
e são os responsa,,"eis pela sua miseria. A Liga das
Nações e accessofios, COIUO a Suprema Côrte, acha-
se em taes mãos, e sob nenhum dos planos nesses
grernios ideados o povo terá sorte. E em especial
0l?poem-se elles a qualquer plano industrial que vise
o bem publico.
Os povos estrangeiros, que se contentavam de
tonlar sopas de resolução e tratados, estão hoje
aprendendo a desprezar os ensinamentos do finan-
ceiro e do reformador, como nós o fazemos cá. 1\'
nledida que progredirenl no conhecimento dos priÍl-
cipios da verdadeira economia, os povos aprenderão'
que nenhum. nexo existe entre a industria e o argen-
tarismo e que, voltar-se contra a industria para lison-
jear a força do dinheiro, vale por tornar-se méro
joguete nas mãos dos financistas.
o que o doBar não mede
A noção de que o dinheiro é o sangue da indus-
tria (donde, si puderdes controlar o dinheiro, pode-
reiS controlar a industria), tem apparencias de ver-<
Hoje e Amanhã
39
dadcira, em virtude de costumarfilOS exprimir em
doBares o que não é mensuravel pelo dol1ar.
As industrias Ford, por exemplo. Por motivos
de contabilidade e effeitos de taxação, teem ellas
que ser avaliadas em dollares, de accordo com as
p r x ~ s em vigor. D'ahi as grandes sonunas que cor-
rem impressas e as traduzem aos" olhos do mundo.
Em dez homens nove julgam erradamente que em
tal parte possuimos taes e taes sommas em bens de
raiz. Possuimos, sim, nossas usinas geradoras de for-
ça, tornos, prensas, minas de carvão e de ferro etc.
Possuimos o equipamento mechanico necessario ao
fabrico de automoveis e tractores, alem de alguma
da materia prima empregada nelles. O valor de tudo
isto, entretanto, depende da efficiencia da sua utili-
zação. Quem pode dizer quanto vale uma caixa de"
ferramentas para o carpinteiro no seu trabalho?
Tomem-se quatro fornos, cincoenta machinas de
estampar, um systema de transportes, uma duzia de
fornalhas de vidro, um monte de carvão, elevadores,
trucks. barracões, ferro, madeira e areia - o inven-
tario completo de uma fabrica. ::'vlas jamais vereis
inventario expresso assim em cousas. Reduzem-nas
a cifras de dollares, embora não haja dollares alIi.
Ha fornos, machinas, elevadores, materiaes e cons-
trucções, cousas avaliaveis em dollares, mas que in-
trinsecamente valem m.ais que dollares. Assim que,
si encherdes um barracão de dollares, não tereis a
mesma capacidade de producção fi uso do que o en-
chendo de machinas dirigidas pelo espirito de orga-
nização.
40
Henry
Fo rd
Num balanço, todavia, esta capacidade mechani-
ca representa-se em dolIares, e nesta base uma certa
somma de dalI ares é pedida por ella. Mais de um
negocio tem desabado victima de- onus calculados
sob a impressão de que o activo era formado de dol-
lares.
Tomaram-se cousas como dollares, em vez de
tomaI-as com cousas. Temos que aprender a pro-
funda differença que ha entre finança e industria.
Nosso paiz é a terra das grandes industrias. Mas
como já mostrei, as grandes industrias não dirigem,
são dirigidas e estão á mercê da procura do publico.
Admira· como pouca gente sabe distinguir entre
finança e industria.
N o violento periodo da acção laborista o patrão
via-se sempre confundido com o argentario. Todo
erro residia nessa confusão, porque o industrial não
é o capitalista, apenas está sob o seu pollegar. Nos
ultimas annos muitas industrias foram conduzidas
com base em dinheiro tomado de emprestimo, o que
deu ao capitalista um alto controle sobre ellas. Bem
duros dias tem p ~ s s d o o fabricante, mettido entre
o trabalho. hostil e o capitalista rapace! Premido de
cima por juros e dividendos, e empurrado de baixo
pela exigencia de mais dinheiro em troca de menos
'trabalho, poucas chanças tem elle de prestar serviço
social. E vê-se forçado a commetter abusos afim de
enthesourar para o capitalista. Isto está mudando.
A industria não desfaz nos serviços que a finança
pode prestar ao mundo, mas vae-se libertando do
seu dominio. Quando a finança se propõe a servir
Hoje e Amanhâ
41
á industria (sua funcção legitima), então se integra
no apparelhamento util da humanidade como sim':'
pies peça.
Industria e finança
Vinte e CInco annos atrás muito se falou em
grandes industrias. Não o eram. Não passavam dos
nossos primeiros mergulhos no dinheiro, cousa di-
versa de industria porque grandes sommas de di-
nheiro não podem crear grandes industrias. Homens
detentores de dinheiro estagnado, prevendo a appro-
ximação da era industrial, procuraram assumir-lhe
o controle. E por um certo tempo atroaram o paiz
com as suas façanhas. Corretores de dinheiro rara-
mente coincidem ser' bons homens de industria. O
especulador não crea valores. A idéa, todavia, for-
mou-se, de que o dinheiro pode tudo e tudo con-
trola.
Passando em revista o quarto de seculo trans-
acto, poderemos contar as grandes industrias de
hoje que não existiam, industrias que o argentarismo
nã.o poude crear e não pode hoje controlar; isso nos
mostra quão falsa é a idéa desse supremo controle.
Por seculos, com maravilhosa previsão, certos
grupos hereditarios manipularam a mór parte do ouro
do mundo, controlando-o de lado, especialmente na
Europa, onde empregavam a sua força para fazer a
guerra ou a paz. O poder desses homens não residia
no ouro, já que nenhuma força existe no ouro; resi-
dia no controle exercido sobre as idéas populares
42 Henry
Ford
relativas ao ouro. Não ha escravização ao ouro, màs
·sim ás idéas sobre o ouro. O controle do dinheiro
existe - não o controle da humanidade pelo u r ~
,mas o deste por um grupo de argentarios. Por algum
tempo isto valeu pela subordinação da humanidade
ao dinheiro. Hoje, entretanto, com o surto da ver-
·dadeira industria, o dinheiro lentamente se recolhe
á sua posição legitima de um dos raios da roda, não
roda elIe proprio.
Nenhum dinheiro pode hoje controlar o traba-
lhador americano, o creador - o homem que, com
musculo ou cerebro, presta serviço á sociedade, pro-
duzindo.
Isto não quer dizer que dinheiro e lucros não
sejam necessarios á industria. ElIa necessita de lu-
cros (veremos isto adeante) soo pena de deperecer.
Mas quanào alguem tenta conduzir uma industria
com o fito unico do lucro, sem idéa de serviço social,
neste caso tambem perece o negocio, pois deixa de
apresentar razão de ser.
As difficuldades europeas
A razão do lucro, embora a julguem sensata e
pratica, não o é absolutamente, porque, como expli-
quei, traz como objectivo o aggravamento de preços
para o consumidor e a baixa dos salarios, factores
do definhamento e morte do mercado. Isto entra por
muito nas difficuldades européas.
As industrias européas VeelTI-Se largamente con-
troladas por financeiros profissionaes que pouco sa-
Hoje e Amanhã 43
bem de industria. O trabalhador não espera tornar-
se apto para adquirir o que elle mesmo fabrica e vive
agitado pelos reformadores que os deslumbram com
.a perspectiva de mais altos salarios e menos horas
de trabalho. O reformador quer o mesmo que o fi-
nanceiro - alguma cousa em troca de nada - e,
sem o saber, ambos se juntam para destruir na in-
dustria a sua capacidade de serviço social. Por ,isso
tanto falam os europeus na necessidade do com-
mercio exterior. Os mercéldos internos não são cons-
truidos com base em industrias bem dirigidas, donde
resultem salarios altos e preços baixos para o consu-
midor. O operario vê-se reduzido á categori;:t de
consumidor de fraca e restricta capacidade.
Isto não, pode continuar. Já em quasi todas as
partes do mundo demonstramos com as nossas pro-
prias industrias o erro de tal politica. Os operarios
das industrias Ford nos Estados Unidos possuem
mais automoveis do que todos os carros em uso no
mundo inteiro, nosso paiz fÓra. Nenhuma anormali-
dade ha neste facto, nem é elle devido aos nossos
recursos naturaes. Força é cousa que existe em toda
a parte. A Grã-Bretanha está cheia de carvão e que-
das d'agua. Os paizes europeus teem-nos a um e
outras, ou a ambos. E possuiriam ainda abundancia
de materia prima si as barreiras erguidas pela in-
dustria dos financeiros fossem derrubadas. lVlas nla-
teria prima não constitue hoje facto ele tanta impor-
tancia como outróra. Vamos aprendendo a usal-a
menos, graças ao accrescimo de sua resistencia. Dia
virá enl que o ferro e o aço não serão medidos na
44 Henry
Ford
base-toneladas, nlas na base-resistencia. Isto cor-
responde a um dos lnais importantes passos do nosso
desenvolvimento. Tambem vamos aprendendo a re-
utilizar o material já utilizado, como se verá em ou-
tro capitulo.
O motiyo da obsessão européa pela exportação
está em que os reformadores profissionaes, vindos
de cima, destruiram juntos o poder de compra do
povo, forçando a industria a procurar escoadouros
externos. Quer dizer que"depois de sugar o povo a
que pertencem, tentam sugar os demais. lVIas pode
haver um legitimo intercambio entre os povos. Bas-
ta que cesse essa competição mortal que dá occasião
a guerras. Si o mercado interno fôr creado (e em
toda a parte poderá seI-o) o commercio de exporta-
ção torna-se-á uma natural e sadia permuta de bens
que num paiz falta e noutro sobeja. A actual lucta
pelos mercados estrangeiros deve-se em larga escala
á exploração do povo de casa.
o dinheiro na industria
Torna-se claro, portanto, que confundir indus-
tria com o argentarismo é fazer uma cousa de duas,
unindo elementos que naturalmente se oppõem. Uma
industria não serve simultaneamente ao publico e ao
argentarismo. De facto, o argentarismo sempre Vl-
veu t1]ais de especulação ou negocios duvidosos do
que de serviço industrial. Ha signaes, todavia, de
que tal cousa se está corrigindo.
Dinheiro posto em industria como emprestimo
II o j e
e Amanhã
45
sobre o seu activo é dinheiro morto. Quando a indus-
tria só opera com permissão desse dinheiro morto,
seu principal proposito torna-se a producção de ren-
da para os donos do dinheiro. O serviço social passa
a plano secundario. Si a qualidade dos productos tor-
na arriscada esta renda, então deprime-se essa qua-
lidade. Si o serviço social diminue a renda, corta:-se
no serviço social.
Dinheiro que não corre nenhum risco numa in-
dustria e pede sua renda, haja lucro ou não, não é
dinheiro vivo. Não está de cd1"ação no negocio, como
parte integrante; é peso morto e quanto mais cedo
libertar-se delle o negocio, tanto melhor. Dinheiro
morto não constitue um socio trabalhador, sim uma
carga preguiçosa.
Dinheiro vivo entra no negocio para trabalhar
e para commungar com elle. Entra para ser usado.
Participa das perdas. Pertence ao activo até o ultimQ
penny e não ao passivo.
Serviço social
Dinheiro vivo num negocio em regra se acom-
panha do trabalho activo do seu dono. Dinheiro
morto é planta parasitaria.
O principio do serviço social da industria tem
feito caminho nos Estados Unidos, e espalhar-se-á
pelo mundo, refazendo-o. Não foi a guerra, mas a
apparente impossibilidade de restaurar condições
anteriores á guerra, que deu ao homem os primeiros
indicios da lição a aprender. Poderia elle ter acceito
46 Henry
Ford
a guerra como um accidente ou um erro, mas não
estava apto a ver nella o symptolua de uma doença
mais grave. Os velhos embustes falharam. A velha
sabedoria provou sua insensatez: Os velhos moveis
revelaram-se inefficientes. Si perdeu uma sabedoria:
falsa e descobriu o novo principio de sabedoria, po·
demos dizer que o mundo progrediu. ,Seus velhos
principios foram reprovados pela experiencia. O pro·
gresso não se limita por UUIa certa fronteira atravez
da qual passamos, e sim por uma attitude e um am-
biente. Tudo quanto é falso não se desvanece num
dado momento, nem tudo que é verdadeiro apparece.
Alguns homens sabelu e outros sentem que ,a in-
dustria é algo mais do que o dinheiro - e que o di-
nheiro é uma mercadoria e não um poder.
Negocio que começa a fazer combinações finan-
ceiras está morto. A's vezes torna-se necessario (em-
bora com metter dinheiro para expansão
impossivel de fazer-se com os lucros, e podem
surgir emergencias em que dinheiro addicional se
torne necessario, mas isto é differente de financiar
por financiar - usand0 o negocio para fazer dinhei-
ro atravez da finança e não atravez do serviço social.
A tentação da finança
O ponto perigoso de um negocio não é o em
que elle precisa ele dÍl1.heiro; é o em que elle se tor-
na attractivo para ser financiado - para transfor-,
mar-se numa grande pilha titulos. O publico é cre-
dulo e pode facilmente ser engodado. Exemplo: uma
Hoje e
Amanhã 47
certa somma de titulos da Ford Motor Company do
Canadá estava fio mercado e podia ser adquirida a
485 doBares a acção. Alguns exploradores compra-
ram a l g u m a ~ acções e contra cada uma emittiram
um cento do que chamam H acções bancarias", a dez
d911ares. Quer dizer, venderam por mil o que com-
prflram por 485 e o estranho é que o publico não
percebeu a armadilha e pagou dois dollares pel-:--
que poderia comprar por um. Isto mostra como é
facil transformar um negocio bem succedido num
instrum'ento financeiro.
Assim, é justamente quando uma industria se
torna mais ampla que suas mais fortes provações
começam. O argentarismo aponta-lhe o caminho das
largas emissões de titulos, isto é, de lucros em papel
e não em producção, de ganhos obtidos com mistura
d'agua no vinho. Eis a tentação a que muitas reali-
ziLções succumbem sob a illusão de que é negocio.
Mas não é negocio: é apenas meio de suicidio lento.
Descobri, si puderdes, uma só grande industria, pros-
pera hoje, deliberadamente creada e nutrida pelo
argentarismp. Os grandes negocios começam de bai-
xo; 'crescem, porque attendem a uma necessidade e,
se attrahem a attenção do dinheiro, isso só se dá
depois que crescem. Um negocio que consegue avul-
tar até o ponto em que desperta a attenção do dinhei-
ro, deve continuar a marcha por seus proprios pés,
sem admittir a intromissão da finança.
48
Henry
Ford
A industria da divida
Outra rocha onde os negocios naufragam é a
divida. Dever é uma industria. Attrahir gente para
a divida é uma industria. As vantagens do dever
te em-se tornado quasi uma philosophia. Talvez seja
verdade que muita gente pouco se esforça si não
está sob a pressão de dividas. Não são creaturas li-
vres, que trabalham por motivos livres. O motivo
div,ida é basicamente um motivo de escravo.
Quando o negocio penetra na divida obriga-se
a uma subdividida lealdade. As piranhas da finança,
si querem metter um negocio fóra do seu caminho
ou amarraI-o aos seus interesses, começam sempre
por i,ndividal-o. Uma vez nesta trilha, fica o negocio
com dois patrões a servir, o publico e o financeiro.
Será difficil sen-ir a ambos e o publico se yê sacri-
ficado.
A industria livra-se do dominio da finança guar-
dando-se dentro dos seus, proprios lucros. Negocio
que existe como fonte de lucros para gente não em-
pregada nelle, possue bases falsas. Isto .está sendo
tão bem comprehendido que se tornou um credo do
commercio que a utilidade do negocio é toda devida
ao publico e que os lucros cabem, primeiramente, ao
proprio negocio, na ~ m qualidade de instrumento
, de serviço, e depois ás pessoas a cujo trabalho e con-
tribuições de energia deve elle o seu surto.
]'vIas nem a industria, nem a finança, teem forças
para compellir o publico a comprar aqui ou alli. A
intromissão dos financeiros nos negocios industriaes
H oj e e
Amanhã 49
é um record de desastres. Si a finança tivesse o po-
der que os alarmistas lhe emprestam, a America,
como a Europa, estaria repleta de camponezes esfar-
rapados.
Mas aqui o serviço social da industria sempre
foi e sempre será controlado.
o controle do dinheiro
o dinheiro não rege o trigo, o carvão e outras
cousas essenciaes á vida. Como o poderia fazer?
Elle não as creou. Ha duas vezes mais minas de car-
vão abertas do que as poderemos usar. Até pouco
tempo atrás trigo não tinha preço no mercado. O
dinheiro não é dono do carvão dos Estados Unidos.
Não é dono das fazendas e dos fazendeiros. Seguin-
do sua tradicional politica, poderia fazer escassear
o carvão, e no entanto o temos na maior abundancia.
Poderia fazer escassear o trigo e o mundo está abar-
rotado de trigo.
