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ABORDAGENS PÓS-KEYNESIANAS
Resumo
Em busca de uma compreensão do fenômeno da financeirização nas principais economias
desenvolvidas, o trabalho analisa e compara teoricamente duas interpretações da
financeirização no interior da abordagem pós-keynesiana. A primeira refere-se a tese de Wray
e Tymoigne, com forte influência nos últimos trabalhos de Minsky, na qual identificam uma
nova fase do capitalismo norte-americano, a fase do “Money Manager Capitalism”, que a
tornou mais frágil e mais sensível às crises financeiras. Em seguida, o trabalho apresentará
a “macroeconomia da financeirização” proposta por Eckhard Hein, Till Van Treeck e Engelbert
Stockhammer, onde explora-se os efeitos deste processo sobre a distribuição de renda, o
investimento e o consumo, bem como as possibilidades da construção de um novo regime
de crescimento.
1
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
E-mail: emendoncas@gmail.com
1
proposições e que todas elas capturam algum aspecto do fenômeno, o autor define a financeirização
como o aumento do papel dos motivos financeiros, dos mercados financeiros, dos atores financeiros
e instituições financeiras nas operações das economias nacionais e internacionais.
De acordo com alguns autores4, a origem dos estudos sistemáticos sobre o tema se encontra
nos últimos trabalhos dos marxistas de Sweezy & Magdoff (1987; 1994). Analisando a dinâmica da
economia norte-americana e seus desdobramentos para todo o sistema capitalista, Sweezy & Magdoff
(1987) destacam que uma força emerge como compensadora da tendência secular a estagnação do
capitalismo naquele país: o crescimento de uma superestrutura de dívidas, um crescimento que
atingiu um ritmo muito superior à expansão lenta da economia “real”. De forma mais precisa, segundo
Sweezy (1997), o triunfo do capital financeiro sobre o capital industrial representou uma mudança
no papel original das finanças, deixando de ser um modesto auxiliar da economia real, ou mais
2
Ver Chesnais (2002), Stockhammer (2004), Epstein (2005), Sawyer (2013) e Lapavitsas (2014).
3
Entre os marxistas destcam-se Foster & Magdoff (2009), Chesnais (2005), Duménil & Levy (2007) e Lapavitsas (2014). E os
principais autores regulacionistas são Aglietta (2006), Orléan (2006) e Boyer (2000).
4
Ver Sawyer (2013), Chesnais (2011), Lapavitsas (2014) e Pollin (2004).
2
precisamente, um parceiro frequentemente dominante da produção como na primeira metade do
século XX, para tornar-se um capital inevitavelmente especulativo, interessado exclusivamente na
sua própria expansão.
Segundo Tymoigne & Wray (2014), a principal mensagem da abordagem minskyana é que,
ao longo do tempo, as economias capitalistas são intrinsecamente instáveis financeiramente, mesmo
que os indivíduos sejam racionais e que a economia esteja devidamente regulada em um ponto no
tempo. Elas são ainda mais instáveis se os mecanismos de mercado são deixados sozinhos. A
construção lógico-histórica desta abordagem e as suas consequências, segundo os autores, exige a
apresentação de duas contribuições fundamentais do economista norte-americano Hyman Minsky:
(1) a Hipótese da Instabilidade Financeira (HIF) e (2) e o enfoque dos estágios do capitalismo, com
ênfase nas mudanças das estruturas financeiras.
A partir da noção de que a economia capitalista deve ser identificada como uma economia
monetária de produção, onde o dinheiro “desempenha um papel decorrente de si próprio e afeta
motivos e decisões” dos agentes (Keynes, 1933a), Minsky (1975) destaca que a decisão de gastos
dos capitalistas depende essencialmente do financiamento do investimento. E as variações e a
natureza instável no ritmo do investimento, inevitavelmente cíclico, estão associadas essencialmente
as condições em que ele é financiado, e assim o autor se volta para as questões relacionadas ao
3
financiamento do investimento. Por isso, o autor se concentra no modo como os agentes avaliam
suas posições de portfólios em ativos de capital e ativos financeiros, e como são financiados em uma
estrutura financeira complexa e sofisticada5.
Segundo Minsky (1975), uma análise das relações financeiras inicia-se a partir da noção de
unidade econômica, ou seja, famílias, empresas, governos e bancos. Cada unidade possui um
portfólio usado para a tomada de decisões, um balanço patrimonial ou um fluxo de caixa, o seu
conjunto de ativos tangíveis e financeiros que possui e os passivos financeiros sobre os quais tem
obrigações. Segundo Minsky (1982), a análise do fluxo de caixa possui três funções: ele sinaliza se
as decisões de investimento do passado foram apropriadas; ele fornece os fundos, através da qual
as empresas/famílias/governo/bancos podem ou não podem cumprir compromissos de pagamento
no vencimento; e ele ajuda a determinar as condições de investimento e de financiamento. Mais
precisamente, para as unidades econômicas, a decisão especulativa fundamental é sobre o quanto
do fluxo de caixa previsto será empenhado para o pagamento de juros e do principal do passivo,
devido ao papel das dívidas que são emitidas para financiar suas posições em ativos.
Neste sentido, para Minsky (1992), a hipótese da instabilidade financeira é uma teoria do
impacto da dívida sobre o comportamento do sistema e que também incorpora a maneira pela qual
a dívida é validada, a forma como o nível de investimento corrente correspondeu a expectativa
passada de lucro. Para compreender a dinâmica da relação renda-dívida das unidades econômicas,
especialmente do perfil de seus passivos, Minsky (1982;1986) investiga a questão da estrutura das
obrigações e do pagamento dos compromissos financeiros. E por isso, ele classifica três tipos de
posturas financeiras: hedge, especulativa e ponzi.
