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Hermano"'~

v1anna

Jorge Zahar Editor


Editora
23/ JJ / ZooS
O MISTÉRIO DO SAMBA
r_6 .e
~ - o ~
Um encontro de bar ocorrido em mea- O Mistério do
dos dos anos 20, tendo Pixinguinha e
Gilberto Freyre como principais prota-
gonistas, é o ponto de partida ~ o mote
deste livro, que busca elucidar um
mistério: como o samba - música de
morro discriminada pelo resto da
SAMBA
população e reprimida pela polícia -
transformou-se em símbolo da identi-
dade nacional brasileira?
Os estudos anteriores sobre o tema pas-
savam ao largo do "mistério", limitando-
se a constatá-lo; como se, de súbito e
num passe de mágica, o recalcado pas-
sasse a ser louvado, tornando-se quase
sinônimo de uma nação. Em terras
brasileiras, "quem não gosta de samba
é ruim da cabeça ou doente do pé".
Neste livro, Hermano Vianna não se furta
ao enigma: ao mostrar que a nacio-
nalização do samba não consiste em fato
isolado - sendo resultado de longo
processo de interação entre grupos
sociais-, verifica que essa "virada" se
deu em momento decisivo de nossa
história. Afinal, nas décadas de 20 e 30
inaugurava-se uma idéia de brasil idade,
sendo lançadas as principais concep-
ções que ainda hoje integram nossa
visão de identidade nacional.
O inusitado (e pouco conhecido) en-
contro entre Pixinguinha e Freyre é,
p~:>rtanto, visto a partir dos aconte-
cimentos que o propiciaram. Nesse
sen~ido, os aspectos mais instigantes
subiacentes à maneira como os brasi-
leiros pensam seu país são aqui abor-
dados: des~e a idéia de que somos um
povo mestiço (e do elogio da mestiça-
Coleçã o
ANTROPOLOGIA SOCIAL HERMA NO VIA NN A
diretor: Gilberto Velho

• C ULTURA E RA ZÃ O P RÁTICA
• 0 RISO E O R I5 1VEL
• I LHAS DE H ISTÓ RIA
Verena Alberti
M a rsh a ll Sahlins
• A NTROPOLOGIA C ULTURA L
Franz Boas • ÜS M AN DARJ NS MI LAG ROSOS
Eli zabe th Tra vassos
O Mistério d o
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• 0s M ILITA RES E A R EPÚ BLICA • A NTRO POLOGIA URBA NA

Celso Castro • D ESV IO E D IVERG ÊNC IA


• I N DIVIDUALISMO E C ULTURA
• D A V IDA N ERVOSA
• PROJETO E M ETAMO RFOSE
Luiz Fernando Duarte
• S UBJ ETIVIDA DE E SOCI EDAD E
• G AROTAS DE P ROGRAMA
• A UTOPI A U RBAN A
Maria Dulce Gaspar
G ilberto Velh o
• N OVA Luz SOBRE
• P ESQ UISAS U RB AN AS
A A !I.T ROPOLOGIA
G ilberto Velho e 5ª edição
• Ü BSERYMOO O ISLÃ
Karin a Ku schnir
CLifford Geertz
• Ü M UNDO F UN K C ARIOCA
•0 (OTIDIA!\O DA P OLÍTICA
• Ü M ISTÉRIO DO S AM BA
Karina Kuschn ir
H ermano Viann a
• C t.:LTURA : LM ( O/\:CEITO
A ",'TROPOLÓC ICO • B EZ ERRA DA S ILVA:

Roque de Barros Laraia P RODUTO DO M ORRO


Letícia Via nn a
& Af ETO
• A UTORIDADE
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Lu ís Rodolfo Vilhe na
• G l.!ERKA DE Ü RIXÁ
Yvonne Maggi e

Jorge Zaha r Editor


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Fórum e ien
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7. O Samba da Minha Terra 109
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Via nna, Hermano, 1960- Conclusões 145
V67 m 0 mistério do samba/ Hermano Via.n na. - 5.ed. -
5.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zaha r Ed .:Ed. UFRJ, 2004.
Anexo 1. Nacional-Popular 159
(Antropol og ia social)
Anex os Anexo 2. "Melting Pot" 175
Inclui bibl iog rafia
ISBN: 85-7110-321 -6
Bibliografia 185
1. Samba - Históri a e crítica . 2. Mús ica pop ular -
Brasil - História e crítica. 3. Música afro-brasil eira. 1.
Títul o. li. Série .

04 -2308 coo 784 .500981


CDU 78 .067.26(81 )
:-..:ão tem nada d1sso
Depois é q ue o samba foi para o
m orro. Aliás , foi para todo lugar
Onde houvesse festa nós íamos
Dontl

Chegados nunca chegamo:,


e u e a ilha moved 1~a
Móvel terra , C~'J incerto,
mundo jam ais docoberro
Ju rgé :Íc? L1ma
PREFÁCIO

Para Herbert e Helder, meus irmãos,


que dão continuidade Sou, inicialmente, grato a H ermano Viai:1na ~ o~ ter elaborado
(um nos palcos, outro nos bastidores) um trabalho acad êmico perfei tamente mtchg1vd para qua_l-
à história da música brasileira . quer um de nós, simples mortais. Ma~, apaixonado pela mu -
sica p o pular b rasileira de todas as epocas, _sou mai:,, gr.1to
ainda pelas portas que abriu para que os apa1~o~ados e estu-
diosos penetrássemos na h istória d e nossa mus ica .
H erm a no não é (nem d e longe) d esses intelectua.c, q ue
criam teorias e saem procurando fatos para jushiicar a!> suas
teorias . Antes de defende r os seus pontos de v1Sta , mergulhou
n a histó ria da m úsica popular bras ileira e trouxe. la do fundo,
momentos raros de nossa bibliografia musical, como o encon-
tro d e Gilberto Freyre, Sé rgio Buarq ue d e Ho landa, Prudente
de Morais Neto e outros jovens in telectuais d a década de 20
com gente como Pixinguinha, Donga e Patrício TcL-'\.e1ra Con-
vivi m uito com Prudente d e Morais Neto - a quem tinha
como um pai - , trabalhei com ele e conversavamo!> muito
sobre a música popular brasileira. Por ván.as vezes, Prudente
fa l~u-me das incursões que e le e Sérgio Buarque de Holanda
faziam pelo território da música popu lar e deu-mt! alguns
depoimentos preciosos, corno a forte impressjo causad a pelo
samba Pelo telefone (Donga e Mauro de Almeida), executado
pela orquestra que abria o desfile dos Demcx:ràhcos no car-
naval de 1917. Para mim e para os d emais 1ornalistas que
trabalh avam com ele, Prudente de Mora1S Neto sem pre foi o
Dou to r Prudente . Mas, para o composi to r Ismael Silva, ele
era O Prudentinho. Gos tei d e ree ncon tra-lo. desta \' t!Z como
personagem d es te liv ro .

9
O MISTÉRIO DO SAMBA PREFÁCIO li
10
• Mt'lhaud pelo Rio de Janeiro, como pelas classes do:1'inantes das primeiras décadas do século que
de Danus
A passagem _ f cesa também mereceu de Hermano a polícia prendia quem o cantasse, dançasse ou tocasse. E ai
. . d legaçao ran , , .
serv1do1 ª _ eci·osa Milhaud adorou a musica bra- daquele que andasse pelas ruas carregando um violão . Sendo
atençao pr ·
Vianna uma d' d a ela as quatro danças de sua obra negro, aí mesmo é que a sua situação piorava . Tenho depoi-
·1 . tendo de ica o C d S mentos de Donga, João da Baiana e Juvenal Lopes sobre a
s1 eira, rasil (as danças chamaram-se arcava o, umaré,
Saudades do B . . sendo O nome da ú ltima quase nunca perseguição policial aos sambistas . No entanto, o samba ven-
T11..11 a e Laran;e1ras, d ceu tudo isso. Hermano assinala até que "nenhum autor tenta
c te tanto nos discos grava os quando nas
rito corretamen , . explicar como se deu essa passagem (o que a maioria faz é
es~ _ . • ) Além disso incorporou trechos da musica
diçoes mus1ca1s . ' . apenas constatá-la) de ritmo maldito à música nacional e de
e . . d , oca à sua famosa Le boe11f sur /e tozl , conside-
bras1leira ª epbras-primas da musica , · d osé cu Io XX (confesso certa forma oficial". Não pretendo ser o autor que vai explicar
ra d a uma d aS O - · d h a tal passagem, até p orque a minha tarefa é apresentar o livro
tantas as citações, nao sei on e começa a ome-
que, send o , . . 1 ) e, neste momento, escrevo uma história das escolas de samba
em e onde termina a copta pura e s1mp es .
na~ermano Vianna chama a atenção para um detalhe sur- do Rio de Janeiro em que o tema é abordado. De qualquer
preendente: quem apresen_tou Don~a a P:udente de Morais maneira, Hermano Vianna lança um desafio aos estudiosos
Neto foi O poeta vanguardista frances_ Bla1se Cen?ra~s. Tudo não só da música popular como da própria sociedade carioca,
indica que, ao visitar o Rio de _Jane1r_o pela pnme1ra_vez, alguém que nos contemplasse com uma história do nosso
Cendrars chegara devidamente mstru1do por seu amigo e p ovo, abordando com profundidade as relações sociais e ra-
parceiro Darius Milhaud sobre os segredos de nossa música . ciais, a parti~ da ~bolição da escrava tura, o momento em que,
O fato é que o poeta também adorou o que andou ouvindo segundo o h1stonador Joel Rufino dos Santos, o negro passou
por aqui e chegou a registrar momentos marcantes, como a a se~ ~ono do próprio corpo. As religiões de origem negra e
noite vivida numa boate chamada The Diamonds Club, em a musica popular não poderiam faltar a essa história, nem o
Laranjeiras, de propriedade de uma linda norte-americana d~s~nvolvimento urbano da cidade. "Dize-me o que cantas ...
chamada Edith de Berensdorff, onde ouviu uma banda de direi de que bairro és" - foi o título de um desenho de Raul
Jazz de Saint Louis, comandada "pela trombeta do explosivo Pederneiras do i1:ício do século. Antônio Cândido pensa como
e infatigável Wild Bird", e "uma orquestra tipicamente brasi- o grande desenhista conforme revelou no artigo transcrito por
leira, Os Batutas, selecionada e encabeçada por Donga, o Hermano, quando assinalou que, nos anos 30 e 40, "o samba
comovedor compositor popular, o ás do carnaval". Em seu e march a, antes praticamente confinados aos morros e aos
livro Histórias verdadeiras, Blaise Cendrars narra a "luta renhi- subúrbios do Rio, conquistaram o País e todas as classes"
da " entre os dois grupos e conta como terminou a noite: Além de ter colocado o samba e a marcha no mesmo barc~
"Estonteados pelas músicas tão diferentes, mais do que pela (ambos têm histórias distintas), o nosso querido mestre limi-
mistura de champanha e uísque, saímos tropeçando, as têm- ~u-se ao confinamento geográfico, deixando de lado o socia l.
poras batendo, completamente pasmados com o glorioso raiar samba nasceu e cresceu no Centro do Rio de Janeiro e não
do d'1ª d0 Ri o d e Janeiro, · que despontava entre palmeiras, nos . morros e nos subúrbios, por onde se espalhou . O que
tomados pelo cansaço, pela alegria, como se tivéssemos assis- hav_ia (e há. Se não houvesse, Zuenir Ventura não teria escrito
tido,
. durante toda a no1·te, nesta boate urnca , . no mundo a uma A cidade partida) eram guetos sociais e raciais de limites tão
mistura de ani·os pe . '. . ,, marcantes que os moradores de uma casa d e classe média na
. o trabalh
eons1dero rversos ou a uma fogueira de demomos.
d H . , . R_ua do Riachuelo, por exemplo, não tinham a menor idéia da
contribu · - . b. . 0 ~ ermano Vianna uma valios1ss1ma
analisar ipçao a ibhograf1a da música popular brasileira por vida que levavam os seus vizinhos amontoados num cortiço.
, or exemplo q t- A Praça Onze era território de judeus e de negros . Quem
r de as _ ' ues oes como o que poderíamos c11a-

L
censao soe'1 1 d 0 conhece um ep isódio envolvendo os dois povos naquele re-
ª samba, um gênero tão execrado
O MISTÉRIO DO SAMBA
12

. , . 7 O livro Recordando a Praça Onze, de Samuel


duzido ternton~ - ta nos mínimos detalhes, da ocupação da
Malamud, que ra o~unidade judaica, não faz urna só refe-
I
velha praça P:f ªteço-es negras. Não sei também de qualquer
• ·aàsmaniesa APRESENTAÇÃO
renci . d velhos sambistas sobre o carnaval naquela
dep01mento os . . - d
tado com a parhc1paçao e um personagem
' rea que te nha co n 'd
ª b ns e outros fossem presenças ass, uas até dos
judeu, em ora u
mesmos bares. . 1 . , 1· 1· d H
Chega d e ch ateá-lo , leitor. Afina , Jª 1 o 1vro ,e ermano
.
• a;nda não O que posso assegurar e que, mter-
Vianna e voce u, ·
muito bem o tempo e o espaço que percorreu e
pretand o "nf d d. ·t 1
sendo bem escrito e bem 1 orma o, apren 1 mU1 o com e e.

SÉRGIO CABRAL Este livro é uma versão bastante modificada, p rincipalmente


em detalhes, mas também em alguns ajustes estru turais, da
tese de doutoramento que defendi, em janeiro de 1994, no
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Mu-
seu Nacional da UFRJ . Minha idéia inicial para publicação era
transformá-la numa coleção de ensaios muito pouco acade-
micos. Não houve tempo para realizar tal empreitada. Mesmo
assim fiz o possível, seguindo os sensatos conselhos de minha
editora Cristina Zahar, para facilitar a vida dos leitores que
não estão interessados nos debates teóricos da antropologia
Tentei concentrar toda a teoria e os assuntos "paralelos" em
Anexos . Alguma coisa, nada "terrível", permaneceu onde
estava: pequenas questões sem as quais a leitura perderia o
sentido. Porém, mesmo com essa nova organização, recomen-
do a leitura dos Anexos. O leitor pode se surpreender com a
possibilidade de a teoria ser tão divertida quanto a realidade
Algumas pessoas que leram o texto em sua forma original,
incluindo membros de m inha banca de d outoramento, fize-
ram comentários, às vezes em tom de crítica arrasadora (mas
sempre simpática), outras em tom elogioso, sobre o meu
"cariocacentrismo" ou o meu "gilbertofrey recentrismo". Pre-
vendo a repetição de comen tários desse tipo, devo defende r-
me desde já .
Primeiro: neste livro estou analisando um processo, o da
nacionalização do samba, que teve como palco principal o Rio
de Janeiro. Essa cidade ocupou durante muito tempo (talvez
ainda ocupe, não pretendo entrar nesse debate) um lugar

n
í 1~

1
O MISTÉRlÜ DO SAMBA

t mente cen trai


no simbolismo da unidade na cional
.
,\ PRESE i\fTAÇÃO 1~

abso_u_a ão é meu objetivo julgar se essa centralidade foi qu ando li a res pei to de u~_encon tro entre a turm a de Gi lberto
brasileira_- N b u má para O Brasil. Não tomo partido do Freyre e a turma de P1xmgui nh a . A possibilidade de um
u tem sido oa o • . . - d . encontro_como ess~ ter_sid o realizado me imp ressionou tan to
0 stato sua importanoa para a mvençao a idéia
Ri apenas con .
º:, .d d da pátria". Aliás, nem sou carioca. Sou nordes- (por ':°~ti va s que fica ra o cla ros adi ante) que começo por sua
de. um ª . e or todo O Brasil, · vir - f 01· d ecisão
· para o Rº10 nao · descnçao.
tino morei p • ·d Es~e é u~_li vro de apren~,iz. O :amba, em si, não faz ia pa rte
.nh' M talvez por isso mesmo, por ter v1v1 o tanto tempo
m1 a. as . l" . h . da minha linha de es tu do . Entao, este é um livro de desco-
·feria desse "centro nac10na , sei recon ecer a impor-
na pen f . 1. . , 1( berta, de "inicia_ção". A "emo~ão''. de que m descobre algo pelo
tância simbólica e a atração re erencia ures_1stive mesmo que
e concretize como repúdio) .que qu al passa a se in te ressar m uito e responsável pelo to m "afoi-
e1a s . o R10 exerce naqueles to" com qu e fo i ~scrito. E~pero que a lei tura seja tão in teres-
que querem se pensar c?mo br~s1 1eiras.
Segundo: não escrevi este hvro par~ d~f~nder ou atacar sante quanto foi para mim a pesq uisa . Que os lei tores se
Gilberto fre yre. A utilização de sua traietona, com todas as sintam es timul a~os a descob rir novas pistas que ajudem a
suas contradições, como exemplo principal de relacionamento penetrar em reg1oes cada vez mais eso téricas do mis tério d o
entre elite e cultura popular, é apenas fruto do reconhecimen- samba .
to de seu papel central também incontestável no processo de
criação da idéia de uma unidade nacional brasileira, que pode
ter no samba um símbolo de identidade. Repito: não é objetivo
deste livro julgar se a existência dessa "ideologia mestiça",
que teve em Gilberto Freyre seu mais ardoroso, esperto e
talentoso porta-voz, é boa ou má para o Brasil. Apenas reco-
nheço que o fato de essa "ideologia" existir entre nós, e de ter
tido repercussão marcante na cultura "nacional" (criando até
mesmo uma cultura nacionalizada), é um indício importante
da originalidade do projeto de "civilização" brasileira. 1
Devo ainda dizer que é uma surpresa para mim ter escrito
um livro / tese que gira em torno do samba. Não tinha exata-
rr_ie~te essa intenção quando entrei para o doutorado. A prin-
c1p1_0, meu projeto era estudar o rock brasileiro, mas já cen-
tralizando a análise na relação entre rock e cultura nacional
brasileira. Devia. obriga to riamente me referir, em algum mo-
me~to da pesquisa, ao debate sobre o samba como "música
nacional por exce 1·enc1a · " . Aca b e1· totalmente seduzido pelo
samba, que tomou conta de (quase) tudo . A sedução começou

1 OK: se esses argumentos e


aceito ser acusad o d ,, . 0 .'."estante da tese não convence rem o leitor,
diga m qu e O livro / ca_rwcacentnco" e "gilbertofre yrecêntrico". Só não
1
objeti vos: detesto pol ?º. eDUco. Nada pode estar mais distante de meus
em1cas .
-

AGRADECIMENTOS

Na qualidade de al uno de doutorado do Programa de Pós-


Graduação em Antropologia Socia l (PPGAS) do Museu Na-
cional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, contei, no
período de conclusão dos créditos de doutorado, com bolsa
de estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien-
tífico e Tecnológico (CNPq), durante um ano e meio . O CNPq
também me concedeu uma bolsa-sanduíche para o desenvol-
vimento desta tese d urante o ano de 1991 na Northwestem
University, Estados Unidos da América .
Agradeço a todos do PPGAS, principalmen te pelo excelen-
te clima intelectual que tan to me incentiva desde os anos do
mestrado . Aos amigos Luís Rodolfo Vilhena, Celso Castro,
Jayme Aranha, Miriam Goldenberg e Maria Laura Cavalcanti
sou grato pelo saudável intercâmbio de idéias estabelecido
em tantos anos de convívio na sala de aula do Museu Nacio-
nal. A Tânia Lúcia Soares e aos demais funcionários da secre-
taria, e a Isabel e Cristina, ambas da biblioteca, por terem
fa cilitado em muito minha vida de doutorando. Aos membros
da minha banca de doutoramento, Gilberto Velho, Giralda
Seyferth, Lília Schwarcz, Eduardo Viveiros de Castro e Peter
Fry, agradeço os comentários estimulantes. Espero ter incor-
porado alguns deles nesta nova versão.
Como já d isse, este trabalho teve início com um projeto
para estudar o rock brasileiro e acabou em sa mba . Fundamen-
tal para essa mudança de rumo foi o período que passei na
Northwestem University, onde tive oportunidade de obser-
var - a distância (assumo o lugar-comum) - a cultura bra-

17
O MISTÉRIO DO SAMBA
16
. t- ''brasileiro", e esse sentimento foi
me senti a 0 . 1d .
sileira . Nunca f rmado em matena e pesqmsa para o
. d . tamente trans o
ime ia . to da tese . . -
desenvolvimen . ·nha gratidão (e grande adm1raçao) pelo 1
Manifest0 aquidmSi Becker meu orientador em solo norte-
pro fes sor Howar ·t. 1•nfluenciou ' m1"nh a maneira
. d e pensar O ENCONTRO
. no que mw o . h
amenca ' 1o gia · Howie ' como exige ser c amado por
0 8 ra sil e a antropo
t formou-se também num de meus melhores
seus alunos, rans
amigos. . ·mportante no período em que passei na North-
Outro guiai . . d .
f · professor Paul Berhner, que me mtro uz rn nos
western 01 o b' · b · ·
. , · d etnomusicologia e da m ira, me nante mstru-
m~~nm a , .
rcussão africano . Tambem sou mmto grato aos
men to de Pe . , .
res alunos e func10nanos do Departamento de So-
pro fesso , f. . . d
ciologia da Northwestern University, ao qua 1 1que1 vmcu 1a o Em 1926, a coluna social "N oticiá rio elegante" publicada na
institucionalmente. Revista da Semana registrou a primei ra visita q ue um jovem
Vários amigos fizeram todo o po~sível p~ra que me sentisse a ntropólogo pernambucano, o "Doutor" - como fez questão
em casa nos Estados Unidos: Juhan, Enk, Matthew, Arto, de frisar o colunista - Gilberto Freyre, fez ao Rio de Janeiro .
Doug, Tunji, Norman, Tetê, ~ló_~ia , Esther, Di~nne. Com eles Ele conheceu a capital do Brasi l aos 26 anos, dep ois d e já ter
também debati muitas das ideias que depois se tornaram realizado seu s estudos universitários nos Estados Unidos e
fundamentais para esta obra . de te r visitado vários países europeus. Tal fato , a possibilidade
Diversos outros amigos acompanharam de perto (muitas d e conhecer o "Primeiro Mundo" antes da " principa l" cid ade
vezes sem ter consciência disso) o desenvolvimento deste de seu país, é apontado várias vezes, e quase com orgulho,
trabalho no Brasil, contribuindo para seu resultado: Luiz, em vários trechos de seu diário "d e adolescê ncia e prime ira
Barrão, Serginho, Sandra, Sílvia, Fausto, Caetano, Carlinhos, mocidade", publicados no livro Tempo morto e outros tempos .
Branco, Britto, Lau (vários deles atuaram até como meus Sua formação intelectual n ão d ependeria em nada do "Sul "
informantes durante o período em que eu ainda pensava estar brasileiro .
fazendo uma tese sobre o rock brasileiro). Muito devo a Re- No mesmo diário ficou registrado um acontecimento sin -
gina, que leu algumas das primeiras versões do texto e fez gular da passagem de Gilberto Freyre pelo Rio d e Janeiro:
sugestões que só poderão ser incorporadas integralmente
através de outras pesquisas. Sérgio e Prudente conhecem de fa to literatura inglesa
moderna, além da francesa. Ótimos. Com eles saí de
Finalmente, sou grato a meu orientador, professor Gilberto
noite boemiamente . Também com Villa-Lobos e Ga Uet.
Velho, pelo estímulo intelectual infalível, pela amizade inque- Fomos juntos a uma noitada de violão, com alguma
brantável, pelos prazos inevitavelmente rígidos, pelos telefo- cachaça e com os brasileiríssimos Pixing uinha, Patrício,
nemas de madrugada (dez horas da manhã para mim é ma- Donga (Frey re, 1975: 189) .
dr_ugada) e, principalmente, pelo pioneirismo com que insti-
tm~ os estudos da complexidade na antropologia. Ficaria O estilo é telegráfico. É preciso esclarecer, para dar uma idéia
mmto honrado em ve r meu tr a b a Ih o considerado
. um peque- da importância histórica d essa pouco lembrad a " noi tad a de
no desenvolvimento d e a Igumas d as i'd,. .
e1as ongma1s. . que in
. - violão", que m são as pessoas que dela participa ram . Sérgio é
tegram sua obra . o historiador Sérgio Buarque de H olanda . Prudente é o pro-