Si podeis sahir de casa e comprar um automo-
vel, não succede o mesmo com uma tonelada de car-
\"ão. Sem embargo, a facilidade de prover-se de car-
vão é maior do que o prompto supprimento de auto-
moveis. Não é materia de controle pelo dinheiro; é
materia de mais sabios luethodos e systemas de ne-
gOClO.
O yerdadeiro camrnho do negocio está em se-
guir a sorte do publico e prestar-lhe serviços. Si ha
<;I.lguma economia na manufactura, dal-a ao publico.
Si ha algum augmento nos lucros, dai-o ao publico
50 Henry
Ford
sob forma de preço baixo. Si ha alguma melhoria
possivel no producto, fazeI-a, custe o capital que
custar, porque é o publico que fornece o capital. Eis
o verdadeiro rumo da direcção dos bons negocios e é
bom negocio isso, já que não ha melhor associação
do que esta, do negocio com o publico. E' mais segu-
ra, mais duravel e mais lucrativa do que a associação
com o poderoso dinheiro.
A melhor defesa de um povo contra o seu con-
trole pelo dinheiro está num systema industrial for-
te, e saudavel bastante para prestar os melhores ser-
viços á communidade.
:Muito se fala hoje de negocios deshonestos, mas
não vem isto de que haja hoje mais negocios desho-
nestos do que antes e sim porque estão fóra dos
tempos. A historia dos negocios e s h o n e s ~ o s nos
Estados Unidos começou, como os methodos immo-
raes da competição, COlll a escassez das opportuni-
dades. N egocios deshonestos nunca se justificam,
porém houve tempo em que eram ex.plicaveis. Hoje
não podem admittir-se, tantas são as opportunidades
para o negocio honesto.
A organização da industria para servir o publi-
co não impede a obtenção de lucros, como poder-
se-ia imaginar. Estabelecendo principios rectos na
nossa vida economic;a não ha diminuição de riqueza,
mas augmento. O mundo é muito mais pobre do que
de"da ser, por ter-se transviado com a illusão do ga-
nho facil em vez de mira exclusiva no serviço social.
Constructores sempre construirão, padeiros farão
pão, fabricantes produzirão, estradas de ferro trans-
Hoje
e
AITlanhã
51
porta!"ão, trabalhadores trabalharão, vendedores ven-
derão e donas de casa comprarão. E por que algumas
destas cousas parecem ás vezes parar? Porque quan-
do as cousas vão indo bem alguem diz:
- Eis o tempo de dar uma grande tacada. O
povo começa a precisar do que temos para vender;
augmentemos os preços, elle está de boas disposi-
ções acquisitivas e pagará mais.
Isto é criminoso, tanto como enriquecer com
uma guerra. Mas vem da ignorancia. Uma parte da
industria comprehende tão pouco as leisessenciaes
da prosperidade, que as epocas de renascimento lhes
apparecem como periodos de rapinagem.
Muitos homens, porém, já são bastante donos
de si 'proprios para saber que rapinagem não é in-
dustria - é morte. Quando todos aprenderem que os
lucros te em que ser ganhos e não arrancados, não
teremos a receiar perturbações do poder do dinheiro
ou outros. Teremos feito a prosperidade continua e
universal.
Capitulo IV
JUSTIFICAM-SE OS LUCROS?
No anno passado pagaram as industrias Ford,
de salarios, cerca de duzentos e cincoenta milhões
de dollares; suas compras responderam, provavel-
mente, pelo pagamento de mais de quinhentos mi-
lhões; as suas agencias e revendedores p·agaram ain-
da mais duzentos e cincoenta milhões. Significa isso
que a nossa empreza determinou o pagamento de
salarios na importancia de mil milhões de dollares.
A partir do primeiro carro levamos perto de vin-
te annos para alcançar o millionesimo, a 10 de De-
zembro de 1915. A 28 de- Maio de 1921 alcançavamos
o de numero cinco milhões. A 4 de Junho de 1924
faziamos o decimo millionesimo. Desde ahi as nossas
usinas passaram a fabricar mais de dois milhões por
anno.
Em 1922 compramos tres vezes tanto como fa-
bricamos. Hoje só compramos o dobro. Erguemos o
sala rio minimo de 5 a 6 dollares por dia. Mas nossos
carros estão sendo vendidos 40 % menos .do que em
54 Henry
1914, quando a nossa tTIedia do salario orçava 1--
2 doBares e 40. Esses carros desceram ele preço
firmeza em quanto o preço da mór parte das cousas
augmentou. O carro ele turismo pode ser comprado
por cerca de 20 cents a libra - lTIenOS que o preço
da libra de carne.
Os lucros revertem para o publico
Os lucros das industrias Ford, deduzida uma
parte relativamente minima, retornaram á industria.
O publico constroe as nossas industrias adquirindo
nossos productos. Subscreve, não acções ou deben-
,
tur:es, mas os artigos de nossa manufactura dados
á venda. E nós sempre vendemos ao publico por um
preço mais alto que o custo ela nlanufactura - em-
bora frequentemente os preços a ponto
de annullar o lucro, o que nos obriga a descobrir
meios reduzir ainda mais o custo, de modo a fazer
surgir noyo lucro.
Cada anno traz o seu lucro. E quasi que todo
elle, cada anno, é no negocio de modo a
habilitaI-o a inda baixar mais os preços e augmen-
tar os salarios. Estes lucros postos no negocio não
são applicados em construcções, terras ou machinas,
pois não consideramos o dinheiro elo publico inver-
tido etTI nosso negocio como HtTI emprego de capital
yencedor de juros. E' dinheiro do publico e, tendo
este bastànte confiança em nossos productos para
tomaI-os em troca do seu dinheiro, creditamol-o por,
esta confiança. Kão nos julgamos no direito de so-
H, .
r J e
e Amanhã 55
carregal-o com juros do seu proprio dinheiro.
Ha todavia lucros e lucros. Ha-os estupidamen-
te fixados e estupidamente usados. Neste caso elles
destroem a fonte donde emanam e se esvanecem.
Um negocio que carr-ega demais no lucro definha
tanto como um negocio deficitario.
Necessidade do lucro
Por mais acceito que seja o artigo que alguem
produz, si é fabricado e vendido com prejuizo a
industria cessa. Nenhuma especie de mercadoria ou
qualidade de serviço social pode remediar o erro
economico de vender CaIU prejuízo. O lucro é essen-
cial á vitalidade do negocio. A' medida que elle cres-
ce o custo de producção cahe. Uma officina sem ser-
viço é mais difficil de manter-se que uma afregue-
~ a d a O dever de cada director de industria é esti-
mular o negocio, tornando passiveI ao povo obter
o que necessita pelo preço que o povo possa pagar.
Um novo surto de confiança e energia no paiz pode,
por metade, ser conseguido g't'aças a uma baixa de
preços, baixa ligada á diminuição do custo. Elevar
preços é taxar o povo mais pesadamente do que o
pode fazer um governo. Boa direcção paga di viden-
dos sob forma de, bons salarios, preços baixos e luais
negocios; só a má direct;ão p ~ d e ver num surto da
ambição nacional apenas Ulna opportunidade para
sobrecarregar o espirita emprehendedor de mais pe-
sadas cargas.
Isto deve ser evidente. Ninguem que fica rico
56
Henry
For-
depressa rico permanece. Metter-se na industria para
ficar rico é um desperdicio de esforço. Nós temos
um typo de industria cujo obj ectivo unico é crear
fortunas pessoaes. Negocio que existe para tornar
rico um homem ou uma fan"lilia, e cuja vida não mais
importa quando isso está realizado, não é negocio
de base solida. De facto, a cupidez habitualmente
provoca tal inferiorização dos prod uctos, tal dimi-
nuição de utilidadé geral, tal augmento de encargos
para o publico, que o negocio murcha antes que te-
nha contribuido para a fortuna de alguem.
Uma organização precisa obter lucros para at-
tender interesses de pessoas que, embora mettidas no
negocio, não trabalham nelle. São os papa-dividen-
dos de fÓra. O que lhes toca não fortalece o negocio;
é tirado delle para ir augmentar a somma da ocio-
sidade que está de fóra. Ha muita ociosidade que se
justifica, não ha duvida.
Olhando d'alto para a nação vemos milhões de
creanças nas escolas; a educação e o lazer dessas
creanças tornam-se possiveis pelo facto de estarem
os homens no trabalho. O mesmo se dá com os ve-
lhos e os doentes. Ha, porém, ociosidade que se não
justifica e que tambem é custeada pelos que traba-
lham.
Remunerações devidas
Um negocio deve remunerar a todos quantos se
ligam a elIe. Deve pagar aos cerebros que o dirigem,
á habilidade productora, ao trabalho constructivo -
Hoje e
A manhã
57
e tambem pagar ao publico de cujo apoio vive. N e-
gocio que não proporciona lucros, tanto ao compra-
dor como a vendedor, não é bom negocio. Si um ho-
mem não se sente melhor comprando do que conser-
vando seu dinheiro no bolso, é que algo está errado.
Comprador e vendedor devem, sob qualquer aspe-
cto, ficar mais ricos após uma transacção, ou a ba-
lança não está certa. Extendei este erro de balança
e arruinareis o mundo. Temos ainda muito que
aprender quanto á natureza anti-social de transações
não justas nem proveitosas para todos.
Industria, entidade organica que emprehende
produzir ou prestar serviço social, necessita de lu-
cros, ou excessos, para conservar a sua vitalidade um
pouco acima do nivel do dreno. Este excesso previne
depressões nas epocas de crise e tam bem permitte
a expansão do negocio. Crescer é necessario ávida
e o crescer requer reservas.
Isto se aphlica ao negocio, não ao seu dono ou
director. Este é pago, como qualquer outro operario,
por fóra do negocio. Os lucros pertencem ao nego-
cio - para salvaguardai-o em sua missão de propor-
cionar serviço social e permittir o natural crescimen-
to. A principal consideração é o negocio - entidade
que dá emprego a productores e fornece cousas ott
serviços de que o publico necessita.
O principio de serviço sócial requer que os lu-
cros sejam medidos unicamente pela legitima repo-
sição e necessaria expansão. São estes os limites -
limites flexiveis, porém l i m i t s ~
Henry
Ford
Pseudos pengos da expansão
Ouvem-se ás vezes queixas contra a expansão,
dada como yirtualrn.ente perigosa. Si a expansãõ é
emprehendida com o objectivo de serviço social, o
perigo é não expandir-se sufficientemente, como já
"imos noutro capitulo. Só ha a receiar os nego cios
que não estão se expandindo porque esses é que não
estã'J pre::;tando serviço social.
TOITlemos a nossa empreza. Como temos usadd
dos nossos lucros? Que temos feito d? dinheiro do
publico -: Qual tem sido a nossa gerencia?
o nosso caso
A partir de 1921-22, quando foi escripta Minha
Vida e Minha Obra, mais que dobramos nossa ca-
pacidade procluctiva de carros e tractores. Difficil-
mente fabricamos uma só peça do mesmo modo e
com o mesmo material do começo. Passo a passo al-
cançamos as fontes de materia prima. Mas nosso
negocio é o motor e nada fazemos que não se rela-
cione a elIe. Com a Ford Motor Company of Canadá,
existem agora 88 fabricas, das quaes 60 nos Estados
Unidos e 28 no estrangeiro. Nenhuma delIas fabrica
um auto moveI completo. Das fabricas americanas 24
são exclusivamente manufactor as e 36, de monta-
gem ou mixtas.
Nossas principaes fabricas no estrangeiro estão
em Cork, na Irlanda e em J\Ianchester. Temos fabri-
cas de montagem, algumas tambem manufacturan-
H oje e
Alnanhã
59
do, em Antuerpia, Barcelona, Bordéos, Buenos-Ai-
,res, Copenhague, Montevidéo, Pernalnbuco, Rotter-
dam, Santiago do Chile, São Paulo, Stockolmo,
Trieste, Berlim, l'vlexico, Yokoama e Havana. A
Ford Motor Com.pany o.f Canada tem filiaes em
Ford, Ontario, Calgary, l'vIontreal, Regina, São João,
Toronto, Vancouver, \Vinnipeg, Porto, Izabel (Sul
Africa), Geelong (Australia). As companhias filia-
das são a Ford Motor Company of Australia; com fi-
liaes em Geelong, Brisbane, Adelaide, Sydney, Porth
e Hobart, na Tasmania; a Ford Manufactury CO:iTI-
pany, com fabrica central em Geelong, na Austra-
lia; e Ford Motor Company da Sul Africa, em Porto
Isabel. Nossas fabricas nos Estados Unidos são em
Banner Fork, Dearborn, Duluth, Flat Rock, Glass-
mere, Green Island, Hamilton, Highland Park, Hol-
den, Clayton, Iron l\iountain, L' Anse, Lincoln,
Northville, Nuthallburg, Pequaming, Phenix, 'Ply-
mouth, Rouge, Stone, Twin Branch, Kearny, Water-
ford, Ypsilanti e Chester. As fili.aes são em Atlanta,
Buffalo, Cambridge, Charlotte, Chicago, Cincinnati,
Cleveland, Columbus, Dallas, Denver, Des Moines,
Detroit, Fargo, Houston, Indianopolis, Jacksonville,
Kansas City, Los .Angeles, Louisville, Memphis,
Mi1waukee, Twin City, N e
W
Orleans, N eW York,
Norfolk, Kearny, Oklahoma City, Omaha,
phia, Pittsburgh, Portland, Oregon, São Luiz, Salt
Lake City, São Francisco, Seattle e Washington.
Estamos com a seguinte linha de industrias, to-
das relacionadas á dó motor: aeroplanos, mineração
de hulha, manufactura de coke, de
60 Henry
Ford
manufactura, fabrico de instrumentos, fabrico de
machinario, de trucks de carros e tractores, de vidro,
couro artificial, fios de cobre, fordite, tecidos, bate-
rias e geradores, papel, cimento, carrocerias de auto,
força electrica, agua filtrada, farinha, cinema, hos-
pital, agricultura, radio, photographia,
forja, cultura de linho, turbinas, locomotivas electri-
cas, industria moagem, olarias, distillação
de madeira, productos hydro-electricos, armazens de
seccos e molhados, de calçado, de fazendas, de car-
ne, estradas de ferro, escolas, navegação, maritima
ou em lago, tractores e autolnoveis.
Este extenso programma, que tanto diz respeito
á producção como á distribuição, tornou-se possivel
porque o publico acceitou os nossos productos e ne-
nhum passo foi dado fóra dos seus interesses e dos
do salario. Nada construímos por construir. Nada
compramos por comprar. Todas as nossas operações
gyram em torno da manufactura de motores.
Sempre visando o artigo unico
Si os que nos vendem se recusam a manufactu-
rar por preços que, de accordo com as nossas inves-
tigações, nos parecem acceitaveis, julgamo-nos no
dever de manufacturar nós mesmos. Em muitos ca-
sos temos ido ás fontes primarias; noutros, manufa-
cturamos apenas para nos familiarizarmos com a in-
dustria de modo a nos soccorrermos deUa· em caso
de necessidade. A's vezes, tambem, fabricamos ape-
nas para verificar os preços que estamos pagando.
H oj e e Amanhâ
61
05 mesmos principias nos governam na distribuição.
Temos navios de lagos e de mar, além de uma estra-
da de ferro, de modo a podennos medir os encargos
do transporte. Tudo isto em beneficio do publico,
porque, fóra a estrada de ferro que constitue uma
corporação á parte, cada ramo de industria immis-
cu e-se na industria tronco e as economias resultan-
tes formam um lucro eventual para o publico.
Temos fabricado, por exemplo, pneumaticos de
borracha, embora nossa intenção actual não seja de
nos mettermos nessa industria. O preço da borracha
pode altear-se desordenadamente, e nesse caso esta-
remos livres de paralysar nossa producção por falta
de pneumaticos.
Compram.os pelo custo e não aos preços do mer-
cado, e temos a certeza de prestar um serviço ao
publico procedendo assim; do contrario não segui-
riamos essa pratica. Em nossa producção impomo-
nos tarefas, fixamos arbitrariamente os preços, e em
regra conseguimos alcançaI-os. Si fossemos accei-
tando as cousas como as temos, nunca teriamos feito
nada. Adoptamos a mesma pratica em relação aos
nossos fornecedores - e invariavelmente tambem
elles prosperam.
Nossa influencia sobre os fornecedores
Um caso especifico. Antes que esta politica fos-
se adoptada em sua plenitude, um fabricante fazia
para nós um certo typo de chassis por um certo
62 Henry
Ford
preço. Não fabricaya em grande escala e o seu u ~ r o
e"a insignificante. Calculaluos e vinlos que esses
chassis deviam ficar pela metade do preço e impuze-
mos-lhe este preço. Foi a primeira vez que uma
real pressão, visando preço baixo, se fez sentir sobre
esse fornecedor, que julgava não ser passiveI fazer
tnais do que fazia, COlHO o seu pequeno lucro o in-
dicava. E' urna das singularidades da industria citar.
se o que foi feito no passado como prova do que
se pode fazer no futuro. O passado é uma simples
experiencia de que devemos tirar proveito.