Nas unidades econômicas com postura financeira hedge, se espera que o fluxo de caixa ou
as receitas esperadas exceda as obrigações de pagamentos de dívidas contratuais em qualquer
período. Nesta unidade, os problemas de financiamento ocorrem apenas se os seus rendimentos
esperados ficarem abaixo dos gastos com os compromissos financeiros de dívida ou com aumentos
de seus custos de produção. A unidade econômica especulativa refere-se quando o fluxo de dinheiro
esperado excede o total de pagamentos em dinheiro das dívidas a pagar, mas com a diferença de
que nos primeiros períodos as obrigações de pagamento dos primeiros períodos são superiores aos
5
Para Minsky (1975), em uma economia capitalista sofisticada, as instituições monetárias e financeiras determinam a maneira
como são obtidos os fundos exigidos tanto para a propriedade de itens no estoque de ativos de capital como para a produção
de novos ativos de capital, e por isso tornam-se um determinante do investimento. No paradigma de Wall Street, as relações
financeiras afetam o comportamento da economia, pois são elas que estabelecem o nexo entre o passado, o presente e o
futuro na economia.
4
fluxos de dinheiro. Nesta postura financeira, a divergência no fluxo de caixa surge porque os agentes
assumem posições em ativos de longo prazo através de obrigações de curto prazo, o que
necessariamente gera um hiato entre as receitas e os compromissos nos primeiros períodos. E este
hiato ocorre apenas nos primeiros períodos do financiamento e isto exige um refinanciamento para
cumprir os compromissos. Entretanto, os agentes envolvidos esperam que os recebimentos dessas
unidades excedam os compromissos nos períodos posteriores, o que garante a solvência. Neste tipo
de financiamento, os problemas financeiros estão associados a expectativa de receitas, como no
hedge, mas principalmente a liquidez no processo de “rolagem da dívida”, ou seja, a necessidade de
levantar fundos no mercado financeiro.
Por fim, a postura ponzi é um comportamento especulativo no qual o fluxo de dinheiro dos
primeiros períodos fica abaixo do pagamento de juros da dívida nos primeiros períodos, de tal modo
que, por algum tempo, as dívidas a pagar crescerão devido aos juros sobre a dívida existente. Assim,
os fluxos de caixa que devem ser adquiridos para os compromissos financeiros a serem cumpridos
tornam-se maior, e o endividamento no balanço da unidade econômica se deteriora. Neste
comportamento, as condições para a validação da dívida total se tornar mais rigorosos, e o déficit
nos rendimentos ou o aumento dos custos de juros tornam improvável que os compromissos de
pagamento se reduzem. Para Minsky (1986), um contrato de financiamento especulativo pode ser
transformado em um plano de financiamento ponzi, principalmente devido a um aumento dos juros
ou outros custos ou a insuficiência de renda esperada da unidade devedora. Ambas as unidades,
especulativas e ponzi, têm de responder às novas condições do mercado financeiro (oscilações na
taxa de juros) e a expectativa positivas de receitas, enquanto uma unidade hedge é imune apenas a
primeira.
Para Minsky (1986; 1992), a estabilidade de uma economia monetária de produção depende
da composição entre os tipos de financiamento. A predominância da postura financeira hedge tende
a conduzir a economia para a estabilidade, e o maior peso do financiamento especulativo e ponzi
levam a instabilidade, pois são menores as margens de segurança global e maior a fragilidade da
estrutura financeira. A dependência das posições financeiras das unidades econômicas (balanço, fluxo
de caixa etc) sobre o refinanciamento e a liquidação das dívidas caracteriza uma situação de
fragilidade financeira6. Mas caso, uma ampliação da fragilidade financeira assuma um caráter
6
Segundo Tymoigne & Wray (2014) do ponto de vista microeconômico, a fragilidade financeira significa que os elementos do
passivo e do ativo dos balanços patrimoniais são altamente sensíveis a mudanças na taxa de juros, na renda, na taxa de
amortização, e outros elementos que afetam a liquidez e a solvência dos balanços. No nível macroeconômico, a fragilidade
financeira representa a propensão dos problemas financeiros em gerar uma instabilidade financeira, ou seja, grandes
perturbações no sistema financeiro manifestam-se em crises de deflação de dívidas.
5
sistêmico afetando todo o processo econômico, temos uma instabilidade financeira, um resultado
inerente e possível do processo de financiamento numa economia monetária.
Dessa forma, a hipótese da instabilidade financeira, segundo Minsky (1992), apresenta dois
teoremas: (1) a economia tem regimes de financiamento (hedge, especulativo e ponzi) que a tornam
estável e instável e (2) e ao longo de períodos de prosperidade prolongada, a economia transita das
relações financeiras que contribuem para um sistema estável para relações financeiras que
contribuem para um sistema instável. E assim, como destaca Minsky (1986), a hipótese da
instabilidade financeira é uma teoria de como uma economia capitalista endogenamente gera uma
estrutura financeira que é suscetível a crises financeiras e como o funcionamento normal do sistema
financeiro em uma economia prospera irá desencadear uma crise financeira, ou seja, a estabilidade
da economia é desestabilizadora.
