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HOJE E

-
~ N H
POR
HENRY· FORD
DE COLLABORAÇAo COM
SAMUEL CROWTI-IER
TRADUCçAO DE
MONTEIRO LOBATO
L
RUA CUSMÕE8. 33 . 1927 SÁc PAULO
COMPANHIA EDITORA. NACIONAL
HENRY FORD
de collaboração com
SAMUEL CROWTHER
Hoje e Amanhã
Tradução de
MONTEIRO LOBATO
COMPANHIA EDITORA NACIONAL
S. P ~ U l O
1927
ESTABELECIMENTO GRAPHICO
EUGENIO CUPOLO
I,AD. SANTA EPHIGltNIA. 21 - S. PAULO
HOJE E AMANHÃ
Duas palavras
o magnifico acolhimento que o nos-
so publico dispensou ao primeiro livro
de Henry Ford, MINHA VIDA E MI-
NHA OBRA.. permittindo duas edições
de dez milheiros cada uma, anima-nos
a dar o seu segundo livro, a que pode-
remos chamar. a verdadeira biblia da
Efficiencia. Livro creador, do qual nin-
guem sae como entra - pois lava-nos
das ideas falsas e dá-nos a co.nprehen-
são nitida de que os maiores milagres
da industria não passam de bom senso
e intelligencia no trabalho.
Ford é o genio mais benefico ainda
surgido entre os homens. Descobriu a
verdadeira significação da industria e
experimentalmente pôl-a em termos de
conciliar ,j velho e na apparencia irre-
ductivel ifIntagonismo entre o capital e
o trabalho. E tão certos se demonstra-
ram os seus principios que em 20 annos
se tornou elle o homem mais rico de
todos os tempos sem que urna só crea-
tura se resentisse da sua victoria. Não
venceu abatendo rivaes, nem exploran-
do q miseria do operario, nenl sugando
o consumidor. Não enriqueceu por meio
de especulações e valorizações á custa do
trabalho alheio. Enriqueceu enriquecen-
do a humanidade, enriquecendo e tor-
nando feliz o operario, enriquecendo e
facilitando a vida do consumidor.
A industria posta nas bases das' suas
geniaes idéas não conduz, corno até aqui,
á formação de magnatas em troca da
perpetuação ou aggravamento da mise-
ria humana. Conduz á extincção da mi-
seria humana. Pela primeira vez desde
que o mundo é mundo surge com H ell-
ry FQrd a solução certa do problema da
lniseria. Extendida que seja a solução
fordiana sobre todo o globo, estará ex-
linelo o terrivel cancro.
Nenhum pais nlais q ue o nosso pre-
cisa comprehender e praticar o fordis-
mo. Fazemos, pois, votos para que o
Brasil ponha de lado o livro de S. Cy-
priano e adopte como livros de cabe-
ceira biblias conlO MINHA VIDA e HO-
JE E AMANHÃ.
M. L.
Capitulo I
AURORA DA OPPORTUNIDADE
Ha centenas de annos que o homem ouve falar
em falta de opportunidades e urgente necessidade
~ repartir as cousas existentes. Mas cada um desses
annos se abotoou e desabrochou de idéas novas,
creadoras Ele nova série de opportunidades, de modo
que .já hoje possuimos um grande acervo de idéas
comprovadas, capazes, si postas em pratica, de ar-
rancar o mundo ao atoleiro em que jaz e banir delle
a pobreza, proporcionando trabalho a quantos quei-
ram trabalhar. Mas idéas velhas e gastas impedem
esta solução das idéas novas. O mundo algema-se,
venda os olhos e admira:-se oe que não possa correr.
O que vale um.a idéa
Tome-se apenas uma idéa - um idéa peque-
nina em si e possive.! de occorrer a qualquer pessoa
mas que coube a mifn realizar - a da factura de um
pequeno auton10vel, forte e simples, de construcção
barata e ao mesmo tempo susceptivel de proporcio-
8 Henry Ford
-nar altos salarios aos que trabalham em sua cons-
trucção.
A 1.0 de Outubro de 1908 fabricamos o primeiro.
Em Junho de 1924. o decimo millionesimo. Hoje,
1926, estamos no decimo terceiro millionesimo.
Embara it;lteressante, talvez careça isto de irn-
portancia. Tem importancia, sim, o facto de um
simples grupo de homQns reunidos num barracão
transformarem-se hoje num grande corpo industrial
que emprega duzentos mil homens, nenhum dos
quaes percebe menos de seis doBares por dia. Nossos
revendedores dão seryiço, por sua vez, a outros
duzentos mil homens e como não produzimos tudo
quanto nos é necessario, adquirindo talvez o dobro
do que fabricamos, é possivel affirmar que outros
duzentos mil homens trabalham indirectamente para
a nossa industria. Não tomando em conta o grande
numero de pessoas empregadas na distribuição, con-
ducção e conservação dos nossos carros, isto dá um
total bruto de seiscentos mil operarios, directos e
indirtlctos, significando cerca de tres milhões de
creaturas, homens, mulheres e creanças, que tiram a
de uma simples idéa posta em realiza-
ção no decurso de dezoito annos. E é idéa que está
na infancia ainda!
Nenhuma jactancia me move ao enfileirar estas
considerações. Não falo de uma certa pessoa ou de
um certo negocio. Falo de e essas cifras n10S'-
tram o que uma simples idéa comporta de possibili-
-dades. Toda esta gente n6cessita de viveres, roupas,
Hoje
e
Amanhã
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calçado, habitação, etc. Reunida num mesmo ponto,
com os aggregados que lhe teriam de gyrar em
torno para supprir-lhe as necessidades, dava a po-
pulação duma cidade maior que N ew Y ork. E como
isto se fez em menos tempo do que gasta uma crean-
ça para attingir a maioridade, vê-se que falta de
senso é repetir o leit-motif da escassez de opportuni-
dades. Não penetra'mos ainda no sentido intimo da
palavra opportunidade, isso sim.
Rotineiros e pioneiros
Duas especies de homens vejo no mundo - os
pioneiros e os rotineiros. Estes atacam sempre áquel-
leso Accusam-nos de açambarcar todas as opportu-
nidades, quando, de facto, nem rotineiros poderiam
ser se o pioneiro não lhes ralDgasse caminhos.
Reflecti no vosso trabalho no mundo. Abristes
o V05S0 logar ou alguem o abriu para vós? Creastes
o trabalho que vos occupa ou o encontrastes creado?
Descobristes, inventastes uma opportunidade ou vos
beneficiaes com opportunidades que outros inventa-
ram ou descobriram?
Temos assistido ao surto de urna mentalidade
que não deseja opportunidades - prefere tomar-lhes
os fructos trazidos numa bandeja. Esta mentalidade
não é americana. Vem de outras terras e pertence
a raças inaptas para descobrir ou usar opportunida-
des e que sempre viveram do que lhes foi dado.
10 Henry
Ford
As opportunidades e a honestidade
Na geração anterior á nossa contavam-se mil
homens para cada opportunidade, emquanto que hoje
em dia ha mil opportunidades para cada homem. Os
negocios na America mudaram nesta proporção.
Muito escassas eram as opportunidades quando
as industrias vagiam. Os homens só conheciam um
caminho e toq.os queria.m marchar por elle. N atural-
mente que alguns se viram alijados para as margens,
Ja que o numero de homens superava o das oppor-
tuni@ades. D'ahi a crúa dureza da competição de
outróra.
Com a maturidade da industria, entretanto, todo
um mundo inedito de opportunidades se revelou.
Pensa e no numero de portas que cada progresso in-
dustrial abriu á actividade creadora. Disso resultou,
atravez da concurrencia feroz, que uma pessoa não

pode ser bem succedida na sua propria opportuni-
dade sem crear muito mais opportunidades do que
as que pode abarcar.
E' quasi impossivel comprehender o surto da
industria sem admittir a primitiva escassez de op-
portunidades. Algumas formas de negocio parecem
ter progredido, mas tal juizo vem da comparação
com as que fracassaram.
Este facto indica que quando a industria come-
çou a evoluir sob a pressão das necessidades publi-
cas (e foi este o seu unico impulso consolidador)
alguns homens revelavam visão ampla, em contraste
com os que a tinham curta. Os de visão ampla me-
Hoje
e
Amanhã
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lhoraram aos de visão curta. Seus methodos eram ás
vezes immoraes, mas não foi a immoralidade dos
methodos que lhes cdeu a victoria e sim a visão mais
larga das publicas e dos caminhos e
meios de attendel-as. E enorme deve ser o alcance
dessa visão em qualquer ramo, para que a industria
assim possa sobreviver a methodos cruQis e desho-
nestos. E' um erro attribuir successo á deshonesti-
dade. Ouvimos falar em homens "muito honestos
para vencer". Isto poderá ser para elles uma reflexão
confortadora, pG>rém não constitue razão para que
falhem.
Os deshonestos vencem algumas vezes, mas uni-
camente quando os serviços que prestam sobreexce-
dem á sua deshone"tidacle. E outras vezes os hones-
tos falham - por lhes faltarem qualidades que sir-
vam de complemento á honestidade. No successo do
deshonesto tudo quanto é tocado pela tara apodrece
e cahe.
Os que não creem na opportunidade encontra-
rão logar dentro de opportunidades que outros crea-
ram; os que não podem dirigir a contento a sua
actividade sempre julgarão possiyel subordinal-a á
direcção de ou trem.
o progresso
Mas, pergunto, estamo-nos adeantando muito
depressa - não apenas no fabrico de carros luas na
vida em geral? Murmura-se por ahi do operario sa-
çrificado nél, engrenagem da tarefa, diz-se que o que
12
Henry
Ford
se chama progresso se faz a expensas disto ou da-
quillo e, ainda, que a dficiencia está destruindo todas
as cousas bellas da vida.
E' facto que a vida está em desequilibrio - e
sempre esteye. Até bem pouco tempo muitas creatu-
ras não tinham uma hora de lazer e naturalmente
agora não sabem como usaI-o. U nl dos nossos gran-
des problemas é encontrar um ponto de equilibrio
entre o trabalho e o lazer, entre o som no e a alimen-
tação, descobrindo-se eventualmente porque motivo
o homem adoece e morre. Voltaren;lOs a isto depois.
Não ha duvida que caminhamos mais depressa
do que outróra. Ou, precisando, que sornos moviàos
,com mais rapidez. Todavia, serão vinte minutos de
automovel cousa mais commoda ou \ mais penosa do
que quatro horas de caminhadas a pé por caminhos
poeirentos? Ao termo da viagem, qual dos dois pro-
cessos deixa em melhor estado o viajante? Qual
lhe deixa mais tempo e mais energia mental? E
breve estaremos fazendo numa hora, por via aerea,
o q.ue hoje nos rouba dias de automoveI. Seremos
então ruinas nervosas?
Mas esta depressão nervosa existirá na vida ou
só nos livros? Muito falam livros da depressão ner-
vosa dos trabalhadores - mas confessam-na elles?
Consultae os que estão a lidar na tarefa da vida,
do operario que viaja de bonde para o seu trabalho
ao homem que atravessa o continente num dia. Ve-
reis attitudes muito diversas. Em Nez de se furtarem
ao que já veio estão a olhar com esperançosa ansie-
dade para o que está vindo. Sempre boa vontadç
Hoje
e Amanhã 13
para o sacrificio do hoje em prol do amanhã. Esta é
a felicidade do homem activo, do que não se encafua
numa bibliotheca, experimentando ageitar o novo
mundo a velhos moldes. Ide ao operario que segue
no seu bonde. Consultae-o. Dir-vos-á elle que, pou-
cos annos atrás, voltava para casa tão tarde e ex:-
hausto que nem animo e tempo tinha de trocar de
roupa - jantava e atirava-se á cama. Agora muda
de roupa na officina, regressa á casa inda de dia,
janta mais cedo e sáe com a familia a espairecer. E
dizendo isso esse operario dirá que o témpo da com-
pressão terrivel já passou. Poderá o homem hoje ser
mais mercantil no seu trabalho, mas o tempo do ve-
lho e exhaustivo mourejar sem fim passou.
Os dirigentes, os homens que do alto estão mu-
dando todas essas cousas, vos dirão o mesmo. Não
estão sendo anniquilados, estão marchando pela es-
trada que o progresso segue e acham mais facil se-
guir com o progresso do que procurar oppor obices
á marcha das cousas.
E justamente é este o segredo: só teem dor de
cabeça os que estão experimentando puxar para trás
o mundo, e enquadraI-o outra vez em suas pequeni-
nas concepções, o que é absurdo.
A palavra "efficiencia" soffre guerra em virtude
de muita cousa que, não sendo efficiencia, se masca-
ra com as suas feições. Efficiencia significa apenas
fazer o trabalho da melhor e não da peior maneira.
E' transportar morro ácima, em carreta, um tronco
de arvore, ao envez de carregal-o a hombros. E' o
14 Henry
Ford
treino do operario e o proporcionar-lhe energias para
que possa ganhar mais e viver com mais conforto.
Os coolies chinezes, que percebem poucos cents por
longas horas de trabalho, não gosam de mais feh·
-cidade que o operarjo americano, possuidor de sua
casinha e seu automovel. Não pa!3sam de escravos,
em quanto que este é um homem livre.
O. que estamos fazendo
Na nossa organização industrial procuramos
sempre augmentar as nossas reservas de força. Va-
mos ás minas, ás cachoeiras, aos cursos d'agua, no
intento de captar fontes de força barata e adequada,
passiveis de se transformarem na electricidade que
vae augmentar o rendimento da machina e do ope-
rario, elevar-lhe o salario e baixar o preço de venda
dos nossos productos.
Entra neste jogo grande copia de factores. E'
preciso tirar o maximo da força, da materia prima
e do tempo - mira que apparentemente nos tem
levado a -campos diversos, como mineração, viação
ferrea, extracção de madeira, navegação. Gastamos
ás vezes milhões de dollares apenas para economisar
algumas horas de trabalho aqui e alli. Mas realmente
só nos dedicamos a cousas directamente ligadas ao
nosso negocio - fabrico de carros.
A energia empregada em nossa manufactura
produz outra energia - a do motor encerrado den-
tro do automovel. Materia prima no valor de 50 dol-
lares que transformamos em 20 cavallos montado
Hoje
e Amanhã
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sobre rodas. A 1.0 de Dezembro de 1925 tinhamos,
entre carros e tractores, augmentado o mundo com
perto de 300 milhões de cavallos-vapor moveis, ou
cerca de 97 vezes a força das cataratas do Niagara.
O mundo inteiro emprega apenas 23 milhões de
cavallos-vapor fixos, dos quaes para cima de 9 mi-
lhões pertencem aos Estados Unidos.
O facto de dotar o paiz desta energia addicional
é alguma cousa cujo effeito não podemos ainda bem
apreciar, mas estou convencido de que a notavel
prosperidade do paiz em larga se deve a esta
energia addicional que, libertando os movimentos do
homem, tambem lhe liberta e estimula as idéas.
O progresso do mundo está na razão directa
das facUidades de communicação. Nós refizemos o
paiz por meio dos automoveis, e não os possuimos
por €starmos prosperas: estamos prosper0S porque
os possuimos. Não esquecer que não foram elles ad-
quiridos de um bloco, mas gradualmente. O movi-
mento de vendas tem sido gradual - e de facto
nunca fomos capazes de superar os pedidos, sendo
que com a nossa capacidade de dois milhões
por anno mal poderiam os satisfazer ás necessidades
dos nossos freguezes se cada um quizesse adquirir
um novo carro de seis em seis annos.
Isto é um aparte. A prosperidade geral do paiz,
a despeito dos máos annos agricolas, está em directa
relação com o numero de carros em uso. Cousa ine-
vitavel, porque não é passiveI injectar tanta energia
moveI num paiz sem que se sintam os effeitos enl
todas as direcções. Entre outras cousas, e de lado
16 Henry Ford
a sua funcção essencial, o automove1 familiariza o
povo com o uso da energia move1 - ensina-lhe o
que força é, e o põe a circular fóra da concha onde
vivia encaramujado. Antes do automovel muita gen-
te vegetava até morrer sem se afastar de casa mais
de 50 milhas. Isto, porém, nos Estados Unidos, já
se perde no passado, embora inda seja o presente de
outros paizes. Quando os representantes da Russia
vieram comprar-nos tractores, dissemos-lhes:
- "Não. Primeiro deveis adquirir automoveis
e deixar que o vosso povo se habitue a lidar com
machina e fprça, e a mover-se ,com desembaráço. Os
autos vos trarão estx:adas e tornarão possiveis a re-
messa dos productos dos campos ás cidades.
Assim fizeram elles, comprando alguns milhares
de autos, e agora, annos depois, passaram a adqui-
rir tractores em quantidade.
A verdadeira concepção da industria
A grande questão em tudo isto não é que o auto-
moveI. otl o que seja, se torne bom e barato devido
a um plano de producção efficiente. Isto o sabemos
de ha muito. O automovel é particularmente impor-
tante pelas razões dadas, mas o que sobreleva a tudo
é a descoberta duma nova concepção de industria
que torna sem sentido os termos "capital", 'traba-
lho' e "publico".
Por muitos annos OUVilTIOS a expressão "lucro-
causa" significando que alguem, chamado capitalista,
Hoje
e Amanhã
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provia-se de machinario, empregava homens (isto é
trabalho), pagando-lhes o minimo possivel, afim de
manufacturar cousas para vendeI-as, pelo maior pre-
ço possivel, a uma collecção de creaturas chamada
"publico". O capitalista vendia a este publico e em-
bolsava os lucros. vinha o publico
do ar e tambem tirava o seu dinheiro do ar, devendo
ser protegido contra o capitalista espoliador. Tam-
bem os operarios tinham de ser protegidos, e alguem
inventou a noção do "salario indispensavel ávida" ...
Tudo isto provinha dum falso conceito do processo
industrial.
Acanhados negoclOs podem ser conduzidos com
alicerces nesse systema erroneo, mas não o podem
05 grandes, nem os pequenos se tornarão grandes
assim firmados numa theoria que admitte o esmaga-
mento dos seus collaboradores. O facto evidente re-
side em que o publico não vale por uma entidade á
parte. O dono da industria, os operarias e o publico
constituem um bloco uno e, a menos que a industria
possa organizar-se com fito de salarios altos e preços
baixos, destroe-se ella a si propria, pela limitação
do numero de compradores. Os proprios opera-
rios devem ser os seus melhores consumidores.
Q progresso real da nossa empreza data de 1914,
quando elevamos o salario minimo de dois doBares
e pouco a cinco dollares, porque então augmentamos
o poder acquisitivo do nosso proprio povo, o qual
por sua vez fez o mesmo a outro povo e assim por
deante. Esta idéa de alargar o poder acquisitivo por
18
Henry
Ford
meio ~ salarios altos e baixo preço de venda é que
está determinando a prosperidade do nosso paiz.
Constitue a razão fundamental da nossa empre-
za e chamamol-a "salario-causa" (wage motive).
Mas altos salarios não podem ser pagos a quem
se limita a pedil-os. Se os salarios subissem sem
baixa correspondente no preço de custo, o poder
acquisitivo não se alargaria. Não ha "salario de vi-
da", pois, a não ser que um equivalente em trabalho
seja dado, nenhum salario pode ser alto bastante
para que um homem viva delle. Tambem não pode
ha\-er um salario standard. Ninguem no rr ... .1ndo é
bastante sabio para fixar um salario padrão. A pro-
pria idéa de um salario padrão presuppõe que a
invenção e a organização tenham attingido seus ul-
timas limites.
Peior mal não se pode fazer a um homem do que
pagar-lhe um alto salario em troca de pequena som-
ma de trabalho; este salario alto aggrava o preço das
cousas e põe-nas fóra do alcance desse homem. Tam-
bem muito falso é dizer-se que o lucro consequente
ás invenções que baixam o custo pertença ao ope-
rario. Vem isto de outro erroneo conceito do indus-
trialismo. Lucros pertencem, precipuamente, ao ne-
gocio, do qual os operarios são um dos componentes
associados. Se todos os lucros lhes fossem inverti-
dos, os melhoramentos, de que adeante falare"i, tor-
nar-se-iam impossiveis. Os preços augmentariam, o
consumo declinaria, e o negocio morreria. Os lucros
hão de ser empregados de modo a promover a baixa
do preço de custo, e as vantagens resultantes da
Hoje
e
Amanhã
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baixa do custo hão de, em larga escala., caber ao
consumidor, o que vale por augmentar os salarios.
Isto pode parecer complexo, mas sua applicação
não nos trouxe nenhuma' difficuldade.
A grande industria
Para effectuar economias, em material e for-
ça, suppnmlr o desperdicio e assim
realizar o "salario-causa", precisamos tt:lr grandes
negocios - cousa que não significa, necessariamen-
te, negocios centralizados. Nós estamos descçntrali-
zando.
Nenhum negocio fundado no "salario-causa",
e unicamente animado da idéa de utilidade geral,
pode deixar de crescer. Não pode crescer até um
certo ponto e parar; tem que cres·cer sempre ou
decahir. Grandes negocios, sem duvida, podem ser
creados da noite para o dia, pela fusão por compra
de um grande numero de pequenos negocioso O re-
sultado poderá ser algo vultuoso, um mostrengo,
um museu de negocios, muito proprio para denun-
ciar que curiosas cousas consegue o dinheiro. Gran-
de negocio não é demonstração de força do dinheiro
e sim demonstração de força de utilidade geral.
Grandes negocios devem significar os meIOS
pelos quaes os Estados Unidos ganham a vida. To-
dos os nossos negocios, por mais que se fragmen-
tem, são inevitavelmente grandes. Grande paiz que
somos, com grande população e grandes necessida-
des, sempre appellaremos por grande producção e
20
Henry
Ford
grandes supprimentos. Não existe cousa trivial que
não constitua aqui gran.de industria. Bicyc1etas, por
exemplo: mais estão sendo feitas do que quantas
se fizeram no apogeu da sua industria. E os nego-
cios teem de crescer mais e mais, viâto que de tudo
temos supp1;imento insufficiente e caro.
Funcção dos negocias
Tome-se o caso dos lavradores de Sudbury,
Mass., a menos de duzentos annos atrás. Conserva-
se o relatorio da sua reunião para resolver sobre as
medida$ tomadas pelos "mercadores e outros habi-
tantes de Boston afim de reduzir os exorbitantes
preços das cousas necessarias ávida". O café era
tido como razoavel a 20 dollares a libra; sapatos de
homem a 20 doBares o par (aos de mulheres não ha
menção, desnecessarios que seriam, talvez) ; tecidos
de algodão, por hora da morte; um alqueire de sal,
valor de uma pequena fortuna.
Que é que determinou a mudança dos preços
naquelle tempo e os determina hoje? Os negocios -
isto é, a organização do supprimento.
Os negocios começaram minimos e cresceram.
N ada de mysterioso nisto. Quando eram difficeis os
transportes e as communidades precisavam de bal-
des ou enxadas, muito mais facil se tornava mandar
fazei-as no logar. Não seriam os melhores baldes,
nem as melhores enxadas, mas eram os mais acces-
siveis. Ter a cousa perto representa um dos grandes
elemc;!ntos do n e ~ o c l ter a cousa perto de quem
Hoje
e A nl U Il hã
21
della necessita. Em tempos mais recuados a praça
era necessariamente a zona da manufactura. A mór
parte dos objectos de uso se faziam na cidade. To-
dos os commercios cresciam em redor dos correios.
O ferreiro forjava os instrumentos agricolas. O te-
celão fabricava a maior parte dos tecidos não feitos
em casa. UnIa .çidade era quasi uma communidade
ql1e se bastava a si propria.
Disto não se conclue, que todos estes serviços
fossem os melhores e os mais baratos. Qualquer ven-
deiro dir-vos-á que "manteiga alli da fazenda" não
significa cousa nenhuma. A manteiga depende da
mulher do fazendeiro que a faz. A melhor e a peior
podem vir da mesma casa. As fabricas de hoje dão
uma qualidade de manteiga em media muito supe-
rior. Era natural, pois, que, á medida que o paiz se
expandia e os meios de permuta entre as communi-
dades se tornavam mais maneiros, e ainda porque
os transportes se aperfeiçoavam, os melhores for-
necedores obtivessetn um sempre crescente campo
de penetração.
Por este motivo llluitas das nossas grandes in-
dustrias cresceranI no Oeste, que era onde mais se
avultava a população. Quando a industria penetrou
no campo, cresceu ás maiores proporções nas zonas
ricas de materia prima, minerios e combustiveis. A
industria alimentar estabeleceu-se na zona interme-
dia entre os consumidores e os productores de ali-
mentos. Estas grandes organizações de serviço sur-
de modQ natural e Fel-as o povo. Um
22
Henry Ford
ou mais homens lançam a semente mas só o povo
as faz germinar e desenvolver-se.
E hoje, como o paiz cresceu, assim paralella-
mente avultam os negocios, e vamos aprendendo
muita cousa. Vamos aprendendo que negocio é
sciencia para a qual todas as outras contribuem. Es-
tamos na grande éra de transição qa vida penosa
para a vida confortavel. O que a ardua experiencia
nos ensinou acerca dos meios e caminhos relativos
a esta transição, constitue a materia deste livro.
Capitulo II
HA LIMITES PARA OS GRANDES
NEGOCIaS?
Si o operario tornar-se apto para adquirir os
productos que fabrica, isto é, si predominar na in-
dustria o "salario-causa", serão inevitaveis as gran-
des corporações industriaes.
A idéa de pôr o operario em situação de adqui-
rir o que produz tem suas restricções e applica-se
principalmente ás cousas que lhe dizem respeito ao
conforto. Ninguem espera que possa o operario
adquirir um orgão de igreja, um navio, um arranha-
céo. Na sua qualidade de operario nada destas cou-
sas lhe seria de uso. Mas o é, por exemplo, a boa
mesa, como tambetn a boa roupa, a boa casa e uma
razoavel dose de divertimentos para si e sua familia.
Não pode o operario conseguir taes utilidades
por meio de nenhuma combinação politica ou atra-
vez de nenhulna organização de troca, ao molde das
uniões laboristas, porque as cousas não são creadas
pelas leis nem pela troca - facto que não parece
sufficientemente reconhecido. Muitos lideres laboris-
tas estrangeiros, que me teem visitado, sem excep-
24
Henry
F () r d
ção só falaram de politica, do mesmo modo que os
lideres industriaes só falaram de politica defensiva.
O principal interesse delles, ao que parece, reside
em encontrar caminhos e meios para ajustar os des-
accordos entre o capital e o trabalho. Quem muito
medita sobre esses termos começa a pensar em. cir-
culo e. por fim, si é operario, Yae-se afastando da
trilha da producção e. si é lider laborista, acaba an-
sioso por fechar o escriptorio e sahir para a rua, a
discursar.
Idéas falsas
Inpculou-se no povo o lnedo ás grandqs corpo-
rações. As razões desse temor devem-se em parte
a incomprehensão e em parte ao receio do mono-
polio. Tamoem muito amedronta o poder do dinhei-
ro, confundindo-se grandes industrias com grande
força de dinheiro. Idéas atrazadas, fóra dos tempos.
Idéas ainda da epoca em que, valendo um milhão
de dollares por grande fortuna, acceitava-se que ne-
nhum homem podia usar honestamente de tal som-
ma. Quem quer que inicialmente deu curso a esta
idéa mostrou-se bem curto de visão; do contrario
reconheceria quanto mais facil é ganhar dinheiro
honesta do que deshonestamente. O unico ponto im-
portante nisto está em que se confundem grandes
industrías com cousas de dinheiro, em' vez de tel-as
como instrunlento de serviço social.
Hoje
e
Amanhã
25
Lideres naturaes
Permittam-me relembrar que tratamos do dia
de hoje, e não do de hontem ou do de amanhã. O
mundo sempre necessitou de chefes. Os chefes de
hontem eram m,ilitares ou politicos. Pouco importa
a forma de governo que um pai? tenha; o paiz pros-
pera quando possue chefes e falha quando não os
tem. A direcção militar ou politica jamais foi crea-
dora. Só se consideravam victoriosas as emprezas
militares ou politicas quando destruiam qualquer
cousa já creada. Mas não ha nenhum interesse em
deblaterar contra o passado. Os lideres antigos se
riatll sem duvida os lideres necessarios no momento.
Os tempos mudaram e hoje a liderança politica ou
militar não pode servir tão bem aos povos como a
liderança industrial.
A razão do descredito da direéção politica está
no habito em que cahiram os povos de pedir a ella
o que só a industria pode dar. E' o que não compre-
hendem os reformadores profissionaes. Julgam que
á politica é dado fazer o que só cabe á industria, e
propõem regulamentações de preços, disto e daquil-
lo, certos de assim conseguirem a prosperidade.
Ha (3 desejo da prosperidade decretada por leis
- e é natural que seja assim, dad,a a idéa geral que
vê o trabalho como o castigo' da vida. Quem pensa
com acerto, entretanto, sabe que o trabalho vale pela
$alvação g;<.l. raça - moral, physica e socialmente.
26
Henry
Ford
Trabalho e prosperidade
Dá-nos elle mais que a subsistencia: dá-nos a
yida. De algum modo, porém, a prosperidade - e
ninguem ignora quanto ser prospero - se rela-
ciona taato com os altos preços como com os altos
salarios, e desde que salarios e preços podem, appa-
rentemente (não mais hoje), ser elevados por meio
de leis, nasce a confusão de que as leis possam SUDS-
tituir o trabalho.
Ninguem em nossos dias desconhece que a ver-
dadeira prosperidade se assignala pela reducção de
preços, caminho unico de a nonnalizar em vez de a
conservar em uma situação espasmodica.
" Consideremos uns tantos principios fundamen-
taes. Primeiro: porque precisamos de prosperidade?
Sendo ella a facil e ininterrupta satisfação das neces-
sidades do povo e sendo as necessidades do povo
normaes e varias, e os meios de suppril-as amplos,
a pergunta logica é: Por que haveriamos de viver
sem prosperidade? Ainda nos "tempos duros" temos
tido á mão todos os elementos da prosperidade, don-
de se conclue que soffremos "tempos duros" graças
á má conducção dos negocias. As bases economicas
da prosperidade persistem sempre.
l'vfas os homens prc=cisam ser conduzidos á pros-
peridade. A multidão é de capacidade fragilíma, eK-
cepto para destruir. Nem todas as creaturas são
yolnntariamente teem que ser instrui-
das. Nem todos comprehendem que o metter intelli-
no trabalho tira ao trabalho o caracter odio-
Hoje
e Amanhã
27
~ o teem que aprender isto. Nem todos comprehen-
tem a sabedoria do bem dispor os meios para um
certo fim, do preservar material (cousa sagrada, co-
mo producto que é de trabalho anterior), do eco-
nomizar o mais precioso dos bens, o tempo; teem
que ser ensinados.
A industria precisa contar com um generalato
- e de altissimo valor. E as grandes corporações
surgem, inevitavQis, como consequencia da liderança
industrial, posta em logar da liderança politica.
Limites do negocio
Até que ponto deve crescer uma corporação?
Ha limites para a sua expansão? Devem ser regula-
mentadas em vista do interesse publico? Quaes os
perigos do monopolio? Devem os monopolios ser
restringidos?
Estas questões recebem resposta de si mesmas,
si observamos como surge uma corporação de utili-
dade geral. Antes de mais nada tem ella de propor-se
á realização de um serviço social, e acompanhaI-o,
e não fazer-se acompanhar por elle. Tudo no mundo,
para ser feito ás rectas, tem que visar unl objectivo
e o tempo gasto em conduzir uma cousa ás direitas
jamais se torna perdido. E' tempo ganho no fim.
Mas aqui me pergunta alguem: Que devo objecti-
var? Responpo: Deveis tomar algo já conhecido e
experimentar fazer tuelhor. E para isso o bom ca-
minho será julgar das necessidades do publico pelas
vossas proprias necessidades.
28 Henry
F o r d
Parti, então, de onde estiverdes e deixae que o
publico faça por si proprio o vosso negocio. O publi-
co, € somente elle, crea um negocio.
Si temos hoje pom aço é porque o publico com-
prou aço no tempo em que o aço era defeituoso, per-
mittindo a5sim que os fabricantes o aperfeiçoassem.
Temos bons transportes porque o povo de boa von-
tade pagou transportes máos e permittiu que o sys-
tema se aperfeiçoasse. Possuimos optimos automo-
veis porque o povo os adquiria quando ainda no
estagio experimental. Temos os variados productos
do petroleo porque o povo comprava e queimáva pe-
troleo crú, possibilizando assim a expansão ulterior
da industria do oleo.
Desde qtte é o publico que crea as industrias,
a obrigação maior das industrias se estabelece para
com o publico, visto como os que nellas trabalham
fazem parte do publico. Isto responde a um ponto
fundamental: - para quem cabem os lucros dos
melhoramentos introduzidos?
Supponha-se uma industria que; graças á sua
efficiencia, consegue reduzir os preços de venda.
Essa industria transfere aos consumidores os lucros
ach'indos do seu aperfeiçoamento. Si um artigo se
produz por um dollar a menos do que antes, um dol-
lar deve ser abatido no preço de venda. Por este
processo crescerá sempre o numero de compradores
e, mais haverá conlpradores, mais c!:,escerá a indus-
tria. E mais crescerá ella, mais se habilitará a redu-
zir os preços - e assim por deante.
E' obvio que, por efficiente que seja a idéa da
H oj e
e Anlunhâ
29
producção economica, não poderá uma industria
crescer, si com isso não se beneficia o publico. Sup-
ponde que o doBar economizado no custo de pro-
ducção vae para a conta de lucros e o preço de venda
permanece o mesmo. Nenhum augmento traz isto
para o volume do negocio. Fazendo, porém, que o
publico participe do lucro obtido, ha para elle um
beneficio immediato, que logo reage sobre a indus-
tria. Preço mais baixo, industria augmentada, mi-
lhares de homens empregados, salarios augmenta-
dos, lucros accrescidos. Nada se dará, todavia, se
invertermos todo o lucro nos salarios. Para uma
familia de operarios composta de cinco pessoa.s, mais
lucro existe na baixa de preço das cousas do que
no .augmento da paga do chefe. Este augmento vem
por meio do augmento da industria, e nenhuma se
augmenta si não houver baixa de preços para o pu-
blico.
A industria benefica
o trabalho é mais do comprador do que do ven-
dedor. O eixo -da roda deve ser a acquisição. Favo-
recei, facilitae a acquisição por parte do publico. Isto
gera trabalho. Produz salarios. Fornece margens
para a expansão do serviço social.
A carga toda está nos hombros da direcção,
porque o trabalho funcciona sob qualquer systema.
Pouca ou nenhuma mudança ha numa officina, caso
se sigam os melhores methodos ou se obtenham os
melhores resultados dos ma.teriaes e do trabalho dos
30 Henry
Ford
homens: um dia de trabalho é sempre a mesma
cousa. A differença entre os dias de trabalho reside
no valor- da producçio, índice que só depende da
direcção.
Tomemos um negocio que tenha prosperado sob
esta politica de serviço social. Não se basta elle a
si proprio - depende de outros, aos quaes compra.
Estes fornecimerttos se veem ameaçados. A má
recção industrial dos fornecedores de materia prima
dá origem a greves que trancam o supprimento. Ou
a antiquada de sobrecarregar os preços im·
pede o industrial de vender seus artigos a um preço
satisfactorio para ambas as partes. Nesses casos en-
contra-.se elle á mercê dos máos lideres do trabalho,
alheios á sua industria, e dos aproveitadores que o
supprem de materia prima. Obviamente, esse
trial deve proteger seus freguezes, necessitados de
certa mercadoria ao preço que podem pagar e amea-
çados de um preço que não podem pagar.
O negocio - o manufactureiro - tem imme-
diatamente que decidir si fica o seu dever de ser-
viço para com o publico limitado por forças estra-
nhas ao seu controle ou si, pela extensão dos seus
recursos, deve fornecer-se a si proprio do que ne-
cessita. Si dehbera, como nós deliberamos, que tanto
a quantidade como a qualidade do serviço permane-
çanl sob o seu proprio controle, então gradualmente'
adoptará a politica de manufacturar a materia pri-
ma que antes era adquirida, como nos aconteceu. E
com o tomar sob as mãos as fontes iniciaes da mate-
ria prima, vem a prova do serviço social.
Hoje
e Amanhã 31
Muitos lucros parcellados surgem - lucro-car-
vão, lucro-calcareo, lucro-madeira, lucro-minereo, lu-
cro-alto forno, lucro- transporte, etc. Deve o manu-
factureiro tomar para si todos estes lucros e juntal-
os ao do producto final? Não, si é elle um verdadeiro
industrial, orientado pela idéa de serviço; tomará
para si apenas uma parte correspondente a uma re-
muneração legitima. Os lucros subsidiarios transfe-
re-os ao publico. Os primeiros lucros que o publico
lhe deu habilitam-no a retornaI-os ao publico sob
forma de um supprimento estavel, a preços de custo
estaveis e a mais baixo preço de venda. A prova
do serviço prestado por um negocio está no grá( I
de extensão dos lucros transmittidos ao publico . .:\
reducção dos lucros num artigo corresponde a UllI
immediato bel1eficio geral.
Constitue tal industria uma ameaça ou um bem
publico? Deve ser um bem, sob pena de não expaJ'
dir-se. Sendo-o, só se limita pela sua capacidade de
servir ao publico, capacidade que por sua vez só é
limitada pela organização e pelos meios de trans-
porte. Não sentimos difficuldade em dar direcção á
nossa industria porque (como expliquei na Minha
Vida e Minha Obra), não possuimos nenhum sys-
tema rigido. A' medida que crescemos e que um
appendice novo se crea, surge das fileiras o homem
que o ha de dirigir.
O limite real de uma empreza é o transporte.
Si ella tem que transportar seus productos para mui-
to longe, restringe-se na sua capacidade de serviços
e limita seu proprio tamànho: Transporta-5e demais,
32 Henry
Ford
ha excesso de vehiculação de mercadorias, ha desper-
dicio.
Si altos salarios e baixos preços valem por uma
ameaça, então a grande industria constitue uma
ameaça. Quanto á empreza formada, não para pres-
tar serviço, mas apenas vender seus stocks, isso é
nÍateria que estudaremos noutro ponto.
Velha e nova industria
Povos ha que julgam os grandes negocias perigo
sos pelo simples facto de serem grandes. Creem
justa a idéa do velho systema dos pequenos negocias
locaes.
Ha um seculo era assim. Cada sapateiro, em sua
cidadezinha, fazia sapatos - e bons sapatos. O sejei-
ro local fazia todos os carros usados pelos morado-
res.
O ponto a ser frisado, relativo ao estabeleci-
mento da industria, é que, emquanto todas estas
varias idéas novas se desenvolviam, o povo lhes pa-
gaya o desenyolvimento. Nenhum tractor, malha-
deira, autolTIovel ou locomotiva, nenhuma concepção
industrial ainda se desenvolveu sem que o ROVO lhe
pagasse as despezas.
A velha idéa de indust-.ia, consistente em um
homem avantajar-se ao seu concurrente, já não é
tida como a melhor, ainda pelos que a
A idéa americana de industria tem fundamen-
tos na scie:1cia economica e na moralidade social -
isto é, admitte que toda a actividade economica está
Hoje
e
Amanhã 33
sob a tutella de leis naturaes e reconhece que nenhu-
ma forma de actividade affecta de modo tão conti-
nuo o bem estar dos homens, como a industrial. Não
pedimos regulamentação dessa actividade. O publico
por si mesmo a regulamenta.
Monopolio ou supremo controle de mercado-
rias parece uma impossibilidade entre povos ricos e
esclarecidos. Povo que não admittiu uma taxa sobre
o 'chá lá pode admittir controle despotico e absoluto
sobre as cousas necessarias á sua vida? Povo que
libertou seus escravos pode lá escravisar-se? Ao
fabricante de alfinetes esse povo permitte que fabri-
que alfinetes emquanto os fizer bons. Do contrario,
outros virão fazeI-os em seu logar. O controlador
geral é sempre o publico.
Grandes ou pequenos negocios surgem em res-
posta á procura e a procura crea-se em razão dos
serviços prestados. Supprima-se o serviço social e a
procura cessa. Estaoque-se a procura - e que é dos
grandes negocias? Todo o dinheiro do mundG não
pode deter a competição entre os americanos. Fazer
bem uma cousa estimula outros a fazerem-na me-
lhor.
A ___ industria cresce em vista da procura, mas
nunca a sobreexcede. Não é passiveI controlar ou
forçar a procura. Nenhum super-controle existe a
não ser o do publico a reagir conforme o gráo de
serviço que lhe prestam. Um só monopolio é possi-
veI: o que se baseia na prestação dos mais altos
serviços sociaes. Esta categoria de monopolio cons-
titue um bem. Nada de tentativa artificial para açam-
2 • HOjE E AMANHÃ
34
Henry
Fo rd
barcamento; apenas methodo de melhor fazer cir-
cular o dinheiro de todos.
Grandes negoclos e iniciativa privada
Mas, dar-se-á o caso de que o surto das grandes
corporações tranque a iniciativa particular? E sendo
assim, para que lado se virarão os moços?
E' preferivel para um homem empregar-se no
negocio de outrem ou crear o seu? A pergunta se
legitima quando feita com plena sciencia de dois
factos: ha mais portas abertas na industria privada
hoje do que antes; os empregos, como carreira para
um homem, competem com a industria privada.
Os homens passam constantemente de um cam-
po para outro. Em todos os grandes negocios encon-
tram-se homens q ~ veem da industria privada e
vice-versa.
Os motivos da passagem da industria privaDa
aos empregos são varios. Uns se reconhecem inaptos
para o esforço, e mais proprios para serem dirigidos
do que para dirigirem o trabalho alheio, ou ainda
adaptam o seu proprio trabalho ás necessidades sem-
pre em mudança do tempo. E tomam emprego onde
possam servir sob alheia direcção, contando com
uma renda certa e livres de se entregarem a outros
interesses.
Ha os que acceitam emprego por verem nos
grandes negocios modernos o mais largo e convida·
tivo caminho para as suas faculdades. O que leva-
110 j e
e Amanhã
35
riam parte de sua vida a construir, encontram já
con'struido por outros e em condições de necessitar
dos seus serviços.
E' esta a attracção que os niodernos negocios
exercem' sobre os nioços: elles podem nUma
organização cujos dias duros já se passaram e que se
mostra apta a realizar o que elles haviam planeado,
e a realizai-o em escala niais alta, graças á experien-
cia adquirida.
Nos negocios pri\"ados a atmosphera é de com-
ao passo que no emprego é de cooperação.
As grandes industrias modernas progridem em vir-
tude da unificação da energia e do pensamento de
lTIuitos" homens. Formam uma cooperação com base,.
não em preferencias pessoaes ou sentimentalismos,
mas no interesse commum em torno da tarefa a ser
executada.
E as opportunidades para adquirir posição tech-
nica se tornam maiores no emprego do que na indus-
tria privada, por haver maior numero de logares a
occupar e mais larga remuneração. Os salarios entre
nós se tornam cada vez maiores que os lucros da
industria privada. Os que pensam ter a industria
ciume do progresso dos seus empregados estão erra-
dos. Porque a industria só pode desenvolver-se caso
seu corpo de empregados desenvolva tanto talento e
energia como si negociassem cada tun delles por con-
'ta propria. A industria vive do vigor cerebral e phy-
sico dos seus collaboradores. E cada grande indus-
tria necessita de mais e maiores homens do que o
necessitariam numerosos pequenos negocioso Esta
36 Henry
Ford
malOr necessidade traz as maIS amplas opportuni-
dades.
Chegamos a um ponto em que ha maIS cousas
a fazer do que homens para fazeI-as. E foram as
industrias que trouxeram esta situação.
Quando ha mais homens do que opportunida-
des, sobrevem a lucta feroz e deshumana. l\Ias é um
contrasenso em nossos dias admittir que isto seja
da essencia da industria. Da condição em que se
admittia o decrescimo das industrias em yirtude da
concurrencia, passamos á condição em que se atlmit-
te que a competição só as augmenta - já que as op-
portunidades abundam onde outr'ora escasseavam.
Não. As grandes industrias baseadas na idéa de
serviço social regulam o seu proprio evoluir e cres-
cer.
Si se baseam na idéa de dinheiro apenas, então
já o caso é outro.
Ca pi tulo II I
GRANDES NEGOCIOS E
ARGENTARISMO
Os negocios - isto é, todo o lado material da
vida - veem-se ameaçados por duas classes de crea-
turas que se julgam em opposição, embora realmente
façam causa comtnum: o financeiro profissional e o
reformador profissional.
Ambos visam a destruição dos negocios - e
nisto fa2em causa commum. Seus caminhos e obje-
ctivos variam, mas, de mãos dadas, tanto um como
outro procuram destruir os negocios com grande pe-
nCla.
Nada ha a dizer contra o financeiro o homem
que realmente entende de dinheiro e de sua applica-
cação. Nada ainda ha a dizer contra o reformador
que sabe o que quer, conhece os effeitos das mudan-
ças que visa e procura dar ao povo uma chança de
melhorar.
Cousa muito diversa, porém, succede com o fi-
nanceiro profissional, que faz finança pela finança,
sem ter em conta o bem-estar do povo. O reforma-
38
llenry
Ford
dor profissional, egualmente, faz reforma pela re-
forma e para sua propria satisfação, sem um pensa-
mento consagrado ao bem-estar publico.
Estas duas classes constituem· positivamente
uma ameaça. Arruinaram os primeiros a Alemanha.
Os segundos, a Russia. Não ha, pois, escolher entre
ambos.
Trabalhando directamente ou por intermedio
dos politicos, taes homens controlam hoje a Europa.
e são os responsa,,"eis pela sua miseria. A Liga das
Nações e accessofios, COIUO a Suprema Côrte, acha-
se em taes mãos, e sob nenhum dos planos nesses
grernios ideados o povo terá sorte. E em especial
0l?poem-se elles a qualquer plano industrial que vise
o bem publico.
Os povos estrangeiros, que se contentavam de
tonlar sopas de resolução e tratados, estão hoje
aprendendo a desprezar os ensinamentos do finan-
ceiro e do reformador, como nós o fazemos cá. 1\'
nledida que progredirenl no conhecimento dos priÍl-
cipios da verdadeira economia, os povos aprenderão'
que nenhum. nexo existe entre a industria e o argen-
tarismo e que, voltar-se contra a industria para lison-
jear a força do dinheiro, vale por tornar-se méro
joguete nas mãos dos financistas.
o que o doBar não mede
A noção de que o dinheiro é o sangue da indus-
tria (donde, si puderdes controlar o dinheiro, pode-
reiS controlar a industria), tem apparencias de ver-<
Hoje e Amanhã
39
dadcira, em virtude de costumarfilOS exprimir em
doBares o que não é mensuravel pelo dol1ar.
As industrias Ford, por exemplo. Por motivos
de contabilidade e effeitos de taxação, teem ellas
que ser avaliadas em dollares, de accordo com as
p r x ~ s em vigor. D'ahi as grandes sonunas que cor-
rem impressas e as traduzem aos" olhos do mundo.
Em dez homens nove julgam erradamente que em
tal parte possuimos taes e taes sommas em bens de
raiz. Possuimos, sim, nossas usinas geradoras de for-
ça, tornos, prensas, minas de carvão e de ferro etc.
Possuimos o equipamento mechanico necessario ao
fabrico de automoveis e tractores, alem de alguma
da materia prima empregada nelles. O valor de tudo
isto, entretanto, depende da efficiencia da sua utili-
zação. Quem pode dizer quanto vale uma caixa de"
ferramentas para o carpinteiro no seu trabalho?
Tomem-se quatro fornos, cincoenta machinas de
estampar, um systema de transportes, uma duzia de
fornalhas de vidro, um monte de carvão, elevadores,
trucks. barracões, ferro, madeira e areia - o inven-
tario completo de uma fabrica. ::'vlas jamais vereis
inventario expresso assim em cousas. Reduzem-nas
a cifras de dollares, embora não haja dollares alIi.
Ha fornos, machinas, elevadores, materiaes e cons-
trucções, cousas avaliaveis em dollares, mas que in-
trinsecamente valem m.ais que dollares. Assim que,
si encherdes um barracão de dollares, não tereis a
mesma capacidade de producção fi uso do que o en-
chendo de machinas dirigidas pelo espirito de orga-
nização.
40
Henry
Fo rd
Num balanço, todavia, esta capacidade mechani-
ca representa-se em dolIares, e nesta base uma certa
somma de dalI ares é pedida por ella. Mais de um
negocio tem desabado victima de- onus calculados
sob a impressão de que o activo era formado de dol-
lares.
Tomaram-se cousas como dollares, em vez de
tomaI-as com cousas. Temos que aprender a pro-
funda differença que ha entre finança e industria.
Nosso paiz é a terra das grandes industrias. Mas
como já mostrei, as grandes industrias não dirigem,
são dirigidas e estão á mercê da procura do publico.
Admira· como pouca gente sabe distinguir entre
finança e industria.
N o violento periodo da acção laborista o patrão
via-se sempre confundido com o argentario. Todo
erro residia nessa confusão, porque o industrial não
é o capitalista, apenas está sob o seu pollegar. Nos
ultimas annos muitas industrias foram conduzidas
com base em dinheiro tomado de emprestimo, o que
deu ao capitalista um alto controle sobre ellas. Bem
duros dias tem p ~ s s d o o fabricante, mettido entre
o trabalho. hostil e o capitalista rapace! Premido de
cima por juros e dividendos, e empurrado de baixo
pela exigencia de mais dinheiro em troca de menos
'trabalho, poucas chanças tem elle de prestar serviço
social. E vê-se forçado a commetter abusos afim de
enthesourar para o capitalista. Isto está mudando.
A industria não desfaz nos serviços que a finança
pode prestar ao mundo, mas vae-se libertando do
seu dominio. Quando a finança se propõe a servir
Hoje e Amanhâ
41
á industria (sua funcção legitima), então se integra
no apparelhamento util da humanidade como sim':'
pies peça.
Industria e finança
Vinte e CInco annos atrás muito se falou em
grandes industrias. Não o eram. Não passavam dos
nossos primeiros mergulhos no dinheiro, cousa di-
versa de industria porque grandes sommas de di-
nheiro não podem crear grandes industrias. Homens
detentores de dinheiro estagnado, prevendo a appro-
ximação da era industrial, procuraram assumir-lhe
o controle. E por um certo tempo atroaram o paiz
com as suas façanhas. Corretores de dinheiro rara-
mente coincidem ser' bons homens de industria. O
especulador não crea valores. A idéa, todavia, for-
mou-se, de que o dinheiro pode tudo e tudo con-
trola.
Passando em revista o quarto de seculo trans-
acto, poderemos contar as grandes industrias de
hoje que não existiam, industrias que o argentarismo
nã.o poude crear e não pode hoje controlar; isso nos
mostra quão falsa é a idéa desse supremo controle.
Por seculos, com maravilhosa previsão, certos
grupos hereditarios manipularam a mór parte do ouro
do mundo, controlando-o de lado, especialmente na
Europa, onde empregavam a sua força para fazer a
guerra ou a paz. O poder desses homens não residia
no ouro, já que nenhuma força existe no ouro; resi-
dia no controle exercido sobre as idéas populares
42 Henry
Ford
relativas ao ouro. Não ha escravização ao ouro, màs
·sim ás idéas sobre o ouro. O controle do dinheiro
existe - não o controle da humanidade pelo u r ~
,mas o deste por um grupo de argentarios. Por algum
tempo isto valeu pela subordinação da humanidade
ao dinheiro. Hoje, entretanto, com o surto da ver-
·dadeira industria, o dinheiro lentamente se recolhe
á sua posição legitima de um dos raios da roda, não
roda elIe proprio.
Nenhum dinheiro pode hoje controlar o traba-
lhador americano, o creador - o homem que, com
musculo ou cerebro, presta serviço á sociedade, pro-
duzindo.
Isto não quer dizer que dinheiro e lucros não
sejam necessarios á industria. ElIa necessita de lu-
cros (veremos isto adeante) soo pena de deperecer.
Mas quanào alguem tenta conduzir uma industria
com o fito unico do lucro, sem idéa de serviço social,
neste caso tambem perece o negocio, pois deixa de
apresentar razão de ser.
As difficuldades europeas
A razão do lucro, embora a julguem sensata e
pratica, não o é absolutamente, porque, como expli-
quei, traz como objectivo o aggravamento de preços
para o consumidor e a baixa dos salarios, factores
do definhamento e morte do mercado. Isto entra por
muito nas difficuldades européas.
As industrias européas VeelTI-Se largamente con-
troladas por financeiros profissionaes que pouco sa-
Hoje e Amanhã 43
bem de industria. O trabalhador não espera tornar-
se apto para adquirir o que elle mesmo fabrica e vive
agitado pelos reformadores que os deslumbram com
.a perspectiva de mais altos salarios e menos horas
de trabalho. O reformador quer o mesmo que o fi-
nanceiro - alguma cousa em troca de nada - e,
sem o saber, ambos se juntam para destruir na in-
dustria a sua capacidade de serviço social. Por ,isso
tanto falam os europeus na necessidade do com-
mercio exterior. Os mercéldos internos não são cons-
truidos com base em industrias bem dirigidas, donde
resultem salarios altos e preços baixos para o consu-
midor. O operario vê-se reduzido á categori;:t de
consumidor de fraca e restricta capacidade.
Isto não, pode continuar. Já em quasi todas as
partes do mundo demonstramos com as nossas pro-
prias industrias o erro de tal politica. Os operarios
das industrias Ford nos Estados Unidos possuem
mais automoveis do que todos os carros em uso no
mundo inteiro, nosso paiz fÓra. Nenhuma anormali-
dade ha neste facto, nem é elle devido aos nossos
recursos naturaes. Força é cousa que existe em toda
a parte. A Grã-Bretanha está cheia de carvão e que-
das d'agua. Os paizes europeus teem-nos a um e
outras, ou a ambos. E possuiriam ainda abundancia
de materia prima si as barreiras erguidas pela in-
dustria dos financeiros fossem derrubadas. lVlas nla-
teria prima não constitue hoje facto ele tanta impor-
tancia como outróra. Vamos aprendendo a usal-a
menos, graças ao accrescimo de sua resistencia. Dia
virá enl que o ferro e o aço não serão medidos na
44 Henry
Ford
base-toneladas, nlas na base-resistencia. Isto cor-
responde a um dos lnais importantes passos do nosso
desenvolvimento. Tambem vamos aprendendo a re-
utilizar o material já utilizado, como se verá em ou-
tro capitulo.
O motiyo da obsessão européa pela exportação
está em que os reformadores profissionaes, vindos
de cima, destruiram juntos o poder de compra do
povo, forçando a industria a procurar escoadouros
externos. Quer dizer que"depois de sugar o povo a
que pertencem, tentam sugar os demais. lVIas pode
haver um legitimo intercambio entre os povos. Bas-
ta que cesse essa competição mortal que dá occasião
a guerras. Si o mercado interno fôr creado (e em
toda a parte poderá seI-o) o commercio de exporta-
ção torna-se-á uma natural e sadia permuta de bens
que num paiz falta e noutro sobeja. A actual lucta
pelos mercados estrangeiros deve-se em larga escala
á exploração do povo de casa.
o dinheiro na industria
Torna-se claro, portanto, que confundir indus-
tria com o argentarismo é fazer uma cousa de duas,
unindo elementos que naturalmente se oppõem. Uma
industria não serve simultaneamente ao publico e ao
argentarismo. De facto, o argentarismo sempre Vl-
veu t1]ais de especulação ou negocios duvidosos do
que de serviço industrial. Ha signaes, todavia, de
que tal cousa se está corrigindo.
Dinheiro posto em industria como emprestimo
II o j e
e Amanhã
45
sobre o seu activo é dinheiro morto. Quando a indus-
tria só opera com permissão desse dinheiro morto,
seu principal proposito torna-se a producção de ren-
da para os donos do dinheiro. O serviço social passa
a plano secundario. Si a qualidade dos productos tor-
na arriscada esta renda, então deprime-se essa qua-
lidade. Si o serviço social diminue a renda, corta:-se
no serviço social.
Dinheiro que não corre nenhum risco numa in-
dustria e pede sua renda, haja lucro ou não, não é
dinheiro vivo. Não está de cd1"ação no negocio, como
parte integrante; é peso morto e quanto mais cedo
libertar-se delle o negocio, tanto melhor. Dinheiro
morto não constitue um socio trabalhador, sim uma
carga preguiçosa.