O fabricante, por fim, concordou em manufactu-
rar pela metade do preço anterior - e pela primeira
vez na vida aprendeu o que é industria. Teve de au-
gmentar os salarios para conseguir trabalhadores de
primeira ?rdem. Sob a pressão da necessidade viu
que podia fazer reducção aqui, alli e acolá e a con·
clusão . foi que passou a ganhar mais do que antes,
com grande melhoria de paga aos operarios.
Frequentemente ouve-se dizer que a competição
fórça o corte nos' salarios, mas não é assim. O córte
dos salarios não reduz o custo, augmenta-o. A sen-
da unica que conduz á reducção do preço de custo é
pagar altos preços por alto gráo de trabalho appli-
cado em industria que preste serviço social.
Desenvolvimento da empreza
Os desenvolvimentos basicos mais importantes
temol-os feito no emprego sempre maior da força,
tanto do carvão como da agua, e com o remate da
Hoje e
Amanhã 63
usina de energia Fordson, antiga River Rouge, tere-
mos alcançado uma producção de 500,000 cayallos-
vapor. Todos os nossos passos visam obtenção de
força. Os outros desenvoh"imentos de vulto teem
sido a mineração do ferro e da hulha, a extracção de
madeiras, a extensão da usina Fordson a conversor
de materia prima e residuos, a construcção dum la-
boratorio em Dearborn, a compra da Lin:coln Motor
Company, a expansão dos meios de transportes por
agua, terra e ar, a construcção de novas fabricas
pelo mundo afóra, e o ingresso nas industrias do
vidro, do cimento, do linho, do couro artificial e de
numerosos compostos chimicos. A utilidade publica
desta expansão revela-se pelo facto de somente dois
sub-productos não serem utilizados por nós. Cimen-
to, por exemplo. Fazemol-o de escorias, mas não o
produzimos que baste ás nossas necessidades. Os
dois productos de que não utilizamos e vendemos
são de amonea e benzol. Deste usamos ape-
nas uma parte e vendemos o resto, sendo tamanha a
procura que a sua venda não constitue problema. Oi-
tenta e oito estações de força supprem-se do nosso
benzol, empregado ainda nos aeroplanos. Vendemos
o carvão trazido nas viagens de retorno dos nossos
navios dos Grandes Lagos unicamente para diminuir
o custo dos transportes.
Algumas destas extensões teem sobrevindo co-
mo medidas de emergencia. A manufactura do vidro,
por exemplo. O automovel evoluiu ,de carro aberto
de verão para carro fechado, porem pouca gente
sabe que perturbação trouxe esta mudança para a
64 Henry
Ford
obtenção do vidro necessario, a nós que empregamos
a quarta parte do vidro feito no paiz.
Fabrica de vidro
Esse material escasseou e tivemos de adquirir a
fabrica da Allegheny Glass Cy. perto de Pittsburg,
que tinha a reputação de produzir vidro de primeira
classe. Ao tempo dessa compra, tres annos atrás,
fabricava ella seis milhões de pés quadrados de vidro
por anno, dos quaes 30 % não se adequavam ao auto-
moveI. Agora, apenas com um discreto augmento de
machinas e usando melhor as velhas, estamos produ-
zindo oito milhões de pés, dos quaes só 10 % impro-
prios para o nosso uso. A principal mudança que
introduzimos foi elevar a seis dollares o salario mi-
nimo.
N esta fabrica, para evitar que se interrompa a
producção, conservamos os velhos processos em vez
de adoptar os novos, estabelecidos em River Rouge.
Si o leitor comparar os velhos processos com os
novos, descriptos no capitulo seguinte, terá uma idéa
das economias que podem ser feitas em todas as
industrias quando a vontade de romper a rotina é
grande.
A fornada ou mistura é mexida em cadinhos de
argilla, com capacidade para trezentos pés de vidro
de pollegada e meia. Quando o vidro está em ponto
de vasar, o cadinho é removido da fornalha a guin-
daste e levado a uma mesa de lanço, onde seu con-
teudo é derramado e acamado na espessura deseja-
Hoje e
Amanhã
65
da. A lamina é então aquecida a temperatura que
permitta o manejo. Segue-se depois o polimento.
Esta operação se faz em taboleiros circulares,
sobre os quaes se fixam com argamassa as laminas
a polir. Nas machinas que executam este trabalho
empregam-se sete gráos ele materias raspantes, des-
de a areia bruta até o esmeril. Obtido o polimento,
passam as laminas á secção de brunir, onde grandes
pranchas de feltro dão-lhes o brilho necessario. Tudo
muito lento e eivado de desperdido.
A fabricação de cadinhos de argilha para fundir
o vidro é o unico processo archaico em vigor na em-
preza Ford. Faz-se á mão e com os pés. Primeira-
mente os operarias amassam a argilla com os pés
descalços até uniformizar-lhe a consistencia e eli-
minar os corpos estranhos. Depois amoldam o barro
a mão, camada por camada, com muito cuidado para
evitar lacunas. Ainda não se inventou apparelho que
fabrique vasos de barro equivalentes aos feitos por
processo manual. Em nossa fabrica noya resolvemos
o problema de modo muito simples: supprimindo
taes cadinhos.
Afim de completar a fabrica de Glassmere tive-
mos de adquirir uma pedreira em Cabot, 18 milhas
distante. Com 40 homens extrahimos, trituramos e
carregamos ele 8 a 10 vagões de silica por dia. Utili-
zamos os homens que antes trabalhavam a
intervallos na tarefa da cantaria: mas parecem ou-
tros homens, depois do salario de 6 dollares. Quasi
todos inexpertos - mas já decidimos que o obreiro
nãb necessita de perícia. Vivem bem. Acodem á tare-
J - HO]I!. II :.
66 Henry
Fo rd
fa, trabalham, cuidam de si; muitos abandonaram as
baiúcas em que viviam e estão construindo suas
casas. E o rendimento humano, como dissemos, é
duplo sob o novo methodo. O custo de producção
fez-se baixissimo, já que quasi todo o trabalho o
realizamos a machina.
Uma bateria de perfuradoras abre na pedreira
as furas por onde entra a qynamite de desmonte. A
pedra em fragmentos é recolhida e posta em vago-
netes de aço por meio de pás movidas a vapor. Em
seguida tractores levam os vagonetes á secção de
britagem e moagem. Depois de moida a pedra é
peneirada e lavada, descendo por gravidade aos ca-
minhões que a a Glassmere.
Inda ha mais: perfeita limpeza na pedreira e na
britagem. Isto constitue ponto sério no nosso pro-
gramma. Todas as operações teem que realizar-se
com aceio, e se alguma machina tende a produzir
pó, como as de moagem, são resguardadas de modo
a corrigir-se esse inconveniente. Não temos o direito
de expor os operarios ao pó, nem tão pouco de em-
poar os arredores, encrostando as arvores.
"Imperial mine"
Para ter á mão uma fonte de minereo, e assim
economizar transporte, adquirimos a Imperial Mine,
em Michigamme, a 80 milhas ao norte de Iron Moun-
tain, céntro da nossa exploração de madeiras.
Havia dez annos que estava parada mas pare-
ceu-nos rica e em boa situação. Nesse primeiro en-
Hoje e A manhã 67
saio de mineração seguimos a pratica de sempre,
collocando- á sua testa um homem bem senhor dos
nossos principios e methodos.
A primeira cousa feita foi uma limpeza a fundo.
O abandono tornara a mina um hervaçal. A tradi-
ção exige que todas as minas sejam sujas, mas não
nos conformamos conl isso: a sujeira é um luxo
muito caro. Depois mettemos mãos ao trabalho, e
fomos aprendendo á proporção que avançavamos.
O principal era que os mineiros ganhassem bons
salarios e 'viyessem com folga e conforto, ao mesmo
tempo que nós obtivessem os minereo por custo mi-
nimo - o que breve foi conseguido.
O acampamento mineiro parece uma colonia
suburbana. Todo pintado de côr clara, conserva-se
sem a menor mancha. Não o pintamos para esconder
sujeira; pintamol-o de branco e cinza claro para que
a limpeza se torne norma, e não excepção. As viven-
das que existiam eram más e, embora não tencionas-
semos nos metter na industria de edificação, tivemos·
de fazeI-o, não só nas minas como na exploração
florestal. Construimos um pavilhão para os soltei-
ros, com dormitorios autonomos, e casas portateis
para os casados, substituidas depois por pequenos
hoteis. Alugamol-as a 12 dollares mensaes, luz ele-
ctrica inclusive. A unica escola existente situava-se
numa granja. Construimos para ella pro-
prio; montamos ainda um armazem de primeira or-
dem, no qual tudo se vende pelo preço do custo.
Passamos a pagar desde logo o nosso salario
corrente, o que nos attrahiu os melhores mineiros
68 Henry
Ford
das redondezas e, como não podemos empregar mais
de 225 em cada turno, temos offerta de homens equi-
valente a muitas vezes esse numero. Os mineiros
trabalham oito horas seguidas e o revezamento dos
turnos se faz sem perda de tempo.
Não pretendemos saber muita cousa a respeito
ele exploração ele minas de ferro - inda não tivemos
tempo de accumular conhecimentos - mas parece--
nos que é um campo susceptivel elo emprego ele ma-
chi nas em gráo maior que o usual.
Vamos caminhando devagar, porque desejamos
dar a maxima segurança de trabalho aos nossos ho-
mens. O trabalho dentro da terra, já que não pode
tornar-se agradavel, que se torne seguro. E o vamos
conseguindo, pois o nosso indice de accidentes é
muito baixo.
Regimen da mineração
Todas as partes da m.ina e do acampamento
gosam de absoluta ordetn. Tres andares possue ella,
distanciados de 200 pés. O desmonte do metal é feito
ao fim do trabalho de cada turno, para se evitarem
accidentes. O minereo transporta-se por ferro-car-
ril electrico; cáe dos differentes andares, por tubos,
a um poço ao fundo da mina, donde sóbe á superficie
ern vagonetes puxaclos por uma rampa. Sobe tam-
bem por um" grupo de elevadores.
O inspector geral examina com frequencia as
paredes e tectos de todas as galerias. Ha ainda uma
commissão de vigilancia e o manejo dos explosivos
faz-se mediante severas precauções.
Hoje e AI11anhã 69
Um extenso systema de bombas exgotta as ga-
lerias mais profundas e todas ellas são aquecidas a
vapor. Os mineiros vestem roupas proprias e botas
impermeaveis. Depois do trabalho tomam todos seu
banho de ducha e mudam de roupa, emquanto a de
trabalho secca.
A mineração prosegue durante o anno inteiro,
sendo o producto levado em ferro-carril até Mar-
quette, onde nossos navios de lago o transportam
á usina ,de River Rouge. Durante o inverno fica o mi-
nereo armazenado á bocca do poço principal. Tudo
se realiza com machinas es,peciaes. A empreza não
possue lá um só burro ou cavallo.
A producção do minereo é hoj e de umas 200.000
toneladas por anno e seu custo muito mais baixo
do que uma qualquer mina que paga salarios me-
nores.
Além desta já adquirimos outras jazidas da re-
gião.
Tal é o nosso systema - e adeante o desen-
volveremos - de fazer trabalhar o dinheiro do pu-
blico. Este dinheiro veio ter ás nossas mãos sob
forma de lucros. Serão iniquos os lucros?
Capitulo V
o IMPOSSIVEL
Facto surprehendente é a tenacidade com que
os homens se agarram a methodos em uso antes-- do
advento da força motriz e das machinas. A tradi-
çãó. unica que havemos de levar em conta na .indus-
tria é a do bom trabalho. As mais mereceriam ape-
nas o nome de momentos da experiencia' humaria.
No libertar-nos das idéas velhas uma das pri-
meiras que deve ser expellida é a noção de que não
é necessario usar força motriz quando temos á mão
trabalho barato. O trabalho não é um producto.· Já
resaltamos anteriormente que os operarios de um;
industria devem ser os melhores consumidores dos
seus productos - e emquanto isto não se realizar,
torna-se impossivel siquer o começo da applicação
do "salario-causa". E' erro affirmar que os homens
só :valem o que recebem em troca ?O seu trabalho e
que o fabricante deve determinar os salarios e pre-
ços pela 'tabella corrente", isto é, pagar aos p r ~
rios o minimo e cobrar do publico o maximo .. U m
72
H en ry
Ford
negocio não pode ir ás cégas. Deye caminhar para
a frente, sob uma direcção.
Parece a muitos incomprehensivel isto. O com-
prehensivel, o caminho facil, é seguir a multidão e
acceitar as cousas como as temos - e jactar-se de
experto quem consegue dar sua tacada. Mas esta
não é a senda do bem servir ao publico. Nem tão
pouco a trilha do negocio sadio. Nem ainda o bom
caminho de ganhar dinheiro. Homens ha que por
estas vias chegam ao seu milhão, ou dois - como
o jogador ás vezes apanha a sua bolada. No verda-
deiro negocio o azar não existe. O verdadeiro nego-
CIO crea os seus proprios clientes.
Bem fazer
Nossa idéa é que devemos descobrir o melhor
meio de fazer as cousas, considerando todos os pro-
cessos em voga como puramente experimentaes. Si
alcançarmos na producção um certo es.tagio, tido
como notavel em comparação dos anteriores, consi-
deramos isso apenas como um degráo, e nada mais.
Unicamente um degráo. As transformações havidas
nos indicam que outras, nlaiores, te em que sobrevir,
dando-nos isso a certeza de que nem uma unica ope-
ração a estamos fazendo com a perfeição com que
deve ser feita:.
Nenhuma mudança realizamos pelo simples
gosto de mudar - nem de:'!.'Camos de f a ~ e l a s sempre
que o novO caminho se demonstra melhor que o
a.ntigo.
Hoje e All1anhâ 73
Temos como dever nosso impedir que se obs-
trua o caminho do progresso: o caminho da realiza-
ção de um serviço melhor, com todos os seus refle-
xos no salario e nos preços.
Não é fac ii fugir á rotina. Por esse motivo as
nossas operações novas são sempre dirigidas por
homens sem nenhum conhecimento anterior da ma-
teria e, portanto, desacostumados a admittir impos-
siveis. Recorremos á ajuda de peritos technicos sem-
pre que é necessario, embora nenhuma operação
seja por eHes dirigida. Os peritos são peritissimos
em admittir impossibilidades ... Nossa resposta sys-
tematica ao seu" Não se pode fazer" é "Faça-se".
A industria do vidro
Na questão do vidro, por exemplo. Vinlos ell1
paginas anteriores quaes os methodos em uso na
usina de Glassmere. Não differiam eHes, na essen-
cia, dos usados ha seculos. A fabricação do vidro é
velha; possue tradições, sobretudo quanto aos cadi-
nhos de argilla em que a mistura se funde e dá o
vidro. Taes cadinhos, já disse, teem que ser feitos
manualmente. O operario amassa a argilla a pés nús
e amolda-a a mão. A machinaria já conseguiu subs-
tituir-se ao musculo no metter e tirar do forno os
cadinhos; tambem já é ella que os transporta e ainda
aplaina e brune o vidro; mas as operações não mu-
daram fundamentalmente. A machina veio apenas
substituir, no possivel, a mão.
Nunca se havia examinado a fundo toda a ope-
74 Henry
Ford
ração afim de apprehender-lhe o verdadeiramente
fundamental. E' facil substituir o esforço manual
pelo mechanico - mas isso não resulta em pleni-
tude de efficiencia. O difficil é começar do principio,
seguindo o evoluir de um methodo que, em vez de
substituir a mão pela machina, tenda á realização
integral do trabalho pela machina, passando O ho-
mem a simples fiscal ou ajudante da machina. E'
este o conceito da macl;lina na industria, em opposi-
ção ao conceito do trabalho manual.
Pareceu-nos a nós que poderiamos fabricar· vi-
dro laminado por um processo continuo e sem ne-
nhuma intervenção manuaL Os peritos do mundo
inteiro logo proclamaram irrealizavel a coisa. Não
obstante, incumbimos de tental-a a homens que ja-
mais haviam trabalhado em vidro, e em Highland
Park iniciaram elles as experiencias. Luctaram, está
visto, contra todos os obices apontados e ainda ou-
tros ineditos - mas venceram. Essa pequena fabrica
produz 2 112 milhões de pés quadrados por anno e a
granCle usina que, em vista do bom resultado das
experiencias,_ montamos em River Rouge, produz
12 milhões, occupando metade do espaço da outra
e um terço do pessoal. Apesar de não produzirmos
ainda todo o vidro necessario ao nosso consumo, já
economisamos uns 3 milhões de dollares annualmen-
te no vidro que fabricamos, comparado conl o que
temos de adquirir de terceiros.