19
O MISTÉRlO DO SAM BA U LNCUNTR<> 21

w . h
s Neto, tambem con ecido corn
de Morae d d . . o formado_e_m m ito, e ta~_p ouco ser lembrado como algo cx-
r Prudente d " ·mo (na verda e, seus ois primeiros
rno to b O pseu oni • . tra ordina no pe los pa rtici pan tes e seus biógrafos, só mos tra
. rnalista so t s Villa-Lobos e o compositor clássico que se acred itav~ realme nte 9ue_um a reuni ão co mo aque la
1° rnes) de pedro Dan G ªll ·t é O compositor· classico
' · e pianista
·
era algo bana l, coisa de todo dia , ind igna de um regis tro mais
~eitor Villa-Lobos. , ~ : 0 sambista Patrício Teixeira . Donga
cuidadoso .
Luciano Gal.let. ~atricio_emortalizados com esses apelidos no Se obse rvarm os os bas tid ores dessa noi tada , veremos
. . ·nh ficaram 1 . .
e P1xmgu 1 ª, . opular brasileira . como muitos o u tros acontec ime ntos e personagens (i nclu ind o
panteão da m~sic:a~a portanto, dois grupos bastante distin- aí grupos sociais) colabora ram para sua bem-sucedida e har-
0 encon_tro l~n bra~ileira da época . De um lado, repre- moniosa aparência, e mes mo para a naturalid ad e demons tra-

sentantes d,a mte r


tos da socie~a el tualidade e da arte erudita, todos prove-
'lias brancas" (incluindo, para Prudente
nientes de 'boas amiavô presidente da República). Do outro
da pelos que dela pa rticiparam .
Comecemos po r um rá pido pa norama da cida de onde se
deu o episód io, o Rio de Ja neiro, metrópole que já conta va
de Moraes , . Neto, um ou mestiços, sai'd os d as carna d as mais com mais d e um m ilhão d e habi tantes desde o fi nal dos anos
lado mus1cos negr 0 5 d d . . .
' Ri de Janeiro. De um la o, 01s Jovens escritores, 10. Em 1926, o ma nda to presidencial do mineiro Artur Ber-
pobres do O d H 1 d · · · nardes, quase tod o sustentado pela decretação de estado de
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque . e ºcªn a, qude miciavam
. que resultaram nos hvros asa-gran e e senzala sítio, chega va ao fi m . Seg uindo a tradiçã o oligárqu ica que
as pesquisas f d t . d f" . ,
em 1933 , e Raízes do Brasil, em 1?36: un amen ais ~a. e i1:1ção determinou os rumos po líticos da Rep ública Velha, o gove rno
ia brasileiro no Brasil. A frente deles, Pixmguinha, passaria , e passou, no dia 15 de novemb ro, às mãos de um
do que se r . . . . . . .
atrício Teixeira definiam a musica que sena , tam- "paulista" (que na verdade era do es tado do Rio, mas fizera
Donga e P . d .
bém a partir dos anos 30, con~idera a com? o que no Brasil carreira em São Paulo), Washington Luís . Sinais que prenu n-
existe de mais brasileiro. Ouvindo os depoimentos dos par- cia vam a Revolução de 30, mos trando o esgotamen to d as
t' cipantes, parecia natural, evidente, que tal encontro ocorres- manobras da oligarquia ca feeira, que detinha o monopólio do
s~, que ambos os lados se sentissem "em casa" (o cordial Brasil poder, eram mais que visíveis: d os levantes tenentis tas no Rio
mestiço) quando reunidos. Como falha, Pedro Dantas selem- e em São Paulo à Coluna Prestes que percorria o interior do
bra de que, "no final da noite, Patrício lamentava apenas a país .
ausência de algumas cabrochas para a brincadeira ser com- Nos anos Artur Bernardes, o Rio de Janeiro vivia uma
pleta" (Dantas, 1962: 197) . espécie de ressaca das reformas urbanís ticas que ti veram
início com a prefeitura de Pereira Passos (1902-1 906) e conti-
nuaram até, como sua última obra de monta, a destr uição do
morro do Castelo para a construção dos pa vilhões da expo-
sição comemorativa do centenário d a independência brasilei-
ra . Nesse meio tempo, foi tomando fo rma - mais que isso:
Essa "noitada de violão" pode servir corno alegoria, no sen- foi tornando-se possível - a divisão entre uma Zona Sul e
tido carnavalesco da palavra, da "invenção de uma tradição", uma Zona Norte, o que aind a hoje é determinante na vida
aquela do Brasil Mestiço, onde a música samba ocupa lugar sociocultural da cidade .
de destaque como elemento definidor da nacionalidade . A Até Pereira Passos, o Centro do Rio de Janeiro mis turava
de tudo: comércio; ind ústrias de pequeno porte; repartições
naturalidad~ do_episódio não nos deve enganar: seu aspecto
públicas; residências milionárias ao lado dos ma is pobres
de fato cornqueuo foi obviamente construído como também
acontece com ac on tecimentos
· ' cortiços . A partir principalmente da abertura da Avenida Cen-
narrados em mitos funda d ores tral, hoje Rio Branco, com a destruição dos cortiços, o Centro
de todas as trad· - f
içoes . 0 ato de tal encontro não se ter trans-
O MISTÉRIO D0 SAM BA O ENCONTRO 23
~ ,

'stica atual de lugar de trabalho. Os


. dquirin do a caracten ra novos bairros. d a zona Norte ou encomendam as novidades . Um horror." E ainda: "A nova
foi a xpulsos pa .d d O . . Câmara d~s Deputa~os chega a ser ridícula . Aquele Deodoro
obres foram e lhadas por toda a ci a e. s ncos, Já con- à romana e de fazer nr um fra de de ped ra " (Freyre, 1975: 183).
para favelas es~a vo ligando Botafogo a Copacabana
p o wne1 no S 1 , Gilberto Freyre condenav~ a Avenida Central, elogiando ruas
tando corn ovoar as praias da Zona u . . . d estreitas como a do Ouvid o~, cheias de sombra e portanto
começam a P tr se transformou na vitnna a cidade mais adequadas ao calor tropical. E fazia a apologia do morro
nida Cen a1 . . d . . .
A Ave lá também ficaram situa os os principais da fa vela como um exemplo de "restos do Rio de antes de
Por urn ternpf,O' iocas. o jornais comentam que o Rio "ci- Passos, pendurados por cima do Rio novo" (Freyre, 1979, vol.
. as ,,e ca es _carde civilização, nessa epoca,
Cinem , . , se confundia

II: 335).
vilza-se
1 ·.d
Anoçao
,. d conquista da mo d erm'd a d e. O R'10 declara- M~s vo~t~mos à vid~ b?_ê ~ia de Gilberto Freyre nessa sua
co m urna dI eia e
ao mesmo tempo em que o mo d ermsrno . ar- primeira visita a um Rio Jª irremediavelmente novo . Vale a
va-se
, . mo . ernod' nossas praias. Q uan d o G'lb i er t o Freyre chega pena entrar nos detalhes da organização de sua "noitada" com
tishco mva 1ª · d S d
ao Rio, em l926, quatro an,~~ depoi~ t a e~ana . e 2~ de São "os brasileiríssimos Pixingu inha, Donga e Pa trício", mostran-
Paulo, primeiro "leva~te os arh~ as mo er,~isdtas r~silei- ~o ~o~o um~ extensa rede d~ relações entre grupos sociais e
0
. ma carioca Tnanon anunciava a estreia e mais um md1v1duos diversos - e de d iversos pontos do Rio de Janeiro
ros, o cme d A 'd · d · 1
filme da Paramount, intitula o epz emza o ;azz , com a -foi atualizada para que tal encontro pudesse ser realizado.
·nte ad vertência: "Não se assustem . Pode ser que O en- Em outro trecho de seu diário, Gilberto Freyre elogia Sér-
segu1 , . M .
ontrem desconchavado . E o futurismo . as garantimos que ~io Buar~ue de Holan~a e Pr~~ente de Moraes Neto, naquela
;ostarão, e que lhe achar~o de sa~or to?~ especial." O anún- epoca editores da revista Estetzca, pelo conhecimento da lite-
cio, publicado nos 1o~nais: tan:ibem dizia orgulhoso que 0 ratura moderna inglesa e francesa.
filme, dedicado a MarmettI, sena acompanhado por um pró- F~,i o paulista Sérgio Bua~~ue de Holanda quem apresen-
logo "também futurista" protagonizado pela atriz Iracerna de tou, antes da semana de 22 , a arte moderna para o carioca
Alencar, "estrella da Companhia de Comédia do Theatro Ca- Prudente de Moraes Neto. Os dois se conheceram quando I
sino", que abordava "o absurdo, o ilógico e o irreverente". A
pré-cultura de massa carioca não demorou muito para carna-
~studavam na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Essas /
__
informações estão no livro de memórias A alma do tempo de
valizar os ensinamentos da vanguarda paulista . ~fo~s~ Arinos de Melo F~ , colega do Colégio Pedro ÍI (a
Gilberto Freyre olha para todas essas transformações com i~~htuição sec~nda rista mais famosa da época, também fre-
a estranha nostalgia de um Rio que não conheceu . Suas críti- quentada por filhos da elite carioca) de Prudente de Moraes
cas mordazes se dirigiam aos novos edifícios, aos novos bu- Neto, em quem identificava desde cedo um "gosto pelo raro"
levares e à destruição dos morros . Lemos em seu diário: (Frarn~~' 1979, vol. 1: 65). Foi esse interesse pelo raro, mais
"Diante de edifícios corno o do Elixir tem-se a impressão de espec~h camente pela modernidade literária européia, que
Pilh'.
enas de arqmtetos
· a zombarem dos novos ricos que lhes aproximo~ a dupla da revista Estética daquele jovem e ainda
desconhecido, mas já extremamente presunçoso, antropólogo
pernambucano .
1 Outros filmes anunciad . . a"Prude~te de Moraes Neto revela, no tex to "Ato de presen-
Charles Chaplin· A . . os nos Jornais da época: Em busca do ou ro, de
filme da Comis~ã vtvadalegre, de Eric von Stroheim; e De Santa Cruz, um \ (~ubhcado na coletânea Gi!berto Freyre: sua ciência, sua
dos "sertões de ~ °nG on, moStTando "os legítimos brasileiros", índios fi ?50Jia , sua arte), que a pnme1ra vez que ouvira falar de
. .. a11o rosso" que - ,, anh , . .
da c1v1hzação, elles vivem e s~o extr os na propna terra, fora Gil?erto Freyre foi atra vés de uma carta do futuro folclorista
lasc~da". A propaganda d m pleno seculo do radium na edade da pedra
bras1le1ro conhecer B ~l ?e Santa Cruz detemúnava · "É dever de todo
Lms ?ª _Câmara Cascud o (o qual iria se formar na Faculdade
O ras1 . ' · de Direito de Reci fe em 1928) para a redação da Estética que
O ENCO NTRO 25
O MISTÉRIO DO SAMBA

4 , om grande sucesso . Embora tivesse perdido a s


2 .
0 sobre James Joyce, assinado Por pais e . . -
orte de urn ~rtlgal do Recife (ver Dantas, 1972) pe1O - s que O grupo canoca Oi to Ba tutas re a 11zara em
· o re C
trazia publica o ~
d rn 1ornque de Holanda sobre esses acon- · ap . resen ta 1921 pois estava estudando em Nova o r , F reyre
ço~ y k
eyre e 5 , g10 suar ,, . d , Re cife ern , · ·
Fr são de er seu artigo Depois a Semana"' vido falar da influência marca nte que e ssa v1s1ta
A ver bl'cada ern . d , ode ter ou
. ntos, pu 1 lérn de a autoria a carta não ser P ceu entre os músicos pernambucanos.
tec1me detalhes, a exer meçar Sérgio Buarque de Holanda e Prudente d e
· outros Para co , , d
inc 1ui rn certeza: eto levaram Gilberto Freyre ao espetac ulo Tu o pre-
.,..brada co , . . N
Moraes ntado pela Companhia . Negra d e Revista,· · ·
1e,.. . [de a revista Estet1ca ter anunciado a pnme1ra
Algum tempo _d ep:~s de um artigo sobre James Joyce], to aprese . d , .
' · • eia teatral brasileira realiza aso com artistas negros
a futura pubh~aç uma carta do norte, assinada por expenen · e1um
, · ), m · d o o d ire
. t or D e
chega-me as
- maos com • e
( seria Luís da Camara ascudo?),
único branco era o empresano
0
José Lins do Rego/~ publicado em Pernambuco sobre ~hocolat e o maestro Pixinguinha . Tudo preto cau sou fur~ r
ªl
recorte de certo igarticulista era tão desconhecido de
dnaqu
ela temporada teatral carioca . Segundo o jornal Correio
Manhã (17 / 8 /26), o espetácu 1o era " a mais . a l ta noV1.d a d _e
Ulisses. O nome ~e nós, como o do próprio missivista.
mim, ou qualquerh. 0 mas tenho a nítida lembrança da t~eatral do momento", assistida com " ma?~fic~, praz er es p 1_~
- guardo o ar g '
N ao , . ,,, b
d h , referência a cnticos que, a som ra ·tual". O 1·ornal A Noite (2/8/26) usou o adJehvo e s trondoso
passagem on e ª ·ocas" -á se metem a anunciar artigo n
e comentava o atropelo da " multidão" na n oite e estreia .
d ,.
das bananeiras
·f· can '1
' li O Joyce (Holanda, 1
979 277)
d
sobre o i ic1 m : • Nenhum dos jornalistas e críticos se espan tou com a presenç a
exclusiva de negros em cena, todos aplaud iram a inicia tiva ,
tas de Gilberto Freyre, em artigo publicado
As palavras exa /24 . t "A , como se nada de realmente extraordinário esti vesse aconte-
no Diário de Pernambuco em 11 /1~ 'era~ as1egu~n ~~: f , t~ cendo. Mas a publicidade da Companhia Neg r a d e Revista
sob as bananeiras do Rio já se vai prbonun~ian o o ~ndg.fe's _adc1 não podia conter o orgulho: "a vitória da raça n egra n o theatro
ce o inglês de suas o ras e que sera 1 1ci1 e
do nome Joy · • ~ · b alegre". Uma vitória também d e m iss M o ns - " excêntrica
soletrar" (Freyre, 1994: 75). As pa1a v_ras ir~m~as aca aram franceza ", segundo o Correio da Manhã - que executa v a " u m
· do os modernistas-sob-bananeiras. Serg10 Buarque de authentico batuque africano".
sed uzm . d ·d ·
Holanda conta que gostou tanto do artigo que , ~ci tu repu- Gilberto Freyre apreciou o batuque de m iss Mons , mas
blicá-lo na Esiética, desistindo de escrever sua cnhca de Joyce. ficou entusiasmado mesmo foi com a música de P ix.ingu inha
o que acabou não acontecendo por causa do fechamento da e quis conhecer o maestro do nascente samba carioca e m outra
revista. situação, mais íntima, sem o black-tie do palco de Tudo preto.
Teve início assim, por motivos "joyceanos", uma amizade Seu desejo foi satisfeito por caminhos to rtuosos . Pruden te de
interestadual, intermodernismos. Os cariocas ficaram sur- Moraes Neto, por sorte, conhecia Donga, companheiro d e
preendidos em encontrar texto tão up-to-date na imprensa Pixinguinha nos Oito Batutas, que lhe fora apresentado pelo
provinciana e começaram imediatamente a se corresponder poeta vanguardista francês Blaise Cendrars, em sua passagem
com o autor. Portanto, a relação de amizade não foi' produto pelo Rio de Janeiro em 1924. Um estrangeiro teria chamado
de um interesse pela cultura popular brasileira, muito menos a atenção de intelectuais cariocas para a mús ica popular de
por sua vertente "regionalista". sua cidade.
~as tal interesse logo veio à tona. Ao chegar no Rio de Em 1926, tentando organizar a noitada para Gilberto Frey-
Jane_iro em 1926, Gilberto Freyre, "entre as suas curiosidades, re, Prudente de Moraes Neto encontrou Donga a companhan-
trazia a de u m con tato d 1reto
' com a música popular canoc · a, do _a banda Carlito Jazz, que tocava na te mporada d a compa-
seus
1962: autores e e t •
x~cu antes, especialmente negros " (D an tas , nhia de teatro de revista francesa Bataclan, " o alegre e brejeiro
19 bando de mme. Rasimi", que no Rio apresentava os espetá-
S). Nessa epoca, os músicos do Rio já excursionavam
O MISTÉRIO DO SAMBA

26 O ENCO:-.:TRo
27
. A ,evoir, e Revue de la revue . Marcara
t pans
I u d C
culos C es a ~ café na Rua ? atete, quase fronteiro à
li rn o
encontro pare Direito", que fechou suas por~as especialmente
faculdade~- p udente de Moraes Neto diz que os músic
para a ocas1ao.
· ·- c·mno
r ga Sebashao . (au t or d e Crzsto
. nascos
. . guinha, 0 on , d 1 eu
PiXJJl . ba de· maior sucesso aque a temporada) 2 Uma outra referência ao inusi tad o encontro aparece n -
na Bal.tlil, ~ s~m e Nelson (não menciona o sobrenome m ' . d G 'lb F o ar 1igo,
, · Teixeira . , as publica o por 1 : rto reyre no Diário de Penui mlmco em
Pati:1° 0 N lson Alves, que tocou cavaqumho com os Oit 19/ 09/ 1926, sugeshvamente inti tul ado "Acerca da vai · _
" d onza
devia ser e o
ç~o do preto . 0 tom a narr~?~ª jornalística é um pouco
B tutas) compareceram.
ª No re1ato de Prudente de Moraes .
Neto sobre o episódio dif~rente d~quele adotado ~o d1ano. Gilberto Freyre, em seus
_ , a·onada a presença de V1lla-Lobos, como aparece arhg~s de Jornal ~aquela epoca, não perdia a oportunidade
Moemw . de cnar uma pol~m1ca e ~e advogar idéias que só depois
, . de Gilberto Freyre. Talvez tenha sido esquecimento
no di ano . · seriam . de~envolv1das em l~~ros como Casa-grande e smlilla .
Tal um lapso do pernambucano, que gostava de identificar
1, vez fi . Seu eshlo _e quase sempre nu~it_ante, disposto a comprar brigas
mia afro-brasileira-carioca com a gura nacionalista (e
a boe . b' d . com os leitores, caso necessano . Aqui estão suas palav ras:
também boêmia é popular entre os sam i~tas a cidade) de
Villa-Lobos, como demonstra este seu dep01mento de décàdas 0n tem, ~om alguns ~gos - Prudente, Sérgio - passei
uma noite que quase ficou de-manhã a ouvir Pixingui-
depois: nha, um mulato, tocar em flauta coisas suas de carna val
Meu amigo Assis Chateaubriand iniciou-me em vários com,~onga, outro mulato, no violão, e o preto bem pret~
brasileirismos cariocas e Estácio Coimbra, noutros. Até Patnc10 a cantar. Grande noite cariocamente brasileira .
que, com Prudente de Mora~s-t:J~to, Sérgio B~~rque de Ouvindo os três sentimos o grande Brasil que cresce
Holanda e Jaime Ovalle, me iruoe1 noutra espec1e desses meio-tapado pelo Brasil oficial e postiço e ridículo de
brasileirismos: no Rio por assim dizer afro-carioca e no- mulatos a quererem ser helenos (...) e de caboclos inte-
turno. O Rio de Pixinguinha e Patrício. O Rio ainda de ressados (... ) em parecer europeus e norte-americanos; e
violões, de serenatas, de mulatas quase coloniais que à todos besta.mente a ver as coisas do Brasil( ...) através do
autentiádade brasileira acrescentavam, como as iaiás pince-nez de bacharéis afrancesados (Freyre, 1979: 330).
brancas de Botafogo e as sinhás de Santa Teresa, uma
De n ovidade, com relação à narrativa do diário, temos uma
graça que eu não vira nunca nem nas mulatas nem nas
classificação racial dos músicos, de mulatos a pretos bem
iaiás brancas do Norte. Era a graça carioca . Era o Rio de
pretos, e o reaproveitamento da teoria dos "dois Brasis" an-
Villa-Lobos (citado em Carvalho, 1988: 94).
tagô nicos, pop u larizada princi palmen te por Euclides da
O regionalista Gilberto Freyre estava sendo seduzido pela Cunha . Existiria então, para Gilberto Freyre, um Brasil "oficial
cultura popular carioca . Não só ele: todo o Brasil, princípal- e postiço e ridículo" que "tapa " o outro Brasil, este real, a ser
ment~ a partir dos anos 30, passa (ou é obrigado) a reconhecer "valorizado" junto com o preto.
~o Ri~ de Janeiro os emblemas de sua identidade de povo
O artigo, a propósito, começa com a afirmação: "Há no Rio
sambista". um movimento de valorização do negro ." As d uas causas
~pontadas para o surgimento desse movimento são muito
interessantes . A primeira seria a "influência de Blaise Cen-
2
drars, que vem agora passar no Rio todos os carnavais" .
Esse samb f · •
p<efágico publia 0d1 atado por Oswald de Andrade em seu Manifesto antr~ Comentarei essa influência de Cendrars (e as representações
,
de um diJeíto
ca o em 1928· ''N . . atraves de intelectuais brasileiros sobre essa influência) no capítulo
. · unca fomos cateqwzados. Vivemos ,
do Pará" (A dsonambulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia . Ou em BeJern sobre a relação de músicos populares e intelectuais moder-
n rade, 1972: 14).
() M ISTÉRIO IJO 5 /\M B/\ O ENCO NTRl)

. - om O modernismo inte rnacional, sobretudo ' dios, passariam a simbol izar a cultura bras ile ira e m sua
- ta s bras•1e1ros c . . - as ra·dade manten d o re 1açoes
- intensas
• · parte d os
rns , A da causa do "movimento de va 1onzaçao do tota l 1 , . .
com a maior .
fr<1 nc~~ - _seguni·s abs trata : a "tendência para a sinceridade" mentas sociais do Brasil e formando uma nova imag em
neg ro sena ma · . '
t d
a pon a a P
or Prudente de Moraes Neto em artigo para a
b . . . ~~ país "para estran~eir,o _(e para brasileiro) ver". A í está o
· t Estética que "está fazendo o ras1 1e1ro ser sincero num nde mistério da his toria do samba : nenhum autor te nta
revis a , d d . fl , . ,, (F
ponto de reconhecer-se penetra o a m uenc1a negra rey- :;;licar como se deu es~a passag~m ~o q~~ a mai_oria fa z é
re 1979: 329) . enas cons tatá-la), de ntrno maldito a musica nacional e de
'No movimento de valorização do negro, na conquista da ªrrta forma oficial. É em torno desse mistério, que está no
sinceridade, a música popular seria um elemento fundamen- \rne do encontro da turma de Gilberto Freyre (repre-
tal. Gilberto Freyre adota o estilo de manifesto: "pela valori- ~entando aqui -problematicamente, como em toda represen-
zação das cantigas negras, das danças negras, misturadas a tação - a elite) com a turma de Pixinguinha (representando
restos de fados; e que são talvez a melhor coisa do Brasil"
0 povo), que vai ser construído este liv ro .
(Freyre, 1979: 329). Um bom resumo da h istória da transformação do samba
em música nacional, de corno essa passagem tem sido descrita
por vários autores, é o seguinte trecho do " Post Scriptum" de
Antônio Cândido a seu artigo " A revolução de 1930 e a cul-
tura " :
A idéia, advogada também por Gilberto Freyre, de um Brasil (...) na música popular ocorreu um processo( ... ) de "ge-
postiço que tapa o Brasil autêntico tem uma semelhança cu- neralização" e " normalização", só que a partir das esferas
riosa com o que pode ser visto corno ponto de partida para populares, rumo às camadas médias e superiores. Nos
este livro, levando-me a valorizar o encontro descrito acima: anos 30 e 40, por exemplo, o samba e a marcha, antes
trata-se do grande mistério na história do samba. praticamente confinados aos morros e subúrbios do Rio,
Quando falo, talvez um tanto forçadamente, em grande conquistaram o País e todas as classes, tornando-se um
pão-nosso quotidiano de consumo cultural. Enquanto
mistério, não me refiro aos prol?lernas que muitos pesquisa-
nos anos 20 um mestre supremo como Sinhô era de
dores da música popular brasileira gostam de debater: a ori- atuação restrita, a partir de 1930 ganharam escala nacio-
gem etimológica da palavra samba; o local de nascimento do nal nomes como Noel Rosa, Ismael Silva, Almirante,
samba; a identidade dos primeiros sambistas; ou mesmo a Lamartine Babo, João da Bahiana, Nássara, João de Barro
lista completa dos compositores de Pelo telefone, tido como o e _muitos outros. Eles foram o grande estímulo para 0
"primeiro" samba. Penso especificamente na transformação tnur:ifo avassalador da música popular nos anos 60, in-
do samba em ritmo nacional brasileiro, em elemento central clusive de sua interpenetração com a poesia erudita,
para a definição da identidade nacional, da "brasilidade". numa quebra de barreiras que é dos fatos mais impor-
Hoje, em praticamente todas as tentativas de se escrever a tan!e~ da nossa cultura contemporânea e começou a se
história do samba, é reproduzida urna mesma narrativa de defmir nos anos 30, com o interesse pelas coisas brasilei-
ras que sucedeu ao movimento revolucionário (Cândido
descontinuidade, corno se os sambistas tivessem passado por 1989: 198). '
dois momentos distintos em sua relação com a elite social
brasileira e com a sociedade brasileira de forma geral. Num Umbborn exemplo de como os historiadores e cronistas do
primeiro momento, o samba teria sido reprimido e enclausu- sarn a abordam t b
tônio C' . o assun o, e aca am concordando com An-
rado nos morros cariocas e nas "camadas populares". Num , . andido, pode ser encontrado na imprescindível e J.á
segundo momento, os sambistas, conquistando o carnaval e c1ass1ca coletâne d t· d
a e ar 1gos e Jota Efegê, Figuras e coisas da
:10 O MIST t RIO DO S/\M13/\ O ENCONTRO 31