Dinheiro vivo entra no negocio para trabalhar
e para commungar com elle. Entra para ser usado.
Participa das perdas. Pertence ao activo até o ultimQ
penny e não ao passivo.
Serviço social
Dinheiro vivo num negocio em regra se acom-
panha do trabalho activo do seu dono. Dinheiro
morto é planta parasitaria.
O principio do serviço social da industria tem
feito caminho nos Estados Unidos, e espalhar-se-á
pelo mundo, refazendo-o. Não foi a guerra, mas a
apparente impossibilidade de restaurar condições
anteriores á guerra, que deu ao homem os primeiros
indicios da lição a aprender. Poderia elle ter acceito
46 Henry
Ford
a guerra como um accidente ou um erro, mas não
estava apto a ver nella o symptolua de uma doença
mais grave. Os velhos embustes falharam. A velha
sabedoria provou sua insensatez: Os velhos moveis
revelaram-se inefficientes. Si perdeu uma sabedoria:
falsa e descobriu o novo principio de sabedoria, po·
demos dizer que o mundo progrediu. ,Seus velhos
principios foram reprovados pela experiencia. O pro·
gresso não se limita por UUIa certa fronteira atravez
da qual passamos, e sim por uma attitude e um am-
biente. Tudo quanto é falso não se desvanece num
dado momento, nem tudo que é verdadeiro apparece.
Alguns homens sabelu e outros sentem que ,a in-
dustria é algo mais do que o dinheiro - e que o di-
nheiro é uma mercadoria e não um poder.
Negocio que começa a fazer combinações finan-
ceiras está morto. A's vezes torna-se necessario (em-
bora com metter dinheiro para expansão
impossivel de fazer-se com os lucros, e podem
surgir emergencias em que dinheiro addicional se
torne necessario, mas isto é differente de financiar
por financiar - usand0 o negocio para fazer dinhei-
ro atravez da finança e não atravez do serviço social.
A tentação da finança
O ponto perigoso de um negocio não é o em
que elle precisa ele dÍl1.heiro; é o em que elle se tor-
na attractivo para ser financiado - para transfor-,
mar-se numa grande pilha titulos. O publico é cre-
dulo e pode facilmente ser engodado. Exemplo: uma
Hoje e
Amanhã 47
certa somma de titulos da Ford Motor Company do
Canadá estava fio mercado e podia ser adquirida a
485 doBares a acção. Alguns exploradores compra-
ram a l g u m a ~ acções e contra cada uma emittiram
um cento do que chamam H acções bancarias", a dez
d911ares. Quer dizer, venderam por mil o que com-
prflram por 485 e o estranho é que o publico não
percebeu a armadilha e pagou dois dollares pel-:--
que poderia comprar por um. Isto mostra como é
facil transformar um negocio bem succedido num
instrum'ento financeiro.
Assim, é justamente quando uma industria se
torna mais ampla que suas mais fortes provações
começam. O argentarismo aponta-lhe o caminho das
largas emissões de titulos, isto é, de lucros em papel
e não em producção, de ganhos obtidos com mistura
d'agua no vinho. Eis a tentação a que muitas reali-
ziLções succumbem sob a illusão de que é negocio.
Mas não é negocio: é apenas meio de suicidio lento.
Descobri, si puderdes, uma só grande industria, pros-
pera hoje, deliberadamente creada e nutrida pelo
argentarismp. Os grandes negocios começam de bai-
xo; 'crescem, porque attendem a uma necessidade e,
se attrahem a attenção do dinheiro, isso só se dá
depois que crescem. Um negocio que consegue avul-
tar até o ponto em que desperta a attenção do dinhei-
ro, deve continuar a marcha por seus proprios pés,
sem admittir a intromissão da finança.
48
Henry
Ford
A industria da divida
Outra rocha onde os negocios naufragam é a
divida. Dever é uma industria. Attrahir gente para
a divida é uma industria. As vantagens do dever
te em-se tornado quasi uma philosophia. Talvez seja
verdade que muita gente pouco se esforça si não
está sob a pressão de dividas. Não são creaturas li-
vres, que trabalham por motivos livres. O motivo
div,ida é basicamente um motivo de escravo.
Quando o negocio penetra na divida obriga-se
a uma subdividida lealdade. As piranhas da finança,
si querem metter um negocio fóra do seu caminho
ou amarraI-o aos seus interesses, começam sempre
por i,ndividal-o. Uma vez nesta trilha, fica o negocio
com dois patrões a servir, o publico e o financeiro.
Será difficil sen-ir a ambos e o publico se yê sacri-
ficado.
A industria livra-se do dominio da finança guar-
dando-se dentro dos seus, proprios lucros. Negocio
que existe como fonte de lucros para gente não em-
pregada nelle, possue bases falsas. Isto .está sendo
tão bem comprehendido que se tornou um credo do
commercio que a utilidade do negocio é toda devida
ao publico e que os lucros cabem, primeiramente, ao
proprio negocio, na ~ m qualidade de instrumento
, de serviço, e depois ás pessoas a cujo trabalho e con-
tribuições de energia deve elle o seu surto.
]'vIas nem a industria, nem a finança, teem forças
para compellir o publico a comprar aqui ou alli. A
intromissão dos financeiros nos negocios industriaes
H oj e e
Amanhã 49
é um record de desastres. Si a finança tivesse o po-
der que os alarmistas lhe emprestam, a America,
como a Europa, estaria repleta de camponezes esfar-
rapados.
Mas aqui o serviço social da industria sempre
foi e sempre será controlado.
o controle do dinheiro
o dinheiro não rege o trigo, o carvão e outras
cousas essenciaes á vida. Como o poderia fazer?
Elle não as creou. Ha duas vezes mais minas de car-
vão abertas do que as poderemos usar. Até pouco
tempo atrás trigo não tinha preço no mercado. O
dinheiro não é dono do carvão dos Estados Unidos.
Não é dono das fazendas e dos fazendeiros. Seguin-
do sua tradicional politica, poderia fazer escassear
o carvão, e no entanto o temos na maior abundancia.
Poderia fazer escassear o trigo e o mundo está abar-
rotado de trigo.
Si podeis sahir de casa e comprar um automo-
vel, não succede o mesmo com uma tonelada de car-
\"ão. Sem embargo, a facilidade de prover-se de car-
vão é maior do que o prompto supprimento de auto-
moveis. Não é materia de controle pelo dinheiro; é
materia de mais sabios luethodos e systemas de ne-
gOClO.
O yerdadeiro camrnho do negocio está em se-
guir a sorte do publico e prestar-lhe serviços. Si ha
<;I.lguma economia na manufactura, dal-a ao publico.
Si ha algum augmento nos lucros, dai-o ao publico
50 Henry
Ford
sob forma de preço baixo. Si ha alguma melhoria
possivel no producto, fazeI-a, custe o capital que
custar, porque é o publico que fornece o capital. Eis
o verdadeiro rumo da direcção dos bons negocios e é
bom negocio isso, já que não ha melhor associação
do que esta, do negocio com o publico. E' mais segu-
ra, mais duravel e mais lucrativa do que a associação
com o poderoso dinheiro.
A melhor defesa de um povo contra o seu con-
trole pelo dinheiro está num systema industrial for-
te, e saudavel bastante para prestar os melhores ser-
viços á communidade.
:Muito se fala hoje de negocios deshonestos, mas
não vem isto de que haja hoje mais negocios desho-
nestos do que antes e sim porque estão fóra dos
tempos. A historia dos negocios e s h o n e s ~ o s nos
Estados Unidos começou, como os methodos immo-
raes da competição, COlll a escassez das opportuni-
dades. N egocios deshonestos nunca se justificam,
porém houve tempo em que eram ex.plicaveis. Hoje
não podem admittir-se, tantas são as opportunidades
para o negocio honesto.
A organização da industria para servir o publi-
co não impede a obtenção de lucros, como poder-
se-ia imaginar. Estabelecendo principios rectos na
nossa vida economic;a não ha diminuição de riqueza,
mas augmento. O mundo é muito mais pobre do que
de"da ser, por ter-se transviado com a illusão do ga-
nho facil em vez de mira exclusiva no serviço social.
Constructores sempre construirão, padeiros farão
pão, fabricantes produzirão, estradas de ferro trans-
Hoje
e
AITlanhã
51
porta!"ão, trabalhadores trabalharão, vendedores ven-
derão e donas de casa comprarão. E por que algumas
destas cousas parecem ás vezes parar? Porque quan-
do as cousas vão indo bem alguem diz:
- Eis o tempo de dar uma grande tacada. O
povo começa a precisar do que temos para vender;
augmentemos os preços, elle está de boas disposi-
ções acquisitivas e pagará mais.
Isto é criminoso, tanto como enriquecer com
uma guerra. Mas vem da ignorancia. Uma parte da
industria comprehende tão pouco as leisessenciaes
da prosperidade, que as epocas de renascimento lhes
apparecem como periodos de rapinagem.
Muitos homens, porém, já são bastante donos
de si 'proprios para saber que rapinagem não é in-
dustria - é morte. Quando todos aprenderem que os
lucros te em que ser ganhos e não arrancados, não
teremos a receiar perturbações do poder do dinheiro
ou outros. Teremos feito a prosperidade continua e
universal.
Capitulo IV
JUSTIFICAM-SE OS LUCROS?
No anno passado pagaram as industrias Ford,
de salarios, cerca de duzentos e cincoenta milhões
de dollares; suas compras responderam, provavel-
mente, pelo pagamento de mais de quinhentos mi-
lhões; as suas agencias e revendedores p·agaram ain-
da mais duzentos e cincoenta milhões. Significa isso
que a nossa empreza determinou o pagamento de
salarios na importancia de mil milhões de dollares.
A partir do primeiro carro levamos perto de vin-
te annos para alcançar o millionesimo, a 10 de De-
zembro de 1915. A 28 de- Maio de 1921 alcançavamos
o de numero cinco milhões. A 4 de Junho de 1924
faziamos o decimo millionesimo. Desde ahi as nossas
usinas passaram a fabricar mais de dois milhões por
anno.
Em 1922 compramos tres vezes tanto como fa-
bricamos. Hoje só compramos o dobro. Erguemos o
sala rio minimo de 5 a 6 dollares por dia. Mas nossos
carros estão sendo vendidos 40 % menos .do que em
54 Henry
1914, quando a nossa tTIedia do salario orçava 1--
2 doBares e 40. Esses carros desceram ele preço
firmeza em quanto o preço da mór parte das cousas
augmentou. O carro ele turismo pode ser comprado
por cerca de 20 cents a libra - lTIenOS que o preço
da libra de carne.
Os lucros revertem para o publico
Os lucros das industrias Ford, deduzida uma
parte relativamente minima, retornaram á industria.
O publico constroe as nossas industrias adquirindo
nossos productos. Subscreve, não acções ou deben-
,
tur:es, mas os artigos de nossa manufactura dados
á venda. E nós sempre vendemos ao publico por um
preço mais alto que o custo ela nlanufactura - em-
bora frequentemente os preços a ponto
de annullar o lucro, o que nos obriga a descobrir
meios reduzir ainda mais o custo, de modo a fazer
surgir noyo lucro.
Cada anno traz o seu lucro. E quasi que todo
elle, cada anno, é no negocio de modo a
habilitaI-o a inda baixar mais os preços e augmen-
tar os salarios. Estes lucros postos no negocio não
são applicados em construcções, terras ou machinas,
pois não consideramos o dinheiro elo publico inver-
tido etTI nosso negocio como HtTI emprego de capital
yencedor de juros. E' dinheiro do publico e, tendo
este bastànte confiança em nossos productos para
tomaI-os em troca do seu dinheiro, creditamol-o por,
esta confiança. Kão nos julgamos no direito de so-
H, .
r J e
e Amanhã 55
carregal-o com juros do seu proprio dinheiro.
Ha todavia lucros e lucros. Ha-os estupidamen-
te fixados e estupidamente usados. Neste caso elles
destroem a fonte donde emanam e se esvanecem.
Um negocio que carr-ega demais no lucro definha
tanto como um negocio deficitario.
Necessidade do lucro
Por mais acceito que seja o artigo que alguem
produz, si é fabricado e vendido com prejuizo a
industria cessa. Nenhuma especie de mercadoria ou
qualidade de serviço social pode remediar o erro
economico de vender CaIU prejuízo. O lucro é essen-
cial á vitalidade do negocio. A' medida que elle cres-
ce o custo de producção cahe. Uma officina sem ser-
viço é mais difficil de manter-se que uma afregue-
~ a d a O dever de cada director de industria é esti-
mular o negocio, tornando passiveI ao povo obter
o que necessita pelo preço que o povo possa pagar.
Um novo surto de confiança e energia no paiz pode,
por metade, ser conseguido g't'aças a uma baixa de
preços, baixa ligada á diminuição do custo. Elevar
preços é taxar o povo mais pesadamente do que o
pode fazer um governo. Boa direcção paga di viden-
dos sob forma de, bons salarios, preços baixos e luais
negocios; só a má direct;ão p ~ d e ver num surto da
ambição nacional apenas Ulna opportunidade para
sobrecarregar o espirita emprehendedor de mais pe-
sadas cargas.
Isto deve ser evidente. Ninguem que fica rico
56
Henry
For-
depressa rico permanece. Metter-se na industria para
ficar rico é um desperdicio de esforço. Nós temos
um typo de industria cujo obj ectivo unico é crear
fortunas pessoaes. Negocio que existe para tornar
rico um homem ou uma fan"lilia, e cuja vida não mais
importa quando isso está realizado, não é negocio
de base solida. De facto, a cupidez habitualmente
provoca tal inferiorização dos prod uctos, tal dimi-
nuição de utilidadé geral, tal augmento de encargos
para o publico, que o negocio murcha antes que te-
nha contribuido para a fortuna de alguem.
Uma organização precisa obter lucros para at-
tender interesses de pessoas que, embora mettidas no
negocio, não trabalham nelle. São os papa-dividen-
dos de fÓra. O que lhes toca não fortalece o negocio;
é tirado delle para ir augmentar a somma da ocio-
sidade que está de fóra. Ha muita ociosidade que se
justifica, não ha duvida.
Olhando d'alto para a nação vemos milhões de
creanças nas escolas; a educação e o lazer dessas
creanças tornam-se possiveis pelo facto de estarem
os homens no trabalho. O mesmo se dá com os ve-
lhos e os doentes. Ha, porém, ociosidade que se não
justifica e que tambem é custeada pelos que traba-
lham.
Remunerações devidas
Um negocio deve remunerar a todos quantos se
ligam a elIe. Deve pagar aos cerebros que o dirigem,
á habilidade productora, ao trabalho constructivo -
Hoje e
A manhã
57
e tambem pagar ao publico de cujo apoio vive. N e-
gocio que não proporciona lucros, tanto ao compra-
dor como a vendedor, não é bom negocio. Si um ho-
mem não se sente melhor comprando do que conser-
vando seu dinheiro no bolso, é que algo está errado.
Comprador e vendedor devem, sob qualquer aspe-
cto, ficar mais ricos após uma transacção, ou a ba-
lança não está certa. Extendei este erro de balança
e arruinareis o mundo. Temos ainda muito que
aprender quanto á natureza anti-social de transações
não justas nem proveitosas para todos.
Industria, entidade organica que emprehende
produzir ou prestar serviço social, necessita de lu-
cros, ou excessos, para conservar a sua vitalidade um
pouco acima do nivel do dreno. Este excesso previne
depressões nas epocas de crise e tam bem permitte
a expansão do negocio. Crescer é necessario ávida
e o crescer requer reservas.
Isto se aphlica ao negocio, não ao seu dono ou
director. Este é pago, como qualquer outro operario,
por fóra do negocio. Os lucros pertencem ao nego-
cio - para salvaguardai-o em sua missão de propor-
cionar serviço social e permittir o natural crescimen-
to. A principal consideração é o negocio - entidade
que dá emprego a productores e fornece cousas ott
serviços de que o publico necessita.
O principio de serviço sócial requer que os lu-
cros sejam medidos unicamente pela legitima repo-
sição e necessaria expansão. São estes os limites -
limites flexiveis, porém l i m i t s ~
Henry
Ford
Pseudos pengos da expansão
Ouvem-se ás vezes queixas contra a expansão,
dada como yirtualrn.ente perigosa. Si a expansãõ é
emprehendida com o objectivo de serviço social, o
perigo é não expandir-se sufficientemente, como já
"imos noutro capitulo. Só ha a receiar os nego cios
que não estão se expandindo porque esses é que não
estã'J pre::;tando serviço social.
TOITlemos a nossa empreza. Como temos usadd
dos nossos lucros? Que temos feito d? dinheiro do
publico -: Qual tem sido a nossa gerencia?
o nosso caso
A partir de 1921-22, quando foi escripta Minha
Vida e Minha Obra, mais que dobramos nossa ca-
pacidade procluctiva de carros e tractores. Difficil-
mente fabricamos uma só peça do mesmo modo e
com o mesmo material do começo. Passo a passo al-
cançamos as fontes de materia prima. Mas nosso
negocio é o motor e nada fazemos que não se rela-
cione a elIe. Com a Ford Motor Company of Canadá,
existem agora 88 fabricas, das quaes 60 nos Estados
Unidos e 28 no estrangeiro. Nenhuma delIas fabrica
um auto moveI completo. Das fabricas americanas 24
são exclusivamente manufactor as e 36, de monta-
gem ou mixtas.
Nossas principaes fabricas no estrangeiro estão
em Cork, na Irlanda e em J\Ianchester. Temos fabri-
cas de montagem, algumas tambem manufacturan-
H oje e
Alnanhã
59
do, em Antuerpia, Barcelona, Bordéos, Buenos-Ai-
,res, Copenhague, Montevidéo, Pernalnbuco, Rotter-
dam, Santiago do Chile, São Paulo, Stockolmo,
Trieste, Berlim, l'vlexico, Yokoama e Havana. A
Ford Motor Com.pany o.f Canada tem filiaes em
Ford, Ontario, Calgary, l'vIontreal, Regina, São João,
Toronto, Vancouver, \Vinnipeg, Porto, Izabel (Sul
Africa), Geelong (Australia). As companhias filia-
das são a Ford Motor Company of Australia; com fi-
liaes em Geelong, Brisbane, Adelaide, Sydney, Porth
e Hobart, na Tasmania; a Ford Manufactury CO:iTI-
pany, com fabrica central em Geelong, na Austra-
lia; e Ford Motor Company da Sul Africa, em Porto
Isabel. Nossas fabricas nos Estados Unidos são em
Banner Fork, Dearborn, Duluth, Flat Rock, Glass-
mere, Green Island, Hamilton, Highland Park, Hol-
den, Clayton, Iron l\iountain, L' Anse, Lincoln,
Northville, Nuthallburg, Pequaming, Phenix, 'Ply-
mouth, Rouge, Stone, Twin Branch, Kearny, Water-
ford, Ypsilanti e Chester. As fili.aes são em Atlanta,
Buffalo, Cambridge, Charlotte, Chicago, Cincinnati,
Cleveland, Columbus, Dallas, Denver, Des Moines,
Detroit, Fargo, Houston, Indianopolis, Jacksonville,
Kansas City, Los .Angeles, Louisville, Memphis,
Mi1waukee, Twin City, N e
W
Orleans, N eW York,
Norfolk, Kearny, Oklahoma City, Omaha,
phia, Pittsburgh, Portland, Oregon, São Luiz, Salt
Lake City, São Francisco, Seattle e Washington.
Estamos com a seguinte linha de industrias, to-
das relacionadas á dó motor: aeroplanos, mineração
de hulha, manufactura de coke, de
60 Henry
Ford
manufactura, fabrico de instrumentos, fabrico de
machinario, de trucks de carros e tractores, de vidro,
couro artificial, fios de cobre, fordite, tecidos, bate-
rias e geradores, papel, cimento, carrocerias de auto,
força electrica, agua filtrada, farinha, cinema, hos-
pital, agricultura, radio, photographia,
forja, cultura de linho, turbinas, locomotivas electri-
cas, industria moagem, olarias, distillação
de madeira, productos hydro-electricos, armazens de
seccos e molhados, de calçado, de fazendas, de car-
ne, estradas de ferro, escolas, navegação, maritima
ou em lago, tractores e autolnoveis.
Este extenso programma, que tanto diz respeito
á producção como á distribuição, tornou-se possivel
porque o publico acceitou os nossos productos e ne-
nhum passo foi dado fóra dos seus interesses e dos
do salario. Nada construímos por construir. Nada
compramos por comprar. Todas as nossas operações
gyram em torno da manufactura de motores.
Sempre visando o artigo unico
Si os que nos vendem se recusam a manufactu-
rar por preços que, de accordo com as nossas inves-
tigações, nos parecem acceitaveis, julgamo-nos no
dever de manufacturar nós mesmos. Em muitos ca-
sos temos ido ás fontes primarias; noutros, manufa-
cturamos apenas para nos familiarizarmos com a in-
dustria de modo a nos soccorrermos deUa· em caso
de necessidade. A's vezes, tambem, fabricamos ape-
nas para verificar os preços que estamos pagando.
H oj e e Amanhâ
61
05 mesmos principias nos governam na distribuição.
Temos navios de lagos e de mar, além de uma estra-
da de ferro, de modo a podennos medir os encargos
do transporte. Tudo isto em beneficio do publico,
porque, fóra a estrada de ferro que constitue uma
corporação á parte, cada ramo de industria immis-
cu e-se na industria tronco e as economias resultan-
tes formam um lucro eventual para o publico.
Temos fabricado, por exemplo, pneumaticos de
borracha, embora nossa intenção actual não seja de
nos mettermos nessa industria. O preço da borracha
pode altear-se desordenadamente, e nesse caso esta-
remos livres de paralysar nossa producção por falta
de pneumaticos.
Compram.os pelo custo e não aos preços do mer-
cado, e temos a certeza de prestar um serviço ao
publico procedendo assim; do contrario não segui-
riamos essa pratica. Em nossa producção impomo-
nos tarefas, fixamos arbitrariamente os preços, e em
regra conseguimos alcançaI-os. Si fossemos accei-
tando as cousas como as temos, nunca teriamos feito
nada. Adoptamos a mesma pratica em relação aos
nossos fornecedores - e invariavelmente tambem
elles prosperam.
Nossa influencia sobre os fornecedores
Um caso especifico. Antes que esta politica fos-
se adoptada em sua plenitude, um fabricante fazia
para nós um certo typo de chassis por um certo
62 Henry
Ford
preço. Não fabricaya em grande escala e o seu u ~ r o
e"a insignificante. Calculaluos e vinlos que esses
chassis deviam ficar pela metade do preço e impuze-
mos-lhe este preço. Foi a primeira vez que uma
real pressão, visando preço baixo, se fez sentir sobre
esse fornecedor, que julgava não ser passiveI fazer
tnais do que fazia, COlHO o seu pequeno lucro o in-
dicava. E' urna das singularidades da industria citar.
se o que foi feito no passado como prova do que
se pode fazer no futuro. O passado é uma simples
experiencia de que devemos tirar proveito.
O fabricante, por fim, concordou em manufactu-
rar pela metade do preço anterior - e pela primeira
vez na vida aprendeu o que é industria. Teve de au-
gmentar os salarios para conseguir trabalhadores de
primeira ?rdem. Sob a pressão da necessidade viu
que podia fazer reducção aqui, alli e acolá e a con·
clusão . foi que passou a ganhar mais do que antes,
com grande melhoria de paga aos operarios.
Frequentemente ouve-se dizer que a competição
fórça o corte nos' salarios, mas não é assim. O córte
dos salarios não reduz o custo, augmenta-o. A sen-
da unica que conduz á reducção do preço de custo é
pagar altos preços por alto gráo de trabalho appli-
cado em industria que preste serviço social.
Desenvolvimento da empreza
Os desenvolvimentos basicos mais importantes
temol-os feito no emprego sempre maior da força,
tanto do carvão como da agua, e com o remate da
Hoje e
Amanhã 63
usina de energia Fordson, antiga River Rouge, tere-
mos alcançado uma producção de 500,000 cayallos-
vapor. Todos os nossos passos visam obtenção de
força. Os outros desenvoh"imentos de vulto teem
sido a mineração do ferro e da hulha, a extracção de
madeiras, a extensão da usina Fordson a conversor
de materia prima e residuos, a construcção dum la-
boratorio em Dearborn, a compra da Lin:coln Motor
Company, a expansão dos meios de transportes por
agua, terra e ar, a construcção de novas fabricas
pelo mundo afóra, e o ingresso nas industrias do
vidro, do cimento, do linho, do couro artificial e de
numerosos compostos chimicos. A utilidade publica
desta expansão revela-se pelo facto de somente dois
sub-productos não serem utilizados por nós. Cimen-
to, por exemplo. Fazemol-o de escorias, mas não o
produzimos que baste ás nossas necessidades. Os
dois productos de que não utilizamos e vendemos
são de amonea e benzol. Deste usamos ape-
nas uma parte e vendemos o resto, sendo tamanha a
procura que a sua venda não constitue problema. Oi-
tenta e oito estações de força supprem-se do nosso
benzol, empregado ainda nos aeroplanos. Vendemos
o carvão trazido nas viagens de retorno dos nossos
navios dos Grandes Lagos unicamente para diminuir
o custo dos transportes.
Algumas destas extensões teem sobrevindo co-
mo medidas de emergencia. A manufactura do vidro,
por exemplo. O automovel evoluiu ,de carro aberto
de verão para carro fechado, porem pouca gente
sabe que perturbação trouxe esta mudança para a
64 Henry
Ford
obtenção do vidro necessario, a nós que empregamos
a quarta parte do vidro feito no paiz.
Fabrica de vidro
Esse material escasseou e tivemos de adquirir a
fabrica da Allegheny Glass Cy. perto de Pittsburg,
que tinha a reputação de produzir vidro de primeira
classe. Ao tempo dessa compra, tres annos atrás,
fabricava ella seis milhões de pés quadrados de vidro
por anno, dos quaes 30 % não se adequavam ao auto-
moveI. Agora, apenas com um discreto augmento de
machinas e usando melhor as velhas, estamos produ-
zindo oito milhões de pés, dos quaes só 10 % impro-
prios para o nosso uso. A principal mudança que
introduzimos foi elevar a seis dollares o salario mi-
nimo.
N esta fabrica, para evitar que se interrompa a
producção, conservamos os velhos processos em vez
de adoptar os novos, estabelecidos em River Rouge.
Si o leitor comparar os velhos processos com os
novos, descriptos no capitulo seguinte, terá uma idéa
das economias que podem ser feitas em todas as
industrias quando a vontade de romper a rotina é
grande.
A fornada ou mistura é mexida em cadinhos de
argilla, com capacidade para trezentos pés de vidro
de pollegada e meia. Quando o vidro está em ponto
de vasar, o cadinho é removido da fornalha a guin-
daste e levado a uma mesa de lanço, onde seu con-
teudo é derramado e acamado na espessura deseja-
Hoje e
Amanhã
65
da. A lamina é então aquecida a temperatura que
permitta o manejo. Segue-se depois o polimento.
Esta operação se faz em taboleiros circulares,
sobre os quaes se fixam com argamassa as laminas
a polir. Nas machinas que executam este trabalho
empregam-se sete gráos ele materias raspantes, des-
de a areia bruta até o esmeril. Obtido o polimento,
passam as laminas á secção de brunir, onde grandes
pranchas de feltro dão-lhes o brilho necessario. Tudo
muito lento e eivado de desperdido.
A fabricação de cadinhos de argilha para fundir
o vidro é o unico processo archaico em vigor na em-
preza Ford. Faz-se á mão e com os pés. Primeira-
mente os operarias amassam a argilla com os pés
descalços até uniformizar-lhe a consistencia e eli-
minar os corpos estranhos. Depois amoldam o barro
a mão, camada por camada, com muito cuidado para
evitar lacunas. Ainda não se inventou apparelho que
fabrique vasos de barro equivalentes aos feitos por
processo manual. Em nossa fabrica noya resolvemos
o problema de modo muito simples: supprimindo
taes cadinhos.
Afim de completar a fabrica de Glassmere tive-
mos de adquirir uma pedreira em Cabot, 18 milhas
distante. Com 40 homens extrahimos, trituramos e
carregamos ele 8 a 10 vagões de silica por dia. Utili-
zamos os homens que antes trabalhavam a
intervallos na tarefa da cantaria: mas parecem ou-
tros homens, depois do salario de 6 dollares. Quasi
todos inexpertos - mas já decidimos que o obreiro
nãb necessita de perícia. Vivem bem. Acodem á tare-
J - HO]I!. II :.
66 Henry
Fo rd
fa, trabalham, cuidam de si; muitos abandonaram as
baiúcas em que viviam e estão construindo suas
casas. E o rendimento humano, como dissemos, é
duplo sob o novo methodo. O custo de producção
fez-se baixissimo, já que quasi todo o trabalho o
realizamos a machina.
Uma bateria de perfuradoras abre na pedreira
as furas por onde entra a qynamite de desmonte. A
pedra em fragmentos é recolhida e posta em vago-
netes de aço por meio de pás movidas a vapor. Em
seguida tractores levam os vagonetes á secção de
britagem e moagem. Depois de moida a pedra é
peneirada e lavada, descendo por gravidade aos ca-
minhões que a a Glassmere.
Inda ha mais: perfeita limpeza na pedreira e na
britagem. Isto constitue ponto sério no nosso pro-
gramma. Todas as operações teem que realizar-se
com aceio, e se alguma machina tende a produzir
pó, como as de moagem, são resguardadas de modo
a corrigir-se esse inconveniente. Não temos o direito
de expor os operarios ao pó, nem tão pouco de em-
poar os arredores, encrostando as arvores.
"Imperial mine"
Para ter á mão uma fonte de minereo, e assim
economizar transporte, adquirimos a Imperial Mine,
em Michigamme, a 80 milhas ao norte de Iron Moun-
tain, céntro da nossa exploração de madeiras.
Havia dez annos que estava parada mas pare-
ceu-nos rica e em boa situação. Nesse primeiro en-
Hoje e A manhã 67
saio de mineração seguimos a pratica de sempre,
collocando- á sua testa um homem bem senhor dos
nossos principios e methodos.
A primeira cousa feita foi uma limpeza a fundo.
O abandono tornara a mina um hervaçal. A tradi-
ção exige que todas as minas sejam sujas, mas não
nos conformamos conl isso: a sujeira é um luxo
muito caro. Depois mettemos mãos ao trabalho, e
fomos aprendendo á proporção que avançavamos.
O principal era que os mineiros ganhassem bons
salarios e 'viyessem com folga e conforto, ao mesmo
tempo que nós obtivessem os minereo por custo mi-
nimo - o que breve foi conseguido.
O acampamento mineiro parece uma colonia
suburbana. Todo pintado de côr clara, conserva-se
sem a menor mancha. Não o pintamos para esconder
sujeira; pintamol-o de branco e cinza claro para que
a limpeza se torne norma, e não excepção. As viven-
das que existiam eram más e, embora não tencionas-
semos nos metter na industria de edificação, tivemos·
de fazeI-o, não só nas minas como na exploração
florestal. Construimos um pavilhão para os soltei-
ros, com dormitorios autonomos, e casas portateis
para os casados, substituidas depois por pequenos
hoteis. Alugamol-as a 12 dollares mensaes, luz ele-
ctrica inclusive. A unica escola existente situava-se
numa granja. Construimos para ella pro-
prio; montamos ainda um armazem de primeira or-
dem, no qual tudo se vende pelo preço do custo.
Passamos a pagar desde logo o nosso salario
corrente, o que nos attrahiu os melhores mineiros
68 Henry
Ford
das redondezas e, como não podemos empregar mais
de 225 em cada turno, temos offerta de homens equi-
valente a muitas vezes esse numero. Os mineiros
trabalham oito horas seguidas e o revezamento dos
turnos se faz sem perda de tempo.
Não pretendemos saber muita cousa a respeito
ele exploração ele minas de ferro - inda não tivemos
tempo de accumular conhecimentos - mas parece--
nos que é um campo susceptivel elo emprego ele ma-
chi nas em gráo maior que o usual.
Vamos caminhando devagar, porque desejamos
dar a maxima segurança de trabalho aos nossos ho-
mens. O trabalho dentro da terra, já que não pode
tornar-se agradavel, que se torne seguro. E o vamos
conseguindo, pois o nosso indice de accidentes é
muito baixo.
Regimen da mineração
Todas as partes da m.ina e do acampamento
gosam de absoluta ordetn. Tres andares possue ella,
distanciados de 200 pés. O desmonte do metal é feito
ao fim do trabalho de cada turno, para se evitarem
accidentes. O minereo transporta-se por ferro-car-
ril electrico; cáe dos differentes andares, por tubos,
a um poço ao fundo da mina, donde sóbe á superficie
ern vagonetes puxaclos por uma rampa. Sobe tam-
bem por um" grupo de elevadores.
O inspector geral examina com frequencia as
paredes e tectos de todas as galerias. Ha ainda uma
commissão de vigilancia e o manejo dos explosivos
faz-se mediante severas precauções.
Hoje e AI11anhã 69
Um extenso systema de bombas exgotta as ga-
lerias mais profundas e todas ellas são aquecidas a
vapor. Os mineiros vestem roupas proprias e botas
impermeaveis. Depois do trabalho tomam todos seu
banho de ducha e mudam de roupa, emquanto a de
trabalho secca.
A mineração prosegue durante o anno inteiro,
sendo o producto levado em ferro-carril até Mar-
quette, onde nossos navios de lago o transportam
á usina ,de River Rouge. Durante o inverno fica o mi-
nereo armazenado á bocca do poço principal. Tudo
se realiza com machinas es,peciaes. A empreza não
possue lá um só burro ou cavallo.
A producção do minereo é hoj e de umas 200.000
toneladas por anno e seu custo muito mais baixo
do que uma qualquer mina que paga salarios me-
nores.
Além desta já adquirimos outras jazidas da re-
gião.
Tal é o nosso systema - e adeante o desen-
volveremos - de fazer trabalhar o dinheiro do pu-
blico. Este dinheiro veio ter ás nossas mãos sob
forma de lucros. Serão iniquos os lucros?
Capitulo V
o IMPOSSIVEL
Facto surprehendente é a tenacidade com que
os homens se agarram a methodos em uso antes-- do
advento da força motriz e das machinas. A tradi-
çãó. unica que havemos de levar em conta na .indus-
tria é a do bom trabalho. As mais mereceriam ape-
nas o nome de momentos da experiencia' humaria.
No libertar-nos das idéas velhas uma das pri-
meiras que deve ser expellida é a noção de que não
é necessario usar força motriz quando temos á mão
trabalho barato. O trabalho não é um producto.· Já
resaltamos anteriormente que os operarios de um;
industria devem ser os melhores consumidores dos
seus productos - e emquanto isto não se realizar,
torna-se impossivel siquer o começo da applicação
do "salario-causa". E' erro affirmar que os homens
só :valem o que recebem em troca ?O seu trabalho e
que o fabricante deve determinar os salarios e pre-
ços pela 'tabella corrente", isto é, pagar aos p r ~
rios o minimo e cobrar do publico o maximo .. U m
72
H en ry
Ford
negocio não pode ir ás cégas. Deye caminhar para
a frente, sob uma direcção.
Parece a muitos incomprehensivel isto. O com-
prehensivel, o caminho facil, é seguir a multidão e
acceitar as cousas como as temos - e jactar-se de
experto quem consegue dar sua tacada. Mas esta
não é a senda do bem servir ao publico. Nem tão
pouco a trilha do negocio sadio. Nem ainda o bom
caminho de ganhar dinheiro. Homens ha que por
estas vias chegam ao seu milhão, ou dois - como
o jogador ás vezes apanha a sua bolada. No verda-
deiro negocio o azar não existe. O verdadeiro nego-
CIO crea os seus proprios clientes.
Bem fazer
Nossa idéa é que devemos descobrir o melhor
meio de fazer as cousas, considerando todos os pro-
cessos em voga como puramente experimentaes. Si
alcançarmos na producção um certo es.tagio, tido
como notavel em comparação dos anteriores, consi-
deramos isso apenas como um degráo, e nada mais.
Unicamente um degráo. As transformações havidas
nos indicam que outras, nlaiores, te em que sobrevir,
dando-nos isso a certeza de que nem uma unica ope-
ração a estamos fazendo com a perfeição com que
deve ser feita:.
Nenhuma mudança realizamos pelo simples
gosto de mudar - nem de:'!.'Camos de f a ~ e l a s sempre
que o novO caminho se demonstra melhor que o
a.ntigo.
Hoje e All1anhâ 73
Temos como dever nosso impedir que se obs-
trua o caminho do progresso: o caminho da realiza-
ção de um serviço melhor, com todos os seus refle-
xos no salario e nos preços.
Não é fac ii fugir á rotina. Por esse motivo as
nossas operações novas são sempre dirigidas por
homens sem nenhum conhecimento anterior da ma-
teria e, portanto, desacostumados a admittir impos-
siveis. Recorremos á ajuda de peritos technicos sem-
pre que é necessario, embora nenhuma operação
seja por eHes dirigida. Os peritos são peritissimos
em admittir impossibilidades ... Nossa resposta sys-
tematica ao seu" Não se pode fazer" é "Faça-se".
A industria do vidro
Na questão do vidro, por exemplo. Vinlos ell1
paginas anteriores quaes os methodos em uso na
usina de Glassmere. Não differiam eHes, na essen-
cia, dos usados ha seculos. A fabricação do vidro é
velha; possue tradições, sobretudo quanto aos cadi-
nhos de argilla em que a mistura se funde e dá o
vidro. Taes cadinhos, já disse, teem que ser feitos
manualmente. O operario amassa a argilla a pés nús
e amolda-a a mão. A machinaria já conseguiu subs-
tituir-se ao musculo no metter e tirar do forno os
cadinhos; tambem já é ella que os transporta e ainda
aplaina e brune o vidro; mas as operações não mu-
daram fundamentalmente. A machina veio apenas
substituir, no possivel, a mão.
Nunca se havia examinado a fundo toda a ope-
74 Henry
Ford
ração afim de apprehender-lhe o verdadeiramente
fundamental. E' facil substituir o esforço manual
pelo mechanico - mas isso não resulta em pleni-
tude de efficiencia. O difficil é começar do principio,
seguindo o evoluir de um methodo que, em vez de
substituir a mão pela machina, tenda á realização
integral do trabalho pela machina, passando O ho-
mem a simples fiscal ou ajudante da machina. E'
este o conceito da macl;lina na industria, em opposi-
ção ao conceito do trabalho manual.
Pareceu-nos a nós que poderiamos fabricar· vi-
dro laminado por um processo continuo e sem ne-
nhuma intervenção manuaL Os peritos do mundo
inteiro logo proclamaram irrealizavel a coisa. Não
obstante, incumbimos de tental-a a homens que ja-
mais haviam trabalhado em vidro, e em Highland
Park iniciaram elles as experiencias. Luctaram, está
visto, contra todos os obices apontados e ainda ou-
tros ineditos - mas venceram. Essa pequena fabrica
produz 2 112 milhões de pés quadrados por anno e a
granCle usina que, em vista do bom resultado das
experiencias,_ montamos em River Rouge, produz
12 milhões, occupando metade do espaço da outra
e um terço do pessoal. Apesar de não produzirmos
ainda todo o vidro necessario ao nosso consumo, já
economisamos uns 3 milhões de dollares annualmen-
te no vidro que fabricamos, comparado conl o que
temos de adquirir de terceiros.
Eis o nosso processo. A massa se funde em
grandes fornos, com capacidade, cada um, para 408
toneladas de material. A temperatura mantida equi-
110 j e e A manhã 75
vale a um calor fundente de 2500 ° Fahrenheit e um
calor refinante de 2300°. Os fornos são, de 15 em 15
minutos, carregados de areia, cinzas sodicas e outras
substancias chimicas. O vidro em fusão sae numa
corrente continua sobre um tambor de ferro que
gyra lentamente e passa sob um cylindro que o la-
mina com a espessura requerida. Desse tambor vae
a um supporte movediço de 132 m. de comprimento,
a rodar na razão de 1m.25 por lllinuto. no qual o
vidro se tempera numa gradativa baixa de calor.
A construcção do lehr constituiu probletna ar-
duo deante do qual só existiam fracassos anteriores.
E nem nós o teriamos podido construir si não fosse
a nossa experiencia em machinas de precisão e sys-
temas transportadores. Não era pequena cousa sup-
portar uma lamina moveI de vidro, com 132 m. de
longo, a resfriar-se da temperatura com que sae do
cylindro, 1400 gráos, á que permitta a manipulação.
O movimento tem que ser perfeitamente uniforme, e
os cylindros, sobre os quaes se move o vidro, teem
que estar perfeitasm·ente alinhados e ajustados, de
modo que em todo o percurso não soHra o vidro a
menor torção. O problema do calor decrescente re-
solve-se com challlmas de gaz regula-das thermosta-
ticamente e dispostas a intervallos irregulares.
Ao termo da viagem o vidro é cortado em peças
de 2m.82 de longo, o necessario para seis parabrisas,
sendo dalli transportado automaticamente á sceção
de brunir.
As laminas são montadas em estuque para que
se conservem firmes e passam sob os discos polido-
76
Henry
F o r ri
res, sempre apoiadas em supportes corrediços. Pelo
centro desses discos desce a areia de mistura com
agua - areia que se afina á medida que o vidro
segue seu caminho. Empregam-se no alisamento oito
gráos de areia e seis de esmeril.
. Depois lavam-se as laminas. O vidro passa aos
discos brunidores, munidos de feltros e a trabalha-
rem com a pasta de brunir. Findo o percurso, retor-
na o vidro pelo mesmo caminho, e assim se conclue
a operação sem que intervenha qualquer toque ma-
nual.
A areia não é manejada a mão - areia ou de-
mais substancias polidoras. Nem nenhum dos in-
gredientes entrados na composição do vidro. Um
tubo pneumatico os toma dos vagões e os distri-
bue.
A areia de polir tem que graauar-se á medida
que vae sendo usada, o que é feito pelo processo
technico da "levigation".
Ao chegar á fabrica é ella armazenada em gran-
des depositos junto á via-ferrea. Antes de ser utili-
zada lava-se num tanque, donde tubos pneumaticos
a levam, atravez da fabrica, ás moégas accessorias,
aos fornos ou secção de polimento. Dessas moégas a
areia cáe por conductos inclinados aos primeiros po-
lidores da série. Executado o primeiro polimento,
cáe a areia pelos bordos a umas calhas subjacentes
e vae, pneumaticamente, á "levigation".
Nesta, fluctua a areia num volume d'agua de
algum vulto e começa a graduar-se por si mesma.
Os granulos maiores e mais pesados depositam-se
Hoje e Amanhã
77
no primeiro tanque, em quanto o resto continua a
fluctuar; por sua vez sedimenta-se no segundo tan-
que um segundo gráo de areia e assim até ao ultimo.
A areia subministrada aos polidores por todos
os depositos, a partir do segundo, vae das calhas
subjacentes ao deposito immediato onde se repete
a operação e, do primeiro ao ultimo, o liquido uti-
lizado fornece ao seguinte a areia adequada ao
polidor correspondente. O esmeril usado nos derra-
deiros polidores gradua-se da mesma forma.
O processo parece muito simples e é. Todo pro-
cesso bem concebido é simples. Dessa simplicidade
e ausencia do trabalho manual resultou uma segu-
rança maior. O fabrico do vidro era considerado co-
mo perigoso. Pelo nosso systema não se dá isso. Du-
rante os dois ultimos annos perdemos menos de uma
hora por homem, por motivo de accidentes. E o ín-
dice tende a reduzir-se.
o algodão
Com a fiação se dá o mesmo. Seus processos
chegaram até nós baseados numa tradição secular,
tida como sagrada. A industria textil foi das primei-
ras a utilizar-se da força motriz; mas tambem foi
das primeiras a empregar o trabalho das creanças.
Muitos industriaes de tecidos vivem crentes de que
o preço baixo dos productos não é possivel sem baixa
paga aos operarios. Aperfeiçoamentos technicos
teem sobrevindo e nota veis; mas que alguem haja
enfrentado essa industria com absoluta largueza de
visão e desprezo da rotina, é outro caso.
78
Henry
F Qrd
Utilizamos, nós, maIS de 92.000 m. de panno de
algodão e acima de 23.000 de lã, diariamente, e a
menor economia em metro representa muito ao cabo
de um anno. Por este motivo já entramos pela in-
dustria textil com as nossas experiencias, menos
com a idéa de remodelal-a do que de nos libertarmos
das fluctuações do mercado.
Demos por assente, a principio, que nos era
necessario o panno de algodão - porque até alli só
haviamos usado delle em nossos carros, para capotas
e fabrico de couro artificial. Montamos um parque
de machinas e iniciamos a fabricação experimental.
Desligados, porém, que somos da rotina, principia-
mos por perguntar-nos:
- Será o algodão a materia maIS adequada
para estes· fins?
Vimos logo que andavamos a usaI-o apenas por
que fosse a materia mal facil de conseguir - não
que fosse a melhor. O linho o superaria, sem duvida,
visto que a resistencia da tela depende da longura
da fibra e a do linho é a mais longa e rija que se
conhece. O algodão cultiva-se a milhares de kilome-
tros de Detroit. Teriamos que pagar-lhe o transporte
em bruto, caso nos decidissenlos a teceI-o - e ainda
teriamos de pagar o transporte do algodão já empre-
gado nos carros até o ponto, Inuitas vezes, de onde
o tomassemos bruto.
o linho
Já o linho podia ser cultivado no' Michigan e
po Wisconsin. zonas muito mais á mão. A sua iIl-
Hoje e All1anhã 79
dustria, porém, andava mais presa a tradições do
que a do algodão - e ninguem conseguira incre-
mental-a entre nós graças ao muito trabalho manual
tido como indispensavel.
Tambem os tecidos de algodão já constituiram
um luxo outróra e seu consumo foi insignificante
até o dia em que Eli Whitney inven{ou sua machi-
na; até então as sementes tinham de ser tiradas a
unha, processo penoso e caro. Tambem a fiBra do
linho sempre se esfiou manualmente, na Irlanda,
Russia e Belgica - e onde quer que se cuidasse de
linho. Methodos pouco differenciados dos em uso no
Egypto dos pharaós. E' o que encarece os tecidos de
linho e impede a sua cultura entre nós. Não temos,
para bem nosso, bastante offerta de traÍJalho manual
a preços infimos, possibilizadora de taes industrias
com base no trabalho barato.
Começamos em Dearborn nossas experiencias e
vimos logo que o linho pode ser trabalhado mecha-
nicam ente. E já passamos do periodo experimental
ao industrial.
A principio dedicamos a essa cultura 243 hecta-
res de terreno. Aramos e preparamos o solo a machi-
na; semeamos, ceifamos, seccamos e debulhamos a
machina; e finalmente desfibramos por egual pro-
cesso, cousa ainda não feita até esta data.
O linho dá muito bem no Michigan e no Wis-
consin, embora só tenha merecido attenção em vista
da semente, productora do oleo de linhaça. Para te-
cido nunca a cultura alli se desenvolveu, dada a
concepção de exigir trabalho barato. E' tido como
80
Henry
Ford
industria de camponlOS, sendo que antes da guerra
o grande productor estava na Russia, paiz de abun-
dante população affeita á miseria. Nosso paiz não
lhe deu a necessaria attenção, nem procurou desco-
brir onde se produzia elle melhor. Parece requerer
clima humido, mas quando aqui se haja estabelecido
a sua cultura é certo que teremos tantas variedades
quantas zonas climatericas possuimos.
Sempre se considerou como fóra de duvida que
é indispensavel ségar o linho como se séga o trigo,
essencial que é conservar as varas parallelas para
facilitar as operações posteriores. Tambem se sup-
punha que o cortar <> linho deixa muita cousa apro-
veitavel na sóca, donde o arrancai-o a mão e, depois,
conclusa a colheita, tirar a casca com a semente -
o que faz perder-se boa quantidade desta.
Temos, assim, para começar, duas operações
manuaes, caras e penosas - arrancar a planta e
operar o "rippling". Experimentamos com certa ma-
china de arrancar, bastante complicada, mas vimos
logo ser preferivel cortar rente ao chão. Pelo nosso
systema não é necessario conservarem-se parallelas
as varas após o córte, sendo preferivel perder algu-
ma seluente a empregar o trabalho manual. Em vir-
tude disso ségamos a machina, deixando nas varas
a semente.
A operação immediata é a velha maceração.
Atam-se as varas em feixes e lá vão para a agua
durante semanas, com pesos em cima para que não
sobrenadem. Podre que fique a casca, saem os feixes
da agua e vão á secca. Tudo isto quer dizer trabalho
Hoje
e A manhã
81
manual e desagradabilissimo, visto o máo cheiro do
linho podre. O processo exige grande discernimento
quanto á agua adequada e quanto ao tempo de ma-
ceragem. A operação seguinte vale pela mais pesada
e dispendiosa. E' o desfibrar - separar a casca do
lenho.
Com o ne:JSSO processo todas estas penosas ope-
raç®es manuaes se supprimem. Após .o córte deixa-
mos na terra as varas por algumas semanas; depois
as juntamos, como se faz ao feno. Em ·vez de seccar
ao sol esse linho em decomposição, fazemol-o pas-
sar por um forno, num transportador que o entrega
á machina que constitue o eixo do nosso systema e
substitue por completo o antigo desfibramento ma-
nual. Essa machina possue seis secções, que se mo-
vem com velocidades distinctas nos seus rolos de
estrias e nos de cardagem. Passo os detalhes techni-
coso Só importa saber que esta machina separa as
sementes e põe de lado a fibra reduzida a fio de
linho e estopa.
Note-se a economia de trabalho e de producto.
A machina não se preoccupa de como entram as va-
ras, e d'ahi a suppressão do trabalho exigido pelo
outro systema. Com o trabalho de 8 horas e attendi-
da por 2 homens, esta machina faz a tarefa de 8 ho-
mens em 12 horas.
O linho assim produzido se fia em dois typos,
um fino e outro grosseiro. Para isto adquirimos ma-
chi nas fóra, nas quaes nossos homens já introduzi-
ram aperfeiçoamentos - e outros já se esboçam.
Por exemplo: a pratica antiga é fiar o linho em car-
82 Henry
Ford
reteis e depois passai-o a bobinas definitivas. N6s o
enrolamos directamente nestas. Chegamos a obter,
com o processo da seriação continua, que o linho
entre por um lado e saia a tela prompta do outro.
Esta secção se ligará á de couro artificial, de modo
que a continuidade não se solucione.
Temos este trabalho de linho como uma das
mais valiosas experiencias a que estamos proceden-
do, graçàs ás suas consequencias para a nossa indus-
tria e para a melhoria em efficiencia da sua cultura.
Necessitamos annualmente da producção de mais de
20.000 heCtares e o linho se adapta muito bem á
mudança das estações. Ha, pois, aqui, uma nova
fonte de renda para o paiz, isto é, uma industria
nova. E ha que contar ainda com o valor dos sub-
productos: oleo de linhaça e estopa, optima para a
tapeçaria. Nossos chimicos estão experimentando.
com os fragmentos ou residuos, afim de lhes apa-
nhar varios compostos de cellulose, empregaveis, li-
quidos, para o banho das capotas e, solidos, para
cabos e equipamento electrico.
A industria do linho pode e deve descentralizar-
se, de modo a fazer-se um complemento da agricul-
tura intelligente, como a de cereaes, tão distincta
da do leite, da pecuaria e da horticultura. O logar
adequado á montagem das machinas desfibradoras
seria a região do seu cultivo. Poderia crear-se uma
industria aldeã, propria para agricultores que divi-
dissem o seu tempo entre o campo e a fabrica.
Tatnbem andamos a sondar o melhor .caminho
relativo ao fabrico da tela de lã que consumimos.
Hoje e Amanhã 83
Para começar puzemos um moço da nossa secção
de desenho numa fabrica de tecidos, com instrucções
para que aprenda quanto possa a respeito de
menos a rotina. !vIas não temos feito ainda sinão
pequenas mudanças nas machinas usuaes e a pro-
ducção nossa fabrica experimental é minima
comparada com as nossas necessidades. Já vimos,
entretanto, que será possivel realizar uma economia
de quasi 30 % nos tecidos de lã, o que vale por mi-
lhões de dollares ao anno. Sempre que podemos ins-
tallar machinas para o fabrico de uma só cousa e
que estudamos o tnelhor meio de a fazer, as eco-
nomias que se produzem surprehendem.
Capitulo VI
APRENDENDO POR NECESSIDADE
Não damos nós um só passo investigador que
se não relacione ao objectivo supremo da nossa in-
dustria. Qualquer diversão redundaria provavelmen-
te em prejuizo do fim ultimo dessa industria, que é
a fabricação de motores e sua montagem sobre ro-
das. NC? laboratorio technico de Dearborn possuimos
agora o necessario para fazer experimentalmente
tudo quanto desejamos, pelo 1l1ethodo de Edison -
ensaio e erro.
Nossa tarefa já não é pequena, pois devemos dar
toda a attenção ao possivel exgottamento deste ou
daquelle material, á economia delles e ao descobri-
mento de succedaneos. Com muita frequencia pomos
de reserva os resultados das nossas experiencias
para utilizaI-os no futuro em caso de precisão. Si a
gazolina, por exemplo, subisse de preço seria. pratico
produzir combustiveis substitutos. Mas temos como
o nosso principal dever não nos desviarmos da nossa
trilha de bem cousas, norte que nos ha
86 Henry
Ford
levado a varios terrenos. Na economia ele trabalho
e materia prima rara é a semana que se passa sem
reforma, umas de pouca, outras de enorme impor-
tancia. Só o methodo não varia. O curioso é que al-
gumas das nossas maiores economias foralll cot)se-
guielas no fabrico de peças que tinham apparente-
mente alcançado a perfeição.
Certa .. vez descobrimos que empregando mais
dois cents de material numa pequena peça poderia-
mos reduzir-lhe o custo de 40 %. A quantidade
de material empregado custava, pelo novo methodo,
dois cents a mais que pelo antigo; de tal modo,
porém, se abreviava o trabalho que os custo da peça
passou de $0,2852 a $0,1663 (calculamos os preços
de custo até quatro decimaes). Esse novo methodo
exigiu dez machinas addicionaes, trazendo uma eco-
nomia de 12 cents por peça, quer dizer, mais de
400.000 dollares por anno, dada a producção de
10.000 peças diarias.
Sempre ha,iamos empregado a madeira para o
aro dos volantes. Era um desperdicio, pois só podia-
mos usar madeira de lei, além de que nenhuma ope.-
ração de carpintaria se pode fazer com precisão ri-
gorosa. Emquanto isso, a fazenda de Dearborn pro-
duzia annualmente toneladas de palha, posta fóra
ou vendida a preço vil. Desta palha conseguimos ex-
trahir uma substancia que baptizamos de Fordite,
muito parecida com a borracha vulcanisada. O aro
do volante e ainda mais de 40 peças do equipamento
electrico dos automoveis passaram a ser feitos desta
H aj e e Alnanhã 87
palha, consumindo-se a producção annual da fazed-
da em 9 mezes.
O processü é o seguinte: Misturamos a palha
COlll uma base de gomma, enxofre, silica e outros in-
gredientes e esmoemos esta massa a quente durante
45 minutos. Depois, por compressão, sae ella dos
moinhos em forma de chouriço cortadü em tróços
de 1m.32, promptos para serem capeados por uma
substancia fina, semelhante á borracha. Em seguida
passam para os moldes, onde por uma hora soffrem
a quente pressão de 500 kilos por centimetro quadra-
do. Sahidos das formas e resfriados adquirem uma
dureza permanente de pedra.
Estes volantes vão depois á secção de aperfei-
çoamento, onde são brunidos. Por esta forma ficam-
nos elles por metade do custo anterior e ainda pou-
pamos a madeira.
No carro de turismo empregamos 14 m. de cinco
t} pos de couro artificial para a capota, cortinas e as-
sentos. O empr'ego do couro animal seria impossivel,
já pelo custo, já porque não se matam animaes em
numero sufficiente ao nosso consunlO. Cinco ou seis
annos gastamos para inventar um couro artificial
que nos satisfizesse plenamente. Tinhamos que con-
seguir uma boa cornposição de revestiluento e de-
pois obter a producção continua. O facto de fabri-
carm05 o couro artificial preciso para o nosso con-
sumo não só nos daria independencia - objectivo
primordial - como ainda nos traria um lucro supe-
rIr a 12.000 dollares diarios. Conseguimol-o, por fim.