Eis o nosso processo. A massa se funde em
grandes fornos, com capacidade, cada um, para 408
toneladas de material. A temperatura mantida equi-
110 j e e A manhã 75
vale a um calor fundente de 2500 ° Fahrenheit e um
calor refinante de 2300°. Os fornos são, de 15 em 15
minutos, carregados de areia, cinzas sodicas e outras
substancias chimicas. O vidro em fusão sae numa
corrente continua sobre um tambor de ferro que
gyra lentamente e passa sob um cylindro que o la-
mina com a espessura requerida. Desse tambor vae
a um supporte movediço de 132 m. de comprimento,
a rodar na razão de 1m.25 por lllinuto. no qual o
vidro se tempera numa gradativa baixa de calor.
A construcção do lehr constituiu probletna ar-
duo deante do qual só existiam fracassos anteriores.
E nem nós o teriamos podido construir si não fosse
a nossa experiencia em machinas de precisão e sys-
temas transportadores. Não era pequena cousa sup-
portar uma lamina moveI de vidro, com 132 m. de
longo, a resfriar-se da temperatura com que sae do
cylindro, 1400 gráos, á que permitta a manipulação.
O movimento tem que ser perfeitamente uniforme, e
os cylindros, sobre os quaes se move o vidro, teem
que estar perfeitasm·ente alinhados e ajustados, de
modo que em todo o percurso não soHra o vidro a
menor torção. O problema do calor decrescente re-
solve-se com challlmas de gaz regula-das thermosta-
ticamente e dispostas a intervallos irregulares.
Ao termo da viagem o vidro é cortado em peças
de 2m.82 de longo, o necessario para seis parabrisas,
sendo dalli transportado automaticamente á sceção
de brunir.
As laminas são montadas em estuque para que
se conservem firmes e passam sob os discos polido-
76
Henry
F o r ri
res, sempre apoiadas em supportes corrediços. Pelo
centro desses discos desce a areia de mistura com
agua - areia que se afina á medida que o vidro
segue seu caminho. Empregam-se no alisamento oito
gráos de areia e seis de esmeril.
. Depois lavam-se as laminas. O vidro passa aos
discos brunidores, munidos de feltros e a trabalha-
rem com a pasta de brunir. Findo o percurso, retor-
na o vidro pelo mesmo caminho, e assim se conclue
a operação sem que intervenha qualquer toque ma-
nual.
A areia não é manejada a mão - areia ou de-
mais substancias polidoras. Nem nenhum dos in-
gredientes entrados na composição do vidro. Um
tubo pneumatico os toma dos vagões e os distri-
bue.
A areia de polir tem que graauar-se á medida
que vae sendo usada, o que é feito pelo processo
technico da "levigation".
Ao chegar á fabrica é ella armazenada em gran-
des depositos junto á via-ferrea. Antes de ser utili-
zada lava-se num tanque, donde tubos pneumaticos
a levam, atravez da fabrica, ás moégas accessorias,
aos fornos ou secção de polimento. Dessas moégas a
areia cáe por conductos inclinados aos primeiros po-
lidores da série. Executado o primeiro polimento,
cáe a areia pelos bordos a umas calhas subjacentes
e vae, pneumaticamente, á "levigation".
Nesta, fluctua a areia num volume d'agua de
algum vulto e começa a graduar-se por si mesma.
Os granulos maiores e mais pesados depositam-se
Hoje e Amanhã
77
no primeiro tanque, em quanto o resto continua a
fluctuar; por sua vez sedimenta-se no segundo tan-
que um segundo gráo de areia e assim até ao ultimo.
A areia subministrada aos polidores por todos
os depositos, a partir do segundo, vae das calhas
subjacentes ao deposito immediato onde se repete
a operação e, do primeiro ao ultimo, o liquido uti-
lizado fornece ao seguinte a areia adequada ao
polidor correspondente. O esmeril usado nos derra-
deiros polidores gradua-se da mesma forma.
O processo parece muito simples e é. Todo pro-
cesso bem concebido é simples. Dessa simplicidade
e ausencia do trabalho manual resultou uma segu-
rança maior. O fabrico do vidro era considerado co-
mo perigoso. Pelo nosso systema não se dá isso. Du-
rante os dois ultimos annos perdemos menos de uma
hora por homem, por motivo de accidentes. E o ín-
dice tende a reduzir-se.
o algodão
Com a fiação se dá o mesmo. Seus processos
chegaram até nós baseados numa tradição secular,
tida como sagrada. A industria textil foi das primei-
ras a utilizar-se da força motriz; mas tambem foi
das primeiras a empregar o trabalho das creanças.
Muitos industriaes de tecidos vivem crentes de que
o preço baixo dos productos não é possivel sem baixa
paga aos operarios. Aperfeiçoamentos technicos
teem sobrevindo e nota veis; mas que alguem haja
enfrentado essa industria com absoluta largueza de
visão e desprezo da rotina, é outro caso.
78
Henry
F Qrd
Utilizamos, nós, maIS de 92.000 m. de panno de
algodão e acima de 23.000 de lã, diariamente, e a
menor economia em metro representa muito ao cabo
de um anno. Por este motivo já entramos pela in-
dustria textil com as nossas experiencias, menos
com a idéa de remodelal-a do que de nos libertarmos
das fluctuações do mercado.
Demos por assente, a principio, que nos era
necessario o panno de algodão - porque até alli só
haviamos usado delle em nossos carros, para capotas
e fabrico de couro artificial. Montamos um parque
de machinas e iniciamos a fabricação experimental.
Desligados, porém, que somos da rotina, principia-
mos por perguntar-nos:
- Será o algodão a materia maIS adequada
para estes· fins?
Vimos logo que andavamos a usaI-o apenas por
que fosse a materia mal facil de conseguir - não
que fosse a melhor. O linho o superaria, sem duvida,
visto que a resistencia da tela depende da longura
da fibra e a do linho é a mais longa e rija que se
conhece. O algodão cultiva-se a milhares de kilome-
tros de Detroit. Teriamos que pagar-lhe o transporte
em bruto, caso nos decidissenlos a teceI-o - e ainda
teriamos de pagar o transporte do algodão já empre-
gado nos carros até o ponto, Inuitas vezes, de onde
o tomassemos bruto.
o linho
Já o linho podia ser cultivado no' Michigan e
po Wisconsin. zonas muito mais á mão. A sua iIl-
Hoje e All1anhã 79
dustria, porém, andava mais presa a tradições do
que a do algodão - e ninguem conseguira incre-
mental-a entre nós graças ao muito trabalho manual
tido como indispensavel.
Tambem os tecidos de algodão já constituiram
um luxo outróra e seu consumo foi insignificante
até o dia em que Eli Whitney inven{ou sua machi-
na; até então as sementes tinham de ser tiradas a
unha, processo penoso e caro. Tambem a fiBra do
linho sempre se esfiou manualmente, na Irlanda,
Russia e Belgica - e onde quer que se cuidasse de
linho. Methodos pouco differenciados dos em uso no
Egypto dos pharaós. E' o que encarece os tecidos de
linho e impede a sua cultura entre nós. Não temos,
para bem nosso, bastante offerta de traÍJalho manual
a preços infimos, possibilizadora de taes industrias
com base no trabalho barato.
Começamos em Dearborn nossas experiencias e
vimos logo que o linho pode ser trabalhado mecha-
nicam ente. E já passamos do periodo experimental
ao industrial.
A principio dedicamos a essa cultura 243 hecta-
res de terreno. Aramos e preparamos o solo a machi-
na; semeamos, ceifamos, seccamos e debulhamos a
machina; e finalmente desfibramos por egual pro-
cesso, cousa ainda não feita até esta data.
O linho dá muito bem no Michigan e no Wis-
consin, embora só tenha merecido attenção em vista
da semente, productora do oleo de linhaça. Para te-
cido nunca a cultura alli se desenvolveu, dada a
concepção de exigir trabalho barato. E' tido como
80
Henry
Ford
industria de camponlOS, sendo que antes da guerra
o grande productor estava na Russia, paiz de abun-
dante população affeita á miseria. Nosso paiz não
lhe deu a necessaria attenção, nem procurou desco-
brir onde se produzia elle melhor. Parece requerer
clima humido, mas quando aqui se haja estabelecido
a sua cultura é certo que teremos tantas variedades
quantas zonas climatericas possuimos.
Sempre se considerou como fóra de duvida que
é indispensavel ségar o linho como se séga o trigo,
essencial que é conservar as varas parallelas para
facilitar as operações posteriores. Tambem se sup-
punha que o cortar <> linho deixa muita cousa apro-
veitavel na sóca, donde o arrancai-o a mão e, depois,
conclusa a colheita, tirar a casca com a semente -
o que faz perder-se boa quantidade desta.
Temos, assim, para começar, duas operações
manuaes, caras e penosas - arrancar a planta e
operar o "rippling". Experimentamos com certa ma-
china de arrancar, bastante complicada, mas vimos
logo ser preferivel cortar rente ao chão. Pelo nosso
systema não é necessario conservarem-se parallelas
as varas após o córte, sendo preferivel perder algu-
ma seluente a empregar o trabalho manual. Em vir-
tude disso ségamos a machina, deixando nas varas
a semente.
A operação immediata é a velha maceração.
Atam-se as varas em feixes e lá vão para a agua
durante semanas, com pesos em cima para que não
sobrenadem. Podre que fique a casca, saem os feixes
da agua e vão á secca. Tudo isto quer dizer trabalho
Hoje
e A manhã
81
manual e desagradabilissimo, visto o máo cheiro do
linho podre. O processo exige grande discernimento
quanto á agua adequada e quanto ao tempo de ma-
ceragem. A operação seguinte vale pela mais pesada
e dispendiosa. E' o desfibrar - separar a casca do
lenho.
Com o ne:JSSO processo todas estas penosas ope-
raç®es manuaes se supprimem. Após .o córte deixa-
mos na terra as varas por algumas semanas; depois
as juntamos, como se faz ao feno. Em ·vez de seccar
ao sol esse linho em decomposição, fazemol-o pas-
sar por um forno, num transportador que o entrega
á machina que constitue o eixo do nosso systema e
substitue por completo o antigo desfibramento ma-
nual. Essa machina possue seis secções, que se mo-
vem com velocidades distinctas nos seus rolos de
estrias e nos de cardagem. Passo os detalhes techni-
coso Só importa saber que esta machina separa as
sementes e põe de lado a fibra reduzida a fio de
linho e estopa.
Note-se a economia de trabalho e de producto.
A machina não se preoccupa de como entram as va-
ras, e d'ahi a suppressão do trabalho exigido pelo
outro systema. Com o trabalho de 8 horas e attendi-
da por 2 homens, esta machina faz a tarefa de 8 ho-
mens em 12 horas.
O linho assim produzido se fia em dois typos,
um fino e outro grosseiro. Para isto adquirimos ma-
chi nas fóra, nas quaes nossos homens já introduzi-
ram aperfeiçoamentos - e outros já se esboçam.
Por exemplo: a pratica antiga é fiar o linho em car-
82 Henry
Ford
reteis e depois passai-o a bobinas definitivas. N6s o
enrolamos directamente nestas. Chegamos a obter,
com o processo da seriação continua, que o linho
entre por um lado e saia a tela prompta do outro.
Esta secção se ligará á de couro artificial, de modo
que a continuidade não se solucione.
Temos este trabalho de linho como uma das
mais valiosas experiencias a que estamos proceden-
do, graçàs ás suas consequencias para a nossa indus-
tria e para a melhoria em efficiencia da sua cultura.
Necessitamos annualmente da producção de mais de
20.000 heCtares e o linho se adapta muito bem á
mudança das estações. Ha, pois, aqui, uma nova
fonte de renda para o paiz, isto é, uma industria
nova. E ha que contar ainda com o valor dos sub-
productos: oleo de linhaça e estopa, optima para a
tapeçaria. Nossos chimicos estão experimentando.
com os fragmentos ou residuos, afim de lhes apa-
nhar varios compostos de cellulose, empregaveis, li-
quidos, para o banho das capotas e, solidos, para
cabos e equipamento electrico.
A industria do linho pode e deve descentralizar-
se, de modo a fazer-se um complemento da agricul-
tura intelligente, como a de cereaes, tão distincta
da do leite, da pecuaria e da horticultura. O logar
adequado á montagem das machinas desfibradoras
seria a região do seu cultivo. Poderia crear-se uma
industria aldeã, propria para agricultores que divi-
dissem o seu tempo entre o campo e a fabrica.
Tatnbem andamos a sondar o melhor .caminho
relativo ao fabrico da tela de lã que consumimos.
Hoje e Amanhã 83
Para começar puzemos um moço da nossa secção
de desenho numa fabrica de tecidos, com instrucções
para que aprenda quanto possa a respeito de
menos a rotina. !vIas não temos feito ainda sinão
pequenas mudanças nas machinas usuaes e a pro-
ducção nossa fabrica experimental é minima
comparada com as nossas necessidades. Já vimos,
entretanto, que será possivel realizar uma economia
de quasi 30 % nos tecidos de lã, o que vale por mi-
lhões de dollares ao anno. Sempre que podemos ins-
tallar machinas para o fabrico de uma só cousa e
que estudamos o tnelhor meio de a fazer, as eco-
nomias que se produzem surprehendem.
Capitulo VI
APRENDENDO POR NECESSIDADE
Não damos nós um só passo investigador que
se não relacione ao objectivo supremo da nossa in-
dustria. Qualquer diversão redundaria provavelmen-
te em prejuizo do fim ultimo dessa industria, que é
a fabricação de motores e sua montagem sobre ro-
das. NC? laboratorio technico de Dearborn possuimos
agora o necessario para fazer experimentalmente
tudo quanto desejamos, pelo 1l1ethodo de Edison -
ensaio e erro.
Nossa tarefa já não é pequena, pois devemos dar
toda a attenção ao possivel exgottamento deste ou
daquelle material, á economia delles e ao descobri-
mento de succedaneos. Com muita frequencia pomos
de reserva os resultados das nossas experiencias
para utilizaI-os no futuro em caso de precisão. Si a
gazolina, por exemplo, subisse de preço seria. pratico
produzir combustiveis substitutos. Mas temos como
o nosso principal dever não nos desviarmos da nossa
trilha de bem cousas, norte que nos ha
86 Henry
Ford
levado a varios terrenos. Na economia ele trabalho
e materia prima rara é a semana que se passa sem
reforma, umas de pouca, outras de enorme impor-
tancia. Só o methodo não varia. O curioso é que al-
gumas das nossas maiores economias foralll cot)se-
guielas no fabrico de peças que tinham apparente-
mente alcançado a perfeição.
Certa .. vez descobrimos que empregando mais
dois cents de material numa pequena peça poderia-
mos reduzir-lhe o custo de 40 %. A quantidade
de material empregado custava, pelo novo methodo,
dois cents a mais que pelo antigo; de tal modo,
porém, se abreviava o trabalho que os custo da peça
passou de $0,2852 a $0,1663 (calculamos os preços
de custo até quatro decimaes). Esse novo methodo
exigiu dez machinas addicionaes, trazendo uma eco-
nomia de 12 cents por peça, quer dizer, mais de
400.000 dollares por anno, dada a producção de
10.000 peças diarias.
Sempre ha,iamos empregado a madeira para o
aro dos volantes. Era um desperdicio, pois só podia-
mos usar madeira de lei, além de que nenhuma ope.-
ração de carpintaria se pode fazer com precisão ri-
gorosa. Emquanto isso, a fazenda de Dearborn pro-
duzia annualmente toneladas de palha, posta fóra
ou vendida a preço vil. Desta palha conseguimos ex-
trahir uma substancia que baptizamos de Fordite,
muito parecida com a borracha vulcanisada. O aro
do volante e ainda mais de 40 peças do equipamento
electrico dos automoveis passaram a ser feitos desta
H aj e e Alnanhã 87
palha, consumindo-se a producção annual da fazed-
da em 9 mezes.
O processü é o seguinte: Misturamos a palha
COlll uma base de gomma, enxofre, silica e outros in-
gredientes e esmoemos esta massa a quente durante
45 minutos. Depois, por compressão, sae ella dos
moinhos em forma de chouriço cortadü em tróços
de 1m.32, promptos para serem capeados por uma
substancia fina, semelhante á borracha. Em seguida
passam para os moldes, onde por uma hora soffrem
a quente pressão de 500 kilos por centimetro quadra-
do. Sahidos das formas e resfriados adquirem uma
dureza permanente de pedra.
Estes volantes vão depois á secção de aperfei-
çoamento, onde são brunidos. Por esta forma ficam-
nos elles por metade do custo anterior e ainda pou-
pamos a madeira.
No carro de turismo empregamos 14 m. de cinco
t} pos de couro artificial para a capota, cortinas e as-
sentos. O empr'ego do couro animal seria impossivel,
já pelo custo, já porque não se matam animaes em
numero sufficiente ao nosso consunlO. Cinco ou seis
annos gastamos para inventar um couro artificial
que nos satisfizesse plenamente. Tinhamos que con-
seguir uma boa cornposição de revestiluento e de-
pois obter a producção continua. O facto de fabri-
carm05 o couro artificial preciso para o nosso con-
sumo não só nos daria independencia - objectivo
primordial - como ainda nos traria um lucro supe-
rIr a 12.000 dollares diarios. Conseguimol-o, por fim.