111úsica popu lar brasileira: " N a queles idos de 1920 a té quase 30, brasileiro passa a se interessar e , mais do que se interessar,
0
o sa mba ainda era espúrio. Era tido e havido como próprio rizar "coisas" corno o samba, a feijoada (que pouco a
va 1o .
de malandros, como cantoria de vagabundos. E a polícia, na co se transforma em prato nacional, apresentado com
pou . .
sua finalidade precípua de zelar pela observância da boa or ulho para os estrangeiros que aqui aportam) e a mestiça-
ordem, perseguia-o, não lhe dava trégua " (Efe gê, 1980, vol. 2: e~ (principalmente en_tre bran~os e :1egros)?
24). Em outro artigo, vem o outro lado da moeda, a resistência : g o misté rio da mestiçagem (mclumdo a valorização do
"Era assim a época heró ica, valente, não se deixando intimi- rnba como música mestiça) tem, para os estudos sobre o
dar. Sua gente espancada mas persistindo sempre", ignorando s:nsamento brasileiro, a mesma importância e a mesma obs-
"o desprezo da burguesia". Mas "o samba mesmo assim ven- ~uridade do mistério do samba para a história da música
ce u . Formou suas escolas e deslumbrou patrícios e estrangei- opular no Brasil. Corno pôde um fenômeno, a mestiçagem,
ros" (Efegê, 1980, vol. 1: 122) . Corno sempre, não é analisada ~té então considerado a causa principal de todos os males
essa passagem misteriosa , da perseguição da polícia à vitória . nacionais (via teoria da degeneração), " de repente" aparecer
Na antropologia, a história do samba é também freqüen- transformado, sobretudo a partir do sucesso incontestável e
temente resumida a partir -das mesmas idéias contidas na bombástico de Casa-grande e senzala, em ·1933, na garantia de
análise de Antônio Cândido ou nos comentários de Jota Efegê, nossa originalidade cultural e mesmo de nossa superioridade
sendo gera lmente aceita a visão de que o samba ficou um bom de "civilização tropicalista "? Não é arbitrá ria a tentativa de
tempo restrito aos "morros" (ou favelas), só depois conquis- ligar a "generalização" (para continuar citando Antônio Cân-
tando o gosto musical de uma elite até então distante da dido) do samba com o êxito de Gilberto Freyre no panorama
cultura popular afro-brasileira . Peter Fry afirma que "origi- intelectual brasileiro. Tudo fazia parte desse interesse "repen-
nalmente, quando o samba era produzido e consumido pelo tino" pelas coisas brasileiras . Como veremos adiante, para o
povo do morro, era severamente reprimido pela polícia e caso de Casa-grande e senzala, essa reviravolta vai ser descrita
forçado a se esconder no candomblé , então considerado ligei- quase como uma iluminação de seu autor. Gilberto Freyre fala
ramente mais aceitável. Com o tempo, entretanto, a impor- de "uma espécie de cura psicanalítica " de todo o país; Gilberto
tância crescente do carnaval provocou a transformação da Amado fala em " distabuzação" . Todas essas expressões ten-
repressão em apoio manifesto" (Fry, 1982: 51). Ruben Oliven dem a ressaltar o caráter súbito, descontínuo, de descoberta
retoma as palavras de Peter Fry em artigo de 1985: "o samba, e valorização daquilo que seria "verdadeiramente brasileiro",
outro 'legítimo' símbolo da cultura brasileira era, no começo, daquilo que antes estava " tapado" pelo Brasil postiço. Todas
produzido e consumido nos 'morros' do Rio de Janeiro e elas só fazem aumentar o "mistério" do tema deste livro.
reprimido com violência pela polícia. Foi com a crescente . Para torná-lo ainda mais denso, podemos nos perguntar,
importância do carnaval que o samba passou a ser consumido iunt? com Peter_Fry,_" por que é que no Brasil os produtores
pelo resto da população brasileira e se transformou na música de s1mbolos nacionais e da cultura de massa escolheram itens
brasileira por excelência" (Oliven, 1985: 12). culturais p~oduzidos originalmente por grupos dominados?
Como é possível perceber a partir das citações anteriores, E por que isto não ocorreu nos EUA e em outras sociedades
o mistério do samba está ligado a outros mistérios brasileiros, c~pitalistas?" (Fry, 1982: 52). Essas perguntas já receberam
tão centrais como o do p róprio samba para o debate sobre a diversas respost~s . Vou ~itar apenas duas delas, propostas
definição da identidade nacional no Brasil. Antônio Cândido p~l~ antr~pologia . O proprio Peter Fry lançou a seguinte
se refere ao "interesse pelas coisas brasileiras" que surgiu nos h_ipot~se: a conversão de símbolos étnicos em símbolos na-
anos revolucionários de 1930. O que eram essas coisas brasi- c10nais não ap~nas oculta uma situação de dominação racial
leiras? Quem definia o que era realmente brasileiro e, portan- mas torna muito mais difícil a tarefa de denunciá-la" (Fry
to, digno de interesse? Como uma elite que até então ignorava l982: 52/53). Roberto da Matta tem outra resposta: a descons~
32 O MISTÉl{I O DO SA M BA
O ENCO NTRO 33

trução d o "m ito " da mes tiçagem a partir da constatação d


na tureza "forte mente hierarqu izada " da sociedade brasileiraª ·á dei xou entrever, às relações entre, d e um lado, mem -
Não ha ve ria "necessi dade de segregar o mestiço, o mulato · n1,a Jda elite e de grupos intelectuais brasileiros e, de outro,
bros . . . .
índio e o negro, porque as hierarquias asseguram a su~e~ ltura popular, prmopa 1men te em seus aspectos musicais .
a cuNão é nosso o b1etivo
' . aqm. f azer uma antropo 1agia . d o sam-
rioridade d o branco corno grupo dominante" (Da Matta, 198l .
75) . Daí (e assim Da Matta se aproxima de Peter Fry) um · ba; afinal, não se trat~ de um li~r_o sobre o samba: tampouco
preocupação com a intermediação e o sincretismo: a síntes: de antropologia musical : ~ mus~ca aparece aqui co~o um
rnpo privilegiado onde e possivel perceber determinados
impediria "a luta aberta ou o conflito pela percepção nua e
ca pectos do debate sobre a definição da identidade brasileira
crua dos mecanismos de exploração social e política" (Da
assuas seqüelas . Este livro pode ser visto como um estudo das
Matta, 1981: 83).
;elações entre cultura popular (incluindo a definição do que
Se os argumentos de Roberto da Matta podem sugerir
é popular no Brasil) e construção da identidade nacional. A
explicações para a inexistência de uma necessidade premente
escolha do samba como exemplo principal e campo de traba-
de segregar "o mestiço, o mulato, o índio e o negro", eles não
lho é es tra tégica, mas deve ser considerada apenas urna es-
elucidam totalmente o forte investimento sociocultural que colha entre dezenas de outras possíveis. Poderíamos usar a
leva a identificar as "coisas brasileiras" com as coisas mestiças, história do rock brasileiro como fonte principal de nossas
principalmente aquelas de origem afro-brasileira, ou que le- reflexões . Mas o samba, por sua característica de "pão-nosso
vou a turma de Gilberto Freyre a se encontrar com a turma cotidiano de consumo cultural" (discutirei que "nosso" é esse
de Pixinguinha num momento tão importante para a forma- nos próximos capítulos) e de "música brasileira por excelên-
ção da idéia de um Brasil "destapado", o "afloramento" do cia", ocupa lugar central em todo esse debate sobre a brasili-
Brasil autêntico. Uma coisa é a aceitação - no meio dess a dade .
autenticidade - do samba, outra é o culto do sam};,a, valori- São muitos os intelectuais que reconhecem a importância
zado como símbolo de nossa originalidade cultural. Mesmo da música popular no debate sobre a cultura brasileira. Já
Thomas Skidmore, em artigo recente que tenta provar a ine- vimos corno Antônio Cândido se referiu ao "triunfo avassa-
xistência de grandes diferenças entre as atitudes raciais de lador da música popular nos anos 60" gerando um dos "fatos
brasileiros e americanos (com a apresentação de muitos dados mais importantes de nossa cultura contemporânea". O mo-
quantitativos que comprovam a existência de um violento dernista Mário de Andrade escreveu, em 1939, que a música
racismo brasileiro), reconhece que "a persistente negrofobia PºJ:>ular tomava-se "a criação mais forte e a caracterização
dos brancos norte-americanos" seria "um traço relativamente mais bela da nossa raça" (Andrade, M ., 1965). Gilberto Freyre
ausente na história brasileira" (Skidmore, 1992: 61) . Além chegou a dizer que:
disso, "a contínua realidade de miscigenação na América
inglesa [foi] transformada pelos homens brancos em uma A música vem sendo a arte por excelência brasileira no
ameaça psíquica" (Skidmore, 1992: 61) . No Brasil, sabemos sentido de ser, desde os começos nacionais e até coloniais
como a "realidade da miscigenação" virou tema de orgulho do Br~sil,_aquela - dentre as belas-artes - em que de
nacional para autores como Gilberto Freyre. pre~erenc1a se tem manifestado o espírito pré-nacional e
nacional da gente luso-americana: da aristocrática e bur-
Essas hipóteses e comparações serão discutidas, no decor-
guesa tanto quanto plebéia ou rústica (Freyre, 1974: 104).
rer deste livro, a partir de uma análise, a mais detalhada
A , . .
possível, do processo de transformação do samba de "símbolo musica, portanto, mais que as outras artes, é descrita como
étnic?" (se é que algum dia chegou a ser um símbolo étnico) t~ndo essa capacidade de, corno dizia Antônio Cândido rea-
lizar uma "
em simbolo 1.'ª~ional. Uma atenção especial será dedicada, que b ra d e b arreiras
· ,,, servmdo
. '
de elemento unifi-
como a descnçao do encontro de Gilberto Freyre e Pixingui- cador ou de canal de comunicação para grupos bastante di-
., -1 () MISTÉRIO DO SAMOA
O. EN C ONTRO 35
versos da s ocied ade b rasileira . Nã o in teressa tanto, aqui, d is-
cutir a veracida d e dessa descr ição; bas ta a ponta r sua impo r- rocesso h is tó r ico-antropológico a ser analisado p rio rita-
tância para vá rios intelectuais que discute m as pec tos da nossa (! p ente n es te li vro p ode s er p e n sado com o um exemplo d e
ide ntidade n acion a l. É levando e m conta essa importâ ncia que ;,;~:enção d a tra dição" ou d e " fa b ricação da autenticidade "
a hi s tória da música po pula r, principalmente do samba, Vai brasileiras, pa ra u sar e xp ressões s ustentadas, resp ectivame n-
ser d iscu tida n os próximos ca p ítulos deste livro . por Eric H o bs ba w n e Rich ard Peterson (ver H obsb awn ,

e· :-. _ ~~90; Pete rs on , 1992). O signif~cad o dessas express ões será


d 1·scutido a diante, mas d evo adiantar alguns pontos .
Estou interessado n o d e bate sobre a a u tenti cidade d osam-

Es te liv ro n ão pretende desvendar o misté rio do samba . Meu


objetivo seria m ais bem descrito como um deslocamento desse
v:~s
b mas por m oti vos pouco "a utênticos". Subs crevo as pala-
d e Richa rd Peterson sob re o ass unto, pinçadas de se u
artigo sobre a in:'e1:ção da cow:itry mus ic n or~e-america na : "a
m is tério. Pretendo mos trar como a transformação do samba autenticidade nao e um traço merente ao obJeto ou ao acon-
em música nacional não foi um acontecimento repentino, indo tecimento que se d e cla ra autêntico; trata-se de fato de uma
da repressão à louv a ção e m m e nos de uma década, mas sim construção social que deforma parcialmente o passado" (Pe-
0 coroa mento d e uma tradição secular de co ntatos (o encontro terson, 1992: 4) . Porta nto a transformação do samba em mú-
descrito acima é ape nas um exemplo) entre v ários grupos sica n acional nunca s e rá entendida, aqui, como uma desco-
sociais n a tentativa de inve ntar a identidade e a cultura po- berta d e nossas verda deiras "raízes" antes escondidas, ou
pular brasileira s . N ão é minha intenção n e gar a existência da "tapadas", p ela repressão, mas sim como o processo de in-
repressão a d eterminados aspectos dess a c ultura popular (ou ve nção e valoriza ção d essa autenticidade s ambista .
d essas culturas popu lares), mas ape nas m ostrar como a re- Também n ão considero a cultura popular como proprieda-
pressão conviv ia com o utros tipos de interaçã o social, alguns de ou invenção d e um único grupo socia l. Concordo com as
d eles a té m esmo contrários à repressã o . Vou tentar mapear seguintes palav ra s d e N éstor G arcia Canclini: "O popular se
as relações en tre os primeiro s s ambistas cariocas e outros constitui e m processos híbridos e complexos, usando como
g rupos sociais (brasileiros e estrangeiros), mostrando como signos de identifica ção elementos procedentes d e diversas
foram p avimentados os caminhos que levara m à aceitação do classes e n ações" (Canclini, 1992: 205) . Levando isso em conta,
sa mba p o r grande p a r te da p o pulação bras ileira, ou pelo não penso ser uma afirmação arriscada dizer que o samba
menos à s ua definição (quase oficial, pois en v olve também não é apenas a criação de grupos de negros pobres moradores
esforços do Estad o b rasile iro) corno a música brasileira por dos morros do Rio de Jane iro, mas que outros grupos, de
excelência . Vou tentar ta m bém mapear alguns dos debates outras classes e outras raças e outras nações, participaram
tra va d os entre intelectuais e mem bros da elite bras ileira da ?esse processo, pelo menos como "ativ os" espectadores e
é poca, princip almente aquele s (s obre a mestiçagem, sobre o mce nhvadores das p e rformances musicais. Por iss o serão pri-
povo, sobre a unidade n acional, por exemplo) que levara m à vilegiadas, aqui, as "relações exteriores" ao mundo do samba .
aproximação de alg umas de suas facçõ es internas (pois a elite,
como o povo, n ão é consid e ra da neste livro como um grupo :,._, -
h o mog êneo) com os m úsico s popu lares que estavam inven-
tando o s amba .
& '
:-., -

&' O li vro está construído em torno d e um único a contecimento,


o encontro e ntre sambistas e inte le ctuais descrito acima . O s
capítulos seguintes serão d ese nvolvime ntos dos v á rios aspec-
O MISTÉRIO DO SAMBA

d corno foi possível e qu ais fora m suas


tos dess~ _en~~;.~~ai: imediatas, já que não teve "grandes"
"conse9-~eno mesmo na obra de seus participantes.
sequencias, nem .
con. nh .d •sso O que mais me atraiu nessa esquecida
Talvez te a s1 o I
. d
"d .d d
b . 0 fato de poder ter s1 o esqu eo a, e ser 2
noitada e sa m ª· ' ' 1 b 1·d d
oa m ais relegad o a ternve ana 1 a e de
apenas um encon tr
·
,
to qualq uer' desses que nunca passarão à
ELITE BRASILEIRA E MÚSICA POPULAR
um aconteomen
História . ,d. , ' t·
A pesar d a "banalidade", .
o episo 10 e um o 1mo ponto de
_ d. _ .
.d ara se pensar a mvençao da tra 1çao naoona 1-pop u-
par h a p . • · · l
1ar b ras1·1ei ra , pois nele figu ram os
. l
prmc1pa1s e ementas a
. / r ,,
m analisados: as relações entre mte ectua1s e ite e popu-
sere . . - d ·d
1ares "·, a va lorização do popular; a cnaçao
.
e uma nova 1 en-
· 1 1
tida d e nacional; as teorias da meshçag_em rac1~, e ~u tu~~!; a
"d scoberta " do Brasil pelos modermstas; a umdade da O encontro descrito no capítulo anterior não foi um fato
á~ia construída a partir do Rio de Janeiro e _s uas relações extraordinário, único ou inédito na história da música popu -
p "regionalismo"; as várias vertentes do discurso nacio- lar no Brasil. Era apenas mais uma reunião de intelectuais e
com o . d B . ,, C
nalista • 0 samba como "a melhor c01sa o ras1 1 . omecemos músicos das camadas populares, dentro da longa tradição de
pela r:lação entre a elite brasileira e a música popular. relações entre vários segmentos da elite brasileira (fazendei-
ros, políticos, aristocratas, escritores etc.) com as várias ma-
nifestações da musicalidade afro-brasileira.
Essa história é antiga. Seus primeiros registros mais claros
começam com a invenção e popularização da modinha e do
lundu, no final do século XVIII, quando o Brasil ainda era
colônia portuguesa . O viajante Thomas Lindley narra, em
livro lançado em 1802, como eram as festas em Salvador
naquela virada de século:

(... ) em algumas casas de gente mais fina ocorriam reu-


niões elegantes, concertos familiares, bailes e jogos de
cartas. Durante os banquetes e depois da mesa bebia-se
vinho de modo fora do comum, e nas festas maiores
apareciam guitarras e violinos, começando a cantoria.
'.'1ªs pouco durava a música dos brancos, deixando lugar
a sedutora dança dos negros, misto de coreografia afri-
cana e fandangos espanhóis e portugueses (citado em
Pinho, 1959: 27) .

Esse retrato nos mostra uma elite baiana impaciente com as


regra~ da elegância européia e que basta ficar um pouco
embriagada para "cair na folia " negra . Negra, mas já misci-

37
o MISTÉRIO DO SAMBA 39
ELITE BRASILEIRA E M ÚSICA POPULAR

. L. dley aponta mesmo a fusão coreográfica entre


genad a. m l' d h , t t último "chegou a considerar sua presença [a de Caldas Bar-
danças africanas e ibéricas. Tal fusão, rea 1za. a a an o tem- bosa] como indício da dissolução da corte portuguesa". Os
po, torna de certa maneira vã toda tentativa de procurar principais ameaçados pela moda da libidinosa música colo-
estabelecer O que é realmente africano ou europeu em n ossas nial não tiveram a mesma reação, muito pelo contrário: Caldas
danças "populares" atuais. , . Barbosa influenciou compositores eruditos portugueses que
A elite baiana ainda tentava prestar honras a etiqueta eu- também passaram a assinar suas modinhas.
ropéia, 0 que não acontecia er:1 todas as reg!ões do Brasil. É quando começa o período de "italianização" (pois os
Outro viajante, Tollenau, reclama que nos saloes pernambu- compositores portugueses geralmente estudavam na Itália)
canos daquela mesma época "só se sabia dançar o lundu" da modinha, com a influência das operetas, também grandes
(citado em Pinho, 1959: 29). Talvez tal fato p ossa ser explicado, sucessos na Lisboa da época, de Bellini e Donizetti. É com
como propõe Gilberto Freyre em Sobrados e mucambos, pelo essa nova roupagem que a modinha volta para o Brasil, tra-
isolamento da colônia . Mas essa idéia de isolamento deve ser zida pela corte do futuro dom João Vl. 1 No Rio e em Salvador,
relativizada. Uma breve história da modinha é um bom ca- a nova modinha torna a influenciar os músicos brasileiros e
minho para atingir esse objetivo. Veremos como a própria passa por uma fase que Tinhorão chama de "repopularização
aristocracia portuguesa, em Lisboa, já estava se deixando e renacionalização" (Tinhorão, 1986: 19). Como já é possível
seduzir pelas fusões afro-brasileiras importadas de sua colô- perceber, o vaivém de influências, inclusive internacional, não
nia. As regras de etiqueta européias não seriam tão rígidas esperou pelo advento dos meios eletrônicos de comunicação
assim. de massa, ou mesmo pela divulgação dos primeiros discos,
para provocar modificações em gêneros musicais de todo o
mundo.
Depois da proclamação da independência, e durante o
reinado de dom Pedro I, a modinha erã parfe integrante da
vida da nova corte, ou pelo menos da parte "sombria" dessa
O padte, carioca e mulato Domingos Caldas Barbosa foi o corte. A marquesa de Santos, amante do imperador, por exem-
"primeiro compositor reconhecido historicamente" no Brasili plo, "em sua intimidade e nas festas que dava em seu palácio
sendo considerado pelos historiadores da música popular de São Cristóvão, cantava modinhas e lundus melancólicos
brasileira como o estilizador e divulgador da modinha. José acompanhando-se com o dedilhar nas cordas d o choroso ins-
Ramos Tmhorão, o mais importante desses historiadores, des- t~~mento [o violão]" (Maul, s/ d2: 65). Ainda segundo seu
creve a modinha como a maneira brasileira, inventada prin- biografo Carlos Maul, os poderosos amigos mais íntimos d a
cipalmente por mulatos das camadas populares, de se tocar marquesa de Santos também se dedicavam à música popular:
as modas - ou canções líricas - portuguesas. As modinhas
brasileiras privilegiavam temas amorosos (sendo mais explí-
citas em sua libidinagem) e eram acompanhadas principal- 1 A . modinha ta~bém continua a "voltar" para a Europa: em 1824 foi
mente por instrumentos de cordas, como o violão ou o ban- publicado em Pans um hvro com as mod inhas de Joaquim Manuel, ou tro
dolim (ver Tinhorão, 1986). mula!º . (segw-ido Gilberto Freyre, 1974: 104), harmonizadas pelo composi-
Filho de pai branco e mãe preta angolana, a "condição" tor S1gismund Neukomm, o "discípulo preferido de Joseph Haydn" (se-
gtmdo o verbe te "modinha" da Enciclopédia de música brasileira). Essa relação
mestiça de Caldas Barbosa não o impediu de, já em 1775, fazer entre Joaqwm Manuel e Neukomm, que morou no Rio de Janeiro entre
sucesso nos salões mais aristocráticos de Lisboa. A reação 1816 e 1821, mostra como eram fluidas as fronteiras entre músicos eruditos
antimodinha veio, surpreendentemente, da parte de poetas e populares naquela época. E durante todo o século XIX Carlos Gomes
também assinou várias modinhas.
como Bocage, Filinto Elíseo e Antônio Ribeiro dos Santos. Este
O MISTÉRIO DO 5/\MB/\ 41
ELITE BRASILEIRA E M ÚSICA PO PULA R
40

!idades eminentes . Gonçalves


"Freqüentava m-na ~er~o:1;.igo de José Bonifácio), José Cle- (... ) onde ia toda a gente, os políticos, os poetas, cs
10 drama turgos, os artistas, os viajantes, os simples amado-
Ledo [depu~adrg~~~s:0 ~ 0 Império, ministro _da G uerra e res, amigos e curiosos - ond e se conversa va de tudo,
mente Pereira m , . da Cunha Barbosa [cônego d a desde a retirada de um ministro a té a pirue ta da dança-
d l cônego Januan 0 . .
sena or e o . 1 d " t da Imprensa Nacional e da Biblioteca ri na da moda; onde se discutia tudo, desde o d ó d o peito
eape Ia Impena ire or ~
de Tambe rlick até os disc ursos do Marquês de Paraná,
_ d ' . si'duos E nos saraus o conego costu-
p ' bJ"ca]
1 sao os mais as · . verdadeiro campo neutro onde o estreante das letras se
u . d
ma deixar e Ia o a d política para tocar violão e cantar mod1-
encontrava com o con selhe iro, onde o cantor italiano
nhas" (Maul, s/dl: 49) . . . dialogava com ex-ministros (citado em Gondim, 1965:
, lo XIX , a renovação (ou a renac10nah-
Em mea d os d o secu . . _ 59) .
- T"nhorão) da modinha teve a parhc1paçao
zaçao, como quer i . . d . e·
, . gmentos da sociedade brasileira. Como iz II- O folclorista Mello de Moraes Filho acrescenta outras lem-
d e vanos se · 1d · branças a essas já citadas: na loja de Paula Brito, o maestro
berto Freyre: "A modi·nha ( ···) foi um agente musica . e uni-
ficação brasileira, cantada, co~o foi, no Segundo Remado, po~ Francisco Manoel, "para descansar de suas composições sa-
cras e de longo fôlego, punha em música hymnos e lundús
uns ao som do PI.ano , no intenor das casas nobres
, e burguesas, , d daquelle porte" (Moraes Filho, 1904: 154). Como é possível
or outros, ao som do violão, ao sereno ou a P?rta ate e
p Ih ,, (Freyre 1974: 107). Entretanto, o fenomeno que perceber a partir desses depoimentos, o "campo neutro" da
pa oças , _ ·nh f · · tipografia era na verdade um território de mediações inter-
ma1s con tr·buiu
· i para essa renovaçao da . mod1. a 01 a mte- ~ . culturais, possibilitando o encontro de grupos sociais de vá-
- de músicos com i·ovens intelectuais e escntores romanh- rias procedências.
raçao • f d
cos. O principal local desses encontros era ª. tipog~a ia _ o A existência de indivíduos que agem como mediadores
"editor e poeta mulato Francisco de ~aula Bnt~ (Tinhorao, culturais, e de espaços sociais onde essas mediações são im-
1986: 20), na Praça da Constituição, hoJe Praça Tira?entes: no plementadas, é urna idéia fundamental para a análise do
Rio de Janeiro, freqüentada por Machado de Assis, Jo:e ~e mistério do samba. A cultura brasileira é uma cultura hetero-
Alencar, Gonçalves Dias, o músico e poeta (d~ ascendencia gênea, em que podemos notar "a coexistência, harmoniosa ou
cigana) Laurinda Rabello, além de "instrumentistas das ~las- não, de uma pluralidade de tradições cujas bases podem ser
ses populares" (Tinhorão, 1986: 21) . Um e_ncontro _entre mt~- ocupacionais, étnicas, religiosas etc." (Velho, 1981: 16). A he-
lectuais e músicos populares que, como vunos, vai se repetir terogeneidade cultural é uma das principais características
na história do desenvolvimento do samba. das sociedades complexas, que podem ser vistas como "pro-
duto nunca acabado da interação e negociação da realidade
efetivadas por grupos e mesmo indivíduos cujos interesses
são, em princípio, potencialmente divergentes" (Velho, 1980:
17)_. Nessa s~tuação surge a possibilidade de constituição da-
quilo que Gilberto Velho denomina "individualidade singu-
Em Vida e obra de Paula Brito, Eunice Ribeiro Gondim escreve lar" ou "individualização radical":
que "toda a geração romântica e febril de 1839 a 1861 freqüe~- (?~anto mais exposto estiver o ator a experiências diver-
tou a casa de Paula Brito" (Gondirn, 1965: 59) . Sua tipograf~a s1f1cadas, quanto mais tiver de dar conta de ethos e visões
era palco de urna reunião de amigos (e inimigos) depois de mundo contrastantes, quanto menos fechada for
chamada de Sociedade Petalógica (que vem de peta, mentir~) - sua rede de relação ao nível de seu cotidiano, mais
Machado de Assis, que foi tipógrafo de Paula Brito, assim marcada será sua autopercepção de individualidade
singular (Velho, 1981 : 32).
descreveu a Sociedade:
O MISTÉRIO DO SAM BA
42 EI. IT E llfV\ SI LEIRA E MÚSIC A PO PU LA I~ 43
. . ,, t ma mente sing ularizad os
. , ,, ad1ca1s e ex re . . f ·1·
Esses ind1v1duos r . t 11am como objetiv o a a c1 1- Mello de Mo ra es Filho diz que a p resen ça do trovador
oietos que e n . . . -
Pode m elaborar pr . .f. - a aceleração, a msh tmçao)
, a intens1 1caça 0 , . ,,
cigano e ra requis itada em m u itos "sa rá os d e fam ília " rea liza-
tação (e tam bem . s de relações entre dois ou mais mu_n- d os n aqu ela é poca n o Rio d e Janeiro. Eis aq ui uma boa d es-
d as trocas e o~t~os hp~ t rogeneidade cultural das sooe- crição d o que acontecia nesses "saráos" :
d os" que par ticipam a 11e e
2 Em gera l, depois d e adeantad a h ora d a n oi te, quand o a
dades complexas: . ,, ntes mediadores" que freqüenta-
·1· música ia estridente e as da nsas fervia m e m rodop io,
u m .d os pnn. c1pa1s age 'd .
d Pau la Brito era o m úsico e m e 1co m1 1tar certo núm ero d e apreciad ores a pinhava-se ao red or de
vam ~ tipografia ey a ena citar alguns detalhes de s u a Laurindo que, menestrel e ba rdo, a u m dos â ngulo s d a
1
La unn~o Rabello. ª e p ibilidades de m ed iação cul- sala d e jantar, canta va ao violão senti mentaes m od inhas
biografia como exemplo das poss
e buliçosos lund ús (Moraes Filho, 105: 170-1 ).
tural e m meados do século p assado. . .
d M 11 de Moraes Filho, no hvro Artis tas de meu
Segun o e o f 'li d L . d O u tro mús ico da época q ue pode ser con siderado també m
tempo, um acon t e Cl·mento decisivo para . a am1 a e d aunn o u m mediador entre vários grupos s ocia is é Alexandre Trova-
Rabello foi a carta régia d e 15 d e abn_l d e 171_8 que eportou
· dor, d escrito por Catulo d a Paixão Cearen se com o um "preto
os oganos po rtugueses para o Brasil. Launndo . f nasceub no
A •
magrinho" (Ma u!, s/ d2: 40) e p or Mello de Moraes Filho corno
·
ROCI O, no Rio de Janeiro, em 1826, e teve uma 1n ancia po re,
· · J( ) um "creoulinho (...) esperto, saga z e habilidoso" (Moraes Fi-
fren tando também d esde cedo "o preconceito soCia ... que
~: nia como mestiço o trovador trigueiro de bem diversa raça" lho, 1904: 155) . Alexandre ap rende u "a pentear senhoras" no
(Moraes Fill10, 1905: 145). Apesar d e seus "cabellos louros", cabeleireiro de Frederico Reis (freqüentado por João Caetano,
era visto como um "trovador moreno". pelas famíl ias Abran tes, Caxias, Paraná e Uruguay), que tam-
Esses p reconceitos fo ram mais for~es na juventude _do que bém ficava na atual Praça Tiradentes,3 p erto da tipografia de
na maturidade de Laurinda . Se u m dia o fato de ser cigano o ~aula Brito . Sua fama com o cabeleireiro logo se espalhou pela
impedi u d e se unir com "o amor d e juv_entude", _ta~ condição cidade_e_~ lex~ndre começou a ser requ isitad o p ara pentear,
racial não foi em pecilho para sua celebridade arhshca (e tam- a d om1c1ho, a impera triz, a prin cesa Isabel, marquesas, con-
bém intelectual) entre a eli te imperial. dessas e baronesas, além das atrizes francesas que no Rio se
Tentara seguir a carre ira militar, ser padre, mas acabou apresenta vam . Mas os dotes artísticos d e Alexa ndre não se
entrando para a Escola d e Medicina . Com dificuldades finan- restringiam aos penteados. Sua voz " mixta d e s oprano e con-
ceiras p ara concluir seu curso no Rio de Janeiro, foi convidado tralto" _também conquistara a cidade . Cantava óperas italianas
pelo conselheiro Salu stiano Souto a ir terminar seus estudos e modinhas brasileiras, sendo que as óperas també m eram
na Bahia. Formado, en trou para o Exército como médico, acompanhadas ao violão que, segundo Moraes Filho Alexan-
trabalhou no hospital d o Castelo e, depois de brigar com seu dre "tangia exími?"· O m esmo autor afirma que "o descomu-
chefe , foi transferid o para o Sul d o país . nal Trovador ass1gnalou uma época " (Moraes Filho, 1904:
Estudos, mudanças e atividades médicas e militares não o 156). Tanto talento não o impediu de morrer na pobreza e ter
afastaram da poesia e da música . Pelo contrário, durante todo seu corpo enterrado em vala comum .
esse per íodo sua fa ma de "n osso Bocage" só fez espalhar-se Entre outros m úsicos importantes daque la é poca (de mea-
por todo o p aís. dos para o final d o século XIX), le mbrados por Catulo da

2 Michel Vovelle, em seu livro Ideologias e mentalidades, chama d e media- ~e r:n~t~~lt~~ç~;i~~=~t=s~;:b~m/~ta~am -~ ~ adas as casas da baronesa
dores cul turais principalmente os p ersonagens que colocam em relação o
erud ito e o popular (ver VoveUe, 1978) . cu1t a ~ edn tre classes e culturas
era evidente e facÚitava as medi~çõe/ in~~cul
ura1s e que venho fa lando.
.)..!