A tela entra por uma serie de estufas em forma
88 H e n ry
Ford
eh! torres, em cuja base estão os depositas da com-
posição revestidora. O liquido derrama-se na tela
em marcha e espalha-se por igual por meio de facas.
Recebido o banho, sobe a tela ás torres até 9 m.,
numa temperatura de 200 gráos. Ao descer já está
secca. A operação repete-se nas 7 estufas succes-
sh"as.
Vae depois á prensa de estampar, onde recebe
a granulação por meio de uma pressão de 700 tone-
ladas. Uma nova estufa dá á tela assim preparada
um banho final que lhe accrescenta brilho e flexi-
bilidade.
A composição é uma mescla de oleo de ricino,
algodão nitrado dissolvido em acetato de ethyla e
benzol. Muito volatil, o que explica a rapidez da
sécca. As estufas desprendem o vapor do acetato de
ethyla, do aleool e do benzol, o qual é recolhido por
Uln apparelho de nossa construcção, o que nos per-
mitte recobrar 90 70 desse fumo. O fabrico da tela
revestida é continuo; quando um rolo chega ao fim
cose-se a outro, de modo que a operação não pára
nunca.
O tratamento a quente do aço é de grande im-
portancia, pois permitte o emprego de peças mais
leves graças á maior resistencia. Operação delicada.
As peças não devem ser nem muito brandas, pois
se gastariatn; nem muito duras, pois se quebrariam.
O gráo de dureza depende do destino dellas. Mas o
tratamento de grandes quantidades de peças, de mo-
do que cada qual possua a dureza adequada, está
longe de ser elementar.
Hoje e A DI a Il h ã
89
Pelo systema antigo ISSO se fazia conjectural-
mente, mas nós não nos permittimos o "mais ou
menos" humano. Nos nossos COlneços alcançamos
uma certa precisão no preparo do aço, equivalente a
progresso sobre os methodos em Yoga. Utilizavatnos
operarios com ligeira technica e obtinhamos resul-
tados uniformes, graças ao controle mechanico. O
trabalho, porém, era exhaustivo, em. \"irtude do calor
- e com isso não podialnos nos conformar. Traba-
lho rude deve caber ás lnachinas, não ao homem.
Alem disso as peças rectas, como os eixos, não esca-
pavam do entortamento ao resfriarem-se, exigindo
uma correcção que as encareCIa.
Incumbimos um moço de aperfeiçoar todo o
processo. Ao cabo de um anno, ou dois, não só pu-
demos reduzir o nutnero de operarios como inventa-
mos um apparelho centrifugo de temperar, no qual
as peças se resfriam uniformemente. Os eixos não
mais entortatn e a operação correctiva se supprimiu.
O forno electrico em substituição do de gaz foi um
dos nossos maiores melhoramentos. Em vez de 4
fornos a gaz, servidos por 6 homens e um chefe, com
capacidade para 1000 bilhas por hora, 2 fornos ele-
ctricos produzem, com 3 homens, 1300.
Para o tratamento a quente do aço a secção
dos eixos utiliza um grande forno de dois andares.
Um balancim de marcha lenta faz avançar as barras,
no andar inferior, com intervallos de um ro.inuto; 28
minutos gasta a barra para mover-se completamente
atravez do andar Inferior do fo'rno, e durante esse
90 Henry
Ford
tempo soffre ella um calor constante de 14SOO F ..
temperatura graduada tnechanicamente.
A' proporção que as barras chegatn ao extremo
do forno, um homem as torna com tenazes e as col-
loca numa machina gyratoria, onde se temperam em
solução 'caustica á razão de 4 por minuto; o movi-
~ n ~ o gyratorio faz que o abaixamento da tempe-
ratura seja praticamente instantaneo em toda a su-
perficie da barra. Esta operação assegura uma du-
reza uniforme e evita a deformação que causaria um
resfriamento desigual.
As barras temperadas são conduzidas por um
transportador ao andar de cima e vão retrocedendo
até sahirem fóra, sob um calor de 680
0
F. Toda a:
operação consome 45 minutos.
Poderá o processo não parecer importante, mas
a suppressão do processo correctivo nos trouxe llma
economia de 36 milhões de dol1ares em 4 annos.
Para o carro e o caminhão 162 temos que forjar
aço na quantidade de meio milhão de kilos por dia.
A' custa de experiencias constantes conseguimos
economizar muitos milhões de dollares, reunindo em
urna só varias operações de forja e tambem esten-
dendo o uso das ma chi nas de estampar ou dar forma
ao aço por pressão em vez de percussão.
Nas machinas de forjar, pesados martellos ou
pilões cahem sobre a barra de aço aquecida. N eces-
sitam-se tres series de operações, excepto nalguns
casos, p=\ra dar ao aço a forma desejada. A barra se
colloca primeiro entre dois cunhos onde se realiza a
compressão até o ponto requerido. Depois passa á
Hoje e Amanhã
91
machina seguinte que a amolda, corta, recorta e se-
para. O grupo de martellos-pilões a vapor compõe-
se de 96 unidades; o pilão do menor pésa 400 kilos
e o do maior 2.537.
Não ha divisão de trabalho entre os martellos.
Para forjar tUlla maniyella colloca-se a barril de aço
candente sobre um troquei ondulado que num golpe
lhe dá a forma desejada. Resulta um producto ainda
tosco que se apura nas machinas de rebarbar, consti-
tuidas de oito prensas a trabalharem sobre uma fita
transportadora que vae carreando os residuos. Esta
fita tambem serve para o transporte das peças pe-
quenas, que são apanhadas ao sahirem da secção,
classificadas e acondicionadas em caixões, emquan-
to os residuos se despejam em vagões proprios para
esse fim.
A operação maIS difficil da forja é a realizada
com a arvore motriz que supporta o coxinete; não
obstante se faz numa s{> machina.
Machinario interessante é o laminador dos so-
bejos do aço, o qual aproveita os fragmentos ainda
utilizaveis, dá-lhes o corpo adequado e se faz in loco
para economia de transporte.
A moldagem ~ aluminio em fusão em fôrmas
, .t,
rigidas parecia impossivel. Nas fôrmas de areia o ar
expellido pelo metal infiltra-se pela areia, mas nas
fôrmas rigidas fórma bolhas no metal. Descobrimos,
por fim, o meio de evitar isso. A fôrma é collocada
em cima do vaso que contem o metal fundido, qual
uma tampa. Depois o operador applica um systema
de ar comprimido ao metal e o força a subir á fôrma.
92 Henry
Ford
o ar contido nesta foge por pequeninas furas e como
o fundo da fôrma é a primeira parte que se enche,
o metal se solidifica de cima para baixo, sem que
se formem bolhas.
Fio de cobre isolado é material dispendioso -
e nós o ... consumimos muito. Isso nos levou a fabri-
caI-o, estando hoje a nossa producção em 150 kilo-
metros diarios. Usamos a machina commum de la-
minar, porém muito aperfeiçoada e simplificada. A
operação começa com fios de cobre de O,m,0075, os
quaes são estirados atravez de 9 furas ou troqueis
de ferro temperado, de calibres decrescentes. Ao
sahir do ultimo o fio está com 3132 polegadas de
diametro e enrola-se em carreteis sob uma veloci-
dade de 217 m. por minuto.
A operação de estirar o arame desenvolve mui-
to calor, que removemos por meio duma corrente
dagua a correr sobre o troqueI, o que lhe dá dureza.
Para abrandai-o antes que vá ao estiramento se-
guinte usamos o forno electrico, fechado hydrauli-
cam ente. O fio mergulha na agua sobre uma plata-
forma gyratoria que o leva ao forno, onde entra
para um cylindro hermeticamente fechado, que du-
rante uma hora o mantem á temperatura de 1045° F.
O ar é extrahido para evitar a oxydação.
As machinas que realizam o segundo estira-
mento são providas de oito diamantes furados, atra-
vez· dos quaes passa o fio,_ reduzindo-se em cada
qual de alguns millesimos de pollegada. Estes dia-
mantes custam 300 dalI ares cada um e duram seis
mezes sem desgaste apreciavel. O troqueI final dei-
Hoje e
Amanhã
93
xa o fio em condições de receber a camada isolado-
ra, consistente em cinco banhos de esmalte diele-
ctrico e uma capa de algodão. A esmaltagem é con-
tinua e automatica. Quatro homens cuidam facil-
mente de 8 rolos de arame ao mesmo tempo.
O fio soffre, centimetro por centimetro, UIU
exame verificador dos defeitos da esmaltagem e de-
pois vae ás machinas de capear. Estas machinas
são munidas de 18 bobinas de fios de algodão, que
gyram em torno do fiQ, recobrindo-o de uma capa
uniforme muito firme. Quatro homens dirigem 72
fusos destes, onde tudo é automatico.
Os methodos de moldar tijolos de bronze fo-
ram-se aperfeiçoando de tal modo que não lembram
mais a antiga fundição. A fusão se faz em 12 fornos
electricos, com capacidade para mil kilos de metal,
fusivel em 70 minutos. O forno permanece immo-
vel até que o derretimento se opere; depois entra a
oscillar para que a mescla se uniformize. Quando
o metal fundido alcança uma temperatura de 2200° F.
tira-se delle u'ma amostra que vae aos laboratorios
de analyse, emquanto o resto se esvazia em mo-Ides
de argilla refractaria.
A secção está provida com tudo quanto é pre-
ciso para um trabalho rapido e efficiente. Em vez
de apertar a areia a mão nos moldes, basta compri-
mir um botão para que um apparelho electrico exe-
cute o trabalho. A areia deve agitar-se e aplastar-se
sob forma de massa firme; tambem isto se faz a
machina melhor do que a mão.
O molde tem que dividir-se em duas partes que
94
Henry
Ford
se ajustem perfeitamente. Outrora poh'ilhavam-se
estas partes com lycopodio, o que encarecia o pro-
cesso. Nós usamos um preparado da tnesma effi-
cacia e mais barato. Urna corrente de ar vibratorio
e um simples arranjo de engrenagens opera a aber-
tura das fôrmas.
Preparados os tnoldes, um transportador con-
tinuo os leva ao ponto onde vão receber o metal em
fusão. Para que o metal não fugisse por entre a
fenda dos moldes costuma\"a-se outróra metter pe-
sos sobre elles, rude tarefa para o musculo humano.
Nós o fazemos mechanicamente.
Nlais adeante abrem-se os moldes e extrahem-
se as peças fundidas, emquanto as fôrmas voltam
automaticamente para traz.
Os tijolos assim obtidos vão ter a grandes lami-
nadores cylindricos que os pulem.
Toda esta secção é automatica e segura. Duplos
tornos automaticos trabalham em cada 8 horas 6000
tijolos, com tanta precisão que apenas soffre refugo
1.30 % do total.
Nas machinas de furar eliminamos sua cara-
cteristica mais perigosa: confundir a mã? do ope-
raria com a peça de metal.
Para a classificação oU inspecção da longitude
das peças ha uma machina com tres jogos de dis-
cos, dispostos de maneira que o inicial colha as pe-
ças demasiado grandes, o segundo as de tamanho
justo e o terceiro as de tamanho inferior, tudo re-
gulado até decimillimetros.
Que significa tudo isto? Significa apenas que
Hoje e Amanhã 95
em 1918 esta secção produzia em media 350 peças
por opera rio, com perda de 3 %, e hoje produz 830-
peças por operario, com refugo de 1,30 %.
N o fabrico de molas conseguimos um progres-
so identico em materia de precisão e economia de
trabalho humano. A laminagem é tão perfeita que
os modelos são intercambiaveis. As laminas endu-
recem em oleo e se temperam em nitrato a 875
0
F.
Em 1915 a secção empregava 4 homens para
a producção de 50 molas diarias; hoje 600 homens
fazem 18000 por dia.
Temos inspectores em cada etapa do trabalho,
para a verificação dos defeitos, mas poucas vezes
tem que intervir o seu discernimento. Estamos tra-
balhando para conseguir a inspecção mechanica.
Uma corrente, por exemplo, de 20.000 volts faz o
serviço da inspecção dos eixos com mais precisão
e sete vezes mais depressa que pelo systema antigo.
Manejado por um só homem esse novo calibrador
electrico substitue 7 calibradores dos antigos, com
os seus operarios correspondentes. A prova electri-
ca consome 10 segundos e indica erros de decimil-
limetros.
Assim procedemos em tudo. Consideramos nos-
so dever utilizar o dinheiro do publico em seu pro-
veito, procurando sempre obter um producto me-
lhor e mais barato.
Capitulo VII
QUE E' STANDARD?
Em materia de standard ha que ir devagar,
pois que é muito mais facil fixar um standard erra-
do que um certo. Certas standardizações marcam
apenas inercia; outras, progresso. D'ahi o perigo
de falar ligeiramente a respeito.
Dois são os pontos de vista: o do productor e
o do consumidor. Supponha-se, para exemplificar,
que certa commissão do governo' exan1inasse todas
as industrias para descobrir quantas do
mesmo producto se estavam fabricando, e suppri-
misse as inuteis, estabelecendo um standard. Beni-
ficiar-se-ia com isso o publico? Em nada, a não ser
em occasião de guerra. tempo em que toda a nação
tem que ser considerada con10 uma unidade produ-
ctiva. Em primeiro lagar, não é provayel que se
pudesse reunir uma commissão de technic2. bastan-
te segura para estabelecer standards, visto como a
technica só se obtem dentro de cada industr1a e não
fóra. Em segundo, suppondo-se que (\ r;'ineiro ob",-
98
Henry
Ford
taculo fosse removido, taes standards, embora trou-
xessem uma econom1a passageira, acabariam trans-
formados em barreiras do progresso. Os fabricantes
passariam a attendel-os, em vez de attender ao pu-
blico, e o engenho humano se exgottaria em vez
de apurar-se.
Não resta duvida que alguns standards são ne-
cessarios. Uma pollegada, por exemplo, deve ser
sempre uma pollegada. Quando compramos a peso
ou a metro devemos saber quanto compramos. To-
dos os sapatos n.O 9 do paiz devem ser do mesmo
tamanho. Um litro só pode ser um litro e um kilo
um kilo. N s t ~ particulares a standardização é um
bem e contribue para o progresso. O mesmo se dá
quanto á qualidade. Um typo de cimento deve ser
st;m pre o mesmo, de modo a dispensar exame por
parte do comprador. O que se vende como "pura
lã" deve ser lã pura. Seda tem que ser seda. O pe-
queno comprador sem meios de yerificação -precisa
confiar na qualidade do artigo annunciado. Isto nãc
só é conveniente como evita a concorrencia desho-
nesta dos que vendem um artigo inferior como su-
perior.
Mas ao tratar do estylo dos productos -a cousa
muda. Os desconhecedores dos processos e proble-
mas industriaes ,gostam de imaginar um mundo
standardizado, no qual todos vivessemos no mesmo
typo de habitações, vestindo as mesmas roupas, co-
mendo as mesmas comidas e agindo e pensando do
mesmo modo. E difficil de calcular quanto dura-
ria um mundo assim, pois que com a equiparação-
H oj e e Amanhã
99
do pensar ao não-pensar a direcção (Ieadership)
desappareceria.
A finalidade da industria não collima urna
standardização automatica do mundo em que o ce-
rebro se torne inutil. Quer, ao contrario, um mundo
etn que as creaturas tenhaln occasião de empregar
o cerebro, libertas da preoccupação obsedante de
prover á subsistencia. Não é fim da industria amol-
dar o homem por uma mesma fôrma; nem tão pou-
co elevàr o trabalhador a uma falsa posição de su-
premaCIa. A industria existe para servir ao publico,
do qual o traba1ho faz parte integrante. Existe para
libertar o corpo e o espirito da vida afflicta, abar-
rotando o mundo de productos bons e baratos. Até
que ponto se podem standardizar estes productos
é problema que :i iniciati\'a individual, não ao Es-
tado, inculnbe reJolver.
A mais forte objecção que se possa fazer con-
tra o grande numero de estylos e modelos é que
tal variedade affecta a producção economica de
qualquer em preza. Mas si as emprezas se especiali-
zam cada qual em seu modelo, a economIa e a va-
riedade poderão caminhar juntas. E ambas são ne-
cessarias.
Em seu yerdadeiro sentido a standardização
equivale á reunião das melhores vantagens do pro-
ducto ás melhores vantagens da producção, de mo-
do que sob o menor preço possa ser offerecido ao
publico o melhor producto.
Standardizar um methodo equivale a escolher
entre muitos o methodo melhor para o caso. A stan-
100 Henry
Ford
dardização não tem nenhum sentido, si não signi-
fica um esforço para algo superior.
Qual o melhor meio de fazer uma cousa? Sim-
plesmente a somma de t o d o ~ o s bons meios desco-
bertos até hoje. Este total é o standard. Mas decre-
tar que o standard de hoj e será o de amanhã, isto
éxcede á nossa força e autoridade. Em torno de nós
vemos todos os estandards de hontem. Quem os
confunde com os de hoje? O standard de hoje sup-
'planta o de hontem e será supplantado pelo de ama-
nhã. Eis um facto que os theoricos desprezam
quando imaginam ser certo standard unl molde ri-
gido, capaz de conter todos os esforços e perpetuar
um aspecto. Se semelhante cousa fosse possivel, de-
veriamos usar hoje os modelos em honra ha cem
annos, pois não faltou resistencia á adopção dos
actuaes que os substituiram.
Hoje, ao impulso da habilidade do engenheiro,
a industria melhora rapidamente todos os nossos
standards, e em vez deste facto constituir obice para
o progresso torna-se a base do dia de amanhã.
Si considerarmos a standardização como o me-
lhor que conhecemos no momento, porém senlpre
aperfeiçoavel, estaremos no caminho certo. Mas si
a tivermos qual uma prisão, nesse caso o progresso
periga.
Já vimos em meu livro anterior que nenhuma
usina é bastante grande para fabricar ~ a s especies
de prodllctóS. Nossa organização não basta para
construir duas classes de automoveis sob o mesmo
tecto. Ha 7 annos adquirimos a Lincoln Motor Car
e A manhã
101
Company, menos porque precisassemos della do que
por motivos pessoaes. Nosso modelo T - o .. Ford"
é o nosso negocio basico e deUe fizemos um produ-
cto de consumo universal. Já não temos nenhuma
idéa de f.a,zer o mesmo com o Lincoln. Seu standard
não é mais elevado que o do Ford; apenas diverso.
Ambos estão standardizados no sentido de que ~
dos os nossos aperfeiçoamentos teem que dispor-se
de modo a adaptarem-se a.elles sem mudança essen-
cial. Sem duvida todas as peças são intercambiaveis
~ vantagem do trabalho mechanico ainda não de
todo aperfeiçoado. E' sempre possivel conceber uma
machina que execute um trabalho· melhor e mais
precisamente do que á mão.
Mas o ponto capital é que, embora sejam os
dois modelos propriedade da mesma empreza, não
::;ão fabricados sob o mesmo tecto e por varios lPo-
tivos. Um é de baixo preço e pratico; o operario
que o constroe pode adquiril-o. Com o Lincoln' o
objectivo não é o mesmo e não está ao alcance dó
seu operario. Embora não seja uma artigo de luxo,
pois presta excellentes serviços, não constitue artigo
de utilidade corrente.Ha uma escala de serviços,
do mesmo modo que existem diversas qualidades de
creaturas humanas. Certo homem receberá em paga
do seu esforço o necessario para adquirir certa elas_-
se de aFtigo, em quanto outro homem obterá pelo
seu esforço o necessario para adquirir outro artigo
de preço mais alto. Isto em nada viola o principio
do "salario-causa"; antes estende' esse princIpio a
todas as especies de serviço. Devemos nivelar .por
102
Henry
Ford
cima, não por baixo. Fieis a este principio impedi-
remos que a standardização se torne um perigo.
Para urna fabricação economica é essencial que
as peças sejam intercambiaveis. Nós não fabricamos
carros Ford num certo lagar. Só em. Detroit cons-
truimos uma certa quantidade para o consumo lo-
cal. Fabricamos as peças, sendo os carros montados
nos pontos de destino. Tal concepção implica ne-
cessariamente uma precisão de fabrico desconheci-
da outróra. Se aS differentes peças não se ajustas-
sem com precisão, a montagem final seria impossi-
vel e a maior parte da economia yisada se perderia.
Estas considerações nos leValTI a falar da ne-
cessidade duma precisão absoluta de fabrico, levada
a um decimillesimo de pollegada.
No commum não se pode obter calibre tão ri-
goso - e está claro que só nos casos excepcionaes
nos atemos a tamanho rigor - mas para quasi to-
dos os nossos trabalhos a tolerancia não vae alem
dum millesimo de pollegada. Para obter tal preci-
são appellamos para o unico hOlnem no mundo que
fez da precisão o objecto exclusivo dos seus estu-
dos: Carl E. Johansson. Contramestre dos arsenaes
suecos de Elkistuna, teve elle a idéa de combinar
os calibradores usados no fabrico de carabinas de
modo que um pequeno numero de "blocks" pudes-
se controlar um grande numero de dimensões. O
primeiro calibrador de Johansson foi concluido em
1897 e hoje são tidos esses apparelhos como os mais
precisos do mundo. Adquirimos os direitos da sua
fabricação para a America, bem como a fabrica de
Hoje e Amanhã
103
Pough-Keepsie, estado de New York. Alem disso
Johansson entrou para o nosso corpo technico afim
de que proseguisse em suas investigações.
Taes calibradores são peças rectangulares de
aço temperado, rectificado e polido, de superficies
absolutamente lisas e parallelas, - realização me-
chanica importantissima, dado o problema que era
a obtenção de tal parallelismo entre dué1.s superfí-
cies de aço. O professor J. Hjelsley, director do de-
partamento das mathematicas da Universidade de
Copenhague, declara que as superficies destes cali-
bradores constituem o que a mão do homem ainda
construiu mais proximo do plano theorico.
As suas superficies possuem propriedades ex-
traordinarias; friccionadas com a mão e sobrepos-
tas, adhererri entre si com uma força equivalente a
33 athmospheras. Os sabios teem proposto varias
theorias para explicar o phenomeno: pressão ath-
mospherica, attracção molecular e presença de uma
camada liquida, extremamente delgada, entre as su-
perfícies em contacto. Talvez as tres causas reuni-
das. Dois calibradores friccionados e adheridos por
deslisamento resistiram a um esforço de tracção
equivalente a 210 libras - o que prova existir algo
alem da pressão athmospherica como causa de ta-
manha adherencia.
Differem entre si, jogos diversos destes cali-
bradores, de um deci a um centimillesímo de polle-
gada. O decimillesimo é a menor margem de pre-
cisão applicada ao fabrico de instrumentos, mas pa-
rece grosseira perto dos calibradores J ohansson. O
104
Henry
FQrd
record entre elles foi .estabelecido por um jogo que
marca differenças de um millionesimo de poliegada.
E' de tal delicadeza que o calor do corpo do opera-
dor, a diversos pés de distancia, affecta os resulta-
dos. Este jogo de calibradores é unico no mundo.
Bem que seja nosso o monopolio de taes cali-
bradores, temo-nos esforçado por aperfeiçoar-lhes
os methodos de fabricação e reduzir-lhes os prftços,
para que se ponham ao alcance de todas as offici-
nas - provando isto que não ha incompatibilidade
entre a quantidade e a qualidade da producção.
Em nossa usina de Highland Park temos 25.000
machinas e na de Fordson, mais 10.000. Temos ain-
da outras 10.000 dispersas pelas outras fabricas. De
tempos em tempos ha necessidade de apparelhar
novas succursaes em diversas regiões do globo; so-
mos forçados assim a ter á nossa disposição peças
de recambio para essas machinas - o que nos levou
a abordar um importante aspecto da standardiza-
ção. Uma operação em nossa usina de Barcelona
deve ser executada do meSll10 modo que em Detroit,
pois não podemos sacrificar o lucro da nOSSa expe-·
riencia. Um homem que trabalha na rede de mon-
tagem de Detroit deve poder occupar instantanea-
mente o logar correspondente na de Yokohama ou
São Paulo. Cada uma de nossas machinas só exe-
cuta a sua operação, embora no caso das machinas
automáticas esta operação se desdobre em diver-
sas. Os planeadores de machinas teem a tendencia
de as estabelecer sem attenção a uma outra. Cerca
de 90 % das nossas são standardizadas e a adapta-
Hoje e Amanhã
105
ção dellas a uma só operação é cousa de detalhes.
Exemplo: uma operação exige numa lamina de aço
um furo de 718 de pollegada de diametro. Outróra
isto se fazia onerosamente e com lentidão. Tinha-
mos 30 perfuradeiras que exigiam muitos homens,
alem de que se perdia muito material. Substituimol-
as por uma perfuradeira standard, para a qual os
nossos homens projectaram um novo jogo de ferra-
-mentas, fazendo-a realizar uma tarefa muito di\'er-
sa da que realizava até então. E verificamos que já
tinhamos aberto furos numa extensão de 500 mi-
lhas antes que o novo processo, economico de tem-
po e trabalho, fosse creado.
Possuimos 800 machinas especiaes cujo fim é
attender ás necessidades do nosso trabalho. A clas-
sificação geral das machinas standard comprehende
250 epigraphes distinctas, caCla uma subdividida em
typos e variedades que ascendem a milhares. Sob
a epigraphe "Tornos", "Trituradores", "Pulidores",
"Prensas", "Perfuradores", etc., apparecem listas de
centenas de variedades, cada qual de seu tamanho
e modelo proprio. Sem embargo, com uma produc-
ção superior a 8.000 carros diarios, ha menos di-
nheiro invertido em instrumentos de duração pre-
caria do que quando só produziamos 3.000.
Estes instrumentos standardizados são o pro-
ducto ele vinte annos de esforço. E o systema se
desenvolveu a tal ponto que o nosso instrumental
se obtem com tanta facilidade COIllO a ferragem
commercial commum. O mesmo acontece conl o
equipamento necessario á construcção elo machina-
106 Henry Ford
rio productor. Engrenagens, chaves, transmissões,
alavancas, pedaes e os outros elementos de uma ma-
china então já standardizados - e pela combina-
ção destas peças standard se constroe até a ma chi-
na mais especializada.
Modelos complicadissimos só exigem a fundi-
ção especial do arcabouço. A nova polideira de vi-
dro exemplifica isto. O mcchanismo impulsor do
disco se compõe de uma engrenagem, eixo e volan-
te - tudo standard. Esta simplificação do equipa-
mento mechanico é a base sobre que descansa o
nosso programma fabril.
O mesmo systema é seguido em todas as suc-
cursaes da empreza. Os trans.portadores nella usa-
dos e as cadeias respectivas são sempre standards.
Todo o material já vem em tamanhos standards.
Reproduzimos em papel azul todo o machinario.
com as diversas indicações senlpre collocadas no
mesmo logar das paginas para que não se perca
tempo em procurai-as. Uma serie de livros intitu-
lada Ford Tool Standards contem todos os dados
necessarios e retraça a historia completa e minu-
ciosa da n o s ~ experiencia em todos os ramos. Es-
tes livros te em permittido a economia ele milhares
de dollares, ajudando muito utilmente a formação
technica dos novatos. Sua mais alta inlportancia
porém está em permittir que conservemos a uni-
dade do trabalho no conjuncto da nossa empreza.
Este systema de standardização do machinario
e do instrumental apresenta innumeras vantagens.
O problema do instrumental mechanico (tnachine
Hoje e Alllanhã
107
tooI) se reduz a um simples caso de ferragem com-
mum, apenas um pouco mais oneroso. Na cc>nstruc-
ção por este processo, de machinario especial, são
passiveis imnlensas economias, e caso um modelo
não resulte satisfactorio suas peças principaes po-
dem ser aproveitadas. O equipamento das succur-
saes torna-se muito simples, como se torna simples
a sua conservação. A economia resultante pode ser
imaginada.
As vantiagens da standardização reflectem-se
na producção, e sua desvantagem só se cifra no
gasto que uma mudança de standard determina, o
que aliás se compensa com o lucro a que a melhoria
do standard dá lagar. Temos realizado muitos aper-
feiçoamentos em modelos, materiaes e methodos de
fabrico; mas o lucro passamol-o todo para o con-
sumidor. Nossos modelos de carro apresentam-se o
melhor que podem, visto cada peça ter de fabricar-
se á luz de tres principios, nesta ordem de impor-
tancia: 1) resistencia e leveza; 2) economia no fa-
brico; 3) apparencia.
Poderão perguntar: "Será preferivel o sacrifi-
cio do util ao artistico ou vice-versa?" Mas de que
serviria um bule de chá que não despejasse bem,
em virtude da beBa ornamentação do seu bico? De
que serviria uma pá que ferisse a mão do operaria
com os artisticos lavores do cabo? Si a decoração
prejudica a funcção de um objecto util, elle deixa
de ser uma cousa artistica e ganharia em ser posto
de lado, qual um trambolho.
Tem-se dito que Q commerçio e a industria. dQ
108 Henry
Ford
automoveI são fataes á arte, luas não é yerdade .
. Quando a arte se diyorcia da utilidade é que nella
existe algo de falso. Industria e arte não são in-
compativeis, mas torna-se necessario muito criterio
para conseryal-as em justo equilíbrio. Um automo-
vel é um producto moderno e tem que construir-se,
não para representar o que não é. mas para realizar
o trabalho a que se destina.
Em 1925 fizemos certas mudanças no nosso
carro, afim de augmentar-lhe o conforto. No motor
não tocamos: é o coração do carro. Ao todo, 81 mo-
dificações de maior ou menor importancia. N enhu-
ma se fez levianamente. O novo modelo antes de
ser adoptado esteve em prova por todo o paiz, em
trabalho effectivo durante mezes.
Após nos decidirmos ás modificações, o passo
immediato consistiu em planejarmos o modo de
fazeI-as.
Fixamos uma data para o começo das transfor-
mações. A secção de planejamento teve que calcu-
lar com exactidão a quantidade de material necessa-
rio para assegurar a plena producção até essa data,
de modo que a mudança não determinasse sobras de
peças. O mesmo calculo foi feito para as nossas 32
usinas associadas e 42 succursaes.
Emquanto isso os engenheiros tiveram de fa-
zer centenas de desenhos para a construcção dos
novos moldes e instrumentos necessarios. Era pre-
ciso que a producção não se detivesse e para isso
escalonamos as mudanças, modificando uma secção
após outra. de modo a 'não perturbar o fabrico.
H o j (' e Anzanlzii
109
Tudo isto parece muito simples, mas tivemos
de desenhar 4.759 "punchs" e matrizes, alem de
4.243 machinas e accessonos, construindo 5.622
"punchs" e matrizes e 6.990 machinas.
O custo do trabalho subiu a 5.682.387 doBares
e o do material a 1.395.596. A montagem em 13 suc-
cursaes dos novos fornos de esmaltar custou 371.000

dollares e a substituição do equipamento mechanico


ficou, em 29 succursaes, em 145.650. Quer dizer que
taes modificações nos custaram mais de 8.000.000 de
dollares, alem do tempo perdido para a producção.
Capitulo VIII
A LIÇÃO DO DESPERDICIO
Si de nada nos servissemos, nada esperdiçaria-
mos. Parece evidente, mas observe-se isto a uma
outra luz. Si de nada nos servissemos não esperdi-
çariamos tudo? Abstermo-nos do uso não é uma for-
ma do desperdicio? Si um homem padeceu miseria
durante os melhores annos da sua mocidade pen-
sando numa velhice pacifica, conservou elle ou es-
perdiçou os seus recursos? E', em summa, constru-
ctiva ou destructivanlente econonlÍco?
Corno havemos de medir o desperdicio? Em re-
gra o avaliamos sob o aspecto m.aterial. Si uma dona
de casa adquire o dobro dos alimentos necessarios
á sua lnesa e deita fóra o excesso, diz-se que é es-
banjadora. :J\:Ias si a dona de casa não põe á mesa
sinão nlctade do necessario, poderá ser chamada
econolnica? De nenhum modo. Esta mulher revela-
se ainda mais prodiga do que a primeira, visto co-
mo esperdiça valores humanos. Tira aos seus a
força que lhes é necessaria na lucta da vida.
112
Henry Ford
Seres humanos são "alores mais preciosos do
que as cousas materiaes - embora de commum não
se pense assim. Tempo houye em que a sociedade
enforcava um homem que furtaya um pedaço de
pão. Hoje esse delícto é tratado de modo diyerso:
a sociedade agarra o ladrão, encarcera-o e priva
assim o mundo de urna unidade capaz de produzir
milhares de pedaços de pão; e ainda faz mais: en-
tra a empregar no seu sustento infinitamente mais
pão do que o furtado. Não só esperdiça a força pro-
ductiva desse homem, corno tira de outros produ-
ctores o necessario para mantel-o na inacção. Ha-
verá mais flagrante desperdicio?
Certo que é necessario - e o será ainda no fu-
turo, emquanto não se diffundir a idéa de que os
lucros da deshonestidade são menores que os da
honradez; mas não existe razão para considerar um
carcere como um tumulo de vivos. Sob uma intelli-
gente direcção - não a direcção politica - todos
os carceres do paiz se transformariam em unida-
des industriaes, pagariam aos presos salarios mais
altos do que, livres, ganhariam fóra e proveI-os-iam
de boa alimentação, prestando ao estado um serviço
optimo. Já temos prisão com trabalho, mas em re-
gra trabalho mal dirigido e degradante.
Um criminoso é um parasita; mas depois de
preso e sentenciado é um grande desperdicio per-
sistir em consideraI-o como tal. Podemos transfor-
maI-o num productor e até num. homem. Todavia,
como tão pouco valorizamos o tempo humano e
tanto valorizamos as cousas lnateriaes, não ouvimos
Hoje e Amanhâ
113
falar do desperdicio da energia humana nos carce-
res. nem no terrivel desperdicio que é supprimir o
apoio natural de muitas familias, deixando-as a car-
go da communidade.
Prestamos um serviço á communidade conser-
vando nossos recursos naturaes i custa de nos abs-
termos de usaI-os? Não. Seria aferro á velha con-
cepção de que uma cousa vale mais que um homem.
N ossos recursos naturaes são amplos, dadas as nos-
sas necessidades presentes. Não temos que nos oc-
cupar delle aqui, e sim do desperdicio do trabalhu
httnlano.
Tumae um filão carbonifero enl uma huIheira.
Emqttanto permanece no seio da terra não possue
nenhuma importancia. :Mas desde que um bloco de
carvão é extrahido e enviado para Detroit, torna-se
algo muito importante, [-orque representa uma certa
quantidade de trabalho humano. empregado em ex-
trahil-o e transportaI-o. Si esperdiçamos um só pe-
daço de carvào ou si delle não tiramos toda a utili-
dade de que é susceptivel, nesse caso esperdiçamos
o tempo e a energia dos homens que o extrahiram.
Os materiaes nada valem em si. Só adquirem
importancia quando chegam ás mãos do industria-
lizador.
Econonlizar porque são materiaes e economi-
zaI-os porque representam certa quantidade de tra-
balho pode parecer a mesma cousa; bem examinado
o caso "é-se que não é pequena a differença. Si con-
siderarmos os materiaes como trabalho, utili,'.al-os-
emos com mais cuidado. Em nossa empreza não es-
114 Henry Ford
banjamos nenhum material, á fiuza de que possui-
mos meios de recuperar o desperdicio. Porque essa
recuperação implica trabalho. O ideal é não ter des-
perdicios a recuperar.
Possuimos um grande departamento de recupe-
ração que nos rende mais de vinte milhões de dolla-
res por anno. Mas á medida que esta secção augmen-
tava, avultando em rendimento e efficiencia, come-
çamos a fazer-nos uma pergunta.
- Por que motivo havemos de ter tanta cousa
a aproveitar? Não estaremos dando maior attenção
á recuperação dos desperdicios do que ao proprio
desperdicio?
E attentos ao caso puzemo-nos a examlnar os
nossos processos. Algo do que fazetllos para pou-
par trabalho humano já foi exposto atraz, e adeante
direi do que fazemos com o carvão, a m a ~ e i r a a
energia motriz e os transportes. Neste capitulo fala-
rei do desperdicio existente, que já conseguimos eli-
minar na importancia de 80 milhões de libras de aço
por anno. Esta quantidade de metal representa o
nosso lixo de outróra, que tinha de ser recuperado
á custa de um desperdicio de trabalho no valor de
tres milhões de doBares anntfaes. Tal economia
realizou-se de modo tão simples que só nos admira-
mos de não havermos pensado nisso antes.
Exemplos. Tinhamos o habito de recortar o
carter dos nossos motores em folhas de aço da exa-
cta largura e comprimento dessa peça. Este aço
nos custava $ 0,0335 a libra. em virtude da mão de
obra que exigia o seu preparo. Hoje compramos
Hoje e Amanhã
115
folhas de 3,75 metros de comprimento ao preço de
$0,028 a libra; reduzimo l-as a 2,72 metros - a par-
te recortada servindo para fazer outra peça- e ti-
ramos de cada uma dellas cinco carters numa só
operação. Economizamos assim 4 milhões de libras
de aparas de aço por anno, com. uma reducção nas
despesas de uns 500.000 dollares.
O supporte do para-brisas é de forma um tanto
irregular e nós o recortavamos em folhas rectangu-
lares de aço de 18 X 32 112 pollegadas. Obtinham os
6 supportes por folha e certa quantidade de resi-
duos. Hoje, com o uso de folhas de 15 112 X 32 112,
cortadas sob um angnlo de 7 gráos, obtemos os mes-
mos seis supportes, mas ganhamos dez tiras pro-
prias para pequenas peças. Isto economiza 750.000
kilos de aço por anno.
O supporte em fonna de cruz do reservatorio
de oleo era moldado em aço, sahindo ao custo de
$ 0,0635. Agora' cortamos em separado os dois ramos
da cruzeta sem nenhum desperdício e os soldamos.
Passaram a sahir-nos a $0.0-+78.
O coxinete de direcção, que é de bronze, tinha
antes 3 millimetros de espessura. Verificamos que
metade dessa dimensão fazia o mesmo trabalho
- donde a economia de 60.000 K. de bronze, o.
mais de 30.000 dollares por anno.
O supporte do pharol é uma cruz de 0,m.187 X
0,m.087 e della recortavamos 14 numa lamina de
O,m.162 X 0,m.87S. Reduzindo o tamanho do suppor-
te a 0,m.178 X 0,m.078 obtemos hoje as mesmas 14
116 Henry Ford
de uma lamina de 0,m.128 X 0,m.875, com economia
de mais de 50.000 libras de aço por anno.
Antes recortavam os a polia do ventilador em
folha de aço nova; hoje tiramol-a de certo sobejo
com lucro de 300.000 libras de metal por anno.
Com ligeiras modificações em 12 pequenas pe-
ças de latão poupamos por anno cerca de um milhão
de libras deste material. E assim por deante.
Esta politica é applicada a tudo. Verificamos
que. em muitas folhas de metal e barras adquiridas
sob certas dimensões não somente pagavamos o
fusto e os residuos que ficavam nas fabricas, como
ainda perdiamos metal utif, obtendo menos peças de
cada ou barra e augmentando os nossos resi-
duos. De modo que de todos os lados havia desper-
dicio. Já, estamos ha um anno nos occupando disto
e apenas no começo.
O residuo é cousa a evitar-se e só devemos
pensar na sua recuperação quando nã. existir outro
,elnedio. Consideravam os, por exemplo, os trilhos
usados dos ferro-carris como residuo de aço só pro-
prio para a fusão. Agora os fazemos passar pelo la-
tninador, obtendo excellentes barras proprias para
muitos fins. Estamos a desenvolver esta idéa e a
estender as suas applicações. Por outro lado, o aço
. que agora consideramos como residuo sobe a mil
toneladas ou mais por dia. Antes vendiamol-o a
Pittsburg, donde o recompravamos transfeito em
aço novo, pagando dois transportes. Hoje temos em
River Rouge uma serie de fornos electricos e um
grande de modo que nós rc; ..
II o j e e Amanhã. 117
cuperamos esse residuo e ganhalllOs o transp' >rte.
Si não é possivel evitar de todo o residuo, ao me!iOS
que se economize o desperdicio de trabalho que seu
transporte e aproveitamento conson1em.
A recuperação de materiaes nas officinas desen-
volveu-se até constituir uma grande industria, que
permitte o emprego de homens de aptidão physica
abaixo da media e, pois, imcapazes de servir nas
officinas de producção - o que representa uma no,"a
forma de lucro. A simplificação das ferramentas e
machinas (ver capitulo anterior) muito favorece a
recuperação - todos os serviços de uma industria
devem prestar-se um mutuo apoio.
Milhares de ferramentas partidas e machinas
estragadas vão ter diariamente ás officinas de con-
certo. O valor das correias enviadas a reparo sobe
a mais de 1.000 dollares por dia. Todas se concer-
tam ou se reconstituem, sendo os residuos empre-
gados para fazer os cintos de uso dos la,"adores de
vidros, ou entregues aos sapateiros para que ,<,em
solas de sapatos.
Ferramenta quebrada de toda especie - tena-
zes, chaves, cisalhas, mandris, tesouras, brocas,
martellos, calibres, serras, plainas, etc., soffrelll o
reparo preciso e voltam ás officinas. Taes repara-
ções não são remendos. São reconstrucções segundo
desenhos originaes, respondendo a todas as exi.gen-
cias technicas.
Esta secção possue um registro de todas as
nossas operações mechanicas, e da classe e tamanho
exacto de todas as ferramentas em uso. Por elle
118
Henry
Ford
sabemos incontinente o que é possivel fazer duma
ferramenta estragada. Em regra ha vantagem em
refazel-a em ponto menor.
Todas as ferramentas de aço são classificadas
antes de serem refeitas. Os cabos de toda a especie
são recuperados - o de uma pá, por exemplo, re-
duz-se a varios cabos de chaves de parafuso ou
'f'"ormões. Picaretas, grades, pás, alavancas, vassou-
ras - tudo se recupera. Tubos, valvulas. charnei-
ras. Quinhentos galões de pintura velha são recupe-
rados diariamente e utilizados em empregos mais
brutos. O aproveitamento do oleo usado na tempera
do aço sobe a 2.100 galões diarios.
Residuos de metaes ou ligas, como o cobre, o
latão, o chumbo, o aluminio, a solda de estanho, o.
ferro e o aço são refundidos, depoi:s de uma facil
classificação.
Até a areia dos moldes de fundição recupera-
mos, menos pelo seu valor intrinseco que pelo valor
de materia já transportada. Residuos de oleo: parte
volta a ser lubrificante, parte vira combustivel. Des-
cobrimos um processo de diluir o syanureto empre-
gado no tratamento a quente dos metaes, e tam-
bem um cimento revestidor das polias - que reduz
o deslisar das correias e poupa assim energia.
Velhos tijolos 'refractarios que se quebram vol-
tam a ser tijolos. A escoria da fundição dá os seus
productos. No departamento photographico se re-
cuperam os saes de prata dos reveladores - o que
representa uma economia annual de 10.000 doBares.
A grande quantidade de papel e trapos que se
Hoje e Amanhã
119
juntava em nossas usinas, bem como o cavaco das
secções de carpintaria, preoccupavam-nos. Pensa-
mos em transformar tudo em papel, mas ~ i s s r m
nos que só a madeira moUe dá papel. Não obstante
montamos um moinho para reduzir os residuos da
carpintaria a pasta e obtivemos bons resultados.
Nossa fabrica de papel utiliza hoje 20 toneladas de
detrictos por dia, produzindo 14 de papelão macio
e 8 de papelão rigido - um papelão impermeavel,
creauo pelos nossos labora to rios, e tão resistente
que uma tira de 10 pollegadas supporta o peso de
um Ford.
Empregamos machinas standardizadas, aper-
feiçoadas e adaptadas de maneira a nos permittir
uma producção continua com o minimo de trabalho
humano. 37 homens apenas bastam para assegurar
o funccionamento da fabrica de papel, composta de
65 installações separadas.
Uma parte da producção é empregada nos car-
ros e o resto na emballagem de peças - o que nos
economiza lnuita madeira.
Os altos fornos dão por dia 500 toneladas de
escorias; 225 se transformam em cimento e o resto,
depois de moido, é empregado na pavimentação.
No fabrico do cilnento, para evitar o pó, usamos
um processo humido, que já começa a ser adoptado
por outros fabricantes.
A' medida que a escoria sae do forno uma cor-
rente dagua fria a torna e a deixa esquirolada em
ponto de sal grosso. Essa massa, onde a escoria
entra na proporção de 10 a 40 %, é aspirada e vae
120 Henry Ford
por um tubo de 1.300 pés á fabrica de cimento, onde
cáe nos eleyadores de seccagem; eliminada a agua,
as escorias seguem em correias de transporte con-
tinuo ás moegas de annazenalnento. Conlo esta es-
coria contem 1 % de ferro, é elle retirado em cami-
nho, por meio de possantes imans, e volta ao forno.
Das moégas a escoria passa ao moinho onde,
ele mistura com calcareo moido e agua a 30 %, se
,eduz a pó. Antes que a mescla deixe o moinho está
ella tão fina que na quasi totalidade passaria por
um crivo de 200 malhas por pollegada quadrada. A
mistura apresenta a densidade do creme e segue por
:1:;piração aos depositos, depois das competentes
analyses e correcções ..
Desses depositos passa a fornos gyratorios de
150 pés de diametro e é intensamente aquecida; o
cimeto sae em forma de tij aIos e depois, addiciona-
elo dum pouco de gesso, reduz-se a pó.
A fabrica produz-nos umas 2.000 barricas dia-
ri;:cs. Pequena parte vendemos aos nossos emprega-
dos, que assim obteem um cimento a preço inferior
aos do mercado.
O importante disto tudo, repetimos, é o apro-
veitamento do trabalho humano de modo a valori-
zaI-o cada yez mais.
Foi COin esse mesmo fim que compramos 200
na':ios ao governo. Tinham sido f i t ~ s pela Emer-
gency Fleet Corporation para uso de guerra, e não
hayia offerta commercial para elles. Estamos a des-
l11'-;:-1tal-os em nossa usina de Kearny e utilizaremos
os motores em nossas fabricas menores, pois são
11 o j e e Amanhã
121
optimos. Não tencionamos ganhar dinheiro com isto
- nem os compramos com tal fim. Fizemol-o para
não yermos perder-se tamanha quantidade de tão
bom material - tanto trabalho - quando havia
meio de evitar isso. Compramol-os tendo em mente,
não o "lucro-causa", mas o "salario-causa".
A industria está obrigada perante a sociedade
a conservar os materiaes de todas as maneiras pos-
siveis. Não só para reduzir o custo do artigo fabri-
cado como para não esperdiçar materiães cuja pro-
ducção e transporte constituem uma carga crescen-
te para a sociedade.
Hoje em dia as emprezas de fabricação só exis-
tem para fabricar seus proprios productos. Não se
ligam á communidade.
Cada vez, entretanto, se torna mais evidente
que as grandes emprezas fabris podenl ser nIui tu
mais uteis á sociedade do que o são. No forneci-
mento de combustÍ"vel e energia, por exelnplo. Pelo
systema actual o caryão transportado a uma fabrica
se queima precisamente debaixo de suas caldeira:.-.
só sendo aproveitado em parte. Um milheiro de Ya-
gões de carvão é cntregue ás usinas duma grandc
agglomeração industrial e é tudo. Num tempo em
que o caryão se tornar mais escasso, o fornecilncn t-J
de combustiyel ás usinas e casas particulares cont:·
tituirá dois negocios distinctos.
Algum dia - e sempre com o objectivo de eco-
nomizar o trabalho humano - uniremos estas acti-
vidades, hoje separadas. Todas as manifestações
da vida deyem e podem ser complementares.
Capitulo IX
FONTES DE PRODUCÇÁO
Consideramos a industria, antes de tudo, como
um problema de administraçã"o - cousa que se con-
funde com direcção. Não podemos supportar esse
typo de direcção que dá ordens aos berros e entor-
pece o trabalho dos homens em vez de dirigil-o. A
verdadeira direcção procede discretamente, guian-
do. Tem por fim utilizar as machinas de modo a
simplificar as operações e supprimir a necessidade
de dar ordens. Si a direcção não começa na mesa
de desenho seu effeito nunca se fará sentir nas offi-
Clnas.
Quem dirige é o trabalho, não o homem. E °
trabalho planeja-se na mesa de desenho, onde se
subdividem as operações de modo que cada homem
e cada machina só realizem uma cousa. Regra geral
flexivel, que ha de ser applicada com discernimento
e bom senso. Si se pode construir uma machina que
realize varias operações ao mesmo tempo, seria um
desperdicio ter varias machinas para o mesmo fim.
124
Henry FQrd
Si um homem pode fazer duas cousas ao mesmo
tempo, deve fazeI-as.
Imaginam por ahi, vulgarmente, que o pivot
do nosso systema consiste no emprego de platafor-
mas moveis e transportadores. Mas nós só recorre-
mos a esses meios onde quer que facilitem o traba-
lho. No fabrico de pharoes, por exemplo, não nos
servimos delles porque a natureza das peças lhes
contraindica o emprego. Já em muitas secções os
transportadores nos são uteis em extre,mo, sobre-
tudo nas de montagem.
A questão é conservar todas as cousas em mo-
vimento, de modo que o trabalho vá ter ao homem
e não o homem ao trabalho. Esta é a verdadeira
base do nosso methodo, sendo os transportadores
Ulna das suas consequencias.
A chave da nossa força productiva está na ins-
pecção, que occupa mais de 3 % do pessoal. Isto
simplifica a direcção. Todas as peças se inspeccio-.
nam em cada etapa do seu fabrico.
Si se quebra. uma machina, apparece immedia-
tamente a turma de mechanicos que tem de repa-
raI-a. Os homens não deixam o serviço para apa-
nhar uma ferramenta; e s ~ s lhes são levadas. Mas
pouco disto acontece porque o continuo trabalho de
limpeza e conservação impede que se quebrem ma-
chinas e se precise recorrer a ferramentas. Si este
caso se dá, entretanto, nenhum atrazo sobrevem.
Cada secção possue o seu equipamentQ de prompti-
dão. Outróra tinhamos as ferramentas em grande
armazem especial, deante de cujas janellas os ho-
Hoje e Amanhâ 125
mens se enfileiravatTI para recebeI-as. Vimos logo
que nos custa\"a 25 ceats do letTIpo de um hometTI
o simples facto de, por esse processo, munil-o dutTIa
ferramenta de 30 cents. Suppriminlos o armazem
central. E' ahsurdo pagar a um homem para que
espere que lhe deem uma ferratTIenta. Isso não é
servir bem ao publico.
O ag-achar-se para colher uma ferramenta ou
peça tambem não é tTIoyimento productivo; dahi o
pormos toeIo o material ao nivel da cintura dos ho-
mens.
Nosso systetTIa de direcção não constitue um
systema; consiste em planejar os melhores tTIetho-
dos de realizar cada trabalho e tatTI betTI planej ar o
trabalho. Só o que pedimos aos operarios é que
realizem o trabalho que lhes pOtTIOS na frente, tra-
balho que jamais excede ao que um homem pode
fazer sem grande esforço durante 8 horas. E, bem
pago, o operario nos attende. Quando a direcção se
torna um ,. problema" é signal de organização defei-
tuosa do trabalho.
Naturalmente que si os operarios se subtTIettetTI
a algutTI controle externo, limitador da quantidade
diaria de trabalho, nesse caso a direcção se torna
impossi'.-el, não se podendo pagar altos salarios
para a producção de cousas baratas. Fracassa então
o .. salario-causa".
Com mira posta na eliminação de moyimentos
inuteis - tão fatal nunla fabrica como nutTI coxi-
nete - cotTIeçamos, tenlpos atraz, a construir a
usina Fordson, o coração da nossa industria. Ha 4
126 Henry Ford
annos compunha-se ella de um forno de fundição,
varias officinas e uns 3.000 operarios.
Depois adquirimos terrenos e erguemos os edi-
fícios necessarios á construcção dos barcos Eagle,
de uso contra os submarinos (ver l\Iinha Vida e lVt:i-
nha Obra). Hoje occupa essa usina 405 hectares
de area, possue 1.500 n1. de beira de no e emprega
mais de 70.000 homens.
Não está em nosso progralnma a construcção
de fabricas muito grandes. Achamos que as peque-
nas tambem exercem uma funcção e temos a res-
peito experiencias valiosas. Mas a Fordson traba-
lha materias primas, e com intuito de evitar trans-
portes suprimiveis agrupamos nella as montagens
tnais pesadas, corno a dos motores, e tambem a to-
talidade da construcção do tractor Fordson.
A razão da existencia da Fordson é o trans-
porte.
O rio Rouge não é bem Utn rio - n ~ o obstante
conseguimos utilizar integralmente sua força. Hoje
está dragado e os navios dos Grandes Lagos, bem
corno pequenos navios de mar, chegam aos nossos
caes. Construimos urna bahia de grande extensão,
de tnodo que o transporte fluvial se acha hoje a
serviço nosso. Minereos e tnadeira do alto Michigan
chegam directamente das nossas minas e mattas á
fabrica. Alem disso é al1i o ponto terminal da De-
troit-Toledo-Ironton, via ferrea que nos liga ás
nossas jazidas de carvão e se cruza com 9 impor-
tantes estradas de ft:i-ro. Em vista disso podemos
com toda a economia trazer á Fordson toda a nossa
Hoje e Amanhã 127
materia prima essencial, bem como expedir toda a
nossa producção.
A fabrica foi planejada com a idéa llnica de
simplificar-se a manipulação do material .bruto e
possue o que chamamos a "Linha Alta", verdadeira
columna vertebral do seu systema de transporte.
Consiste ella em um edificio de 12 m. de altura por
1.000 de comprimento, com cinco linhas ferreas e
duas vias de rodagem, protegidas, a atravessarem
o edificio em toda a extensão. A linha exterior, mais
proxima dos armazens de carvão e minereo, ergue-
se sobre arcabouço de suspensão, o que permitte a
descarga dos vagões por gravidade. Sob estas linhas
estão os caixões moveis que abastecem os fornos e
outras unidades. Todo o espaço subjacente ás linhas
é plenamente utilizado. Aqui. officinas onde se fa-
bricam peças de locomotivas; alli, armazens de fer-
ramentas ou material, depositos de carros, etc. N 0-
venta kilometros de via ferrea supplementar per-
mittem a circulação de trens por toda a fabrica.
A mór parte do carvão, minereo, pedra, cal e
madeira vem em barcos e tudo se ha disposto para
facilitar um regimen de armazenagem permissor
de que a producção da fabrica não se prejudique
no inverno por occasião do congelamento das aguas.
Os primeiros caixões armazenadores extendem-se
por meio kilometro, com capacidade superior a 2
milhões de toneladas.
Os barcos que éntram descarregam á razão de
1.050 toneladas por hora, mediante apparelhos que
erguem 12.000 kilos por vez. Esses primeiros cai-
128
Henry
Ford
xões se ligam entre si por meio de pontes condu:
toras de 156 m., as quaes transportam o material
de um para outro. ou para a Linha Alta, onde se
acham os caixões moveis que o distribuem.
Nosso record de descarga é de 115.000 tonela-
das de minereo em 10 112 horas. O tempo medio de
descarga de um navio vae a 11 horas e está sendo
reduzido.
Considere-se a importancia de tudo isto á luz
da producção. (Não falaremos agora da usina de
força. Basta saber-se que estamos <:entralizando na
Fordson a producção de energia para Highland
Park, Dearborn, Lincoln, Flat Rock e/via-ferrecl, e
que 40 % desta energia sae, como sub-producto, dos
altos fornos). Vejamos as operações. O carvão che-
ga das nossas usinas do Kentucky e
sob a Linha Alta quando não segue directamente
para os fornos de coke, sendo pulverisado em cami-
nho. Possuimos 120 fornos de tempel1atura alta,
com capacidade para 2.500 toneladas diarias. São
fornos de sub-productos. Temos ainda uma secção
especial de sub-productos onde recuperamos os pro-
ductos que nos servem, e alem destes o sulfato de
am.oniaco, que vendemos, como acõntece .tambem
ao nosso benzol.
O carvão entregue á fabrica nos fica a 5 dolIa.
res a tonelada, lnas convertido em coke e derivados
passa a valer 12 dollares.
eonstruimos ainda uma fabrica de tintas e ver·
nizes para utilizar estes derivados. Parte do gaz
oriundo da distilIaçãoserve para aquecer os f6rnos
l
Hoje
e Amanhã
129
de modo· que a operação se faça continua. Outra
parte vae· para Highland, e o resto é vendido para
a empreza local do gaz - o que mostra como as
I
industrias á commodidade podem ligar-se - a
esta. O alcatrão e o oleo mineral empregamol-os em
nossa industria.