A tela entra por uma serie de estufas em forma
88 H e n ry
Ford
eh! torres, em cuja base estão os depositas da com-
posição revestidora. O liquido derrama-se na tela
em marcha e espalha-se por igual por meio de facas.
Recebido o banho, sobe a tela ás torres até 9 m.,
numa temperatura de 200 gráos. Ao descer já está
secca. A operação repete-se nas 7 estufas succes-
sh"as.
Vae depois á prensa de estampar, onde recebe
a granulação por meio de uma pressão de 700 tone-
ladas. Uma nova estufa dá á tela assim preparada
um banho final que lhe accrescenta brilho e flexi-
bilidade.
A composição é uma mescla de oleo de ricino,
algodão nitrado dissolvido em acetato de ethyla e
benzol. Muito volatil, o que explica a rapidez da
sécca. As estufas desprendem o vapor do acetato de
ethyla, do aleool e do benzol, o qual é recolhido por
Uln apparelho de nossa construcção, o que nos per-
mitte recobrar 90 70 desse fumo. O fabrico da tela
revestida é continuo; quando um rolo chega ao fim
cose-se a outro, de modo que a operação não pára
nunca.
O tratamento a quente do aço é de grande im-
portancia, pois permitte o emprego de peças mais
leves graças á maior resistencia. Operação delicada.
As peças não devem ser nem muito brandas, pois
se gastariatn; nem muito duras, pois se quebrariam.
O gráo de dureza depende do destino dellas. Mas o
tratamento de grandes quantidades de peças, de mo-
do que cada qual possua a dureza adequada, está
longe de ser elementar.
Hoje e A DI a Il h ã
89
Pelo systema antigo ISSO se fazia conjectural-
mente, mas nós não nos permittimos o "mais ou
menos" humano. Nos nossos COlneços alcançamos
uma certa precisão no preparo do aço, equivalente a
progresso sobre os methodos em Yoga. Utilizavatnos
operarios com ligeira technica e obtinhamos resul-
tados uniformes, graças ao controle mechanico. O
trabalho, porém, era exhaustivo, em. \"irtude do calor
- e com isso não podialnos nos conformar. Traba-
lho rude deve caber ás lnachinas, não ao homem.
Alem disso as peças rectas, como os eixos, não esca-
pavam do entortamento ao resfriarem-se, exigindo
uma correcção que as encareCIa.
Incumbimos um moço de aperfeiçoar todo o
processo. Ao cabo de um anno, ou dois, não só pu-
demos reduzir o nutnero de operarios como inventa-
mos um apparelho centrifugo de temperar, no qual
as peças se resfriam uniformemente. Os eixos não
mais entortatn e a operação correctiva se supprimiu.
O forno electrico em substituição do de gaz foi um
dos nossos maiores melhoramentos. Em vez de 4
fornos a gaz, servidos por 6 homens e um chefe, com
capacidade para 1000 bilhas por hora, 2 fornos ele-
ctricos produzem, com 3 homens, 1300.
Para o tratamento a quente do aço a secção
dos eixos utiliza um grande forno de dois andares.
Um balancim de marcha lenta faz avançar as barras,
no andar inferior, com intervallos de um ro.inuto; 28
minutos gasta a barra para mover-se completamente
atravez do andar Inferior do fo'rno, e durante esse
90 Henry
Ford
tempo soffre ella um calor constante de 14SOO F ..
temperatura graduada tnechanicamente.
A' proporção que as barras chegatn ao extremo
do forno, um homem as torna com tenazes e as col-
loca numa machina gyratoria, onde se temperam em
solução 'caustica á razão de 4 por minuto; o movi-
~ n ~ o gyratorio faz que o abaixamento da tempe-
ratura seja praticamente instantaneo em toda a su-
perficie da barra. Esta operação assegura uma du-
reza uniforme e evita a deformação que causaria um
resfriamento desigual.
As barras temperadas são conduzidas por um
transportador ao andar de cima e vão retrocedendo
até sahirem fóra, sob um calor de 680
0
F. Toda a:
operação consome 45 minutos.
Poderá o processo não parecer importante, mas
a suppressão do processo correctivo nos trouxe llma
economia de 36 milhões de dol1ares em 4 annos.
Para o carro e o caminhão 162 temos que forjar
aço na quantidade de meio milhão de kilos por dia.
A' custa de experiencias constantes conseguimos
economizar muitos milhões de dollares, reunindo em
urna só varias operações de forja e tambem esten-
dendo o uso das ma chi nas de estampar ou dar forma
ao aço por pressão em vez de percussão.
Nas machinas de forjar, pesados martellos ou
pilões cahem sobre a barra de aço aquecida. N eces-
sitam-se tres series de operações, excepto nalguns
casos, p=\ra dar ao aço a forma desejada. A barra se
colloca primeiro entre dois cunhos onde se realiza a
compressão até o ponto requerido. Depois passa á
Hoje e Amanhã
91
machina seguinte que a amolda, corta, recorta e se-
para. O grupo de martellos-pilões a vapor compõe-
se de 96 unidades; o pilão do menor pésa 400 kilos
e o do maior 2.537.
Não ha divisão de trabalho entre os martellos.
Para forjar tUlla maniyella colloca-se a barril de aço
candente sobre um troquei ondulado que num golpe
lhe dá a forma desejada. Resulta um producto ainda
tosco que se apura nas machinas de rebarbar, consti-
tuidas de oito prensas a trabalharem sobre uma fita
transportadora que vae carreando os residuos. Esta
fita tambem serve para o transporte das peças pe-
quenas, que são apanhadas ao sahirem da secção,
classificadas e acondicionadas em caixões, emquan-
to os residuos se despejam em vagões proprios para
esse fim.
A operação maIS difficil da forja é a realizada
com a arvore motriz que supporta o coxinete; não
obstante se faz numa s{> machina.
Machinario interessante é o laminador dos so-
bejos do aço, o qual aproveita os fragmentos ainda
utilizaveis, dá-lhes o corpo adequado e se faz in loco
para economia de transporte.
A moldagem ~ aluminio em fusão em fôrmas
, .t,
rigidas parecia impossivel. Nas fôrmas de areia o ar
expellido pelo metal infiltra-se pela areia, mas nas
fôrmas rigidas fórma bolhas no metal. Descobrimos,
por fim, o meio de evitar isso. A fôrma é collocada
em cima do vaso que contem o metal fundido, qual
uma tampa. Depois o operador applica um systema
de ar comprimido ao metal e o força a subir á fôrma.
92 Henry
Ford
o ar contido nesta foge por pequeninas furas e como
o fundo da fôrma é a primeira parte que se enche,
o metal se solidifica de cima para baixo, sem que
se formem bolhas.
Fio de cobre isolado é material dispendioso -
e nós o ... consumimos muito. Isso nos levou a fabri-
caI-o, estando hoje a nossa producção em 150 kilo-
metros diarios. Usamos a machina commum de la-
minar, porém muito aperfeiçoada e simplificada. A
operação começa com fios de cobre de O,m,0075, os
quaes são estirados atravez de 9 furas ou troqueis
de ferro temperado, de calibres decrescentes. Ao
sahir do ultimo o fio está com 3132 polegadas de
diametro e enrola-se em carreteis sob uma veloci-
dade de 217 m. por minuto.
A operação de estirar o arame desenvolve mui-
to calor, que removemos por meio duma corrente
dagua a correr sobre o troqueI, o que lhe dá dureza.
Para abrandai-o antes que vá ao estiramento se-
guinte usamos o forno electrico, fechado hydrauli-
cam ente. O fio mergulha na agua sobre uma plata-
forma gyratoria que o leva ao forno, onde entra
para um cylindro hermeticamente fechado, que du-
rante uma hora o mantem á temperatura de 1045° F.
O ar é extrahido para evitar a oxydação.
As machinas que realizam o segundo estira-
mento são providas de oito diamantes furados, atra-
vez· dos quaes passa o fio,_ reduzindo-se em cada
qual de alguns millesimos de pollegada. Estes dia-
mantes custam 300 dalI ares cada um e duram seis
mezes sem desgaste apreciavel. O troqueI final dei-
Hoje e
Amanhã
93
xa o fio em condições de receber a camada isolado-
ra, consistente em cinco banhos de esmalte diele-
ctrico e uma capa de algodão. A esmaltagem é con-
tinua e automatica. Quatro homens cuidam facil-
mente de 8 rolos de arame ao mesmo tempo.
O fio soffre, centimetro por centimetro, UIU
exame verificador dos defeitos da esmaltagem e de-
pois vae ás machinas de capear. Estas machinas
são munidas de 18 bobinas de fios de algodão, que
gyram em torno do fiQ, recobrindo-o de uma capa
uniforme muito firme. Quatro homens dirigem 72
fusos destes, onde tudo é automatico.
Os methodos de moldar tijolos de bronze fo-
ram-se aperfeiçoando de tal modo que não lembram
mais a antiga fundição. A fusão se faz em 12 fornos
electricos, com capacidade para mil kilos de metal,
fusivel em 70 minutos. O forno permanece immo-
vel até que o derretimento se opere; depois entra a
oscillar para que a mescla se uniformize. Quando
o metal fundido alcança uma temperatura de 2200° F.
tira-se delle u'ma amostra que vae aos laboratorios
de analyse, emquanto o resto se esvazia em mo-Ides
de argilla refractaria.
A secção está provida com tudo quanto é pre-
ciso para um trabalho rapido e efficiente. Em vez
de apertar a areia a mão nos moldes, basta compri-
mir um botão para que um apparelho electrico exe-
cute o trabalho. A areia deve agitar-se e aplastar-se
sob forma de massa firme; tambem isto se faz a
machina melhor do que a mão.
O molde tem que dividir-se em duas partes que
94
Henry
Ford
se ajustem perfeitamente. Outrora poh'ilhavam-se
estas partes com lycopodio, o que encarecia o pro-
cesso. Nós usamos um preparado da tnesma effi-
cacia e mais barato. Urna corrente de ar vibratorio
e um simples arranjo de engrenagens opera a aber-
tura das fôrmas.
Preparados os tnoldes, um transportador con-
tinuo os leva ao ponto onde vão receber o metal em
fusão. Para que o metal não fugisse por entre a
fenda dos moldes costuma\"a-se outróra metter pe-
sos sobre elles, rude tarefa para o musculo humano.
Nós o fazemos mechanicamente.
Nlais adeante abrem-se os moldes e extrahem-
se as peças fundidas, emquanto as fôrmas voltam
automaticamente para traz.
Os tijolos assim obtidos vão ter a grandes lami-
nadores cylindricos que os pulem.
Toda esta secção é automatica e segura. Duplos
tornos automaticos trabalham em cada 8 horas 6000
tijolos, com tanta precisão que apenas soffre refugo
1.30 % do total.
Nas machinas de furar eliminamos sua cara-
cteristica mais perigosa: confundir a mã? do ope-
raria com a peça de metal.
Para a classificação oU inspecção da longitude
das peças ha uma machina com tres jogos de dis-
cos, dispostos de maneira que o inicial colha as pe-
ças demasiado grandes, o segundo as de tamanho
justo e o terceiro as de tamanho inferior, tudo re-
gulado até decimillimetros.
Que significa tudo isto? Significa apenas que
Hoje e Amanhã 95
em 1918 esta secção produzia em media 350 peças
por opera rio, com perda de 3 %, e hoje produz 830-
peças por operario, com refugo de 1,30 %.
N o fabrico de molas conseguimos um progres-
so identico em materia de precisão e economia de
trabalho humano. A laminagem é tão perfeita que
os modelos são intercambiaveis. As laminas endu-
recem em oleo e se temperam em nitrato a 875
0
F.
Em 1915 a secção empregava 4 homens para
a producção de 50 molas diarias; hoje 600 homens
fazem 18000 por dia.
Temos inspectores em cada etapa do trabalho,
para a verificação dos defeitos, mas poucas vezes
tem que intervir o seu discernimento. Estamos tra-
balhando para conseguir a inspecção mechanica.
Uma corrente, por exemplo, de 20.000 volts faz o
serviço da inspecção dos eixos com mais precisão
e sete vezes mais depressa que pelo systema antigo.
Manejado por um só homem esse novo calibrador
electrico substitue 7 calibradores dos antigos, com
os seus operarios correspondentes. A prova electri-
ca consome 10 segundos e indica erros de decimil-
limetros.
Assim procedemos em tudo. Consideramos nos-
so dever utilizar o dinheiro do publico em seu pro-
veito, procurando sempre obter um producto me-
lhor e mais barato.
Capitulo VII
QUE E' STANDARD?
Em materia de standard ha que ir devagar,
pois que é muito mais facil fixar um standard erra-
do que um certo. Certas standardizações marcam
apenas inercia; outras, progresso. D'ahi o perigo
de falar ligeiramente a respeito.
Dois são os pontos de vista: o do productor e
o do consumidor. Supponha-se, para exemplificar,
que certa commissão do governo' exan1inasse todas
as industrias para descobrir quantas do
mesmo producto se estavam fabricando, e suppri-
misse as inuteis, estabelecendo um standard. Beni-
ficiar-se-ia com isso o publico? Em nada, a não ser
em occasião de guerra. tempo em que toda a nação
tem que ser considerada con10 uma unidade produ-
ctiva. Em primeiro lagar, não é provayel que se
pudesse reunir uma commissão de technic2. bastan-
te segura para estabelecer standards, visto como a
technica só se obtem dentro de cada industr1a e não
fóra. Em segundo, suppondo-se que (\ r;'ineiro ob",-
98
Henry
Ford
taculo fosse removido, taes standards, embora trou-
xessem uma econom1a passageira, acabariam trans-
formados em barreiras do progresso. Os fabricantes
passariam a attendel-os, em vez de attender ao pu-
blico, e o engenho humano se exgottaria em vez
de apurar-se.
Não resta duvida que alguns standards são ne-
cessarios. Uma pollegada, por exemplo, deve ser
sempre uma pollegada. Quando compramos a peso
ou a metro devemos saber quanto compramos. To-
dos os sapatos n.O 9 do paiz devem ser do mesmo
tamanho. Um litro só pode ser um litro e um kilo
um kilo. N s t ~ particulares a standardização é um
bem e contribue para o progresso. O mesmo se dá
quanto á qualidade. Um typo de cimento deve ser
st;m pre o mesmo, de modo a dispensar exame por
parte do comprador. O que se vende como "pura
lã" deve ser lã pura. Seda tem que ser seda. O pe-
queno comprador sem meios de yerificação -precisa
confiar na qualidade do artigo annunciado. Isto nãc
só é conveniente como evita a concorrencia desho-
nesta dos que vendem um artigo inferior como su-
perior.
Mas ao tratar do estylo dos productos -a cousa
muda. Os desconhecedores dos processos e proble-
mas industriaes ,gostam de imaginar um mundo
standardizado, no qual todos vivessemos no mesmo
typo de habitações, vestindo as mesmas roupas, co-
mendo as mesmas comidas e agindo e pensando do
mesmo modo. E difficil de calcular quanto dura-
ria um mundo assim, pois que com a equiparação-
H oj e e Amanhã
99
do pensar ao não-pensar a direcção (Ieadership)
desappareceria.
A finalidade da industria não collima urna
standardização automatica do mundo em que o ce-
rebro se torne inutil. Quer, ao contrario, um mundo
etn que as creaturas tenhaln occasião de empregar
o cerebro, libertas da preoccupação obsedante de
prover á subsistencia. Não é fim da industria amol-
dar o homem por uma mesma fôrma; nem tão pou-
co elevàr o trabalhador a uma falsa posição de su-
premaCIa. A industria existe para servir ao publico,
do qual o traba1ho faz parte integrante. Existe para
libertar o corpo e o espirito da vida afflicta, abar-
rotando o mundo de productos bons e baratos. Até
que ponto se podem standardizar estes productos
é problema que :i iniciati\'a individual, não ao Es-
tado, inculnbe reJolver.
A mais forte objecção que se possa fazer con-
tra o grande numero de estylos e modelos é que
tal variedade affecta a producção economica de
qualquer em preza. Mas si as emprezas se especiali-
zam cada qual em seu modelo, a economIa e a va-
riedade poderão caminhar juntas. E ambas são ne-
cessarias.
Em seu yerdadeiro sentido a standardização
equivale á reunião das melhores vantagens do pro-
ducto ás melhores vantagens da producção, de mo-
do que sob o menor preço possa ser offerecido ao
publico o melhor producto.
Standardizar um methodo equivale a escolher
entre muitos o methodo melhor para o caso. A stan-
100 Henry
Ford
dardização não tem nenhum sentido, si não signi-
fica um esforço para algo superior.