Segundo Tymoigne & Wray (2014), as instituições sócio-econômicas não são fixas, ainda que
a natureza monetária da economia permaneça, o modo como se desenvolve muda e traz importantes
implicações para a estabilidade econômica. Além de suas contribuições sobre a questão do
financiamento numa economia monetária de produção, a hipótese da instabilidade financeira, Minsky
(1986, 1990, 1996) desenvolveu nos seus últimos trabalhos uma abordagem institucional do
capitalismo norte-americano, a partir das estruturas financeiras.
Como destacou Whalen (1999), a análise dos estágios do capitalismo financeiro parte de
uma preocupação com a questão institucional, reconhecendo que o sistema capitalista apresenta
diversas variedades de formas, com sérias implicações para a sua estabilidade. Na opinião de Minsky
(1996), um olhar sobre as instituições deveria ser considerado, dada a necessidade de se criar um
digno sucessor do sistema financeiro que teria servido bem a economia norte-americano entre 1930
e 1980. Além disso, segundo Minsky (1990), o sistema financeiro consiste de instituições como bancos
comerciais, bancos de investimento, fundos de pensão e instrumentos como ações, títulos, débitos
bancários, depósitos, bem como mercados (monetário e de capitais). E, por fim, nos principais
mercados financeiros, a operação de tais instrumentos é feita por instituições financeiras, e não por
famílias ou indivíduos.
6
atividade produtiva devido aos novos instrumentos que permitem diferentes formas de
financiamento. E por isso, para Minsky, as finanças e o desenvolvimento industrial se encontram
numa relação simbiótica na história do capitalismo, principalmente depois da II Guerra Mundial.
Para Whelan (1999, 2002) e Tymoigne & Wray (20014), na história do desenvolvimento
capitalista norte-americano podemos encontrar quatro diferentes estágios a partir das estruturas
financeiras: o capitalismo comercial, o capitalismo financeiro, o capitalismo gerenciado e o “money
manager capitalism”. Segundo Tymoigne & Wray (2014), o capitalismo comercial representou uma
fase na qual as empresas usaram os bancos comerciais para fornecer capital de giro, ou seja, as
finanças a serviço da produção. Entretanto, com o tempo, as plantas e os equipamentos tornaram-
se tão caro que o financiamento externo tornou-se necessário, e este exige um compromisso prévio
de lucros futuros. O capitalismo financeiro, marcante na virada para o século XX, se caracterizou pela
ampliação da separação entre controle e propriedade na atividade produtiva, mas com o controle do
processo exercido por bancos de investimento. Nesta fase, denominada por Whelan (1999) de
“capitalismo bancário”, os bancos tiveram a função não apenas de organizar as fusões necessárias
para o desenvolvimento, mas também destacaram-se na aquisição de grandes ações de propriedade,
garantindo assentos nos conselhos de administração das empresas. Além disso, no período observou-
se a predominância de um governo pequeno, com pouca regulação bancária e financeira, e
crescimento da desigualdade de renda7. Assim, o resultado geral da do funcionamento deste estágio
do capitalismo foi o crescimento do poder econômico privado e uma forte instabilidade financeira
(WHELAN, 1999).
Para Tymoigne & Wray (2014), o capitalismo gerenciado norte-americano emergiu da Grande
Depressão dos anos 1930 e teve como característica central o constrangimento das instituições
financeiras pelas legislação norte-americana, além da fonte do financiamento das grandes
corporações terem sido prioritariamente através de lucros retidos e não do financiamento externo,
como no período anterior. Segundo os autores, nesta fase do capitalismo prevaleceu uma alta
estabilidade do crescimento econômico e a formação de uma prosperidade compartilhada. Do ponto
de vista da atuação do governo, este período observou-se um aumento dos gastos estatais, expresso
no New Deal, e um maior envolvimento no sistema de regulação financeira, que impôs ao sistema
financeiro restrições com objetivo de impedir a tomada excessiva de riscos, como observa-se no
7
Um período registrado também Hilferding, onde as relações financeiras tornaram-se mais complexas e se caracterizou pela
dominação das finanças sobre as grandes corporações. Além de ser um período no qual se observou um aumento da
instabilidade financeira com unidades econômicas, empresas principalmente, assumindo maiores riscos que levaram a
inúmeras falências e um predomínio do comportamento ponzi na economia. (TYMOIGNE & WRAY, 2014).
7
Glass-Steagall Act (1932), por exemplo, e um papel ativo no desenvolvimento industrial 8. Outra
característica do capitalismo gerenciado foi a pouca ocorrência de crises econômicas, segundo os
autores, um resultado de uma baixa volatilidade da economia.
Entretanto, a própria dinâmica do capitalismo gerenciado conduziu a uma transição para um regime
econômico instável. Para Tymoigne & Wray (2014), entre os principais fatores destacam-se o fato de
os bancos buscaram maneiras de elevar a sua rentabilidade, gradualmente assumindo mais riscos
nos seus balanços patrimoniais, após um período de alta liquidez durante o período regulado. Do
lado dos ativos, o período encorajou as instituições financeiras a expandir seus mercados para manter
a rentabilidade, além da existência de um gap entre o financiamento e prosperidade dos negócios o
que obrigou os bancos a assumirem maiores riscos9. Do lado dos passivos, as instituições financeiras
atuaram em direção a inovação de seus instrumentos para sustentar a sua própria expansão, e como
consequência tornou os bancos cada vez mais dependentes das condições predominantes nos
mercados financeiros e da busca competitiva por fontes de financiamento. O resultado do
comportamento ponzi do setor financeiro privado foi o crescimento de sua fragilidade financeira.