Junto aos fornos de coke encontram-se os de
fundição, abastecidos de minereo, coke e calcareo
por meio dos caixões moveis da Linha Alta. A carga
desses fornos se fàz 'á razão de duas toneladas de
minereo, uma de coke, meia de calcareo e tres e
meia de ar. O producto obtido desdobra-se em uma
tonelada de ferro, meia de escoria e cinco e meia de
gaz - ou 200.000 pés cubicos. Nada disto se pçrde.
O gaz, depois de filtrado, vae para o serviço
dos pequenos fornos e para a usina qe energia, da
qua,l constitue o principal combustive.1. (As cinzas
tambem se aproveitam. Outróra eram tidas como
residuo, apesar de se constituirem pela metade de
fe(ro puro. Nós as levamos á usina de transforma-
.ção, onde, misturadas a retalhos de ferro, formam
massas densas, susceptiveis de fusão. O processo
permitte não só a recuperação de enorme quanti-
dade de ferro como ainda economiza o trabalho an-
tigo da remoção do residuo.
Quando esta usina prineipiou a funccionar já
tinhamos em accumulo cinza sufficientc para o fa-
brico de 600.000 blocos de cylindros. O funcciona-
menta dos fornos exige poucos operarios, visto tudo
se realiZiar por processos automaticos. Perfurade,i-
ras electricas abrem furas na argilla dos fottlos no
5 - HQ]'l> E
130
Henry Ford
momento do despejo e um canhão de ar comprimi-
do as tapas de novo com balas de argilla. E como
já vimos atraz, as escorias vão á fabrica de cimento.
A fundição se procedia outróra em Highland
Park, mas hoje toda ella se faz na Fordson para
evitar o transporte e a necessidade de novo aque-
cimento do metal. A are a que a Fordson occupa
anda por 12 hectares e tudo alli se faz por meio de
transportadores. O solo é pavimentado e mantido
em perfeito estado de limpeza; tubos aspirantes de
pó e ventiladores manteem a pureza e frescura do
ambiente. Na realidade cousa nenhuma recorda alli
as velhas fundições.
Essa usina não se divide em secções. Tudo se
entrelaça por meio de transportadores para que a
operação seja continua.
O fabrico dos moldes forma uma cadeia sem
fim que alimenta os transportadores, os quaes le-
vam os moldes aos pontos de despejo do metal
liquido. Constroem-se tambem moldes sobre trans-
portadores, os quaes se concluem alguns metros an-
tes de alcançar o despejo. O retorno permitte aos
blocos fundidos resfriarem-se antes de attingidos os
pontos de abertura dos moldes. Ahi são extrahidos
e limpos, seguindo sempre em transportadores, e
ainda quentes, para os tambores rotatiyos onde se
alisam por fricção.
O blocos do motor constitue a peça mais pe-
sada do carro. Fabricavamol-a em Highland, o que
valia por perda de tempo e trabalho, visto termos de
remettel-a para lá e depois transportal-a ás no§sas
Hoje
A manhã
131
succursaes, mais proximas de. Fordson do que de
Highland Park. Isso nos levou a montar essa peça
alli mesmo, operação que se realiza num edificio
de 240 X 180 metros; quatro redes moveis de mon-
tagem permittem que esse trabalho seja continuo.
O ponto de partida € o alto forno, e o termino,
o vagão que o levará a destino.
O bloco depois de fundido $ae da fundição num
transportador e dirige-se ás redes de montagem.
Emquanto caminha vae sendo trabalhado; collocam-
se-lhe as peças e o bloco chega ao fim transformado
em motor. Tudo sem a menor interrupção.
Dessa mesma usina saem as peças do tractor.
Vão dalli á sua ~ e ç ã o e saem por si mesmas da fa-
brica, rumo aos vagões de remessa.
Nossos processos actuaes differem nos detalhes
dos que descrevi em "!vEnha Vida e Minha Obra".
Mas os principios são os mesmos. Reunindo tudo
na Fordson pudemos reduzir muitissimo o tempo
empregado na fabricação - vindo d'ahi o dizer-se
que entregamos os nossos tractores ainda quentes!
Ao contrario do carro, o tractor sae completa-
mente concluso da usina. Forma um todo tão com-
pacto que se tornaria m.ais oneroso expedil-o em
peças para as estações de montagem.
Já de alguns annos, como notei, possuimos for-
nos electricos de 50 toneladas para o aproveitam,en-
to dos residuos de aço. Estamos agora montando
outros e um laminador, de modo que alem de fun-
dir o nosso aço possamos laminaI-o e, si convier,
fabricaI-o.
132 Henry Ford
Tenho grande fé no aço. Nosso modelo T vin-
gou graças ao aço vanadio, unico que offerecia a
resistencia requerida. Estamos a estudar diversos
typos novos e creio que a leveza e ne-
cessarias ao aeroplano metallico serão obtidas por
meio delle. Temos que e;tar promptos para fabri-
car todas as qualidades que a nossa industria exi-
gir.
Quando começarmos a perceber algl1mas das
possibilidades que encerra este material, veremos
então que a idade do aço ainda não che-
gou. Transportamos hoje muito metal em nosso
paiz; quasi. todos os productos de aço de que nos
utilizamos são muito pesados. Sempre que empre-.
gamos dois kilos de aço commum onde meio kilo
de aço especial faria o mesmo effeito, estamos im-
pondo ao publico um fardo inutil que se traduz por
preços mais altos,consumo menor e salarios dimi'-
nuidos. O aço tem mais futuro que qualquer outro
metal.
Consequencia curiosa de attribuir o trabalho á
machina em vez de pedil-o ao homem é a crescente
necessidade de operarios peritos na construcção de
,
novas machinas e no reparo das velhas. Muita gente
clamou que o aperfeiçoamento das machinas des-
truiria a alta mão de obra. Os factos estão provando
o contrario. Mais do que nunca necessitamos agora
de bons mechanicos e cada vez mais se accentua a
procura de especialistas. A construcção e o reparo
de machinismos constitue em nossa empreza uma
grande industria que emprega milhares de homens
11 o j e
e Amanhâ 133
A medida que augmentamos nosso acervo de
conhecimentos mechanicos, o machinismo productor
requ.er cada vez menos vigilancia por parte dos ope-
radores; já a sua construcção, ao contrario, exigil-
o-á mais. Com o equipamento mechanico que pos-
suimos só podemos construir uma pequena parte
das machinas que usamos; por isso nos temos limi-
tado á construcção de machinas especiaes, de dese-
nho nosso. Não obstante construimos algumas das
grandes machinas da nossa usina de energia. O con-
densador das turbinas pesava 96 toneladas. Tam-
bem a estas turbinas fabricamol-as, não só porque
desejavamos introduzir certas mudanças como por-
que ninguem no l-as podia fornecer com a urgencia
desejada.
As economias obtidas na Fordson são enormes,
embora, por falta de metro com.parativo, não pos-
samos calcular-lhes a importancia.
Capitulo X
o VALOR DO TEMPO
o dinheiro invertido em materia prima ou arti-
gos manufacturados é considerado commumente co-
mo dinheiro vivo. Mas o dinheiro só é vivo quando
empregado no negocio; um stock excessivo de mer-
cadorias é dinheiro que dorme, constitue um des-
perdicio, redundante, como todos os outros, em pre-
ços' elevados e salarios baixos.
" O factor tempo intervem na industria desde o
instante em que a materia prima sae da terra até
o em que o producto passa ás mãos do consl,1midor.
Esse factor rege todas as formas de transporte e
tem de ser tomado em alta conta num eschema ra-
cional de serviço. O methodo de economizal-o e uti-
lizaI-o é tão importante como a applicação da força
motriz e a divisão do trabalho.
Se hoje ainda trabalhassemos segundo os me-
thodos de 1921, teriam os de manter uma disponibi-
lidade de materia prima, e de productos definitivos,
no de 120 milhões de doBares para e de
136 Henry Ford
50 milhões gara estes. Quer dizer, um total de 200 mi-
lhões de dollares .• Em vez disso só temos nessa in-
versão um capital medio de 50 milhões; nossa exis-
tencias de materia prima e productos manufactu-
rados são, pois, menores do que quando a nossa
producção orçava pela metade da de hoje.
A partir de 1921 nosso negocio cresceu muito,
mas apesar disso toda esta enorme expansão foi
paga com o dinheiro que, pelo velho systema, esta-
ria amontoado em I}ossos armazens sob forma de
ferro, aço, carvão ou carros concIusos. Não possui-
mos hoje um só deposito de carros!
Adeante narraremos como isto se faz; o assurn-
pto agora é o factor tempo na industria. 'ter á mão
o dobro do material de que se necessita ( o que vale
por armazenar o dobro do trabalho humano preciso)
é exactamente o mesmo que assalariar dois homens
para fazer a tarefa de um, desperdicio que constitue
um crime contra a sociedade. Egual crime é levar
ao consumidor um producto atravez de 500 milhas,.l
.... '
quando ha meio de fazei-o caminhar só 250. Via
ferrea. que faz um transporte em 10 dias, podenda
fazei-o em 5, rouba á sociedade. '
Nosso paiz desenvolveu-se graças ao transpor:'
te. As grandes linhas ferreas transformaram a na-'
ção. Nenhuma barreira politica se oppunha ao nosso
commercio e 90S estradas de ferro destruiram as bar-
reiras naturaes. A industria fabril se concentrou,
naturalmente, no on.de se encontravam ja-
zidas de ferro e carvão e, portanto, Soe agglomera·
vam os de productos fa.bris. Hoje,
Hoje
e Amanhâ 137
porém, temos tantas cidades de uma costa á outra,
e . tanta população, que nossas estradas de ferro não
bastarão ao movimento. caso persista o velho sys-
tema de concentrar a Este todas as industrias.
Grandes Usinas
U ma grande usina pode ás vezes dar lucro. A
nossa Fordson o dá, porque consegue reunir eco-
nomicamente toda a materia prima que elabora. Gra-
ças aos nossos methodos, os seus productos só se
oneram com o minimo transporte. Mas se a Fordson
não elaborasse enormes quantidades de materia
prima, não daria lucro nenhum. Obtem-no em vir-
tude da rapidez do transporte. Em regra uma gran-
de usina é onerosa. As pequenas, que fabricam uma
só cousa e dispoem de energia barata, resultam
mais economicas. Pelo menos é o que a nossa ex-
periencia demonstrou, como veremos adeante. O
custo da força motriz e do transporte são os ele-
mentos essenciaes.
o desperdicio no transporte
Nunca se repetirá demasiado que o verdadeiro
remedio contra o desperdicio está na prevenção.
Fazer voltar a saude ao corpo enfermo vale menos
do que não deixal-o adoecer. Recuperar os residuos
após á producção representa úm serviço prestado
ao publico; mas equivale a serviço maior evitar que
esses residuos ap"'pareçam.
138 Henry Ford
o desperdício de tempo differe do de material
por não ser recuperavel. E' o menos difficil de dar-
se e o mais difficil de remediar, porque não se tor-
na visivel, a juncar o solo, como o outro. Em nossas
inrlustrias consideramos o telupo como energia hu-
mana. Se adquirimos mais material do que o neces-
sario, armazenamos energia humana e, provavel-
mente, lhe depreciaremos o valor. Especulando, po-
demos jogar na alta, com esperança de um lucro
commodo - pobre calculo e m1seravel negocio,
porque ao fim de certo tempo os lucros da espe-
culação se equilibram com as perdas e o resultado
liquido desapparece - além de que a communidade
soffreu um prejuizo seguro com o falseamento das
naturaes leis do commercio. Por outro lado, é tam-
bem um desperdicio limitar demais as provisões de
materia prima e de productos, pois que isso deixa
a industria á mercê de accidentes. Ha um ponto de
equilíbrio, o qual depende sobretudo das facilidades
de transporte.
Não pode haver facilidades no transporte si não
fôr evitado o embarque de quantidades superfluas
de mercadorias. O paiz só possue as estradas de
ferro sufficientes ao transporte das mercadorias que
devem ser transportadas; não as possue para o
transporte desnecessario. Ter meios de transporte
em excesso constitue um desperdicio. Antes de pen-
sar em desenvolver nossas estradas de ferro temos
que aprender a bem usaI-as.
Nós, por exemplo, fabricavamos outróna em
Highland Park e de lá expediamos carros comple-
Hoje
e A manhã 139
tos; mas quando a producção chegou a 1.000 carros
diarios produziu-se no embarque uma congestão
nunca observada antes. O caso podia ser resolYido,
ou empatando-se alguns milhões de dollares em
vagões novos e e!11 accrescimos de linhas, ou desco-
brindo-se nova maneira de embarcar os carros. Hoje,
pelo methodo antigo, seria impossi veI a expedição
dos nossos 8.000 carros diarios - e si o conseguís-
semos teríamos de daI-os á yenda por preço muito
maior.
A industria moderna tem bases muito diversas
das da outróra. Na éra em ~ q u escasseavam as pos-
sibilidades não é surprehendente que fosse tido co-
mo meritorio crear trabalho para aIguem; mas hoje,
sob o regimen do "salario-causa", ha mais trabalho
a realizar que homens para realizaI-o. Consequen-
temente, crear para um homem uma tarefa desne-
cessaria equivale a pedir-lhe que contribua para
rebaixar os salarios e elevar os preços. Poderia pa-
recer que quanto mais se augmentasse o trafego das
estradas mais prosperas as tivessemos, e que, am-
pliando suas redes e seu material rodante, as es-
tradas consociariam sua prosperidade á das usinas
metallurgicas, fabricas de vagões e industrias con-
nexas.
Isto corresponderia á realidade só no caso em.
que os transportes effectuados fossem necessarios.
Si transportamos trigo a um moinho situado a 500
milhas, e si de lá reconduzimos a farinha ao ponto
de partida, perpetramos um desperdicio, a não seI'
que a economia da moagem do trigo nesse ponto
140
Henry Ford
supere o preço do transporte duplo. O desperdicio
no transporte reflecte-se no preço do pão; o seu
consumo será menor, o agricultor ganhará menos,
o trafico diminuirá, tornar-se-á menos prospero, bem
como tudo que delle depende.
O nosso principio se applica a qualquer negocio
que dependa do transporte - e bem insignificante
é o numero dos que não dependem.
A rapidez do transporte é em si um factor que
affecta o valor do producto transportado. Si uma
empreza ferro-viaria deixa que as mercadorias se
accumulem, em vez de se escoarem incessantemen-
te, além da perturbação no valor da mercadoria em
transporte, a empreza ver-se-á com uma sobrecarga
de capital morto, isto é, inutil, sob forma de mate-
rial superfIuo.
Outras formas de desperdicio
Tratar as mercadorias sem cuidado vale por
I
<lutra forma de desperdício, porque é absurdo que
tenhamos de proteger a mercadoria a transportar
em, vista de razões outras além da natural trepida-
ção dos trens. A empreza ferro-viaria tem por func-
ção reçeber as mercadorias e levaI-as a destino com
o maximo cuidado - funcção que parece esquecida.
Em regra somos obrigados a acondicionar as mer-
cadorias não só de pIado a resistirem ao trepidar
dos trens, como a se defenderelll de outros ataques.
Isto Sei! dâ sobretudo no transporte maritimo. O tra-
balho e o ma.terial empregados na emballagem são
Hoje
e Amanhã 141
enormes - evidente desperdicio de trabalho hu-
mano e madeira.
Em nossas industrias tivemos que arrostar com·
todos estes problemas, e sempre o fizemos com
mira no transporte. Em vez de expedir carros com-
pletos, estabelecemos 31 fabricas de montagem em
varios centros commerciaes do paiz. Só expedimos
peças, o que exige dessas fabricas a montagem do·
chassis, da carroceria, esmaltagem, acolchoagem,
etc. Algumas dessas succursaes fabricam coxins,
molas, carrocerias fechad.as, trabalhando sob um
mesmo systema e com ferramentas estandardiza-
das. No total estas fabricas facilitam trabalho a
26.000 homens. Estabelecemos recentemente um
novo typo de fabrica de montagem ; consta de um
só pavimento, com transportadores dispostos de mo-
do que o transporte e a manipulação se eliminem
no possivel. Este novo typo redunJou em maior
efficiencia. A producção cresceu sem augmento de
trabalho. Na fabrica de Chicago a distancia maior
que qualquer material caminha, sem ser elaborado,
é de 6 metros - a que vae" do vagão ao primeiro
transportador.
O sitio onde se estabelecerem estas fabricas
de montagem determina-se, sobretudo, pelo preço
local da. energia motriz e o preço por que sae o tra-
balho e a remessa dos carros; para uma região dada.
Muitas vezes a, economia duma fracção de cent, no
transporte duma só peça, faz-nos escolher este ou
aquelle local. Nossa usina de Saint Paul pode abas-
tecer toda a região. Oeste do Mississipi, com um
142 Henry Ford
gasto de transporte inferior ~ o de qualquer fabrica
de Este. Por isso é em Saint Paul que fabricamos
todas as peças que não podem ser feitas noutra
parte a um custo compensador das vantagens do
transporte para lá. As peças de um motor se clas-
sificam e se dividem com attenção ás differentes ta-
rifas. Uma só peça de primeira classe, posta numa
caixa inteira de peças de quinta classe, pode fazer
que todo o carregamento pague pela tarifa da pri-
meira. A emballagem e o embarque ~ inspeccio-
nam cuidadosamente no interesse da economia. O
trabalho mais ou menos apurado de uma peça tam-
bem affecta a sua classificação tarifaria. Neste caso
nos utilizamos da tarifa mais baixa, expedindo tal
peça não de' todo acabada.
Ha alguns annos sete carrocerias formavam a
carga completa de um vagão standard de 10 metros;
transportadas hoje em peças, cabem 130 carroce-
rias em cada vagão - quer dizer que pagamos um,
onde antes pagavamos 18 vas:.ões.
Equilibrio de producção
Tudo vive em transito em nossa empreza
materia prima e productos acabados. Nossa produc-
ção sendo de 8.000 carros, nossas differentes sec-
ções devem fabricar e expedir cada dia os materiaes
necessarios ao seu fabrico. Sabemos exactamente
quantas machinas e homens nos serão necessarios
para attingir um certo numero de carros num dado
momento, e tambem sabemos COmo levar em conta
II o j e
e Amanhã 143
as variações do consumo, sem risco de vermos ac-
cumularem-se stocks. Uma fabrica, qualquer que
seja, não deve nunca ter stock para mais de 30 dias,
sah'o si se trata de fundição; os altos fornos neces-
sitam de stock correspondente á duração do in-
verno.
O tempo medio, transcorrido entre a expedisão
da fabrica e a chegada ás succursaes de montagem,
é de 6 dias e 16 horas; isso quer dizer que ha sem-
pre em transito peças equivalentes á producção de
mais de 6 dias. Si a producção está em 8.000 car-
ros diarios, haverá em transito um "material flu-
ctuante" sufficiente para a montagem de 48.000.
Deste modo ,os departamentos de producção e tra-
fico devem trabalhar estreitamente unidos, para que
todas as peças apropria:las cheguem ás succursaes
ao mesmo tempo, pois a falta de uma só classe de
parafuso deteria todo o trabalho de montagem de
uma succursal. A situação exacta do material flu-
ctuante pode ser determinada a qualquer hora do
dia.
Expedição standardizada
o problema da coordenação se simplifica por
meio de vagões standard, dos quaes temos 25 typos.
O vagão standard para os eixos deanteiros, por
exemplo, carrega exactamente 400 eixos. As quan-
tidades limitadas de peças menores se incluem na
expedição das maiores - mas sempre em lotes es-
tandardizados e de modo a apanhar a tarifa mais
baixa.
144 Henry Ford
Este methodo simplifica o trabalho de escri-
ptorio. Não ha que encher folhas de expedição. Te-
moI-as já impressas e só especificamos a quanti-
dade em certos casos de remessas excepcionaes.
No momento da expedição telegraphamos á
succursal dando o numero do vagão. Temos um
ser"iço de transito que não o perde de vista, e zela
para que tudo corra normalmente até que a remes-
sa entre em territorio da succursal. Ahi passa ao
controle do serviço de transporte da succursal, que
a aconlpanha até desembarque. Nunca nos fiamos
nas estradas. Temos agentes nos pontos de juncção,
e outros, para evitar que se deem atrazos. Nosso
serviço de transito conhece os horarios e si houver
atrazo de mais de uma hora a administração cen-
tral é logo avisada.
Cyclo de prodacção
Nosso cyclo de producção dura precisamente
das mina3 ao vagão de enlbarque - 3 dias e 9 ho-
ras, em vez dos 14 dias que antes tinhamos como
"record de rapidez. Tendo-se em conta a armazena-
gelTI do minereo durante o inverno, e outras arma-
zenagens de peças ou machinismos, necessarias em
vista de razões especiaes, nosso cyclo medio de pro-
ducção não passa de 5 dias.
Eis como se desenrolam as operações. Suppo-
nhamos que um dos nossos barcos de minereo che-
ga á Fordson ás 8 horas da manhã de uma segunda-
feira. Esse barco léva 48 horas para "ir de rvIarquet-
Hoje
e Amanhã 145
te ao caes. Dez minutos depois Ja seu carregamento
está na Linha Alta, de rumo aos fornos. Na terça-
feira, ao meio dia, o minereo já está transformado
em ferro e logo depois em aço. A partir deste mo-
mento seguem-se 58 operações, que se realizam em
55 minutos. A's tres da tarde o motor está prom-
pto, provado e em caminho da succursal. Chega a
esta e entra na rede de montagem ás 8 horas de
quarta-feira. Ao meio dia ? prompto, é entre-
gue ao comprador .. Si o motor, em vez de ter sido
enviado a uma succursal, segue pa:r,a Detroit, a
entrega do carro se fará terça-feira ás 5 horas.
Esta celeridade se torna possivel graças ao
systema de transporte interno da Fordson, ao de-
senvolvimento da estrada de ferro Detroit, Toledo
& Ironton, á do rio Rouge e ao trans-
porte por agua, feito pelos nossos barcos. Annos
antes o rio Rouge (que desagua no Detroit e por
este communica com os grandes Lagos) não passa-
va de um rio tortuoso e de pouco' fundo, medindo
-de 22 a 30 m. de largura, pelo qual só podiam chegar'
á usina barcaças de 900 toneladas: Fazia-se ·neces-
saTio baldear a carga dos vapores de lago para essas
barcaças e rebocaI-as. Abrimos um canal que reduz
de 3 milhas a distancia entre o lago e a nossa bahia.
O canal e o rio medem hoje 90 m. de largo e 7 de
fundo, o que basta ás nossas necessidades.
Desde que se terminou a dragagem, passamos
a construir uma frota para os Grandes Lagos, e já
temos 4 navios, entre elles o Henry Ford II e o Ben.-
son Ford, que offerecem originalidades.
146
Henry Fo rd
Os navios Ford
São accionados a motores Diesel e construidos
de modo que não sómente possam transportar a
maior quantidadé possivel de minereo, como ainda
offereçam aos officiaes e tripulação alojamento equi-
valente ao de um hotel de primeira classe. Medem
183 m. de comprimento e carregam 13.000 toneladas
de carvão ou ferro. Como todas as nossas indus-
trias, estes navios são organizados de modo a ne-
cessitarem ~ minimo de pessoal. Asseio meticulo-
so. Casa de machinas revestida de esmalte' branco
ou cinzento claro, com guarnições de nickel. Cama-
rotes da officialidade e da tripulação revestidos de
madeira de lei; numerosos quartos de banho; aque-
cimento e tudo mais electrico - bombas, cabres-
tantes, etc. Estes barcos só trabalham nos Grandes
Lagos; mas sempre que nos é possivel estabelece-
mos nossas succursaes junto a rios navegaveis. As
de Memphis e Sâ.int-Paul ficam ás margens do Mis-
sissipi; a de J acksonville, nas do Saint-John, servi-
da de 'Caes, e a de Chicago, á beira do Calumet. A
succursal de Green-Island situa-se em Troy, pro-
ximo á confluencia do Hudson com o Mohawk, li-
gando-se á de Kearny por meio dos harc8s que na-
vegam no Hudson. E' mais facil carregar navios do
que vagões e neste caso o transporte fluvial se tor-
na mais barato e rapido que o terrestre.
Uma ampliação posterior permittiu abastecer
ás succursaes da costa do Atlantico, que se encon-
tram em N orfolk, J acksonville, N ew Orleans e
Hoje
e Amanhã 147
Rouston, por meio de vapores que transitam pelos
Grandes Lagos e canaes. Estes barcos veem ter á
costa tão rapidamente como os trens de ferro, e
,ainda nos permittem dispensar a emballagem dos
motores e peças grandes. O systema de carregal-os
é o mesmo usado para lOS vagões.
Navios de mar
Estamos agora organizando nestas bases uma
frota de mar. Parte della já está em trafego, asse-
gurando o abastecimento de nossas succursaes da
Europa, America do Sul e costa do Pacifico. O fa-
cto de embarcar nestes navios as peças "soltas"
nos economiza 20.000 dollares de acondicionamento
em cada viagem, além do lucro do espaço. Temos
cinco unidades em serviço e iremos augmentando a
frota á medida do necessario. Para o transporte
transatlantico o embarque effectua-se em Kearny
e em N orfolk, e para o serviço destes barcos adqui-
rimos um estaleiro em Chester.
Nos navios de mar, bem como nos de lago,
puzemos em pratica nossas regras habituaes de as-
seio, de salario e de economia de mão de obra. Pa-
gamos um salario minimo de 100 doBares mensaes,
dando bom alojamento e boa comida - o que torna
a paga ainda melhor que a dos operarias de terra.
O capitão e os mechanicos são pagos conforme o
gráo das suas responsabilidades. No total esses sa-
larios são superiores aos pagos em qualquer parte.
E procedendo assim ganhamos dinheiro, visto que
a liomma dos salarios pagos num navio não tem.
148
Henry Ford
importancia; só tem importancia o pleno rendi-
mento do grande capital invertido nelle.
Si um navio se detem 2 semanas num porto,
para descarregar e carregar, a perda soffrida será
provavelmente maior que a somma dos salarios de
um anno. Homens mal pagos e irresponsaveis não
se preoccupam com o que occorre no navio, nem
com o tempo que elle fica nos portos. Já os bem
pagos estão sempre attentos a que os barcos não
cessem de funccionar. Sabem que disso depende a
sua permanencia no emprego, pois o movimento dos
nossos navios é registrado com tanto rigor como
o de uma via-ferrea. Controlamos os movimentos
de cada um e os atrazos tem que justificar-5e. Por
isso não se detem elles mais de 24 horas num porto.
No transporte por mar podem realizar-se innu-
meras economias. Somos tão novatos nessa materia
que apenas principiamos a entrever os grandes des-
perdicios usuaes nesse serviço. Notamos que ha ~
terra excesso de intermediarios que recebem com-
missões, direitos de corretagem, etc., e ainda que
não se procura applicar aos transportes os metho-
dos scientificos. A carga e descarga se fazem, mais
ou menos, como ha cem annos, com grande despre-
zo do factor tempo. O trabalho no mar é tão impor-
tante corpo etn terra - havemos que reconhecer
isto é, em materia de paga, agir consequentemente.
A industria moderna - a vida moderna -
não póde permittir-se a lentidão dos transportes.
Capitulo XI
A ECONOMIA DA MADEIRA
Extrahir alguma cousa de nada é o ideal do
typo commum do reformador social. Mas não sabe
como realizar isso, e, com effeito, não é possivel
por muito tempo obter algo de nada. Mas é possi-
vel obter algo do que antes não valia nada, e a esta
idéa se filiam os nossos esforços para economizar
a madeira. Estamos tratando de empregal-a o me-
nos possivel. Cada mez o seu consumo em nossa
empreza é menor, apesar do augmento da nossa pro-'
ducção; ainda assim o consumo é grande e por isso
procuramos o maximo ret;tdimento de cada arvore
abatida. Tratamol-a toda como madeira, e do que
não pode ser aproveitado como tal extrahimos pro-
duetos chimicos, utilizaveis na nossa industria.
Não sómente economizamos madeira como ain-
da transporte, pois só transportamos madeira e não
a agua que nella se accumula. E só transportamos
madeira trabalhada, em peças promptas para a mon-
tagem. Em vez de pagarmos o transporte de futu-
ros resíduos, recuperamol-os in loco.
150
Henry Ford
Nossa tarefa madeireira principiou em pequena
escala, ha 6 annos. Hoje economizamos cerca de 30
milhões de metros cubicos por anno, graças ao apro-
veitamento da madeira velha - e só adquirimos
4110 da empregada em nossa emballagem. Nas nos-
sas mattas e serrarias decidimos, em yez de des-
perdiçar metade da arvore - uso corrente - não
desperdiçar nem siquer um centimetro cubico. Tam-
bem decidimos que não ha razão para que o traba-
lho florestal seja um trabalho rude e mal pago. Es-
tabelecemos o nosso salario geral e em vez de mise-
ros lenhadores temos no trabalho homens serios e
dignos.
o desperdicio da madeira
A industria madeireira tem o desperdicio como
tradição - e d'ahi os preços altos e o salario baixo
dos que lidam nella. Cortam-se as arvores brutal-
mente, deixando no solo as folhas como optimo fa-
cho para os incendios. Quando um tronco chega por
fim á serraria, cortam-no em tamanhos commer-
ciaes sem preoccupação do desperdício? Hao duas
perdas aqui: a do tronco na serraria e a das taboas
na industria, pois os tamanhos commerciaes não se
baseiam no emprego que vão ter essas taboas e sim
na rotina.
Toda a industria de madeira carece de coorde-
nação. Por que se ha de comprar uma taboa de
3 m., si só se vae usar de 1 112? Por que se não ha
de fazer a ernballagem com a menor quantidade
H (J j e e Amanhã 151
possível de madeira? E, sobretudo, por que os gran-
des .consumidores, cujas necessidades não são bas·
tante fortes para levaI-os á industria madeireira,
não se põem elles de accordo com as serrarias para
obterem tamanhos especiaes, em vez dos commer-
ciaes? Porque, ainda, ha de ser tido em despreziveI
conta um caixão de emballagem, como se só fosse
proprio para lenha?
A economia da madeira tem que fazer-se tanto
na matta como na officina. Nós empregamos hoje,
nos carros, menos madeira do que antes. Substitui-
mol-a pelo aço sempre que é possivel, só com o fim
de economizaI-a. As nossas reservas de ferro são
inexgottaveis, em quanto as de madeira só poderão
durar 50 annos. Com a adopção do nosso sy_tema
essa reserva durará um seculo.
Tempos atrás consideravamos a madeira sim-
plesmente como madeira; mas a nossa orientação
quanto a desperdicios levou-nos a attentar nella.
Usavamos a serragenl e os cavacos como combusti-
vel, e parecia á primeira vista que estavamos obten-
do desse resíduo o maximo rendimento; mas so-
breveio-nos a interrogação do costume: Por que ha
de haver tanto residuo?
A resposta á interrogação nos levou ao apro-
veitamento de toda a madeira que nos chega ás
officinas sob forma de caixas de emballagem; nos
levou tambem á montagem de serrarias e distilla-
ção e nos levou ainda a mudar para as florestas as
nossas secções de carpintaria de Detroit, com o ob-
jectivo de economizar na transporte.
152 Henry
Fo rd
Aproveitam.ento da m.adeira . usada
o aproveitamento da madeira na fa-
brica. Seis annos atrás 'empregavamos para o trans-
porte cerca de 1.600 typos de caixões e engradados,
cada qual do seu tamanho. Temos agora 14 tama-
nhos, e o acondicionamento se faz em cada caixa
sob um standard de arrumação. E estamos redu-
zindo ainda mais a madeira, pelo emprego, sempre
que é possivel, de saccos de aniagem e caixas de
papelão. Em vista disto gastamos hoje o terço da
luadeira que gastavam os quando a producção era de
metade.
Em todas aS nossas fabricas e succursaes ado-
ptamos o methodo rigoroso de abrir caixões sem
estragar tampas. Não permittimos o uso de talha-
deiras e para os caixões pesados temos um appare-
lho de garras que ergue a tampa inteira sem ne-
nhum estrago. Todos os restos e retalhos de ma-
deira vão para a secção de aproveitamento, em
Highland; velhos vagões de estrada de ferro, bem
como moirões fóra de uso, são alli recuperados sob
uma technica muito interessante.
A madeira chega a essa secção sob todas as
formas e tamanhos, sempre cravejada de pregos.
Antes de mais nada c1assificamol-a em leve e pesa-
,da. Esta, de 2 centimetros para cima de espessura,
entra no transportador sul; a leve, no transportador
norte. A' entrada do transportador sul ha uma ma-
china que "barbeia" as taboas dos seus pregos en-
tortados e de difficil arrancamento. 1ss.o economiza
Hoje
e A manhã 153
o trabalho de endireitaI-os e arrancaI-os um a uq1
- ou de serrar as pontas das taboas, com perda de
madeira.
As taboas finas soffrem no transportador norte
o mesmo tratamento; barbeiam-se e, sem outro pre-
paro, seguem para a officina de caixas. Os pregos
cortados em nada prejudicam o serviço.
Quando o arrancaJ;Ilento dos pregos se impõe,
usamos um dispositivo muito simples, que, depois
de afrouxaI-os, os arranca de uma vez, aos 6 ou 8;
As taboas vão em seguida á serraria, onde, á pro-
porção que as cortam nas dimensões requeridas,
separam-se as defeituosas. Alli se desdobram ainda
as. muito grossas.
A madeira cortada segue assim, sempre pelo.s
transportadores, até á fabrica de caixas, onde ou-
tros transportadores levam para outras secções a
madeira que não se destina a caixas. O residuo que
fica nos transportadores cae num tubo e entra numa
machina de produzir serragem- a qual é aspirada
e segue em tubos para os fornos.
A fabrica de caixas fornece ainda, além de cai-
xas, taboas e sarrafos de todas as dimensões neces-
sarias á emballagem de certas peças, e ainda produz
taboas ndvas.
Os pedaços pequenos de madeira dura são uti-
lizados de diversos modos. Uma remessa de. cem
motores, por exemplo, requer 750 pés de madeira
pesada, para emballagem e reforço. Algun$ dos ta-
eos de refbrço teem o tamanho fixo de 2,5'5 m'etllos;
154 Henry Ford
usamos te gatos" de metal para obter estes taboões
por meio da juncção de taboas menores.
Não menos interessante nesta secção é o facto
de os homens que nella trabalham serem em regra
de capacidade inferior á media, homens que não
podem trabalhar em serviço mais exigente ou pe-
sado. De modo que reunimos o aproveitamento do
material ao aproveitamento desses homens.
Chegamos, em assumpto' de madeira, a crear
uma industria importante. A lucta contra o desper-
dicio nos leva sempre muito longe - nos
e na surpre2:a. E' assim que, si soubermos tirar
partido dos sub-productos, o producto ficará de gra-
ça, e não se sabe mais qual delles realmente é o
principal. Isto nos occorreu com a madeira. No in-
tuito de ,aproveitar os residuos - pois empregamos
por dia uns 300.000 m. de madeira - compramos
202.350 hectares de mattas ao sul do Michigan e
48.564 no Kentucky. A maior parte destas terras
pouco aproveita aos seus donos em virtude das
difficuldades do transporte; mas nós gostamos de
com'prar propriedades em abandono e fazeI-as re-
nascer.
Exploração florestal
A primeira compra foi a de uma concessão feita
pelo governo a um syndicato, constante de uma
area onde se alternam florestas com jazidas de fer-
ro. Depois adquirimos 28.329 hectares no L' Anse,
onde havia uma serraria, 35 casas e uma pequena
Hoje ~ Amanhã 155
via ferrea destinada á exploração. das mattas. Re-
construimos esta via, alargando-lhe a bitola e ligan-
do-a á rede geral. Por essa mesma epOCa adquiri-
mos 12. 141 hectares no Pequaming, a 14 kilome-
tros d'alli.
Nosso trabalho concentra-se em Iron Moun-
tain, que é uma typica cidade madeireira e mineira,
q u a ~ i abandonada depois que a madeira escasseou.
Uma jazida de ferro e uma serraria foram as unicas
industrias que lá encontramos. Tudo foi refeito.
Temos hoje nessa zona 5.000 homens; os armazens
fechados se reabriram e os moços da cidade deixa-
ram de emigrar, pois nella encontram os nossos 6
doBares diarios. Em summa: a vida voltou á cida-
de morta, não por virtude de algo novo, mal? graças
á utilização do que existia, mas era considerado sem
nenhum valor.
Só cortamos as arvores acima de 20 pollega-
d a ~ ficando as abaixo desse indice a desenvolve-
rem-se para futura exploração. Cortamol-as com
serra circular, accionada por pequeno motor de ga-
zolina, serviço que se faz na vigesima parte do tem-
po requerido pelo córte manual, e muito mais rente
ao solo, donde resulta o aproveitamento da madeira
outróra perdida nos tócos.
A causa principal da destruição das mattas é
o incendio, em regra causado pelo accumulo de ra-
magens seccas que acompanha o córte. Nós quei-
mamos esse residuo inda verde, embora os velhos
experientes jurassem que era isso impossivel. E' o
melhor systema de protecção contra o .incendio que
156 Henry Ford
descobrinlOs até hoje. Custa-nos 1 dollar e 25 por
300 m. quadrados; mas facilita-nos de tal modo o
trabalho de rem.oção da madeira que esse custo se
reduz a 50 cents - o que não é muito pagar pela
segurança da matta e pelo mais rapido revertimento
vegetativo do solo.
Quasi que só utilizamos tractores. No campo
de Sidnaw os tractores rendem seis vezes mais que
os cavallos, pois carregam cargas duplas e dão 3
viagens por dia.
No L'Anse e no Pequaming os ferro carris pe-
netram na matta e a põe em ligação com as serra-
rias e a estrada de ferro geral. Já augmentamos de
48 kilometros essa via.
N ossos acampamentos e terreiros conservam-
se lin1pos, COlTIO as nossas fabricas. A vida, sã e
h)'gienica. No começo esta limpeza desagradou aos
velhos madeireiros, mas os novos a recebem com
agrado.
O acampamento é servido de agua corrente, luz
electrica e aquecimento a vapor. As velhas choças
desappareceram. Os trabalhadores dispõem, duran-
te as horas de lazer, de uma sala de recreio, ou casi-
no, servido de cinema e radio, cousas nunca vistas
alli.
Ganham 6 dollares por dia, cobrando-se-Ihes um
aluguel minimo pela moradia e pelo SU!5tento. Feito
o desconto, sobram-lhes 4 dollares, vantagem evi-
dente, que ha' attrahido os melhores homens das re-
dondezas. E com, tudo isto o custo da producção
se torna muito baixo.
Hoje
e Amanhã 157
Os tror.cos chegam a Iron Mountain por via
ferrea ou barcos. Possuimos varias serrarias, mas a
maior é a de com capacidade para 90.000 m.
cubicos diarios.
Em 1924 introduzimos um novo methodo de
serrar que tornou irrisorios os velhos, tanto se redu-
ziu .0 estrago da madeira. Consiste elle em serrar
directamente nos taboões brutos as peças da car-
roceria do nosso automoveI. Até então faziamos isso
em taboas seccas em estufas e applailladas - ta-
boas obtidas com grande perda da madeira dos tron-
cos.
Hoje serramos o tronco. sem esquadrejal-o. Des-
dobramol-o em planos paral1elos, sem attender á
tortuosidade da madeira. Sobre as pranchas collo-
cam-se em seguida os differentes modelos de peças
a recortar, de modo que até rente á casca se apro-
veite a madeira,com todas as suas irregularidades.
Se ha um nó, basta apenas, para evitaI-o, ageitar
os modelc<3. Depois é serrar pelos contornos. Obte:..
mos assim um rendimento medio de 30 % a mais
dp que quando esquadrejavamos os troncos. Para
as peças pequenas utilizam-se os galhos acima de
4 pollegadas de diametro, ouÚóra só empregados
na distillação ou como lenha.
Calculamos que ent virtude deste methodo nos-
sas florestas poderão durar um terço mais, e trou-
xe-nos .elle ainda uma economia de 20.000 dollares
diarios.
Uma vez serradas, vão as ás estufas de
em numero de 52, onde ficam durante 20 dias,
158
Henry
Ford
mais ou menos, confonne o caso. Ultimamente re-
"duzimos o tempo de sécca á metade.
Existia a lenda de que não se podia recortar
peças na madeira verde porque empennavam ou
·'ventavam". Vimos que isso só se dava devido ao
máo amontoamento da madeira e ao máo processo
da sécca.
De tudo resultou uma economia de 50 %.
Sub-productos da madeira
.,.0 maIS notavel de Iron Mountain é a usma de
energia que subministra força e calor ás serrarias,
ás estufas, á carpintaria e aos alambiques. Essa
energia é em grande parte obtida pela utilização
dos sub-productos.
Esta usina apresenta certas.' particulariCfades.
As fornalhas são feitas de modo que possam em-
pregar" qualquer combustivel: serradura, alcatrão,
pó de carvão, residuos, petroleo, etc. O forno das.
chaminés passa por um conducto ás secções de car-
bonização e distillação, onde o seu calor é utilizado
na seccagem da madeira e em differentes operações
chimicas. Calorias de ordinario perdidas encontram
des'arte applicação.
A' essa energia motriz se juntam 900 cavallos
obtidos com a barragem do rio Menomihee, a 2 mi-
lhas de distancia, onde 3 turbinas verticaes se ligam
aos geradores electricos. E' a mais bella das nossas
usinas, toda de mannore, com as ferra-
gens nickeladas.
Hoje
e Amanhã
159
A distillação se faz pelo processo Stafford, apto
ao emprego de qualquer cellulose. Detrictos, serra-
dura, cavacos, palha, cascas, etc., tudo se converte
em carvão e sub-productos.
A primeira phase da distillação consiste em
trasladar a materia prima do tanque, onde é lavada,
á serraria da secção' chi mica. Aqui se separa t o d ~ a
madeira inda aproveitavel como madeira e só o res-
to é enviado á seccagem, feita em re.cipientes cylin-
dricos gyratorios de 100 pés por 10, dentro dos
quaes corre um tubo onde circula o gaz quente pro-
vindo das chaminés da fabrica. Seccos que estejam
os residuos, passam automaticamente aos fornos re-
vestidos de argilla refractar.ia. Alli se desdobram em
carvão e acido pyrolenhoso, sahindo cada qual pela
sua VIa.
Os vapores produzidos se condensam, mas não
os gazes. Estes vão para um recipiente em forma
de torre, de 50 pés de altura, onde a parte condensa-
vel é recuperada sob forma de acido pyrolenhoso,
indo o resto para as fornalhas da usina como com-
bustivel.
Sahindo do forno, o carvão cáe num transpor-
tador e vae a um resfriador hydraulico gyratorio
- recipiente de 2 metros de diametro com uma
série de tubos atravez dos quaes corre agua fria.
Dos resfriadores passa o carvão aos acondiciOna-
dores, onde é estabilizado, de modo a impedir-se a
combustão espontanea. E' peneirado em seguida; o
grosso vae ter aos depositas e a poeira á fabrica de
160
Henry
Ford
briquettes, cuja seccagem é tambem feita por meio
da fumaça das chaminés.
Do acido pyrolenhoso podem-se extrahir nu-
merosos sub-productos - alcatrão, alcool, methy-
lico, acidas e oleos volateis. O alcool methylico
passa á refinação e se transforma em acido methy-
lico puro e acetona, productos rtsados C0mo dissol-
-
ventes e desnaturadores.
Graças a este tratamento, cada. tonelada de re-
siduo dá 135 libras de acetato de calcio, 61 galões
de alcool methylico a 82 %, 610 libras de carvão,
15 de alcatrão, oleos pesados e creosoto, além de
600 pés cubicos de gaz - num valor recuperativo
de 12.000 dollares por dia.
Iremos ainda longe por este caminho. Em nos-
so paiz ha madeira sufficiente para tudo, si a sou-
bermos empregar.
Capitulo XII
RETORNO A INDUSTRIA RURAL
Sempre se admittiu que a expansão da indus-
tda determina o surto de grandes conglomerados
fabris onde veem trabalhar innumeros operarios que
á noite, voltam para seus antros - casebres e cho-
ças. E muita gente bem intencionada oppõe-se á
expansão da indu.stria porque nella só vê est .. mi-
seravel aspecto.
De facto assim é, na industria que só VIsa
lucros. Suas fabricas, em certos pon-
tos, abrem-se e fecham-se, conforme estão ganhan-
do muito ou pouco. Sob tal regimen o operario nun-'
ca dinheiro bastante para bem morar; a defi-
denda dos transportes o obriga a residir perto da
fabrica ou a dispender boa parte do seu ganho e das
suas energias viajando em vehiculos apinhados de
gente. Tem que gastar o que poderia inverter
em E será assim em quanto a industria
permanecer no systema de concentração e ater-se
p.o "lucro-causa" em do "salario-causa".
15 • Jj!:Ô.1E EAMANBÃ
162 Henry
Ford'
l\Ias o remedio não será encontrado em nenhum
sentilTlental eschema de alojamento humano. Sim
na applicação da theoria do salario á edificação das
casas - meio de as termos baratas e boas. E seus
donos poderão obter lucros, porque toda operação
bem organizada produz lucros. E' sempre nocivo
o recorrer ao sentimentalismo caridoso, e ainda mais
para sanar situações creadas pela industria. Bem
organizada esta, tem. que zelar de si mesma e de
todos que se lhe relacionam. Caridade é apenas
manto que cobre a çhaga, não a cura.
Concentração industrial
A grande industria todavia, não recorreu á con-
centração por necessidade essencial. E, realmente,
em essencia, á grande industria não convem con-
centrar-se num ponto, porque outros factores, alem
do peso dos transportes, contraindicam tal politica.
Possue eUa mercados muito distantes e nunca é
proveitoso transportar para muito longe productos
pesados. Não obstante, o que ainda ha poucos an-
nos recebia o nome de grande industria procurava
a concentração.
Industrias similares sempre tendem ao agru-
pamento num mesmo sitio, e a grande industria não
fez mais do que proseguir no caminho da pequena
- como si a differença entre ambas fosse apenas
de tamanho. Ha certas classes de negocios que se
inflam, adquirem vulto e são tomados corrio gran-
des negocios - mas não passam de pequenos ne-
Hoje
e Amanhã
163
gocios atacados de elephantiasis. O verdadeiro ne-
gocio cresce em força, não em gordura. Não possue
a debilidade dentro do tamanho. E' realmente gran-
de, diligente e forte. Todo negocio verdadeiramente
util tem que crescer em. e força - ele-
mentos que decaem quando cessa o serviço social
prestado.
Nenhuma razão existe para construir uma fa-
brica numa grande cidade, ou perto dum "mercado
de trabalho" - mas existem razões para não fazei-o.
Começamos nós, como se vê em "Minha Vida",
num pequeno telheiro ele Detroit, e alguns annos
depois nos passamos a casa maior na mesma
Quando chegou o momento de maiores ampliações,
mudamo-nos para Highland Park, então simples
arrabalde de Detroit, e por varios annos alli cons-
truimos o nosso carro. O desenvolvimento foi tão
rapido que tomamos o partido muito logico de alar-
gar a fabrica. Nessa epoca adquiriamos muito mais
material do que o podiamos fabricar e embora High-
land se tornasse depois uma grande fabrica, por
muito tempo não passou de méra officina de mon-
tagem. Ao attingirmos a p\"Oducção de 1.000 carros
diarios, o que determinou o congestionamento das
vias de transporte locaes, começamos a reflectir si
era sensato ter uma usina tão grande.
Encaramos o problema sob todas as luzes. Em
primeiro, não nos pareceu conveniente, para o ne-
gocio em geral, a concentração num só ponto, de
tanta capacidade acquisitiva, consequencia natural
90 salario alto que distriblfimos, porque os com-
164
Henry
Ford
pradores dos nossos productos deviam tan'lbem go-
sar dessa derrama de dinheiro. E ainda porque os
operarios se estavam amontoando, com lucro unlCO
para os aproveitadores da situação.
Em segundo logar, tão grande chegou a ser o
numero dos nossos operarios que tinhamos de es-
calonar as horas de entrada e sahida, pois do con-
trario o transporte delles seria impossivel - e esse
systema de entradas e sahidas flor partes não favo-
rece a producção.
Systema de paga
Por muito tempo tambem não pudemos deter-
minar um dia de paga, em vsita dos inconvenientes
geraes resultantes para nós, para nossos operarios
e para a communidade. A distribuição de milhões
de dollares num dia certo de cada semana levava as
casas de negocio a accumularem sortimentos para
serem vendidos nesse dia, e ainda chamava de todos
os lados especuladores de toda a sorte, ansiosos
por se. apróveitarerr. do momento em que todos
os operarios tinham i ~ h e i r o no bolso. De outro
lado isso nos impunha a r"anutenção de grande nu-
mel:O de pagadores, e ainda - na melhor das hypo-,
theses os operarios perderiam algumas horas á es-
pera do pagamento. Para evitar tantos precalços
pagamos hoje por grupos - podendo dizer-se que
o serviço de paga é continuo. A quatquer h;ra do
dia. ,em nossas fabricas, o pagador está funccio-
nando.
185
Vencemos a difficuldade de manejar grandes
I'assas de operarios, .tOas isto não basta. Vale mais
vitar as difficuldades do que superaI-as e verifi-
a.mos que além de ser mais facil dirigir fabricas
equenas, nellas o custo de producção é menor. To--
modificação de methodo que determine subida
(l custo - por utilitariamente social que o pareça
- é má. Mas não vale a pena insistir nisto, pois
xla a modificação na realidade intelligente reduz o
115to da producção.
Voltemos atrás e examinemo.s a theoria da fa-
ricação e do grande negocio no particular relativo
afastamento das grandes cidades.
r A direcção não é qualquer coisa que está num
kriptorio a muitas milhas da productora.
orma corpo com o do producto e, a passo,
:trocede com elle ás forites da sua producção. Uma
.)a machina é algo estimavel em. si; mas uma ma-
tina só merece occupar o espaço que occupa quan-
contribue exacta e planejadamente para realizar
. que a direcção concebeu. Machina não trabalha a
ho. Cost,umam louvar o trabalho manual como
elhor que o mechanico;- mas hoje attinge este á
ecisão de millesimos de pollegada e não varia
lOca. Si uma machina, ou uma serie, exige que ,a
.eração se conclua manualmente, é que ha defeito
organização.
o que vale a machina
Tempo houve em que se pensava que machina
só ma china - objecto que o seu dono podia
166
Henry
Ford
empregar para fazer dinheiro. Sabemos hoje que
machina significa um systema de applicar energia.
Um homem pode, com o martello, dar uma pancada
mais forte que COIU o punho cerrado; a força hu-
mana se multiplica COlU a força do martello, e a
sua deterioração substitue a deterioração do punho
cerrado. Já o martello mechanico faz muito mais
u ~ o g,e mão; põe muito mais força ao serviço do
operador. Ao accionar um. martello mechanico rea-
liza elle uma quantidade de trabalho tão maior que
com o outro, que pode ganhar maior sala rio e ainda
produzir por menor custo.
A machina não pertence ao homem que a com-
pra, nem ao que a faz funccionar. Pertence ao pu-
blico e só é proveitosa quando a empregam em seu
proveito, quando a empregam para obter artigos
bem fabricados, bem estudados e baratos, de modo
a plenamente lhe satisfazerem as necessidades. Nem
os operarios, nem os proprietarios podem esperar
lucros por meio do funccionamento da machina a
não ser que ella beneficie o publico. Havemos que
ir aprendendo isto, que a machina é uma emprega-
da do publico, e só util emquanto o serve.
Chama-se fabrica á installação que dispõe de
energia e a utiliza para accionar certo numero de
machinas necessarias ao fabrico de certo producto.
E tambem esta fabrica só é remuneradora emquan-
to util ao publico. Tal fabrica pode crear a energia
de que necessita e realizar dentro dos seus muros
todas as operações precisas para a obtenção .do pro'
H oj e
e A manhã
167
ducto completo, ou adquirir energia e fazer só uma
parte das operações.
O systema a adoptar determina-se pela nature-
za do serviço publico que ella conta prestar. Dizer
que tal fabrica elabora seus productos desde o es-
tado de mate ria bruta até o fim, não quer dizer nada,
a não ser que no decurso desse processo elaborativo
se siga um methodo tendente a dar um artigo me-
lhor e mais barato do que o obtido por outro qual-
quer methodo. Só o producto governa - isto é, só
o publico é que governa. Zelar para que assim seja,
eis a funçcão essencial do cerebro director.
Fazemos todos nós muita cousa inutil pelo sim-
ples facto de 'seguirmos a rotina. Annos atrás, uma
vez concluso o carro, "experimentavamol-o" antes
de o acondicionar. A prova e.ra cousa imprescindi-
vel. Mas é evidente que sendo todas as peças feitas
1com exactidão, e sujeitas a exame, as machinas que
resultam do seu ajuntamento não devem necessitar
de prova final. Os dollares saem todos eguaes do
mesmo cunho; o mesmo deve occorrer a carros
"cunhados", COlTIO os nossos.
O methodo de fazer peças para reuni l-as sob
forma de carro suscitou uma questão: deveriam to-
das as peças ser fabricadas num mesmo ponto? Pa-
recia inilludivel a necessidade da fabricação una, e
o seria, ele facto, si nossa fabrica principal produ-
zisse carros inteiramente montados. Mas verifica-
da a inconveniencia disto, desvaneceu-se a razão
de tudo fazer numa só grande fabrica.
168
Henry
Ford
Localização das fabricas
Tambem era tido como fóra de duvida que as
fabricas deviam localizar-se perto do "mercado de
trabalho", em yista de julgar-se tambem fóra de
duvida que a fabricação tinha de ser intermittente.
Com effeito, si uma fabrica tem de estar a abrir e
fechar as portas continuamente, ser-Ihe-á yantajo-
so contar com um grupo de bons operarios sem
serviço, promptos para ingressar na fabrica sempre
que esta os chamem. lVlas um "mercado de traba-
lho", um centro operario significa uma região den-
samente populosa, e si o desemprego é tido em
conta de phenomeno natural, tal centro não pode
prosperar. As condições de "\"ida afastam-se da nor-
malidade, sobretudo no que respeita á hygiene.
Os obreiros de ganho precario, trabalhando este
mez e vadiando á força no mez "seguinte, acabam
indi-ddando-se para com os fornecedores e senho-
rios, o que lhes "ale por aggra....-ação do preço de
tudo: quem compra,a credito não pode discutir pre-
ço. Demais, a conservação dum centro urbano sen-
do dispendiosa, os impostos avultam e sobe o valor
do terreno.
Assim, para liberar-nos destes inconvenientes
e trazer ao equilibrio a industria e a agricultura,
como ainda para melhor espalhar o dinheiro dos
nossos salarios altos, principiamos a descentralizar.
Iniciamos as experiencias nas industrias ruraes,
ha sete annos, adquirindo um velho moinho em
Northville, ás margens do rio Rouge, e transfór-
Hoje
e Amanhã 169
mando-o em fabrica de valvulas. O Rouge nesse
ponto não passa de um riacho, mas apesar disso
pensamos desde logo em utilizar-lhe da força e
agora estamos montando uma turbina que nos for-
necerá parte da energia necessaria. Sem tocar no
moinho, mandamos para lá, de Highland, 35 bons
operarios com as machinas necessarias. Nossa idéa
era attrahir os homens das redondezas, sendo aquel-
les 35' apenas um nuc1eo inicial e experimentado.
Dividimos a fabricação de uma valvula em 21
operações e hoje empregamos nisso 300 homens -
e as valvulas que em Highland nos sahiam a 8 cents,
preço tido como baixo, se produzem em Northville
a 3 112, num bloco de 150.000 por dia.
Esse, um aspecto do caso. Outro mais impor-
tante é que os operarios moram alguns kilometros
longe da fabrica e veem ao serviço de auto. Muitos
possuem granjas ou casas de campo e deUas não
os arredamos. Apenas aggregamos a industria á
agricultura. Um delles possue uma granja que dá
serviço a dois caminhões, um tractor e um auto fe-
chado. Outro, com auxilio da esposa, ganha mais
de SOO dollares cada estação vendendo suas flores.