Qual o melhor meio de fazer uma cousa? Sim-
plesmente a somma de t o d o ~ o s bons meios desco-
bertos até hoje. Este total é o standard. Mas decre-
tar que o standard de hoj e será o de amanhã, isto
éxcede á nossa força e autoridade. Em torno de nós
vemos todos os estandards de hontem. Quem os
confunde com os de hoje? O standard de hoje sup-
'planta o de hontem e será supplantado pelo de ama-
nhã. Eis um facto que os theoricos desprezam
quando imaginam ser certo standard unl molde ri-
gido, capaz de conter todos os esforços e perpetuar
um aspecto. Se semelhante cousa fosse possivel, de-
veriamos usar hoje os modelos em honra ha cem
annos, pois não faltou resistencia á adopção dos
actuaes que os substituiram.
Hoje, ao impulso da habilidade do engenheiro,
a industria melhora rapidamente todos os nossos
standards, e em vez deste facto constituir obice para
o progresso torna-se a base do dia de amanhã.
Si considerarmos a standardização como o me-
lhor que conhecemos no momento, porém senlpre
aperfeiçoavel, estaremos no caminho certo. Mas si
a tivermos qual uma prisão, nesse caso o progresso
periga.
Já vimos em meu livro anterior que nenhuma
usina é bastante grande para fabricar ~ a s especies
de prodllctóS. Nossa organização não basta para
construir duas classes de automoveis sob o mesmo
tecto. Ha 7 annos adquirimos a Lincoln Motor Car
e A manhã
101
Company, menos porque precisassemos della do que
por motivos pessoaes. Nosso modelo T - o .. Ford"
é o nosso negocio basico e deUe fizemos um produ-
cto de consumo universal. Já não temos nenhuma
idéa de f.a,zer o mesmo com o Lincoln. Seu standard
não é mais elevado que o do Ford; apenas diverso.
Ambos estão standardizados no sentido de que ~
dos os nossos aperfeiçoamentos teem que dispor-se
de modo a adaptarem-se a.elles sem mudança essen-
cial. Sem duvida todas as peças são intercambiaveis
~ vantagem do trabalho mechanico ainda não de
todo aperfeiçoado. E' sempre possivel conceber uma
machina que execute um trabalho· melhor e mais
precisamente do que á mão.
Mas o ponto capital é que, embora sejam os
dois modelos propriedade da mesma empreza, não
::;ão fabricados sob o mesmo tecto e por varios lPo-
tivos. Um é de baixo preço e pratico; o operario
que o constroe pode adquiril-o. Com o Lincoln' o
objectivo não é o mesmo e não está ao alcance dó
seu operario. Embora não seja uma artigo de luxo,
pois presta excellentes serviços, não constitue artigo
de utilidade corrente.Ha uma escala de serviços,
do mesmo modo que existem diversas qualidades de
creaturas humanas. Certo homem receberá em paga
do seu esforço o necessario para adquirir certa elas_-
se de aFtigo, em quanto outro homem obterá pelo
seu esforço o necessario para adquirir outro artigo
de preço mais alto. Isto em nada viola o principio
do "salario-causa"; antes estende' esse princIpio a
todas as especies de serviço. Devemos nivelar .por
102
Henry
Ford
cima, não por baixo. Fieis a este principio impedi-
remos que a standardização se torne um perigo.
Para urna fabricação economica é essencial que
as peças sejam intercambiaveis. Nós não fabricamos
carros Ford num certo lagar. Só em. Detroit cons-
truimos uma certa quantidade para o consumo lo-
cal. Fabricamos as peças, sendo os carros montados
nos pontos de destino. Tal concepção implica ne-
cessariamente uma precisão de fabrico desconheci-
da outróra. Se aS differentes peças não se ajustas-
sem com precisão, a montagem final seria impossi-
vel e a maior parte da economia yisada se perderia.
Estas considerações nos leValTI a falar da ne-
cessidade duma precisão absoluta de fabrico, levada
a um decimillesimo de pollegada.
No commum não se pode obter calibre tão ri-
goso - e está claro que só nos casos excepcionaes
nos atemos a tamanho rigor - mas para quasi to-
dos os nossos trabalhos a tolerancia não vae alem
dum millesimo de pollegada. Para obter tal preci-
são appellamos para o unico hOlnem no mundo que
fez da precisão o objecto exclusivo dos seus estu-
dos: Carl E. Johansson. Contramestre dos arsenaes
suecos de Elkistuna, teve elle a idéa de combinar
os calibradores usados no fabrico de carabinas de
modo que um pequeno numero de "blocks" pudes-
se controlar um grande numero de dimensões. O
primeiro calibrador de Johansson foi concluido em
1897 e hoje são tidos esses apparelhos como os mais
precisos do mundo. Adquirimos os direitos da sua
fabricação para a America, bem como a fabrica de
Hoje e Amanhã
103
Pough-Keepsie, estado de New York. Alem disso
Johansson entrou para o nosso corpo technico afim
de que proseguisse em suas investigações.
Taes calibradores são peças rectangulares de
aço temperado, rectificado e polido, de superficies
absolutamente lisas e parallelas, - realização me-
chanica importantissima, dado o problema que era
a obtenção de tal parallelismo entre dué1.s superfí-
cies de aço. O professor J. Hjelsley, director do de-
partamento das mathematicas da Universidade de
Copenhague, declara que as superficies destes cali-
bradores constituem o que a mão do homem ainda
construiu mais proximo do plano theorico.
As suas superficies possuem propriedades ex-
traordinarias; friccionadas com a mão e sobrepos-
tas, adhererri entre si com uma força equivalente a
33 athmospheras. Os sabios teem proposto varias
theorias para explicar o phenomeno: pressão ath-
mospherica, attracção molecular e presença de uma
camada liquida, extremamente delgada, entre as su-
perfícies em contacto. Talvez as tres causas reuni-
das. Dois calibradores friccionados e adheridos por
deslisamento resistiram a um esforço de tracção
equivalente a 210 libras - o que prova existir algo
alem da pressão athmospherica como causa de ta-
manha adherencia.
Differem entre si, jogos diversos destes cali-
bradores, de um deci a um centimillesímo de polle-
gada. O decimillesimo é a menor margem de pre-
cisão applicada ao fabrico de instrumentos, mas pa-
rece grosseira perto dos calibradores J ohansson. O
104
Henry
FQrd
record entre elles foi .estabelecido por um jogo que
marca differenças de um millionesimo de poliegada.
E' de tal delicadeza que o calor do corpo do opera-
dor, a diversos pés de distancia, affecta os resulta-
dos. Este jogo de calibradores é unico no mundo.
Bem que seja nosso o monopolio de taes cali-
bradores, temo-nos esforçado por aperfeiçoar-lhes
os methodos de fabricação e reduzir-lhes os prftços,
para que se ponham ao alcance de todas as offici-
nas - provando isto que não ha incompatibilidade
entre a quantidade e a qualidade da producção.
Em nossa usina de Highland Park temos 25.000
machinas e na de Fordson, mais 10.000. Temos ain-
da outras 10.000 dispersas pelas outras fabricas. De
tempos em tempos ha necessidade de apparelhar
novas succursaes em diversas regiões do globo; so-
mos forçados assim a ter á nossa disposição peças
de recambio para essas machinas - o que nos levou
a abordar um importante aspecto da standardiza-
ção. Uma operação em nossa usina de Barcelona
deve ser executada do meSll10 modo que em Detroit,
pois não podemos sacrificar o lucro da nOSSa expe-·
riencia. Um homem que trabalha na rede de mon-
tagem de Detroit deve poder occupar instantanea-
mente o logar correspondente na de Yokohama ou
São Paulo. Cada uma de nossas machinas só exe-
cuta a sua operação, embora no caso das machinas
automáticas esta operação se desdobre em diver-
sas. Os planeadores de machinas teem a tendencia
de as estabelecer sem attenção a uma outra. Cerca
de 90 % das nossas são standardizadas e a adapta-
Hoje e Amanhã
105
ção dellas a uma só operação é cousa de detalhes.
Exemplo: uma operação exige numa lamina de aço
um furo de 718 de pollegada de diametro. Outróra
isto se fazia onerosamente e com lentidão. Tinha-
mos 30 perfuradeiras que exigiam muitos homens,
alem de que se perdia muito material. Substituimol-
as por uma perfuradeira standard, para a qual os
nossos homens projectaram um novo jogo de ferra-
-mentas, fazendo-a realizar uma tarefa muito di\'er-
sa da que realizava até então. E verificamos que já
tinhamos aberto furos numa extensão de 500 mi-
lhas antes que o novo processo, economico de tem-
po e trabalho, fosse creado.
Possuimos 800 machinas especiaes cujo fim é
attender ás necessidades do nosso trabalho. A clas-
sificação geral das machinas standard comprehende
250 epigraphes distinctas, caCla uma subdividida em
typos e variedades que ascendem a milhares. Sob
a epigraphe "Tornos", "Trituradores", "Pulidores",
"Prensas", "Perfuradores", etc., apparecem listas de
centenas de variedades, cada qual de seu tamanho
e modelo proprio. Sem embargo, com uma produc-
ção superior a 8.000 carros diarios, ha menos di-
nheiro invertido em instrumentos de duração pre-
caria do que quando só produziamos 3.000.
Estes instrumentos standardizados são o pro-
ducto ele vinte annos de esforço. E o systema se
desenvolveu a tal ponto que o nosso instrumental
se obtem com tanta facilidade COIllO a ferragem
commercial commum. O mesmo acontece conl o
equipamento necessario á construcção elo machina-
106 Henry Ford
rio productor. Engrenagens, chaves, transmissões,
alavancas, pedaes e os outros elementos de uma ma-
china então já standardizados - e pela combina-
ção destas peças standard se constroe até a ma chi-
na mais especializada.
Modelos complicadissimos só exigem a fundi-
ção especial do arcabouço. A nova polideira de vi-
dro exemplifica isto. O mcchanismo impulsor do
disco se compõe de uma engrenagem, eixo e volan-
te - tudo standard. Esta simplificação do equipa-
mento mechanico é a base sobre que descansa o
nosso programma fabril.
O mesmo systema é seguido em todas as suc-
cursaes da empreza. Os trans.portadores nella usa-
dos e as cadeias respectivas são sempre standards.
Todo o material já vem em tamanhos standards.
Reproduzimos em papel azul todo o machinario.
com as diversas indicações senlpre collocadas no
mesmo logar das paginas para que não se perca
tempo em procurai-as. Uma serie de livros intitu-
lada Ford Tool Standards contem todos os dados
necessarios e retraça a historia completa e minu-
ciosa da n o s ~ experiencia em todos os ramos. Es-
tes livros te em permittido a economia ele milhares
de dollares, ajudando muito utilmente a formação
technica dos novatos. Sua mais alta inlportancia
porém está em permittir que conservemos a uni-
dade do trabalho no conjuncto da nossa empreza.
Este systema de standardização do machinario
e do instrumental apresenta innumeras vantagens.
O problema do instrumental mechanico (tnachine
Hoje e Alllanhã
107
tooI) se reduz a um simples caso de ferragem com-
mum, apenas um pouco mais oneroso. Na cc>nstruc-
ção por este processo, de machinario especial, são
passiveis imnlensas economias, e caso um modelo
não resulte satisfactorio suas peças principaes po-
dem ser aproveitadas. O equipamento das succur-
saes torna-se muito simples, como se torna simples
a sua conservação. A economia resultante pode ser
imaginada.
As vantiagens da standardização reflectem-se
na producção, e sua desvantagem só se cifra no
gasto que uma mudança de standard determina, o
que aliás se compensa com o lucro a que a melhoria
do standard dá lagar. Temos realizado muitos aper-
feiçoamentos em modelos, materiaes e methodos de
fabrico; mas o lucro passamol-o todo para o con-
sumidor. Nossos modelos de carro apresentam-se o
melhor que podem, visto cada peça ter de fabricar-
se á luz de tres principios, nesta ordem de impor-
tancia: 1) resistencia e leveza; 2) economia no fa-
brico; 3) apparencia.
Poderão perguntar: "Será preferivel o sacrifi-
cio do util ao artistico ou vice-versa?" Mas de que
serviria um bule de chá que não despejasse bem,
em virtude da beBa ornamentação do seu bico? De
que serviria uma pá que ferisse a mão do operaria
com os artisticos lavores do cabo? Si a decoração
prejudica a funcção de um objecto util, elle deixa
de ser uma cousa artistica e ganharia em ser posto
de lado, qual um trambolho.
Tem-se dito que Q commerçio e a industria. dQ
108 Henry
Ford
automoveI são fataes á arte, luas não é yerdade .
. Quando a arte se diyorcia da utilidade é que nella
existe algo de falso. Industria e arte não são in-
compativeis, mas torna-se necessario muito criterio
para conseryal-as em justo equilíbrio. Um automo-
vel é um producto moderno e tem que construir-se,
não para representar o que não é. mas para realizar
o trabalho a que se destina.
Em 1925 fizemos certas mudanças no nosso
carro, afim de augmentar-lhe o conforto. No motor
não tocamos: é o coração do carro. Ao todo, 81 mo-
dificações de maior ou menor importancia. N enhu-
ma se fez levianamente. O novo modelo antes de
ser adoptado esteve em prova por todo o paiz, em
trabalho effectivo durante mezes.
Após nos decidirmos ás modificações, o passo
immediato consistiu em planejarmos o modo de
fazeI-as.
Fixamos uma data para o começo das transfor-
mações. A secção de planejamento teve que calcu-
lar com exactidão a quantidade de material necessa-
rio para assegurar a plena producção até essa data,
de modo que a mudança não determinasse sobras de
peças. O mesmo calculo foi feito para as nossas 32
usinas associadas e 42 succursaes.
Emquanto isso os engenheiros tiveram de fa-
zer centenas de desenhos para a construcção dos
novos moldes e instrumentos necessarios. Era pre-
ciso que a producção não se detivesse e para isso
escalonamos as mudanças, modificando uma secção
após outra. de modo a 'não perturbar o fabrico.
H o j (' e Anzanlzii
109
Tudo isto parece muito simples, mas tivemos
de desenhar 4.759 "punchs" e matrizes, alem de
4.243 machinas e accessonos, construindo 5.622
"punchs" e matrizes e 6.990 machinas.
O custo do trabalho subiu a 5.682.387 doBares
e o do material a 1.395.596. A montagem em 13 suc-
cursaes dos novos fornos de esmaltar custou 371.000
313
ger as fraquezas e defeitos, garantindo-lhes assim a
permanencia.
o proteccionismo
A força dos Estados Unidos consiste no facto
de que o auxilio prestado pelo governo á industria
e á agricultura não se extendeu tanto que lhes che-
gasse a affectar a independencia. A certos respeitos
foi vantajoso que o governo combatesse os negocios,
porque os enrijou. Tivemos, é certo, a tarifa adJ.1a-
neira, que talvez fosse util antes do nascimento da
verdadeira industria; mas é facto notavel que ne-
nhuma das nossas industrias verdadeiran1ente im-
portantes - refiro-me ás que prestal11 servjço so-
cial - cresceram em virtude da tarifa, nem neces-
. sitaram de protecção alfandegaria. As que necessi-
tam de protecção alfandegaria são as que se diri-
gem por methodos retrogrados, fabricando máos
productos por intermedio de homens mal pagos. Em
vez de crearem mercados na massa da nação, con-
tentam-se com aproveitar o restricto m.ercado arti-
ficial dos altos preços, no paiz pelas
tarifas, para vender barato no estrangeiro.
Um elos n1aiores passos que possam dar os Es-
tados Unidos consiste na suppressão de todas 8S
tarifas alfandegarias. Isto seria um beneficio tanto
para o mundo inteiro como para a industria ameri-
cana. O mundo inteiro, ademais, não possue suffi-
ciente capacidade de producção para prover-nos. Nal-
gumas industrias apenas poderiam os industriaes
314
Henry Ford
estrangeiros vender a preços menores que os nossos,
salvo, bem entendido, para os productos cujo preço
de venda se acha aqui estupidamente elevado. Nos
casos de reducção forçada de preços seriamos bene-
ficiados, pois isto viria affectar as industrias que
pagam salarios baixos, e a concorrencia as obrigaria
a reorganizarem-se sob methodos noyos; teriam en-
tão de pagar salarios altos, com reflexo immediato
na capacidade acquisiti\'a do publico. Temos hoje
uma illimitada capacidade para absorver productos
bem feitos e de preço justo. O mundo inteiro seria
beneficiado com a facilidade de nos vender produ-
ctos postos na base da livreconcorrencia, pois tam-
bem se yeria arrastado aos grandes negocias que
possibi1.izam os salarios altos.
A industria estrangeira desenyolveu-se de modo
diverso da nossa. A Inglaterra, a primeira nação in-
dustrial que surgiu, poude exportar todos os seus
productos ás nações não industriaes, e creou um
grande systema de transporte maritimo porque ti-
nha os homens precisos para construir barcos e tri-
pulaI-os. Uma tarifa aduaneira teria entravado suas
operações, e a Inglaterra não necessitou crear o
mercado interno porque no mercado externo via-se
sem concorrentes. Quando a Alemanha se transfor-
mou em paiz industrial, elaborou um minucioso pro-
gramma de protecção do estado á industria, por
meio de tarifas e subvenções.
