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Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Instituto de História – IH
Disciplina: História e Arqueologia Funerária: Diálogos Comparados
Docente: Prof. Dr. Pedro Vieira da Silva Peixoto
Discentes: Barbara Barbosa Machado Laranjeiras
Carolina Negrato Irineu de Souza

Arqueologia funerária e vestígios animais: a relevância do estudo material de fauna e flora para a
História

A cultura material deve ser entendida, segundo Pedro Paulo Funari, como tudo que é feito ou
utilizado pelo homem. Porém, até o século XIX, a História era resultado de documentos escritos e
oficiais, e foi a partir dela junto com a Filologia, que a cultura material passaria a ter um estatuto
completamente diferente: o de fonte histórica.
Hays-Gilpin discute o fato de que a cultura material não reflete passivamente uma dada
sociedade, e sim, como ativamente manipulada por agentes históricos na construção da realidade e
de relações entre indivíduos. Assim, a ideia da “cultura material como ativa” (Sørensen, 1991, p.
121), como propõem contribuições mais recentes da Arqueologia Pós-Processual, significa tão
somente considerar que os objetos participam do processo de criação do mundo cultural. São,
portanto, uma parte da dinâmica social; componentes integrados a múltiplas esferas e à vida
humana. Seus significados variam de acordo com os contextos em que são constituídos e utilizados
(Hodder, 1987). Ou seja, moldamos e somos moldados pela cultural material.
Este artigo irá trabalhar a temática da fauna e flora como parte ativa -cultura material- por meio
das subdisciplinas da arqueologia e sua importância para a História, através de estudos de caso.
Porém, antes de iniciar, é necessário fazer algumas considerações quanto aos termos utilizados.
Assim, o termo “Arqueozoologia” -que é mais utilizado na Eurásia e África, atribui maior
importância à componente zoológica destes restos faunísticos- ou a “Zooarqueologia” -que é
provavelmente o mais utilizado nas Américas, ainda que trate das mesmas faunas, reflete mais a
perspectiva antropológica- que materializam as faunas que coexistiram e, de alguma forma,
interagiram com o Homo sapiens (daí a utilização do prefixo “Arqueo-” e não “Paleo-”). Uma vez
que esta relação com a espécie humana tem de estar presente, ela é distinta da “Paleontologia”, que
é de âmbito muito mais alargado e inclui, em si, a própria Arqueozoologia/Zooarqueologia. Para
além disto, é a contraparte do termo “Arqueobotânica” e, uma vez que a terminologia
“Botanoarqueologia” é inexistente (Reitz & Wing, 2008).
A perspectiva mais antropológica no termo Zooarqueologia, está relacionada com o objetivo de
fazer investigação sobre o comportamento humano, dando ênfase à componente social, económica
e cultural, e menos ênfase à componente zoológica ou ecológica das espécies faunísticas (Reitz &
Wing, 2008). E é esse o termo mobilizado nesse artigo, junto com uma definição mais simples
como: a disciplina que estuda os restos de animais escavados de sítios arqueológicos, com o
objetivo de aprender sobre as interações entre essas espécies e o Homo sapiens, bem como as
consequências dessa interação para ambas e para os seus ambientes.
Após ter definido o que é a Zooarqueologia, e suas diferentes interpretações, é preciso explicar
os processos por que passam os restos faunísticos desde da morte de um animal até ao momento
em que é recuperado numa escavação (tafonomia). Primeiro, vamos abordar a diferenciação que
Lyman faz entre os conceitos de processo de tafonómico e efeito tafonómico. Para este autor o
primeiro conceito diz respeito à ação dinâmica de uma força ou evento físico que vai alterar os
restos ósseos de um animal, já o efeito tafonómico é o resultado da ação do processo tafonómico
sobre esse animal. Para a Arqueologia, de modo geral, tafonomia é o estudo dos fenómenos pós-
deposicionais dos restos animais.
Houve nos últimos anos, uma mudança para trazer uma investigação zooarqueológica com perfil
mais interpretativo, assim hoje existem outros fatores que levam à destruição deste tipo de restos
para além da acidez ou não dos solos. Existem fatores culturais ou de manipulação do Homem que
pode afetar a preservação dos ossos na perspectiva de que, ele pode mesmo incorporar nos restos
faunísticos características que à partida poderão levar a dissolução/destruição dos restos, como a
manipulação térmica, mas também preferência por determinadas partes anatómicas, ou a deposição
de partes articuladas por oposição aos fragmentos. O desafio, principalmente para sítios da Pré-
História recente é tentar perceber se estes restos arqueológicos são fruto de uma cadeia operatória
de manipulação intensa e propositada dos restos faunísticos ou se é fruto dos processos tafonómicos
não antrópicos, tais como a erosão e a meteorização.
Interessa, para além de saber a quantidade dos restos que se recuperam e quais os animais a que
corresponde, hoje a perspectiva é de tentar compreender que gestos, que significado tinha para o
ser humano determinada espécie animal, ou que parte de determinada espécie parece importante.
Essa separação intencional e escolha de determinadas partes do animal, muito tem a ver com
práticas sociais e até simbólicas (ritos de comensalidade) já estruturadas. Em um contexto
arqueológico é imprescindível que estes restos ósseos façam sentido, é necessário compreender e
fazer associações aos locais precisos no qual se encontraram ossos e essa associação é fundamental
para indicar, por exemplo, as zonas funcionais num sítio arqueológico. Mostra-se assim, que não