A todos permittimos que se ausentem para o
trabalho das granjas; mas graças ao recurso das
machinas agricolas não precisam elles afastar-se por
'muitas semanas da fabrica, e não perdem assim um
precioso tempo., de braços cruzados á espera da epo-
ca da Adquiriram mentalidade industrial e
não se contentam mais com ser gallinhas chocas.
Hoje só tomamos operarios locaes, não fazen-
170
Henry
Ford
do vir nenhum de Detroit, e a transformação ope-
rada em N orthville é notavel. Em virtude da capa-
cidade acquisith-a que os nossos salarios cream, o
commercio local augmentou, as ruas melhoraram e
toda a cidade renasceu. Eis o infallivel resultado
da politica do "salario-causa".
Annos atrás o rio Rouge movia muitos peque-
nos moinhos montados ao longo das suas margens;
mas quando nos estabelecemos em N orthville só
havia um em Nankin. A força motriz do rio esper-
diçava-se e os nuc1eos de população diminuiam. Os
melhores elementos emigravam para Detroit, at-
trahidos pelos salarios altos. Mas corrigimos tudo
isso.
Em Waterford, perto de Northville, montamos
uma fabrica de um só pavimento, na qual 50 ho-
mens constroem as medidas e calibres usados pelos
nossos inspectores. A agua vem de meia milha dis-
tante por um conductor subterraneo, que abrimos.
Atravessa uma turbina ligada a um gerador ele-
ctrico, produzindo-nos 47 cavallos de força. A tur-
bina, como em todas as nossas installações, acha-se
fóra da fabrica, dentro de uma cabina envidraçada,
que deixe ver ás gentes o que se pode fazer com
a energia hydraulica.
Descendo o rio encontra-se a fabrica Phenix,
onde ha seis metros de queda dagua da qual obte-
mos 100 cavallos. AI1i construimos interruptores
para os geradores electricos, empregando residuos
da ForcIson e da pequena fabrica de Flat-Rock no
rio Huron. O trabalho é leve e, salvo algumas ope-
Hoje
e Amanhã 171
rações que exigem mechanicos, realizam-no mulhe-
res das redondezas. Neste momento lá estão em
serviço 145 mulheres e 9 homens - moradores até
15 kilometros de distancia da fabrica. Não admitti-
mos as casadas, a não ser quando teem maridos
inaptos para o trabalho, e damos preferencia á3
idosas, porque lhes é mais difficil encontrar traba-
lho do que as jovens. Uma dellas viaja todos os
dias 23 kilometros para "ir á fabrica e raro falta;
tem o marido enfermo e cuida de 4 filhos. Traba-
lhando 8 horas diarias por semana de 5 dias, sus-
tenta a familia em melhor pé do que quando o
marido trabalhava - e ainda cuida da casa. Não
tem outros conhecimentos além dos caseiros, mas
nossas operações não requerem muita instrucção.
N esta fabrica nenhuma eperação existe que não
possa ser aprendida em uma semana.
Muitas destas mulheres nlanteem chacaras e
gosam da permissão de deixar a fabrica e ir atten-
deI-as sempre que for preciso. Quarenta por cento
dellas possuem criadas. A mór parte do trabalho o
realizam sentadas deante de correias transporta-
doras. Estas mulheres produzem 8.900 unidades
completas cada 8 horas e, si necessario, poderão
chegar a 10.000, graças ao equipamento actual. Em
Highland taes peças nos sahiam a 36 cents; alli nos
ficam a 28. As mulheres parecem gostar do serviço;
ha sempre pedidos de collocação e nenhuma deixa
o emprego a não ser para casar-se. Ganham o mes-
mo que os homens, isto é, 6 doBares diarios.
Rio abaixo encontra-se a fabrica de Ph:ymouth,
172 Henry
FOrd
tambem localizada no sitio dum velho moinho. Apro-
veita uma queda de 4 112 metros, que dá 26 cavaI-
los. Principiou fabricando interruptores, mas de-
pois que transferimos este trabalho á Phenix, ela-
bora pequenas tarrachas, das quaes empregamos
4.000 por dia. Essa pequena installação fornece-nos
2.000 tarrachas a 10 % menos do que o teriam os de
pagar. Além disso, melhores, pois empregamos um
aço especial, escolhido em vista do trabalho que a
tarracha tem de realizar - donde nova economia
ria duração da peça. Occupam-se nisso 35 homens,
todos operarios ruraes localizados nas redondezas,
onde possuem chacaras ou hortas, algumas dellas
bem grandes.
A fabrica ~ Nankin é a menor que possuimos.
Compramos o secular moinho que lá existia e o
transformamos em usina, conservando seu aspecto
caracteristico, salvo a sujeira. Tudo nelle é auto-
matico, de modo que só exige 11 operarios. As pe-
ças construidas são n1inimas, de modo que a pro-
ducção de um dia pode carregar-se de bicyc1eta -
mas é enOrlne a producção. Só de uns pequenos
parafusos empregados nas bobinas, 124.000 por dia.
Os operarios residem perto da usina, a qual lhes
fornece ás moradias força e luz electrica. O custo
da producção orça por 15 % menos do que quando
faziamos taes peças em Highland Park.
Temos no rio Rouge nove sitios proprios para
pequenas fabricas, que iremos montando, pois a ex-
periencia mostrou çomo realizam ellas o equilibric
Hoje e Amanhã 173
entre a agricultura e a industria, além de baixarem
o preço da producção.
A contabilidade e gerencia torna-se muito sim-
ples. Os livros mostram quanto material entra,
quantos artigos manufacturados sahem e quantas
pessoas nellas trabalham. Não precisamos saber
mais. Nas fabricas menores o director se occupa
tambem dos livros. e nas maiores possue para isto
um ajudante. Nenhuma possue escriptorio, nem
pessoal burocratico - dispendiosa inutilidade.
Está longe de ser impossivel que com a machi-
naria automatica e a diffusão da força motriz o
fabrico de muita cousa se possa fazer nos lares. O
mundo passou do trabalho manual em casa ao me-
chanico nas officinas. Por que não levaremos o tra-
balho mecha nico para os lares?
No rio Huron temos outras fabricas deste mes-
mo typo. Em Flat Rock, a 30 kilometros de Dear-
born, ha um dique, que tambem serve ele ponte, e
uma fabrica que a principio destinatpos ao preparo
do vidro e depois passou a fazer pharoes. Situa-se
em pleno campo; emprega 500 homens, em dois
turnos, e produz 500.000 pharoes por mez. A direc-
ção occupa só dois homens.
Em Ipsilanti, a 30 kilometros da foz do Huron,
temos uma fabrica maior, que produz 700 cavallos-
vapor. O dique foi erguido á beira de um lago e
tambem serve de ponte. _,
Em Hamilton geramos 5.000 cavallos, e a fa-
brica está hoje dando trabalho a 2.500 homens, desse
modo se destacando da c l s s ~ das fabricas-campe-
174 Henry
Ford
sinas. Manipula rodas e certas peças pequenas, at-
tingindo aquellas o num'ero de 14.000 por dia.
Em Green Island, no Hudson, temos uma ins-
tallação electrica de 10.000 caval10s e empregamos
1.000 homens dos arredores. Vimos que o mais eco-
nomico seria montar toda a fabrica sob um mesmo
tecto e construimos um edificio de 300 metros de
comprimento.
Tambem certas succursaes de montagem fabri-
cam peças, como a de Saint-Paul, que é a maior e
utiliza uma obra iniciada pelo governo. Durante a
guerra emprehendeu este a construcção duma re-
presa de 172 metros para rebalsar as aguas do Mis-
sissipe, acima de Saint-Paul, de modo a tornar o rio
al1i navegavel. Feita a repi-esa, viu-se que encerra-
va ella possibilidades de fonte de energia e deu-se
começo ao seu aproveitamento. Mas a construcção
parou e nós arrendamol-a do governo.
E' a segunda installação de energia que o go-
verno começa e nós concluimos. Telll a quéda d'agua
uma altura de 10 metros, e do lado de l\1inneapolis
existem eclusas por onde passam barcaças de rio.
Do lado de Saint-Paul a agua penetra na usina de
energia atravez de grades coadoras, que impedem
vá perturbar as turbinas o gelo e os detrictos car-
reados. A agua que cae de 10 metros entra por meio
de reguladores automaticos e move 4 turbinas hori-
zontaes, de 6 Inetros de diametro cada uma, para
4.500 cavallos.
A succursal de Los Angeles constroe carroce-
rias e quantas peças pode fazer em melhores condi-
Hoje e Amanhã
175
ções que em Saint-Paul e Detroit. Para os assentos
consome algodão do Imperial Valley e do Arizona,
em quantidade annual correspondente á producção
de 1.822 hectares. E' isto outro exemplo de como
beneficia a communidade o baseamento da indus-
tria no "salario-causa".
Só o "salario-causa" explica todas as nossas
ampliações aqui e no exterior. ~ u resultante posi-
tiva está em reduzil' o custo da producção, mas de
muito valor tambem é esta demonstração da indus-
tria de serviço publico que se espalha por todo o
paiz, não só com mira na reducção do custo como
ainda para melhormente redistribuir o dinheiro
pago em salarios.
Nunca installamos uma usina em qualquer sitio
sem que se elevasse a capacidade acquisitiva e o
typo de vida da communidade - e sem que nossas
vendas alli augmentassem. Não devemos esperar vi-
ver da cotnmunidacle, t11aS sim com ella. Os resul-
tados porém que obtivetnos no exterior, em paizes
de salarios baixos, são'" ainda mais notaveis, como
adeante se verá.
Capitulo XIII
SALARIO E HORAS DE TRABALHO
Somos por principio contrarios a tarefas peno-
sas; não fazemos supportar ao homenl o que pode
ser suportado pela machina. Ha elifferença entre
trabalhar duramente e trabalho eluro. Quem traba-
lha duramente produz algo, ao passo que o trabalho'
duro é o menos productivo. Um homem, a rigor, não
pode ganhar a viela com suas mãos, salvo nos offi-
cios de arte. Incumbe á direcção organizar o traba-
lho elos homens de moelo a tornar possivel o paga-
mento de salarios altos. Mas o ponto de partida elo
salario alto está na "ontade de trabalhar. Sem isto,
toda a organização resulta impotente.
Reina muita confusão sobre salario, dia de tra-
balho, lucros e preços, confusão na mór parte oriun-
da da má vontade de alguns pelo trabalho - sejam
argentarios, industriaes ou obreiros. Tambem pode
oecorrer que os tres grupos tratem de conseguir o
impossível, isto é, viver sem trabalhar. Quasi todas
as theorias socialistas, quando despidas elos enga-
178 Henry
Fo rd
nadores adornos, reduzem-se a formulas de viver
sem trabalhar - formulas que falham num mundo
que é o que é. Dellas só resulta a pobreza, visto
como não são productiyas.
O homem que tem saude, força e habilidade é
o verdadeiro capitalista. Si pode aproveitar do me-
lhor modo suas condições, chega a ser patrão. Si
as apura inda mais, chega a patrão de patrões, isto
é, director de uma industria.
o salario crea O mercado
Examinemos a questão dos salarios. Um hp-
~ m sem emprego é um cliente estagnado; não tra-
balha e, pois, não pode comprar. Um homem mal
pago é um cliente de pequena capacidade acquisi-
tiva; não pode comprar. A depressão dos negocios,
as crises, se originam da fraqueza acquisitiva. E
esta provem da insegurança ou insufficiencia dos
salarios. O remedio consiste em fortificar o poder
acquisitivo do publico, o qual se radica nos salarios.
Nosso paiz não poderia prosperar si só contas-
se com a força acquisitiva daquelles cuja renda in-
depende do que recebem em troca do seu trabalho,
e esse trabalho se evidencia nos salarios. Os sala-
rios produzem como eHeito a continuidade do tra-
balho. Reduzindo-se os salarios, reduz-se o traba-
lho, porque se reduz a procura de que o trabalho
depende.
A questão dos salarios é mais importante para
os negocios do que para o proprio trabalho; affecta
Hoje
e
Amanhã
179
á industria mais que á mão de obra. Salarios insi-
gnificantes destruirão a industria antes que preju-
diquem o elemento operario.
A antiga theoria que ainda perdura em mate-
ria industrial é que a escala dos salarios depende
da força de resistencia do operario em face da força
monopolizadora do patrão. Com esta theoria ambas
as partes saem perdendo. Della nasceram as socie-
dades laboristas e a lucta social que joga as armas
do boycott e do lookout. Bastam estas duas conse-
quencias para demonstrar a falsidade da theoria;
não obstante, toda uma classe de operarios e patrões
ainda a ella se aferram com egual tenacidade.
E' preciso tornar evidente aos homens que se-
melhante theoria não passa de adaptação da sua
logica aos seus erros. A antiga theoria dos salarios
é um mero reflexo do espirito de rapina que outróra
animava a industria. Não ha nenhum "salario-pa-
drão", excepto o estabelecido mediante a energia, a
capacidade e o caracter de todos quantos tomam
parte no negocio. Salario-padrão será o que a di-
recção industrial e a propria industria cream. A
responsabilidade de facilitar dados para a nova
theoria dos salarios pesa mais sobre os directores
industriaes do que sobre os economistas.
Um negocio que entre as boas cousas que pro-
duz não inclua uma constante e proveitosa escala
de salarios, não é negocio productivo. Negocio cujos
dividendos são desproporcionados aos salarios que
paga, soffre perigoso desequilibrio - do mesmo
180 Hell!y
Ford
modo que o que transformasse em salario cada doI
lar de lucro.
Tres factores intervêm no problema: o dire-
ctor, o operario e o negocio. A este nunca havere·
mos de perder de vista, proporcionador que é de
trabalho ao operario e utilidades indispensaveis ao
publico.
O acertado augmento de salario produz-se em
consequencia da applicação do "salario-causa". A
maneira de conjurar a depréssão do negocio é re-
duzir os preços e augmentar os salarios. Uma cousa
.sem outra de nada vale ou, antes, indica que a vida
encareceu. Salario elevado e preços reduzidos in-
dicam maior capacidade acquisitiva e portanto um
maior numero de clientes. A reducção dos salarios-
não é remedia contra o escasso consumo; redul-o

inda mais, com a diminuição do numero dos passi-
veis consumidores.
Um dos fins da industria é, ao lado de abaste-
cer aos consumidores, creal-os novos. E cream-se
novos consumidores descobrindo-se o de que o publi-
co necessita, fabricando esse artigo a um ra-
zoa\'el e pagando por sua fabricação salarios bas.,.
tante altos para que permittam o rapido escoa-
mento do artigo.
l\fas pagar salarios aI tos não basta que-
reI-o, nem o seu typo tem grande relação com o
que os operarios possam pedir. E' preciso ir fundoi!
penetrar nas raizes do negocio, comprehender a
idéa ultima em que elle se fundamenta.
ouvido criticar muitissimo Çl. industria
II o j e Amanhã
181
que toma o lucro como moveI supremo. l\1as nada
temos ouvido contra a que tem por moveI o salario.
E' o unico moveI industrial de importancia, umco
susceptivel de prestar os serviços maximos.
o typo dos salarios não depende do
trabalhador
A questão do salario não começa no operario
e não depende delle. Começa na mesa de trabalho
do patrão. Antes de tomar o papel para tracejar um
projecto, tem o patrão que saber o que quer. Vae
crear um artigo util ao publico ou um cuja utilida-
de unica seja constituir um mero artigo de venda?
A differença é grande
Si alguem se decide a dar algo util ao publico,
tem que planejar lentamente e com segurança, fa-
zendo ensaios até conseguir um producto bem ade-
quado. Só então possuirá uma cousa digna de ser
industrializada. O passo immediato será descobrir
a maneira de bem realizaI-a, tarefa esta que não tem
fim, pois congloba a qualidade do artigo, o preço e
os salarios. O modelo projectado - tratando-se de'
artigo de uso corrente - tem que ser tal que possa
ser feito mechanicamente. Tratando-se de artigos
de luxo é facil pagar altos salarios incorporando-os
ao preço de venda. M_as si estes pretensos artigos
de luxo forem feitos em grande escala, a preços po-
pulares, passarão para a categoria dos artigos de
utilidade corrente. Foi o que se deu com os auto-
moveis.
182
Henry
Ford
Si abordarmos a fundo o problema dos salarios,
descobriremos logo methodos de fabricação que tor-
nem vantajoso para a industria o pagamento de sa-
larios altos. Mas isso só pode ser resolvido na mesa
do patrão, investigando-se caminhos e meios de
aperfeiçoar os methodos em todas as direcções -
na compra, no fabrico, na yenda, no transporte -
de modo a reduzir-se o preço de custo e a augmen-
tar-se o salario.
O preço justo não é o que o publico possa sup-
portar. O salario justo não é a menor som ma que
um homem possa acceitar pelo seu trabalho. Preço
justo é o mais baixo por que possa vender-se um
artigç e salario justo o mais alto que a industria
possa pagar. E só uma cousa poderá conduzir a isto:
a intelligencia do industrial. Tem elle que crear
clientes e, si é fabricante de artigos de uso de con-
sumo vulgar, conduzir a industria dê modo a u ~
seus proprios operarios se torn·em seus melhores
dientes. Nós, por exemplo, contamos com 200.000
freguezes de primeira or,dem em nossa empreza: os
nossos operarias. E cada dia os adquirimos novos.
entre os operarios das industrias que nos servem.
A. cada doBar que pagamos de salario corres-
pondem dois de materiaes ou peças construidos fóra.
E' um circulo dé compra e venda que não se inter-
rompe. Pagar salarios altos produz o mesmo effeito
que lançar uma pedra num espelho d'aguas immo-
veis.
Como haver real prosperidade, si um operaria
não pode adquirir o producto que fabrica? Formam
Hoje e Amanhã
183
elles uma parte do publico da empreza. Este prin-
cipio devia ser applicado em toda a parte, porque
não é verdadeiro sómente aqui. A maior
da Europa está no desprezo desta concepção -
ninguem lá procura transformar o operario em fre-
guez do que fabrica. A Inglaterra: tanto vendeu
mercadorias para o nlercado exterior que jatnais
pensou a sério em crear o mercado interno.
Reduzindo os salarios reduzis o numero de vos-
sos compradores. Si não comparte o patrão a sua
prosperidade com os que lh'a cream, breve se acha-
rá sem freguezes. Por isso cremos que o bom nego-
cio consiste em elevar sempre os salarios, nunca
reduzil-os. Gostamos de ter muitos clientes.
Mas a compra do trabalho equivale á compra
de qualquer outra cousa: deveis receber o corres-
pondente ao vosso dinheiro. Cada vez que deixar-
des um operario dar-vos uma soturna de trabalho
inequivalente ao salario que lhe pagaes, estareis
contribuindo para reduzir esse sala rio e para tornar
a vida mais difficil ao assalariado. Não podereis,
por exemplo, fazer maior mal a um homem do que
permittir-Ihe que folgue nas horas de trabalho. A
razão é clara e devia evidenciar-se a todos: menos
um homem trabalha, menos crea força acquisitiva
- isto é, diminue o numero de pessoas que reque-
reln seus serviços.
Não pode existir um "typo de salario" geral.
Salario com base num determinado typo de v:ida
é destructivo, porque implica serem todos os ho-
mens eguaes e poderem accordar-se num certo typo
184
Henry
Ford
d-e vida: Por felicidade os homens não são eguaes· e
por felicidade ainda poucos desejam viyer hoje como
viviam o anno passado. Toda a tentativa para fixar
um "salario de vida" vale por insulto á intelligen-
cia, tanto dos patrões como dos operarios. Ignora-
mos qual seja o salario justo - e quiçá o ignorare-
mos toda- a vida; fixaI-os, porém, sem attendet. a-os
factos circumstantes, corresponde a entorpecer o
progresso. O mundo .nunca olhou a industria do
ponto de vista do "salario-causa", isto é, sob um
angulo permissor desse ponto de vista. E emquanto
não adquirirmos alguma experimencia nesta ordem
de. idéas, pouco saberemos de salarios e de sua ta-
rifa.
Sociedades laboristas
As limitações da pro.ducção impostas pelas so-
ciedades laboristas tornam-se impossiveis num ne-
gocio bem conduzido, porque não passam de repli-
cas á má direcção. Si um industrial vende seu pro-
ducto por preço demasiado alto, attento mais ao
lucro do que ao custo da producção, pagará salarios
baixos porque não sabe que qualidade de homens
necessita. Por meio de seus preços limita o seu mer-
cado e não ha razão para que seus operarios, por
seu turno, não limitem o rendimento da actividade
assalariada. Porque bem trabalhar para um patrão
·incapaz de bem dirigir seu negocio, a modo de ele-
var a paga?
Em nossa empreza vamos diminuindo constan-
Hoje e Amanhã
185
temente a relação entre o numero de operarIOS e a
unidade de rendimento. Sempre que podemos or-
ganizar o trabalho e utilizar as machinas de forma
que um homem execute hoje o que hontem occupa-
va tres, operamos a mudança - sem que os dois
homens Yagos sejam despedidos. Entre nós ninguem
pensa que as melhorias tragam no bojo diminuição
de emprego, porque todos estão yendo que não é
isso o que se dá. que estas melhorias,
diminuindo o preço de custo, contribuem para alar-
gar os escoadouros, creando assim novos empregos
e salarios inda maiores.
Prestar serviço, á luz industrial, não consiste
apenas no crear machinas e no bem utilizaI-as. E
bem dirigir é mais do que bem manejar operarios.
O segredo consiste na producção a baixo custo de
artigos optimos, feitos trabalho bem pago
e vendidos com lucro. Ninguem pode gabar-se de
dirigir a contento o seu negocio si não alcança to-
dos estes objectivos.
A theoria de que a efficiencia technica o aper-
feiçoamento dos methodos de producção occasionam
crise de trabalho é perniciosa e anda muito diffun-
dida. l\:Iuito diffundida, mesmo, porque o officio de
pregal-a aos obreiros constitue o negocio de muita
gente. Repousa na idéa de que não ha no mundo
sinão uma escassa quantidade de trabalho a reali-
zar. Os mentores profissionaes dos operarios insis-
tem no facto de que a efficiencia traz como resulta-
do menos trabalho e menos empreg0s. Dizem eUe's
186
Henry
Ford
que si dois homens bastam para fazer o que antes
requeria oito, seis ficarão sem serviço.
O absurdo deste raciocinio foi innumeras vezes
demonstrado e em parte nenhuma melhormente do
que em nossa empreza. Vejamos, para exemplo, a
que occorre na Inglaterra. A crise do trabalho in-
glez acompanha passo a passo a expansão da cam-
panha versus efficiencia. O pedreiro inglez, inte-
ressado pela sorte do seu companheiro sem traba-
lho, deixa-se facilmente convencer de que, si assen-
tar apenas a metade dos tijolos que antes assen-
tava, o patrão chamará o segundo pedreiro para
prefazer o serviço. Julga, pois, crear dois logares
onde só existia um, e julga diminuir assim os ma-
les da crise de trabalho.
Mas de facto não crea um segundo logar. Ape-
nas aggrava a crise, tornando o serviço dei alvenaria
tão caro que pouca gente poderá permittir-se a cons-
trucção de casas. Em vez de crear um posto para
seu amigo, o mais certo é perder o seu em virtude
da "crise das construcções". E embora o paiz re-
clame casas, poucas se erguerão. Poucas se ergue-
rão porque os pedreiros não assentarão os tijolos
correspondentes a um bom dia de trabalho e isso
augmenta o custo da casa. Resultado: o operaria,
que poderia morar nessa casa com os seus, não
pode pensar nisJ>o.
A obstrucção do serviço diminue as possibili-
dades. O caminho a seguir pelo pedreiro inglez, para
crear trabalho aos collegas de officio, seria realizar
tal somma de trabalho num dia que a industria da
Hoje e
Alllanhã
187
edificação resultasse economica e procurada. E como
todo o paiz necessita de mais vivendas, tambem
reclamaria mais pedreiros.
A parte do industrial
Os nossos principios teem que applicar-se á
direcção industrial. E' evidente que o pedreiro de-
veria proceder da maneira acima indicada. Mas mui-
to se fala dos deveres do operario e com isso vamo-
nos esquecendo de apontar os deveres dos patrões,
quando a verdade é que o máo operario não passa
duma consequencia logica do máo patrão, ou da
má direcção industrial. 0, operario não creou a
theoria do conseguir algo em troca de nada: apenas
copiou o que via fazer ao patrão.
Industrial que paga a seus operarios o menos
possivel e dá ao publico o menos que pode pelo ma-
ximo de dinheiro que é possivel obter, encontra-se
no mesmo caso do pedreiro que só assenta metade
dos tijolos que podia assentar.
Creem muitos fabricantes, sinceramente, que
estão pagando os salarios mais altos que o negocio
comporta. E' possivel que assim seja. Mas ninguem
sabe o que pode pagar si o não experimenta.
o salario Ford
Em 1915 elevamos o nosso salario mlntmo de
2,40 a 5 doBares diarios - e foi ahi que, podemos
dizer, realmente §e iniciou a nossa alta pro9:ucção.
188
Henry
Ford
Não só conquistamos grande numero de
como ainda passamos a descobrir tantos caminhos
de economizar que logo em seguida pudemos esta-
belecer o programma da reducção de preços .. Quan-
do alguem se empenha vivamente num trabalho,
torna-se notavel o· numero de descobertas que vae
fazendo pelo caminho. A primeira é que não se podé.
fabricar um artigo bom e barato com operarios
mal pagos. A obtenção de bons obreiros reduz logo
o preço de custo do artigo.
Nós não estabelecemos uma escala de salarios
a não ser quanto á fixação do minimo em 6 doBares,
- minimo que nos impuzemos com o fito de au-
gmentar nosso negocio pela do preço
de custo. Começamos com um minimo de 5 dollares
e mais tarde verificamos que podiam os elevaI-o a 6.
Mas não temos nenhuma norma para fixar IJ valor
de qualquer tarefa; pagamos de accordo com o va-
lor do homem, sendo que mais de 60 % dos nossos
Qperarios vencem paga superior á minima.
Estabelecemos o dia em 8 horas, não porque
seja a terça parte do dia, mas porque verificamos
que é dentro desse tempo que o operario produz
Seu melhor rendimento. Aos domingos ninguem tra-
.balhá em nossa empreza, excepto os guardas. Do
mesmo modo que o sala rio, a duração do dia de tra-
balho é questão que á gere.ncia industrial incumbe
.resolver.
Outra cousa que estabelecemos é não permittit
que nenhum operario se considere fixo numa tarefa
determinadct, de modo a não. poder trabalhar nou-
Hoje
e
A manhã
189
tra. Temos assim uma immensa reserva de homens
aptos para qualquer serviço. Em nossos registros
se inscrevem nomes de homens de todas as naciona-
lidades e de todas as profissões, desde aviadores
até zoo logos.
Collocamos os operarios novos onde mais delles
necessitamos, sem attender aos conhecimentos que
possuem. Preferimos, todavia, que trabalhem em
suas proprias profissões e para isso temos um ficha-
rio adequado.
Quando, por exemplo, abrimos os moinhos de
Dearborn, os moleiros iniciaes vieram de Highland
Park, onde se occllpavam de outro serviço. Jardi-
neiros habeis na conservação dos gralumados do
Oearborn Golf Course tambem sahiram de nossas
tabricas. Um dia necessitamos dum technico expe-
rimentado enl baixo relevo. Fomos ao fichario de
)rofissões e descobrimos um esculptor de talento a
trabalhar numa perfuradeira.
Sempre nos afastamús do "patriarchalismo ".
Não fiscalizamos os nossos hOlnens no relativo ao
emprego do que ganham. Cremos que um homeln
leye apartar reser-;as sllfficientes para enfrentar os
náos momentos e assiln ajudar-se a si proprio; nos
:asos, porém, em que a doença exgotta essas reser-
vas, fazemos emprestitnos por intermedio de uma
;ecção especial.
Em 1919 estabelecemos em Highland Park ar-
nazens para evitar que exploradores destruissem
:om a sua especulação o lucro dos nossos homens.
remos hoje pharmacias, armazens de seccos e mo-
190 Henry
FQrd
lhados, açougues, loj as de fazendas e calçado. Tam-
bem vendemos combustiyel. Ao todo dez armazens
que fazem um movimento de 10.000.000 de dollares
por anno, vendendo em media 25 7'0 tnais barato
que os outros. Só damos a conSUIllO generos de
primeira ordem, tnuitos delles provindos das nossas
propriedades. Parte do pão passa pelos nossos moi-
nhos e procede das nossas fazendas, como tambem
os legumes.
Não construímos casas, excepto em Dearborn,
onde tivemos de enfrentar os especuladores, e nas
nossas minas e florestas, que as possuiam insuf-
ficientes.
Participação de lucros
A instituição de uma certa participação de lu-
cros em beneficio do nosso pessoal apresentou nu-
merosas difficuldades. Mas organizamos um syste-
ma de certificados de deposito que parece resultar
satisfactorio. Esses certificados são titulos intrans-
feriveis de 100 dollares. Os subscriptores adquirem-
nos a prestações. Esses titulos rendem 6 %, cifra
que pode accrescer-se dum dividendo supplementar
a juizo do Conselho de Directores. Já chegaram a
ser votados supplementos de 14 % e já attinge a
22.000.000 de doBares o dinheiro neBes empregado/:,
Isto não passa de detalhes que na realidade
cousa nenhuma teem que ver com os salarios. Ne-
nhum serviço indirecto prestado ao assalariado po-
de substituir o salario. A applicação 90 "salario-
Hoje e
A manhã
191
causa" exige que se paguem os mais altos, como
unico meio de incrementar a industria por meio do
augmento da força acquisitiva do publico.
Necessariamente o trabalho de muitos homens
tem que ser pura repetição de movimentos, pois de
outro modo não se pode conseguir sem fadiga a
rapidez da manufactura que faz des<:er os preços
e possibiliza os altos salarios. Algumas das nossas
operações são excessivamente monotonas, mas tam-
bem são monotonos muitos cerebros; innumeros ho-
mens querem ganhar a vida sem ter que pensar -
e para estes a tarefa unicamente de musculo é a
boa. Possuimos em abundancia tarefas que exigem
cerebro activo - e os homens que no trabalho de
tepetiçãq se revelam de mentalidade activa não
permanecem nelle muito tempo.
Annos de observação desautorizam-nos a af-
firmar que a pratica do trabalho monotono seja
nociva á saude. Parece até que tal genero de traba-
lho é mais favoravel á saude physica e mental que
o outro. Demais, si os operarios não se comprazem
nesse trabalho pedem remoção.
Em 1913, em Highland, tinhamos, por mez,
39,9 % de remoções. E em 1915, após a elevação do
salario a 5 dollares, essa p-grcentagem cahiu para
1,4 %. Em 1919 subiu para 5,2 % descendo hoje a
2 %. Sobre os 70.000 operarios da Fordson o nu-
mero de dispensas não passa de 80 por dia, em regra
por motivo de doença ou má conducta.
Para applicar plenamente o principio do "sala-
rio-causa", a sociedade tem que aliviar-se dos im-
HJ2 Henry Ford
As grandes industrias, bem organiza-
das, não podem prestar serviço si não adoptam o
trabalho automatico, trabalho que, em yez de cons-
tituir uma ameaça para o mundo, permitte aos ve-
lhos, aos cegos, aos estropiados, uma producção
egual á dos sadios, dissipando assim os terrores
que a velhice e a doença inspiram.
Necessitamos nesta época de mais homens crea-
dores do que nunca.
E este systema é susceptivel de universalizar-
se, como veremos em outros capitulo.
Capitulo XIV
o VALOR DA FORÇA MOTRIZ
Na Armenia dez dos nossos tractores, introdu-
zidos por uma commissão de soccorro, araram 405
hectares de terreno em 11 dias. Esse trabalho teria
requerido 1.000 bois e 500 homens, de que se não
dispunham.
Em Marrocos os indigenas debulham ainda o
trigo apisoando as espigas dentro de saccos. Tres
homens prepar<;lm. assim uns dois alqueires por hora.
Uma debulhadeira movida a tractor produz 90 al-
queires por hora. Quer dizer que numa hora a ma-
china realiza o mesmo t-rabalho de 135 marroquinos.
A Russia padece de periodos de fome, apesar
de suas immensas extensões de ten-a cultivavel, por-
que a sua gente não pode, com os methodos primi-
tivos, o t e ~ uma producção tal que, além de atten-
der ás necessidades ruraes, permitta o abasteci-
tnento das cidades ou das zonas assoladas pela sec-
ca. E si nas circumstancias actuaes fosse possivel
obter toda a producção necessaria, ainda oecorreria
7· IIQJE 1'; AHANftÃ
194
Henry FOrd
um obice: não poder transportar-se. Quando os So-
viets nos pediram auxilio, aconselhamol-os a com-
prarem automoveis antes de tractores, para que pos-
suissem meios de transporte. Assim o fizeram. De-
pois levaram tr.1ctores e hoje possuem de 16 a 20.000
em actividade. Calcula-se lá que um tractor realiza
o trabalho de 100 bois e 50 homens. A economia é
maior ainda do que parece, porque só o sustento
dos bois consumiria boa parte da colheita. Não foi
difficil ensinar aos camponios o manejadas machi-
nas, e o joven camponio russo sente hoje uma ver-
dadeira veneração romantica por ellas.
As provas officiaes do tractor verificadas na In-
glaterra. mostram que, levados em conta todos os
elementos, sae o aramento com elle por metade do
que sahia com cavallos.
A miseria do trabalho manual
Que significa isto? Os camponezes de muitas
partes da Europa e do Oriente são mais pobres do
que é possivel imaginar-se. Nossos mais miseraveis
mendigos - até nossos vagabundos, pobres de pro-
fissão - gosam mais_ dos bens do mundo que a
mór parte desses camponios. Ainda os que em nossO
paiz não querem ou não sabem trabalhar, não são
tão pobres como o camponio europeu ou o coolie
asiatico.
A causa disto está em que usamos uma tão
grande somma de força motriz que até o mais in-
dolente americano se beneficia com os seus effei-
Hoje e
Amanhá 195
tos. E note-se que apenas empregamos uma parte
da energia que deviamos empregar - e com enor-
me desperdicio.
Uma cousa sobresahe logo: que em nosso paiz
utiliza-se de muito mais força motriz por indivi-
duo do que em qualquer outro paiz, e ainda que
em nossas fabricas o seu emprego é tambem "muito
maIS extenso do que em qualquer outro paiz.
A força do transporte
A tudo, porém, sobreleva o facto de empregar-
mos muitissimo mais força no transporte do que
na fabricação. Podemos avaliar a energia emprega-
da na industria em 50.000.000 de cavallos, emquanto
que só a nossa empreza, até o dia 1.0 de Dezembro
de 1925, havia dotado o transporte com 292.007.030
ca\"allos. Claro que nem todos os vehiculos em
computo neste total estão em funccionamento, mas
80 % o estarão e os teremos de accrescentar á força
motriz produzida por todos oS demais carros de
outros fabricantes e pelas estradas de ferro.
O effeito produzido pelo transporte rapido e
barato é profundo. Não faz muito tempo um ho-
mem de recursos medianos vivia até morrer sem
arredar-se cem tnilhas do lagar do· nascimento. Seu
modo de vida differençava-se muito pouco do de
seu pae e talvez do de seus avós - o que aliás ainda
occorre em quasi todo o resto do mundo. Na Ame-
rica já não é assim. A' frente de todas as grandes
fabricas podem ver-se dezenas de carros perten-
196 Henry
Ford
centes a operarios, cujas chapas revelaul procede-
rem de meia duzia de estados diyersos. Ninguem
jamais negou que a melhor instrucção é a obtida por
meio de viagens - mas outróra viajar não passava
pe um privilegio de ricaços. Hoj e todo o mundo
viaja. As fronteiras dos nossos estados nada signi-
ficam; não poderia rebentar uma guerra entre elles
porque não os temos enclausurados, ou de interes-
ses oppostos. Nossa Guerra Civil não poderia repe-
tir-se. Si a Europa tivesse transportes baratos e
commodos, as actuaes barreiras entre os paizes des-
appareceriam com rapidez, tão intoleraveis se tor-
nariam.
Não é de estranhar pois que o transporte haja
transformado o nosso paiz. As vias ferreas cons-
truir:am-no, creando a locomoção barata e commo-.
da; mas ao automovel ficou reservada a obra de
destruição de todas as barreiras, já que não depende
de trilhos e se insinua por toda a parte. Foram-se
as regiões isoladas. Não mais possuimos estados
ou cidades fóra de ligação com o mundo, excepto
nalgum ponto das montanhas; o nUlnero das crea-
turas isoladas é zero em comparação do demo-
graphico. Assim tambem as necessidades do povo
crescem incessantemente e o typo geral da vida se
vem elevando ultimos 15 annos com mais rapi--
dez que em todo o nosso passado.
Consiste a civilização num alto standard de vi-
da? Ignoramol-o. Mas cremos que a civilização
expressa pelo bem estar material constitue base do
bem estar intellectual, visto que sem
Hoje e
Amanhã
197
econornica não pode existir independencia intelle-
ctuaL Si um homem gasta 12 horas para 'ganhar o
'pão de cada dia, não lhe sobrará muito tempo para
pensar com lucidez.
E' natural e justo que esta nova era em que
estamos entrando se distinga pela inversão no trans-
porte de grande parte de nossas reservas de ener-
gia. O automovel não vale por si mesmo; vale como
meio de tirar partido da energia.
Nossa civilização, pois, tal corno a temos, re-
pousa na energia barata.
o emprego da energia
O paiz começou empregando a energia hydrau-
lica mas só aproveitava pequenas quantidades, isto
é, as captaveis por meio da roda d'agua, appare1ho
de minimo rendimento. Mas. logo abandonou essa
energia, com a entrada em scena do vapor, passan-
do a utilizar-se do carvão. Hoje, com a facilidade
barata e commoda do ,transporte de energia sob for-
ma de electricidade, podemos manejar qualquer
quantidade de força hydraulica com todas as van-
tagens da producção avultada e rendosa. Aprende-
mos que o carvão não só .pode queimar-se para pro-
duzir calor como ainda é um corpo chimico muito
valioso, não passando o calor ele méro sub-produ-
cto. A sua energia calorica empregamol-a para pro-
duzir vapor que ~ r meio de turbinas se transforma
em energia electrica. Temos, além disso, o motor
198 Henry
Ford
de combustão interna, 'para. bleos volateis, e o Die-
sel, para oleos densos.
Possuimos mais fontes de energia do que nun-
ca e estam,os procurando outras. Sempre mais, mais
energia.
Disvirtuação politica
As dispendiosas e pequenas usinas de energia
de utilidade publica estão cedendo o passo ás gran-
des, centraes. Começamos a ver que é anti-social o
conceito politico e financeiro que nos orientava em
materia de energia. Nossas commissões publicas,
com a sua regulatnentação de preços, o que fazem
é favorecer as potencias financeiras, que s6 veem
nas usinas de força motriz para emissão
de titulos. Emittem-nos e embolsam os lucros, não
servindo ao publico, mas aproveitando-se dos pri-
vilegios ou monopolios consequentes á regulamen-
tação do estado. Nós, o povo, pagamos impostos
para sustentar commissões cuja unica missão é im-
pedir que a má direcção dê seus resultados logicos
nas emprezas de utilidade publica, isto é, arruine-
as. E' mais um de como os reformadores
mais informados tornam-se joguetes dos financei-
roS astutos. Taes commissões surgem a pedido dos
reformadores, afim de salvar o povo das cargas
excessivas impostas pelas corporações de utilidade
publica. Mas o povo deixar-se-ia esmagar pela car-
ga? O povo reforma uma corporação mal dirigida'
de um modo m'uito simples; não comprando os seus
Hoje e
Amanhã
19!)
productos. Mas as commissões, nomeadas para sal-
var o publico, apenas salvam as corporações.
Temos, pois, um estado de cousas em que a
corporação de serviço publico se garante, indepen-
dente de melhorar seu organismo director. Isto vae
contra os interesses do publico, porque não, mette a
má empreza no dilemma; ou be"iTI servir ou desap-
parecer.
O intereslte publico exige que as corporações
nadem como devem nadar, ou naufraguem. Para
que este preoccupar-se com a oppressão ao publico,
si o facto de prestar-lhe máo s n ~ i ç o destroe mais
rapidamente a má empreza do que o faria a lei?
Felizmente os homens começam a comprehender
que os verdadeiros lucros da producção de energia
se hão de ganhar dando-a ao publico ao preço mais
barato e ao modo mais conveniente. Taes lucros, ao
lado dos obtidos por meio de manobras financeiras,
mostram que miseria são estes.
Funcção da machina
A fonte da ciYilização material reside no des-
dobramento da energia. Si a temos á mão, nada
menos difficil do que encontrar-lhe emprego. Um
dos meios de applicar a energia é a machina, e as-
sim como é frequente considerar o automovel em
si mesmo, e não como lneio de utilizar energia, o
mesmo se dá com a machina em geral.
F 1
"d'" h· "E d .
a a-se em era a mac lna. ra a energia,
sim, deviamos dizer, pois a impoctancia do nosso
200
Henry Ford
tempo está na sua capacidade de augmentar e bara-
tear a producção de modo que todos possamos gô-
sar dos bens do mundo. O caminho p r ~ a liber-
dade é o caminho das possibilidades para todos. E'
o meio de substituir phrases vazias por solidas rea-
lidades. A machina não passa de um mero inciden-
te. O seu papel resume-se em libertar o homem do
trabalho penoso. Liberta ella assim a energia hu-
mana, que pode então desenvolver seus recursos
intellectuaes e espirituaes, lançar-se á conquista das
mais elevadas regiões do pensamento e realizar as
cousas mais nobres. A machina é osymbolo da
dominação da natureza pelo homem.
Basta viajarmos um bocado pelo mundo para
verificarmos que a escravidão reina por toda a parte
onde a machina não penetrou. Vemos homens e
mulheres carregando ao hombro agua, madeira e
pedras. Vemos artezãos mourejando longas horas
para conseguirem res41tados minimos. Verificamos
a desproporção tragica entre o extenuante labor. do
camponio e a magra colheita que seu esforço arran-
ca da terra. Contemplamos horizontes incriyelmen-
te limitados, niveis de existencia mais baixos que

o dos animaês, uma pobreza a frizar com o tragico.
Tal é a condição dos povos que não aprenderam os
segredos da energia e o methodo que nos permitte
utilizaI-a: a machina.
A machina liberta
Para libertar-se e poder dar-se a objecti';os
mais nobres, o home111 escravizou animaes e ensi-
11 o j e e
Amanhã
201
nou-Ihes a transportar fardos. A junta de bois e o
ca\-allo representam o dominio da força bruta pela
intelligencia do homem. A vela dos barcos paz fim
á escrayidão dos homens de remo. O uso do cavallo
veloz veio em consequencia de uma confusa per-
cepção do_ valor do tempo.
Aggravou o homem, deste modo, sua servidão
ou cresceu em liberdade?
E' certo que muitas vezes tem sido empregada
a machina para explorar os homens, não beneficial-
os. Mas a sociedade jamais acceitou isto como justo.
Sempre o combateu e, á medida que se alargava o
uso da machina, nunca cessou a sociedade de emba-
raçar o seu uso abusiyo. O emprego normal e justo
da machina torna o seu abuso desvantajoso e final-
mente impossivel.
As nossas uSinas de energia
E' esta a nossa idéa da importancia q.a machina,
atrás da qual se encontra a energia, especialmente
a hydroelectrica. Nossa empreza já possue nove
usinas de força, duas dellas do goyerno - arrenda-
das em estado de barragens apenas, para que se
não perdesse o trabalho começado. Neste momento
allgmentamps nossa usina do rio Rouge, cujo ren-
dimento attingirá logo a 500.000 cavallos.
Adquirimos minas de q;l.rvão para que se não
'interrompa, acaso, o nosso abastecimento deste com-
bustivel, como succedeu em 1922; tivemos de fe-
char as portas por varios dias, deixando sem traba-
202
Henry
Ford
lho centenas de milhares de homens, porque os che-
fes mineiros e os chefes patronaes não se punham
de accordo sobre salarios e condições de trabalho.
Muscle Shoals
As represas que nos arrendou o governo en-
contram-se uma em Saint-Paul e outra em Green
Island, como yimos em capitulo anterior. Tambem
fizemos offerta relativa á grande installação de
Muscle Shoals, sem que o congresso deliberasse so-
bre o caso. Trata-se de uma grande unidade de
energia hydraulica capaz de desenvolver varias cen-
tenas de milhares de cavallos-vapor, construida pelo
estado durante a guerra, com o fim de fixar o nitro-
genio atmospherico. Não foi conc1usa a installação,
que representa o empate de enorme somma de di-
nheiro e, o que é mais, paralysação de força poten-
cial numa região do paiz que muito necessita della.
Em Minha Vida revelamos nossas intenções a res-
peito; mas posteriormente retiramos a offerta, em
vista de razões expostas numa interview do Collier's
Weekly: Ha mais de dois annos fizemos uma das
melhores offertas, a melhor que nos era possivel
fazer. Nenhum andamento lhe foi dado. Um sim-
ples n.egocio economico, dos que se decidem numa
semana, transformou-se num complicado negocio
politico. Mas nós não somos politicos, nen1 tencio-
namos vir a seI-o.
Interessava-nos n1uito, e ainda nos interessa,
a usina de ::'1 usc1e Shoals, porque a considêramos
Hoj e e Amanhã
203
um valor nacional que diz respeito a todos nós COUlO
cidadãos deste paiz. Tenho duas idéas sobre ::-'lusc1e
Shoals: fazel-a funccionar como unidade industrial
complexa, ou como usina de nitratos fertilizantes.
"'\ fabricação de nitratos não occuparia desde logo
toda a força - que seria utilizada, no restante, para
outros fins. Antes de tudo, porém, a nação deye
olhar zelosamente para tal usina corno uma das suas
fontes defensivas mais importantes, -visto como em
caso de guerra de lá é que sahirão os explosivos. E'
vergonhoso, pois, que se tenha tornado o seu caso
um joguete da politica. O melhor modo de mantel-a
como fonte de energia defensiya é fazel-a funccio-
nar como unidade industrial na paz. Seu uso ade-
quado daria ao Sul o impulso e as facilidades de
que elle necessita.
As nossas hulheiras
Temos, ao todo, 16 minas, sitas no Kentucky
e na Virginia Occidental. Quando, ha annos, adqui-
rimos a primeira, fizemol-o certos de que iamos
penetrar numa industria desconhecida para nós e
que se achava sob a influencia dos syndicatos, lon-
ge, portanto, dos verdadeiros principios industriaes.
Além disso, industria das mais atrazadas. O pro-
blema que enfrentamos consistia em pagar aos nli-
neiros o nosso salario geral, asseguranqo-lhes servi-
ço o anno inteiro e tratando com elles directamente,
não por meio dos seus representantes.
Antes de mais nada limpamos as minas e os
l l ~ l l " l
F o l' ri
arredores; nunca VImos razão para a sujeira. As
casas que não mereciam restauração substituimol-
as por boas casas novas, dotadas de quarto de ba-
nho. Acabamos com as ruelas mal calçadas ~ es-
curas, illuminamol-as e construimos um estabeleci-
mento de recreio. Em summa, tudo fizemos para
transformar os tristes logarejos em pequenas cida-
des confortaveis. Depois estabelecemos o nosso re-
gimen de altos salarios, donde resultou passarem
os nossos mineiros a ganhar o dobro dos seus colle-
gas. Esses homens entraram a revelar-se excellen-
tes creaturas, pois só necessitavam que se lhes
désse opportunidade de o serem. Alargou-se-Ihes a
visão, ampliou-se-Ihes o conceito da vida. Só. em um
dos nossos acampamentos mineiros já ha 200 pos-
suidores de automoveis.
Durante os mezes de verão expedimos hulha
pelos lagos para o abastecimento do Noroeste. Isto
nos ajuda a manter permanente o trabalho das mi-
nas durante todo o anno. A reducção de pessoal por
causa da exigencia das estações faz-.se minima, sem
que dispensemos um só homem ou baixemos os
salarios. Aos retirados da mineração pomos a lim-
par os arredores das jazidas e os povoados; a outros
mandamos á Fordson, onde ficam até que a mina
os reclame de novo.
Uma das calamidades desta, como de outras
industrias, é o operario -ver-se a braços com o des-
emprego temporario, por falta de serdço da sua
profissão. Entre nós nenhum homem adstinge-se a
um :só officid; são mobiliza-veis para qualquer OU-
II o j e e
Amanhã
205
tro, inda que nunca tenham ouvido falàr delle. Não
é conveniente para o paiz ter homens que se consi-
derem a si mesmos só como nlechanicos, machinis-
tas ou mineiros. Ninguem perde em possuir varias
cordas em seu arco. Tencionamos crear industrias
perto das minas para ter á mão empregos intercam-
biaveis e o certo é acabarmos produzindo nas mi-
nas uma grande parte da nossa força motriz.
O carvão nos custa menos que no mercado,
embora não tenhamos feito grande cousa para or-
ganizar novos methodos de trabalho. Com frequen-
cia poderiamos comprar carvão depreciado; mas não
queremos ganhar com o pre]UIZO alheio; não somos
uma empreza de especulação.
o que fazem.os do carvão
N o emprego da hulha na Fords0n 'temos todas
as vantagens da grande industria, pois podemos
tratar o carvão como corpo chimico, empregar em
nossa industria seus derivados e queimar o resto
como combustivel. Esta distillação nos permitte re-
duzir a hulha, que nos chega á fabrica por 5 clolla-
res, a um preço de custo muito mais baixo.
Depois de longas experiencias nos convence-
mos de que o modo mais economico de· empregar
o vapor é a turbina e hoje temos na Forclson oito
de 62.000 cavallos. Algumas já estão funccionando
e a todas construímos nós mesmos com caracterís-
ticas especiaes. Uma dellas está no gerador, menor
de uma terço que os correntes da mesma capacída-
206
Henry
Ford
de e com mIca. Produz urna corrente de
13.000 volts.
Cada urna destas unidades produz tanta ener-
gia corno toda a usina de HighIand Park.
O equipamento das caldeiras se compõe de oito
unidades, com fornalhas de bocca dupla, para car-
vão em pó e gaz provindo dos altos fornos. O gaz
que entra pelo fundo, e o carvão em pó que entra
sete metros acima, de tal modo
que attingem a temperatura maxima antes de al-
cançarem os tubos ela caldeira. Depois circulam os
gazes atravez dos caloriferos superiores até a super-
ficie da caldeira e passam ás chaminés de escapa-
mento. Sem 4 embargo, muito pouco fumo sae pelas
chaminés, tão completa se faz a combustão. Com
este processo não só se produz um calor tnaximo,
como ainda a media do calor que se transfere para
a agua é de. 90 %. Outra economia obtida é a sup-
pressão de cinzas e escorias, que tanto abundam
com o emprego do carvão bruto.
Quando se expoem as caldeiras a tão alta tem-
peratura, as paredes das fornalhas cos·tumam gre-
tar-se, o que accresce o custo da sua conservação.
Para evitar isto, em parte, suspendemos as caldei-
ras a um arcabouço de aço, em vez de apoiaI-as em
base de ciJnento.
O uso de combustiveis que assim se combinam
na combustão, junto á pratica de alimentar as cal-
deiras com "apor condensado (com addição de agua
distillada para compensar as perdas), permitte o
:;?eu funcçionamento continuo, noite e dia, durante
Hoje e
Amanhâ
207
6 mezes ou um anno, em vez da parada habitual de
2 em 2 mezes.
As unicas ferramentas empregadas na secção
das caldeiras consistem num rôdo, num atiçador e
numa pá. l\Ias são nickelados e se guardam numa
redoma de vidro. Todo o interior do departamento
está pintado de cinzento escuro ou esmaltado, e os
operarias usam e gorros brancos. Cada
homem attende a 4 fornalhas, limitando-se a regu-
lar a entrada do gaz e do carvão, de modo a manter
nas caldeiras uma pressão constante.
Turbinas de vapor
o vapor gerado penetra nas turbinas, á pressão
de 105 K. por 6 centimetros quadrados, numa tem-
peratura de 600° F. Dirige-se contra certo numero
de paletas de aço, dispostas em leque de circulo
completo. E como a corrente de ar regyra um ven-
tilador, assim o vapor acciona o rotor da primeira
turbina. Si se deixasse o vapor tocar immediata-
mente as paletas do rotor seguinte, tenderia elle a
fazel-o rodar para trás; para evitar isto passa por
um dispositivo interferente que lhe muda a direc-
ção. O vapor caminha assim em zig-zag, accionan-
do successivamente 19 rotores. O trajecto comporta
15 phases de expansão progressiva com a conse-
quente quéda da pressão. Para utilizar o vapor ex-
pandido as paletas de cada rotor vão-se ampliando
do primeiro ao ultimo. As do ultimo medem 26 pol-
208
Henry
Ford
legadas de comprimento e as do primeiro 3 112
apenas.
Como este systema de empregar o carvão é
muito t11.ais "efficaz que qualquer outro, estamos
abandonando a nossa usina de energia de Highland
- que era o nosso orgulho - e tambem aperfei-
çoando grandemente a Fordson, que nos parecia, ao
construil-a, hontem, inaperfeiçoayel. Talvez numa
decada já estará antiquada - e então a sacrificare-
mos tambem!
Hoj e só precisamos de 500.000 cavallos para
os usos da Fordson e da Highland; porém breve
toda a nossa energia será necessaria a ambas as
fabricas, aos fornos electricos e ás estradas de ferro
que estamos electrificando.
Aproveitamento do carvão
o seu baixo custo mostra a relação que pode
ter uma industria COIU a região onde funcciona. Em
qualquer grande centro fabril é possivel que a hulha
empregada nas fabricas possa tambem utilizar-se
para o uso domestico. Quer dizer que cada pedaço
de carvão pode ser utilizado duas vezes, uma na fa-
brica, outra nos lares. Um vagão de hulha chegado
a uma fabrica poderá ser utilizado para todas as
suas necessidades; os corpos chimicos, gazes, alca-
trão, etc., podem ser extrahidos e o coke restante
pode ser entregue ao consumo domestico.
E' cousa que já realizamos. Durante varios in-
H oj e
e A manhã 209
vernos demonstramos que não só é possivel usar o
carvão duas vezes, como ainda vender o coke a
preço muito inferior ao usual. Si todas as grandes
usinas assim o fizessem, obteriam maiores lucros e
supprimiriam um desperdicio. Que precioso; ele-
mentos durante tantos annos se consumiram nas
grelhas das fornalhas e desappareceram em fumo!
As usinas modernas não só economizam os elemen-
tos da hulha, e com elles enriquecem outros cam-
pos de actividade, como deixam entrever novos ho-
rizontes. Pois taes usinas são susceptiveis de se tor-
narem verdadeiras instituições de utilidade publica.
O excesso de gaz produzido poderá ser posto á dis-
posição da communidade. Do mesmo modo, adubos
chimicos provenientes do carvão podem ser utili-
zados pela agricultura.
E isto incide grandemente no problema dos
transportes. A' medida de uma melhor e mais in-
tensa utilização da materia prima, cresce o empre-
go da energia electrica. Hoje vemol-a nas cidades,
a illuminal-as e a attender ao problema do trans-
porte e das commllnicações. São grandes serviços,
além dos prestados nas fabricas. As multidões ope-
rarias vão e veem do trabalho em tramways electri-
coso ,Quando estão nas officinas, a corrente é sobre-
tudo intensa nos cabos que trazem energia á fabri-
ca. Quando veem para o serviço ou saem delle, é nos
cabos das vias de transporte que a corrente se in-
tensifica. Quando os homens não estão na fabrica,
estão nos tramways, nos trens, nos carros. Nada
mais simples para essas usinas, antes e depois das
210 Henry
Ford
horas de trabalho, do que applicar sua energia mo-
triz ás necessidades do transporte.
Isto são s!.lggestões que fazemos de passagem,
todas possiveis e muitas já em applicação, tenden-
tes a ligar a industria ao serviço da communidade.
Nossas grandes fabricas possuem nas suas fon-
tes de energia um modo de alçarem-se ao nivel das
instituições publicas no mais amplo sentido.
Utilizar a energia á maneira duma cadeia signi-
fica barateal-a ao extremo, e o emprego intelligente
da energia barata equivale a grande serviço publico
e a grande prosperidade.
E tudo isto poderá ser obtido com o que hoje
se desperdiça!