Depois da guerra todas as nações da Europa
experim.entaralll favorecer o desenvolvimento das
suas industrias pelo systema alemão. Generalizou-se
Hoje
e
Amanhã
31J)
a idéa de que só fóra de portas a industria encontra-
ria seus mercados e sua prosperidade. Este conceito
determinou a creação dum labyrintho de b r r e i r ~ s
alfandegarias, licenças de exportação e importação,
regulamentos e subvenções officiaes, etc. Tudo, me-
nos producção.
As facilidades de producção existem sempre, e
como são maiores que a capacidade de consumo, não
haverá paz na terra emquanto a capacidade de con-
sumo não c1eyar-se e mantiver-se ao nivel da capa-
cidade productora. Este nivelamento só será alcan-
çado quando o principio a que chamamos "salario-
causa" substituir o principio do "lucro-'causa".
Caminhos errados
Fóra dos Estados Unidos, o principio do "sala-
rio-causa" nunca encontrou terra firme. Os negocios
se acham pela mór parte luis mãos dos financeiros,
e existem para fins de lucro, não de serviço social.
Fóra dos Estados Unidos não existe nenhum nego-
cio reahnente grande, e os que passam como taes
são pyramides inseguras, pois não se baseiam na
idéa de serviço. Dá-se por assente que o capital e
o trabalho não se acham elnpenhados numa em-
preza de cooperação. Ao "salario-causa" não lhe
permittem criar raizes. l\1ettido entre as taxas e
regulamentações governanlentaes e as restricções
impostas á efficiencia pelas sociedades obreiras, tu-
do lhe tira as possibilidades de victoria. Vemos go-
vernos trabalhistas que ascendem ao poder· cheios
.316 lIenry Ford
de idéas defensoras do trabalho; vemos governos
capitalistas que sóbem COln programmas de defesa
do capital. ]\'[as a f"arçanteria politica é tamanha que
nunca vemos subir governos libertos da mentalida-
de empirica, e prepostos a conduzir o povo a aju-
dar-se a si mesmo. Ninguem se anima a arrostar a
crueza da realidade.
Os balsamos politicas não podem sah-ar a Eu-
ropa. Nenhuma repartição da propriedade resultará
efficaz porque existe muito pouca propriedade a re-
partir. A salvação está· em, pela producção efficien-
te, crear mais propriedade. Esta producção, porém,
dará origens a noyas perturbações si ao Dlesmo tem-
po não se elevar com ella a capa'cidade de con-
sumo.
Augmentar a capacidade acquisitiva
Nossa empreza não necessita de mais experien-
cias sobre a possibilidade de erguer a capacidade
de consumo. Temos Sllccursaes, filiaes e emprezas
associadas em quasi todo o mundo - e em todas
cmpregalTIOS os mesmos methodas das nossas fabri-
cas americanas, pagando SelTIpre o nosso typo de sa-
lario. Os resultados conseguidos sempre foram ma-
ra vilhosos. Nossos salarios no estrangeiro corres-
pondem em regra ao dobro ou triplo dos salarios
lacaes, mas como a nossa organização visa isso, a
producção sae mai's barata. Essas fabricas no estran-
geiro não correspOndelTI a pequenas colonias ameri-
canas- Geralmente as montam e as põem em movi--
fi o j e e AI1lanhã
317
mento homens instruidos em Detroit; mas todo o
pessoal é tomado in loco. Nossa fabrica da Irlanda é
irlandeza; nossa fabrica da Gran Bretanha é toda
ingleza; nossa fabrica do BrasIl é toda brasileira, e
assim por deante. Não prestariamos um serviço á
communidade si procedessemos de outro modo.
Na Irlanda e na Inglaterra
Tomemos a fabrica de Cork, de cujos
proveem os meus antepassados. Essa cidade é do-
tada 'de um porto maravilhoso e de bellos pontos
industriaes. Escolhemos a Irlanda para montar essa
fabrica porque desejavanlos metter esse paiz no ca-
minho da industria. Havia nisso, confesso, um senti-
mento Montamol-a em 1919, destinada a fa-
bricar tractores para o consumo europeu; mas a li-
berdade de producção foi de tal modo asphyxiada
pela politica que a transformamos em fundição abas-
te,cedora da nossa fabrica de Inglaterra.
Durante muitos annos Cork foi uma cidade de
trabalho occasional e ele extrema pobreza. Tem cer-
.
vejarias e distillarias mas nenhuma verdadeira in-
dustria. O melhor que podiam esperar os operarios
era trabalharetn dois ou tres dias por no
caes, recebendo 60 shillings, ou 15 dollaí:es, por um
rude trabalho de carretagem. Caso se dedicassem á
la\'oura, não poderiam ganh:u" mais de 30 a 32 shil-
lings por semana. N enhtuTI desses trabalhos era
permanente.
318 Henry F Qrd
Os operarios e suas familias propriamente não
viviam.
Não tinham casas, senão choças, nem outras
roupas além das que trazialll no corpo.
Nossa fabrica começou a funccionar dirigida
por tres homens vindos de Detroit.
Hoje damos serviço a 1.800 operarios. Traba·
lham 8 horas por dia durante 5 dias por semana,
vencendo o salario minimo de 18 shillings diarios.
O salario medio é de 1 libra por dia, paga cons-
tante e ininterrupta, cousa que poucos homens ja-
mais tinham visto aUi.
Não temos fluctuações de pessoal e ha s ~ p r
uma longa lista de aspirantes. Attribuem-se aos ir·
landezes certo temperamento; mas nós não temo!!
deUes nenhuma queixa relativa ao trabalho de r ~
petição. Só nos primeiros mezes alguns se queixa-
ram da prohibição de fumar durante o serviço.
O pagamento desses salarios elevados reflectiu-
se logo nos lares irlandezes. Pudemos observar isto
nas esposas dos operarios. A regra é levarem comi-
da aos maridos. Durante as primeiras semanas apl
pareciam ellas com um lenço na cabeça. Depois vi-'
nham de· chapéo, e semanas mais tarde já traziam
bons vestidos. Os operarios não passam mais as noi-
tes vagando pelas tabernas, andrajosos e de lenço
ao pescoço. Além da roupa do serviço possuem ou-
tras, e á tarde saem á passeio com suas mulheres,
de collarinhos brancos e bengala. O costume antigo
de se embriagarem logo depois da paga desappare-
ceu. Tambem desappareceu o costume de entrarem
H oj e
Amanhã
319
para o serviço, nas segundas-feiras, em lamentaveis
condições; entram agora descançados e alegres.
Apesar destes homens não terem nenhuma expe-
riencia do uso do dinheiro, aprenderam sem demora
a' empregaI-o com juizo e a f ~ e r economia.
Outro facto interessante relativo aos operarios
de Cork foi a sua attitude durante a revolução. O
inspector da fabrica recebeu varias ordens para
'fabricar munições para os rebeldes e a isso se negou.
Um dia appareceu lá um caminhão com 15 soldados,
e o tenente que os commandava entregou ao inspe-
ctor uma lista de requisição de machinas. O inspe-
ctor procurou convenceI-o de que taes machinas de
nada lhes serviriam, pois não bastam machinas para
fabricar munições. O tenente, porém, cumpria or-
dens e mostrou-se disposto a executaI-as. Exigiu
entrega immediata. Então o inspector lhe disse:
- Temos a trabalhar nestas offici nas 1.800 ir-
landezes, bons e fortes. Não sei o que elles farão si
eu lhes disser que vocês querem levar parte das ma-
chinas, mas me parece que poderemos adivinhaI-o.
Aconselho, pois, ao amigo que se vá embora antes
que aconteça qualquer cousa.
O tenente seguiu o conselho.
Operarios bem pagos não apoiam revoluções
meramente destructivas. Alguns dos nossos opera-
rios já possuem automoveI. Passado mais algum
tempo, e reduzidos os impostos, a maioria delles os
possuirá e o typo de vida do operario irlandez se ele-
vará como em nosso paiz.
Grande parte do elemento operario da Inglater-
Henry Ford
ra não está syndicado e mantem-se estrictamente
nos seus grernios. Nós não possuimos gremios em
nossas industrias e, ernbora não sejamos contrarios
ás associações obreiras. não tratamos com e1las, "is-
to como não pOclell1 prestar-nos nenhum sen'jço.
Pagamos salarios lnais eleyados que o que ellas
fixan1 para os seus men1bros: elamos serviço sem
interrupção e não nos mcttemos com os negocios
de ninguell1.
O typo de vida dos nossos operarias na Ingla-
terra é eleyado; trabalhan1 bcn1 e O· cu,.;tç. ela pro-
ducção é baixo, não tanto como na pOl-que
não temos o n1esmo volume de producção. :J\las o
nosso exemplo basta para dem.onstrar que sob uma'
organização baseada em altos sala,"ios e sem l'es-
tricções indi\"iduaes de efficiencia, a Inglaterra po-
de conyerter-se nun1 paiz ele elevados salarios e, por
conseguinte, ele grande consutl1o.
Em França, Suecia e outros paizes
Introduzimos nossos carros em França em 1907,
e pensa"amos eU1 nlontar uma fabrica ele montagem
quando rebentou a guerra. Pouco elepois nos pedi-
ran1 que forneceSSel110S carros, prÍl11eiro para as alU-
bulancias e depois para uso geral. Em 1916 abrimos
uma fabrica ele l110ntagem em Bordé05, que durante
tres annos só trabalhou para a guerra, entregando
mais de 11.000 carros ao governo francez. :J\las
não tem importancia. O importante é que nessa fa-
brica empregamos 300 operarios da nossa forma
Hoje e
Amanhã
321
usual, os quaes se adaptaram sem difficuldade aos
nossos methodos de prodU'cção. Temos agora uma
fabrica em Paris, construi da segundo os nossos mo-
delos e com capacidade para 150 carros por dia. E'
facil de imaginar o vulto das economias que os ope-
rarios francezes obteem com o nosso salario.
Nenhum delles pensa em socialismo. Em Cope-
nhague, onde montamos uma fabrica em 1919, de-
frontamos pela primeira vez com um governo tra-
balhista que regulamentaya as 'Condições e o dia de
trabalho, bem como os salarios, e praticamente con-
vertia as regulamentações syndicaes em leis do paiz.
Nós admittimos em nossa fabrica homens de toda!"
as profissões: barbeiros, pregadores, ferreiros, lavra-
dores inexperientes, etc., e os puzemos a trabalhar
nas machinas, uns junto dos outros, conforme a:::
nossas regras. Estabelecemos um salario minimo que
correspondia a 5,25 dollares nos Estados Unidos,
ganhando alguns um dollar mais. Foi logo suggerido
ao director da fabrica que a regulamentasse de ac-
-cordo com a lei, devendo cada officina submetter-se
a uma classificação especial e sujeitar-se a certn.
escala de salario. Mas nós não nos podiamos classi-
ficar; não podiamos inscrever-nos como uma ferra-
ria, classificação da qual nossa fabrica mais se ap-
proximaya. Alem disso os operarios que não eram
ferreiros se oppunhaln a que os despedissem l o ~
seus bons empregos.
Nossa fabrica se installou alli para ser util e o
é: mas não o seria si a houvessem obrigado a accei-
tar uma classificação academica.
322 Henry F o ,'d
Nossa experiencia eUI Aluberes, Rotterdam
Barcelona e Trieste tem sido a 111.eSlUa que no resto
da Europa. Em toda a parte encontramos homens
dispostos a trabalhar seria1l.l.ente em troca dos nos-
sos salarios, e a trabalhar tão benl. que nos propor-
cionanl. resultados nl.e1hores que os obtidos nos mes-
mos paizes pelos industriaes que paga1l.l. salarias
baixos. O salario alto sempre se acompanha de um
typo de vida melhor, embora em toda a parte os
governos ponham nIuitos dos productos do operaria
fóra da sua capacidade a-equisitiya. Nosso automo-
vel, por exemplo, é vendido em certo. paiz pelo tri-
plo do que custa nos Estados Unidos, unica-
Inente aos tributos do governo. Semelhantes impos-
tos não só asphyxiam o conSUll1.0 como cream um
exercito de parasitas.
No Brasil
Nossas succursaes na Sul America dizem a mes-
lHa cousa; foranl na maioria installadas elU terri-
torios de industria rudimentar, excepto a de Bue-
nos Ayres. Essas succursaes se encontranl elU Bue-
nos Ayres, Santiago, São Paulo, Pernambuco e 1\'[on-
te\-idéo. Em nenhum desses paizes podemos pagar
o nosso salario corrente, o grande valor do
dollar faria parecer grotescos os salarios que paga-
mos nos Estados Unidos.
Pagar salarios normaes em paizes totalmente
nO\'05 para a industria tenl. sido uma curiosa
riencia ; mais curioso ainda é observar o que o au-
Boj e e
Alllanhã 323
tomovel faz nesses paizes. O Brasil, por exemplo, si
bem que occupe a 15.
a
parte da superficie da terra,
e encerre grandes recursos naturaes, não possue
meios de transporte que lhe permittam o desenvol-
vimento. Um paiz só se desenvolve pela creação de
meios de transporte, e na maior parte do Brasil
só se pode utilizar do automovel durante seis mezes;
durante o resto do anno os caminhos se acham em
tão más condições que nenhum carro pode percor-
reI-os. A succursal brasileira só tem u"'m anno de
existencia, mas já os nossos altos salarios - e elles
i n ~ são mais altos do que parecem devido á regu-
If:ldade - começam a produzir seus beneficos effei-
tos. Si os operarios ainda não modificaram suas con-
dições de moradia, começam, entretanto, a vestir-se
melhor, compram moveis e põem de lado dinheiro.
Não sabem ainda o que fazer delle, mas não abando-
nam o trabalho pelo fa-cto de o terem em quantidade
acima do preciso (tinhamos receiado isto) e tambem
não contrahiram habitos de prodigalidade. Logo co-
meçarão a ter outras necessidades, e o processo de
desenvolvimento da civilização material achar-se-á
em andamento. O automovel está destinado a fazer
do Brasil uma grande nação. Os nati\"os, embora
completamente ig.norantes a respeito de toda a espe-
cie de machinas, e desacostumados á disciplina, che-
gam muito depressa a executar todos os trabalhos
de montagem e de reparação. Parece que aprendem
muito depressa, provavelmente porque enxergam
boas razões para isso.
-324
Henry Fo rd
o automovel crea a estrada
'Tambem o Oriente desperta. Como já disse em
capitulo anterior, não temos em Detroit estudantes
mais ardorosos do que os indianos e chinezes.
Estes homens comprehendem que a salvação de
seus paizes está na introducção da força motriz.
creadora do mercado interno. Queixam-se com amar-
gura das tetltativas do capital estrangeiro para ex-
plorar-lhes a miseria, e desejam ardentemente apren-
der a se conduzirem por si mesmos. Não podemos
ajudar o Oriente sinâo estabelecendo nelle insti-
tuições industriaes de espirito moderno.
Graças ao pagamento de altos salarios as In-
dustrias crearão seus proprios mercados. Por toda a
parte se abrem estradas por influição do automovel.
Para tel-as, começa-se primeiro por ter automoveis.
Não foram as boas estradas que crearam o automo-
vel, mas o inverso. Tem-se dito que o systema de
castas em vigor na India constitue um obstaculo
absoluto para qualquer desenvolvimento. Entretan-
to, vemos em nossas escolas hindús de todas as cas-
tas a trabalharem juntos, esquecidos de que existem
castas. Não posso dizer como procederão ao regres-
sarem para a India. !'vIas si esquecem o espirito de
casta emquanto trabalham comnosco, é que tal es-
pirito ã ~ é tão poderoso como dizem.
Qual a importancia destas incidencias relati-
vamente futeis? Em que pode interessar á humani-
dade soffredora que uns homens de Cork tenham
Hoje e
Amanhã
325
mudado o seu CQstume de trazerem um lenço ao
pescoço, adoptando o collarinho?
Esta mudança não passa de úln symbolo, mas
de um symbolo importante. ~ f o s t r que um homem
contribuiu para a producção, que ajudou a realizar
qualquer cousa neste mundo, que accresceu, de um
nada que seja, a somma total das riquezas do uni-
verso. A acção politica não é constructiva; só pode
favorecer a destruição ou esperar manter o stat"d
quo, cousa equivalente a urna destruição lenta, por-
que o curso da vida não pode ser detido.
O que o Inundo mais necessita, hoje, é ter me-
nos diplomatas superciliosos, menos politicos e mais
homens que se elevem do lenço no pescoço ao col-
larilfho.
Capitulo XXIV:
POR QUE NÃO?
N este livro só nos occupamos de cousas mate-
riaes, estudando os meios de prover ás necessidades
materiaes do homem. Saude, riqueza e felicidade -
é empós disto que, atravez dos tempos, segue a hu-
manidade. Saude só por si não traz a riqueza, bem
como a felicidade não é consequencia logica da ri-
queza e da saude, juntas ou separadas. A felicidade
é um elemento subjeCtivo, mas qualquer que seja
a sua essencia, ninguem negará que a saude e a
riqueza favorecem-na melhor do que a doença e a
miseria.