existe um método perfeito, mas sim vários que auxiliam o arqueólogo consoante a sua necessidade.
A metodologia de análise e interpretação dos vestígios faunísticos deve ser, de modo geral,
baseada na identificação de espécimes. Estes podem ser identificados em termos de elementos
(estruturas anatômicas completas ou incompletas ou um conjunto de estruturas anatômicas
correlacionadas) e do táxon a que pertencem e que podem ser utilizados nas quantificações. A rigor,
somente quando o espécime for correlacionado com um determinado táxon poderá ser considerado
identificado (Jacobus e Dias 2003).
Os mamíferos são muito presentes nos sítios arqueológicos e quase sempre em grande número.
Aliás, para Rapp e Hill (1998:100) algumas destas espécies são bons indicadores climáticos,
permitindo dar uma preciosa ajuda na reconstituição da fauna no passado do Homem. De fato, e
graças à temperatura interna desse filo, assim: “Quanto maior for o animal, menor será a
probabilidade de a sua distribuição geográfica ser determinada pela temperatura média, quanto
mais não seja devido à relação entre uma maior massa corporal (cuja função de aumento é ao
quadrado), e que lhes permite conservar o calor”. (Bicho 2006)
Já as microfaunas, que são representadas pelos pequenos roedores, insetívoros e quirópteros são
os que mais importância possuem para a reconstrução paleoecológica, porque se adaptam e
possuem uma grande sensibilidade, a determinado conjunto de fatores geográficos e climáticos.
Destaca-se o tipo de cobertura vegetal, umidade e temperatura. A microfauna desloca-se com
grande facilidade quer escolhendo uma topografia diferente quer uma área geográfica a latitudes
maiores ou menores. Existe, pois, uma grande diferença entre a microfauna e a macrofauna e é na
resposta a alterações climáticas e paisagísticas repentinas cuja resposta destes animais são rápidas,
e isso fica marcado no registo arqueológico mostrando a frequência de aparecimento deste tipo de
espécies, ou ausência destas ou o aparecimento.
Ecofacto é tudo aquilo que se encontra no registo arqueológico e é de origem biológica, mas
não humana, ou seja, a macro e microflora, as sementes, os carvões e os pólens que podem revelar
informações preciosas sobre as condições climáticas do passado, sobre a alimentação e economia
de uma sociedade humana passada, num determinado contexto cronológico. Para o estudo de cada
um destes ecofactos foram-se formando ao longo dos anos autênticas disciplinas cientificas
associadas à Arqueologia. Assim, respetivamente surgiram: a arqueobotânica, a paleocarpologia, a
antracologia e a palinologia
Nesse artigo, vamos mobilizar os estudos arqueobotânicos, que também são uma fase
importante da análise das jazidas arqueológicas e não devem ser entendidos como estudos
separados e complementares, mas sim integrantes dos trabalhos arqueológicos. Os dados
fornecidos por um estudo desta natureza permitem uma maior compreensão das comunidades que
habitaram aquele lugar. Assim, a sua interpretação deve ser realizada à luz do contexto de recolha,
tanto no sentido sedimentar, como no sentido arqueológico (associação a uma estrutura ou depósito
e sua posição na sequência de ocupação) e histórico (enquadramento num estádio social e cultural).
As origens da Arqueobotânica remontam ao século XIX. Os primeiros trabalhos de que se tem
notícia foram realizados por botânicos e geólogos que se interessaram por material arqueológico.
Os botânicos alemães Carl Sigismund Kunth e Georg August Schweinfurth analisaram restos
dessecados de plantas de contextos funerários egípcios (KUNTH 1826; SCHWEINFURTH 1887
apud CHEVALIER 2002). O geólogo e naturalista suíço Oswald Heer, pioneiro da Paleobotânica,
foi o primeiro a reconhecer a importância do estudo de restos vegetais arqueológicos para a
reconstrução da dieta e ambiente de povos pré-históricos, e identificou numerosos vestígios
vegetais preservados em sítios inundados em lagos dos Alpes (HEER 1866; ver também
JACOMET 2004). Botânicos franceses Charles Saffray, Alphonse de Rochebrune, e alemão
Ludwig Wittmack, identificaram fibras e outros macrorrestos vegetais de sítios peruanos
(SAFFRAY 1876; ROCHEBRUNE 1879; WITTMACK 1880-87). E o botânico norte-americano
John William Harshberger, pioneiro da Etnobotânica, identificou material proveniente de grutas do
Colorado (HARSHBERGER 1896) e de sítios do Peru (HARSHBERGER 1898).
Este movimento passa também por um aprofundamento das questões teóricas, metodológicas
e interpretativas. As análises de restos vegetais estão deixando de aparecer simplesmente como
relações de espécies encontradas no quadro das escavações arqueológicas; os vestígios vegetais
são procurados ativamente, usando técnicas especiais, e as listas de plantas ganham significado na
medida em que são interpretadas enquanto produto da relação dos grupos pré-históricos com seu
meio ambiente. Assim, os fragmentos de carvões, por exemplo, que são geralmente abundantes no
sedimento arqueológico, mas que até hoje são coletados quase que exclusivamente para datação,
podem fornecer informações importantíssimas sobre o paleoambiente no qual viviam os habitantes
do sítio, a economia do combustível, a dieta das populações pré-históricas etc. (Scheel et al., 1996;
Scheel-Ybert, 1999, 2000, 2001). Por outro lado, o estudo dos micro-restos vegetais, como fitólitos,
grãos de pólen e grãos de amido, tem fornecido evidências insuspeitadas de práticas agrícolas e
domesticação de vegetais em vários locais.
Agora, começando os estudos de caso e sua relevância nos estudos históricos, falaremos
primeiramente