ELITT BRr\511.EIRA E :',.ll SICA 1'."\f't l \ K

r .11,ao ~~ 'mos citar os


- e·carense. 1--·""'" "morenos" Tmoco, João
· d e 1
Rolas '-' An.ldeto de ~tc-de1ros (também adnurdra odporNT ar os período, subsistiram (não sei se ,·ale a pena us.u .1~u1 ,1 tdt'i.l
l -,0ml--S - Fre,w, 1g-, -t, .. 1(\ ' ) " n,:,.c-m"
v-t • 0 ~ e, · -
Edua

o as i l'e ,·es ..e de resistência ) e foram inventadas prátic,1s soci.us que colCr-
l~ C.mhó da<. Cnoulas, d~Tito como de 'bele za ap~ mea , cavam em cena um outro tipo de relaçdo com os un1Ye~os

dcn.•nuo J -
ta 1are 11.d o ao fa to de q ue "só . . a mava_ as cnoulas"'
. populares. . . .
-, . -11 ) A nl'le escura dos m ustCos nao pareaa ter o Catulo nasceu no Maranhão em 1863. Passou sua infanc1..i
\\ l d
\.au,S t - - • · r - • f
01..for de afasta -los da fama , por mais momen~e_a q u~ osse. no interior do Ceará e chegou ao Rio, aos 17 a nos, com o pi'li,
1punto a· e 1·I te can·~-a da épcxa · Tampouco o v10lao foi que e ra ouri \'es e leitor de clássicos da Literatura, indo _residir
~ . d tota l- em Botafogo . Seu pa i, Amâncio, mor reu em 1865, d e1x,mdo
mente afastado dos sara us familiares can ocas, apesar e toda
a tendência re-europeizante do p iano . Catul o em precária situação financeira, sendo o brigado a
trabalhar como estivador no p o rto d o Rio. Mesm o d urante
esse período de estiva, ele já can tava s u as mod inhas e m
"residências de abastados". Foi n um desses saraus que Ca tulo
cónheceu o conselheiro Gaspar d a Silveira Martins, que pou co
tempo depois o convid o u para morar e m sua residê ncia no
A trajetória artística de Catulo da Paix~o Cear:n_se tam bém Jardim Botânico e dar aulas de p ortuguês p a ra se us filhos . O
pode iluminar alguns aspectos da atuaçao ?~
mus1~o_popular canto de Catulo começou a conquista r muitos admirado res
como mediad or cultural entre mundos artísticos d1sb.ntos, na na elite da cidade. Suas modinhas fa z.iam sucesso nas ureu-
sua versão brasileira . Essa atividade mediadora perpassou a niões lítero-musicais" na casa do senado r Herme negildo d e
bel/e époq 1w carioca, pe ríodo no gual muitos a~tores identifi- Morais e nos saraus de Mello de Moraes Filho (que nessa
cam uma total separação entre a cul tura das ehtes e a cultura época também "promovia desfiles de reconstituição d e moti -
popular no Rio de Janeiro . Essa é, por exemplo, a opinião de vos folclóricos, como as ' Pastorinhas' e os 'Reisados'" -
Jeffrey Need ell, para q uem na belle époque "tropical", que vai MauJ, s/ d2: 25).
de 1898 a 1914, a tendência dominante era de "pôr um fim ao Outro salão importante dessa virada de século foi o de
Brasil antigo, ao Brasil 'africano' que ameaçava s1;1as preten- Alberto Brandão, freqüentado por Sílvio Ro m e ro, Barbosa
sões à civi lização, apesar de se tratar de uma Africa bem Rodrigues, Mello de Moraes Filho e Raul Villa-Lobos, sempre
fa miliar à e lite" (Needell, 1993: 77). Essa também é a opinião acompanhado pelo filho Heitor, então com 11 anos d e idade.
de Mônica Ve lloso, que escreve em As tradições populares na Segundo Vasco Mariz, "eram noitadas m emoráveis em que se
bel/e époque carioca: "o endeusamento do modelo civilizatório encontravam bem representados todos os gêneros m usicais
paris iense é concomitante ao desprestígio das nossas tradi- do Nor?este~' ~Mariz, ~989: 26). Em plena bel/e époque, o Rio
ções. ( ...) Mais do q ue nunca, a cultura popular é identificada de Janeiro v~v~a uma moda da reg ionalização" que tomou
com negativismo, na medida em que n ão compactuaria com co~ta da musica popular. José Ra mos Tinhorão inte rpreta
valores da modernidade" (Velloso, 1988: 8/9). E continua: assim essa_m~da: era um "gosto pelo exótico nacional, que
"Nos salões da moda, nos cafés e conferências literárias, a desde a pnme1r_a década do século XX o p úblico dos sa lões
refe rê ncia ao nativo a tinge o máximo de desqualificação" com~~º~/ c_ulhva_r, numa atitude que punha em moda 0
(Velloso, 1988: 17). Mas ao lado dessa tendência re-europei- Jolclorzco (Tinhorao, 1986: 35). Catu lo, co mo veremos va i
zante (como quer Gilberto Freyre), talvez até dominante4 no sabe_r se aproveitar muito bem d o interesse que as c~isas
nortistas e sertanejas despertavam .

~ Tendência d ominan te 1110 rion troppo: Wilson Martins tem razão ao criticar
Jeffrey Needell por superestimar a extensão e a profundidade que teve, 5 Lembremos que os primeiros estudos sobre O folcl ore brasileiro estavam
no Brasil, a imit ação francesa (Martins, 1994: 4). sendo publicados nessa época, sob a influência de Sílvio Romero .
O MISTÉRIO DO S/\Ml3/\
ELITE 13R/\SILEIR/\ E M ÚSICA POPU L AR 47
. "cantor sertanejo", Catulo ainda
de virar um dºnh
Mas an tes de lória como mestre das mo i as nos
viveu seu _momento l 0
eu biógrafo Carlos Maul, a cansa-
dos ao pé da letra. Nem Rui Barbosa detestava a música
popular brasileira, como veremos, nem o governo Hermes da
salões cariocas. Sef~~ ; salão de Mello de Moraes Filho . O
9 Fonseca foi o primeiro a introduzir os ritmos nacionais nos
gração se deu et: e ,j:rnalista Rocha Pombo publicou um palácios.
historiad~r, po it cnooite no Correio da Manhã: quando Catulo
O Rei de Ouro, primeiro rancho carnavalesco carioca, fun-
t ª'1,ouve' uma verdadeira exp losao-
artigo ,- oore cer - d e d e l'ino,
·
dado pelo tenente Hilário Jovino Pereira em 1893 numa ten-
P-arou d e can ar f .
t' ea tão ruidosa, tão vibrante, como se um orm1- tativa de reproduzir no Rio de Janeiro os festejos baianos, não
tao espon an ' . " ( .t d M 1
dável tufão barafustasse naquele ambiente Cl ª. o em au ' demorou muito a se apresentar para a elite governamental.
s/ d2: 27). Depois disso, Catulo cantou para Rw Barbosa no Em 1894 o Rei de Ouro cantou em pleno Itamarati, diante do
1 da Rua São Clemente ('1...emos Brito acentua que de seus presiden~e Floriano Peixoto. O tenente Hilário não se espan-
[~eª~ui Barbosa) olhos desceram lágrimas" -:-- ~aul, s/ d~: 33) tava muito com tal platéia: "Na Bahia, os ranchos fazem
e em 1908 apresentou suas modinhas, ao v10lao, no Instituto cerimônias na Praça do Palácio em cumprimento ao governa-
Nacional de Música, que era dirigido pelo maestro Alberto dor" (entrevista ao jornalista Vagalume, realizada em 1931,
Nepomuceno. Em 1914 Catulo canto~ n? Palácio ~o Catet~, ci~ada em Cabral, 1974: 15). Por que fingi r que essa interação
então residência do presidente da Republica, a convite de Nau eh!e ( cultura popular não acontecia? Por que dizer que nossos
de Teffé, mulher do presidente Hermes da Fonseca . musicas populares eram simplesmente reprimidos ou despre-
Em entrevista a Carlos Maul, Nair de Teffé fez os seguintes zados pela elite brasileira?
comentários sobre seu encontro com Catulo: "No Brasil da-
quela época (...) só se cantava em línguas estrangeiras, prin-
cipalmente em francês, italiano e alemão. Eu mesma só can-
tava nesses idiomas. Devo a Catulo a sugestão de cantar de
preferência na nossa língua." E continua: "Ainda residindo
no Catete resolvi dar uma audição exclusivamente minha com Out~? aparente ~x~ger~ dos ''bem-intencionados" defensores
canções e poetas e compositores nossos. De entre estes desta- das ~01sas b:as1_le1ras , mais ou menos contemporâneos da
quei Chiquinha Gonzaga" (Maul, s/d2: 69). Dona Nair exa- bell~ epoque, e dizer que o violão desaparecera dos salões
gera ao dizer que no Brasil "só se cantava" em língua estran- cariocas pa~a ~ar lugar quase exclusivo ao piano, que acom-
geira, talvez para se apresentar à história como pioneira. panhav~ prm:1palmente árias de óperas italianas. Essa argu-
Como vimos, em muitos salões importantes do Rio de Janeiro mentaçao esta presente em, por exemplo, O triste fim de Poli-
daquela época se valorizavam, e muito, os cantares nacionais. carpo Q~a'.esma_, r~n:iance de Lima Barreto, publicado em 1915
A trag1ca h1stona de Policarpo co , .
Nair de Teffé certamente foi corajosa ao cantar ritmos intitulado "A li ão d . 1_ ,, meça :?m um capitulo
nacionais para convidados do Palácio do Catete. Rui Barbosa, ma·o p . ç e _v10 ao . Nele, o hero1 do romance o
o mesmo que chorou quando ouviu Catulo da Paixão Cearen- ''h_J / . odhcarpo, de~ms de adquirir "certeza", consultando
is ona ores, cronistas e filósofos" de que " d"nh
se em casa, não perdeu a oportunidade de, nos jornais, con- acompanhada pelo violão" seria "a , - , ~ mo l a
denar a ousadia de seus inimigos políticos: "nas recepções característica da alma nacion l" (B expressao poetico-musical
presidenciais o Corta-Jaca é executado com todas as honras de aulas daquele instrument a arreto, s/ d : 16), resolve ter
música de Wagner e não se quer que a consciência deste país dos Outros. o com o trovador Ricardo Coração
se revolte, que as nossas se enrubesçam e que a mocidade se Sua decisão não é aprovada . .
ria" (citad o em Efegê, vol. 2: 128). Nossas opiniões e esses cariocas, que exclamam· ''U h pe1os v1z1nhos suburbanos
· m ornem t- ' ·
exageros devem ser contextualizados para não serem toma- tais malandragens!"; ''Um v· 1_ ªº-
seno metido em
10 ao em casa tao respeitável!" O
-IH () MlSTÊRll ) IX ) SA MBA ELITE IIIV\Sl l.EIIV\ E MÚSICA l'(ll'Ul.i\l(

ma jn r "l'slava perd id o , m aluco, di zi;im" . A de fes a d e Po licar- An tes d e se a p resenta r no Ca_te lc, Catulo da Pa ixão (ca-
p o cm nacionalista : " (: preconceito su por-se que to~o o ho- se -á la nça ra seus g ra nd es /11/s no rd estinos, escritos em
m e m qur toca viol~o é um d esclassi ficad o . A mo~m ha é a re n 1 . • J _ JJ b
arce ria com o v10 10111s ta oao e rna rn uco, como a toada
ma is gen u ína cxprcssiio d a poesié1 nacio nal e o v1? lão é o ~nbocln di Caxnngá (191 2) e _o co co (Atnr do ~ertão (1 913). O
ins tru men to q ue e la pede ." E pa rn a defesa d a m odinha cita ronista Lu ís Edmundo, no li vro O Rio de /ane1ro de meu Jempo,
fd tos h istó ricos e a utores estrangeiros: " Nós é q ue te rnos ~logia Ca tulo por rea bil i_tar "a can~ão p_a trícia e p_opular, vili -
11
aba ndonad o o gênero, mas ele já es teve e m honra, em Lisboa, pendiad a pe lo preconceito desnac1on al1 zad or (citad o em Ti-
no século pass11do, com o Pad re Ca ldas, q ue te ve _u m audi tó: io nhorão, 1986: 34).
dl.' fida lgas Beckford , u m ing lês no tável, mwto o e logia " Esse tom nacion alista n ão nos d eve e nganar: a e ntrada em
(Ba rre to, s/d : 12). cena d os exóticos ritmos nacionais não s ignificou necessa ria-
O problem;i é saber q uem é esse "nós" que abandono u a me n te u rna co nde nação d as voga s es trangeiras . Devemos
mod in ha. Na seqüência do rom ance, alg umas passagens ser- considerar o su cesso "sertanejo" com o um d ado a mais na
vem pa ra rela tiviza r a impressão d e que o violão e a m odinha variedad e musica l da é poca . Os vários ritmos eu ropeus e
(e toda a cultura popular nacional) tivessem caído e m d esg ra- norte-americanos não de ixa ram os salões pa ra da r luga r a
ça no Rio de Janeiro daq uela época . O p róprio Ricardo Co ra- catere tês e cocos . Pelo co ntrári o: no carnaval de 1900 os gran-
ção d os Outros nos é apresentad o com o "u m a rtis ta a freqüen- des sucessos fora m "O galo prelo, polca d e Artur Canongia;
tar e a honra r as melho res famílias do Méier, Piedade e Ria- As priminhas dn Marocas, p olca-habane ra d e J. S. Avellor; O
chuclo fbairros d o subúrbio do Rio de Ja neiro]" e "sua fama senhor padre vigário, polca -lun du d e José Soares Barbosa; Se eu
já chegava a São Cristóvão e em breve (ele o espera va) Bota- pedir você me dá ?, polca -chu la d e Avellor" e figuravam no
fogo [o bairro privilegia do pela elite d aq uela ép oca] convidá- repertório d a folia " valsas, quadrilh as, xotes (schotlische), m a-
lo-ia, pois os jornais já fa lavam no seu n ome e discutiam o zurcas e haba neras" (Alen ca r, 1980: 144). Essa diversidade
alcance de sua obra e de sua poé tica" (Barreto, s/d : 16). internaciona l da música p opula r ca rna valesca continuo u a
N uma festa na casa do general Albernaz, vizinho de Poli- imperar por d écad as a té o sa mba se consolidar com o o ri tmo
carpo, as apresentações musicais m os tram um gr ande apreço do carnaval "p or excelê n cia" . Aliás, o repe r tório do carnaval
de jovens e velhos pelas "coisas brasileiras", ta nto q ue a até os anos 40 foi ficand o cada vez m ais eclético, incluindo
"ro111n11zn italia na" can tada ao p iano pela "famosa filha de não só os ritmos "sertan ejos" nacio nais m as ta m bé m as novi-
dades d o pop norte-americano, como o jazz e o cha rles ton .
Lemos" (que já ia se form ar no conservatório) fo i recebida
Tanto que "e m 1916 o m a ior sucesso d o ca rna va l ca rioca fo i
com frieza, ao passo q ue o violão e as m odinhas de Ricardo
o one-step Caraboo, do jama icano Sam Marshall, disfa rçado
Coração dos O utros foram " um triunfo". Ap esar d e tod a a
de marchinha b rasile ira" (Tinho rão, 1986: 86). O interesse pe lo
ironia d e Lima Barreto, p od em os notar a descrição d e uma
nacional andava d e m ãos dadas com o inte resse pelos últimos
sociedade con trad itória que, "da boca para fora ", parecia con-
mod ismos internacionais . E p rodutos m usicais d a mistura dos
denar a cultura popular carioca, mas que aplaudia essa m es-
dois interesses não e ra m exatam ente novidade no Brasil.
ma cultura em sua vid a cotidian a. O u uma sociedade h e te ro- O lundu, por exemp lo, e ra d erivad o d os ritmos dos batu-
génea, em que a cond enação do brasile iro con vivia com o ques dos escra vos a fricanos m as s ua coreog rafia "imitava e m
aplauso a esse mesmo brasileiro, dep endendo da situação, da grande parte a d a dan ça espanhola denominada fa ndango"
festa ou do grupo social que estava sendo freq üentado. De (Tinhorão, 1986: 51) . Por vo lta d e 1844, com a in vasão da polca
alguma fo~ma, a trajetória de Ricardo Coração dos O utros no Brasil (trazida por ar tis tas de compa nhias de tea tro fra n -
lem~ra muito a de Ca tulo d a Pai xão Cearense. Só q ue Ca tulo cesas), s urg iu a fusão p o lca-lund u . Os p rimeiros sin ais do
realizou o sonho de Ricardo: conquistar Botafogo. m axixe, ta mbé m cha m a d o de ta ngo, pod em ser encon trados
- ELITE BRASILEIR A E M ÚSIC/\ POPULAR
51
O MISTÉRIO DO SA MBA
50
, . dos gru pos de choro cario cas . Tia Cia ta, n a Praça O nze, um d os berços da cul tu ra ~a mbista).
870 no repe rton o . d d 1 .
década de 1 - nacion aliza a a po ca un- Entre seus a m igos, u m dos m~is q uer i~os,~ra o ~scn tor Afon~
na tou a versao d .
0 maxixe "represen
E
.
p a" (Tinhorao,
_ 198 6: 58) e acabou, epois d e
,, d 50
Arinos, a que m fez o seguinte e logio : Este imor t~l, q ue e
portada da uro ·1 . sen do reexportado com o a ança deveras im o rtal pelas ob ras que escrev~u sobre. a v ida ~ os
conquistar a elite brasi eira, fa zendo grande sucesso sobre- tumes sertanejos, foi u m d e m e u s maiores amigos . A rmas
" para a Eu ropa, d , · 0
do momento •d ade cu ltural d o mun o a rtís tico cf ~ m adorad o r d e tudo qua nto é b rasileiro . A naturez a o
· A heterogenei 01 u · d
tudo em Pans. , - acontecim e n tos com o es te: e m enfeitiçava . Parecia que o seu sangue era a seiva e nosso
, a tornou passivei 5 nh 1 p R
dessa epoc T t . or tintim a atriz espa o a epa u iz pau-bra sil" (citado e m Maul, s/ d2: 44).
171
1892, na peça . ~m { 18 . na ca~tando u m ' tango ' in titulado Donga também teve pala vras carinh~sas para se lem b ra r
aparece "ves~da _e ª 86 . ? l) o tango e ra n a verdade um d Afonso Arinos, ao falar - e m d e p oim ento anotado por
- ,,, (Tmhorao 19 · · .
Mzmguza , . 'ai ter influência decisiv a na invenção d o s~a filha Lygia dos Santos - sobre a "re pública " o n de mo~a-
maxixe, musica que v
va, com Pixin guinha e Heitor _dos Pr_a ~e~es, na Rua d~ R1a-
samba ·b n temen te os gru p os m usicais· · n ao
- se esp ecia- · chuelo, Centro d o Rio d e Janeiro, n o m icio dos anos 10 .
Até em rece .
. ·t·m o único . As orqu estras que toca vam a o vivo
Jizavam num n b Embora sendo um antigo pardieiro ( .. .) nos sentíamos
,d 10
. N ci·on al até os anos 50 execu tavam sam as ao lado bem instalados e achamos boa a nova residência._ ~ o
na Ra ª d f· l d '
de mambos ou b oleros . Os grupos de choro ~ m a o seculo local éramos visitados por gente como Catulo da Paixao
XIX também tocavam valsas ao lado _d : ~axixes . 1:,s band as Cear~nse, Olegário Mariano, Bastos Tigre, He~mes Fon-
que animavam O carnaval carioca d o ~cio deste seculo toca- tes, Medeiros de Albuquerque, Edmundo fü ttencourt,
vam marcha, fox, maxixe, toada sertaneia . Em 1912, o s~cesso Emilio de Menezes, Gutemberg Cruz e o grande Dr.
d toada Cabocla di Caxangá foi tão gra nde que motivou a Afonso Arinos de Mello Franco, presidente na época da
firmação, no carnaval d e 1913, do Grupo do C~xangá . Se_us Academia Brasileira de Letras. Ele nos ap reciava tanto
integrantes desfilaram pelas ruas do Centro·do _R io de Jan ~iro que sempre nos convidava para a udições em sua resi-
dência, na Praia de Botafogo, e na sua fazend a, no Tom-
com fantasias inspiradas n o bando do cangaceiro n ordestino badouro, onde Catulo compôs a canção sertaneja O capim
Antônio Silvino e tocando um repertór io b astante eclético. mais mimoso o veado comeu (citado em Cabral, 1978: 27-8).
Desse gru po faziam parte João Pernambuco , Donga e P ixin-
guinha, entre vários outros n o mes já ilustres n a época . O Essa interação com músicos p op ulare s (no caso de Pixingui-
Grupo do Caxangá está na origem d o su cesso d e o utro grupo nha e Donga, m uito antes d e eles se tornare m conhecidos
de Donga e Pixinguinha, o Oito Batutas, que conquistou o Rio como integra ntes do O ito Ba tutas) é um aspecto pouco explo-
de Janeiro apresen tando-se n a sala de esp e ra d o Cin e Palais, rado da biografia d e Afonso Arinos. O s textos es critos sobre
na Cinelând ia, no final dos anos 10. Essa história s erá contada sua vida, a b iografia clássica d e Tristão d e Athay d e (A th ayde,
com detalhes no capítulo dedicado ao nascim ento do samb a . 1922), a bio grafia de Afon so Oliveira Mello (M ello, 1961) e a
introd ução d e seu sobrinho Afonso Arinos de Mello Franco
às suas Obras completas (Fra n co, 1969), n e m se refere m a esses
seus interesses. M as as re lações "musicais" de Afonso Arinos
o colocam como uma espécie d e precursor d e uma atitude
(esquizofrên ica, dirão alguns) d os intelectua is m o d e rnistas
Catulo da Paixão Cearense era um ar tista muito bem relacio- brasileiros (incluindo aq ui principalmente o " modernismo"
nado. Amigo de políticos, escritores, m ilionários, também d e G ilb e rto Freyre), divid idos entre o cosm o p o litismo e o
mantinha contato com m úsicos m en os famoso s os futuros interesse pelas "cois as brasileiras " . Essas duas vertentes não
inventores d o samba (tanto que era freqüentado; da casa de
, 52
O MISTÉRIO DO SAM BA ELIT E BRAS ILEIRA E M ÚSICA PO P ULAR 53