Em relação às corporações privadas não-financeiras, Tymoigne & Wray (2014) destacam que
elas tornaram-se cada vez mais dependente do financiamento, principalmente ao observarem o
declínio de sua capacidade em resolver problemas de liquidez e quedas seguidas no valor líquido dos
seus ativos e passivos em relação às dívidas pendentes. O resultado foi um aumento da relação
dívida-renda das corporações não-financeiras, após um período de relativa estabilidade. Ou seja, o
crescimento da necessidade de financiamento externo caracterizou uma elevação da fragilidade
financeira nas firmas.
8
Tymoigne & Wray (2014) destacam o modelo de negócio bancário especifico que reforçava a estabilidade, oferecendo
empréstimos cuidadosos e de longa duração, além da rentabilidade dos bancos estarem associadas diretamente ao sucesso
dos clientes.
9
Os autores destacam que a queda dos ativos líquidos dos bancos comerciais representou que a capacidade dos bancos em
absorver choques induzidos por risco de crédito, por exemplo, declinou enquanto o tamanho dos riscos aumentou
relativamente (TYMOIGNE & WRAY, 2014).
8
Alguns fatores políticos também influenciaram, como uma legislação regulatória
desatualizada para um contexto de recessão na economia “real” e que ampliava os problemas de
financiamento, além de um progressivo retorno da ideologia “livre-mercado” entre os reguladores. O
resultado destas mudanças foi o crescente retorno da instabilidade financeira que ficou evidente na
crise financeira de 1966, mas só se materializou-se na crise das S&L em 1982.
Para Tymoigne & Wray (20014), a nova fase da economia norte-americana seria
caracterizada como pela emergência do “money manager capitalism”, um resultado das contradições
do período anterior de relativa estabilidade e que tem como principais atores os fundos de
investimento institucionais. As principais características desta nova fase seria a emergência do
neoliberalismo e as profundas mudanças na estrutura da atividade bancária10. Segundo os autores,
a ascensão do neoliberalismo implicou uma queda da influência dos sindicatos, uma crescente
redução do envolvimento do governo na economia e o retorno da ideologia “livre-mercado” na política
econômica. E este conjunto de transformações foram essenciais para a formação de uma nova fase
da estrutura financeira norte-americana, caracterizada pela expansão acelerada da securitização, pela
globalização financeira, financeirização e desregulamentação financeira (TYMOIGNE & WRAY, 2014).
A queda no poder de barganha dos sindicatos, a estagnação nos salários reais dos
trabalhadores norte-americanos e o aumento da desigualdade foram consequências do avanço das
ideias liberais na política econômica, da promoção da mentalidade pró-mercado e da elevada taxa de
desemprego experimentada pela economia. Além disso, segundo Tymoigne & Wray (2014), o
mercado de trabalho dos E.U.A. sofreu diversas mudanças que reduziram o poder dos sindicatos,
como o movimento em direção a uma “economia de serviços”, na qual os trabalhadores não são
sindicalizados, e uma maior concorrência entre eles, o que empurrou para baixo o crescimento dos
salários. Para os autores, a consequência dessas tendências no mercado de trabalho daquele país foi
o rompimento com a “prosperidade compartilhada” entre os diversos agentes econômicos e um
aumento da desigualdade.
O menor envolvimento do governo na economia foi um reflexo da redução dos seus gastos
em infraestrutura e programas sociais, principalmente a partir dos anos 1980, permitindo que o setor
privado assumisse as tarefas que o antigo “Welfare State” conduzia. A ascensão da ideologia “livre-
mercado” foi observada especialmente na gestão das políticas de regulação e supervisão do sistema
financeiro. E esta mudança pode ser identificada sobre três aspectos: (1) a primazia da lucratividade
financeira como uma medida de solidez das instituições, pois a busca dos bancos pela rentabilidade
10
A crise Savings & Loans (1982) demonstrou que o modelo de atividade bancária já estava ultrapassado em relação ao novo
ambiente econômico, caracterizado pelo custo volátil do financiamento, forte competição dos “shadow banks” e uma demanda
maior por altas taxas de retorno associada a poupança de aposentadoria.
9
máxima manifesta na centralidade das preferências dos clientes, na concepção dos reguladores, traria
benefício a sociedade, e as forças de mercado se encarregaria de manter a sustentabilidade da
atividade bancária; (2) o “sagrado” papel das inovações que permitiriam uma maior eficiente alocativa
por parte do sistema, e sem restrições ou fiscalizações, elas não atrasariam em gerar benefícios
previstos para o bem estar econômico; e (3) a promoção da auto-regulação ao invés da gestão
técnica dos riscos inerentes a atividade financeira, já que os reguladores entendem que as
companhias financeiras possuem capacidade de se regular e as crises financeiras são eventos
possíveis, mas raros o que os coloca na tarefa de proteger o sistema financeiros contra choques
aleatórios.
Um elemento central nesta nova fase do capitalismo foi a transformação no setor financeiro,
especialmente na atividade bancária. Para Tymoigne & Wray (2014), além de um sistema financeiro
mais concentrado, o elemento central dessa mudança foi o crescimento exponencial do processo de
securitização, que afetou os mais diversos setores da economia dos E.U.A. no início dos anos 1970.