Capitulo XV
EDUCAR PARA A VIDA
Certa vez um persa appareceu de visita á nossa
escola industrial. Sua cultura era notavel. Tinha to-
mado varios gráos em escolas superiores da Ame-
rica e da Europa, dominava muitos idiomas e vinha
de concluir um curso de estudos especiaes numa
das nossas universidades. Não se illustrava por mé-
ro capricho, e sim no intuito de beneficiar aos seus
concidadãos, tendo vindo de visita ás nossas fabri-
cas antes do regresso á patria ao. saber que nellas
trabalhavam muitos persas. Ao terminar a visita,
disse elle aó nosso director, -tristemente:
- Minha educação começou com palavras e
terminou com palavras e ao voltar á Persia nada
levo que possa offerecer ao meu povo.
Tinha razão. Educara-se á margem da vida.
Aprendera o conteúdo de certo numero de livros.
mas não aprendera como melhorar as condições de
vida do seu povo. Nem siquer sabia como ganhar
I?ua propria vida, a não ser ensinando a outros as
212
Henry
Fo rd
palavras que havia aprendido. Pouco mais poderia
fazer do que um phonographo, cuja manutenção,
aliás, custaria muito menos que a delle. Não obstan-
te, submettera-se a exames e fôra qualificado como
instruido. Instruido para o que? Era a pergunta
que a si mesmo se fazia.
Educação utilitaria
Somos nós partidarios do que se pode chamar
educação utilitaria, mas não do que existe com essé
nOlne. Cremos que antes de mais nada um homem
deve habilitar-se para ganhar a vida, e que toda a
educação que não tenda a isso é inutil. Tambem
cremos que a verdadeira educação levará o homem
ao trabalho, em vez de o afastar delle - e lhe faci-
litará os meios de conquistar uma vida melhor para
si e mais util aos outros. O que costuma passar por
educação utilitaria não vae além duma instrucção
fragmentada em retalhos de todo inuteis.
Si educamos um menino para que espere lhe
cáiam do céo as coisas; si lhe conformamos o es-
pirito para que considere a vida qual um benevolo
systema providencial; si o preparamos afim de que
peça favores aos demais em vez de recorrer ás suas
proprias forças, para a creação do que necessite;
nesse caso o que semeamos não passa de sementes
de servilismo - a intelligencia se deforma e a
vontade se atrophia.
Resaltamos isto porque é cousa muito com-
mum. Sem intenção, talvez, amimamos uma educa-
Hoje
e A ln a II hã 213
ção debil, com hase no providencialismo da vida.
Admitto uma Providencia que, de um plano invi-
sivel, presta o seu apoio aos esforços sinceros do
homem. A experiencia homana parece demopstrar
isto. O esforço do homem parece ás vezes advir de
uma corrente superior de energia, que age nos mo-
mentos criticos para completar uma obra ou dar um
torneio favoravel a circumstancias na apparencia
desfavoraveis. A exper,iencia humana parece não
deixar duvida a este respeito.
Mas esta Providencia não é uma serviçal do
fraco - ajuda apenas aos que dão de si o esforço
maximo. Os homens desta tempera poderão parecer
debeis por um momento - nunca o serão por natu"
reza; parecel-<,?-ão por inverterem toda a sua força
numa causa ou tarefa. Essa força abstracta, pois.
que empunha os fios ultimos e dá o toque final;
essa Providencia, como dizem os homens, só vem
em auxilio dos fortes que, havendo prodigalizado
toda a sua força, se sentem exgottados num certo
momento. D'ahi o velho a d a g i ~ Ajuda-te que Deus
te ajudará.
Consideramos nós como parte do nosso dever
industrial - isto é, parte do serviço que mantem.
o salario-cansa - ajudar as creaturD s a ajudarem-
se a si mesmas. E temos como forma particular-
mente mesquinha de auto glorificação, isso que se
denomina caridade - pois em vez de ajudar, depri-
me. O doador de esmolas recebe a barata satisfação
de ser tido como bondoso e generoso, cousa inoffen-
siva em si. caSO não inutilizasse a quem recebe a
214
Henry
FOrd
esmola. Creatura que de alguem recebe algo em tro ..
ca de nada, passa a esperar isso de todos.
A caridade crea parasitas, e não ha differença
nenhuma entre o zangão rico e o zangão pobre. Am-
bos constituem sobrecargas da producção. Será ne-
cessario toda uma geração para apagar nos povos
europeus os effeitos causados pelos donativos.
Por esse motivo jamais pensamos em fundar
uma universidade, ou nenhuma o"utra cousa que se
aparte do que conhecenlos a fundo. Dedicamo-nos,
em vez, a instruir rapazes e homens feitos na pra-
tica e nas idéas da nossa propria industria, crentes
de que por esta forma prestamos um serdço maior.
A respeito da materia possuimos planos bastante
vastos, embora ainda não amadurecidos. Parece-
nos problema muito serio saber o que fazer desses
esplendidos anirnaezinhos, já responsaveis, que são
os meninos de 16 a 20 annos.
N osso primeiro esforço foi no sentido de· ajudar
aos rapazes que não tinham possibilidades de aju-
darem-se a si proprios. Na ".lVlinha Vida" tratei do
assumpto com mais amplitude. Creamos a Escola
Industrial Henry Ford em Outubro de 1916 e ad-
mittimos orphãos, filhos de viuvas e quantos não
tiveram ensejo de adquirir uma profissão. Planeja-
mos uma escola que não somente se bastasse a si
mesma, -como ainda prqporcionasse aos alumnos
meios de ganhar, dentro della, o mesmo ou mais
do que em qualquer emprego fóra.
J1 o j e
e Amanhã
215
As escolas Ford
Temos hoje nessa escola 720 rapazes, 50 or-
phãos de mãe e pae, 300 só de pae, 170 filhos de
empregados nossos e 200 de outras categorias. Já
graduamos 400, a mór parte dos quaes se colloca-
ram em nossa empreza. A principio recebem os ra-
pazes uma bolsa de 7,20 dollares por semana, quan-
tia que se eleva até 18 dollares - e ainda teem elles
direito a uma refeição diaria e 2 dollares por mez,
como reserva a num banco. A bolsa me-
dia é de 12 dollares por semana, inclusive as ferias,
que são de 4 semanas.
Outorgamos essa bolsa aos rapazes afim de que
possam prover ao sustento de suas mães em quanto
cursam a esco"ra. A lista dos que esperam vaga as-
cende hoje a 5.000. Desde o inicio a escola se diri-
giu mediante tres principios: 1.0) conservar os ra-
pazes conlO rapazes, não os transformando prema-
turamente em operarios; 2.°) educação academica
conduzida pari-passu da educação industrial; 3.°)
inoculação no rapaz do senso da responsabilidade,
tazendo-o trabalhar em artigos de utilidade. Nada
se faz por fazer, apenas.
A instrucção se divide em duas partes: uma
semana nas classes, outra nas officinas. As classes
se entrelaçam. tão intimamente ao trabalho pratico,
que os estudantes podem dominar um thema em
muito menos tempo que em qualquer outra casa de
ensino. A fabrica de Highland Park constitue o
livro de texto e o laboratorio da nossa escola. As
216
Henry
noções de mathematicas se conYertelTI em proble-
mas concretos nas officinas. A geographia se liga
estreitamente ás actividades da exportação e as clas-
ses de metallurgia possuem todos os elementos,
desde altos fornos até secções de tratamento a quen-
te dos metaes, para observações e estudos relacio-
nados aos das classes. O curso academico compre-
hende inglez, desenho mechanico, mathematicas,
inclusive trigonometria, physica, chimica, metallur-
gia e metallographia. O curso ind1J.strial compre-
hende a applicação pratica dos principios aprendi-
dos nas ,bem como um estudo completo de
cada typo de machina empregada no fabrico de fer-
ramentas.
Os rapazes produzem algumas p.eças do carro
Ford e grande variedade de ferramentas, bem como'
delicados instrumentos de precisão. A maior parte
dos motores isolados, vistos nas nossas salas de
vendas, são feitos por esses rapazes com peças re-
geitadas.
Todo o trabalho executado na escola é adqui-
rido pela nossa empreza, quando a inspecção o ap-
prova. Isto faz que a escola se mantenha por si mes-
ma, além de que accentua nos alumnos o senso da
respQnsabilidade.
Como o rapaz normal prefere brincar a traba-
lhar f)U estudar, e.stimülamos os sports e a
tica, conjunctamente o estudo. Durante as se-
manas de classe passam elles tuna hora por dia no
campo de gymnastica sob instrucção competente.
A escola tem suas equipes de futebol, base-ball,
Hoje
e L1 n1. a n hã 217
baske-tball, ·de efficiencia reconhecida entre os con-
currentes locaes. O grande salão de recreio fica á
disposição dos alumnos cada sabbado.
Quando um rapaz se gradúa, aos 18 annos, está
apto ao desempenho duma profissão bem paga, por
meio da qual pode obter o dinheiro· sufficiente para
continuar sua educação, si o deseja. Em caso inver-
so, já se acha detentor de conhecimentos sufficien-
,tes para dirigir um serviço em qualquer parte, ou
na nossa empreza. E embora tenham por interme-
dio da escola adquirido os seus co'hheci111entos, con-
junctamente com a sua subsistencia, nf:.:) ficam, de-
pois do gráo, obrigados para com a empreza, si bem
que em regra nella permaneçam espontaneamente.
Para nossa escola não se seleccionam _os rapa-
zes porque sejanl habeis ou promissores. Escolhem-
se os necessitados de dinheiro e opportunidadel'f, e
sem o concurso della muitos naufragariam na vida.
O que se graduou com mais edade tinha 25 annos
e varios delles já estão se destacando. Um é hoje
càpataz. Outros se acham como ajudantes dos che-
fes de serviço, com chanças de rapido accesso.' Os
que andam nas machinas e nas offiçinas trabalham
tão bem que breve subirão de posto. O facto mais
significativo, entretanto, é o prazer com que os
capatazes recebem os jovens graduados da nossa
escola.
Não admittimos nella rapazes
defeituosos, embora haje excepções. Lembro-me de
dois, ankilosádos por paralysia infantil. Uma vez
admittidos, recebem todos os nossos cuidados. Ce r-
218 H en ry
Ford
to rapaz, por exemplo, foi atropelado por um auto-
movel, adyindo-lhe disso tuberculose ossea -no joe-
lho. Soffreu varias operações e esteve no hospital
Ford cerca de um anno - mas não por caridade.
Foi debitado pelo tratamento e o pagará um dia.
Tambem tiyemos um rapaz sino-phillipino que fu-
gira de casa e depois de atrayessar o Pacifico foi
bater em Detroit, onde o recolheu a policia. Tinha
ouvido falar das nossas industrias e quiz trabalhar
nellas. Era um caso excepcional e o admittimos.
Revelou-se máo estudante e breve enfermou. En-
viamol-o ao hospital onde fez uma conta de 75 dol-
lares. Estas contas não as deduzimos da paga dos
estudantes a não ser que o peçam. I\1as o phillipino
quiz pa$ar sua conta. Amortizou-a semanalmente,
e quandó' concluiu o pagamento tinha-se de tal mo-
do habituado a economizar que todas as semanas
fazia um deposito no tmnco. Era um yagabundo
que por fim abandonou a escola - mas a esse tem-
po já possuia no banco 540 doBares, tendo chegado
a Detroit com 75 cents.
Ha quatro annos que os graduados ganham em
media de 8 a 9 dollares diarios, ou sejam 2.500 por
anno - quantia que me parece um soldo maior que
o que vencem o commum dos graduados pelos ou-
tros collegios. Se attenderamos a outros motivos
escolheríamos os rapazes de modo diverso, mas o
que desejamos é ajudar os mais necessitados.
H aj e e
Amanhã
219
Escola de aprendizagem
Muitos dos nossos graduados passam para a
outra escola - a de aprendizagem, cuja impor-
. tancia cresce dia a dia. A empreza tem necessidade
vital de habeis constructores de ferramentas. Nos-
sa machinaria acha-se disposta de modo que a mór
parte das operações se possam aprender em menos
de um dia; mas para bem conservai-as, e ainda para
construir machinas novas, temos necessidade de
bons mechanicos. Em virtude i s ~ o abrimos essa
nova escola afim de preparar homens de 18 a 30
annos para essa especialidade technica. O curso
dura tres annos e está aberto a qualquer operaria
menor de 30 annos. Essa escola tambem se sus-
tenta á custa propria. Os aprendizes passam 8
horas por dia nas salas de ferramentas, guiados pelo
capataz e um instructor especial. Recebem ainda
todas as semanas lições de mathematicas e dese-
nho. Ao escrever estas linhas existem nessa escola
1.700 inscriptos, recebendo de 6 a 7 dollares e 60
por dia - dinheiro que ganham plenamente.
Toda esta educação pode classificar-se como
utilitaria e tem que sei-o - mas não impede a ne-
nhum alumno de aperfeiçoar-se. Muitos, é natural,
contentam-se com o curso da nossa escola. Outros,
e em grande numero, proseguem seus estudos nas
escolas nocturnas. E tantos pedidos tivemos de re-
moção de homens do trabalho nocturno para o diur-
no, de modo que pudesselll os postulantes cursar
taes escolas, que fomos obrigados a estabelecer co-
220
Helll'Y
FQrd
mo regra não fazer taes remoções. Parece-nos in-
justo forçar a trabalharem de noite muitos homens
só porque a outros convem trabalhar de dia.
A escola de serviço
A terceira secção do nusso curso educativo é a
Escola de Serviço, cujo fim é, em parte, preparar
estudantes estrangeiros par<! o serviço nas nossas
succursaes, e em parte diffundir a idéa dos nossos
methodos de producção. Não possuimos segredos
industriaes. Si algo fazemos que outro fabricante
possa aproveitar, nosso desejo é que o faça. Temos
esta politica na conta de um dever.
Desejariamos crear em todos os paizes grupos
de oper"arios perfeitamente conhecedores dos moder-
nos transportes e da força motriz, operarias de es-
pirito bem claro quanto á technica da producção
industrial de_hoje.
Para proporcionar ao estudante uma solida ba-
se a este respeito fazemol-o trabalhar successiva-
mente em varias secções. Os instructores os pro-
curam durante o trabalho, observam-nos e fazem-
lhes perguntas. Para o perfeito funccionamento do
systema é em absoluto necessaria a cooperação dos
capatazes, factor que temos conseguido da maneira-
mais satisfactoria. Tambem é preciso um esfórço
sincero e consciente por parte dos alumnos - e te-
mol-o observado.
A nenhum é permittido que passe de uma sec-
ção para outra sem que esteja bem senhor do seu
Hoje e
Amanhã 221
trabalho. Es;:;e senhoreamento varia conforn1e o an1-,
biente de onde procede G alutnno. l\1as a tenacieb.de
dos rapazes acaba sempre \·ictoriosa.
O curso é de dois annos e os alumnos perce-
bem 6 dollares diarios, bem ganhos. Temos hoje
nessa escola 450 alumnos, lnuitos já graduados en1
outros collegios; desse total 100 são chinezes, 84
hindús, 20 mexicanos, 20 italianos, 50 phillipinos,
12 tchecos, 25 persas, -?5 portoriquenses, 25 turcos,
muitos russos e um lote de filhos elo Afganistan.
Os chins formam entre os nossos melhores es-
tudantes; lentos, mas muito conscienciosos. Os me-
nos adaptaveis, de qualquer paiz que provenham,
são os possuidores de idéas preconcebidas. N eIles
o progresso é lento e difficil. Não obstanté, tudo
fazemos para levaI-os a praticas industriaes' de mais
efficiencia para os povos donde procedem. Agindo
dest'arte parece-nos que estamos auxiliando de um
modo pratico a solução dos problemas internacio-
naes.
Capitulo XVI
REMEDIAR OU PREVENIR?
:Muita gente acceita a pobreza COlno cuna con-
dição natural. Nada mais anti-natural. Nos Esta-
dos Unidos não tem razão de ser. Nem todos os
hOtnens podem ser directores de emprezas, como
nerp todos os homens porlem saltar vallas de metro
e meio de largo; mas com a subdivisão do trabalho
e a abundancia de tarefas que não exigem perícia,
todos teem posibilidades de ganhar a vida. Algu-
mas creaturas fracassarão sempre, si deixados sob
a propria direcção. l\1ilhares de agricultores deviam
estar trabalhando nas fabricas, pois mal gastam seu
tempo na labuta agricola em virtude de não possui-
rem o senso da direcção. Milhares de homens, que
em pequenos negocios se estão esforçando penosa-
mente para viver, sem nunca triumpharem, muito
bem desempenhariam certas funcções numa grande
fabrica, sob a direcção de outrem. Subsistem, ainda,
os máos effeitos de um máo systema industrial,
baseado no torpe principio do "lucro-causa" - ser-
224
Henry Ford
viço precario ou intermittente, baixa
de compradores, alta de pl"eços.
A caridade não é solução
Em nenhuma destas hypotheses a caridade re-
solve cousa nenhuma. Opera antes como um vene-
no. Em certos casos, homens, mulheres e sobretudo
creanças teem que ser ajudados, mas são casos me-
nos numerosos do que o parecem. Além disso, o
simples facto da possibilidade do recurso á philan-
thropia faz taes casos se multiplicarem, visto como
ca.:-idade significa esperança de alguma cousa em
troca de nada. Quanto aos casos realmente mere-
cedores de auxilio, podem eHes, sempre, resolver-se
de modo individual, com acato ao amor proprio
do protegido, o que não acontece com a caridade. oro
Si não podemos ensinar a certas creatu·
ras o segredo de vencer, podemos guiaI-as ao bom
caminho. Com o tempo virão os resultados deste
50ccorro indirecto.
-Eis porque temos como principio evitar tudo
'quanto se assemelhe á caridade. Ha alguns annos
emprehendemos reorganizar um orphanato, indo nós
em pessoa, uma vez por semana, observar c?mo as
cousas se passavam. Puzemos na direcção creatu-
ras que tinham fama de competentes na materia -
essa competencia formal com tanta facilidade accei·
ta - mas que não revelaram a menor noção de
que deve ser um asyl0 de creanças. Pareciam con·
sideral-o como um presidio infantil. Não houve re'
Hoje e
Amanhã 225
medio senão dissolver o asylo e collocar as creanças
em casas de familia. A mais enfermiça de todas foi
recebida por uma allemã que já tinha 6 filhos!
Raro contribuímos parà subscripções, mas ás
vezes examinamos algumas. A ultima para a qual
contribuímos foi. o hospital de Detroit. Meu filho
o desejaya e eu respondi:
- Podemos fazer duas cousas: dar algo e es-
quecermo-nos da instituição ou dar muito, inter-
vindo nella para conseguir que se sustente a si
propria.
o hospital Ford
Adoptamos a ultima hypothese como a solução
mais util, e hoje esse hospital "ale por uma expe-
riencia tendente a verificar si taes instituições po-
de;n vi\Oer por si mesmas com a necessaria dignida-
de. Já falamos delle em Minha Obra, mostn!'hdo que
nada tem com a nossa empreza. Possuimol-o e ad-
ministramol-o unicamente para provar certas theo-
rias que julgamos beneficas ao publico.
Os hospitaes, indiscutivelmente, cOi-respondem
a uma necessidade publica. ]vIas por toda a parte
percebemos descontentamento a respeito dos seus
medicos e da sua administração. Todo o mundo tem
a impressão de que o tratamento, a protecção aos.
doentes e a hygiene devem ser organizados sobre
melhores bases. Cirurgiões de renome nacional es-
tudam hoje uma nova classificação dos hospitaes.
de accordo com a sua utilidade.
8 - BC:1.Jlt E AlIIA"'flÃ
226 Henry
Ford
Não nenhuma razão para que um
hospital bem administrado não proporcione, nas
melhores condições possiyeis, o melhor serYÍço me-
dico-cirurgico, estabelecendo tarifas fixas e fazendo
a instituição bastar-se a si mesma.
Como a unidade no hospital é constituida pelo
leito, isto é, pelo quarto do doente, puzemos um
carpinteiro e a madeira necessaria á disposição de
um technico para que construisse um quarto de
doente ideal. Devia occupar o espaço justo, nem
lnais um centimetro, e ter banheiro. Foi logo esta-
belecido o standard desta unidade. A segunda parte
consistiu em erguer um edifício que abrigasse es-
tas unidades e seus accessorios. O resultado foi o
actual edificio de pedra e tijolo - o hospital Ford.
Eis em que consiste o nosso systema. O corpo
clinico, composto de uma centena -de medicos e ope-
radores, é pago pelo hospital e não póde clinicar
fóra. Ha 6 serviços principaes: medicina, cix:urgia,
ob-stetricia, pediatria, laboratorios e radiologia, cada
qual dirigido por um pratico de reconhecida com-
petencia. Houve no começo tendencia de só toma-
rem-se diplomados pela Universidade John Hop-
kins, mas o hospital se desenvolveu e a direcção
deixou de ser representativa de uma só escola. Hoje
provem ella das melhores escolas dos Estados Uni-
dos e do Canadá, inclusÍ\'e di\ersos membros do
Royal College of Surgeons.
As enfermeiras são- diplomadas e empregadas
só no hospital. Percebem o salario Ford, minimo de
6 dollareª por 8 horas, e encarregam-se de 4 a 6
H oj e e
Alllanhã
227
quartos, segundo o estado dos doentes. O serviço
domestico é feito por criadas de modo que as enfer-
meiras não se distrahem com serviços alheios á
sua missão. Havendo junto a cada unidade um
quarto de ~ \ n h o com agua gelada, fria e quente, e
tendo eUasá mão a roupa branca necessaria, não
lhes é difficil dedicarem-se, da melhor maneira,
aos enfermos. Trabalham 8 horas, em vez das 12
antigas, e não teeln motivos para se queixarem da
tarefa ou se estafareln.
Escolas de enfermeiras
o anno passado provemo-nos duma escola de
enfermeiras, abrindo o Clara Ford Nurses' HOIne, e
depois a Henry Ford Hospital School of Nursing
and Hygiene, instituições prepostas a formar en-
fermeiras e especialistas sem outra preoccupação
além do cuidado dos doentes. Estes estabelecimen-
tos estão melhor montados que a maioria dos hoteis
de primeira classe. Situam-se no mesmo terreno
do hospital, mas afastados. A secção de residencia
consta de 309 moradias individuaes, todas decora-
das e mobiliadas do mesmo modo, agrupadas em
torno de elevadores. Possuem uma sala e uma cosi-
nha para cada grupo com o fim de dar a sensação
do verdadeiro hOIne. No primeiro andar, 8 pequenas
salas ligam-se a um salão commum de visitas, onde
as moças podem receber suas amigas. As salas de
jantar, cosinhas, lavanderia, rouparia, etc., ficam no
sub-solo. Atrás do estabelecimento ha um jardim,
228 Henry
Ford
disposto entre as duas alas. Todo o edificio é archi-
tectado de modo a proporcionar ás enfermeiras uma
completa mudança de ambiente ao deixarem as sa-
las de estudo ou o hospital.
A ar'chitectura da School of Nursirig é analoga
á do Nurses' Home. Consta de dois andares de 120
pés por 50. Aó lado das classes e laboratorios encon-
tram-se dois campos de sport, piscina e hall de
gymnastica.
Emquanto no hospital, as enfermeiras são obri-
gadas a cumprirem á risca o seu dever. Seguimos
neste pormenor as mesmas normas adoptadas para
com os operarios e contramestres das fabricas: bom
salario, poucas horas de trabalho e as maiores faci-
lidades para a obtenção do maximo rendimento.
O hospital possue, alem do serviço interno,
secções de consultas e, embora acceite a cooperação
de medicas e cirurgiões de fóra, a assistencia e a
cirurgia. só são feitas pelos medicas da casa. Os
honorarios se fixam de antemão e de accordo com
a tabella.
Regímen interno
Os quartos standard são pagos á razão de 8
ct"ollares diarios, com direito a assistencia e comida.
O hospital abriu-se em 1919, com pedidos para
500 leitos. Cada doente, ao entrar, é objecto de um
profundo estudo medico, do qual resulte o mais
perfeito diagnostico, e ainda de exame de sangue,
radioscopia, etc., tudo quanto permitta a investiga-
Hoje e
Amanhâ 229
ção medica, nos casos especiaes. Este trabalho con-
some umas duas horas para cada cliente e custa 15
doIlares.
Cada doente é um doente particular. A norma
da casa tem como inviolavel a vida privada ~ s
seus clientes. Ein seu quarto só podem entrar os
medicas ou as enfermeiras de serviço, além das pes-
soas de fóra que o doente queira receber. Doente é
doente e não objecto de exposição.
O hospital não estimula, nem impede o seu uso
pelos ricos. Todos pagam a mesma cousa, pois to-
dos são para o hospital simples doentes - e pagam
adiantado, embora nunca haja repellido a ninguem
que necessitasse dos seus serviços. Sempre se en-
contram meios para que o enfermo reúna, de um
modo digno, os recursos necessarios. Para nós a
dignidade faz parte da saude do cliente.
O hospital ainda não se basta a si mesmo, mas
conseguil-o-á com o tempo, depois de passado o
período de experiencias. E' natural que nesta phase
o thesouro geral da humanidade o subvencione.
Nosso objectivo principal não é conseguir que tal
instituição pague, mas apenas que se equipe para
a sua missão. Todos os lucros serão invertidos nelle.
Julgamos ter descoberto alguma cousa, no re-
letivo á direcção de um hospital; mas uma per-
gunta nos occorre: Por que hayemos de precisar
de hospitaes? Não poderão ser edtadas a maioria
das.doenças?
230 Henry
Fo rd
.0 mel da humanidade
Estas interrogações nos conduzem a problemas
mais amplos. A' alinlentação, por exemplo. Para
gosar boa saude é mister boa alimentação. As abe-
lhas fazem suas rainhas por meio da alimentação
seleccionada. O effeito da alimentação sobre a sau-
de, o moral e o mental, constitue hoje um problema
difficil e inquietante.
A sciencia começa a ver que a doença nasce
da alimentação. Entretanto, nada temos progredido
neste rumo, embora muitos trabalhos importantei
estejam surgindo. Os homens que bem cuidam do
seu regimen alimentar pouco adoecem, ao contrario
dos que o desleixam._
Os melhores medicos parecem concordar em
que a cura da mór parte das indisposições se con-
segue mais com regimen alimentar do que com re-
medios. Por que não evitarmos que a doença apPíl-
reça? Isto nos conduz ao seguinte: si a má alimen-
tação produz a doença, a boa produz a saude. Sendo
assim, devemos procurar essa alimentação perfeita.
Quando a encontrarmos o mundo terá dado o seu
maior avanço.
Tardará a vir isto - este alimento justo. Tal-
vez nem exista na terra, hoje. Quiçá coexista nal-
gum dos alimentos conhecidos, ou numa combina-
ção de alimentos. Ou ainda venha dalguma planta
que está a evoluir. O certo, porém, é que tal alimen-
to será encontrado. Já o teria sido, si se tivesse feito
Il o j e
Amanhã
231
uma ardente tentativa para esse fim, mas só agora
começamos a dar importancia á alimentação.
Toda esta materia tem que resolver-se com
base na industria. A sciencia que trabalha isolada
não caminha tão depressa como quando forma corpo
com a industria. O:, sabios necessitam de direcção,
do mesmo modo que todos os outros hotnens. Uma
descoberta scientifica \-ale muito em si lnesma; mas
Ó se torna util ao mundo quando se industrializa.
Dae a um grupo de homens um objectivo, e cedo ou
tarde elles o attingirão. Mas não lhes pergunteis si
a coúsa visada é realizavel - elles provarão incon-
tinente a sua impossibilidade. Si, entretanto, lhes
insinuarmos o que desejamos, e si pel-manecermos
atrás delles conl os recursos necessarios, esses ho-
mens estudarão o problema dia e noite até que o re-
solvam. E' o que temos a fazer no relatiyo á alimen.-
tação.
Um dia descobriremos condições de "ida que
farão inuteis 08 hospitaes.
Capitulo XVII
COMO EXPLORAR UMA ESTRADA.
DE FERRO
.Ha 5 annos que a Detroit-Toledo-Ironton é
nossa. Muito se falou e escreveu desta estrada, tan-
tas vezes mudou de mãos ou reorganizou-se - umas
doze, sem que nunca désse lucro para os accionis-
tas. Dava-o, sim, aos banqueiros, cada vez que a
reorganizavam.
Mas a Ironton nos dá lucro e mais daria Si
certa lei não limitasse a 6 % o juro do nosso capital.
Sômos limitados em nossas industrias por leis con-
cebidas em parte por theoricos mal inform;dos, que
não podem comprehender a verdadeira funcção dos
lucros, em parte pelos que veem nesta regulamen-
tação da industria uma das necessidades da finança
bancaria.
Ei.s aqui os prós com que tomaUlOS a estrada:
1.0) Independencia completa elo controle ban-
cario.
234 Henry
Ford
2.°) Um trafico intenso, alimentado pelas nos-
sas exportações.
3.°) Ligação directa com todas as grandes linhas
ferreas do paiz. A estrada sempre teve esta
mas não se aproveitava della.
Vejamos agora os contras:
1.0) Pessoal completamente desmoralizado.
2.°) Má vontade do publico em relaçãe;> á em-
preza.
3.°) Uma estrada sem pé nem cabeça, que não
começava nem terminava em parte nenhuma.
4.°) Linhas e material rodante em pessimo ea-
tado.
Do cahos reinante quando a adquirimos fize-
lUOS urna estrada que,· sem ser de primeira ordem,
salvo para seu pessoal e dirigentes, produziu em
1925 mais de 2 112 milhões de doBares de lucro, isto
é; a metade do preço que demos por ella.
Este resultado não nol-o trouxe nenhuma arte
magica, nem veio em consequencia das reforma:; e
electrificação que apenas iniciamos. Pouco augmen-
to houve de material rodante. O que houve foi mu-
dança de systema administrativo. Limitamo-nos a:
1.0) Instituir o perfeito acceio na linha e de-
pendencias.
2.°) Conservar o material em boas condições.
3.°) Estabelecer salarios altos, exigindo traba-
lho correspondente ..
4.°) Abolir todo o formalismo e divisão de
funccões.
Hoj e
e
Amanhã 235
5.°) Preceder honradamente com o publico e
nossos collaboradores.
6.°) Realizar todos os melhoramentos com o
nosso proprio dinheiro.
O importante neste caso não é o lucro que a
e!trada passou a dar, mas sim o estar desempenhan-
do a sua funcção com a maxima efficiencia, a um
preço muito mais baixo que a tarifa media anterior
e ao mesmo tempo pagando os salarios nlais altos
do paiz. O importante é o repudio da rotina e das
velhas formulas.
Não adquirimos a estrada pelo desejo ele pos-
suir uma. Nem tinhamos intenção de dedicar-nos a
eSSa industria. Aconteceu apenas que o seu privi-
legio de zona interferia com os nossos planos de
ampliação da Fordson. A empreza queria tanto di-
nheiro por uma pequena parte dos terrenos
que nos pareceu mais barato adquiril-a toda. Feito
isso, tratamos de dirigil-a de accordo com os nossos
principios. Ignoravamos si esses principias seriam
applictl. "eis á direcção de uma via ferrea, mas sus-
peitavamos que sim e os factos nos deram razão.
Nossas fabricas se encontravam em Detroit,
lado a lado dessa via ferrea. Quer dizer que ella
teria podido outróra fazer tanto negocio como hoje.
E' verdade que despendemos mais dinheiro do que
o poderia fazer a antiga e desacreditada administra-
ção, mas tambem é verdade que si lhe houvessem
utilizado melhor os recursos teria a empreza aug-
mento de podendo reconstruir-se com ele-
mentos proprios.
236 Henry
Ford
Ao terminar o anno financeiro de 1914 (Junho)
attingia a yelha estrada uma relação entre a despeza
e a receita de 154 %; quer dizer que gasta\·a tres
cents para ganhar dois. Estava capitalizada, em
1913, a. 105.000 dollares a milha. Ninguem sabe
quantos milhões foram levantados sob sua garantia.
Na reorganização de 1914 os portadores de bonds
pagaram 5 milhões de dollares ele imposições. Foi
a somma que demos por ella, etnbOl·a pudessemos
. ter dado menos. Pagamos o que nos p ~ r e e u justo,
nosso systema habitual, com quanto e ~ s e preço su-
perasse o do mercado. Correspondeu elle a 60 %
do valor nomirial das obrigações, offerecidos na pra-
ça a 30 e 40 %, sem compradores. E de facto ne-
nhum titulo jamais emittido por esta empreza dera
dividendo, nem se cotou na bolsa por falta de pre-
tendentes.
Fizemos offerta com base numa avaliação pré-
via, sem visar um "bonl. negocio". Mas a nossa ex-
periencia administratiya é bastante grande para per-
mittir-nos obter lucro de qualquer inversão de ca-
pital que façamos. Toda a transação commercial
deve satisfazer as duas partes, e tanto é erro pagar
mais do que vale como pagar menos.
Adquirida a estrada, applicamos-Ihe immediata-
mente os nossos principios de administração, muito
simples todos elles!
1.0) Realizar o trabalho elo modo mais directo,
sem attender a formalismos e a nenhuma das subdi-
visões ordinarias da autoridade.
Hoje e
Alllanhã
237
2.°) Pagar bem aos homens e eXIgIr delles 48
horas semanaes de trabalho, só isso.
3.°) Pôr Jodo o material no melhor estado pos-
sivel e insistir na limpeza absoluta de tudo-, para
que todos aprendam a respeitar seus instrumentos
de trabalho, o local delles e a si mesmos.
Novos Methodos
A administração ferroviaria, em vista das tradi-
ções e das exigencias legislativas, tornou-se extre-
mamente complicada.
Uma estrada importante subdivide-se em nume-
rosos sectores de autoridade, o mesrno se dando com
muitas outras emprezas industriaes. A ~ r d Motor
Company só se divide em dois: escriptorios e offici"-
nas. Não possue linhas rigidas de autoridade. Só se
pede ao pessoal que tràbalhe. O mesmo fazemos na
estrada.
Supprimiu-se a divisão - do trabalho entre os
homens; hoje podemos ver um machinista limpan-
do um carro ou trabalhando na officina de reparos.
Os guardas-chaves funccionam como guarda-linhas
em toda a sua sec<jio; os agentes de estação pintam-
nas ou concertam-nas quando é necessario. A idéa
é que a um grupo de homens foi elada a tarefa de
fazer funccionar uma estrada, e como ha boa vonta-
de tudo se faz. Si um technico de qualquer cousa tem
á mão trabalho da sua especialidade, realiza-o; si
não o tem, realiza outro qualquer, por mais inferior
q.ue seja.
238 Henry
Ford
Abolimos o departamento do contencioso e to-
das as divisões administrativas. Supprimimos o es-
criptorio de Detroit com todos os seus procurado-
res e agentes, além duma longa serie de funccio-
narios executivos. O contencioso custava 18.000 dol-
lares por anno. Hoje custa 1.200. O novo systema
é resolver no acto todas as reclamações numa base
justa. O pessoal burocratico consta hoje de 90 ho-
mens; os de acção executiva reunidos em dois edi-
ficios e os da contabilidade, num só e pequeno. O
inspector do trafego apresenta informações sobre
tudo que yê. Ninguem espia o outro, porque espiar
não constitue tarefa de ninguem. Só o trabalho go-
verna, não as convenções. A antiga empreza manti-
nha 2.700 empregados para um movimento de 5 mi-
lhões de toneladas. Hoje temos 2.390 para 10 mi-
lhões, inclusive os homens duma grande officina de
reconstrucção de locomotivas.
As sociedades operarias nunca nos fizeram ob-
jecções de qualquer especie, pois nossos homens
percebem salarios superiores á mais elevada tarifa
syndical. Nem sabemos si nossos operarios são asso-
ciados, nem taes sociedades se preoccupam comnos-
coo Estamos fóra de causa e de greves.
A limpeza
O asseio constitue ponto serio do nosso pro-
gramma. A primeira cousa que fizemos foi limpar
a estrada de um extremo a outro e pintar os edifí-
cios. Aos dormentes substitui mos na razão de
H oj e e
Alllanhã
239
300.000 por anno e os trilhos de 27 kilos mudamos
por trilhos de 36 e 40. O noyo empedramento da
linha deye ser tão perfeito como si fosse cortado a
faca. Nenhum empregado pode fumar no serviço.
As locomotivas se reconstroen1 ao custo medio de
40.000 dollares, e praticamente soffrem restauração
completa, de modo a parecerem novas. E neste esta-
do teem que se conservar; não se admitte que na
cabina do machinista se encontre um martello de
tamanho que posse eventualmente deteriorar as ma-
chinas, as quaes se limpam depois de cada viagem.
Dae a um homen1 uma bella ferramenta - boa
de qualidade e reluzente - e elle aprenderá a con-
servai-a assim. E' difficil conseguir bom trabalho a
não ser com boas ferramentas e ambiente limpo.
Não é isto detalhe de alguma importancia; é
methodo de importancia capital. Crea o espirito tra-
balhador, actúa tão fortemente como o saiario alto.
O trabalho não corresponderá ao salario si se não
lhe estabelecem condições propicias. Todos os ar-
mazens são uniformes e cimentados; as ferramentas
e peças collocam-se em prateleiras do mesmo typo
e um \'agão de abastecimento refaz os stocks todos
os mezes. Os armazens, bem como as estações, de-
pois de pintados se conservam em perfeita limpeza,
\'arridos, pelo menos, tres vezes ao dia. Hoje as ma-
chinas são lil11pas por l11eio de um apparelho cons-
truido na Fordson, que economiza 3 homens e gasta
2 112 horas n1enos. Locomoti\'as e machinario das
officinas reluzel11 con10 auton10\'el no\'o. Diz-se que
um empregado da Detroit-Toledo-Ironton traz sem-
240
Henry
F 0;0 d
pre na mão um chumaço de algodão. E' a insignia
da estrada. Mas uma vez sujo esse chumaço de al-
g o d ~ o não o deitam fóra; é recuperado na fabrica e
volta novo.
Outros pormenores
Muito se debate a respeito do salario ferrovia-
rio. Entre nós é assumpto morto, visto como nossos
salarios vão sempre além do que o operario espera.
Cada novo homem que admittimos entra ganhando
5 dollares durante 60 dias. Depois passa a 6.
Salvo alguns casos, os homens que temos hoje
são os mesmos da antiga companhia. Não gostamos
de mudar de gente. Sempre que adquirimos qual-
quer cousa conservamos os antigos empregados que
tenham boa vontade e queiram seguir nossos me-
thodos. Muito poucos se rebellam e a esses deixa-
mos irem-se. Em regra são vadios que' querem em-
prego mas não trabalho.
O chefe do trafego de um dos nossos mais im-
portantes sectores principiou a trabalhar c0n,;t0 sim-
ples ajudante, aos 16 annos. Ganhava 10 cents por
hora e ás vezes ficava 90 dias sem os receber. Seu
pae era inspector da mesma secção, superintendendo
conjunctamente com outros tres numerosos capa-
tazes. Hoje este chefe de trafego encarrega-se de
todo o ramal e não ha nenhum inspector. Em logar
destes temos alguns capatazes auxiliares, que em
vez de receberem ordens agem por conta propria.
Quando puzemos em pratica o novo s:'stema, este
chefe de trafego disse a um delles:
Hoje
e
Amanhâ 241
- Não é melhor que V. pregue logo um prego
ou atan-ache um parafuso onde falta, do que ficar
"fazendo cêra", á espera de que venha ordem para
isso?
Todos trabalham. Nenhum se limita a dar or:-
denso Quem se approxima de uma turma não sabe
quem é o chefe. Julgamos aos homens unicamente
pelos resultados da sua acção. Num sector dirigido
por um moço trabalhava-se ~ m p r de nlaneira per-
feita; os trilhos sempre rectos; os dormentes em
bom estado; o lastro optimo e os edificios irrepre-
hensiveis. Elevamos logo o salario desse moço, sem
dizer-lhe nada. Ao receber o primeiro cheque com
-cifra nova, levou-o ao inspector.
Meu cheque está errado, disse.
Só então soube do augmento.
A secção immediata não ia bem, mas logo que
a noticia correu passou a trabalhar melhor. Achamos
que o certo é pagar de accordo com a capacidade, e
onde homens .realizam a mesma tarefa e um recebe
mais, é que ha razão para isto. Deste modo raro
recebemos pedidos de augmento de salario; o meio
de obteI-os é merecer, não pedir. Tão pouco temos
secção de reclamações. Quem tem algo a reclamar
dirige-se logo ao chefe. Descarrillamentos consti-
tuem em todas as estradas unl assumpto delicado,
e sob os antigos methodos sempre a culpa recahe
nos guarda-linhas. Na nos:,;a estrada esses homens
são admittidos a se justificarem e raramente se
apura a sua culpabilidade.
242 Henry
Fo rd
N o principio houve algumas difficuldades em
certas turmas de trabalhadores. Quasi todos eram
estrangeiros e descobrimos que nellas a melhor re-
commendação consistia em ser parente de um ca-
pataz. Hoje não admittimos que parentes trabalhem
juntos. Recebemos nas turmas um numero crescen-
te de moços de elevada instrucção, conyencidos de
que o trabalho manual pode realizar-se em condi-
ções decorosas e dignas.
Isto é particularmente notado nas turmas das
pontes. Antes formavam-se essas turmas sem atten-
ção á residencia dos seus homens, os quaes tinham
de dormir em vagões sujos, sem regresso ás casas
senão nos domingos. Hoje dividimos a linha em tre-
chos de 80 kilometros e para cada turma escolhe-
n10S homens que vivan1 no seu perimetro; desse mu-
do, por meio de automoveis rapidos, todos podem
donnir em suas casas.
O moral destas turmas era abatido; hoje er-
gueu-se. Este systema nos permitte economizar 7
cosinheiros e despezas consequentes, lucro que re-
verte em fayor do salario dos restantes, permittin-
do-lhes manter verdadeiros lares.
Não temos accesso por antiguidade. Tal cousa
não se justifica. Si um homem trabalha ha muito
tempo deye ser lnelhor trabalhador que um novato;
mas si a sua experiencia só lhe ensina a se esquivar
do trabalho, o interesse publico exige que o novato
lhe passe á frente. Na maioria das estradas os ma-
chinistas em geral são velhos em virtude das re-
gras estabelecidas. ~ ó temol-os moços - e nu-
H o j c e
Amanhã 243
merosos. Nunca nos preoccu pou a idade em ne-
nhum serviço. A ausencia de regras nos ajuda mui-
tissimo. Um chefe do deposito das machinas, com
68 annos de idade, disse um dia:
- A's vezes um carro vem C0111 a nota" Rush"
e não ha no deposito nenhuma locomotiva para ti-
raI-o do desvio. Si nos velhos tempos eu pedisse
machina e homens para fazer este serviço, respon-
der-me-iam logo que o fizesse eu mesmo, pois andar
desvianoo vagões não era da conta delles. Hoje
qualquer machina á mão me attende. Os homens
de hoje ganham para trabalhar e não para discutir
regulamentos. "
Os salarios pagos
Os salarios são pagos por semanas de 48 horas,
sem que haja horas extras. Não usamos o trabalho
por peças. O operario que menos ganha percebe
1.872 dollares annuaes por 2.496 horas de serviço.
Segundo as estatisticas da Interstate Commerce
Commission, a retribuição media dos ferroviarios
era, em 1923, de 1.588 doBares por 2.584 horas de
serviço. Quer dizer que os n1enos remunerados da
Detroit-Toledo-Ironton ganham mais 25 doBares por
mez. Os nossos conductores de trens percebem de
3.600 a 4.500 dollares em vez de 3.089 a 3.247, media
das outras estradas; nossos guarda-freiras, de 2.100
a 2.820 em vez de 2.368 a 2.523; os machinistas, de
3.600 a 4.500 em vez de 3.248 a 3.758. O salario me-
2! 1:
Hrllry
Ford
dio dos empregados nas nossas é de 8,11
dollares e dos trabalhadores. de 7,26.
Além destes salarios dispoem os nossos homens
de um systema commodo de collocar dinheiro. O
desejo de capitalizar é justo, e constitue uma gran-
de iniquidade da organização moderna que o opera-
rio não possa collocar o seu dinheiro na empreza
onde trabalha.
Nosso systema começou a funccionar em Ou-
tubro de 1923 e até hoje já recebeu inscripçõcs no
valor de 600.000 dollares. Estes bonus são' pagos
com salarios e podem ser tomados em numero que
não exceda ao terço da paga. Não se lhes garante
nenhum juro fixo, luas concedemos 6 % aos que ne-
cessitam retirar o dinheiro. E' essencialmente um
systema de participação nos lucros de accordo com
as lcis que regem a materia.
Os lucros da Detroit-Toledo-Ironton se devem
em parte. á clientela da Ford Motor e em parte á
nossa melhor repartição de tarifa entre ella e as es-:
tradas de trafego mutuo. A estrada antiga não pos-
suia movimento ele ndto que lhe permittisse discutir
tarifas e acceitava a imposição elas outras, inda que
com prejuízo. Hoje tudo mudou. .
Em 1920, sob o regimen antigo, a estrada tinha
uma despeza 125 % sobre a renda; no nosso primei-
ro anno reduzimos isso a 83 e hoje está em 60 %'
cifra abaixo da media das melhores estradas ame-
ricanas.
Nossa experiencia tem sua importancia. Duran=
te muito tempo, com eHeito, as estradas americanas
'Hoje
e
An1Clnlzã
estiveram em guerra oU com o seu pessoal ou COlU
o publico, e numerosas vezes com ambos. E esta
lucta fel-as perder de vista a sua verdadeira mlS-
são. Tenho fé na ferrovíaría particular e estou
crente que o tempo de nenhum modo san_tifica !Ia-
bitos adquiridos. Sob o seu regímen é possivel diri-
gir qualquer negocio de modo que pague altos sala-
rios-e preste bons serviços ao publico.
Capitulo XVIII
A AVIAÇÃO
Aggregamos ~ nossas industrias a do aeropla-
no, yisto sermos fabricantes de motores e toda a
especie de transporte nos interessar. Na realidade
ainda não os construimos; apenas fazemos expe-
riencias para conseguir um apparelho de manejo tão
faciI como o automoveI, podendo ser fabricado e
vendido por preço muito baixo, de modo a collocar-
se ao alcance de todos. Além disso, absolutamente
seguro - fool proof, á prova de loucos.
Vamos indo de vagar, COlTIO é nosso costume.
Trabalhamos em varios lTIodelos, empregando-os em
duas linhas aereas, estabelecidas de Dearborn a
Cleveland e a Chicago. Estas linhas, com excepção
dum serviço postal que contractamos, só transpor-
tam nossas nlercadorias. Fabricantes exclusivos de
motores que somos, não tencionamos explorar a in-
dustria do transporte aereo. Apenas as mantemos
porque setTI linhas de funccionanlento regular é-nos
impossiyel conseguir os dados relativos á velocida-
248 Henry
Ford
,çle e rendimento necessarios a. urna verdadeira pro-
ducção industrial. Só poderemos inicial-a quando
estivermos perfeitamente seguros do que vamos fa-
zer. ,Quando isso? Só o futuro o dirá. Mas o desen-
volvimento do aeroplano está sendo mais rapido
que o do automovel. A este introduzimos num mun-
do desaHeito a lidar com machinas, o que hoje já
não se dá. O passo que vae do automovel ao aero-
plano não é tão grande corno o que vae do carro de
tracção animal ao automovel. Não temos que con-
vencer o publico das vantagens do transporte aereo,
porque o publico já o deseja. O problema .resume-se
em tornai-o seguro e barato, bem como provar que
o aeroplano de acrobacia está p r ~ o aeroplall.v.coIl).-
mercial como o auto de corridas, para o caffanhãó
de serviço.
O aeroplano militar, desenvolvido com a guer-
ra, "exfge grande destreza dos seus pilotos, tal qual
o auto de corrida. Tem que ser muito rapido e agil,
e possuir piloto que o manobre em todas as circums-
tancias. Noventa por cento da sua efficacia reside
no piloto.
Nós não cuidamos de apparelhos de guerra,
embora reconheçamos o papel que no futuro vae
representar a aviação nesse campo; julgamos pres-
tar melhores serviços, tanto para a guerra como
para a paz, aperfeiçoando o aeroplano commercial,
pois, urna vez bem estabelecido, não será difficil
produzir tantos apparelhos de guerra quantos se ne-
cessitem, havendo tJ.inda a facilidade de obterem-se
numerosos pilotos.
Hoje e
Amanhã 249
Esta obra aerea não a iniciei eu. Foi meu filho
Edsel, presidente da Ford Motor, quem primeiro se
interessou por ella, gastando muito tempo para con-
"encer-me das suas possibilidades commerciaes. :\
direcção da nova industria competirá a elle. Minha
geração deu o automovel. A' seguinte incumbe dar
o aeroplano.
Possuimos, a titulo subsidiario, a Stout Metal
Airplane Company, productora de um monoplano
metallico. Temos um aeroporto em Dearborn, bem.
como uma torre de amarração para dirigiveis. Tam-
bem tinhamos uma fabrica especial de aviões rigi-
dos, recem-destruida p'c':lo fogo. Hoje reconstruimoI-
a muito melhorada.
Aeroplanos e dirigiveis
Damos mais attenção ao aeroplano que· ao diri-
givel, embora convencidos de que ambos terão o seu
papel. O primeiro parece fnais adequado ás commu-
nicações rapidas; o segundo, ao transporte pesado.
Nossa idéa geral - embora não definitiya - é que
os dirigiveis se encarregarãó dos longos trajectc3
aereos, -utilizando-se dos aeroplanos como abastece,
dores. Estudamos pois a ambos.
Nosso principio fundamental é 'que o aeroplan.="
antes de cOlnmercializar-se, tem que evoluir até que
possa manter-s·e no ar por si mesmo, tanto physica
como financeiran1ente.
O monoplano metallico nos .attrahe em virtude
da simplicidade da construcção e possibilidade de
250 Henry
Ford
fabricar-se em sede. Já o biplano exige muito tra-
balho manual, o que nos desinteressa. O aeroplano
metallico tambem pode ser deixado ao léo, com
qualquer tempo, sem que se deteriore.
N osso interesse pelo dirigiyel se prova com
a torre de amarração que erguemos, de 68 metros de
altura. Mas até agora temos trabalhado pouco nelles
e nem siquer estreamos a torre. Toda a nossa atten-
ção está no mais pesado que o ar.
Começamos nas seguintes bases: um avião com-
mercial deve ter, primeiro, capacidade para realizar
o maximo de toneladas-kilometros por cavallo-va-
por, e, segundo, conservar-se no ar o maior numero
de horas possivel. Em consequencia disso espera-
mos e contamos obter dos apparelhos o seguinte:
1.°) Absoluta resistencia de estructura sob to-
das as condições de tempo e á prova de fogo occa-
sional.
2.°) Absoluta segurança de funccionamento,
obtida, possivelmente, por meio de varias motores.
3.°) Velocidade de 160 kilometros por hora
com plena carga em vôo horizontal e não empre-
gando mais de 315 da energia maxima.
4.°) Collocação do piloto na frente do appare-
lho, para que bem enxergue o seu caminho quando
as vias aereas se tornarem muito frequentadas.
5.0) Carga util minima de 4 libras por cavallo-
vapor, para 6 horas de vôo.
6.0) Capacidade·para funccionar, carregado, 20
horas por dia. . ..
Dois requesitm; essenciaes teem que ser reali-
fi o j e e
Amanhã 251
zados antes que possamos ter uma aviação verdadei-
ramente commercial. Primeiro, obter o motor ideal
para avião, com resfriamento aereo e sem ignição
electrica. Segundo, descobrir um apparelho de orien-
tação absolutamente seguro, que com certeza terá
base no radio. l\luito estamos trabalhando e só o
tempo dirá a ultima palavra.
As linhas Ford
Nossas primeiras linhas aereas inauguraram-se
em Abril de 1925, com apparelhos metallicos e moto-
res Liberty. Dahi para cá realizamos todos os dias
o trajecto Detroit-Chicago (418 kilometros), ida e
volta, e o trajecto Detroit-Cleveland (204 kilome-
tros), tambem ida e volta. Isto é, um total de 1.244.
Não tivemos um só accidente, nem o serviço se in-
terrompeu um só dia, sendo mui raro que nossos
aviões não cheguem á hora certa.
As cargas transportadas variam de 430 a 679 ki-
los por viagem, além de 680 litros de gazolina, 63 de
oleo e um piloto a mais, em vôo de instrucção. Em
certo caso UIll dos apparelhos voou até Cleveland
levando ·um. Ford completamente tllontado.
Nossa experiencia mostra tnuito claramente que
o custo do transporte aereo pode encaixar-se dentro
dos limites commerciaes, fazendo-se o serviço com
rapidez e segurança.
Durante os tres pritl1eiros mezes de funcciona-
mento a velocidade media, entre Detroit e Chicago,
foi de 1 S4 kilometros por hora, cahindo a 149 nos
252 Henry
Ford
dois mezes seguintes, em que reinou máo tempo,
com ventos que apanhavam o apparelho de travez.
Outra causa da diminuição da rapidez está em que
os aviões, partindo ás 12 horas, iam contra o vento
e com elle não se beneficiavam no regresso, visto
que esse vento cáe ás 5 horas e o apparelho chega
ao Porto Ford ás 6,30. Estas medias, obtidas com o
motor Liberty commum, trabalhando na velocidade
normal, temol-as como optimas, sobretudo conside-
rando que só tivemos uma descida forçada até hoje.
As viagens effectuaram-se com uma carga util de
1.223 kilos.
N este momento fazemos estudos de um grande
apparelho de tres motores, podendo voar com um
delles parado. Mas para o transporte commercial
aereo, já tão proximo, bastará um motor apenas, sal-
vo para o travessio de regiões montanhosas, ou
quando a aterragem seja difficil. As linhas de passa-
geiros "empregarão, talvez, apparelhos ele tres mo-
tores.
A vião em terra constitue peso morto, exacta-
mente como um auto na garagem, ou um navio nas
docas. Passa para o activo quando entra a voar e
nisso se fica o maior numero possivel de horas dia-
rias.
No transporte aereo commercial não será pre-
ciso ter mais de um apparelho em terra para cada
um em vôo, e até' menos. Sem embargo, isto só se
tornará possivel quando os motores e outras peças
se tornem intercambiaveis, de modo que se possa
immediatamente trocar a que está falhando. As pe-
11 o j e
e
Amanhã 253
ças dos aviões que estamos fazendo são até certo,
ponto assim, e sel-o-ão totalmente, quando crearmos
o nosso modelo definiü"o.
O futuro da aviação não está em proporcionar
emoções ao publico, e sim em transportar gente e
cargas de um ponto para outro.
Taes são, em reSUtllO, as nossas idéas a respeito.
O aeroplano breve entrará pela nossa "ida a dentro.
O que sahirá disso ninguem o sabe. Si nem siquer
sabemos ainda tudo o que o automovel pode dar ...
Capitulo XIX
o PROBLEMA APRICOLA NÃO PASSA
DE PROBLEMA AGRICOLA
Que é a agricultura? Industria de produzir ali-
mentos, meio de "ida ou thema de conversa? Que
é um agricultor? Costumamos a falar delles como
si todos fossem iguaes e sabemos que assim não é.
Ha agricultores de cereaes, de algodão, criadores
de gado, cultivadores de fr-uctas e hortaliças, para
não falar dos que fazem um pouco de tudo.
Todos teem um traço commum: trabalham sem
ligação numa industria que não percebe que é in-
dustria.
A antiga fazenda bastava-se a Sl mesma. No
tempo da escassez de possibilidades o problema de
conseguir casa e comida sobrelevava a todos os
outros. Um agricultor não pensava em ganhar di-
nheiro e na realidade não o ganhava. O pouco de que
necessita,-a,. além do que podia produzir in loco,
adquiria-o as mais das vezes por troca in natura. A
tradição agricola não é uma tradição financeir<l;, mas
·apenas de subsistencia.
236 Henry Ford
Hoje desappareceram das fazendas a roca e o
tear de mão. Os fazendeiros adquirem suas roupas.
A propriedade agricola, graças ao automovel, ao te·
lephone e ao radio já passou da phase de isolamento.