. ser necessaria mente conciliadas. Um intelec tual d e Paracatu. Em Paris e ra amigo d o con de d'Eu , da p ri n ces a
prensam -
como Afonso Arinos pode ser pensado m e l~1or, n ao como urn Isabe l, do príncipe D . Luís . No Rio, de Machado de Assis,
conciliador ou criador de sínteses culturais, mas como urn Olavo Bilac, Coelho Neto, além de freqüe ntar as rodas mus i-
me d 1·ador no sentido de colocar em contato mundos
, .
culturais cais de Catulo, Donga e Pixinguinha . Em Paracatu, passav a
bem diversos ou, pelo menos, de transitar por vanos mundos, noites acampado com vaqueiros.
deixando suas marcas em cada um deles, nem que fosse a Tristão de Athayde a nalisa a vida e a literatura d e Afonso
marca de tomá-los expostos ao que vem "de fora ". Qual outra Arinos como produto de uma "tendência con tradi tória" ou
seria sua intenção ao encenar, durante a Primeira Guerra sob a ação de uma "polaridade d ivergente" que é o conflito
Mundial, um bumba-meu-boi no Teatro Municipal de São entre "cosmo" e "regio" (Athayde, 1922: 46). Esse seria um
Paulo (Carvalho, 1972: 733) ou ao preparar, como surpresa drama não só de Afonso Arinos, mas de toda a nacionalidade
para os elegantes con vidados do baile de encerramento de brasileira, "que é geralmente o de todas as nacionalidades
uma série de conferên cias sobre 'lendas e tradições brasilei- recentes" (Athayde, 1922: 44-5). Tris tão chega a recorrer à
terminologia d e Freud para falar d os reflexos desse grande
ras ", realizado em seu palacete paulistano, uma apresentação
drama nacional na vida de indivíduos como Afonso Arinos:
de cateretê feita por "autênticos" caboclos paulistas (Sev cen- é a luta de duas libidos: "a concupiscência do g rande m u ndo
ko, 1992: 239)? e a concupiscência da pequena pátria " (Athayde, 1922: 49).
Afonso Arinos nasceu em Paracatu, Minas Gerais, em 1868. Daí a vida "assim itinerante" : "Arinos viveu no estrangei-
Era filh o d o senador Virgílio de Mello Franco. Com nove anos ro, ou melhor, em viagem, porque sentia em sua fibra essa
de idade, m udou -se para Vila Boa d o Anhangüera, então paixão do des co nhecido" (A thayde, 1922: 30-1) . Dai também
capital de Goiás . De lá só saiu em 1881, para São João del Rey, uma atitude literária que "procurava fugir a um regionalismo
depois para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo, onde estreito q u e leva às secessões, e aos preconceitos" (Athayde,
cursou a Faculdade de Direito na mesma turma de Paulo 1922: 35). As mesmas preocupações de Gilberto Freyre, outro
Prado, futuro autor de Retrato do Brasil e milionário que vai regionalis ta cosmopolita, como veremos mais adiante. O -pró-
financiar m uitas das atividades dos modernistas no Brasil, prio Freyre reconheceu essas semelhanças em artigo publica-
incluindo as viagens de Blaise Cendrars ao Rio de Janeiro, São do no Diário de Pernambuco em 5 / 10/1924:
Paulo e M inas Gerais . Os amigos de Afonso Arinos ficavam De modo que Arinos não foi na vida carta definitivamen-
impressionados, segundo Tristão de Athayde, com s uas "ma- te extraviada ou espetada num "placard" de correios com
neiras fidalgas" . Seu sobrinho Afonso Arinos de Mello Franco um endereço que já não existisse: o nome de pessoa
diz que ele era "elegante e gastador ", além de ser um notório morta ou de cidade desaparecida. Arinos não foi isso: foi
carta sempre a ir e vir. Sempre a voltar ao remetente para
monarquista contra a recém-proclamada República .
que este avivasse um endereço palidamente escrito a
De volta a São João Del Rey, depois de formado, Afonso lápis. E o remetente era aquela "pequena pátria" que o
Arinos começou a escrev er os contos que seriam reunidos no prendia sem o satisfazer de todo.
livro Pelo sertão, marco inicial do regionalis m o literá rio brasi-
leiro. Seus temas eram barqueiros, chapadões, buritis, descre- E se pergunta:
vendo, numa tentativa de manter-se fiel à linguagem local, Mas não será carta ou telegrama com endereço errado
uma região do Brasil que também seria explorada na literatura toda a arte e pura vocação num Brasil como o de hoje
de Guimarães Rosa . ( ...)? (Freyre, 1979, vol Il: 79).
Depois dessa época e m São João Del Rey, sua v ida se
tra~sformou numa viagem constante e ntre o Rio de Janeiro, Afonso Arinos tentou pensar todas essas contradições entre
Pans , São Paulo, Belo H o rizonte e o cerrado das redondezas " regio" e " cosmo", estrangeiro e nativo, nobre e rústico, mo-
r 54
O M J5TÊR10 DO 5/\MBA

. ência da tradição, num pequeno


vimento da viagem ~ per man do em 1900 e intitulado justa-
. queo d o 1ança . .
livro, quase_ es , '. É com comentános sobre esse h vro
mente A unidade da ~a~rza. api' tulo iniciando uma d iscussão
b · prox1mo c , 3
que vou ª nr 0 d ·dade e da diversidade na sociedade
b problema a um
so r~ ~ bl que tem sido abordado, desde os anos A UNIDADE DA PÁTRIA
brasileira, p ro ema .
30, com a opção pela urudade .

Embora classificado como escritor regionalista, Afonso Ari-


nos (como mais tarde Gilberto Freyre) não pregava uma re-
gionalização radical do (no) Brasil. Seu livro A unidade da pátria
foi escrito para exorcizar esse fantasma . Lá está dito muito
claramente: "o Brasil está de tal modo regionalizado que, para
as províncias não ficarem absolutamente estranhas umas às
outras, é preciso um grande esforço no sentido de fortificar-se
a unidade moral da Pátria" (Arinos, 1969: 887) . Seu interesse
pelas "coisas brasileiras" e pela cultura do povo estava ligado
a essa preocupação com a unidade. E entre as "coisas brasi-
leiras" a música popular ocupav a um lugar especial:
Nesse grande esforço anônimo e por assim dizer subter-
râneo, tal o dos lençóis d 'água na formação dos ribeiros,
forma-se a trama popular da nossa nacionaliàade, com
suas lendas e tradiçôes comuns, voando de Sul a Norte
e de Norte a Sul nas asas irisadas da canção popular
(Arinos, 1969: 891 ).

Arinos, como todo itinerante, não valorizava o enraizamento


e o fechamento de comunidades brasileiras em suas tradições
regionais. Admirava a mistura dessas tradições que, em seu
trabalho "anônimo" e "subterrâneo", vai inventando a unida-
de brasileira . Por isso elogiava o baiano que trabalha nos
cafezais de São Paulo e toca caxambu, o cearense que povoa
a Floresta Amazônica, o boiadeiro e o barqueiro que percor-
rem incessantemente o território brasileiro. É ao povo e não

55
O MISTÉRIO DO SAMBA
56 A UNIDADE DA PÁTRIA 57

os O pouco que temos de unidade: "o povo


.
à elite que d evem d d de indolente" e relativamente supe- e las ignoravam reciprocamente a existência uma das ou-
["injustamente ~dpod a , o classes elevadas" ) fa z o que pode e tras . Não havia no Brasil um centro comum: era um
· " em morah a e asr mais " (Arinos, 1969: 891 - 2) . Por isso
nor
círculo ime n so, no qual os raios iam convergir bem longe
- se deve espera . , da c irc unfe rê ncia (citado e m C arvalho, 1975: 267-8).
d e 1e nao _ da num monarqmsta que e contra a
egaçao espera .
sua pr _ "c~ iada dos EUA"), de uma ahança entre o povo Daí, do que Raimundo Faoro chama de "dilaceram ento cen-
federl~çta·o"~ss! dever de aliança para a ação .compete tanto trífugo das capitanias" - que formou depois da Indepen-
e a . e .1 e . , ainda man t em
, a dência uma " dispersa , desarticulada e fluida nação" (Faoro,
mais a c1asse cu lta , quanto , ate agora, quem.
união brasileira não são os homens superiores, mas o povo" 1973: 279) - , a dificuldade de muitos intérpretes do Brasil ao
tentar entender as razões que tornaram possível nossa unida-
(Arinos, 1969: 889).
de territorial, política e, de certa maneira, cultural, quando o
mesmo não aconteceu no caso da América Espanhola .

o problema da unidade da pátria não afligia apena_s _Afonso


Arinos . Esse foi um dos mais graves problemas pohhcos das
"terras brasileiras", desde seus tempos coloniais, e recebeu No período imediatamente anterior à proclamação da inde-
respostas e propostas de solução divergentes dur~mte_ toda a pendência, a vinda da corte do futuro dom João VI p ara o Rio
nossa história, alternando momentos de centrahzaçao com de Janeiro teve conseqüências n itidamente centralizadoras no
outros de descentralização política, e apresentando mesmo disperso território colonial, talvez até contra as intenções da
combinações estranhas das duas tendências antagônicas. Po- família real portuguesa. Com a revolução liberal do Porto, a s
demos mesmo interpretar a transformação do samba em mú- Cortes de Lisboa, em luta contra dom João VI, retomaram a
sica nacional (e a de uma determinada cultura popular em política descentralizadora e a busca da fragmentação do então
cultura nacional) como uma dessas respostas no plano cultural. Vice-Reino do Brasil, visando fortalecer as províncias contra
Não cabe aqui detalhar a história das várias versões desse o Rio de Janeiro. Parte da elite regional brasileira apoiou as
projeto de unidade e das reações de seus "descontentes". Mas medidas das Cortes (mesmo sem apoiar a tomada de poder
é importante recapitular alguns de seus momentos principais por elas), tentando lutar contra a burocracia do monarca por-
para tentar entender o debate sobre o que vem a ser essa tuguês instalado em terras cariocas .
unidade e como ela serve de pano de fundo ideológico para A independência do Brasil, em 1822, não teve um projeto
a Revolução de 1930 e o período histórico de consolidação do claro de unificação nacional. Mesmo as rebeliões anticolonjais
samba como stmbolo nacional. Assumo desde já as críticas de (muitas delas com forte caráter regionalista) e o m ovimento
"uso e abuso da história ". Vou sobrevoar vários séculos de político que desembocou na independência não nasceram de
uma problemática riquíssima para tudo terminar, como se preocupações nacionalistas, como mostra Emília Viotti da
espera, em samba.
Co~ta em seu livro The Brazilian Empire . Por exemplo: os
José Murilo de Carvalho, em sua tese Elite and State-buil-
articuladores da Conspiração d e 1792 n o Rio de Janeiro a ca-
di?g _in Imperial Brazil, cita uma descrição do viajante Saint-
Hilaire sobre o Brasil colonial: lentavam a esperança de que os franceses revolucionários
conquistassem sua cidade. José Murilo de Carvalho também
Cada capitania tinh lem~ra que "os movimentos d e independência das províncias
. a seu pequeno tesouro elas se comu-
rucava.m difi 'lm . ' no final de século XVIII e início d o século XIX todos tiveram
ci ente entre s1, freqüentemente mesmo
A UNIDADE DA PÁTRIA 59
l' \l1 l)l) 5 ,\ 1,1111\
1 ) :,_ \ t::- l L '
.., avan,~ muito com. a
P com suas pregações contra a formaçã o de colônias de imigran-
c;e- preocu ,ais conclusivo
l r • nas e n;i 0 - 1 p lo n tes europeus no Sul do país justamente pelo perigo que acar-
lc'nd -:-n.:1as ~pu' \L a \Q7'í: :.i.69). Un1 exen , o ú ltimo m omento
retariam à unidade nacional. Euclides da Cunha também fa-
\\l\ld,,d c , (Car,·all_ , o._ . - ue relutaram ate ·eto visav a m anter
~ da"- d ites t-r:1sile1ra~ q d , ncia: seu pro) . d Costa afirma lava de um país dividido, carente de unidade . E Alberto
ee - a indepen " T Viottl ª . . Torres considerava um dos nossos maiores problemas "a falta
em pr0clan,ar p rtugal . Em1 ia - o nacional e mspi-
lo com O - · tegraça de unidade nacional", sublinhando a "invenção" de toda tra-
al gum vincu . - ue levaram a in tavam faltando no
~ ,. nd1çoes q E rapa es _ dição ao dizer que o país " teria que criar artificialmente sua
ll ue asco . 1·stas na u
·d ,. s nao ona 1 quenc1a , " a manutençao
.. A •

própria nacionalidade" (citado em Lauerhass Jr., 1986: 44).


raram , eia 1985 9). Como canse ·s d a independência,
y (Coc;ta , ·1 depo1 Entre as recomendações de Alberto Torres para sanar esse
Bras1 -_ , nacional do Bras1 f rte ideologia naciona-
problema brasileiro estava a criação de um Poder Coordena-
da ~nteg_raçpa~de ser atrib uída a uma nºte reconheciam que a
entao, nao . ·mplesme . dor, que "designaria delegados para Estados, municípios e
. lites brasileiras si . d endência era evitar a distritos", aumentando o controle central; além, é claro, da
lista; as e r ar a in ep l
, . maneira de assegu t so' depois de forma mente mudança do nome do país de Estados Unidos para República
unica 9) Portan o, ·
são" (Costa, 1985 : · . ou a inventar um projeto Federativa .
seces , e Brasil começ
;ndependente e qu O . Na prática política republicana, o embate entre tendências
.... , · ' pno ·
U nificador para si pro p dro
·
I teve u
m forte caráter centraliza-
. . centralizadoras e descentralizadoras, e suas eventuais simbio-
o goYern o de icaçao.D · _e
ao trono,
em 1831, já foi mterpretada
. _ ,, (F ses, criou situações ainda mais confusas . O federalismo, mui-
dor mas sua a bd ,, alogro da centrahzaçao ao- tas vezes de inspiração norte-americana, foi usado em vários
' . d F oro como o m ,
por Rai.mun ° oªpen,ado d R gência trouxe a tona correntes
a e momentos como garantia de democracia contra intervenções
ro, 1973: 31. 6) .
•A •

eralmente inspiradas nas expenenoas centralizadoras de candidatos a ditadores . Foi essa argumen-
descentralizad oras, g F .. , por exemplo promulgou tação, em defesa da democracia federativa, que Rui Barbosa
U111·d Oregente e110, '
dos Estados os. . autonomia das províncias. Po- utilizou para combater o "jacobinismo" de um Floriano Pei-
. · cen tivavam a ,
medidas que 10 li ·ras nov idades, "o s1mbolo da xoto, por exemplo. No entanto a descentralização, que pode-
0 com essas gei .
rém , mesm - { tinuou a ser v isto1como o mais ria ser democratizante, acabava servindo aos interesses do
coroa, e não o da n~d:~,e ~º;vitar a desintegração terr~torial" poder oligárquico, incentivador de qualquer manobra política
apto a manter a un e símbolo mesmo incentivando que aumentasse seu controle regionalizado sobre o país.
(~~uerhasso{~~~~~?,:Jii~~:rio, perma~eceu a principal_fonte Boris Fausto afirma que, "do ponto de vista econômico, a
~e :~~:~rdade política e d e unidade para o Brasil no remado integração nacional era frágil no Império e permanece frágil
na República" (Fausto, 1975: 232) . As atividades dos setores
de D. Pedro II . , . , b l agrários das várias regiões brasileiras estavam voltadas para
C om a chegada da República, foi necessano d
que o sim o o
l · timidade aos o mercado externo e mostravam pouca coordenação nacional.
d a nação substituísse o da coroa para ar egi
Os vários estados tinham assegurado, pela Constituição de
no vos governantes . A unidade só poderia ser alcançada qufan- 1891, o direito de contrair empréstimos no exterior, sem me-
b ilid d " trans or-
do fosse compreendida a essenaa da ras
" A •
e ' h
, . cas naa . ona1·1st as . L u dwig Lauer ass
ª diação de nenhuma instituição financeira centralizada nacio-
mada em corren tes pohh _ nalmente .
. . _ • 1· t em atuaçao
Jr. identifica uma p n meira geraçao naciona ~s a, . rela- O predomínio da oligarquia cafeeira e dos estados de São
de 1880 a 1914, formada por "um círculo de mtelectuais ati· Paulo e Minas Gerais impedia a forma ção de partidos repre-
hvamente p equeno" q ue não tinha contato _di~eto com ª (cu· sentativos de correntes nacionais d e opinião, que também não
vidade política. Dessa geração fazia parte Silv10 Romer? ) existiam . Além disso, e já introduzindo o debate sobre raça e
1O
jas principais idéias vão ser dis cutidas no próximo capitu '

IIL._
t\ UNIDADE DA PA TRIA 61

. _._ redonúniº da economia do café não


:::uie:e..~?0 co
:r&-·as rre:a-en .,

~ em ma reria àe mão-de-obra. Como
.
r5-..x: ~ . - ..1 ::e . .it Br11s:l rr.o:unw:
ciz C\:..cnD ~-u em .• wc--,
. ,- - , ~ e de trabalho e:scra,·o e a Pro-
Co::; " ,L."111:) r :zt) U.0 ,~:o--· ta} ' - d
, _-" -:~,.,-:I:-:!:.:a. 0 fJOder ~--ta
passa as maos a Toda a mo,·imentação politica e cultural posterior à Revo-
3 C ~ a._ -~ '""'"' :5 se acb,n-a aoo:ada no colonato lução de 1930 parece indubitavelmente centralizadora, unifi-
~.,_:"c..";.r; a..'éfic"a. ':- - - - : • , .
. _~,__:~ _ ,res etL-o:JioF...:.5- Para essa o l i ~ o rndio, o cadora, nacionalizante e homogeneizadora Oevando-se em
llc -~-"T = . .onal e,Cilll colocados em
G?=-::-0 e ~ o ~,n> naa - - . consideração toda a complexidade de cada uma dessas ten-
v · ..b-,n \":, ';0.-iz.2Yê-5e O mug:ra,"'lte (lanni. 1992.: dências). Por isso, e por outros motivos que serão apresen-
3q;:-ic::i.O f-1=-- -
:3l. tados nos próximos capítulos, não é possível concordar
~ _ ·hr;:a c:65€ c.5:2tlo de coisas, e o fim da hegemonia totalmente com interpretações como a de Carlos Guilherme
-~-~i.:-::_: -,,-,-.o.:.., '6o OJ:n as u:ci,-indicações de , ·ários gru- :\lotta de que:
~-c-~. ~ ' "- ~
- . ; . ~ •l;,.; 05 dz 5XL7.0miz rueeira,, (Fausto, 19 / :>: 2J9), (.-) obras como C.asa-granàe e senzala, produzida por um
p:15=·~·--------
r_ _ , ~ :-in,:mEt':í: Je2'5 "~cções burguesas não ,in-
_ ...:~ filho da República Velha, indicam os esforços de com-
.u,,__ . . ---J;,;: - . !. - 1.:- -r ll

~ 8 Ú532S ILC?iiias e o setor militar tenentista"


- - ~ ~ - c,,- --;: preensão da realidade brasileira realizados por uma elite
~-~-~~
I
]: ~ ~ -,
~ .:.,ci.
, _.,, --· _-=-ü ,, ..,.....1ri.ese.=i:1ocaram na formaça-o da Alian-
'UI;.
aristocratizante que já vinha perdendo poder. À perda
de força social e política corresponde uma revisão, a
- ~-;:; · .,,.,...-~ê::üo :-e5:Xl:isávcl oela asrensão do gaúcho
busca do tempo perdido. Uma volta às raízes (Motta,
~ ,;;~~~- i GTE::1€::cia {ia ~ública em 1930. E.ss2 1980: 58).
;icid.. _ ~ : : . E & _lfo, ii:Ç2 Libe:rcd, inclusive regional (com
2x.:-iOG e::::e ·:...:b 2:n,,..-::s de ,á:r:os estados, como Rio Grande O livro de Gilberto Fre)Te poderia ser visto, com maior per-
::.o ~ e ?a.~- q-t.1r, :1ã.o p:1..rticipavam na economia cafeei- tinência, como um projeto em sintonia com esses novos tem-
::-2:."), ~ 2 :-3JESÉ~'J'rio de p.:-'rcfpios organizadores nacio- pos revolucionários de 1930, onde "cosmo" tinha maior im-
...,ª'-- ~~ s.,,~ :e:f.as Sl:aS estv~égias políticas. ~unca a "urú- portáncia que " regio". Além disso, o regionalismo de Casa-
~1:=· . F ~ a. ;._ •~ ,,-ç-= ~ :-ião tinha '1drologia própria grande e senzala é tão nacionalizante quanto aquele expresso
::.::, i;:,-.n ·r::rio::-..:al" fi...aUE.-haas Jr., 1986: 95), foi tão necessária por Afonso Arinos. E não se trata de uma volta às raízes, mas
T:ü. o : - ~ ~ ::Jr="i!éro. da própria criação dessas raízes.
O ~ ;,;,{if<;T>:o ,·o?rou a ser utilizado como arma contra a Outra interpretação interessante é a de Lúcia Lippi de
~a~~ i . : ~"' oe!o Pa.,- tido Democrata de São Paulo. Oliveira, para quem "o governo autoritário [pós-1930, mas
e cs ;..,~~
:-:- -=u:c:uu-.,, de - ·- a,,.-i ' ~- ~- . .
7 .:N s-..._oca.ram essas u ::n uenaas regiona- principalmente o do Estado Novo] passa a assegurar de tal
:.-;zs ~ _'.iiõ;_~.:iras até mes:r.i..o com a queima d.as bande:iraS forma a centralização, que as manifestações regionais não
~ r.·ar,os es:.tios, em vár..as OCTS'.DeS. É nesse ambiente que ameaçam o todo" (Oliveira, 1990: 197). E acrescenta, na mes-
5"..ugE G""ü-,,;pw.dz e 5ffl'Ztl.fu, com sua valora.ação de "nossos" ma página: "Não há, igualmente, a escolha de um dos mode-
::r2.~ mes-::_ços, e se aJ:lSOfu:ia o samba como estilo musical
los regionais para compor a brasilidade." Como vou tentar
.:'.ZCO.zL mostrar, junto a essa segurança do autoritarismo, um novo
modelo da autentiádade naáonal foi fab ricado no Brasil pós-
1930. Não foi escolhido um dos antigos modelos regionais
para simbolizar a nação, mas desses modelos foram retirados
vários elementos (um traje de baiana aqui, uma batida de
samba ali) para compor um todo homogeneizador. Corno
62 O MISTÉRIO DO SAMBA

também será discutido adiante, a cultura popular regio


1
urbana do Rio de Janeiro, por diversos motivos, predomna 1
e
no novo "todo" (afinal, a feijoada "brasileira" é feita com f ~~u
preto "carioca" e não com o feijão "mula tinho" nordest~;;º 4
Mas, antes de entrarmos propriamente nesse deba te é · ).
prescindível saber o que a unidade da pátria tem a v~r im. O MESTIÇO
. f] _ b . con,
a antiga re exao so re a mestiçagem, fenômeno que ta t
-
atençao mereceu dos inventores
. de nossa identidade nacional.na

No final do século XIX, o debate intelectual brasileiro já asso-


cia va a questão da identidade (e da pouca unidade) nacional
ao problema do "atraso" do Brasil, gue era comparado à
Europa, ponto de referência principal para o pensamento
evolucionista dominante na época. A pergunta a ser respon-
dida não escondia um certo derrotismo: por que somos atra-
sados? Para encontrar uma resposta, era preciso descobrir o
que nos faz diferentes dos europeus ou, mais precisamente,
0 que nos faz "piores" que os europeus. Nossa identidade já
estaria contaminada por uma misteriosa "doença", fosse ela
climática ou racial, que nos colocaria em desvantagem diante
do resto do mundo. A identidade devia ser descoberta para
ser curada.
O mestiço acabou se transformando no bode expia tório do
atraso brasileiro. Os intelectuais da virada do século XIX,
pensando dessa maneira, só podiam olhar com desprezo para
as manifestações culturais (como os ritmos negros pré-samba
ou a feijoada) que décadas depois seriam transformadas em
símbolos nacionais e motivo de orgulho e zelo preservacio-
nista para o "povo brasileiro".
Foi Gilberto Freyre quem conseguiu execu tar a fa çanha
teórica de dar caráter positivo ao mestiço. O brasileiro passou
a ser definido como a combinação, mais ou menos harmonio-
sa, mais ou menos conflituosa, de traços africanos, indígenas
e portugueses, de casa-grande e senzala, de sob_ra_dos e ~u~
cambos. A cultura brasileira, mestiçamente definida, nao e