Esta inovação financeira acabou por separar o risco e a responsabilidade, e permitiu uma
transferência de riscos financeiros; o que contribuiu para a deterioração da qualidade dos
empréstimos bancários e, consequentemente, promoveu uma maior fragilidade financeira na
estrutura de financiamento. E além da desregulamentação do setor financeiro via ideologia “livre-
mercado”, os autores destacam a mudança no modelo de bancos. Os bancos comerciais adotaram
um modelo hibrido, uma combinação entre os bancos universais e o modelo Public Holding Company
(PHC). Combinando funções de banco comercial e banco de investimento, o modelo de bancos
universais oferece uma grande variedade de serviços financeiros incluindo empréstimos hipotecários
e seguros. Por sua vez, o modelo PHC caracterizou-se pela participação de uma holding em vários
tipos de firmas financeiras, detendo ações e títulos e posições financeiras em bancos. O resultado,
segundo Tymoigne & Wray (2014), foi a convergência de vários tipos de bancos sobre a liderança de
holdings e dos shadow banks, com apoio das iniciativas governamentais em ampliar a segmentação
da indústria financeira11.
Esta transformação no modelo bancário permitiu a eles atuar em atividades de riscos, com
alta alavancagem, e sem se submeter a regulação ou supervisão, em um ambiente de maior
concorrência garantiu o que gerou elevadas taxas de rentabilidade a estas instituições. Além disso,
Tymoigne & Wray (2014) destacam a ascensão dos money managers na estrutura gerencial das
instituições financeiras, o que resultou em gestões de fundos cada vez mais sistemáticas priorizando
11
Além disso, os autores destacam que a financeirização da economia e a expansão da securitização na atividade financeira
promoveu mudanças na organização e gerenciamento das estruturas bancárias. Neste momento, a atividade estaria
privilegiando o próprio crescimento e o valor do acionista (TYMOIGNE & WRAY, 2014).
10
altas taxas de retorno com foco na performance de curto prazo. E do ponto de vista da atividade
não-financeira, os money managers assumiram uma forte influência nos conselhos de administração
das empresas, e adotaram a prática de stock options como forma de remuneração dos gestores das
firmas.
A crise das hipotecas subprime que se manifestou no verão de 2007 nos E.U.A. e contagiou
a economia mundial nos anos seguintes encontra a sua causa na primazia desta fase do capitalismo.
Segundo Wray (2014), ao contrário da maioria dos relatos que atribuem a crise à política monetária
muito solta, a exuberância irracional entre credores e devedores, ou talvez a regulação frouxa, a
abordagem minskyana aponta para um aumento da fragilidade financeira no período anterior à crise,
com as unidades econômicas assumindo posições muito próximas daquelas que promovem uma crise
financeira, precisamente ponzi. A predominância do comportamento ponzi foi uma consequência das
mudanças na estrutura bancária, que incentivou os bancos a serem menos cuidados na concessão
de crédito a famílias e as empresas, pois os riscos de crédito e outros riscos seriam transferidos para
os money managers via securitização.
3 A macroeconomia da financeirização
11
desses estudos empíricos podem ser agrupados naquilo que Hein, Dodig e Budyldina (2014) referem-
se como a “macroeconomia da financeirização”. E estes trabalhos têm apresentado diferentes
modelos macroeconômicos que examinam os efeitos da financeirização sobre o crescimento de longo
prazo e sua estabilidade. Os principais trabalhos da “macroeconomia da financeirização” podem ser
encontrados especialmente em autores como Eckhard Hein, Engelbert Stockhammer e Till Van
Treeck12.
12
Além das contribuições de Lavoie (2008) e Orhangazi (2008).
12
e integrando a definição em modelos pós-keynesianos/kaleckianos de distribuição e crescimento,
como bem destacam Hein & Van Treeck (2010b).
Seguindo a definição ampla do conceito proposta por Epstein, para Hein et all (2014), a
financeirização é entendida como um resultado das mudanças estruturais da economia capitalista
após a década de 1970, que colocaram as finanças, especialmente o setor financeiro no centro da
dinâmica macroeconômica. Para Orhangazi (2008), a financeirização representa no nível mais geral
um aumento no tamanho e na importância das finanças, dos mercados, das transações e instituições
associados a ela13. Como recorda Stockhammer (2009), este processo abrange uma ampla gama de
fenômenos, como a desregulamentação do setor financeiro, a proliferação de novos instrumentos
financeiros, a liberalização dos fluxos internacionais de capital, aumento da instabilidade nos
mercados cambiais, as mudanças em direção a um sistema financeiro baseado nos mercados
(market-based), a emergência de investidores institucionais como grandes players do sistema
financeiro, as alterações que conformaram a governança corporativa (e a orientação ao valor do
acionista), o aumento do acesso ao crédito pelas famílias, uma elevação da desigualdade de renda e
riqueza, uma redistribuição em favor do capital etc.
O antecessor do atual período, a “Era de Ouro” é caracterizada, segundo Hein et all (2014),
pelo acordo social entre capital, trabalho e Estado, o que permitiu a adoção de políticas de pleno
emprego pelos principais governos, o movimento operário trocou a proposta de derrubada do
capitalismo pelo pleno emprego, segurança social e aumento dos salários reais; e os capitalistas
aceitaram a intervenção governamental e a participação do trabalho nos ganhos de produtividade
em troca de manter o controle sobre as empresas, na função de gestão. Entretanto, para Hein et all
(2014), seguindo a narrativa exposta acima, a “Era de Ouro” desintegrou-se devido a erosão
endógena de sua base institucional mais importante: o “contrato social” em vários países que o
adotaram. Isto porque as aspirações salariais não apoiadas no crescimento da produtividade
causaram o aumento das taxas de inflação nestes países e também nos que como os E.U.A. não
adotaram este modelo. Assim, as restrições inflacionárias retornaram como condição para o
funcionamento das economias capitalistas, ou seja, o “contrato social” que buscou evitar a inflação
conflitiva tendo como alvo o crescimento na mesma linha dos salários reais e a produtividade não se
sustentou.