Bibliografia:

PACHECO, Mírian Liza Alves Forancelli; MARTINS, Gilson Rodolfo; AOKI, Camila; PIATTI,
Liliane; MONTEIRO, Lúcia; LEIGUEZ JUNIOR, Elbio. A ZOOARQUEOLOGIA E AS OUTRAS
ÁREAS DO CONHECIMENTO: O ESTUDO DA ARQUEOFAUNA RESGATADA NO SÍTIO
ARQUEOLÓGICO MARACAJU 1 SOB UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR. Revista
de Arqueología Americana, No. 25, MANIFESTACIONES SIMBÓLICAS EN MESO Y NORTE
AMÉRICA (2007), pp. 277-314 (TIRAR A LETRA MAISCULA)

TERESO, João Pedro. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE MACRO-RESTOS VEGETAIS EM


SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS. Faculdade de ciências/Universidade do Porto, 1ª Edição Maio 2008.

SCHEEL-YBERT, RITA; SOLARI, MARÍA EUGENIA; FREITAS, FÁBIO DE OLIVEIRA.


ARQUEOBOTÂNICA: INTEGRANDO INDÍCIOS SOBRE MEIO AMBIENTE, USO DE
VEGETAIS E AGRICULTURA À ARQUEOLOGIA. Departamento de Antropologia, Museu
Nacional, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.

SCHEEL-YBERT, RITA. Arqueobotânica na América do Sul: Paisagem, subsistência e uso de


plantas no passado. Cadernos do LEPAARQ Vol. XIII | n°25 | 2016.

PEIXOTO, Pedro Vieira da Silva. Por uma arqueologia dos vestígios funerários do passado:
contribuições, práticas e caminhos possíveis. REVISTA M. Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, p. 232-262,
jul./dez. 2018.
FUNARI, Pedro Paulo. Os historiadores e a cultura material. In: PINSKY,Carla Bassanezi (org).
Fontes arqueológicas. 2.ed, São Paulo: Contexto, 2008.

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