63
O MESTIÇO 65
O MISTÉRIO DO SAMBA
64 · dadosa mente
\ O a ser cUl d. foi submetido o pensamento do conde de Gobineau em "solo
do país mas ª g ecificidade ( iante tropical". Co~o mos_tra_~zvetan Todorov, Gobineau produz
. sa do atraso ' ssa esp .
mais cau . , garantia de no será cada vez mais
ois e a que "uma filosofia da h1stona profundamente pessimista" e a
preservado, P - e do nosso futuro,
crença num "paradoxo trágico que pesa sobre o gênero hu-
das ~utras naçoes) , e ioneiro no tra~,alh~ de
mano". Sabemos que Gobineau condena a mestiçagem racial
mestiço. em esquecer o que h~ d dpe lembrar que Iª existia
Mesmo s deixar d d como agente degenerador dos tipos raciais, que deveriam
Glberto Freyre, não po~ernos 1 dedicada ao estu o esses permanecer puros para não se enfraquecer; mas seu pensa-
i B .1 uma tradição inte_l~ctu~ brasileira", que colocava
no ras1 ,, ·vihzaçao . • , mento não se resume a essa condenação. Daí o "paradoxo
mestiços da ci f lclore e um mtermmavel
aspectos . s sobre o , f. trágico": para se civilizar, uma tribo tem que se misturar com
d a lado as pesqwsa. . (f ·to em institutos geogra 1cos,
1 outras e aí (no caminho para a civilização) está a sua perdição.
a boate sobre os tipos rac1a1s e1escolas de medicina) do país.
de Nenhuma cultura fica a salvo: ou permanece pura e selvagem
dades de d.1re1·to, museus e tese "Homens de sczencrn . ."e
f ac ul f. ma em sua d ou se mistura com outras (se enfraquecendo) para se civilizar.
Lilia Schwarcz a ir ,, ' f. •s do século passa o o Brasil
ue em ma1 , . . Os dois caminhos levam à morte. Gobineau diz: "mistura,
a raça dos homens, q tes intelectuais e na propna imagem
era apontado [em deba aso único e singular de extrema mistura em todos os lugares, sempre mistura, eis a obra mais
aís no exterior] corno um c l992: 7). Além disso, "o cru- clara, mais garantida, mais durável das grandes sociedades e
do P - • l" (Schwarcz, .
rniscigenaçao raoa d·do com efeito, como uma ques- das civilizações poderosas" (citado em Todorov: 1993: 146). E
s era enten i , . d - Todorov resume as conseqüências desse pensamento parado-
zarnento de raça são dos destinos essa naçao"
tão centra1 para a compreennstatação não era fruto d a ap1·1- xal: "Quando uma sociedade é suficientemente forte, tende a
(Schwarcz, 1992: 12)- E~sa co istas européias ao caso brasilei- submeter as outras; mas quando o faz, é ameaçada em sua
• . de teorias rac ·1· S h . identidade e não é mais forte." Isto é: "Toda prova de força é
cação mecanica . , ·t 5 da tese de Li ia e warcz e
maiores men o . - , .
ro. Um d os "as elites locais nao so consum1- uma garantia de fraqueza, todo sucesso, um passo para o
mostrar, em detal~es, como amo a adotaram de forma origi- fracasso" (Todorov, 1993: 150).
ram esse tipo de hte~atra~iavés de um "trabalho de seleção Que dizer então de uma sociedade como a brasileira, que
1
nal" (Schwarcz_, .1992· ), d um "acervo de autores ecletica- nem chegou a ser "forte" e já é tão "misturada"? Deveríamos
de textos" e u~ihzan~o-:f eensamento racial brasileiro, que abandonar qualquer pretensão à civilização? Muitos autores
mente aproveitados ~
O
P descartou O que de certa forma brasileiros não se deixaram abater pelas conclusões pessimis-
"atualizou o que combinava etrução de um argumento racial tas de Gobineau e utilizaram do pensamento do "mestre
ático para a cons d , . ,,
era problem . ) A "originalidade a copia decadentista" francês, do amigo de D. Pedro II, as partes que
992 42
no país" (Schwarcz, 1 . .. •.eia até mesmo uma relativiza- lhes interessavam. Alguns deles conseguiram mesmo trans-
brasileira teve como consequen formar o pessimismo em "otimismo". Foi o caso de Graça
ção do termo raça, que ,. Aranha, em seu romance-"polifônico" / tese Canaã, uma das
um conceito fechado, hs1co obras literárias naturalistas que têm entre seus temas a pro-
(...) antes ~e apar~er com~ um objeto de conhecimento,
blemática racial.
e ~at~al~ ~ entend1d~/~;do constantemente renegocia-
Graça Aranha, ex-acadêmico de direito no Recife, publicou
cu10 s1gnifi~ado t:: nesse contexto histórico especí!i~o,
do e exper~en . d biológicos de analise Canaã em 1901 (um ano depois de A unidade da pátria de
que tanto investiu em mo e1os Afonso Arinos). Seu livro descreve as aventuras e os diálogos
(Schwarcz, 1992: 17). de dois imigrantes alemães, Milkau e Lentz, que resolvem
· l" d · déias européias por recomeçar suas vidas cultivando terras no Espírito Santo.
Um exemplo de "adoção origina as i - ao qual
. • , b lh de reinterpretaça 0
parte dos brasileiros e o tra a o

L
ç.. - O MESTIÇO

\ ,,t,
L) MISTÊR10 00 51\MBi\

. . G Aranha acredi-
da Antropofag ia, com sua estratégia de devoração cultural e
67

.. z, renresenta
e,., r o pess1m1srno que raça• rn Gob 1neau
.
,r1 de Nietzsche. Milkau se parece mais co O d .,l ' 0 seu sonho de uma_Rev~l~ção Caraíba" (Paes, 1992: 98) .
L
\,l\' ,l t: O
, Sum ·
Gobineau otimista, quase franc>scan°• Ia ogo Canaã estava mais prox1mo das idéias de Sílvio Romero
;';,~" a floresta tropical ("aqui o espirita é esmagado _p~\a autor que, por sua vez, também reinterpretava à sua ma neir~
· enda força da natureza") revela bem suas duas visoes algumas d ~s idéias mais queridas de Gobineau . Romero par-
e--tup
· do contrastantes. Lentz diz que a flores ta a t ua l e' um ticipava ativamente dos debates sobre raça e desenvolvimen-
de. rnunlo da vitória do mais forte onde " a b e le za d e cada to nacional tomando posições que, muitas vezes, por sua
exernP
I , tall é preço da morte de muitas · · " • J'a Mºlk
coisas_ 1 au vê arn bigüidade, pareciam distanciar-se das posições eugenis-
' eg~ berãncia
O da floresta urna "constante e incessante per- tas1 defendidas por outros escritores e cientistas brasilei-
na exu " em que "tudo concorre para tu d o " , em que ca d a arvore
, ros nas p olê micas intelectuais do país (para uma descri-
rnu ª
contribui
t
, " -
para todo com uma porçao e amor d " (A ranha, ção detalhada dessas polêmicas, ver Leite, 1976; Ventura,
O
1991; entre outros) .
/ d: ). · · " d as 1'd e1as
,. d e M 1ºlk au são evi-
5 As32conseqüências "raciais Thales de Azevedo afirma q ue, durante o período que tem
tes: •'Um dos erros dos intérpretes da história está n início em meados do século XIX e penetra na década de 1930
en b 'd'' o
dpceconceito aristocrá_tico_ com que conce em a 1 eia d e raça (com Oliveira Viana, Paulo Prado, entre outros), o mestiço
Ninguém, porém, ate hoje soube deh~tr a raça e au,da menos fornecia "elementos para a explicação das fraquezas -e dos
como se distinguem umas das outras. Sua conclusao poderia defeitos de uma sociedade otimista mas um tanto descrente
,rm tom festivo, ser assinada por Gobineauc "As raça; das qualidades de seu próprio povo" (Azevedo, 1962: 74).
civilizam-se
O pela fusão; é no encontro das , raças adiantad as
Sílvio Romero não acreditava mais nas qualidades do povo
com as raças virgens, selvagens, que esta o repouso conse _ brasileiro que um intelectual eugenista; porém, como Milkau
vador , o milagre do rejuvenescimento da civilização" (Ara- r de Graça Aranha, previa para o Brasil um futuro "melhor" do
que a degeneração: o branqueamento.
d: 24).
nha,Ass/conseqüências mais brasileiras dessas idéias afasta A reflexão de Sílvio Romero partia de um ponto simples:
Milkau de Gobineau mas o aproximam de Gilberto Frey,e,: o povo brasileiro é um povo mestiçado: "pouco adianta por
Brasil seria "um conjunto de raças e castas separadas" se nã enquanto discutir se isto é um bem ou um mal; é um fato e
fosse "a forte e imperiosa sensualidade
" dos.conquistadore s?, basta" (Romero, 1972: 435). Essa não seria uma característica
que se encarregou d e formar essa raça intermediária d exclusiva dos brasileiros "porque o fenômeno se deu sempre
mestiços e mulatos, que é o laço, a liga nacional" (Aranh: desde a mais remota antigüidade, porque desde os primór-
s / de129-30). No entanto a aproximação é i\usória, pois Milka; dios os povos se misturaram". No entanto "é nas terras mo-
\ogo revela sua "teoria do branqueamento": "No futuro re- dernamente povoadas que o fato se deixa surpreender mais
moto, a época dos mulatos passará, para voltar a idade dos em flagrante" (Romero, 1972: 436) . Por isso, países como o
novos brancos, vindos da recente invasão:" Segundo José Brasil devem debruçar-se sobre o problema e propor-lhe so-
Paulo Paes, Canaã, enfatizando seu "caráter eminentemente luções próprias.
pré-modernista", reconhecia "a participação das 'raças vir- Roberto Ventura assim resume as idéias de Romero, dife-
gens, selvagens' no processo civilizatório, ainda que lhes atri- renciando-as das de Gobineau:
buísse, dentro dele, um papel dependente e passivo" (Paes,
1992: 93), coisa que não vai acontecer nem com Gilberto Freyre
nem com Oswald de Andrade. Mesmo assim, José Paulo Paes \ Para um resumo das idéias eugenistas, ver Schwarcz, 1992, principal-
mente p . 61-2.
admite que "o utopismo de Canaã não está muito distante do
O M ESTIÇD
69
O MISTÉRlO 00 SAMBA
6S mento parte de crítica apaixonada aos escritores románticos brasileiros in-
Sua teoria da mestiçagem e do b ranquea · tas (e,ostenoa
. • . de cluindo aí sua militância antiindianista . Escritores como 'José
uma combinação de pressupostos •raos · t (lei. d a concor- de Alencar, ao procurar, como os românticos europeus, as
diferenças étnicas inatas) e evolucionis as . raízes nacionais, acabaram transformando o índio em símbolo
rência vital e do predomínio
. • do mais "\ apto). previa
ta entre q°:~
as raças de nossa pureza cultural.3 Segundo Dante Moreira Leite, "o
o elemento
, branco seria
. .d d vitorioso
olun·va que garante seu pre-'
na u indianismo ( ... ) cria uma Idade Média brasileira, 0 que era
devido
domínioa no
supenon a e ev
cruzamento. • ass~,
Preve, , . o total bran_q uea- talvez uma forma de atender às exigências estéticas da época,
mento da população brasileira em tres ou quatro seculos mas também forma de dar conteúdo histórico ao nacionalis-
mo" (Leite, 1976: 173) . Apesar de , como mostra Alfredo Bosi,
(Ventura, 1991: 51).
corno crítico literário, Sílvio Rornero alia essa teoria do bran- essa figura do "índio belo, forte e livre" de Alencar ter sido
modelada "em regime de combinação com a franca apologia
quearnento à visão da rnestiçagern corno ~rn "fator _de dife-
renciação nacional" (Ventura, 1991: 51), d1feren~1aça~ que é do colonizador" (como na submissão de Peri aos encantos da
elemento importantíssimo em seus at_a ques nacio nalistas ao civilização branca - Bosi, 1992: 179), podemos ver no india-
"mimetismo", isto é, a unitação das literaturas estrangeiras. nismo romântico um claro desejo de valorizar determinados
Portanto, ao mesmo tempo em que condena o brasileiro como aspectos de uma "exuberante" vida tropical, que apontariam
um ser inferior, Sílvio Romero pode afirmar que "todo brasi- para a superioridade da civilização tropical com relação à
leiro é um mestiço, quando não no sangue, nas idéias" (citado européia, justamente por estar mais próxima do "natural".
em Leite, 1976: 186). Essa _m~s~ça~em seria nossa única ga- Mesmo Sílvio Romero reconheceu o valor de seu inimigo:
"Mas esse velho e por mim tão maltratado indianismo teve
rantia de criar uma arte nao-1m1tat1va . um grandíssimo alcance: foi uma p alav ra de guerra para
A teoria do branqueamento é compartilhada por outros
intelectuais como Joaquim Nabuco, Afrânio Peixoto e João unir-nos e fazer-nos trabalhar por n ós mesmos nas letras"
Batista de Lacerda 2 • Todavia, as razões pelas quais o mestiço (Romero, 1972: 463) . Daí a proliferação de poemas que cantam
ali é defendido nada têm a ver com o futuro entusiasmo de os céus tropicais, que " têm mais estrelas", e reclamam da
Gilberto Freyre. A cultura mestiça não é valorizada por si frieza das paisagens européias, como nestes versos de Gon-
própria. Ao contrário, é olhada com desconfiança, e só aceita çalves de Magalhães: "regiões tão mortas / para mim sem en-
na falta de algo melhor. Como comentam Cavalcanti et al., cantos e atrativos".
mesmo o campo dos primeiros estudos de folclore realizados O que era desvantagem, viver nos trópicos, começava a ser
transformado em fonte de orgulho, o que se torna explícito
no Brasil (incluindo os de Sílvio Romero) era perpassado pela
em críticos pós-românticos como Araripe Júnior, defensor, já
"idéia da pobreza das tradições populares" (Cavalcanti et al.,
em 1888, de uma idéia de tropicalidade, contrapondo uma
1992: 107). A mestiçagem era a única coisa que o Brasil tinha
Europa decadente ao realismo "quente" brasileiro, valorizan-
de original, embora essa originalidade não significasse neces-
do "o meio tropical e a m istura étnica e cultural" (Ventura:
sariamente vigor ou riqueza. 1991: 19}. Temos aqui, entre os românticos e Araripe Júnior,
Uma das contribuições mais marcantes do pensamento de as raízes de um pensamento que vai desembocar no luso-tro-
Sílvio Romero para as gerações intelectuais posteriores foi sua picalismo de Gilberto Frey re.

2 À memória de quem Gilberto Freyre dedica seu livro Brasis, B_rasil e


Brasília . Nessa dedicatória, J.B. de Lacerda é descrito como "o primeiro 3 Mas mesmo José de Alencar procurou autenticidade e brasilidade em
homem de ciência, não só do Brasil como da América, a sugerir (...) ern o~tras fontes. Em suas palavras: "É nas trovas populares que sente-se mais
19ll (...) a possível contribuição que o Brasil traria para a solução dos viva a ingênua alma de uma nação" (Alencar, 1972: 168) .
problemas de relação entre raças e de civilizações diferentes" (Freyre, s/ d).

..e:::
O M ESTIÇO 71
O M ISTl'J UO DO SJ\MHJ\

7l' teor da busca pela ciplinad o e impreviden~e " i:or defeito de educação" (Leite,
. \mente .O no lugar d a " n ao-
difica ra d 1ca - 1976: 254) . Mesm o os pioneiros d os estud os afro -brasileiros
'\ - Romero m o d O mestiço ,, não escondiam seus p reconceitos racistas. N ina Rodri~es
Si v10. 1.d ade nac1·on a\ co\ocan d ' ooman • t'ico . Dizendo. d que 1o·
au~ent~c .,
L ,

u ado pelo ín 10 r : ), ele vai esqua 1- d izia q ue " a raça negra no Brasil( ...) há d e constituir se~pre
2 469 um dos fa to res d e nossa inferioridade como povo" (citado em
im1taçao ? cb p ·ieiro" (Romero, 197 Alencar d e fazer u ma
. 11ão e ras1 JO sé d e \' gua
1,n. d 10 as p re ten s 0-es de um .1 . ,, por es t a r "h a urida na m .
Leite, 1976 : 21 8). Segundo Oliveir a Vianna, o negro n unca
f 1car _ . . mente bras1 e1r~ . 4) . Fazer poesia em pod e ria abs?r ver a cultura ariana, poderia qu and o m uito
" Poes1a inteira,. (citado em Leite, 1976 . 17 . O b
. .
·m poesia tupi. ras1.- imitá-la (Leite, 1976 : 230) . E Ar thur Ramos, apesar d e ter
d os_se~va~ef::er poesia brasileira et_s~gem: ,, A n acio nalidade afirmado q ue o negro n ão é u m a raça inferior, dizia , citando
tu .p i nao ee quand o começ a a mes iç m a solução: acostar-se ao a m entalidade pré-lógica d e Lévy-Bruhl, que a cultura neora
leira n asc . , od e ter u . d . o
- brasileira so P lar com o ele sair o com- era a trasada (Le ite , 1976: 238).
d a poesia . p írito popu , 470) Sinais m ais claros d a valorização d a mestiçagem e d o po-
. . ao verdadeiro es , . ,, (Ro mero, 1972 : .
genio, ·gens etn1cas pular urbano podiam ser encontrados no cotidiano desses
plexo de nossas on :-. - mesm os in telectuais (que , por exe mplo, já criavam laços d e
&- amizade com músicos populares d esde o te mp o do romantis-
mo, com o vimos no cap ítu lo II) e em obras bastante especiais,
como as d os já citados escritores Afonso Arin os, Graça Ara-
. um fenômeno h om ogêneo. nha , Lima Barreto e d e pe nsad ores como Alberto Torres , que
·1 ·ra nunca fol . . o p róprio Gilberto Freyre (num m o m ento de mod éstia no final
A
mestiçagem brasi e1 . símbolo nacional tiveram que
Os defensores d O m estiço
, .
cqmotiçagens o corridas
· n o Bras1·1, dos anos 50) reconhece te r sid o seu p recursor: " talvez o pri-
s vanas mes . d me iro publicista bra sileiro a inteirar-se das pesq u isas sobre
es colh e r, entre alh se enqua dravam em seus pro1etos e as relações de raças com ambientes físicos e sociais que vi -
aquelas que me or . d d nacional Euclides da Cunha, por
riação de uma identi ª e preferência pelos sertanejos nham sen do re alizad as por Franz Boas" (Freyre , 197-1: clx).
C ondeu sua . Frey re també m cita os trabalhos pione iros (co ntra a " falta d e
exemp lo, nunca ~se t os mulatos do litoral - o que e
caboclos do inte rior con ra urbano (o rural também era confiança no m es tiço") de Roque tte Pin to, "um ou o u tro"
. d rural contra o , . ti. Cândido Rondon , J .B. de Lacerda, José Veríssim o, Inglês de
uma apologia ? . tico elos românticos e pos-roman .-
considerado mais auten Pl_ Porque me u'ano de meu pais Sousa, Afrânio Peixoto, Gilberto Amad o e , "com in termitên-
em seu 1vro J' _ . cias lamentáveis" , Sílvio Romero e Eu clides d a C unha .
cos). Affonso C e l so, , . de cartilha e scola r), de 1900, nao ota
(que v irou uma especie . brasileiros (Leite, 1976: 198) . Po·
o mulato entre os 1:11es~1çosd , adas do século XX, os mulatos
rém durante as primeiras ec d v ez mais o cen tro das
' cupar ca a , .
e O urbano passam a O ' , d . d h. da de brasileira.
b e a s raizes a i en
atenções nos deb ates so r . ' mbolo nacional, ao passo
, · samba vira s i • A te ndên cia de valo riz a r a mestiçagem é u ma opção pela
Nocampodamusica,o . ·trnos nordestinos
canções "caipiras" paulistas e os n _ . " unidade d a pátr ia" e pela h o m o gene ização, como m os tra o
que as f • os regionais . d eba te sobre a imig ração n o Br asil. Segu ndo Giralda Sey fe rth,
começam a ser vistos como enomen st1·ça antes de nesse debate, que se iniciou "em m ead os do século passado"
· - d cultura me ' d
Esse início de valonzaçao a d no grosso ª e "atingiu seu a u ge durante o Estad o Novo" (Seyferth, 199 1:
- d ve ser procura o .
Casa-grande e senza la, nao e do se criticarn 165), o princip a l problema era in ventar uma forma e ficiente
rodução "acadêmica" da época . Mes mo qu ~n - de Manuel d e trans forma r os imig ra ntes e m 'brasileiros de fato". Daí a
P · no caso a típico . d.
os pressupostos eugemstas, como . indolente, 1n is·
Bonfim, o mestiço continua a ser vis to como

1
- O MESTIÇO 7j

ÉRIO DO SAMBA
oMl ST
denar a m estiçagem, "chamando o caldeamento de ra ças no
, . , ,, (S f
72 pluralismo defendido pe- Brasil d e 'caos e truco ey erth, 1991 : 178) _
·scigenaçao
- conttao
•mi·gr antes que preten iam
ct·
- da rn1 ntre os i • d . Essas atitudes . . de separatismo
d étnico foram intensa men te
preg_açao as nascentes_e lín u a) de seus pa1ses e on- 1
reprimidas, pnnc1pa men~e _e fois que o governo pós-Re,-o-
\as 1tderanc~1tura (incluindo i~o ~r grupos étnicos se opunha lução de 193? tom?u semi_-ofic1al a política de miscigenação,
rnant~,r a Juralisrno pr~tend na~onaL a ser alcançado pela valorizando inclusive os s1mbolos nacionais mestiços com o 0
gern = ªºJe hornogene1da_d~, Se fe rth, 1991 : 175). samba (essa aproximação entre Estado e samba será d escrita
o ideal _ e rniscigenaçao ( Y final do século XIX, basea-
0 em outro capítulo). As medidas da repressão foram ind usiw
as sirn1Jaça 'h·cas aos in11 . . grantes, no nto Como vimos, S'l l vio
. Ro-
legais. Manuel Diégues Júnior fala do Art. 121 , Parágrafo 6'!-,
As cnna teoria . d O b r anqueame
. - fei ta por alemaes n o u 1 d o
. - S
varn-se denava a co\on1zaçao . da Constituição de 1934, determinand o que a "entrada de
. tes resistirem a se misturar com imigrantes no território nacional sofrerá as restrições neces-
mero cOn · m1gran
ís elo fato de esses i . ão révia a seu projeto de branq~ea- sárias à garantia de integração étnica", e q ue com essa finali-
pa ps brasileiros, c0nd i_ç bp •ieira em " três o u quatro secu-
0utro laçao ras1 dade criava uma quota de entrada de imigrantes que não
to total da pop_u d brancos, mas d e bra ncos que se podia exceder 2% do total de imigrantes de cada nacionali-
mi e~ o Brasil precisava ~l . 05 Daí a frus tração de Sílvio
os - os brasi eir · - dade que entraram no país nos 50 anos anteriores (Dié21..1es
- turassem com ,, rei·eitado p elos alemaes como
rn1s.....,ero ao ver "seu povo . . e ra preciso que a b ras1·1eirasse- · · Jr., 1964: 335) . A Consolidação das Leis do Trabalho também
ROu• . O u culturais. . .. determinava q ue "nenhum estabelecimento poderia ter mais
rceiros sexuais 1 s· branqueando-nos, n os o v1h-
pa - ara que e e , de um terço de empregados estrangeiros" (Diégues Jr., 196-4:
rnos os a\ernaes p , . uase antropofágica . 336) . Toda essa legislação mostrava uma preocupação cada
assern - Urna estra~e~ia q t também eram a valiados segun-
z . de imigran es d ., . . vez maior d o Estado brasileiro com sua " integração émica",
Outros tipos . . - Imigrantes in eseiave1s, 1un-
. de m1sogenaça 0 . " . o nome oficial para a miscigenação.
do esse pro1eto - " re gacionistas ' senam as raças Giralda Seyferth afirma que o "Estado Novo ( ...), mesmo
tamente com alemaes . . ,,segOs negros afncanos . nem sequer mudando para uma retórica racial d isfarçada de democracia
"atrasadas" e "1nfenores · , ·s candidatos a- 1migraçao. · · - Os
racial, não havia abandonado a tese d o b ranq ueamento" (Sey-
mo possive 1 .
eram pensa d os co . . adas como decadentes e arnscados: o ferth, 1 ?_?1: 1 ~1). No entanto, ao lado da teoria do branquea-
chineses foram classific_ ,,. dequada" (ver Seyferth, 1991:
· ·genaçao ina · ·d a, ate· na m~nt? Jª havia uma outra teoria da mestiçagem, advogada
risco era a misc1 f . ·ntensamente d1scut1
. - - ·aponesa 01 1 . pr~c1pal~ent~ por Gilberto Frey re, e que fez enorme sucesso
167) A 1migraçao J s defensores "o impulso de nacional 1mediatamente depois da p ublicação de Casa-grarràt'
· . d 1934- entre seu '
Constituin_te e ~ · misci enável foi mais importante de e senzala em 1933. Não tinha como conseqüência necessária o
mostrar o iapones como g f' ·ente" (Seyferth 1991: 173).
, l colono e ic1 , b~a~queamento da nação, mas chegava a valorizar, e muito,
que a_presenta- ~ com? d era o europeu branco e la tino, que vanos traços " negros" do mestiço nacional. Essa nova teoria
O im1grant~ ma1s_cobd1ç_~. o Idades em se misturar com o resto era também homogeneizadora, e muitas vezes de modo radi-
não colocana muitas I icu cal, mas 1:'-ã~ havia em seus pressupos tos teóricos a afirmação
da população brasileira. 1 1· t ,, a reação às tentativas da supenondade da raça branca que predominaria na " mis-
. - tes "p ura 1s as ,
Do lado dos 1m1gran d t mbém não escon- ttua final" . O Brasil seria sempre mestiço e isso deYeria ser
. . - . lização força as a .
de ass1milaçao e naoona
diam seu racismo e desprezo pelo~ r~s1 ch~mada Um a cul-
B .1 ( que vai fazer ª t e, f onte d~ ~-r gulho nacional. Veremos em' seguida como esse
orgulho foi inventado" por G ilberto Frey re .
Gilberto Freyre escrever uma conferencia s no próximo
·1 · mo veremo
tura ameaçada: a Iuso-brasz ezra, co . ublicados no jor·
capítulo). Giralda Seyferth lembra arttgos_Pd e antecedeu
nal Der Urwaldsbote, de Blumenau, no perGio bº. quau para con·
. 1 ·t vam o ine
a Primeira Guerra Mund1a , que C1 a
5
GILBERTO FREYRE

A publicação de Casa-grande e senzala foi recebida de imediato


como um grande acontecimento no mundo intelectual dos
anos 30. Jorge Amado, o escritor que praticamente inventou
0 romance "mestiço" brasileiro, assim recorda o evento: ''Foi
uma explosão, um fato novo, alguma coisa como ainda não
possuíamos e houve de imediato uma consciência de que
crescêramos e estávamos mais capazes. Quem não viveu
aquele tempo não pode realmente imaginar sua beleza"
(Amado, 1962: 31). E acrescenta: "o livro de Gilberto deslum-
brava o país, falava-se dele como nunca se falara antes de
outros livros" (Amado, 1962: 35). Monteiro Lobato consegue
ser ainda mais bombástico: "qual o cometa de Halley, irrom-
peu nos céus de nossa literatura o Casa-grande e senzala" (Lo-
bato, 1951: 106) . Antônio Cândido, no artigo que escreveu
sobre Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, fala do
"impacto libertador" de Casa-grande e senzala (Cândido, 1982:
xxxix/ xl). Os escritores Gilberto Amado e Antônio Risério
referem-se ao trabalho de Gilberto Freyre usando metáforas
psicanalíticas como, respectivamente, "distabuzação" e "des-
recalque" . Essas não são opiniões solitárias: a maioria dos
comentadores da importância de Casa-grande e senzala ressalta
seu caráter de ruptura com O tipo de reflexão sobre a cultura
brasileira que vinha sendo feita até então.
Essa ruptura pode ser pensada, entre outros as?ectos,
como uma inversão valorativa do papel que o mestiço e a
mestiçagem ocupam na cultura brasileira. De degenerativa e