O agricultor sahiu do seu minusculo mundo, indi-
,-idual e estreito, penetrando no da industria, muno
do bastante rico para exigir como utilidades cor-
rentes o que o velho fazendeiro tinha como luxo. O
agricultor pretende lucros como os tem o industrial
e affirma que trabalha mais que elle. O mundo, en-
tretanto, não paga pela quantidade de suor ycrtido;
paga pelos resultados. Si a industria os obteve é que
soube empregar a organização e a força motriz.
Nós cultivamos em Dearborn alguns milheiros
de hectares de terra; tambem possuimos uma vac-
caria de 300 cabeças e, perto das nossas minas de
Kentucky, em terreno de montanha que se suppu-
nha completamente esteril, culti\"amos hortaliças e
fructas. Eu mesmo passei numa fazenda bom pe-
daço da minha vida. Em toda parte estamos em
contacto com a agricultura em virtude da venda
dos nossos carros e tractores. Não ignoramos, pois,
as necessidaues della.
o problema agrícola
Existe um problema agricola que ninguem ain-,
da formulou por completo. Esse problema cifra-sei
na descoberta de um meio que permitta ao agri·
cultor viver. Ha quem pense na elevação de preço
dos productos agricolas e no abaixamento do p r ç ~
Hoje
e
A manhã 257
de tudo mais. A reduêção de preços é sempre bene-
fica para o publico, mas nunca a elevação, especial-
imente tratando-se de alimentos. O problema é, pois,
confuso. E nem podia deixar de ser. Desde que co-
meçamos a considerar certa instituição estabelecida
como um problema, esse problema realmente não
existe, porque a instituição está morta. A autopsia
diz de que morre um homelu, nlas não lhe restitue
a vida. A antiga classe dos agricultores morreu. Te-
mos que admittir este facto e tomaI-o como ponto
de partida para organizar cousa melhor.
Seria um erro ajudar o agricultor a illudir os
factos, sustentando-o com estimulantes. O verdadei-
ro mal está em que o mundo progrediu e a agricul-
tura ficou parada. Tornou-se um negocio pequeno
em um mitndo de grandes negocioso E o peior é
que seu trabalho só occupa urna parte do anno,
num tempo em que havemos de aproveitaI-o todo. Si
o tempo vale mais para um homem do que para uma
gallinha choca, a agricultura não offerece occasião
de empregai-o totalmente. Gasta ella 15 dias ou um
mez de cada anno para habilitar a natureza a produ-
zir e para colher o que a terra produz. "Durante o
resto do tempo o agricultor cuida de trabalhos este-
reis, que o occupalU, mas nada lhe rendem.
Examinemos a fazenda equilibrada" que tira va-
rias colheitas e cria certa quantidade de gado. As
que se occupam das hortaliças, fabrico de manteiga,
criação de po'rcos, cultura do' algodão, etc., estabe-
lecem-se em b s e ~ differentes. Consideremos o typo
medio da fazenda bem equilibra.da. e dirigida pelo
258
Henry Ford
systema usual. Essa fazenda comprehenderá um
certo numero de campos em que as colheitas se al-
ternarão da maneira commum. Si o agricultor pos-
sue mentalidade moderna, terá poucos cavallos ou
nenhum, e em yez disso automoveis, tractores e ma-
chi nas agricolas.
Graças a este apparelhamento o trabalho de
arar, plantar e colher não consumirá mais de 10 ou
15 dias no anno. Todo o seu trabalho (a não ser na
horticultura) não durará mais de um mez. O resto
do tempo o passará elle cuidando do gado e com-
merciando com carne ou leite. Parte da colheita
vende directamente, parte vende transformada em
animaes. Grande somma do seu trabalho tem que
fazer-se a mão, especialmente a que se relaciona com
os cereaes, visto como o pequeno vulto da producção
não justifica o emprego de muita machina. Não po-
de, pois, tirar partido de nenhuma das economias
da producção avultada e labutará da manhã á noite
no mourejar diario. Eu sei o que significa a palavra
"labutar" porque já vivi numa fazenda.
O agricultor que só tira uma colheita, subsiste
todo o anno com um mez e meio de trabalho apenas.
O resto do tempo fica a ver como a natureza traba-
lha para elle. O mal estar de hoje consiste em que,
como premio do seu trabalho, até o agricultor bem
equilibrado pouco ou nada faz. E' isto um estado
transitario consequente á guerra, ou a agricultura
antiga está no fim?
A industria tem de superar-se a cada momento;
o industrial que não caminha ao compasso dos tem-
Roj e
Amanhá 259
pos fica á margem e nem slquer lhe percebemos a
quéda. A guerra, o lucro extraordinario, a pertur-
bação mundial, a especulação em terrenos -- conse-
quencias da alta de preços - serviran1 para apressar
a crise agricola que tinha de vir mais cedo ou mais
tarde. A guerra não mudou tanto a situação da agri-
cultura como a mentalidade do agricultor; depois
da guerra passou elle a esperar d ~ lavoura, além da
subsistencia, alguma cousa mais. Eis a origeln do
problema.
O agricultor quer viver tão bem como o homem
empregado na industria, mas a agricultura não lhe
proporciona esse typo de vida. Nunca proporcionou.
Pouca gente tem ganho dinheiro nella. Os agricul-
tores de uma só colheita, podemos affirmar, nunca
fizeram dinheiro. Começaratn em terras virgens e
com as suas colheitas venderam a fertilidade do solo
- isto é, seu capital. Seus rnelhores negocios sem-
pre consistiram mais na venda das terras do que
das colheitas. Cada comprador successivo adquiria
menos que o anterior e pagava mais. Cada anno que
transcorria, a terra diminuia de fertilidade. Hoje
está de tal modo alto o preço da terra e são tantos
os impostos, que este systelna mineiro de explorar
o solo ficou sem margeln. Systema mineiro, disse-
mos, porque o é, visto como se limita a extrahir cer-
ta cousa do solo.
Este typo de agricultura não é conveniente para
o paiz; os estados agricolas já mostram grande nu-
mero de fazendas abandonadas, exactamente como
os estados petroliferos mostram poços em b n d o n o ~
260
Henry
FQrd
o agricultor que possue uma fazenda de tama-
nho regular e que bem aproveita as estações e cria
gado, parece que já ganhou outróra alguma cousa;
mas hoje pretende ser isso impossiyel com. os sala-
rios actuaes. No entanto o salario agricola é menor
."
que a media do salario embora seja dado
em troca de trabalho muito mais rude.
A agricultura não enriquece
Mas, pergunto, terá ganho dinheiro a'lgum agri-
cultor? Suas te'rras valorizaram-se e isto lhe fez ver
dinheiro ao vendeI-as. Outras vezes conseguiu esta
valorização sob forma de hypotheca. Mas terá .vivido
sobriamente e mesmo os que julgam ter ganho di-
nheiro apenas accun"lularam. no banco o equivalente
a baixos salarios pessoaes. Ainda nas propriedades
tidas como rendosas é difficil dizer si o lucro foi
obtido com a venda das colheitas ou com a venda
do gado. Não podemos tomar os preços da guerra
para calculo dos lucràs agricolas; mas ainda assim
não subiriam a muito porque os dollares da guerra
tinham pequena capacidade acquisitiva. Antes da
guerra ganhou-se algum dinheiro na exploração das
terras virgens; excepto, porén"l, estas operações e
excepto ainda o augmento do yalor das terras, é du-
vidoso que o dinheiro que se diz ganho directamente
na agricultura iguale aos salarios ganhos num tra-
balho commum durante o mesmo periodo de tempo .

Existe algum remedio para esta situação? Di-
zem os agricultores que estão pagando demais pelas
Hoje e
Arnanhâ 261
cousas que compram; que os preços dos seus pr'o-
ductos estão desproporcionados com os da industria.
Dizem ainda que si elles aufereln pouco dos seus
productos os consumidores os pagam carissimos.
Mas supponhamos que' se reduzem os preços dos
productos industriaes e o custo da sua distribuição.
Advirá disso uma situação em que o agricultor te-
nha lucros? Nenhuma modificação na dis.tribuíção
equiparará os lucros da agricultura COln os da in-
dustrIa. Uma mesma somma de energia produzirá
mais lucro na industria do que na agricultura, con-
tinuando ella no pé em que se acha.
o credito agricola nada resolve
Dar mais credito ao ê;gricultor não é ajudaI-o.
Está elle hoje pagando muito dinheiro de juros de
hypothecas ou descontos a prazos curtos e impostos.
Aggraval-o inda ruais com no'\'os juros seria au-
gmentar" o custo ela sua producção e recuar inda
mais a possibilidade de lucros. 1\1 uitos fazendeiros
estão crentes de que o dinheiro substitue a boa di-
,recção, mas pOUGOS negocias doentes se curalll com
o remedio do dinheiro. Uru negocio pode achar-se
com pouco dinheiro elll alguma circumstancia extra-
ordinaria que nada tClll que ver com os lucros;
quando, porém, os lucros são insufficientes para
permittir tnelhorias, deixando ainda uma margem
de sobras, então é que existe alguma cousa errada
no ne<Yocio - e tom,ar dinheiro pOr 'elllprestimo só
b
s r v i r ~ para retardar' ou fazer chegar tarde a des-
262 Henry
FQrd
coberta do verdadeiro mal. Em regra, tomar dinhei-
ro é un1 vicio, e embora seja muito agradavel para
um agricultor co'nseguir dinheiro sempre que o de-
s ~ j a isso só o fará ir de mal a peior.
O trabalho intelligente e não o dinheiro é o se-
gredo da producção. Emprestimos não possuem ne-
nhum prestigio magico, cousa que devia ser eviden-
te para todo o mundo, pois a situação agricola peio-
rou depois que o agricultor poude -.levantar quanto
dinheiro quiz. A serie de desastres agricolas e exe-
cuções hypothecarias servem para demonstrar o máo
estado dessa industria. e provar como de nada adian-
taram os emprestimos. Ninguem ara com dinheiro,
nem semeia, cultiva e colhe com dinheiro. Os pro-
blemas da agricultura são problemas de producção,
e nunca financeiros.
Analogamente, suas difficuldades não proveem
dos mercados. Os remedios propostos neste caso
equivalem na inefficacia aos remedios fip.anceiros.
Para podernlos commerciar temos antes que produ-
zir, e por mais habil no commercio que se torne um.
agricultor, não consegue, por isso, melhorar-se como
, agricultor.
Os problemas centraes da agricultura consis-
tem em fazer a terra produzir. Si certa area produz
12 alqueires de trigo por hectare, nenhum recurso
commercial permittirá - que esse cultivador concorra
com outro que obtem 36 alqueires por hectare.
Ha, não resta-duvida, muita melhoria a fazer-se
no commercio dosproductos agricolas e hão de
conseguir-se taes melhorias. T\1:as só quando a pro-
H oj e
e
Amanhã
263
ducção se aperfeiçoar. O verdadeiro negocio começa
sempre na producção; uma vez conseguida ella como
é mister, as melhorias comn1erciaes surgem conse-
quentemente. A mesma pressão da producção fórça
a uma melhor distribuição. Commerciar não é mais
do que entregar ao consumidor os fructos da pro-
ducção, e quando a distribuição é imperfeita o ponto
de partida para descobrir o mal se encontrará na
producção.
o trabalho inutil
Considere-se a producção agricola. A primeira
cousa que salta á vista é a somma de trabalho inutil
iil\'erticlo nel1a. Durante 15 dias ou, no maximo, um
mez, o agricultor occupa-se da producção e da co-
lheita. Durante o resto do tempo cuida do gado ou
de tarefas accidentaes.
Demos que certa boa granja possua bom lote de
gado; mas o fazendeiro que não se especializa não
pode ter mais de 25 vaccas e em regra não tem mais
de meia duzia. Não pode ter estas yaccas com lim-
peza, o que tanto prejudica a elle como ao publico.
Ordenha-as a mão, que é caro e sujo. Leva todos os
dias o leite ao mercado, o que tambeln é caro, dado
o pequeno vulto da producsão. Si 10 ou 20 farmers
duma zona reunissem o seu gado, já seria possivel
montar um estabelecimento moderno e hygienico,
no qual a leiteria tomasse logo aspecto industrial.
Poderiam dispor-se as cousas de modo que o trata-
mento e ordenha das vaccas se fizessem a machina,
264 Henry Rord
com um minirno de trabalho manual. A electricidade
desempenharia o papel deste.
Nossa vaccaria ele Dearborn é dirigida exacta-
mente corno si fosse UIna fabrica. Temos um edifi-
.. lI>
cio de cimento perfeitamente limpo, lavado todos os
dias, onde estão as vaccas. Todas as tarefas se fa-
zem mechanicamente, e COIn o mesmo numero de
hornens que em regra tomam conta de 25 vaccas
toma:g:lOs conta de 300; pagamos os mesmos salarios
da fabrica e só pedimos 8 horas de trabalho. A boa
organização faz que o trabalho desses homens seja
tão efficaz que nos permitte pagaI-os bem.
E' um desperdicio phantastico de tempo e ener-
gias o cuidar de gado em pequena escala. Os fazen-
deiros podiam ganhar muito mais associando-se. Te-
riam productos mais baratos para os consumidores,
a preço de custo menor para os productores.
De fóra o gado, só fica á agricultura o trabalho
da terra, serviç? para um mez.
A verdadeira solução
En tão se revela o caracter real da agricultura:
um trabalho parcial ou auxiliar, um trabalho de um
lnez - e entra ella na regra commum que o traba-
lho de um mez não podl'! bastar a doze.
O verdadeiro problema da agricultura, poi5.
unicamente em descobrir o trabalho sup-
plementar que lhe permitta ganhar a vida nos onze
rnezes restantes. Tal é a ....-erdade, por máis rude
que seja.
Hoje e
Amanhâ 265
Como já expuz atrás, a descentralização da in-
dustria é chamada a proporcionar aos agricultores
esta occupação supplementar. Até aqui a agricultu-
ra e a industria se consideraram como ralnos distin-
ctos da actividade humana. Hoje yemos que se com-
pletam. Mas ha uma formidavel carga de tradições
a alijar. Um cavallo, por exemplo, constitue hoje um
animal de recreio de muito cara conservação numa
fazenda. São precisos tres annos para obter um ca-
vallo apto para o trabalho, emquanto que nalgumas
horas se constróe um tractor. O cavallo come o
anno inteiro; precisamos do producto de 16 hectares·
para alimentar 8 cayallos de tiro. O tractor só come
emquanto trabalha.
Em Dearborn, no tempo de arar, extendemos
em fila 50 a 70 tractores, manejados por homens
vindos da fabrica.
Todas as operações essenciaes se realizam deste
modo e o trabalho total consome uns 15 dias por
anno, mantendo-se o solo em perfeito estado de pro-
ductividade.
Assim, pois, os agricultores terão de descobrir
occupações supplementares. A agricultura p s s u ~
suas temporadas de marasmo, COlno as tem a indus-
tria. Não ha nenhuma razão para que ambas não se
completem. Ha\"erá assinl mais mercadorias, mais
generos alimenticios para todos e a menor preço.
Encontrar-se-á trabalho bastante para todos os
nossos fazendeiros? Não é trabalho que falta. Nin-
guem pode fazer idéa da massa de trabalho que
266 Henry
Ford
haverá a realizar em nosso paiz, si, conservando-se
baixos os preços, os salarios e os lucros se elevarem.
Mas tudo isto não se fará num dia. A industria
tambem não se transformou num dia. Começaremos
a industrializar a agricultura quando os agricultores
por si mesmos se convencerem de que a terra não
se trabalha por meio de leis ou de dollares, e que os
problemas agricolas são apenas problemas agrico-
las, e nada mais.
Capitulo X.X
COMO EQUILIBRAR A VIDA?
No primeiro capitulo formulamos esta pergun-
ta: "Estaremos caminhando muito depressa?"
A impressão geral parece ser de que o unico
termino a que se pode chegar com rapidez é a des-
truição; e como estamos a caminhar depressa, para
lá seguimos. Será assim? A mór parte dessa falada
rapidez não se emprega em abreviar o trabalho de
cada dia?
O que realmente preoccupa a maioriâ das crea-
turas é como empregar o seu tempo disponivel. Ou-
tróra esta preoccupação constituia o privilegio da
chamada "classe ociosa", si bem que os velhos
obreiros tambem permanecessem ociosos parte do
anno por escassez de trabalho. ~ f s este tempo dis-
ponivel difficilmente poderia ser chamado ocio, visto
como o occupavam com o trabalho de manter jun-
tos a alma e o corpo. Hoje, em nossas industrias,
vemos que 8 horas durante 5 dias na semana pro-
porcionam toda a producção que é necessario pedir
268
llenru
Ford
a um homem. Nossos operarias dispoem de lazer, o
que muitQ contrasta com os bons tempos antigos,
anteriores á applicação da força motriz na industria.
Veja-se o testemunho de um tal Samuel Coulson,
prestado perante uma commissão do par1àmento in-
glez em 1822, a respeito ~ creanças suas que tra-
balhavam numa fabrica:
P. - A que horas da manhã iam as crean-
ças para o serviço, nas epocas de muito tra-
balho?
R. - Durante umas seis semanas entra-
vam ás 3 da madrugada e sahiam ás 10 e
10 112 da noite.
P. - Não era muito difficil despertar es-
sas creanças para um trabalho tão penoso?
R. - Sim; tinhamos de levantaI-as inda
a dormir, sacudil-as de rijo, paI-as em pé e
vestil-as. Mas nada disto se dava nas epocas
de trabalho normal.
P. - Quanto tempo dormiam as creanças?
R. - A's 11 horas iam para a cama, de-
pois de tomarem algum alimento. Minha mu-
lher passava a noite em claro, afim de não
perder hora, de rnadrugada.
P. - Este trabalho fatiga\-a as creanças?
R. - Sim e muito; nós choravamos até;
para dar-lhes de comer tinhamos ele gritar,
sacudil-as e ás vezes continua ,-am ellas a dor-
nlÍr com o pão na bocca.
, ""
Isto no "bom tempo antIgo . O problema de
saber .como empregar seus oeias não preoccupava
11 o j e e
Amanhã 269
estas creanças. Tão pouco preoccupava os adultos,
pois o dia de 12 horas de trabalho era corrente, e o
de 16, frequente. Taes creaturas, sitn, caminhavam
muito depressa. Hoje só caminham depressa as ma-
chinas, as quaes, entretanto, teem que ser attendi-
das por homens de intelligencia clara e livre, exi-
gindo-se ~ i n d intelligencia lara e livre para a di-
recção do conjuncto. De outro modo voltaria a in-
dustria á sua phase homicida.
Equilibrio da vida
o trabalho incessante obscurece o cerebro da
mesma forma que o ocio continuo. Temos que achar
o equilibrio - preoccupação nova no mundo.
Em dias não remotos os homens se classifica-
vam em dois campos: os que trabalhavam e os que
se divertiam. E' muito facil trabalhar sem tregoas,
embora depois de algum tempo a intelligencia des-
appareça desse trabalho. Não é tão facil divertir-se
constantemente, mas comprehendo que lá se che-
gue. O trabalho de cada dia constitue o eixo de
todas as cousas. Sem este trabalho, impossiveis os
agradaveis ocioso Divertimentos por si sós não po-
dem fazer caminhar o mundo.
A importancia de tudo isto comprehendi-a eu
ha muito tempo por experiencia propria, e desde
então venho procurando o ponto de equilibrio da
vida. Nos começos, naturalmente, não existiu ne-
nhum eqnilibrio. Tudo era trabalho, e trabalho in-
cessante. Devia ser assim. Sempre encontrei diver-
Henry
Ford
sões ao meu alcance e o rnaior foi o meu proprio
trabalho. l\fas em principio é máo este interesse
por uma só cousa. Destroe a perspectiva.
Podemos encontrar distracções nas arvores e
nos passaras, nos passeios pelo campo, nas viagens
de automovel, em colleccionar cousas velhas dos
nossos avós, resuscitando-Ihes o ambiente. Elles sa-
biam ordenar alguns aspectos da -\"ida melhor que
nós. Tinham mais gosto. Punham mais belleza no
trivial da vida. O bom. não morre nunca. Por isso
adquirimos dois velhos albergues, um em 1Iassa-
chusetts e outro perto de Detroit, e os estamos
reconstruindo no estylo da epoca.
Estes veneraveis albergues, com os seus bellos
salões de baile, recordam qualquer cousa desappa-
recida do nosso yiver moderno: os encantos da ver-
dadeira dança. Hoje a dança commercializou-se; sa-
hiu das casas e dos salões de ba!le para os restau-
rantes mal arejados, onde se exercita no pouco es-
paço que existe entre as mesas.
As velhas danças
o velho baile americano era decente e hygieni-
CD. Nas quadrilhas e 110 two step circular hayia ry-
thmo e graça de movimentos. Reina,-a a cordealida-
de da gente que se conhece. Puras festas sociaes.
Não se pode dizer o mesmo das danças modernas.
Duas pessoas hoje d ~ n ç m juntas toda a noite. Ou-
tróra dançariam com doze pares differentes.
Quando moço sempre gostei de danças. l\Ias as
/I o j e e
Amanhã 271
do meu tempo estão fóra da moda - a schottisch,
a polka, a valsa, a quadrilha, a gavota, a giga, etc.
Quando tratamos de restaurar o nosso salão de bai-
les, vimos que os moços de hoje já não conheciam
taes danças, e os velhos - os mais necessitados de-
dançar - estavam entorpecidos. Julgavam-se velhos
demais. Nunca somos bastante velhos para não dan-
çar. Certo numero. de septuagenarios, homens e mu-
lheres, veem hoje aos nossos bailes, e um violinista
de 85 annos não só toca como tambem dança em-
quanto toca.
No predio novo do nosso laboratorio de Dear-
born reservamos um angulo que forma um salão de
baile sufficiente para 70 pares.
Formamos uma orchestra. Tínhamos trazido da
Hungria um cymbalo sem saber quem o tocaria.
Um moço hungaro das nossas officinas soube disso
e pediu para experimentar. Revelou-se um perfeito
musico e já não trabalha na fabrica. Possuimos tam-
bem um psaIterio - o pae do piano - que se toca
por meio de ma.rtellinhos, e ainda um violino e um
saxophone. Demos caça e reimprimimos todas as ve-
lhas musicas que pudemos encontrar; a lllaior parte
dellas só existia na memoria dos velhos violinistas,
que as tocavalll evocando os antigos bailes campes-
tres.
Puzemo-nos em busca dos violinistas d'antanho
e reunimos uns 50 de varias regiões, os quaes to-
caram para nós, menos pela sua arte do que pelo
que as musicas evocavam. Estamos f o r m ~ d o uma
bibliotheca de antigas musicas de baile, tendo Edi-
272
Henry
Ford
son e outros fixado algumas em discos de phono-
grapho.
O curioso é ver como os violinistas reriast:em
1
por influencia dessa musica. Ha mais de tres deca-
das, quando no albergue Botsford havia bailes to-
das as semanas, reunia-se um grupo de violinistas
considerados como de primeira ordem. Tratamos de
descobril-os. Haviam prosperado, todos, e viviam já
fora do movimento. Por meio de uns descobrimos a
ou tros e por fim reunimos toda a velha orchestra
num sarau magnifico. Os velhos tocalt"am durante
duas horas, esquecidos da velhice. Havia algo em
sua musica que 'os moços (aliás muito melhores ar-
tistàs) não sabem dar. O mais velho de todos tocava
e dançava a um tempo - e tinha 8S annos!
Escolas de danças antigas
Esses bailes nos divertem muito. Temos clas-
ses de danças duas vezes por semana. Todo o mun-
do de\-e aprender a dançar com a maxima perfeição.
Uma das mais beJlas qualidades das nossas danças
antigas estava na sua linha de correcção. Seguimos
com rigor todas as regras. As moças não entram sós
na sala; devem preceder aos cavalheiros. Ninguem
le\-anta o dedo de longe para pedir uma contra-
dança, nem "corta" a sala. Tudo é regulado pela
etiqueta, constante de um manual que escrevemo:;.
Ninguem lhe r r o s ~ os preceitos. AcceÍtam-nes
todos., fiOm prazer, e isto mudou UUl pouco os ha-
bitos correntes, que frisam a grosseria.
Hoje e
AInanhã
273
A nossa experiencia constitue um exito. De-
monstrou que, si damos ás gentes hberdade de es-
colher, preterem ellas a musica melodiosa e as dan-
ças harmoniosas, em vez da musica discordante e
das danças sem belleza.
Nosso repertorio comprehende nada menos de
14 danças: o two steps, o· two steps de circulo, a
valsa, a schottisch, a polka, o minueto, a quadrilha
de lanceiros e a varsoviana, além das combinaçÕes.
São danças que te em de ser dançadas! Ellas não
supportam a improvisação.
Nunca pensamos em emprehender uma cruza-
da contra a dança moderna, como se disse. Apenas
dançamos da maneira que mais nos agrada. A ten-
tativa tornou-se popular e muita gente de fóra ap-
parece querendo seguir o curso.
Os velhos albergues
o Wayside Inn, em Sudbury, 1\:fassachussetts,
é um dos mais velhos do paiz - paiz novo onde
nada é muito velho. Alli se hospedaram Washington
e Lafayette, o que junto aos Tales of a Wayside Inn,
de Longtello
w
• fez esse albergue incorporar-se á
alma da nação. Ao vel-o posto á venda, compramol-o,
menos por motivos pessoaes do que afim de con-
servaI-o para o publico. Esse albergue symboliza
0, espirito pioneiro - o verdadeiro espirito da Ame-
rica. Si algum dia o perdermos, si chegarmos ao ex-
tremo de receiar fazer uma cousa porque ninguem a
fez antes, ou porque dê trabalho o fazeI-a, nesse
Henry
Ford
dia teremos cessado de progredir e estaremos no
caminho da volta.
Admiro profundamente os homens que funda-
ratn o paiz e acho que devemos conheceI-os melhor
e melhor compreehnder a sua força de animo. Po-
demos, está claro, ler-lhes a historia; mas ainda
que seja verdadeira, o que nem sempre acontece,
isso não basta para nos dar uma imagem perfeita do
passado. O meio unico de mostrar como viviam nos-
sos avós e ter a sensação exacta de como eram elles,
consiste em restaura'r o ambiente em que viveram.
Os mais velhos dentre nós podem ainda ajui-
zar do modo de "ida dos pioneiros, mas as gerações
novas já se epcontram num mundo bastante diverso.
Sabem de automoveis, aeroplanos e radio - mas
nada dos pioneiros e seus emprehendimentos.
A principio nossa intenção foi apenas restaurar
o albergue. Mas como está situado numa via publi-
ca era inlpossivel evitar que seus arredores fossem
explorados. Ti\'emos que defender esses arredores
comprando os terrenos circumvizinhos.
Conseguimos repor o velho albergue no seu
estado primitivo; um só aposento não é da epoca, o
"quarto de Edison", que mobiliamos ao gosto do
tempo em que Edison nasceu.
Houve muito trabalho a realizar. Tivemos que
restaurar as velhas chaminés, tapadas a tijolo, e hoje
lá vemos 16, enormes, feitas para receber toradas de
lenha que tres homens carregam com difficuldade.
Todos os assoalhos foram refeitos.
A illúminação antiga era a velas, dispostas em
Hoje
e
Amanhã 275
candelabros fixos nas paredes ou apoiados em sup-
Haviam-nas substituido pela luz electrica. O
retorno ao processo antigo não era pratico, devido
aos riscos de incendio. Tivemos que restaurar os
candelabros e deixar a luz electrica, mas imitando
perfeitamente as velas.
Depois sahimos em busca de muitas reli qui as
que tinham desapparecido do albergue e
achando. Um cofre, por exemplo, foi encontrado no
Kansas.
Restauramos a velha biblia e a guardamos na
stta caixa, onde viverá longos annos.
O relogio de ha muito estava parado. Fôra cons-
truido na Inglaterra em 1710 e tinha muitas peças
inserviveis. Reformamol-as e guardamos as peças
velhas numa caixa.
Deste modo, palmo a palmo, deixamos o alber-
gue no estado em que se achava quando Washin-
gton alli esteve pela Revolução. A mobilia não nos
occupou grande cousa. Tinhamos uma boa collecção
de moveis da epoca e além disso lá encontramos
muitos que só precisavam de habil restauração.
Depois de arrumado o albergue, demos começo
ao trabalho de repôr os terrenos circurndantes no
seu velho aspecto, e estamos em via de restaurar
duas antiquadas installações de serras, uma dellas
encontrada em Rhode Isiand. Havia perto um moi-
nho de aveia mo\"ido a ro(Ia d'agua. Retornamol-o
ao estádo em que se achada durante a Revolução,
pondo a roda em baixo, e temol-o hoje a moer tr}go,
milho e centeio. Tambem estamos reconstruindo
276 Henry
Pord
ulua yelha officina de ferreiro e breve a teremos em
funcção, COIU a sua bigorna, suas tenazes e bancos da
epoca. Talvez reconstituamos outras officinas, por-
que as yelhas industrias aldeãs encerram boas lições.
No pateo do albergue estamos reunindo carrua-
gens e arreios do tempo. Uma das mais interessan-
tes é a sége do "governador Eustis", na qual se diz
que Daniel Webster e Lafayette viajaram para as-
sistir á inauguração do monumento do Bunker Hill,
em 1825.
Temos tambem uma collecção de arados e ou-
tros instrumentos agricolas, com bois para tiraI-os,
como na éra dos pioneiros.
Com o tempo faremos deste lagar, não um mu-
seu retrospecti\o, mas unla dernonstração yiya da
maneira de yiyer dos n8SSOS avós. Arrastados pelo
impulso da industria moderna, ~ n h m o s ae um
lado o que perdemos de outro. Mas nosso lucro foi
bem superior á perda. Podemos conservar o lucro
e restaurar muito do perdido.
A "Casa das 16 milhas"
o albergue de Wayside representa o paiz de
250 annos atrás. Na estrada do Grand River, a 16
milhas de Detroit, outro albergue existe, conhecido
outróra por "Casa das 16 milhas" e depois rebapti-
sado para" Botsford Inn", do nome de seu proprie-
tario, Frank Bot.sford. Remonta a um secttlo e está
ha muito tempo fechado. E' um bello specimen do
albergue rural antigo numa região relativamente
Hoje e
Amanhã 277
nova, pois o l\lichigan povoou-se muito depois de
~ f s s c h ttsetts.
Compramol-o e restauramol-o, abrindo-o ao pu-
blico. Conservamos a velha cosinha com o seu enor-
me fogão e o assador em volta. Mas temos uma co-
sinha moderna ao lado, de moelo que podemos passar
instantaneamente de um seculo para outro.
Por muito tempo andamos a colleccionar ve-
lhos objectos americanos e hoje temos em Dear-
born muitas .salas cheias.
Queremos reunir um pouco de tudo. Specimens
de todas as carretas e carruagens antigas, desde a
carriola coberta do pioneiro até o ultimo typo da
caleça ingleza. Ferramentas agricolas, instrumentos
de musica e toda a especie de artigos caseiros. Um
dia será Dearborn um nlllseu, onde se possa contem-
plar o quadro completo da evolução da nossa ma-
neira de viver desde as suas origens.
Capitulo XXI
PARA QUE O DINHEIRO?
De visita ás nossas fabricas, um industrial es-
trangeiro disse:
- Nós lá necessitamos fixar de antemão os lu-
"
eras, pois do contrario não nos habilitariamos a
prover os gastos. A não ser que calculemos com
base em certo rendimento e certo lucro, não nos é
passiveI conduzir um negocio. Como se faz aqui?
A pergunta era sincera e feita de boa fé; mas
revelava o carro posto á frente dos bois. Admittia
o ganho ou não de certo lucro, em vez de admittir
a prestação de certo serviço, !-feixando que o lucro
cuide de SI.
Nós consideramos o lucro como a inevitavel
consequencia do trabalho bem realizado. Dinheiro
não passa de um producto de que necessitalllos, tal-
qualmente o ferro ou o carvão. Si considerarm.os o
dinheiro de outra forma, as difficuldades são inevi-
taveis, pois que então passará elle a primar sobre
o serviço - e um negocio que não põe o serviço
acima de tudo não cabe na nossa republica.
280
H e-II r y Ford
o vulgarissimo erro de confundir o dinheiro
com o negocio se produz em virtude do jogo no mer-
cado de valores, ou bolsa, cujas cotações são tidas
como o barometro dos negocioso Dahi a conclusão
vulgarmente tirada de que um negocio é bom si ha
movimento de alta em seus titulos e que é máo si
aos jogadores de bolsa occorre promover-lhes a
baixa.
o jogo de titulos
l\Ias o mercado de valores nada tem que ver
com a industria, nem ~ m a qualidade dos artigos
fabricados, nem com o rendimento .da producção,
nem com o commercio do producto. Nem si quer
augmenta ou diminue o capital empregado na. in-
dustria. Apenas realiza uma funcção secundaria.
Do mesmo modo pouco tem que ver com os di-
videndos. Grande parte do movimento commercial
se realiza sem attenção aos dividendos. A não ser
para quem colloca o seu dinheiro sobriamente, o di-
videndo carece de importancia; pelo menos não é o
objectivo principal. Alguns dos valores mais "acti-
. vos" não pagam dividendos. Os lucros buscados no
trafico de valores nenhuma relação apresentam com
os lucros obtidos pela industria mediante a pro-
ducção de artigos. O preço das acções só depende
do numero de pessoas que as querem adquirir.
A situação da bolsa pode ser de grande impor-
tancia para os funccionarios e dirigentes de uma
companhia que se dedique ao jogo dos yalores, e
Hoje e
Amanhã 281
trate de ganhar dinheiro com as acções da compa-
nhia em vez de ganhal-o prestando serviço ao publi-
co. Taes companhias de agiotas carecem de impor-
tancia: brilham por um momento e murcham. Mas
seryem para convencer muita gente de que o mer-
cado de valores tem alguma relação com o negocio,
quando o certo é que, ainda que não mudasse de
dono um só titulo, não se produziria a menor trans-
formação nos negocios da America. E si amanhã
todQ,s os titulas mudasseul de mãos, a industria não
teria nem um cent a mais ou a menos para inyerter
em trabalho.
Consequentemente, toda esta actividade bolsis-
ta influe tanto como o basebaU nos interesses fun-
,damentaes dos negocias. E' uma funcção secunda-
ria, sem relação com os principias basicos dos nego-
'CÍos e que nada lhes fornece do que elles necessitam.
f
Revelam apenas uma relação esporadica e acciden-
tal com o valor das cousas. Si se supprimisse a es-
peculação em titulas, a natural compra e venda de
'valores seria simplesmente a uma
·qualquer secção bancaria.
Parece-nos a nós que 'os fios que ligam a um
negocio as pessoas alheias a elle obrigam-no com
frequencia a transformar-se em fabrica de dividen-
dos. Quando a funcção principal de uma industria é
'produzir dividendos em vez de utilidades, o persis-
tir nella torna-se erro fundamental. O negocio pende
para o accionista, com desprezo do consunlidor, o
que nega o objecto supremo da industria.
O accionista ausente é uma das parcellas prin-
282
Henry Ford
cipaes, embora não visiveis no calculo do custo da
vida.
Tudo isto encontra defesa, como é natural: diz-
se que os valores nominaes representam uma con-
tribuição facilitadora do funccionamento da indus-
tria. Sem embargo a historia não dá apoio a tal
justificativa. Quando, por exemplo, as acções pre-
·ferenciaes se tornam uma sobrecarga para a pro-
'ducção, os lucros da industria passam a ser lucros
'privados, deixam de ser lucros publicos, o que não'
pode ser defendido de maneira nenhuma. Sabemos
,de um caso em que foi elevado de 50 doBares o pre-
ço de uma artigo afim de attender ao pedido dos
accionistas.
Industria não é dinheiro; baseia-se em idéa:;,
trabalho, organização, elementos que não se expri-
'mem por dividendos, e sim por utilidade, qualidade
e efficiencia dos productos, cous'as que o dinheiro
não crêa, mas que cream dinheiro.
Todo negocio prospera quando o dinheiro passél
dos compraclores ao producto, deixando de ser uma
carga para o negocio ou para o publico. Dinheiro
que não faz isso é pesado ao negocio; seu principal
. objectivo torna-se augmentar-se a si proprio, sem
nenhum para o publico.
Não nego, todavia, algum valor ás
da bolsa: homens de boas qualidades perdem neBas
o que possuem e se veem obrigados a retornar ao
trabalho. O habito de especular desvia a intelligen-
cia de muitos homens do seu legitimo negocio. Tudo
o que os faça retornar a elle é um bem. :\ riqueza
Hoje e
A manhâ
não cresce em virtude ela actividade da bolsa; ape-
nas muda de dono. Especulação não crea riqueza;
põe-na como premio a um jogo. Attribuiram-me cer-
ta 'Vez a opinião de que o mel-cado de valores era cou.,.
sa favoravel aos negocioso O reporter omittiu a ra-
zão que dei: "porque.faz v.:oltarem ao trabalho os ho-
mens que se arruinam nelle."
o ideá1 de serviço
Outróra só se concebia que o negocio benefi-
ciasse aos seus donos. Hoje, entretanto, a oplnlao
virou e admitte-se que o objectivo do negocio seja
beneficiar os que trabalham nelle, sobretudo os assa-
lariados. Idéa tão erroneacomo a que concebe o
negocio como simples producto de acções proprias
para especular na bolsa. Obtivemos um muito curio-
so exemplo deste conceito nos ensaios de alguns col-
legiaes que vieram trabalhar em nossas fabricas du-
rante as ferias.
Bem suggestivo o que elles escreveram, pois
eram rapazes vivos, indagadores, iritelligentes, sem
outra parcialidade além dessa parcialidade perfeita-
mente humana que nos põe ao lado do operario con-
tra a empreza. Fóra um ou dois, todos declaram.
que as relações entre operarios e patrões eram boas,
como eram boas as condições elo trabalho, etc. N e-
nham teve uma palavra para o producto. Si um hos-
pital fosse encarado sob este criterio, a informação
resultante diria elo conforto da sala dos medicos, do
bom trato concedido ás enfermeiras e do commoda
284 Henry P o rd
\ e agradavelm.ente que estavam ordenadas as horas
dos internos. selU eluittir palavra sobre o serviço por
esse hospital prestado aos doentes. Quer dizer que
os rapazes admittiram que a industria se deve jul·
gar pelos beneficios que presta aos que trabalham
nella, como si o merito das e,scolas pudesse ser me-
dido pelo lucro pessoal dos professores, ou o merito
dos hospitaes pela renda obtida pelos medicos. As
escolas teelU que ser julgadas pelos seus produ':
ctos - os alumnos que saenl dellas; e os hospitaes
pela sua obra - 0S doentes que neIles se curam.
Não ha muito, na industria, tudo ia a beneficio
do proprietario; hoje tudo se le\-a a beneficio do
operario. No entanto jaluais julgaremos devidamen-
te uma industria si a não medirmos pelo indice de
serviços que ella presta ao publico. A questão dos
lucros e salarios não terá jamais solução perfeita m ~
quanto não fôr admittida a utilidade publica como
objecto supremo da industria.
A fabrica justifica sua existencia pela sua uti-
lidade social. Si negligencia elementos vitaes como
o salario, desqualifica-se e não pode ter utilidade
nenhuma, porque são cousas que caminham juntas.
A quem cabe o lucro?
o objectivo do negocio não consiste em ganhaI
dinheiro para o proprietario ou para o operario. Ca-
pitalistas e laboristas de visão curta pensam de
egual modo em materia de industria; só discordam
a respeito de quem ha de levar o bolo.
Hoje e
A1l1anhã
285
Examinemos as acções de cada um delles. Em
primeiro havemos de concordar que qualquer pro-
ducto ou processo digno de expansão nasce por obra
de homens que para elle trabalharam movidos ape-
nas pelo amor da perfeição - nunca pelo fito de
lucro.
Em segundo logar temos de admittir que o de-
senvolvimento do negocio, quando attinge um certo
ponto, se capitaliza. Os homens de dinheiro nelle
enxergam uma nova opportuniclade de ganhar di-
nheiro. Erguem fabricas, montam machinas e met-
tem mãos á .obra - mas o verdadeiro prodllcto que
procuram obter chama-se dividendo. Se em
de crise é forçoso sacrificar alguma cousa, a \:icti-
ma será o producto, nunca o dividendo. D'ahi baixa
de salarios, augmento de preços, inferiorização do
producto - contanto que se saivem os dividendos.
Os engenheiros possuem outro interesse. O
standard do momento representa para elles o nivel
das realizações do momento, realizações que espe-
ram amanhã. Precisamente nisto a engenha-
ria . .é·a inimiga da finança myope. Um grupo de agio-
'tas, quando monta uma operosa serie de fornos, só
o faz para produzir dividendos. IvIas o fim do torno
não é esse, e sim fundir metaes. O engenheiro surge
e inventa um forno melhor. Os financeiros teen.
que dividir-se: ou substituem. os fornos "Velhos por
novos ou se aferram aos velhos e repellem a estes.
Naturalmente que a modificação exige dispen-
dio de dinheiro. O dinheiro, todavia, foi previamente
fornecido pelo publico. ,Toda a empreza que procede
286 Henry Fo rei
bem para com o publico tem dinheiro para manter-
se elU progresso. O superavi,t de qualquer firma in-
dustrial é mais Uln tundo para assegurar o seu pro-
gresso futuro, do que um premio ás passadas reali-
zações, O financisia que controla um negocio, não
vendo as cousas por este lado, protesta contra os
gastos da modificação. ~ as o engenheiro, que só vê'
o auglnento de eHiciencia do serviço, realiza-os.
V ej amos as cousas do lado do salario. Os sala·
rios creanl a capacidade acquisiti\"a do povo, base
dos negocioso ]VIas quando certos advogados entram
a declarar qt1e os salarios devem abs?rver todas a5.
economias e lucros obtidos por meio de melhora-
mentos na industria, escusa chamar a attenção sobre
a tendenciosidade e a limitada efficiencia de um tal:
ponto de vista.
Tem-se proposto, a sério, que todas as vanta-
gens resultantes duma melhor organiza'ção, como
seja o augmento da producção, a baixa do preço,
de custo ou a alta dos valores revertam exclusiva-
mente em prol do salario.
Nossas industrias poderão serVIr de exemplo. A
maior parte das melhorias introduzidas são interna.,
isto é, obtidas dentro da organização do negocio:
boa ordem do trabalho, simplicação dos methodos
economia do trabalho util, suppressão do desper-
dicio /- CO.l .. 1sas que nos permittem prestar um ser:
viço ao publico melhor que antes.
Esta diminuição do custo, que realmente é um
lucro, pode ser encaminhada em tres direcções. Po·
demos dizer: ., Guardal-o-emos todo po,rque é um fi-
Hoje e
Amanhã ~ 7
lho da nossa capacidade". Ou: "Guardaremos a dif-
ferença entre o que custava antes o artigo e o que
custa agora, distribuindo o excedente aos opera-
rios." Ou: "Custa-nos menos produzir tal serviço;
portanto, reduzamos o preço de venda no devido
equivalente, entregando ao publico o lucro.
No primeiro caso o argumento poderia ser este:
o lucro extra pertence áquelles de cuja intelligencia
~ r o t o u No segundo caso o argumento seria: o lucro
,extra pertence aos operarios, isto é, aos producto-
res. No terceiro, seria: o publico tem o direito de
adquirir os artigos e o serviço pelo menor preço
passiveI.
Basta enumerar os varios argumentos para que
resalte a solução. O lucro pertence ao publico. Os
proprietarios não constituem o publico, nem tão pou-
co os operarios duma industria. Proprietarios e ope-
rarias receberão sua parte sob forma de auglnento
do negocio, consequencia logica, da baixa de preço.
Como já vimos atrás, umà industria não pode sub-
sistir para uma só classe. Quando é assim, e faz-se
productora de dinheiro para un1a classe apenas, em
vez de produzir para todas, transforma-se logo num
negocio complicado que frequentemente fracassa -
tão frequentemente que os falsos sabios inventaram
o chamado "cyclo do negocio".
288
Henry Ford
o cyc10 dos negoclos
Admittem que o cyc10 dum negocio é algo ngl-
do, e que attingindo o seu termo o negocio tem que
lTIOrrer.
Não pode hayer collapso no negocio, nem crises
no trabalho.
Os antigos pioneiros que viajavam pelo Oeste per-
corriam 12 milhas diarias. Foi considerada uma cou-
sa marayilhosa poder-se viajar a 16 milhas por hora
Hoje percorremos de 600 a 700 milhas por dia em
antomoyel. O caso é que attingimos tal velocidade
de vida que o attenual-a, para atravessar cruzamen-
tos econonlicos ou curvas, nada significa. Quando o
expresso, ao passar por certos pontos, reduz sua
marcha de 60 a 30 milhas por hora, isso não quer
dizer que o trem haja parado ou esteja arrebentado.
Mas os medrosos estão selnpre a esperar taes desas-
tres. Dir-se-ia que os negocios são dirigidos por
neurasthenicos.
,Perde-se a melhor epoca para ser auscultado o
nosso organisnlo economico porque, quando os ne-
gocias "prosperam", todos se mettem a tirar da ma-
china o maxim.o que eIla dá, sem nenhuma attenção.
pela sua melhoria. Quando a machina se desarranjél.,
então sim, detem-se a estudaI-a. Uma ruim machi-
na destroçada não é cousa peior que uma optima que
teve o mesmo fim. Para a boa conservação das ma':'
chinas havemos que examinaI-as quando p p r e n t ~
mente est::o funccionando com a nlaior precisão.
E -não o fazemos. Nossos observadores eçonorni ..
e
Amanhã 289
cos a.companham o progresso de um negocio sobre
tudo para prognosticar desastres. Constitue até um
negodo corrente esta vigilancia signaleira de cavil-
·lações e collapsos; e os que pagam tal serviço de
vigilancia podem salvar-se antes dos outros. J\1as
ninguem estabelece, e lnuitos até se irritam com
um serviço que procure evitar desastres, attentando
no systema em quanto está elle a funccionar a toda
velocidàde.
l\luitas opportunidades perderemos, si conside-
rarmos a depressão dos negocias como epidemia ine-
vitavel. A sciencia medica prefere seguir um cami-
nho que torne continua a saude publica; somente o
habito de pensar scientificamente pode levar-nos a
desejar que a prosperidade publica seja continua.
o bom remedio
Nossa receita para os máos telnpos é reduzir
os preços e augmentar os salarias. E por esta forma
bastariam os esforços de algumas grandes emprezas
para contrabater o panico adyindo de qualquer de-
pressão que não seja guerra ou catastrophe cosmica.
Os graves transtornos sobreveem em vista de
nos negarmos a estudar as questões economiQas
quando o sol resplandece e tudo c;lminha ás maravi-
lhas. A semente dos máos tempos gera-se nos erros
commettidos nos tempos de prosperidade. Não obs-
tante, ~ o s tempos de prosperidade ninguem quer ou-
vir falar de erros possiveis. A politica unica se r ~ s u
me no "aproyeitar emquanto é tempo". Quando a
290 Henry
Ford
machina se desarranja, em virtude da nossa ignoran-
cia das leis reguladoras da saude economica, surge
o debate. O mal, porém, já sobreyeio e ha\'emos que
atravessar o periodo, mais ou menos longo, do res-
tabelecimento e da restauração.
Conservadores extremistas
Estas epocas de prosperidade e adversidade pro-
duzem dois typos mentaes: o conservador, que ap-
parece com a prosperidade e o radical, que surge
com a situação contraria. Ambos são essenciaes, mas
nenhum, agindo por si só, faz muita cousa em prol
do progresso. Os radicaes teem razão de dizer que
os conservadores não trabalham pelo progresso, co-
mo estes teem razão de negar áquelles capacidade
para dirigir as cousas que criticam.
Não podemos, entretanto, negar que a respon-
sabilidade pesa sobre os que dirigem, isto é, os con-
servadores; suas responsabilidades afastam-nos das
irresponsabilidades dos r-adicaes. Por ora (e prova-
velmente por longo tempo ainda, até que desappare-
çam estas distincções entre conservadores e radi-
caes), permanecem os conservadores no commando
da. machina, por força do direito que lhes dá o facto
de a saberem dirigir como dirigem.
Do exposto resulta que os conservadores devem
considerar-se como depositarios do poder em bene-
ficio geral. No passado foram excellentes deposita-
rios desse poder, cuidando de si mesmos. Introdu-
ziram melhorias no systema para beneficio dos ban-
Hoje e
Amanhã
291
cos e negociantes. Demonstraram sua capacidade
para fazer que nossa vida economica produzisse ali-
mentos em abunclancia, mais independencia e mais
lares do que em qualquer outra parte do mundo.
E' claro que devem agora demonstrar, como de-
positarios desse poder, que podem ir mais longe no
caminho de collocar o nosso systema á prova da
",
necedade, da maldade e da cubiça, em beneficio de
todos os cidadãos do paiz. Simples problema de
engenharia social. Pode ter como effeito a reducção
das "fortunas pessoaes", porén1 nunCa reduzirá o ca-
pital operante. Que direito possue uma" fortuna pes-
soal" senão de ser um capital operante? E' chegada
a hora em que a lei do moruento conc1ama: "a quem
muito se dá, muito será exigido."
A intromissão do estado
Mas o mais nocivo é a idéa de que a machina
economica pode ser reparada pelo governo. A intro-
missão deste resume-se, em regra, na imposição de
taxas, cujo producto vae ter ás mãos dos que o pe-
dem com voz mais forte. Os chamados programmas
progressistas se cifram nisto: "POdelTIOS obrigar o
paiz a fazer tal cousa para nós?" Todos os program-
mas que affirman1 ser o "Governo" uma fonte inex-
gottavel de pri vilegios, e todas as declarações de
que o paiz fará isto para esta ou aquel1a classe, não
passam de reflexos de indigencia de espirito. A de-
bilidade da massa parece força mas não é. Não se
propõe a fazer o que ~ u g g r mas quer que os .: rea-
292
Henry
Ford
lizadores" o façam em proveito della. Tal mentqli-
i""
dade não procura servir o paiz, mas servir-se do paiz.
Sem duvida que o forte deve servir o fraco, não
confirmaI-o na sua fraqueza. O serviço prestado ao
fraco é oontraproducente si não resulta em accres-
ceI-o de força e independencia. Alentar a attitude
mendicante do espirito vale por maldade extrema.
Por isso é tão desprezlvel a nossa caridade com-
mum; debilita os a dar e os dispostos a
receber. Tal caridade uma evasão do esforço.
O movimento para a dependencia de um gover-
no não somente resulta falso, mas ainda 'destróe to-
das as possibilidades de alcançar o bem visado. Pri-
meiro: esta idéa é falsa qt!ando analysamos
Uhl. governo vemos logo que elle só pode dar o que
lhe damos. Segundo: tal idéa destróe o bem que
l;msca, porque estanca a fonte de toda a ou
força que possa o Governo possuir para o uso col-
lectivo. Quando, por exemplo, o governo da Russia
foi empolgac,1o, que é que se e'ncontrou? Nada. Em
seu logar enthronizou-se a desordem e o que havia
de benefico na antiga ordem de cousas se perdeu.
Vendo entre mãos o que suppunham uma fonte
...
milagrosa de bençãos, os creadores do n9vo sys-
tema não econtraram benção nenhuma a repartir -
nem a benção commum do pão.
A falsa cornucopia
N os·sos canaes legislativos anelam obstruidos de
projectos instituidores de gratuidades de toda a sor-
1f o j e
Amanhã 293
te. tendentes ao surto de um paternalismo que não
deixa recanto da vida liberto do patrocinio dos agen-
tes governamentaes - beneficio de uma classe con-
tra outra, protecção de interesses contra interesses,
sem nenhum fim. Os legisladores passaram a ter-se
cOpIo amimadoroo do povo, em vez de desembara-
/ .
çarem-Ihe õs caminhos para que o povo tudo faça
por si mesmo. Os corpos legislativos suppõem que
esta funcção os faz mais populares ás massas. Creem
que agindo assim interpretam os véros desejos do
povo.
Grande parte da acção legislativa intenta reme-
diar as imperfeições da machina economica por meio
de regulamentos. Não é o publico tão anti-scienti-
fico em sua capacidade politica como em sua capa-
cidade c'ommercial?
Nossa economia governamental é grotesca. A
mór parte das leis restrictivas do progresso eco-
nomico têm sido dicta:das com o fim de reprimir 0
elemento de egoismo que se mescla a toda a activi-
dade lucrativa; mas como nenhuma lei pode conse-
guir tal cousa, a resultante é carregarem-se de ca-
deias os negocioso
Os impostos
Observem-se os impostos, pois a maior activi-
dade do governo parece applicar-se no estabeleci-
mento de impostos.
Pouca gente terá estudado a relação que existe
entre os impostos altos e a pobreza, embora seja cer·
294 Henry
Ford
to que taes impostos engendram a pobreza, tornando
menos efficiente a producção.
Ninguem ainda bem comprehendeu a verda-
deira funcção do governo.
E' bastante significativo que as unicas formas
de taxação submettidas directamente ao povo são
as que parecem pagaveis por uma outra geração.
Faz-se o appello á consciencia das classes. Justo é
que o encargo de taxas se distribua de accordo com
a capacidade de pagar; mas não é justo que a func-
ção da taxa possa ser usada como meio de propa-
ganda de classe. Não ha divisões de classes na actual
tributação - o povo paga tudo. Quando um homem
de posses ganha honestamente muito dinheiro e pa-
ga altos impostos, é do povo que saem estes. Si o ho-
mem deshonestamente foge ao imposto, é ainda o
povo o pagante da differença.
O modo de bem conseguir uma perspectiva exa-
cta é tirar os olhos do signo doBar e pol-os na cousa
em si - incontinente perceberemos a injustiça dos
impostos. Supponha-se que quando um negocio che-
ga ao ponto de expansão appareça o arrecadador de
impostos e diga: "Dá-me o capital de tuas novas
machinas". O dinheiro que o governo perceberia
por essa forma seria por metade tão u til ao paiz co-
mo a ampliação da fabrica, e consequente augmento
de operarios e dos recursos nacionaes? O que desta
forma se arrecadasse serialll dollares ou productos
confiscados?
Imagine-se que a contribuição sobre as heranças
se cobrasse em proprie9ades em vez de se cobrar
Hoje e
Amanhã 295
em dinheiro. E que o a,recadador dissesse: "Leva,-
rei em pagamento do imposto um forno, quatro ca-
dinhos, dois guindastes, dez machinas de perfurar
e 25 % do carvão dos armazens."
Isto seria comprehensivel si os bens assim to-
mados symbolizassem algum crime anti-social. Seria
comprehensivel sob o regimen theorico de que é
injusto tOlllaro que um homem possue em vida, mas
não quando ao morrer vae passar a cousa para ou-
tras mãos. Seria ainda comprehensivel sob o regimen
theorico de que o governo permitte deliberad:;tmente
o augmento criminoso da machinaria e do trabalho,
emquanto vivo o director da industria, más os sup-
prime quando vem elle a falle c.er .
Pois tudo isso seria muito mais justo do que o
que se - verifica actualmente. A herança se exprime
sempre em dollares ainda que estes não existam. O
que herdam a mor parte dos herdeiros é uma tarefa,
um negocio a ser mantido, uma responsabilidade a
ser sustentada. Herdar a direcção duma fabrica, ou
de qualquer outro negocio, é arcar com uma tarefa
de cuja sensata execução-depende o trabalho de mui-
tos ,homens e a subsistencia de muitas familias.
Tudo isto provem dum erro corrente, aqui e
em outros paizes - o erro que dá o negocio como
equivalente ao dinheiro e confunde grande negocio
com grande capital.
Capitulo XXII
APPLICAÇAO DOS NOSSOS
PRINCIPIOS A QUALQUER NEGOCIO
Os principios que venho expondo parecem-nos
universaes. Temol-os applicado a todas as ind\.1strias
sem que haja necessidade de alteraI-os. Entretanto,
como nossas industrias são em ponto grande, todos
creem que ellas nasceram grandes e que o que fize-
mos só é peculiar á grande industria. Até certo
ponto é is'to exacto, m.as não passa de um.a questão
de escala.
Si me perguntam: Como applicareis esses prin-
cipios, si em vez de possuirdes uma grande fabrica
de automoveis e tractores não tivesseis tnais que
uma pequena officina com 25 operarios, empregados
em fabricar qualquer cousa setn relação com os au-
tomoveis? O que farieis si o vosso total de vendas
não passasse, por exemplo, de 100.000 dollares por
anno?