Geralmente todos ~ c c o r d m em admittir que,
si a civilização tem um senso, deve significar a possi-
bilidade de, pelo menos, terem os homens moradia,
mesa e roupas decentes - além do superfluo que o
merito individual possa autorizar. Si isto não fôr
obtido, então a civilização não passa tambem de
uma palavra yã. Que importam os livros que se pos-
sam escrever, os mOnUlTIentos que se pÓSSalTI érguer,
328
Henry Ford
as obras d'arte que se possam crear, si não se offe-
recem Opp(utunidades a todos quantos procuram
viver urna vida digna de um ser humano?
A pobreza
o nosso mundo foi degradado pela pobreza, e a
tal ponto que se viu reduzip.o a fazer da pobreza
urna virtude. Homens houve que se jactaram de ser
pobres, e a unica esperança de rederl1pção offereci-
da ao mundo foi, além da promessa do céo, feita pe-
las religiões, a promessa communista, não de rique-
za para'todos, mas de igualdade da miseria. Em re-
sumo: a cultura e a sciencia sempre evitaram arros-
tar o grande problema do mundo. E ainda tudo
quanto tocava á producção e destribuição dos bens
- melhoria da sorte do homem - se viu conspur-
cado com a pecha de mercantilismo. Era nobre falar
sobre o allivio da pobreza, mas indigno fazet qual-
quer cousa, de modo concreto, para allivial-a.
Até agora a humanidade não se .capacitou de
que todo estudo cujo fim não visa o bem estar do
commum das creaturas, carece de valor. Veja-se a
sciencia, a philosophia e a religião. Não se pode di-
zer que urna se atenha mais ás realidades do que
outra. Todas ellas se ateem a realidades. Todos os
factos não apparecem no mesmo plano; -a sciencia
não é estrictamente material; a religião não é estri-
ctamente espirituaL Ivlateria e espirito: termos que
empregamos para fazer distincções que talvez não
existam. Sem embargo, a sciencia, a philosophia (>"
Hoje
e A III a II h ({ 329-
a religião se teem mantido alheiadas, estas maIS,
aquellas menos, de todo o materialismo que se re-
laciona com as cousas vulgares, taes o pão e a
manteiga.
A era da industria
o advento da era industrial, embora augmen-
tasse rapidamente a riqueza, creou o problelna da
sua distribuição, e augmentou a riqueza do rico e
tornou mais pobre o pobre. A .. producção obtida por
meio da força motriz e das machinas fez-se maior do
que a obtida manualmente; mas os industriaes não
concebiam que a força motriz e as machinas esti-
vessem destinadas a crear um novo mundo; sempre
pensaram com a mentalidade da éra de producção
manual e ainda continuam pensando assim. Até os-
reformadores pensam desse modo. Tivemos então a_
edade de_ ouro da eloquencia que escondia sob bellas
palavras as crueldades da exploração.
A maior parte das nossas concepções economi-
cas e sociaes datam desse tempo. Muito se falou de
"bons patrões" e "máos patrões", relacionando-se o-
caracter delles com o bem estar dos seus operarios.
Toda a gente considerava o patrão como um homenl
que" dava" collocação. Durante muito tempo a nin-
guem occprreu que era o operario tão necessario ao-
patrão como este áquelle, e que a relação entre am-
bos não podia ser de ordem sentimental. O fabri-
cante que se aventurava a corrigir os males inheren-
tes á producção recebia o qualificativo de "philan-
330 Henry
Ford
tropo", senhor levemente grisalho e excentrico, a
distribuir auxilios immerecidos a pessôas sem bas-
tante dignidade para recusaI-os.
Os homens falavam da democracia e a associa-
vam á liberdade; mas sempre que alcançavam' o go-
autonomo - que se suppõe ser o mesmo que
democracia e liberdade - faziam autocracia sob
qualquer nome.
Queriam que o estado regulamentasse a indus-
tria, crentes de' que o estado pode substituir a direc-
ção industrial e que, como cousa nova, a industria,
necessitava de regulamentação. O certo era o contra-
rio disso; a industria não tinha ainda descoberto
a sua funcção e necessitava- de liberdade para des-
cobril-a. A multidão de leis que temos hoje, verda-
deiro mar de decretos e regulamentos, só demonstra
diminuição dos direitos e da liberdade do homem.
E' indubitavel que as liberdades humanas se
ampliarão muitissimo, graças ao desenvolvimento da
força moral do homem e á victoria da liberdade eco-
nomica (não liberdade de se subtrahir 'ás leis eco-
nomicas, sim liberdade dentro da vida econoinica).
Mas estamos vendo todos os dias que, si um quidam'
qualquer pode - fazer uma lei, é necessario um ver-
dadeiro sabio para a fazer baseada nos bons princi-
pios; muitas vezes urna lei detem o progresso, por-
que este exige certas modificações e os homens são
naturalmente inimigos de mudanças ainda que em
beneficio do progresso.
E, então, é curioso verificar-se que as
Roje
e Amanhã
331
-quaesquer que sejaul, resultam, em regra, no con-
:trario do que dellas se esperava.
As tarifas proteccionistas
A tarifa alfandegaria começou com o fim de
-proteger os trabalhadores nacionaes e assegurar a
independencia economica do paiz, mas acabou no
triste espectaculo dos trusts sem concorrencia. De
uma barreira protectora contra o perigo, a tarifa se
tornou o melhor meio de afastar as vantagens da
concorrencia leal. O principio em que se baseavam
:as tarifas continha elementos acceitaveis para as in-
-telligencias sérias, mas a applicação das tarifas se
tornou oppressiva. Poder-se-ia encher um volume
inteiro com a ennumeração destas leis, ricas em pro-
messas, mas unicamente utilizadas em proveito de
-interesses pessoaes, oppostos ao interesse publico.
Durante todo esse tempo, em quanto iamos tro-
peçando e se proclamava o fracasso do governo, os
homens que antepõem o trabalho aos bel10s discur-
sos trabalhavam com resultados tamanhos que des-
-.cobriram o verdadeiro significado da força motriz e
-da machina. Descobriram que a força motriz e a
machina vieram ao mundo para libertar, não para
-escravizar o homem, donde resulta Ulna moral acti-
va e não meramente passiva.
Um homem pode fabricar certo typo de sabão,
um phonographo, um carro ou outro qualquer pro-
~ d u t o e dizer: quero fabricar o melhor artigo que
-possa, sempre da mesma qualidade, de facil acqui-
332
Henry
o r ~
sição e tão satisfactorio que ninguem queira outro.
producto.
Dir-se-ia que esse homem estava dando prova.
de moralidade? Não; o que se diria é que elle de-
monstrava um senso exacto do negocio. Mas morali:--
dade é precisamente isso. Si esse homem dissesse::
quero fazer uma especte de sabão que dê prej uizo-
e prejudique a cada comprador, não nos deteriamos,
em analysar a sua moralidade, dando-o logo como.
um louco.
o que é moral
A moralidade é fazer as cousas boas do melhor
modo possivel; é a _ visão mais ampla e de melhor
ól.1cance applicada á vida. Pois, pergunto: que é:
que estamos fazendo realmente? Sabão? Carros?
N ada disso. Estamos construindQ a vida, estamos-
creando opportunidades e condições de vida, E a
medida da nossa moralidade coincide com a medida
da nossa sensatez - estamos a fazer bem feito? Di-
gamos da vida pelo menos o que diriamos do sabão::
"queremos crear para toda a gente as melhores.
condições de vida possiveis, um alto nivel de oppor-
tunidades, uma vida que se viva com alegria". E:
então teremos formado sobre a vida um juizo sen-
sato"
A \a"ltagem do moral é que é natural. O moral':
representa o caminho que tem de seguir a vida, .si:
é que tem de seguir algum. O bom é natural. A mo-
ralidade é uma parte da boa direcção. O bom indus-
Hoje
e Alllanhã 333
trial- poderá estranhar esta palavra como qualifica-
dora de sua obra, e dirá que se trata simplesmente
de senso commum. Mas moralidade é isto: o desen-
volvimento sincero e leal da vida segundo sua pro-
pria natureza.
O effeito social dessa moralidade expressa-se na
consagr:ção do negocio ao serviço da totalidade do
publico, nunca apenas de minorias. A expr.essão "es-
pirita de serviço" parecerá talvez muito idealista.
O espirito de serviço é simplesmente a comprehen-
são de que nenhum homem, nenhuma industria, ne-
nhum governo ou systema de civilização pode sobre-
viver, caso não preste um serviço continuo ao maior
numero de creaturas passiveI. O unico interesse que
possa apresentar uma obra qualquer é o serviço que
lhe prestamos ou .que ella nos presta. Como indiyi-
duos normaes e creadores, ficamos satisfeitos caIu
o serviço que prestamos em nosso trabalho; como
membros da civilização ou duma sociedade, só nos.
satisfazemos com a quantidade de serviços que eUa
nos presta.
Este serviço não pede altruismo. Só pede que a
instrucção substitua a ignorancia. O altruismo en-
torpece o progresso; obstróe o caminho do que é no
momento possivel, insistindo no que é no momento
impossivel. Exemplo: o seguro contra a falta de
trabalho e a pensão para a velhice aggravam a falta
de trabalho e a penuria dos velhos, por meio duma
sobrecarga que limita o consumo, e, portanto. a
producção, a ponto de impedir o surto das Yanta-
gens decorrentes da producção ininterrupta.
334 Henry
Ford
Só O trabalho tudo resolve
Por outras palavras: só o trabalho permitte es-
capar á pobreza, e o mundo vive a experimentar
tudo para fugir ao trabalho. Mormente ao mais duro
dos trabalhos - a direcção: A maioria dos chamados
problemas "economicos" se resolveriam por com-
pleto si a industria fosse dirigida por homens que a
conhecessem. Os peritos, os investigadores de pro-
fissão, os philosophos commodistas cream, a propo-
sito de tudo, mysterios e problemas economicos. Mas
não ha nenhum mysterio econom.ico no caso de um
cavouqueiro que falhasse como cirurgião. O mesmo
tem que succeder com "financistas" profissionaes
que se metterp a dirigir industrias productivas.
Grande parte das "perturbações operarias" vem
de directores que não conhecem por experiencia as
condições do trabalho. Não são "perturbações ope-
rarias" e sim "perturbações de direcção". O remedia
consiste em substituir o director incompetente por
um homem tão senhor de tudo que ninguem possa
vir dizer-lhe como é preciso fazer ou não fazer o
trabalho. Director ao qual alguem de fóra tem a
ensinar qualquer cousa, só deve fazer isto: pôr o
chapéo na cabeça e safar-se.
E não apenas os transtornos operarios te em essa
causa, como ainda as difficuldades da industria em
acceitar os aperfeiçoamentos possiveis e o augtnen-
to de serviço. A industria só existe para produzir
cousas de uso publico; mas quando dirigida por ho-
mens que nada sabem da fabrica e só se interessam
H oj e e
A111anhã 335
pelos balanços, seu producto principal se torna o
dividendo. E' o que crea as situações economicas
sobre que se escreveram bibliothecas. Não são situa-
ções economicas. Nada ha na industria em si mesma
que possa conduzir ao fracasso; os homens, porém,
que nella penetram sem um conhecimento firme dos
pontos essenciaes, levam o fracasso comsigo. A in-
dustria não falha; falham os homens. E na industria.
só ha uma porta - a do trabalho.
Os eIllpregos
Pergunta-se muitas vezes si é preferivel diri-
gir uma industria ou trabalhar nella como empre-
gado.
O emprego, 'Como carreira, faz aos negocios par-
ticulares uma concorrencia de que pouca gente se dá
conta. Hoje a situação de empregado offerece car-
reiras equivalentes, e ás vezes superiores, á que faria
um homem como patrão. A expansão dos negocias
deu aos empregos uma importancia que não tinha o
patronato de meio seculo atrás. l\1uito disparate se
tem escripto sobre a liberdade do operario no regi-
men antigo. Esse regimen de corporações nada ti-
nha de ideal. Os regulamentos acanhados e as tra-
dições rotineiras pesavam brutalmente sobre patrões
e operarias, occasionando pouca satisfação ao indivi-
duo e nenhuma prosperidade ao mundo.
O estimulo creador jamais se viu tão resoluta-
mente avivado, nem de campo tão ampliado como
no moderno emprego industrial.
336 Henry
Ford
Tomemos, por exemplo, os desenhos e plantas.
Os desenhos são talvez o que o passado nos deixou
de melhor na industria. Mas o mundo do desenho
se alargou de modo illimitado após o advento da in-
dustria moderna, graças á sua extensão de serviços
e estimulo ao esforço individual. Onde havia anti-
gamente um desenhista para todo trabalho existem
hoje centenas. E embora alguns dos desenhos mo-
dernos não sejam bons, não quer isso dizer que to-
dos os antigos o fossem. E ainda que todos os nossos
desenhos fossem máos, seria preferível guiar-nos
por elles do que seguir servilmente os de uma ge-
ração anterior. O que estamos em via de realizar é
a conquista para o trabalhador de uma liberdade
maior do que outróra. Sabemos que é possivél con-
seguir que as cousas necessarias á vida se torne'm
muito faceis. Nas nossas usinas verificamos que
-cinco dias de trabalho por semana bastam para a
nossa producção, e que nestes cinco dias de oito ho-
ras podemos produzir mais do que em seis ou sete
de dez horas. Este dia de folga conquistado trará
grandes vantagens: o operario aprenderá a viver
melhor, creará novas necessidades e fomentará o
consumo.
.0 espirito de serviço
O mundo pode ter todas as mercadorias de que
necessite, com a condição de que prevaleça na in-
dustria o espirito de serviço. Mas para isto é neces-
sario modificar nossa mentalidade e dizer adeus ao
.H oje e Amanhã 337
-. .conservantismo mumificado e ao selvagem radica-
lismo.
E' preciso no governo uma nova idéa conserva-
dora que não prometta vida sem trabalho, nem pro-
-::metta castellos a todo mundo, e que não considere
..como um" ser perigoso o homem que sabe trabalhar
"1nelhor que o seu companheiro. Seres perigosos são
<>s que encorajam ,o desperdicio, a inefficiencia, a
:limitação da producção, a limitação dos salarios, a
o:iimitação das opportunidades, a limitação do pro-
gresso industrial, a limitação da concorrencia ou
-.outro qualquer systema baseado no egoismo de c1as-
:se. Tratará do mesmo modo o homem que recusa o
:trabalho diario como ao que foge da lei da concor-
--rencia, abrigado na tarifa protectora. A nova idéa
'Conservadora comprehenderá que a legislação por
csi mesma não pode crear nenhuma condição eco-
nomica favoravel; o mais que pode é desembaraçar
ú caminho. Já é -difficil enganar aos povos com pro-
messas de leis que tragam a prosperidade. O mais
-que a lei pode fazer é dar aos povos a certeza de que
.a lealdade deve ser a norma de tudo.
Não vivelnos em uma epoca de supren'!acia in-
<lustrial; esta expressão trahe a incomprehensão do
-que se passa. Vivemos simplesmente en'! uma epo-
"Ca elTI que se torna passiveI prover a uma parte das
necessidades de todos os homens, si elles o qui-
_ ~ e r e n 1
Talnben'! não viven10s na edade da machina.
Vivemos em uma epoca em que é possivel utilizar
338 Henry F o rei
a luachina para o serviço publico, ao mesmo tempc
que com lucro privado.
l\1as o futuro? Não teremos super producção?
Não attingiremos um ponto em que as machinas se-
tornem tão poderosas que a mão de obra se faça:..
inutil ?
O futuro não nos pertence. Despreoccupemo-
nos delle. O futuro sempre se encarregou dos seus-
proprios negocios, apesar de todos os esforços, bem-
intencionados não ha duvida, que temos feito para
embaraçaI-o. Desempenhando hoje da melhor ma-
neira a tarefa que nos incumbe, estaremos a faze;:
tudo o que nos é possivel fazer. Pode ser que um dia:
produzamos demais; mas isso não se dará sinão.
quando o mundo todo esteja a possuir tudo quanto
deseja. E no dia em que isso se der, devemos ficar-
contentissimos.
INDICE
Pago
Aurora da Opportunidade 7
Ha limites para os grandes negocios'? 23
Grandes negocios e argentar.ismo 37
Justificam-se os lucros? 53
O impossivel 71
.-\prendendo por necessidade 85
Que é Standard? 97
c\ lição do desperdicio 111
Fontes de producção . 123
O valor do t·empo 135
A economia da madeira 149
Helorno a industrial rural 161
Sala rio e horas de trabalho 177
O valor da força motriz 193
Educar para a vida 211
Remediar ou previnir 223
COlno explorar uma estrada ue ferro 233
A aviação 247
O problema agricola não passa de pro-
blema agrícola :L.).)
Como .equilibrar a 'Yida'? :L(i,
Para que o dinheiro? •. 279
Applicação dos nossos pr.incipios a qual-
quer negocio .
A riqueza das nações
Porque não? .
297
307
:327