7S
-
O MISTÉRIO DO SAMBA 77
GILBERTO FR EYRE
76

ales nacionais, a mestiçagem passa a • t· tas _ ver a interpre tação d a vitó ria de Pasteur
os gran d es m •. ser
causa d m processo cu1tura 1 positivo, em t 0 utros c1en is B L t
The Pnslcurization of Fmnce, d e runo a o~r -
La
-
. t da como u b . orno .
mterpre a rodutos, como o sam a , a culinária af no ]tv r;88). Exis tia um vazio espe ra ndo ser preenchido: e os
d 0 9_uai. (e de seus P . .
as técnicas de higiene 1uso-trop1ca 1istas etc.) 0
ro. 1
i-o~r'. , b . s acaba ram ocupando-o. Não e xatamente por ser a
bras~le'.ra, aderiam inventar uma no~a identidade . Thai/ m1c10 10 '
. ,. <lad eira . Como d iz Bruno Latour: "U ma 1"d é 1a,
" me smo
brasileirosd P tor de Civilização e mestiçagem, publicado s id eia ~de~·a d e gênio, mesmo uma idéia que é para salvar
de Azeve o, au G ºlb F en1 uma I
1951 comen ta.
. "Cabe porém, a i erto reyre um pa
' ~ . pe1 . - seid e pessoas ' nunca se m o ve por s1· propna, · . El arequer
m1 111oe , •
. '1 . de desencadear uma autentica revolução no rn ,
smgu ar. o l . C l e- y
uma força para impulsioná -la, usá-la parafseus r~pr(1Lostmo-
·stória Social e da Antropo ogia u tural na cionais ,, . ve~-la e freqüentemente trans orma- 1a a our,
tod o d a Hlução
i b "d b
pode ser perce id a so retu d o na " . t1vos, mo '
Essa revo . ,, perspectiva 1988: 16). fº - l t
. teiramente original em face a mestiçagem , que passa a - , todo mundo que concorda com a a irmaçao a ou-
N ao e . d ,, d
m "apreciada como um fenômeno de outra ordem, d iríarnos . É muito comum escutarmos narrativas e gran es
ser.s nobre de na tu reza social e sentido positivo" (Azevedo nana . , . " ·d , .
d escobertas" e " revoluções metod?log1cas em que as 1 eias
;~~: 76/77). Adotando um tom mais distanciado, Roberto d~ em surgir do nada e se movimentar no nada, como se
Matta, antropólogo que recen_temente t~m?ém se dedicou ao foª:seecm pura ruptura, fruto de mentes f~ntásti~as que ~uncio-
problema da identidade nacional bras~e1r~, rec~nhece que
nam em isolamento quase absolu to. E preciso ,,analisar d as,,
"foi a obra de Gilberto Freyre a que pnme1ro articulou com forças que movem as idéias e as outras f?r~as que e~con em
êxito essa história brasileira que todo brasileiro gosta (por as forças que movem as idéias. Não é obJehvo deste hvro fazer
motivos claros e escusos) de contar para ele mesmo: que tal análise com relação à obra de Gilberto Freyre . Mas alguns
somos uma cultura ' mestiça' e misturada" (" A hora e a vez comentários são relevantes para a discussão posterior sobre
de Gilberto Freyre", Folha de São Paulo, Folhetim, 24/ 07 / 87, a transformação do samba em música nacional.
p. 8-4/ 8-5). O próprio Gilberto Freyre foi um dos principais incentiva-
Era como se todos os brasileiros estivessem esperando a dores do "deslumbramento" com que suas idéias foram rece-
11
"revolução" desencadeada por Gilberto Freyre (ou a história bidas e de uma interpretação de seu "êxito corno uma espécie
por ele articulada que "todos" os brasileiros imediatamente de iluminação religiosa e absolutamente pessoal. Já foi bas-
adotaram como espelho). O sucesso "instantâneo" e a adoção tante citado o trecho do Prefácio à lé! edição de Casa-grande e
"espontânea" de uma idéia "revolucionária" não acontecem senzala em que Freyre afirma que, dos problemas brasileiros,
11

todos os dias. Talvez porque nada, na "ecologia" das idéias, nenhum que me inquietasse tanto como o da miscigenação ,1 11

seja tão instantâneo ou espontâneo assim. Parecia existir uma para em seguida descrever uma cena que presenciou nos
expectativa generalizada em vários setores do mundo intelec- Estados Unidos quando faz ia seus estudos de pós-graduação
tual, que o relacionamento entre intelectuais e músicos popu- na Columbia University:
lares apontado no capítulo II já deixou entrever, de que uma
Vi ~~ vez, depois de mais de três anos maciços de
explicação/ distabuzação como aquela desenvolvida em Casa- ausenc1a do Brasil, um bando de marinheiros nacionais
grande e senzala surgisse a qualquer momento. Por isso 0 - mulatos e cafuzos - descendo não me lembro se do
"deslumbramento" descrito por Jorge Amado e o "êxito" men- São Paulo ou do Minas pela neve mole do Brooklyn.
cionado por Roberto da Matta.
Essa expectativa tinha semelhanças com o clima criado
pelo movimento higienista francês antes da publicação dos 1
~ermo que, segundo seu biógra fo, parente e "espécie de secretário " Dio-
trabalhos de Pasteur (que foram saudados como obras de go e Melo Menezes, Gilberto Freyre "talvez tenha sido o primeiro a em-
gênio antes mesmo que seus resultados fossem testados por pregar no Brasil" (Menezes, 1944: 167) .
: b .
l)

l)cnm-mc o •,mpn:_::;,
MISTER\l) l)O S/\MUA

,._ ,50 de c,1 ricnturas de . homens


. . E •veio-
fr:i <:c de 11 m livro d e vin1ante americano
1 Cll.11 I•:lff() FR L:YRI •:

Apesar d e já admirnr as idé ias de íloas, com o dcmons trnm


7')

llll' ,, 1cm r.,nÇJ li , - . • f 1 trech os nnteriores desse mes mo diá rio (pág inas 43, 44, 62), a
_t 1, 1•r cobre o 13rnsil: the fear u 1non grcl
l \lll ' ,)l<I 1éHél l C l: " 8 \ ") antropologic1 não é aqui m encionad a como nntídoto conlra o
.,spcct o f mos· t of thc no11Ulnlion'
~
(Frcyrc, 19 1: v 11 .
mal-estar provocado pela v isão da m estiçagem . Que m apare-
. ,.. desorezo foram transformad os em admi- ce em socorro d e Gilberto F reyre, então u m jovem de 21 anos,
e 01no
-
o I10 rrol '- 0 r "F · .1. d•
1 · -, A cxnlica-ção parece m ,1g1ca: 01 o estu o da
raçao l ' e og 10 · 'r · f B é John Cns per Branner, geólogo que viajou várias vezes ao
Antropologia sob n o rientação d~ Pro essor,, oa~ q u e me Brasil e publicou trabalhos com o Geografia do Nordeste dn Baltia,
revelou O negro e o m ulato no seu 1usto valor. E a m d a : com A porornca do A111azo11as e Geologia do Brasil. O "elogio do
a antropologia e Boas, "a prendi a .difere~ ça en tre raça e wlt_11 - mestiço brasile iro" é sempre legiti m ado por uma autoridade
rn" (Freyre, J981 : \vii) . Então, o ,1ovem mt~lectu al do Recife "sábia" estrangeira. E Gilberto Fre yre trocava d e autoridade
aprendeu fora do seu país a valorizar_a mestiçagem , 9-u~ pass_a para atingir seu s objetivos de reforçar determinadas idé ias no
a ser considerada fonte da verdadeira cultur a bras1le1ra . Ri- campo intelectual brasileiro . No caso do Prefácio à l!!. ed ição
cardo Benzc1quem de Araújo comen ta essa passagem: de Cnsn-gra11de e senznln parecia estar claro um grande desejo
Gi lberto, como se pode perceber, arma o cenário d e u ma de se identificar como antropólogo, n omeando Boas como o
verdadeira história de conversão: temos uma prim eira respon sável por seu "e lo gio do mestiço" . Na realidad e, mu i-
posiç;io absolutamente pecaminosa, um neófito, um i:11es- tos outros fatores e "forças" (p ara continu ar citando Bruno
tre, n possibilidade de transformação pelo estudo e fmal- Lato ur) contribuíram para essa famosa " revelação antropoló-
mentl.' a aquisição de u ma nova e superior forma de gica".
verdade (Araújo: 1993: 12) .
Gilberto Freyre não passou a se interessar pela cultura
Nessa narrabva de "revelação " e "conversão", a produção p opula'. m estiça bras ileira d epois d essa viagem para os Esta-
intelectual brasileira tem importância bastante se cundária. dos Um dos e do encontro com a antropolog ia. Parece mesmo
Era como se, p ara o meio intelectual d o país que procurava q ue só estava buscando, com seus estudos, uma justificativa
explicar, as idéias de Cnsn-grnnde e senzala e a valor ização da academicamen te aceitável para o respeito que sentia, res peito
cultura mestiça tivessem surgido 0 111 of lhe bl11e. compartilhado por vários outros intelectuais brasileiros d e
No se u diá rio, em trecho escrito em Nova York e m 1921, sua geração, pela cultura popular de seu país e de sua região.
Gilberto Freyre dá uma o u tra versão para a sua v isão do Além d !sso, p rocu rava argumentos fortes para ataca r a "falta
Brooklyn : de confiança n o m estiço " q ue d ominava, p e lo menos formal-
me nte, o pen samento b ras ileiro desd e o final do sécu lo XIX.
Vi um desses dias marinheiros de g uerra d o Brasil cami-
nhando pela neve do Brooklyn. Pareceram-me pequeno-
tes, fra nzmos, sem o vigor físico dos autênticos marinhei-
ros. _Mal de mestiçagem? Entretanto, no artigo que, a meu
pedido, escreveu para E/ Est11din11te - a revista para
estudantes_da América Latina que dirijo juntamen te com
Oscar Gacitua, chileno - o sábio John Casper Branner ? !nte resse d e G ilberto Fre y re p or diversas man ifestações da
~az O elogio do mestiço brasileiro, mesmo q uando d e vtgorosa" cul tura popula r e tropicalista brasileira vem , pelo
specto assun pouco ou nada atlético. (Freyre, 1975 : 68) 2
------
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p · ~ sua cheg 11 d a a Nova Yor k - , seu comentóno
O MISTÉRIO DO SAMBA G ILBERTO FREYRE 81
80

m e nos, do início de sua adolescência. Aos 15 anos ele relata estava sendo d efinido em seus trabalhos), uma p rofunda ad-
em seu diário o esp anto ao notar que se emociona com formas miração por escrito res como Ja mes Joyce, Ezra Pound e Mar-
pouco eruditas da musicalidade nordestina : cel Proust. Todavia, quando o modernismo chega ao Brasil,
Freyre radicaliz a s ua p osição, querendo "abrasileirá-lo" a
(...) desconfio de que sou um tanto sentimental. Senão, qualquer custo, valo r izando os artistas q ue p rocuravam algu-
como se explica que eu tenha chorado como nos meus ma identidade com o p opular e a "situação brasileira". Este
dias de menino ao ouvir uma dessas noites, sozinho, no
silêncio da noite, o canto popular, em português errado, trecho de seu d iário, escrito em 1924, é um exemplo d esse
mas estranhamente saudoso e triste da lapinha a cami- tipo de cobrança :
nho da queima: "A nossa lapinha já vai se queimar, até Mário de Andrade( ...) não dá as costas ao Brasil. É'bem
para o ano se nós vivos for"? (Freyre, 1975: 4) . diferente do Graça Aranha do "todo universal". Mas não
Esse espanto e essa desconfiança de que existe algo errado deixa de ser o Mário de Andrade, postiço, em gran de
parte de sua modernice mais copiada de modernismos
em apreciar tais manifestações populares logo vão ser s upe-
europeus que insp irada em sugestões da situação brasi-
rados. Freyre se transformará num dos mais intransigentes ~eir~. Justiça lhe seja feita, porém: está agora procurando
d efensores do que identifica como a autenticidade brasileira mteirar-se da situação brasileira além de São Paulo -
(no mov imento mesmo que cria esse modelo de auten- até da Amazônia. E mais catártico que Mário talvez seja
ticidade) contra os inimigos da cultura mestiça e amantes da Oswald de Andrade (Freyre, 1975: 135).
erudição européia . Defendendo-se de artigos publicados em
jornais pernambucanos logo depois de sua volta ao Brasil, em O tom da crítica parece o d e um nacionalista contrário à
1923, e que o acusavam d e "exótico" e "estrangeirado", escre- eclosão da bossa nov a ou do rock b rasileiro. Só pode existir
veu em seu d iário: ~ ac~s~ção ~e "p ostiço" quando já está definido o que é ser
rastle1ro. Gilberto Freyre, em 1924, p arece já ter en contrado
A verdade é que eu é que me sinto identificado com o a sua definição.
que o Brasil tem de mais brasileiro. Estes supostos de- Essa definição não é r ígida nem uniforme . Em determina-
fensores do Brasil contra um nacional, que dizem dege- dos momentos ela parece ser p u ra p rov ocação política. Em
nerado ou deformado pelo muito contacto com univer-
~utros'. o brasileiro é mais bem identificado com o regional,
si~ades _estrangeiras, me parecem excrescência . O pró-
~strumdo sua aparente homogeneidade. No texto "Comple-
pno RUI Barbosa (...) me parece ter errado, e muito, pela
sua en_orme falta de identificação3 com o Brasil básico, ~idade da antropologia e complexidade d o Brasil como pro-
essen~ial, popul~r, sem que se dê a este adjetivo - "po- d ~ma antropológico", publicado em 1962, Gilberto Freyre
pular - o sentido demagógico (Freyre, 1975: 128). ei~a clara uma idéia que 1'á estava esboçada no Manifesto
regzo na 1·ista que escreveu em 1926:
_ . respeito e a rm·li tante valorização
O crescente · do popu 1ar
nunca va~ ~ignilicar, em Gilberto Freyre, uma condenação do No Brasil sabe-se, por observação, que ao nome político
"B
cos~opoh tismo e do modernismo. Pelo contrário· em seus rasil" e ao nome "brasileiro" não correspondem per-
feita unidade somática nem vigorosa unidade psicológi-
escntos aparece, ao lado do elogio do " Brasil bási~o" (o que ca (do ponto de vista da chamada psicologia de raça);
nem mesmo unidade de cultura absoluta (Freyre, 196Za :
34).
3 Se Gilberto Freyre
. ti vesse ouvido
. o elogio de Rui Barbosa aos Turunas t ta tivas
Pemarnb
ucanos, citado mais ad· 1 · as
As ,,en
as ·
de unificar a cultura brasileira po d em sacn.f.icar
ao escutar Catulo da p . _ 1-an e, ou se lhe tivesse visto as lágrun espontaneidades regio nais que em vez de fazerem dano
crítica. aixao Cearense, ta lvez não fosse tão duro em sua
a essa cultura comum, enriquecem -na " (Freyre, 1962a: 39). Em
S2 O M1STÊRIO DO S/\MBA GILBERTO FREYRE
83

outro artigo sobre as idéias aparente_rnente ºP?stas d e_Brasil cionalistas ~erão analisada~ no ~exo 1) terminam nos pará-
corno continente e Brasil corno coniunto de Ilhas, Gilberto grafos segu~ntes a essas afirn:ia~oes da mestria do povo. No
Frey re prega a sua complementaridade: '~o sentido_d e con ti- Brasil de Gilbert_o Freyre sena impossível "romantizar" em
nente a nos defender dos excessos do de ilha; o de ilha a nos torno de uma raiz p ura da cultura popular. "Pois O Brasil é
defende r dos excessos do de continente" (Freyre, 1962b: 150). isto: combinação, fusão, mistura " (Freyre, 1967: 67) .
E complexificando mais ainda (e mostrando talvez s ua incli- Essa idéia d e um Brasil mistura (que se confunde com 0
nação pela ilha), acrescenta: Brasil básico) serve de contrapon to ao antiestrangeirismo ra-
dical de outras passagens do manifesto. O radicalismo atua
0 sentido de continente é que seria para nós um limite,
embora limite saudável e útil; enquanto, um tan to mais como uma p ose, uma estra tégia política para ridiculari-
paradoxalmente, o sentido de ilha seria o universalismo zar os ad versários. Gil?e_rto Freyre sabia que nesse tipo de
como uma aventura quase sem limites (Freyre, 1962b: debates não se pod e exigir uma coerência eterna em matéria
151). de lógica argumentativa. E nisso apenas da va continuidade
ao antipositivismo d e q uem declarou para seu d iário, aos 21
O universalismo do regional é bem frisado no Prefácio à 4~ anos, que "das filosofias cujos d iferentes sabores venho expe-
edição, escrito em 1967, do Manifesto regionalista, diferencian- rimentando, as q ue me atraem mais são a de Santo Agostinho
do sua "atuação no sentido de unir-se o regional ao universal, contra a de São Tom ás, a de Pascal contra a de Descartes, a
o tradicional ao moderno" (Freyre, 1967: xvii) de um movi: de Nietzsche contra a d o próprio Kant. E agora James e
men to "regionalista-caipirista" (Freyre, 1967: xx). O regiona- Bergson contra Comte e Mill " (Freyre, 1975: 47). José Lins do
lismo incentivado nesse manifesto de 1926 fazia "a defesa de Rego, falando d a formação intelectual de seu amigo, já dizia
uma pintura, de urna escultura e de urna arquitetura que que "do seu contato com as idéias de Maurras, e principal-
fosse m de vangua rda nas formas, embora, substancialmente, mente de Georges Sorel, resul taria o avigoramento de suas
regionais" (Freyre, 1967: xvi) . Na realidade, o manifesto pa- idéias contra a centralização" (citado em Menezes, 1944: 84) .
rece mais uma defesa das delícias da culinária pernambucana E Régis de Beaulie u, nobre companheiro de Gilberto Freyre
e uma coleção d e ataq ues irônicos às "estrangeirices", ao que em suas primeiras andanças parisienses, també m teria dito:
"o Rio e São Paulo consagram como 'elegante' e como 'mo- "Freyre é a criatura mais deliberadamen te hostil aos sistemas
derno'", ou às "bebidas engarrafadas" (em prol da água de de idéias" (citado em Menezes, 1944: 84). As tentativas de
coco-verde) . cobrar coerência lógica a Freyre são rechaçadas até em matéria
O Manif esto regionalista também lança, em tom polêmico, de gosto culinário:
alg umas das idéias básicas do pensamento de Gilberto Freyre.
Cozinheiras, cantadores, babalorixás, curandeiros, matutos, A propósito dos quitutes de Zé Pedro, [Manuel) Bandeira
!em me criticado por preferir a muitos deles bifes à
morenas e jangadei ros são considerados os novos mestres: inglesa, carneiro assado à inglesa, salmão, paté, caviar,
"Quem se chega ao povo está entre mestres e se torna apren- comidas em lata . "Que espécie de regionalista é este?",
diz." Ou ainda: "quem se aproxima do p ovo desce a raízes e pergunta Bandeira, muito ancho de sua lógica. A verda-
a fontes de vida " (Freyre, 1967: 66). A força de intelectuais ~e é que não pretendo ser lógico nem no meu "regiona-
como (e aqui Gilberto Freyre, d iferentemente do que fa z no lismo" nem em nenhuma das minhas atitudes. Logo que
prefácio de Casa-grande e senzala, está construindo sua genea- regressei ao Brasil, os quitutes da terra me voltaram a
logia no pensamento brasileiro) Joaquim Nabuco, Sílvio Ro- empolgar o paladar de modo absoluto. Agora, não: tenho
mero, José de Alencar e Augusto dos Anjos se originou no minhas saudades, e grandes, de comidas anglo-saxônias
e francesas. Volto a elas uma vez por outra: sempre que
"contato com a gente do povo". As semelhanças com a idéia
é possível fazê-lo através de guloseimas enlatadas e de
de cultura popular no romantismo alemão (cujas idéias na-
GILBERTO FREYRE 85
O MJSTÉ.RIÜ DO SAMBA
84

, orno O coração de que falava É estranho que Gilberto Freyre não tenha mostrado, em
conservas. o paladar_ e cue a razão desconhece (Freyre,
Pascal: tem suas razoes q 1921 para com o jazz de Nova York, uma música que estava
1975: 221).
d'o criada e popularizada d urante sua temporada norte-
senericana (como será comentado no Anexo 2), o mesmo
.,. - qui. um retra to pitoresco do intelectual . . brasileiro di- ~~eresse que sentiu diante do samba carioca, cinco anos mais
,emos ª d lí . de uma defesa pohhcamente correta
.d.d ntre as e oas . ~:rde (em seu encontro do Catete). Seus artigos que mencio-
v1 i o e , . nalmente sincera) do popular brasilei-
(m as tambem emooo 1· . " . nam O jazz são tão p reconceituosos quanto os escritos de um
.
tropical e as outras delícias do cosmopo 1tismo . oc1den-
ro / as duas libidos de Afonso Armos, a carta Theodor Adorno sobre o mesmo assunto e sobre a "indústria
t l" Reaparecem .. cultural" em geral (ver, por exemplo, Adorno & Horkheimer,
ª ·
sempre devo a a O
lt endereço do remetente. Como conciliar as
, . ·1· , l
. ·d dois paladares? Sera preciso cono 1a- os? 1978). .
duas hb1 os, os ~ d " Em 13 de janeiro de 1921 os leitores do Diário de Pernambuco
-
Nao se a pr efere· ncia ' tantas vezes efemera, por um
- d os pa-
' " - ·gnificar desprezo ou a condenaçao o. outro. foram informados que "as danças americanas do dia ( .. .) são
ladares nao s1 O . , bárbaras. lão bárbaras corno as músicas - este 'jazz' e este
Como, para Gi.lberto Freyre, o paladar mestiço d f e , tropical
. . , e. o 'rag time' horrorosos" (Freyre, 1979, vol. l: 155). Em 13 d e
mais • "fraco" no panorama intelectual, sua . e esa e pnontana.
maio de 1923, novo ataque: "a jazz rnusic q ue acompanha as
O caviar já teria advogados em demasia. danças modernas; esta deve embrutecer". Gilberto Freyre
continua seu artigo comunicando os resultados de uma expe-
riência realizada no zoológico de Nova York, onde se tocou
jazz para os animais: "os macacos não se limitaram, à maneira
das cegonhas, à filosófica indiferença ou apatia; neles o jazz
excitou fúrias homicidas, iconoclásticas e creio a té, mas não
o cosmopolitismo e o amor pela cultura pop':1lar de Gilberto estou certo, suicidas" (Freyre, 1979, vol. l: 257) .
Freyre tinham limites bem claros, q~e _denunciavam seus fu~~ São palavras espantosas para um aluno de antropologia
damentos aristocratizantes. Esses hm1tes perduraram ao lo que já desfrutara, por mais de dois anos, d a convivência de
go de quase toda a sua vida. É interessante constatar que, em Franz Boas, e que deve ter sido colega de Zora Neale Hurston,
1978, ao escrever uma introdução para o livro Tempo de apren- escritora que pouco tempo mais tarde iria fazer parte da
diz (que reúne seus artigos publicados em jornais de _1_918 ~' Harlem Renaissance (ver o Anexo 2) ao lado de Langston
1924), Freyre tenha lamentado o "aristocracismo ou ehhsmo Hughes, autor de poemas corno Jazzon ia. Gilberto Freyre não
desses primeiros escritos públicos, mas se tenha mostrado cita nem uma vez, nesses a rtigos, a origem negra do jazz . Será
orgulhoso pela "extrema simpatia pelas artes e coisas popu· que o fato lhe era desconhecido? Os artigos parecem irônicos,
lares" aí contidas. É estranho que não tenha notado, em ~ua frutos de uma ironia construída para parecer superio ri-
releitura desses artigos, uma extrema antipatia por "coisas d~de_, como se seu jovem autor quisesse provar para seu
populares" como o jazz e o cinema de Tom Mix. Parece que, publico que tinha bom gosto e que de via ser respeitado
na definição de Gilberto Freyre (mas não só dele - inúmeros como intelectual apesar da pouca idade: música boa era
folcloristas e defensores da cultura popular também pens~- Richard Strauss.
ram e pensam assim), o popular não inclui, nem deve inc_lu1: ' ~reyre se mostrava também preocupado com a in fluência
manifestações da cultura popular "industrializada", princi- do Jazz no Brasil: "os detritos que nos vêm dos Estados Unidos
palmente aquela produzida desde o início do século nos Es- e d~ Europa - Zás, engolimo-los! Ante as coisas dignas de
tados Unidos. assimilar, conservamo-nos de gelo, como miseráveis cães sem