Assim, os governos abandonaram a busca pelo pleno emprego e se voltaram para a redução
da inflação. Além disso, contribuíram para o fim da “Era de Ouro” o colapso de Breton Woods, a
aceleração da globalização econômica e o fim da URSS. E desse modo, o período do “contrato social”
13
Para o autor, em um nível mais restrito, ela representa as mudanças na relação entre setor corporativo não-financeiro e os
mercados financeiros (ORHANGAZI, 2008).
13
foi substituído pelo neoliberalismo, “um regime caracterizado pela redução da intervenção
governamental, pela desregulamentação dos mercados, pelos cortes no Estado de Bem-estar e pela
estabilidade de preços como objetivo primordial macroeconômica” (HEIN et all, 2014).
Segundo Hein & Van Treeck (2010a; 2010b) para compreender os efeitos da financeirização
sobre a economia capitalista e então debater os potenciais regimes de crescimento nos países
centrais, dentro de um modelo pós-keynesiano/kaleckiano de crescimento e distribuição, é essencial
analisar os canais de transmissão do “finance-dominated capitalism”. E os principais canais são: os
efeitos sobre o investimento nas firmas, no consumo das famílias e na distribuição de renda.
Segundo Hein & Van Treeck (2010a) os efeitos da financeirização sobre as decisões de
investimento no setor corporativo não-financeiro inicialmente pode entendido a partir do conflito
inerente nas grandes corporações entre os proprietários e os gestores, como registrou Stockhammer
(2004). A razão do conflito seria a existência de um trade-off na gestão corporativa entre o
crescimento da firma e a sua lucratividade. A natureza do conflito registra, segundo Hein & Van
Treeck (2010b), que a prática corporativa de geração do valor ao acionista, a shareholder value
orientation, é provavelmente associada a uma elevada preferência pela rentabilidade de curto prazo
e uma baixa propensão para investir em estoque de capital físico por parte das firmas.
Segundo Hein & Van Treeck (2010a), os acionistas teriam uma relação apenas fugaz com as
firmas, dada os seus portfólios de ativos diversificados, e estariam mais interessados na rentabilidade
atual delas do que com o crescimento, com a expansão no mercado. Dessa forma, o autor observa
que de um lado a governança corporativa atual das corporações não-financeiras impõe restrições aos
gestores quanto a capacidade de expandir e por outro lado, afeta as preferencias da gestão,
alinhando os gerentes aos interesses dos acionistas, que é a maximização do lucro 14. Neste contexto,
Hein & Van Treeck (2010a) registra que o crescimento das firmas é contido principalmente pelo
pagamento de dividendos cada vez mais elevados aos acionistas o que gera uma menor capacidade
das corporações em obter um novo financiamento de capital através da emissão de ações (que
tendem a diminuir os preços das ações), uma maior dependência sobre a alavancagem, e uma
crescente ameaça de aquisições num mercado liberalizado de controle corporativo. O resultado
14 Aqui está pressuposto a separação entre propriedade e controle, e objetivos conflitantes entre as partes. Segundo
Stockhammer (2004), os gestores teriam como objetivo a alta participação no mercado, o crescimento rápido, os escritórios
luxuosos etc. Já os proprietários estariam principalmente interessados nos dividendos e nos preços das ações.
14
dessas mudanças na gestão das corporações seria, segundo a denominação de Lazonick & O’Sullivan
(2000), a substituição do modelo “manter-investir” para o “reduzir-distribuir”.
Para Hein & Van Treeck (2010a), com o desenvolvimento da financeirização é provável que
a taxa de acumulação esteja abaixo do seu máximo. Para Stockhammer (2004), neste modelo a firma
não apenas busca maximizar o lucro, como na abordagem neoclássica, e busca também o seu
crescimento, a expansão de sua parcela no mercado através do exercício de seu poder sobre os
trabalhadores e fornecedores. Dessa forma, devido a uma especifica configuração institucional
histórica, a Era do “capitalismo gerencial”, as firmas ao invés de buscar o lucro, tinham como objetivo
principal o seu crescimento. Na atual institucionalidade e baseado na reformulação da firma pós-
keynesiana15, observamos que as preferências dos gestores das firmas no trade-off crescimento-
rentabilidade, e estão abaixo da fronteira de expansão, ou seja, por causa do conflito as firmas
apresentam uma baixa capacidade de expansão refletindo uma menor propensão a reduzir as
fronteiras do financiamento a uma taxa de lucro elevada. Assim, duas situações podem ser
esperadas: (1) uma maior proporção de pagamento de dividendos e, assim, um índice de retenção
de lucros inferior; ou (2) as preferências dos gestores para o crescimento estarem enfraquecidas
como um resultado do sistema de remuneração com base na rentabilidade de curto prazo e os
resultados do mercado financeiro. E em ambos os casos representam uma queda da taxa de
acumulação, mas com uma alta da taxa de lucro.
Em relação as evidencias econométricas, Hein & Van Treeck (2010a) destacam que elas
favorecem a hipótese de que a financeirização causou uma desaceleração na acumulação de capital 16.