Estas perguntas não podem ser respondidas a
queima-roupa e com uma só palavra. A resposta
298
Henry
Ford
depende, com effeito, da questão de saber si o postu-
lante se considera como definitivamente limitado a
um certo vulto de negocios e adstricto a um certo
systema.
A importancia de um negocio - sua dimensão
- não passa de uma etapa; numa certa etapa a
situação economica do negocio lhe permittirá fazer
isto; na etapa seguinte, aquillo - e assim por dean-
te. Nunca será alcançado o ponto em que possamos
fabricar e vender exactamente como o quizeramos,
isto é, realizando em todas as direcções o maximo
de economias. As industrias Ford possuem os mais
amplos recursos, mas nunca chegarão ao ponto em
que, o que façamos, não possa ser feito melhor. A
importancia de um negocio é um mero episodio -do
systema de fabricação. Nada significa em si mesma.
o progresso continuo
N o começo eram muito limitados os nossos re-
cursos; gradualmente pudemos accrescel-os e hoje
os temos abundantissinl0s. Mas sempre nos resta
mais a fazer do que o que ainda fizemos.
Caminhamos sem parar. Semanas atrás um vi-
sitante, que havia estado em nossas fabricas tres an-
nos antes, falou a um contramestre de certa opera-
ção que vira fazer. O chefe respondeu que não sabia
do que se tratava.
- Não se lembra, então, do modo de construir
esta peça? Pois foi V. mesmo quem m'o explicou.
Era um processo recem inventado.
Hoje e
Amanhã
Quanto tempo faz isso?
Tres annos justos.
299
Tres annos é muito para nós. Em tres annos
tudo muda. Ha innumeras operações que já não
fazemos como há tres annos.
N ossos processos mudam sem parar, não por-
que sejamos amigos de mudança, mas porque a nor-
ma de reduzir sempre o preço de custo e aperfeiçoar
o producto nos obriga a aperfeiçoar. E a importan-
cia da industria evolue do mesmo modo, porque o
mercado se amplia sem cessar e pede sempre mais
productos. A pergunta, pois, deve ser feita assim:
"Ql1aes os melhores methodos que tem de adoptar
um homem em tal negocio?" Ou então: "Com que
fim estou eu neste negocio? Para onde me dirijo?
Que quero fazer?"
Si um homem dispõe de 25 operarios e não pen-
sa em passar disso, responder-lhe-ia que sua situação
é perigosa. a não ser que se dedique a um artigo de
luxo. O pequeno fabricante sempre estará em perigo
si não fabricar tão bem como qualquer outro concor-
rente, pois se expõe a ver surgir um grande fabri-
cante, orientado por methodos que lhe permittam
obter lucro yenc1endo mais barato que eUe. Isto não
constitue desgraça, nem siguer para o homem que se
yê alijado da sua industria. Constitue a marcha nor-
mal do progresso. Quem não pode, ou não quer fa-
zer bem feita uma cousa, tem que desistir della.
Reunir-se a ontros para deter o progresso vale por
deitar fóra tempo e dinheiro. Uma associação cons-
tituida para manter o incompetente num negocio,
300 Henry
Ford
terá tantas probabilidades de exito como se tentasse
deter o curso do sol.
Controle da materia prima
E' inevitavel que a industria do paiz seja condu-
zida por grandes emprezas, que irão ás fontes de ma-
teria prima e, recolhendo-a, fal-a-ão passar pelos
pro'cessos necessarios á sua transformação em pro-
duetos commerciaveis. Desde que a industria attinja
uma certa importancia, o seU controle sobre a ma-
teria prima tem que fazer-se absoluto; inda que se
ponha de lado a questão do preço de custo, é esse
o unico modo de evitar interrupções em virtude de
greves ou má direcção nos negocios dos fornecedo-
res. ~ que serve construir uma grande fabrica e
planejar cuidadosamente o trabalho, si tudo pode ser
destruido mediante alguma força alheia, talvez ini-
miga?
Cada ampliação, todavia, depende das necessi·
dades do m.omento. Si se empregam mil toneladas
de aço por mez, não ...-ale a pena fabricaI-o, salvo si
se trata dum aço especial, pouco abundante no mer-
cado. -1\/[as quem pode fabricaI-o a preço inferior ao
corrente, deve fabricaI-o. Isto nos aconteceu muitas
vezes. Jamais fabricamos uma peça, ou exploramos
directamente uma fonte ele materia prima, sem ter a
certe7a de prestar assim um serviço ao publico.
Nunca fazemos uma cousa pelo prazer de fazeI-a.
Eis, creio, a resposta á questão de saber si nos-
BOS methodos podem ser applicados em pequeno.
Hoje e
A manhã
301
Não é o methodo que domina o negocio e sim o
objectivo. Os methodos são condicionados pelos ob-
j.!ctivos e nãfl) vice-versa.
o objectivo do negocio
Toda a questão do fabrico e do comrríercio de
um producto cahe dentro de duas categorias, segun-
do a mira que traz. Si procuraes prestar ao publico
o maximo de serviços (isto é, produzir e vender a
custos minimos), nesse caso os melhores m"ethodos
apparecerão naturalmente e de accordo com as cir-
cumstancias. Si, ao contrario, visaes o maior lucro
possivel, sem attenção ao serviço que devemos ao
publico, nesse caso não fareis na realidade industria
e não ha, pois, nenhuma regra ou methodo a appli-
caro Limitar-vos-eis a apanhar o que puderdes, quan-
do o puderdes.
Ha ainda uma terceira categoria de negocios,
situada entre estes dois extremos e que mencionarei
porque é honrosa. Trata-se da execução de encom-
mendas especiaes. A joalheria, por exemplo, e a in-
dustria de roupas. Certas pessoas preferem ter rou-
pas feitas sob medida a compraI-as promptas, apesar
dos grandes progressos desta manufactura. Por que
razão o fabricante que produz rnilhares de sobre-
tudos não estará em melhor situação de fornecer-vos
o que precisaes do que o que faz alguns por encom-
menda?
Talvez valesse mais, ao inyez desta distincção
~ n t r industrias de luxo e industrias de primeiras
302
Henry
Ford
nacessidade expressões destituidas de senso e
causa de muitos erros, classificar os negocios segun-
do a categoria da clientela. Ha industrias que se
'dirigem á massa da população e outras que se diri-
gem apenas a uma certa classe de clientes.
Examinemos esta ultima categoria, tão legitima
como a outra, mas de canlpo extrelnamente limitado.
Não ha nenhuma objecção contra os preços altos
por moti,,'o da .qualidade, contanto que esta qualida-
de seja real e não se faça nenhuma tentativa para
que lhe supportem indirectamente os preços os 90 %
das pessoas que só podem comprar barato.
Industria consagrada a attender a estes 10 % da
população será grande ou pequena, conforme os
meios de que dispõe para fahricar o objecto susce-
ptível de agradar á clientela. Entretanto não poderá,
inda nas melhores condições, tornar-se .realmente
importante, dada a limitação do consumo. Mais os
preços sobem, mais reina soberano o capricho do
cliente, indicações que provavelmente não serão as
melhores. Esta industria encaixa-se mais na cate-
goria do serviço pessoal do que da industria que
serve ao conjuncto do publico. 1\.Iero negocio de
occasião, pois não attende a uma classe bastante nu-
merosa para permittir o emprego dos methodos con-
tinuos do fabrico em alta escala.
Tomemos um relogio. ~ e u s primeiros projectos
da mocidade inc1inayam-se ao fabrico em grande
escala dos relogios. Em condições intelligentes de
fabrico, e de accordo com um plano adequado, um
relogio de primeira qualidade poderá sahir por 50
Hoje e
Amanhã
303
cents. Provavelmente vender-se-iam dez milhões por
anno, uns pelos outros. Si se fabricassem os relogios
para serem vendidos por 50 dollares, ainda se pode-
riam empregar os methodos do fabrico em alta es-
cala; o negocio, porém, desenvolver-se-ia com len-
tidão, porque o mercado de relogios desse preço é
muito menor que o dos de meio dollar. Si se fabri-
casse um relogio para mil dollares, então já os clien-
tes viriam intervir na producção. O fabricante não
poderia permittir-se construir u m ~ grande serie de
relogios de 1.000 dollares e teria que preparar-se
para os fazer sob pedido, de accordo com os capri- .
chos do freguez. O certo seria não serem os relogios
igllaes, pois o frequez não d ~ i o seu dinheiro pelo
relogio e sim para ter um objecto distincto dos de-
mais.
Tomemos outro exemplo. Um constructor de
casas operarias, de typo fixo, pode esperar expansão
do seu negocio; um constructor de predios para fa-
bricas já o não pode, porque cada uma teria de con-
siderar-se separadamente.
Não é o tamanho, mas a intenção que rege os
methodos a adoptarem-se.
Tome-se o problema da roupa, isto é, de um ar-
tigo universal. Ninguem sabe a quantidade de rou-
pas que o paiz requer. Tudo depende do seu preço.
Si este é elevado, um homem trará o seu terno pelo
maior espaço de tempo que puder. Adquirir um novo
equivalerá a algo parecido com a compra de uma
casa ou chacara. A' medida que o preço desça, a
304
H e.nry Ford
acquisisão será cada vez mais facil, e por fim até o
mendigo poderá comprar sua roupa.
Para bem vender, bem· fabricar
Em ultima analyse, é a maneira' de fabricar um
artigo que rege a industria, não a maneira de ven-
deI-o. Quando um producto requer grande somma de
esforços por parte do vendedor, é duvidoso que seja
um producto beJll estabelecido. A pergunta da in-'
dustria não deve ser: "Como poderei bem servir o
commerciante?" mas sim: "Como poderei bem ser-
vir o consumidor?"
Si podeis responder a esta segunda, é certo
que podereis tambem responder á primeira, pois só
ha conflicto entre ellas quando houyerdes commetti-
do o erro de satisfazer de preferencia o commercian-
te, com prejuizo do publico.
Um só producto é bastante para qualquer fabri-
ca que- se desenvolva attendendo ao serviço publico.
E' natural que a venda fique subordinada á fabrica-
ção, pois si o verdadeiro negocio é servir ao maior
numero de creaturas, pelo menor preço, não seria
log-ico collocar a arte da persuasão acima do ser-
viço.
O vendedor, todavia, pode prestar um serviço
igual ao do fabricante. O comt1!ercio por atacado e
o de varejo representam papeis identicos, si os con-
sideramos á luz do serviço prestado. Devem ambos
pedir ao industrial, nas melhores condições possi-
veis, as mercadorias necessarias ao consulnidor.
Hoje e
Am.anhã
305
Os mesmos princIpIos os governam, mas terão
de ser applicados de maneira diversa. O varejista
deve estudar o seu mercado para ver qual é exacta-
mente a natureza particular dos objectOs que a maio-
ria dos compradores necessita.
Os methodos do fabricante são determinados
pela categoria particular de serviços ,que elle quer
prestar; o mesmo com o commerciante. Si o serviço
se dirige ás massas, só se escolherão artigos bons e
baratos, proprios para os 90 % do publico. Neste
caso o commercio poderá tornar-se muito importan-
te. l\fas a maior empr.eza varejista não poderá exten-
der-se tanto como a maior industria, elTI ·drtude das
limitações geographicas que lhe são impostas. Ain-'-
da assim, porém, nenhuma razão ha para estes ne-
gociantes não ampliarem. suas em.prezas a propor-
ções muito maiores que as actuaes. Não possui mos,
realmente, grandes estabelecimentos de venda a va-
rej,o. O que sobretudo importa não é a cory::orrencia,
mas trabalhar da melhor maneira. Si todos traba-
lharmos affincadamente, se procurarmos servir o
publico com lealdade, ele nada mais teremos que nos
preoccupar. O futuro sabe cuidar de si mesmo.
Logo: o melhor meio para um pequeno indus-
trial se servir dos melhores methodos, é tornar-se
um grande industrial.
Capitulo XXIII
A RIQUEZA DAS NAÇÕES
A conservação da paz entre os povos é consi-
derada com um ideal que devemos trazer sempre
em mira. Ninguem põe em duvida a indesejabilida-
de da guerra. Guerra é destruição. A guerra impede
que a producção attenda ás necessidades do gene-
ro humano. Nada traz ao mundo e é muito o que
tira.
Mas guerra não é causa, e sim effeito. E' o effei-
to da pobreza, tanto material como mental. Em-
quanto formidayeis massas de homens viverem na
pobreza, existir8:o guerras. A tentação da guerra,
nascida do desejo de pilhar os fructos da producção
de outros, persistirá até que todos os povos tenham
aprendido a produzir com abundancia para si mes-
mos, até que se haja demonstrado ser tnais facil
construir do que depredar o alheio.
Os convenios de paz, as convenções interna-
cionaes de arbitragem e todos os recursos da diplo-
macia possuem o defeito de só impedirem a guerra
308 Henry FOrd
por algum tempo. Vem isso do erro de considerar-se
a guerra como doença e não como symptoma de
doença. E é bem possivel que a actuação da Socie-
dade das Nações e o Tribunal de Arbitramento aca-
bem provocando novas guerras, com falsear-lhes a
investigação das causas reaes. Os convenios limita-
dores de armamentos já se apoiam em base diversa,
visto corno reconhecem francamente a realidade da
guerra.
Os convencionaes se põem de accordo para no
momento reduzirem os gastos de preparação com
vistas á guerra proxima, liberando desse modo uma
quantidade de energia que poderá empregar-se na
producção e no allivio eventual da pobreza, mãe da
guerra.
Todas as guerras possuem causas economicas,
Quem investiga a fundo encontra sempre a pobre·
za na origem de todas as guerras que parecem pro-
vir de outras causas. A pobreza não desapparecerá
nunca por meio do conjuro de certas palavras. N e-
nhum homem confessará hoje em dia que crê ás
cegàs em Aladino e sua lampada maravilhosa; en-
tretanto, ao penetrarmos na politica, as nossas cren-
ças infantis resurtem e damos por seguro que um
certo arranjo de palavras, num tratado ou numa lei,
terá a virtude magica de crear alguma cousa, como
o fazia a lampada de Aladino.
Todos os tratados só serviram até aqui para
impedir guerras que ninguem tinha vontade de fa-
zer. Eis porque denunciar a guerra tem tão pouca
importancia çomo $olemnemente o nãQ
Hoje
Amanhã 309
fazeI-a. O que tem real importancia é deixarmos de
tomar a guerra como causa e corneçannos a cuidar
da prosperidade univoersal, ele modo a tornal-a uma
realidade. Esta prosperidade pode constituir a con-
dição natural do mundo. O nosso paiz o demonstrou.
A missão da America
Os Estados Unidos tem certamente uma missão
.no mundo e não consistirá ella em deitar mais pala-
vras numa situação obscurecida por excesso de pa-
lavras. Nem tão pouco em emprestar mais dinheiro .
. Cada dollar que emprestamos á Europa só sen-e
para recuar inda mais a prestação de contas e para
entreter o estado de miseria e pobreza que existia'
antes da guerra e hoje se vê aggravado. Até aqui a
principal funcção da Sociedade das Nações resllmiu-
se em ageitar emprestímos proteladores da hora de
abordar friamente a realidade dos factos. Tudo
quanto atrás dissemos sobre a inconveniencia do em-
prestimo nos negocios se applica a identico regimen
entre as nações. Os paizes europeus não necessitanl
tanto de dinheiro como o suppõem. Nenhum pro-
blema ha lá que se solucione apenas com dinheiro. A
missão da America não é cultivar um falso espirito
de internacionalismo, tendente a funelir os males
europeus aos nossos, senão demonstrar com o exem-
plo, aqui e lá, que a doença ela Europa não é incura-
vel e origina-se apenas em uma erronea concepção
das leis economicas.
E' força insistir no internacionalismo e nos rnq-
310
Henry Ford
les que o nacionalismo acanhado acarreta para todo
o mundo. Que maior insensatez que se considerarem
os povos como inimigos, pelo simples facto de se
acharem organizados sob governos distinctos? O
nacionalismo que leva a isto vale por perigosa chaga.
Um povo não passa de uma unidade economica ho-
mogenea. Si não é homogenea e não pode reger-se
com efficacia, não constitue verdadeira unidade eco-
nomica. A's vezes o que devia formar uma unidade
economica se acha dividido em duas ou mais partes.
Sabemos de ha muito tempo que os limites dos nos-
sos· estados não constituem barreiras economicas e
não lhes damos nenhuma attenção; mas a Europa
estabelece fronteiras politicas e logo trata de as con-
verter em barreiras economicas. D'ahi os desastres,
como OS da França e Alemanha.
Mas insistir sobre o Americanismo não é insis-
tir em um nacionalismo estreito. Os prlncipios do
Americanismo são a meta para a qual ss! encami-
nham todos os esforços da civilização. Não dizemos
isto com pueril basofia, visto como taes principias
são anteriores á existencia dos Estados Unidos.' A
America, entretanto, foi a nursery onde esses prin-
cipias deram a plena demonstração dos resultados da
liberdade em todas as cousas. A missão dos Estados
Unidos é provar ao mundo a verdade e solidez de
certos principios.
A guerra nunca será impedida ou supprimida
pelos pacifistas, do mesmo modo que a paz não será
.nunca obtida pelos guerreiros. Emquanto existir so-
bre a t r r ~ o typo do espirito bellicoso, armaqo de
Hoje e
A manhã
311
meios de realizar sua vocação, a guerra não desap-
parecerá. Mas como o demonstrou a conflagração
européa, a força militar das nações pacificas e hostis
á guerra é maior que a das nações que a originam.
A guerra, como methodo de realizar alguma cousa,
encontra hoje nlais e mais resistencia, e assim irá
sendo até que o espirita bellicoso comprehenda a
sua inutilidade.
Poderemos imaginar os Estados Unidos dando
origem a uma guerra? Poderemos imaginai-os re-
cusando-se a esmagar uma guerra iniciada contra
elles? Não é a nossa inclinação para a paz que nos
guarda, mas nossa reconhecida repugnancia em ad-
mittir que yenha algo perturbar a nossa paz.
O pacifismo é doutrina excellente para ser pre-
gada nos paizes onde es_tá vivo ainda o espirito da
bellicosidade. Mas armar os bandidos do mundo e
desarmar os cidadãos submissos á lei não constitue
o melhor processo para conter os saques internacio-
naes. Aconselhar ao cidadão honrado que se desarme
para que dê exemplo ao assassino, demonstra uma
infundada confiança nas susceptibilidades do assas-
sino. Ficção pia.
Os militaristas revelam-se impotentes para con-
seguir a paz. São especialistas da violencia, como os
pacifistas o são do sentimentalismo.
Os governos nada podem
Os povos não chegarão a ser tão brandos como
os pacifistas o desejam, nem tão ferozes COlno o
312
Henry
Ford
querem os militaristas - mas os povos vão-se
feiçoando na estrategia do senso COlumum. O facto
de não ser o nosso povo iniciador de guerras não o
impedirá de sustar as guerras - e de modo tão
efficiente que fará vacillar os povos que a
O que mais temos a como recucção da
nossa efficiencia, é que se tomem promessas politi-
cas como substitutos do pensamento e do trabalho.
A causa principal da pobreza da Europa depois da
guerra foi esta mesquinha confiança dos povos em
seus governos, aos quaes pediam o impossivel. A
ironia deste systema faz que os gQvernos deem cada
vez mais, e á medida que mais se lhes pede mais
se diminue a sua capacidade de dar. Não existe no
governo cousa nenhuma que não proceda do povo,
e um povo no qual morreu o espirito de iniciativa e
a aptidão de arrumar-se por si mesmo continua cada
vez menos a agir por si proprio, até que por fim
povo· e governo se reduzam a igual impotencia.
Quando a Russia executou aquella surprehendente
"meia vpIta á direita" e abandonou o communismo
official, em tro<:a do retorno parcial ao antigo syste-
ma economico, demonstrou apenas o indispensavel
que é ao povo o ajudar-se a si mesmo.
O governo pode crear um monopolio, mas não
creará recursos. Pode arbitrariamente fixar os prs.-
ços, mas não creará poder acquisitivo. promet-
ter balsamos e cataplasmas, mas não porá de pé um
negocio.
A acção legislativa não faz mais do que prote-
Hoje e

313
ger as fraquezas e defeitos, garantindo-lhes assim a
permanencia.
o proteccionismo
A força dos Estados Unidos consiste no facto
de que o auxilio prestado pelo governo á industria
e á agricultura não se extendeu tanto que lhes che-
gasse a affectar a independencia. A certos respeitos
foi vantajoso que o governo combatesse os negocios,
porque os enrijou. Tivemos, é certo, a tarifa adJ.1a-
neira, que talvez fosse util antes do nascimento da
verdadeira industria; mas é facto notavel que ne-
nhuma das nossas industrias verdadeiran1ente im-
portantes - refiro-me ás que prestal11 servjço so-
cial - cresceram em virtude da tarifa, nem neces-
. sitaram de protecção alfandegaria. As que necessi-
tam de protecção alfandegaria são as que se diri-
gem por methodos retrogrados, fabricando máos
productos por intermedio de homens mal pagos. Em
vez de crearem mercados na massa da nação, con-
tentam-se com aproveitar o restricto m.ercado arti-
ficial dos altos preços, no paiz pelas
tarifas, para vender barato no estrangeiro.
Um elos n1aiores passos que possam dar os Es-
tados Unidos consiste na suppressão de todas 8S
tarifas alfandegarias. Isto seria um beneficio tanto
para o mundo inteiro como para a industria ameri-
cana. O mundo inteiro, ademais, não possue suffi-
ciente capacidade de producção para prover-nos. Nal-
gumas industrias apenas poderiam os industriaes
314
Henry Ford
estrangeiros vender a preços menores que os nossos,
salvo, bem entendido, para os productos cujo preço
de venda se acha aqui estupidamente elevado. Nos
casos de reducção forçada de preços seriamos bene-
ficiados, pois isto viria affectar as industrias que
pagam salarios baixos, e a concorrencia as obrigaria
a reorganizarem-se sob methodos noyos; teriam en-
tão de pagar salarios altos, com reflexo immediato
na capacidade acquisiti\'a do publico. Temos hoje
uma illimitada capacidade para absorver productos
bem feitos e de preço justo. O mundo inteiro seria
beneficiado com a facilidade de nos vender produ-
ctos postos na base da livreconcorrencia, pois tam-
bem se yeria arrastado aos grandes negocias que
possibi1.izam os salarios altos.
A industria estrangeira desenyolveu-se de modo
diverso da nossa. A Inglaterra, a primeira nação in-
dustrial que surgiu, poude exportar todos os seus
productos ás nações não industriaes, e creou um
grande systema de transporte maritimo porque ti-
nha os homens precisos para construir barcos e tri-
pulaI-os. Uma tarifa aduaneira teria entravado suas
operações, e a Inglaterra não necessitou crear o
mercado interno porque no mercado externo via-se
sem concorrentes. Quando a Alemanha se transfor-
mou em paiz industrial, elaborou um minucioso pro-
gramma de protecção do estado á industria, por
meio de tarifas e subvenções.
Depois da guerra todas as nações da Europa
experim.entaralll favorecer o desenvolvimento das
suas industrias pelo systema alemão. Generalizou-se
Hoje
e
Amanhã
31J)
a idéa de que só fóra de portas a industria encontra-
ria seus mercados e sua prosperidade. Este conceito
determinou a creação dum labyrintho de b r r e i r ~ s
alfandegarias, licenças de exportação e importação,
regulamentos e subvenções officiaes, etc. Tudo, me-
nos producção.
As facilidades de producção existem sempre, e
como são maiores que a capacidade de consumo, não
haverá paz na terra emquanto a capacidade de con-
sumo não c1eyar-se e mantiver-se ao nivel da capa-
cidade productora. Este nivelamento só será alcan-
çado quando o principio a que chamamos "salario-
causa" substituir o principio do "lucro-'causa".
Caminhos errados
Fóra dos Estados Unidos, o principio do "sala-
rio-causa" nunca encontrou terra firme. Os negocios
se acham pela mór parte luis mãos dos financeiros,
e existem para fins de lucro, não de serviço social.
Fóra dos Estados Unidos não existe nenhum nego-
cio reahnente grande, e os que passam como taes
são pyramides inseguras, pois não se baseiam na
idéa de serviço. Dá-se por assente que o capital e
o trabalho não se acham elnpenhados numa em-
preza de cooperação. Ao "salario-causa" não lhe
permittem criar raizes. l\1ettido entre as taxas e
regulamentações governanlentaes e as restricções
impostas á efficiencia pelas sociedades obreiras, tu-
do lhe tira as possibilidades de victoria. Vemos go-
vernos trabalhistas que ascendem ao poder· cheios
.316 lIenry Ford
de idéas defensoras do trabalho; vemos governos
capitalistas que sóbem COln programmas de defesa
do capital. ]\'[as a f"arçanteria politica é tamanha que
nunca vemos subir governos libertos da mentalida-
de empirica, e prepostos a conduzir o povo a aju-
dar-se a si mesmo. Ninguem se anima a arrostar a
crueza da realidade.
Os balsamos politicas não podem sah-ar a Eu-
ropa. Nenhuma repartição da propriedade resultará
efficaz porque existe muito pouca propriedade a re-
partir. A salvação está· em, pela producção efficien-
te, crear mais propriedade. Esta producção, porém,
dará origens a noyas perturbações si ao Dlesmo tem-
po não se elevar com ella a capa'cidade de con-
sumo.
Augmentar a capacidade acquisitiva
Nossa empreza não necessita de mais experien-
cias sobre a possibilidade de erguer a capacidade
de consumo. Temos Sllccursaes, filiaes e emprezas
associadas em quasi todo o mundo - e em todas
cmpregalTIOS os mesmos methodas das nossas fabri-
cas americanas, pagando SelTIpre o nosso typo de sa-
lario. Os resultados conseguidos sempre foram ma-
ra vilhosos. Nossos salarios no estrangeiro corres-
pondem em regra ao dobro ou triplo dos salarios
lacaes, mas como a nossa organização visa isso, a
producção sae mai's barata. Essas fabricas no estran-
geiro não correspOndelTI a pequenas colonias ameri-
canas- Geralmente as montam e as põem em movi--
fi o j e e AI1lanhã
317
mento homens instruidos em Detroit; mas todo o
pessoal é tomado in loco. Nossa fabrica da Irlanda é
irlandeza; nossa fabrica da Gran Bretanha é toda
ingleza; nossa fabrica do BrasIl é toda brasileira, e
assim por deante. Não prestariamos um serviço á
communidade si procedessemos de outro modo.
Na Irlanda e na Inglaterra
Tomemos a fabrica de Cork, de cujos
proveem os meus antepassados. Essa cidade é do-
tada 'de um porto maravilhoso e de bellos pontos
industriaes. Escolhemos a Irlanda para montar essa
fabrica porque desejavanlos metter esse paiz no ca-
minho da industria. Havia nisso, confesso, um senti-
mento Montamol-a em 1919, destinada a fa-
bricar tractores para o consumo europeu; mas a li-
berdade de producção foi de tal modo asphyxiada
pela politica que a transformamos em fundição abas-
te,cedora da nossa fabrica de Inglaterra.
Durante muitos annos Cork foi uma cidade de
trabalho occasional e ele extrema pobreza. Tem cer-
.
vejarias e distillarias mas nenhuma verdadeira in-
dustria. O melhor que podiam esperar os operarios
era trabalharetn dois ou tres dias por no
caes, recebendo 60 shillings, ou 15 dollaí:es, por um
rude trabalho de carretagem. Caso se dedicassem á
la\'oura, não poderiam ganh:u" mais de 30 a 32 shil-
lings por semana. N enhtuTI desses trabalhos era
permanente.
318 Henry F Qrd
Os operarios e suas familias propriamente não
viviam.
Não tinham casas, senão choças, nem outras
roupas além das que trazialll no corpo.
Nossa fabrica começou a funccionar dirigida
por tres homens vindos de Detroit.
Hoje damos serviço a 1.800 operarios. Traba·
lham 8 horas por dia durante 5 dias por semana,
vencendo o salario minimo de 18 shillings diarios.
O salario medio é de 1 libra por dia, paga cons-
tante e ininterrupta, cousa que poucos homens ja-
mais tinham visto aUi.
Não temos fluctuações de pessoal e ha s ~ p r
uma longa lista de aspirantes. Attribuem-se aos ir·
landezes certo temperamento; mas nós não temo!!
deUes nenhuma queixa relativa ao trabalho de r ~
petição. Só nos primeiros mezes alguns se queixa-
ram da prohibição de fumar durante o serviço.
O pagamento desses salarios elevados reflectiu-
se logo nos lares irlandezes. Pudemos observar isto
nas esposas dos operarios. A regra é levarem comi-
da aos maridos. Durante as primeiras semanas apl
pareciam ellas com um lenço na cabeça. Depois vi-'
nham de· chapéo, e semanas mais tarde já traziam
bons vestidos. Os operarios não passam mais as noi-
tes vagando pelas tabernas, andrajosos e de lenço
ao pescoço. Além da roupa do serviço possuem ou-
tras, e á tarde saem á passeio com suas mulheres,
de collarinhos brancos e bengala. O costume antigo
de se embriagarem logo depois da paga desappare-
ceu. Tambem desappareceu o costume de entrarem
H oj e
Amanhã
319
para o serviço, nas segundas-feiras, em lamentaveis
condições; entram agora descançados e alegres.
Apesar destes homens não terem nenhuma expe-
riencia do uso do dinheiro, aprenderam sem demora
a' empregaI-o com juizo e a f ~ e r economia.
Outro facto interessante relativo aos operarios
de Cork foi a sua attitude durante a revolução. O
inspector da fabrica recebeu varias ordens para
'fabricar munições para os rebeldes e a isso se negou.
Um dia appareceu lá um caminhão com 15 soldados,
e o tenente que os commandava entregou ao inspe-
ctor uma lista de requisição de machinas. O inspe-
ctor procurou convenceI-o de que taes machinas de
nada lhes serviriam, pois não bastam machinas para
fabricar munições. O tenente, porém, cumpria or-
dens e mostrou-se disposto a executaI-as. Exigiu
entrega immediata. Então o inspector lhe disse:
- Temos a trabalhar nestas offici nas 1.800 ir-
landezes, bons e fortes. Não sei o que elles farão si
eu lhes disser que vocês querem levar parte das ma-
chinas, mas me parece que poderemos adivinhaI-o.
Aconselho, pois, ao amigo que se vá embora antes
que aconteça qualquer cousa.
O tenente seguiu o conselho.
Operarios bem pagos não apoiam revoluções
meramente destructivas. Alguns dos nossos opera-
rios já possuem automoveI. Passado mais algum
tempo, e reduzidos os impostos, a maioria delles os
possuirá e o typo de vida do operario irlandez se ele-
vará como em nosso paiz.
Grande parte do elemento operario da Inglater-
Henry Ford
ra não está syndicado e mantem-se estrictamente
nos seus grernios. Nós não possuimos gremios em
nossas industrias e, ernbora não sejamos contrarios
ás associações obreiras. não tratamos com e1las, "is-
to como não pOclell1 prestar-nos nenhum sen'jço.
Pagamos salarios lnais eleyados que o que ellas
fixan1 para os seus men1bros: elamos serviço sem
interrupção e não nos mcttemos com os negocios
de ninguell1.
O typo de vida dos nossos operarias na Ingla-
terra é eleyado; trabalhan1 bcn1 e O· cu,.;tç. ela pro-
ducção é baixo, não tanto como na pOl-que
não temos o n1esmo volume de producção. :J\las o
nosso exemplo basta para dem.onstrar que sob uma'
organização baseada em altos sala,"ios e sem l'es-
tricções indi\"iduaes de efficiencia, a Inglaterra po-
de conyerter-se nun1 paiz ele elevados salarios e, por
conseguinte, ele grande consutl1o.
Em França, Suecia e outros paizes
Introduzimos nossos carros em França em 1907,
e pensa"amos eU1 nlontar uma fabrica ele montagem
quando rebentou a guerra. Pouco elepois nos pedi-
ran1 que forneceSSel110S carros, prÍl11eiro para as alU-
bulancias e depois para uso geral. Em 1916 abrimos
uma fabrica ele l110ntagem em Bordé05, que durante
tres annos só trabalhou para a guerra, entregando
mais de 11.000 carros ao governo francez. :J\las
não tem importancia. O importante é que nessa fa-
brica empregamos 300 operarios da nossa forma
Hoje e
Amanhã
321
usual, os quaes se adaptaram sem difficuldade aos
nossos methodos de prodU'cção. Temos agora uma
fabrica em Paris, construi da segundo os nossos mo-
delos e com capacidade para 150 carros por dia. E'
facil de imaginar o vulto das economias que os ope-
rarios francezes obteem com o nosso salario.
Nenhum delles pensa em socialismo. Em Cope-
nhague, onde montamos uma fabrica em 1919, de-
frontamos pela primeira vez com um governo tra-
balhista que regulamentaya as 'Condições e o dia de
trabalho, bem como os salarios, e praticamente con-
vertia as regulamentações syndicaes em leis do paiz.
Nós admittimos em nossa fabrica homens de toda!"
as profissões: barbeiros, pregadores, ferreiros, lavra-
dores inexperientes, etc., e os puzemos a trabalhar
nas machinas, uns junto dos outros, conforme a:::
nossas regras. Estabelecemos um salario minimo que
correspondia a 5,25 dollares nos Estados Unidos,
ganhando alguns um dollar mais. Foi logo suggerido
ao director da fabrica que a regulamentasse de ac-
-cordo com a lei, devendo cada officina submetter-se
a uma classificação especial e sujeitar-se a certn.
escala de salario. Mas nós não nos podiamos classi-
ficar; não podiamos inscrever-nos como uma ferra-
ria, classificação da qual nossa fabrica mais se ap-
proximaya. Alem disso os operarios que não eram
ferreiros se oppunhaln a que os despedissem l o ~
seus bons empregos.
Nossa fabrica se installou alli para ser util e o
é: mas não o seria si a houvessem obrigado a accei-
tar uma classificação academica.
322 Henry F o ,'d
Nossa experiencia eUI Aluberes, Rotterdam
Barcelona e Trieste tem sido a 111.eSlUa que no resto
da Europa. Em toda a parte encontramos homens
dispostos a trabalhar seria1l.l.ente em troca dos nos-
sos salarios, e a trabalhar tão benl. que nos propor-
cionanl. resultados nl.e1hores que os obtidos nos mes-
mos paizes pelos industriaes que paga1l.l. salarias
baixos. O salario alto sempre se acompanha de um
typo de vida melhor, embora em toda a parte os
governos ponham nIuitos dos productos do operaria
fóra da sua capacidade a-equisitiya. Nosso automo-
vel, por exemplo, é vendido em certo. paiz pelo tri-
plo do que custa nos Estados Unidos, unica-
Inente aos tributos do governo. Semelhantes impos-
tos não só asphyxiam o conSUll1.0 como cream um
exercito de parasitas.
No Brasil
Nossas succursaes na Sul America dizem a mes-
lHa cousa; foranl na maioria installadas elU terri-
torios de industria rudimentar, excepto a de Bue-
nos Ayres. Essas succursaes se encontranl elU Bue-
nos Ayres, Santiago, São Paulo, Pernambuco e 1\'[on-
te\-idéo. Em nenhum desses paizes podemos pagar
o nosso salario corrente, o grande valor do
dollar faria parecer grotescos os salarios que paga-
mos nos Estados Unidos.
Pagar salarios normaes em paizes totalmente
nO\'05 para a industria tenl. sido uma curiosa
riencia ; mais curioso ainda é observar o que o au-
Boj e e
Alllanhã 323
tomovel faz nesses paizes. O Brasil, por exemplo, si
bem que occupe a 15.
a
parte da superficie da terra,
e encerre grandes recursos naturaes, não possue
meios de transporte que lhe permittam o desenvol-
vimento. Um paiz só se desenvolve pela creação de
meios de transporte, e na maior parte do Brasil
só se pode utilizar do automovel durante seis mezes;
durante o resto do anno os caminhos se acham em
tão más condições que nenhum carro pode percor-
reI-os. A succursal brasileira só tem u"'m anno de
existencia, mas já os nossos altos salarios - e elles
i n ~ são mais altos do que parecem devido á regu-
If:ldade - começam a produzir seus beneficos effei-
tos. Si os operarios ainda não modificaram suas con-
dições de moradia, começam, entretanto, a vestir-se
melhor, compram moveis e põem de lado dinheiro.
Não sabem ainda o que fazer delle, mas não abando-
nam o trabalho pelo fa-cto de o terem em quantidade
acima do preciso (tinhamos receiado isto) e tambem
não contrahiram habitos de prodigalidade. Logo co-
meçarão a ter outras necessidades, e o processo de
desenvolvimento da civilização material achar-se-á
em andamento. O automovel está destinado a fazer
do Brasil uma grande nação. Os nati\"os, embora
completamente ig.norantes a respeito de toda a espe-
cie de machinas, e desacostumados á disciplina, che-
gam muito depressa a executar todos os trabalhos
de montagem e de reparação. Parece que aprendem
muito depressa, provavelmente porque enxergam
boas razões para isso.
-324
Henry Fo rd
o automovel crea a estrada
'Tambem o Oriente desperta. Como já disse em
capitulo anterior, não temos em Detroit estudantes
mais ardorosos do que os indianos e chinezes.
Estes homens comprehendem que a salvação de
seus paizes está na introducção da força motriz.
creadora do mercado interno. Queixam-se com amar-
gura das tetltativas do capital estrangeiro para ex-
plorar-lhes a miseria, e desejam ardentemente apren-
der a se conduzirem por si mesmos. Não podemos
ajudar o Oriente sinâo estabelecendo nelle insti-
tuições industriaes de espirito moderno.
Graças ao pagamento de altos salarios as In-
dustrias crearão seus proprios mercados. Por toda a
parte se abrem estradas por influição do automovel.
Para tel-as, começa-se primeiro por ter automoveis.
Não foram as boas estradas que crearam o automo-
vel, mas o inverso. Tem-se dito que o systema de
castas em vigor na India constitue um obstaculo
absoluto para qualquer desenvolvimento. Entretan-
to, vemos em nossas escolas hindús de todas as cas-
tas a trabalharem juntos, esquecidos de que existem
castas. Não posso dizer como procederão ao regres-
sarem para a India. !'vIas si esquecem o espirito de
casta emquanto trabalham comnosco, é que tal es-
pirito ã ~ é tão poderoso como dizem.
Qual a importancia destas incidencias relati-
vamente futeis? Em que pode interessar á humani-
dade soffredora que uns homens de Cork tenham
Hoje e
Amanhã
325
mudado o seu CQstume de trazerem um lenço ao
pescoço, adoptando o collarinho?
Esta mudança não passa de úln symbolo, mas
de um symbolo importante. ~ f o s t r que um homem
contribuiu para a producção, que ajudou a realizar
qualquer cousa neste mundo, que accresceu, de um
nada que seja, a somma total das riquezas do uni-
verso. A acção politica não é constructiva; só pode
favorecer a destruição ou esperar manter o stat"d
quo, cousa equivalente a urna destruição lenta, por-
que o curso da vida não pode ser detido.
O que o Inundo mais necessita, hoje, é ter me-
nos diplomatas superciliosos, menos politicos e mais
homens que se elevem do lenço no pescoço ao col-
larilfho.
Capitulo XXIV:
POR QUE NÃO?
N este livro só nos occupamos de cousas mate-
riaes, estudando os meios de prover ás necessidades
materiaes do homem. Saude, riqueza e felicidade -
é empós disto que, atravez dos tempos, segue a hu-
manidade. Saude só por si não traz a riqueza, bem
como a felicidade não é consequencia logica da ri-
queza e da saude, juntas ou separadas. A felicidade
é um elemento subjeCtivo, mas qualquer que seja
a sua essencia, ninguem negará que a saude e a
riqueza favorecem-na melhor do que a doença e a
miseria.
Geralmente todos ~ c c o r d m em admittir que,
si a civilização tem um senso, deve significar a possi-
bilidade de, pelo menos, terem os homens moradia,
mesa e roupas decentes - além do superfluo que o
merito individual possa autorizar. Si isto não fôr
obtido, então a civilização não passa tambem de
uma palavra yã. Que importam os livros que se pos-
sam escrever, os mOnUlTIentos que se pÓSSalTI érguer,
328
Henry Ford
as obras d'arte que se possam crear, si não se offe-
recem Opp(utunidades a todos quantos procuram
viver urna vida digna de um ser humano?
A pobreza
o nosso mundo foi degradado pela pobreza, e a
tal ponto que se viu reduzip.o a fazer da pobreza
urna virtude. Homens houve que se jactaram de ser
pobres, e a unica esperança de rederl1pção offereci-
da ao mundo foi, além da promessa do céo, feita pe-
las religiões, a promessa communista, não de rique-
za para'todos, mas de igualdade da miseria. Em re-
sumo: a cultura e a sciencia sempre evitaram arros-
tar o grande problema do mundo. E ainda tudo
quanto tocava á producção e destribuição dos bens
- melhoria da sorte do homem - se viu conspur-
cado com a pecha de mercantilismo. Era nobre falar
sobre o allivio da pobreza, mas indigno fazet qual-
quer cousa, de modo concreto, para allivial-a.
Até agora a humanidade não se .capacitou de
que todo estudo cujo fim não visa o bem estar do
commum das creaturas, carece de valor. Veja-se a
sciencia, a philosophia e a religião. Não se pode di-
zer que urna se atenha mais ás realidades do que
outra. Todas ellas se ateem a realidades. Todos os
factos não apparecem no mesmo plano; -a sciencia
não é estrictamente material; a religião não é estri-
ctamente espirituaL Ivlateria e espirito: termos que
empregamos para fazer distincções que talvez não
existam. Sem embargo, a sciencia, a philosophia (>"
Hoje
e A III a II h ({ 329-
a religião se teem mantido alheiadas, estas maIS,
aquellas menos, de todo o materialismo que se re-
laciona com as cousas vulgares, taes o pão e a
manteiga.
A era da industria
o advento da era industrial, embora augmen-
tasse rapidamente a riqueza, creou o problelna da
sua distribuição, e augmentou a riqueza do rico e
tornou mais pobre o pobre. A .. producção obtida por
meio da força motriz e das machinas fez-se maior do
que a obtida manualmente; mas os industriaes não
concebiam que a força motriz e as machinas esti-
vessem destinadas a crear um novo mundo; sempre
pensaram com a mentalidade da éra de producção
manual e ainda continuam pensando assim. Até os-
reformadores pensam desse modo. Tivemos então a_
edade de_ ouro da eloquencia que escondia sob bellas
palavras as crueldades da exploração.
A maior parte das nossas concepções economi-
cas e sociaes datam desse tempo. Muito se falou de
"bons patrões" e "máos patrões", relacionando-se o-
caracter delles com o bem estar dos seus operarios.
Toda a gente considerava o patrão como um homenl
que" dava" collocação. Durante muito tempo a nin-
guem occprreu que era o operario tão necessario ao-
patrão como este áquelle, e que a relação entre am-
bos não podia ser de ordem sentimental. O fabri-
cante que se aventurava a corrigir os males inheren-
tes á producção recebia o qualificativo de "philan-
330 Henry
Ford
tropo", senhor levemente grisalho e excentrico, a
distribuir auxilios immerecidos a pessôas sem bas-
tante dignidade para recusaI-os.
Os homens falavam da democracia e a associa-
vam á liberdade; mas sempre que alcançavam' o go-
autonomo - que se suppõe ser o mesmo que
democracia e liberdade - faziam autocracia sob
qualquer nome.
Queriam que o estado regulamentasse a indus-
tria, crentes de' que o estado pode substituir a direc-
ção industrial e que, como cousa nova, a industria,
necessitava de regulamentação. O certo era o contra-
rio disso; a industria não tinha ainda descoberto
a sua funcção e necessitava- de liberdade para des-
cobril-a. A multidão de leis que temos hoje, verda-
deiro mar de decretos e regulamentos, só demonstra
diminuição dos direitos e da liberdade do homem.
E' indubitavel que as liberdades humanas se
ampliarão muitissimo, graças ao desenvolvimento da
força moral do homem e á victoria da liberdade eco-
nomica (não liberdade de se subtrahir 'ás leis eco-
nomicas, sim liberdade dentro da vida econoinica).
Mas estamos vendo todos os dias que, si um quidam'
qualquer pode - fazer uma lei, é necessario um ver-
dadeiro sabio para a fazer baseada nos bons princi-
pios; muitas vezes urna lei detem o progresso, por-
que este exige certas modificações e os homens são
naturalmente inimigos de mudanças ainda que em
beneficio do progresso.
E, então, é curioso verificar-se que as
Roje
e Amanhã
331
-quaesquer que sejaul, resultam, em regra, no con-
:trario do que dellas se esperava.
As tarifas proteccionistas
A tarifa alfandegaria começou com o fim de
-proteger os trabalhadores nacionaes e assegurar a
independencia economica do paiz, mas acabou no
triste espectaculo dos trusts sem concorrencia. De
uma barreira protectora contra o perigo, a tarifa se
tornou o melhor meio de afastar as vantagens da
concorrencia leal. O principio em que se baseavam
:as tarifas continha elementos acceitaveis para as in-
-telligencias sérias, mas a applicação das tarifas se
tornou oppressiva. Poder-se-ia encher um volume
inteiro com a ennumeração destas leis, ricas em pro-
messas, mas unicamente utilizadas em proveito de
-interesses pessoaes, oppostos ao interesse publico.
Durante todo esse tempo, em quanto iamos tro-
peçando e se proclamava o fracasso do governo, os
homens que antepõem o trabalho aos bel10s discur-
sos trabalhavam com resultados tamanhos que des-
-.cobriram o verdadeiro significado da força motriz e
-da machina. Descobriram que a força motriz e a
machina vieram ao mundo para libertar, não para
-escravizar o homem, donde resulta Ulna moral acti-
va e não meramente passiva.
Um homem pode fabricar certo typo de sabão,
um phonographo, um carro ou outro qualquer pro-
~ d u t o e dizer: quero fabricar o melhor artigo que
-possa, sempre da mesma qualidade, de facil acqui-
332
Henry
o r ~
sição e tão satisfactorio que ninguem queira outro.
producto.
Dir-se-ia que esse homem estava dando prova.
de moralidade? Não; o que se diria é que elle de-
monstrava um senso exacto do negocio. Mas morali:--
dade é precisamente isso. Si esse homem dissesse::
quero fazer uma especte de sabão que dê prej uizo-
e prejudique a cada comprador, não nos deteriamos,
em analysar a sua moralidade, dando-o logo como.
um louco.
o que é moral
A moralidade é fazer as cousas boas do melhor
modo possivel; é a _ visão mais ampla e de melhor
ól.1cance applicada á vida. Pois, pergunto: que é:
que estamos fazendo realmente? Sabão? Carros?
N ada disso. Estamos construindQ a vida, estamos-
creando opportunidades e condições de vida, E a
medida da nossa moralidade coincide com a medida
da nossa sensatez - estamos a fazer bem feito? Di-
gamos da vida pelo menos o que diriamos do sabão::
"queremos crear para toda a gente as melhores.
condições de vida possiveis, um alto nivel de oppor-
tunidades, uma vida que se viva com alegria". E:
então teremos formado sobre a vida um juizo sen-
sato"
A \a"ltagem do moral é que é natural. O moral':
representa o caminho que tem de seguir a vida, .si:
é que tem de seguir algum. O bom é natural. A mo-
ralidade é uma parte da boa direcção. O bom indus-
Hoje
e Alllanhã 333
trial- poderá estranhar esta palavra como qualifica-
dora de sua obra, e dirá que se trata simplesmente
de senso commum. Mas moralidade é isto: o desen-
volvimento sincero e leal da vida segundo sua pro-
pria natureza.
O effeito social dessa moralidade expressa-se na
consagr:ção do negocio ao serviço da totalidade do
publico, nunca apenas de minorias. A expr.essão "es-
pirita de serviço" parecerá talvez muito idealista.
O espirito de serviço é simplesmente a comprehen-
são de que nenhum homem, nenhuma industria, ne-
nhum governo ou systema de civilização pode sobre-
viver, caso não preste um serviço continuo ao maior
numero de creaturas passiveI. O unico interesse que
possa apresentar uma obra qualquer é o serviço que
lhe prestamos ou .que ella nos presta. Como indiyi-
duos normaes e creadores, ficamos satisfeitos caIu
o serviço que prestamos em nosso trabalho; como
membros da civilização ou duma sociedade, só nos.
satisfazemos com a quantidade de serviços que eUa
nos presta.
Este serviço não pede altruismo. Só pede que a
instrucção substitua a ignorancia. O altruismo en-
torpece o progresso; obstróe o caminho do que é no
momento possivel, insistindo no que é no momento
impossivel. Exemplo: o seguro contra a falta de
trabalho e a pensão para a velhice aggravam a falta
de trabalho e a penuria dos velhos, por meio duma
sobrecarga que limita o consumo, e, portanto. a
producção, a ponto de impedir o surto das Yanta-
gens decorrentes da producção ininterrupta.
334 Henry
Ford
Só O trabalho tudo resolve
Por outras palavras: só o trabalho permitte es-
capar á pobreza, e o mundo vive a experimentar
tudo para fugir ao trabalho. Mormente ao mais duro
dos trabalhos - a direcção: A maioria dos chamados
problemas "economicos" se resolveriam por com-
pleto si a industria fosse dirigida por homens que a
conhecessem. Os peritos, os investigadores de pro-
fissão, os philosophos commodistas cream, a propo-
sito de tudo, mysterios e problemas economicos. Mas
não ha nenhum mysterio econom.ico no caso de um
cavouqueiro que falhasse como cirurgião. O mesmo
tem que succeder com "financistas" profissionaes
que se metterp a dirigir industrias productivas.
Grande parte das "perturbações operarias" vem
de directores que não conhecem por experiencia as
condições do trabalho. Não são "perturbações ope-
rarias" e sim "perturbações de direcção". O remedia
consiste em substituir o director incompetente por
um homem tão senhor de tudo que ninguem possa
vir dizer-lhe como é preciso fazer ou não fazer o
trabalho. Director ao qual alguem de fóra tem a
ensinar qualquer cousa, só deve fazer isto: pôr o
chapéo na cabeça e safar-se.
E não apenas os transtornos operarios te em essa
causa, como ainda as difficuldades da industria em
acceitar os aperfeiçoamentos possiveis e o augtnen-
to de serviço. A industria só existe para produzir
cousas de uso publico; mas quando dirigida por ho-
mens que nada sabem da fabrica e só se interessam
H oj e e
A111anhã 335
pelos balanços, seu producto principal se torna o
dividendo. E' o que crea as situações economicas
sobre que se escreveram bibliothecas. Não são situa-
ções economicas. Nada ha na industria em si mesma
que possa conduzir ao fracasso; os homens, porém,
que nella penetram sem um conhecimento firme dos
pontos essenciaes, levam o fracasso comsigo. A in-
dustria não falha; falham os homens. E na industria.
só ha uma porta - a do trabalho.
Os eIllpregos
Pergunta-se muitas vezes si é preferivel diri-
gir uma industria ou trabalhar nella como empre-
gado.
O emprego, 'Como carreira, faz aos negocios par-
ticulares uma concorrencia de que pouca gente se dá
conta. Hoje a situação de empregado offerece car-
reiras equivalentes, e ás vezes superiores, á que faria
um homem como patrão. A expansão dos negocias
deu aos empregos uma importancia que não tinha o
patronato de meio seculo atrás. l\1uito disparate se
tem escripto sobre a liberdade do operario no regi-
men antigo. Esse regimen de corporações nada ti-
nha de ideal. Os regulamentos acanhados e as tra-
dições rotineiras pesavam brutalmente sobre patrões
e operarias, occasionando pouca satisfação ao indivi-
duo e nenhuma prosperidade ao mundo.
O estimulo creador jamais se viu tão resoluta-
mente avivado, nem de campo tão ampliado como
no moderno emprego industrial.
336 Henry
Ford
Tomemos, por exemplo, os desenhos e plantas.
Os desenhos são talvez o que o passado nos deixou
de melhor na industria. Mas o mundo do desenho
se alargou de modo illimitado após o advento da in-
dustria moderna, graças á sua extensão de serviços
e estimulo ao esforço individual. Onde havia anti-
gamente um desenhista para todo trabalho existem
hoje centenas. E embora alguns dos desenhos mo-
dernos não sejam bons, não quer isso dizer que to-
dos os antigos o fossem. E ainda que todos os nossos
desenhos fossem máos, seria preferível guiar-nos
por elles do que seguir servilmente os de uma ge-
ração anterior. O que estamos em via de realizar é
a conquista para o trabalhador de uma liberdade
maior do que outróra. Sabemos que é possivél con-
seguir que as cousas necessarias á vida se torne'm
muito faceis. Nas nossas usinas verificamos que
-cinco dias de trabalho por semana bastam para a
nossa producção, e que nestes cinco dias de oito ho-
ras podemos produzir mais do que em seis ou sete
de dez horas. Este dia de folga conquistado trará
grandes vantagens: o operario aprenderá a viver
melhor, creará novas necessidades e fomentará o
consumo.
.0 espirito de serviço
O mundo pode ter todas as mercadorias de que
necessite, com a condição de que prevaleça na in-
dustria o espirito de serviço. Mas para isto é neces-
sario modificar nossa mentalidade e dizer adeus ao
.H oje e Amanhã 337
-. .conservantismo mumificado e ao selvagem radica-
lismo.
E' preciso no governo uma nova idéa conserva-
dora que não prometta vida sem trabalho, nem pro-
-::metta castellos a todo mundo, e que não considere
..como um" ser perigoso o homem que sabe trabalhar
"1nelhor que o seu companheiro. Seres perigosos são
<>s que encorajam ,o desperdicio, a inefficiencia, a
:limitação da producção, a limitação dos salarios, a
o:iimitação das opportunidades, a limitação do pro-
gresso industrial, a limitação da concorrencia ou
-.outro qualquer systema baseado no egoismo de c1as-
:se. Tratará do mesmo modo o homem que recusa o
:trabalho diario como ao que foge da lei da concor-
--rencia, abrigado na tarifa protectora. A nova idéa
'Conservadora comprehenderá que a legislação por
csi mesma não pode crear nenhuma condição eco-
nomica favoravel; o mais que pode é desembaraçar
ú caminho. Já é -difficil enganar aos povos com pro-
messas de leis que tragam a prosperidade. O mais
-que a lei pode fazer é dar aos povos a certeza de que
.a lealdade deve ser a norma de tudo.
Não vivelnos em uma epoca de supren'!acia in-
<lustrial; esta expressão trahe a incomprehensão do
-que se passa. Vivemos simplesmente en'! uma epo-
"Ca elTI que se torna passiveI prover a uma parte das
necessidades de todos os homens, si elles o qui-
_ ~ e r e n 1
Talnben'! não viven10s na edade da machina.
Vivemos em uma epoca em que é possivel utilizar
338 Henry F o rei
a luachina para o serviço publico, ao mesmo tempc
que com lucro privado.
l\1as o futuro? Não teremos super producção?
Não attingiremos um ponto em que as machinas se-
tornem tão poderosas que a mão de obra se faça:..
inutil ?
O futuro não nos pertence. Despreoccupemo-
nos delle. O futuro sempre se encarregou dos seus-
proprios negocios, apesar de todos os esforços, bem-
intencionados não ha duvida, que temos feito para
embaraçaI-o. Desempenhando hoje da melhor ma-
neira a tarefa que nos incumbe, estaremos a faze;:
tudo o que nos é possivel fazer. Pode ser que um dia:
produzamos demais; mas isso não se dará sinão.
quando o mundo todo esteja a possuir tudo quanto
deseja. E no dia em que isso se der, devemos ficar-
contentissimos.
INDICE
Pago
Aurora da Opportunidade 7
Ha limites para os grandes negocios'? 23
Grandes negocios e argentar.ismo 37
Justificam-se os lucros? 53
O impossivel 71
.-\prendendo por necessidade 85
Que é Standard? 97
c\ lição do desperdicio 111
Fontes de producção . 123
O valor do t·empo 135
A economia da madeira 149
Helorno a industrial rural 161
Sala rio e horas de trabalho 177
O valor da força motriz 193
Educar para a vida 211
Remediar ou previnir 223
COlno explorar uma estrada ue ferro 233
A aviação 247
O problema agricola não passa de pro-
blema agrícola :L.).)
Como .equilibrar a 'Yida'? :L(i,
Para que o dinheiro? •. 279
Applicação dos nossos pr.incipios a qual-
quer negocio .
A riqueza das nações
Porque não? .
297
307
:327

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