Segundo Stockhammer (2004) a participação dos juros e dos dividendos nos lucros das corporações
norte-americanas é um indicado apropriado para observar a dominância de lucros de curto prazo e
as preferências da gestão. E utilizando este indicador, o autor verifica que o investimento em ativos
financeiros (curto prazo) é preferível aos ativos de capital (longo prazo), o que associa a elevação
dos primeiros a uma desaceleração na acumulação de capital.
Segundo Hein & Van Treeck (2010a), um segundo aspecto da financeirização é a relação
entre o consumo das famílias e o endividamento. Nesta relação, o aumento da dívida é inicialmente
estimulando a demanda agregada transferência do poder de compra das famílias de alta renda, com
baixa propensão marginal a consumir de baixa renda domicílios com alta propensão a consumir. Mas
15
Ver Lavoie (2014)
16
As evidências empíricas podem ser encontradas em Stockhammer (2004) e Orhangazi (2008).
15
os pagamentos de juros sobre a dívida, em seguida, tornar-se um fardo sobre a demanda agregada,
porque o poder de compra é redistribuído para a direção oposta.
Além disso, é possível constatar que o consumo baseado no crédito foi facilitado pela
desregulamentação do sistema financeiro que permitiu empréstimos home equity, empréstimos ao
consumidor ajustáveis e securitização, estimulando assim a demanda efetiva e crescimento.
Entretanto, uma vez que o peso do serviço da dívida é da exclusiva sobre os trabalhadores, o efeito
potencialmente contracionista longo prazo do endividamento do consumidor é corroborado porque a
renda é redistribuída para os ricos, que recebem o rendimento de juros e têm uma menor propensão
a consumir.
Desde 1980 nos E.U.A., segundo Hein & Van Treeck (2010a), observa-se que as taxas
crescentes de riqueza financeira das famílias, ou um declínio na propensão média a poupar da renda
disponível, estiveram associadas o boom da economia após a crise no sistema financeiro entre 2000
e 2001, especialmente no mercado imobiliário. Para os autores, neste período a propensão média a
poupar declinou significativamente, tornando negativa; e a situação financeiras das famílias piorou
quando as evidencias expressaram um alto endividamento no setor imobiliário norte-americano. E
dessa forma, a Grande Recessão, iniciado no colapso das hipotecas subprime, teria sido um resultado
deste processo de alto endividamento das famílias para sustentar a demanda agregada e o
crescimento econômico.
Segundo Hein & Van Treeck (2010a), outro canal de transmissão da financeirização é as
diferentes formas de redistribuição de renda. Do ponto de vista da distribuição funcional da renda,
16
de um lado os lucros, os dividendos e os juros, e do outro lado, os salários, observa-se um
crescimento da demanda dos acionistas que afeta a participação dos salários na renda. Para os
autores, no médio prazo, um aumento dos dividendos recebidos pelos rentistas gera um mark-up
elástico aos dividendos, o que favorece a uma redistribuição de renda com uma queda na participação
dos trabalhadores na renda. Esta situação se explica pelo fato de ocorrer diversos fatores, como uma
diminuição da concorrência via preços, um aumento de fusões e aquisições no setor privado não-
financeiro, uma queda no poder de negociação dos sindicatos e a adoção do modelo corporativo de
“reduzir e distribuir”. Todas os fatores contribuem para um aumento do mark-up em relação a
elevação crescente da taxa de dividendos. Portanto, a médio prazo, segundo os autores, o aumento
no poder dos acionistas favorece a redistribuição, mas em detrimento da participação da renda do
trabalho.
17
Neste sentido, segundo Hein & Van Treeck (2010), a partir de uma perspectiva
macroeconômica pós-keynesiana, o finance-dominated capitalism pode ser resumida pelos seguintes
elementos:
(3) no que diz respeito à distribuição, a financeirização tem sido promoveu um aumento da
participação do lucro bruto na renda, incluindo os lucros acumulados, dividendos e pagamentos de
juros, e gerou, de um lado, uma queda da participação do trabalho, e de outro lado, um aumento da
desigualdade entre os salários, e, portanto, da renda pessoal. Hein & Van Treeck (2010a) reviu
recentemente as evidências para um conjunto de economias capitalistas desenvolvidas desde o início
18
da década de 1980 e encontrou amplo suporte empírico para uma queda da participação dos
rendimentos do trabalho e um aumento da desigualdade na distribuição pessoal/familiar, com apenas
algumas exceções. E esta queda está associada a três canais principais: queda do poder de
negociação dos sindicatos, o aumento da demanda por lucros por parte dos rentistas, e uma mudança
na composição setorial da economia em favor do sector privado financeiro.
Segundo Hein & Van Treeck (2010a), com base nos efeitos contraditórios da “financeirização”
sobre o investimento, o consumo e a distribuição, diferentes regimes de crescimento
macroeconômicos podem ser extraídos na literatura especializada. Os regimes macroeconômicos
podem ser o “conduzido pelas finanças” (BOYER, 2000) ou “lucros sem investimento” (CORDONNIER,
2006), mas eles destacam um terceiro: o regime “contracionista”.
Para os autores, o “regime contracionista” pode surgir, no qual os juros altos e os dividendos
pagos aos rentistas têm um efeito restritivo sobre as taxas de utilização da capacidade, a taxa de
lucro e a taxa de acumulação de capital (Hein & Van Treeck, 2010a, 2010b). Devido a uma queda na
propensão a consumir dos rentistas, e implicitamente uma queda no efeito-riqueza, portanto, pouca
importância do consumo baseado no crédito, o aumento da renda dos rentistas não é capaz de
compensar a redução na demanda. E a geração do valor ao acionista junto com a diminuição dos
meios internos de financiamento também provocam uma desaceleração na acumulação de capital.
Construindo um diálogo com as teses regulacionistas, Stockhammer (2009) propõe a caracterização
da nova fase do capitalismo como um regime de acumulação dominado pelas finanças, um regime
definido pela liderança das finanças e sua capacidade de moldar o padrão e o ritmo da acumulação,
e que gerou um desempenho medíocre em termos de crescimento com elevada fragilidade financeira
e um agravamento da polarização da distribuição de renda.
O debate sobre a financeirização apresenta alguns eixos centrais que lhe conferem um
contorno muito especifico dentro das investigações e discussões da ciência econômica.
Essencialmente, os principais eixos da economia política da dominância financeira podem ser
preliminarmente enumerados como: (1) o conteúdo desta nova fase do capitalismo, (2) a origem da
financeirização, (3) as modificações que o processo de financeirização gerou na acumulação de
capital e (4) as implicações da ascensão das finanças sobre o conflito entre os diversos grupos sociais,
ou mais precisamente, a emergência do rentismo.
19
Do ponto de vista do conteúdo, a contribuição pós-keynesiana destaca a especificidade da
atual etapa do capitalismo, mais precisamente, da economia norte-americana. É nesta economia,
tanto para Hein & Van Treeck (2010a; 2010b) e Stockhammer (2009) quanto para Tymoigne & Wray
(2014), que encontramos um processo avançado de financeirização da economia, embora os
primeiros apresentem evidencias empíricas desta dinâmica em diferentes países, mas com graus de
desenvolvimento assimétricos e os últimos somente nos E.U.A.
Para Tymoigne & Wray (2014), a financeirização da economia expressaria a centralidade das
finanças para as operações diárias do sistema econômico como um todo. Mais precisamente, os
setores privados não-financeiros, as grandes corporações, e as famílias tornaram-se cada vez mais
dependentes do funcionamento do setor financeiro, devido a uso crescente das dívidas para melhorar
ou manter seus balanços patrimoniais. Dessa forma, do ponto de vista mais global, a financeirização
é uma expressão no nível macroeconômico e microeconômico de um novo estágio da estrutura
financeira norte-americana.
Sobre a origem deste processo e a emergência de uma nova fase do capitalismo, autores
divergem das razões, embora destaquem aspectos políticos em comum. Para os autores associados
a “macroeconomia da financeirização”, a ascensão das finanças está vinculada ao fim da “Era de
ouro” do capitalismo ocidental e as mudanças institucionais que foram geradas a partir do fim de um
período de estabilidade econômica e política. Essencialmente, os autores destacam o fim do contrato
ou compromisso social vigente entre capital, trabalho e Estado, base institucional do período anterior
ao neoliberalismo, que promoveu o crescimento econômico e a estabilidade econômica e política.
Para os autores, foi a disputa entre as classes capitalista e trabalhadora pelo excedente econômico
que gerou um aumento na taxa de inflação nos principais países de economia avançada, ou mais
precisamente, a divergência entre aumento de salários e crescimento da produtividade que gerou
pressões inflacionárias e permitiu o fim do contrato social vigente. Assim, as políticas econômicas
adotadas no período seguinte em diversos países (também nos E.U.A.), tinham como objetivo
redirecionar o capitalismo em favor dos interesses dos capitalistas, dado a perda de rentabilidade no
final da “Era de Ouro”. Em resumo, a interpretação dos autores da crise estrutural dos anos 1970 e
que está na origem da financeirização teve como causa, ressalta o conflito distributivo onde as
20
aspirações salariais dos trabalhadores entraram em choque com o baixo crescimento da
produtividade.
21
Em relação a natureza dos conflitos entre os grupos sociais por uma participação maior na
riqueza produzida, a “macroeconomia da financeirização” ressalta a ascensão dos acionistas, um
retorno do rentista, uma personagem ilustrada pela economia política clássica17. Em busca de ganhos
com juros e dividendos, os acionistas subordinaram as firmas aos seus interesses, através da adoção
por estas da prática de geração do valor ao acionista; e com isso, conseguem elevar a sua
participação na renda nacional em detrimento dos lucros (empresários) e dos salários
(trabalhadores). Além do retorno do rentista, observa-se também a elevação da participação da
riqueza financeira ou “virtual” das famílias, através do efeito-riqueza, o que aumenta os níveis de seu
endividamento dado a estagnação dos salários, um processo de financeirização do consumo. O
resultado geral é uma deterioração da distribuição funcional da renda, uma redistribuição em favor
dos rentistas que afeta diretamente a renda dos empresários e indiretamente os trabalhadores.
5 Considerações finais
Como visto, ao longo do trabalho, o debate sobre a financeirização incorpora cada vez mais
contribuições, para além da origem marxista, e avança nos estudos qualitativos e quantitativos sobre
a nova fase do capitalismo, ao menos no centro mais dinâmico, a economia norte-americana.
17
Ver Toporowski (2005) e Sotiropoulos (2013).
22
sobre o crescimento econômico dos países evidencia novas relações sociais de produção e
apropriação que colocam no centro da dinâmica capitalista as finanças. Dessa forma, entender o
movimento de produção capitalista na sua forma mais contemporânea, seja nos E.U.A. como também
na Europa ou China, exige uma reflexão sobre o papel das finanças na produção e apropriação da
riqueza em escala mundial.
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