l
l' \ llSTER IL) [)() SAMBA C ILílERTO FREYIU:
87

foro ' i l Fre~1'?, 1g,o , ,·oi I: 156)._Su ~. sugestão para combater É preciso tomar enorme cuid~?º quando afirmamos que Gil-
0 mal: 0 ensino d e "danças estéticas na escola . Mas tudo com berto Freyre pregava uma uniao entre brancos e pretos, entre
um tom nacionalista: "Poderíamos adaptar, dos nossos índios "cosmo" e "regio", entre elite e povo . Aqui nada é tão simples
, dos nossos ne~ros mais p rimiti vos, certas danças que, tal vez, quanto o "dai~vos as _mãos uns aos outros" (Arinos, 1969: 895)
~as..<;assem ao mundo como Yitórias brasileiras" (Freyre, 1979, de Afonso Armos . Diogo de Melo Menezes identifica no pen-
rnl. l: 15t>) . samento freyreano "uma convivência de diversidades e até
~ ão se trata de des,·ario de ju ventude . Em Sobrados e contradições" e " uma paixão pela complexidade contra 0
>nru.··mr.bt~ . publicado em 1936, Gilberto Frey re repetia quase simplismo: uma complexidade que ele não sacrifica à coerên-
essa mesma ideia ao afirmar, com um tom de aprovação, que cia lógica" (Menezes, 1944: 237) . Essa descrição também serve
os passos do samba estaria m hoje "se a rredondando na dança para o seu ideal de sociedade, para aquilo que elogia no
antes baiana que africana, d a nçada pela artista Carmem Mi- luso-tropicalismo, atribuindo-lhe superioridade diante de ou-
randa sob os aplausos de requ intadas platéias internacionais" tras formas de civilização . Ricardo Benzaquem de Araújo
(Frevre , 1968: 522). Os artis tas podem "sublimar" (Gilberto mostra em detalhes como Gilberto Freyre propõe "uma com-
Fre\:re usa essa pala\Ta) as brutas "energias" dos neg ros e pr~ensão d~ mestiçagem como um processo no qual as pro-
pardos O Brasil so teri a a lucra r com a união entre a estética pn~dades smgulares de cada um desses povos não se dissol-
e o popular. ven~m _rara dar lugar a uma nova figura " (Araújo , 1993: 38) .
Ta h·ez o entusiasmo de Gilbe rto Freyre ao ouvir o gru po A m1sc1~enação seria muito mais um precário equilíbrio de
de Pixinguinha e Donga ad venha do fato de que o próprio antagonismos, em que as diferenças podem conviver entre si
po, o já estaria "arredondando " seus ritmos, preparando o pacífica e intensamente .
caminho para uma "vitória " musical b rasileira . Aquela músi- O mestiço, entendido da maneira exposta acima, seria a
ca tª não seria mais puramen te negra, p uramente "primitiva". ~elhor respos ta a um mundo de intensa diversificação como
\ias o jau també m era essa ponte cu ltural entre raças dife- e, ~~ra Gilberto Freyre, o mundo tropical. Os trópicos são a
rentes Tah ez não tivesse se entusiasm ado pelo samba se o regiao da variedade, daquilo que chamava de "multiplicidade
conhecesse num momen to d e e xplosão comercial, como foi 0 das forma s " . A mestiçage m parece "combinar" com essa na-
caso do jazz no início dos anos 20. Não de vo, neste livro, ~ureza tropical por sua maior possibilidade de se adequar ao
entrar nesse tipo de especulação. Q ueria apenas mostrar que _e, talvez mais importante, de aceitar o) diverso / variado. O
incentiv ' miscigenação
0 a · · foi um dos maiores acertos d a co 1o-
a s1rnp_atia de Gilberto Freyre pela cultu ra po pu lar urbana .
n1zação por t uguesa. Seu maior· erro talvez tenha s1·ct o, sempre
braslle1ra njo s.e estend ia a todas as culturas p o pula res urba-
nas do mundo . O jazz, por exemplo , esteve fo ra dos lirnitcS para Gilberto Freyre, a monocultura , acusada de "perverter
de seu cosmopolitismo . ª natureza tropical". O certo ser ia incentivar a "va riedade na
produção agrícola" . Portanto, a monocultura (e a metáfora da
monocultura) passa a o cupar o lugar da miscigenação como
ª causa de todos o males nacionais,' justamen te por tentar
-- -
5
Segundo Gil~rto Frey re, Ge túli o Vargas tambt? m foi influenciado por
~ sua!> ldé in.s· "Mais d e uma vez !Ge túlio Vargas l me disse mwto dever
à~, P.i_gin as q \.le eu e<;crevi?ra sobre a m onocultura latifundiária no Brasil e
4 Em outro amg o Gilber F T,•t11 · , · en tr e n 65,· P~o·.
~rl hca q ue eu desenvo lve ra ao usi.nei.rismo paras1tano · 01nas
\." ·h • to reyre também lamenta o fa to "qualqu<'r , l' <"li
e OJe , no Brasu 0 h .. d
• u>. . B0 rui .! I•
1_ , _
ou o Amurante Barr. • eroi e mw to rna1 o r n úme ro que JoSt' b1.._~ca CUJ O conhecimt>nto considerava indispensável aos homens pubhcos
OS-O ou o Padre Feijó" (Freyre, 1979, vo l 1. 3()()) eu--os" (Freyre, 1979a : 191) .
88 O MISTÉRIO DO SAMBA GILBERTO FREYRE 89

impor o único sobre o inevitavelmente (naturalmente) d iver- que se discutem assuntos como 'as minorias fazem a história " '
so. "Felizmente" a natureza e a cultura se revoltam criando (Freyre, 1942: 69). Durante essa conferência eram citados tre-
"ilhas" de variedade na monocultura. chos de documentos " típicos" desse gênero de antiluso-bra-
O mestiço estaria muito mais adaptado à exuberância do sileirismo (que, insinuava-se, devia ter conexões com o nazis-
mundo tropical, podendo lidar criativamente com aquilo que mo 7) . Um exemplo da propaganda antinacional:
não é homogêneo. Essa tendência à "morenidade" não foi
exatamente inventada nos trópicos. Suas raízes seriam ibéri- (... ) o que não existe é povo brasileiro. Nisso todos nós
estamos de acordo. O que há é um Estado brasileiro, no
cas: o estímulo à diferenciação, ao "se sentir em casa" no
qual vivem d iversos povos, a saber, para citar apenas
heterogêneo, seria conseqüência direta da "complexidade ét- alguns, lusitanos, alemães, italianos, japoneses, índios,
nica e cultural portuguesa". Mas mesmo assim a aptidão negros etc.( ...) Nós não reconhecemos a etnia lusa corno
brasileira a se relacionar com o indefinido e o diverso é con- representante exclusiva do nacionalismo brasileiro. Do
siderada por Gilberto Freyre nossa grande originalidade mesmo modo não admitimos que essa concepção política
como experiência civilizatória, aquilo que nos marca como seja designada por nacionalismo (Citado em Freyre,
d iferentes, justamente por estarmos mais abertos à d iferença 1942: 70-1).
e podermos incluir o indefinido em nossa definição de iden-
Essas palavras, que seriam ouvidas com naturalidade num
tidade.
dos atuais encontros "multiculturais", causam horror a Gil-
berto Freyre. Estaria em risco o "cuidadoso" processo de
miscigenação 1uso-brasileira.
Sobrados e mucambos p ode ser entendido como a descri~ão
de um processo de decadência d a miscigenação e do trop1ca-
lismo. Tudo começou com a transmigração da família real
Se~undo Gilberto Freyre, a possibilidade de as diferenças
portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos, rom~en~o
deixarem de interagir, mantendo-se absolutamente afastadas,
com o isolamento colonial. Durante todo o século XIX so tena
é um perigo constante para qualquer sociedade . Nisso s~u
crescido o medo dos "olhos estrangeiros", o qu~ lev?u os
pensamento tem vários pontos em comum com o de SílvJO
brasileiros a esconderem costumes africanos e regwnahsmos
Romero (se~ a idéia de um "branqueamento" no final do
(Freyre, 1968: 392). A modinha, o rapé, a cozinha meS ti~a, os
proc~sso de mte_~a~ão). Em artigo de 4 de novembro de 19231
santos de cajá, as redes, as rendas teriam saído de ~oda, Junto
publicado no ~zarzo_de Pernambuco, Freyre mostra-se preocu- -
com a ,,.m te 11gente ~ . ,, com re laça-0 ao diferente, ca-
pado com a disseminação do "elemento israelita no No rd es- to1erancia
racterística do luso-tropicalismo. Acabava-se ª alianç_a ent~e
~e". O problema desses novos imigrantes seria o m esmo que easa-grande e senz ala "formando-se um conJ·unto anstocra-
incomodava Sílvio Romero nas colônias alemãs do .Sul do
tico altamente definid~ e coeso, enquanto os mucam~os, gra-
país: seu "exclusivismo". A ameaça estaria na "constituição d ua lmente expulsos para zonas cada vez mai·5 longmquas
de u!1' ' Nós' de1:tro do -'Nós' nacional" (Freyre, 1979, vol. 1 . .e
· · · -nohmite
329 ). Anos dep01s, em 1940, escreveria sua conferência uma insalubres, dão também a impressão de con 5t ~!11ir. ) A
- uma cultura inteiramente separa d a "(ArauJO' 1993• 176 ·
cu!tura ª"::açada: a luso-brasileira, atacando "congressos cultu-
rais e pohtícos direta ou indiretamente antiluso-brasileiros em
~
livr: a a 'ôibliografia
. b asiJeira", apêndice do
d e propaganda -anhlu~od rautoria alemã ou " teu-
! b em que está publicada essa conferencia, e e
6 Éilc~rioso notar que nesse m esmo artigo Gilberto Freyre fale da cultora 0
- rasileira" .
b ras eira como melting-pol .
90 O MlSTÊRIO DO SAMBA GILBERTO FREYRE 91

"re-europeização" pela qual passou a elite brasileira seria profundamente com a gente mais oprimida da Rússia, sendo
"acima de tudo excludente". ele homem de classe senhoril e até conde" (Freyre, 1987: 40) .
Gilberto Freyre prega a volta do contato entre mundos As conseqüências desse tipo de argumentação são previsíveis:
diferentes, a volta da miscigenação, a volta da mistura de
Não há felizmente no Brasil uma poesia africana como
culturas. Critica, como um bom romântico alemão atacando aquela nos Estados Unidos, (... ) poesia crispada quase
a cultura "afrancesada" da nobreza prussiana, o artificialismo sempre em atitude de defesa ou de agressão( .. .). O que
da "re-europeização". No final de Sobrados e mucambos, Gil- há no Brasil é uma zona de poesia mais colorida pela
berto Freyre consegue até perceber sinais de uma volta do influência do africano: um africano já muito dissolvido
"equilfbrio de antagonismos", mas, como aponta Ricardo Ben- no brasileiro (Freyre, 1987: 43).
zaquem de Araújo, "não fornece nenhuma informação acerca Alguns poemas de Jorge de Lima, além de serem exemplos
da maneira ( ...) como foi possível que elas [as tradições afri- dessa poesia "colorida", podem mesmo ser considerados pre-
canas], de repente, ultrapassassem aquela barreira de civilida- cur~o~es de Casa-grande e senzala . Cito versos de A minha
de e de preconceito e se mostrassem ativas e influentes dentro Amenca, publicado em 1927:
dos Sobrados" (Araújo, 1993: 203). ·
Não é esse nesse de repente que estaria o "mistério do v~s [a~ericanos do norte] que inventastes o novo mundo,
nao vistes a outra América furar
samba" apresentado no primeiro capítulo deste livro? Gilber- na escuridão que limita as fronteiras da raça,
to Freyre fala da atuação dos mulatos urbanos nessa transfor- furar com unhas longas e sem brilho
mação. Talvez, por um raro momento de modéstia, não tenha 0
canal do Panamá entre o México e vós outros .
;~lado, em Sobrados e mucambos, de seu próprio papel corno
E ainda:
s~lvador da pátria" mestiça: ele e seus amigos teriam conse-
guido, contra os desejos da elite "re-europeizada", reconhecer Aqui os mulatos
0
v_alor tanto de Pixinguinha quanto do arroz-doce . Essa na!- subs~ituíram os negros gigantes de Vachel Lindsay.
rahva da re-europeização (e da iluminação pró-miscigenaçao Aqui não há os selvagens felizes de Mary Austin .
em Novad York) era conveniente para transformar suas I·d e'ias Negros,
em e1:1onstr ação de heroísmo . O heroísmo da empatia. urna Selvagens,
empatíabque poderia, na utopia freyreana reunir sobrados e Amarelos,
mucam os . , ~ ar~o-íris de todas as raças canta pela boca
0

A defesa explfcit d
de Mel 0 M ª ª .
empatia, palavra que segundo 0 10
- go u ª minha nova América do Sul /
enezes também t . .d . língua ma escala diferente da vossa escala .
brasileira por G"lb ena s1 o mtroduzida na . _
do em 1947 p i ~rto Freyre, aparece num prefácio, publ~ ~- aA dissolu çao - no arco-íris de todas as raças nao - sigm
· ·f·ica o
Pagar da ct ·f , . -
berto Freyr~ /pra ~emas negros, livro de Jorge de Lima - d1 entre . s i erenças, mas sim o _c~i:iviv10, sem sep_araç~o,
.
pitoresco" rove1ta. a ocasia- o para atacar os mim igos 0
11· •
ent diferenças, com infinitas poss1b1hdades de cornbmaçoes
. , que negariam a J d r ''ufll de ~; ela__s . Gilberto Freyre chama a colonização portuguesa
indivíduo pessoalmen _or~e e Lima, por não se . 3 0 0
~u de escravo" 0 d. _te oprimido pela condição de africdes- tê esplendida aventura de dissolução": "os portugueses se
tína" . Retruca , ireito de escrever sua "poesia afro-no_r do to~ perpetuado, dissolvendo-se sempre noutros povos a pon-
com um a ·1 za nha ~, parecer ir perder-se nos sangues e nas culturas estra-
para combater al rgumento que poderia ser utl ~ o5
quais só negro p;:~a~xcessos "mul~culturais" (segun e ºgaY urn s (Freyre, 1942: 26-7). Parece, mas não é : a dissolução é
etc .) de hoje em dia· ,, ar de negro, so gay pode falar d nẠf;re; e st r_atégia de perpetuar a diferença. Será que Gilberto
houvesse empati· . · Como se em arte e em literato'.ª _e.e <\Venrte viu no samba um novo exemplo dessa esplêndida
llra?
ª ª que fez um Tolstoi ident1·f1caf "
a . a emp ti.
G IL BERTO FREYRE 93
92 O MISTÊR1O DO SAMBA

1 boraram direta ou indiretamente para a realização do


co ª ntro entre a turma de G ilberto Freyre e a turma de Pixin-
enco , .
"nha . Resta ainda tentar responder a uma pergunta sena:
gui ue um modernista francês como Blaise Cendrars está fa-
É estranho, num autor que diz, como já foi citado, ser a música ~e~do nessa história, apresentando Donga a Prudente de
a arte em que de preferência se tem manifestado o "espírito Morais Neto?
nacional" da gente luso-americana, ver que Gilberto Freyre
escreveu muito pouco sobre a música popular brasileira. Em
Casa-grande e senzala o samba aparece apenas numa nota do
capítulo II (para dizer que, com o tempo, sua dança foi "de-
formada", adquirindo maior licenciosidade) e a modinha num
trecho que aponta suas relações com a gravidade da música
religiosa colonial (Freyre, 1981: 151). Em Sobrados e mucambos,
o samba aparece pervertido em "dança plebéia", depois salva
por Carrnen Miranda 8 (Freyre, 1968: 522). E a modinha é citada
algumas vezes corno estilo musical envergonhado ante a re-
europeização da elite. Em Ordem e progresso, as preferências
musicais dos entrevistados merecem maior destaque, mas
nada que se compare com o número de páginas dedicadas à
literatura. Além disso, em outros livros, aparecem elogios ao
pan-brasileirismo carioca de Villa-Lobos e pouca coisa mais.
Talvez Gilberto Freyre cultive essa característica que identifi-
cou entre os recifenses: "Amigos da economia e do silêncio,
evitamos a música ou, antes, fazemo-la substituir pela cha-
mada cena muda, que deliciosamente combina as vantagens
da barateza e silêncio." Daí o silêncio, ou melhor, as poucas
pal~vras s~bre o "encontro" em tomo do qual o presente livro
esta organizado.
Ma s, antes de cairmos de vez no barulho do samba é
ne , ·
cessano percorrer um último caminho tortuoso (desses que
nos parecem afastar do lugar ao qual pretendemos chegar),
tendo . em vista comple t ar os comentanos
, · sobre os mumero
· , s
mediadores' muitos d e 1es mediadores
. entre mediadores, que

8 Esse trecho é a seqüência d d


quar-se a determ· d . e uma reflexão que poderia muito bem a e·
st
os negros e pardoi;~ as marufe ªções do Brasil contemporâneo: "0 que
dar alívio a ene . eram, ~xplodindo algumas vezes em desordeiros, foi
rg1as normais em h ue
a gente dominante omens ou adolescentes vigorosos 9
nem sempre soub d • jos
menos violentos" (F e e1xar que se exprimissem por rne
reyre, 1968: 522) .
6
O SAMBA MODERNO

Como já foi citado, Gilberto Freyre escreveu, em artigo publi-


cado no Diário de Pernambuco em 1926, que uma das duas
principais explicações para o "movimento de valorização do
negro" no Rio de Janeiro teria sido "a influência de Blaisc
Cendrars" (Freyre, 1979: 329) . Um poeta francês, repre-
sen_tante das vanguardas artísticas de Paris, ensinara a seus
amigos modernistas brasileiros o respeito pelas "coisas ne-
gras" e pelas "coisas brasileiras". Não é só Gilberto Freyre
quem enfatiza o papel de Blaise Ccnd rars nessa "descoberta"
do Brasil por nossos artistas modernos. Essa é uma das expli-
~a~ões mais difundidas para um outro mistério (entre os
inumeros mistérios - do samba, da mestiçagem etc. - que
pov_oam este livro) envolvendo a definição da identida?c
nacional brasileira no início do século XX . Trata-se daquilo
que Eduardo Jardim de Moraes chama de "duas fases" do
rnocternismo brasileiro. O mistério está em comprce nd er
como uma fase se transformou na outra:
Urna primeira fase iniciada em 1917, caracteriza-se como
ª da polêmica do ~odernismo contrc1 o passadismo. ES tª
é uma fase de atualização - modernizaçao· - e. . m que se
sente fortemente a absorção das conquistas das vanguar-
das européias do momento e que perdura até o ano?~
1924. Uma segunda fase( ... ) que se inicia no ano cruc1~
de 24, quando a modernismo passa a adotar com~ pnl-
11lordial a questão da elaboração de uma cultura nac1ona '
e yue prossegue até o ano de 1929 (Moracs, 1978: 49).

95
O MISTÉRIO DO SAMBA O SAMBA MODERNO
96 97

Em outras palavras: o que está no centro do mistério é sab rios, cortaria quaisquer_laços que pudessem ser estabeleci-
.
como os nossos mo d ermstas d e1xaram
. er
d e lad o o " puro" van- ~os entre esse novo pro!eto e as tentativas nacionalistas de
guardismo internacionalizante e passaram a tentar invent~ .., Graça Aranha, um Lima Barreto, um Afonso Arin
º"' Cunh S'l . R os, um
uma imagem de Brasil que atendesse a seus interesses mo~ Euclides da,,. . ª: u~, 1,v10 . ornero ou mesmo todos os
demos. Como se dá e~sa__"reviravolt_a" (o termo é _de Moraes), ..,a~nticos md1amstas
rou, . . So assim o moderno cumpr·1na . seu
tão bem expressa nas 1de1as do Manifesto pau-braszl, publicado papel de ru-~tura :ad1cal com o ~,assado, com a "tradição".
em 1924? Mas as coisas nao se deram
-
- ,,exatamente" -desse mod o
A relevância da influência de Blaise Cendrars é apontada iluminado, A~ pr_eocupaçoes _com a desco?erta do Brasil" por
por inúmeros autores. Eduardo Jardim de Moraes considera parte dos propnos modernistas antecediam a viagem pela
que Aracy de Amaral, Benedito Nunes e Antônio Cândido Minas colonial acompanhando Blaise Cendrars. Hábitos in-
dão importância exagerada a essa influência. Mas parece que fluenciados pelo gos!o. das "coisas _b~asile_i ras", parecia~ já
os próprios modernistas, na hora mesma em que viviam a fazer parte de seu cotidiano. Um cotidiano nacionalista" não
1

"reviravolta", tendiam a concordar com a opinião de seus só vivido pela "vanguarda" paulista, mas por grande parte
futuros intérpretes. A pintora Tarsila do Amaral chegou a da elite. política e eco:11ômica de São Paulo (com a qual os
fazer a seguinte declaração: "graças a Cendrars, essa viagem modernistas nunca deixaram de ter, além de laços de família
1aquela que a própria Tarsila, ao lado de Mário e Oswald de em alguns casos, relações pelo menos cordiais 1 - mesmo
Andrade, entre outros, fez com o poeta francês para as cidades quando havia alguma desconfiança mútua).
"coloniais" de Minas Gerais] coletiva de nossos poetas 'mo- A elite paulista já vivia em ritmo de redescoberta do Brasil
dernistas' deveria marcar, tanto para eles corno para Cen- bem antes da primeira visita de Blaise Cendrars a São Paulo
drars, uma verdadeira descoberta do Brasil profundo" (de- em 1924. Nicolau Sevcenko descreve a aproximação entre essa
poimento citado em Cendrars, 1957, vol. 15: ix) . Mário de elite e a cultura popular (prefiro dizer redefinição do modo
Andrade se referiu a essa viagem corno "excursões de 'des- de relação, já que - segundo o que os dados apresentados
coberta"' (citado em Sevcenko, 1992: 297), e Oswald de An- até agora neste livro levam a supor - nunca houve uma
drade, numa demonstração de gratidão a seu colega francês, ruptura ou um afastamento radical nessa relação) em seu livro
dedicou o livro de poemas Pau-brasil "a Blaise Cendrars por Orfeu extático na metrópole. Segundo Sevcenko, um aconteci-
ocasião da descoberta do Brasil". mento central para essa nova atitude teria sido a montagem,
Os modernistas também pareciam querer propagandear em 1919, no Teatro Municipal de São Paulo, da peça O con-
essa "reviravolta" pela qual passaram corno uma iluminação, tr~tador de diamantes, de Afonso Arinos (encenada, portanto,
uma súbita revelação (mais uma vez desencadeada por um tre~ anos depois da morte de seu autor): "O contratador surgiu
outsider, como Franz Boas para a "valorização do mestiço" no assun, a0 mesmo tempo, corno cristalização e como catalisa-
caso de Gilberto Freyre) que, de certa forma, em nada depen-
deria da situação brasileira ou dos movimentos artísticos bra-
sileiros anteriores ao modernismo. Mário da Silva Brito, um
~ Por exemplo, os modernistas Oswald de Andrade e Menotti dei Picchia,
dos mais importantes historiadores do modernismo brasilei- Junto com Monteiro Lobato, foram convidados por Washington Luís a for-
ro, chega a dizer que "os modernistas não têm mestres no ~ uma comissão oficial que se encarregaria de criar um monument_o em
Brasil. Ou porque estão mortos ou porque, mesmo vivos, são OD\ena~em aos bfil\deirantes, a ser inaugurado no centenário da mde-
corno praticamente inexistentes para eles" (Brito, 1974: 137). P~ncia, em 1922. As críticas dos jornais paulistas ao projeto, desenvol-
vi opor Brecheret, foram muito favoráveis, mas a gigantesca (e moderna)
O mome~to modernista seria aquele de inauguração de um eSCUlt\lra não foi erguida naquela ocasião por causa de uma disputa com
novo projeto de arte no Brasil (e do Brasil). Essa versão da 0
81'Upo de imigrantes portugueses de São Paulo, que queria dar à cidade
história, que os modernistas gostam de contar para si pró- llln outro monumento (ver Brito, 1974: 122-7).
F
O MISTÊRIÜ DO SAMBA O SAMBA MODERNO 99
9S

fermentação nativista que adquiria densidade formação tecnológica e oscilações na estrutura socioeco-
dor de uma d ·reção aos anos 20" (Sevcenko, 1992: 247) . nômica, é um limiar difícil de distinguir (Sevcenko, 1992:
crescente em tivo i da importanoa
• . d essa " simp
. 1 "
Qua 1 o mo . . es. montagern 250).
, B m nada era tão snnp1es assim, prmcipalmente se
tea tra ! · e ' 1 ·d O fato é que a elite pa ul istana parecia se divertir com seu
levarmos em conta quem estava envo( _vi 1º _nad enc~nação da-
t que tão bem representava me um o ate uma cena novo encanto pelas "coisas brasileiras" . Mais que isso: ela
que ie tex o ,, t· • ,, estava inventando um orgulho por habitar o país que produz
ue foi dançada por negros au enticos no palco
de conga da , q ul ,, ,, li ,, essas coisas.
do Municipal) as idéias "pop ares ou popu stas de Afon-
so Arinos: "Quando em maio de 1919 foi a_rresentado o nome Os modernistas paulistanos não podiam deixar de ser con-
componentes do elenco e dos patrocinadores, eles com- taminados por esse orgulho popular-nacional, e isso se deu
dm - d . muito antes do encontro com Blaise Cendrars. Parecia mesmo
unham uma autêntica relaçao o quem e quem na elite
Plutocrática paulista" (Sevcenko, 1992: 241), envolvendo até que estavam preparados para tal encontro e podiam atender
~ participação ativ~ do ent~o prefeit? de São Paulo, e futuro às exigências francesas de "d iferença" e "exotismo". Tanto
presidente do Brasil, Washington Lms. . _ que, em 1915 (bem antes da estréia da peça de Afonso Arinos),
O sucesso foi retumbante, desencadeando uma espeae de <?swald d~ Andrad~, e~ ~eu momento mais "futurista", já
furor nativista na alta sociedade paulistana: ' 'Depois de d'0 t~a es~;lto um artigo mhtulado ''Em prol de uma pintura
contratador, aquilo que era uma corrente intelectual [repre- nacional , em que advogava a seguinte idéia: "não nos faltam
sentada principalmente pela R~vista do Bras!l, cri~~a _ei:n ~;16 os mais variados modelos de cenário, os mais diversos tons
de paleta, os mais_express~;os tipos da vida trágica e opulenta
pela Liga Nacionalista, e pela literatura regio~al ~a1p~ra de
Monteiro Lobato, Amadeu Amaral2 e Valdomiro Silveira, en- do _n osso vasto hznterland (citado em Brito, 1976: 35). Anos
tre outros] se transforma numa moda de ampla vigência so- mais tarde, em sua temporada francesa de 1923, Oswald de
cial" (Sevcenko, 1992: 247). Além disso, "Afonso Arinos foi Andrade fez, a convite do embaixador brasileiro na França
alçado à posição de herói intelectual dos novos tempos" (Sev- Sousa Lima, uma conferenc1a• · na Sorbonne em que "destacou'
cenko, 1992: 242) . . ª p~esença sugestiva do tambor africano e do canto negro em
A moda "nativista" atacou em várias frentes. Foram reali- ::~isNcomo força_s é~~cas que desembocavam na modernida-
zados com grande sucesso, por exemplo, "saraus regionalis- .. ( _unes, 1978. xvm) . Nesse mesmo ano, Tarsila do AmaraP
tas" em que "distintas senhoritas" interpretavam canções ser- Ja sabia preparar
. a comi· d a hp1ca
• · b rasile1ra
. . para os amigos
tanejas ao violão e escritores famosos liam seus poemas de ~a6iardistas (~endrars, Léger, Brancusi, Vollard, Superviel-
tendências caipiras. Nicolau Sevcenko cita vários outros pro· ' e aunay, Satie, Cocteau) que freqüentavam seu e também
d e 0 swald d A d '
dutos dessa "paixão nacional", de quermesses ao cinema ser· sisti .. e n rade, apartamento de Paris. O menu con-
t_aneio,
· e faz o seguinte. · - de
comentário sobre essa s1tua~ao ba ª -~ m fe11oada, "nossos alcools" (cachaça?) e compota de

--
intensa reordenação das relações intermundos culturais: cun (do depoimento de Tarsila do Amaral em Cendrars,
O quanto . e~ses deslizamentos, sobreposições e fusões
entre tradiçao, nativismo modernidade e cultura popu- 3 É b0
m notar· - . . .
l~r e_ram efeitos deliberados, o quanto eram contj.ngên- amante conf · na? se trata de um reg10nahsta como Gilberto Freyre,
aas imponderáveis das condições de urbanização, trans- sem recebe esso da agua de coco, do arroz-doce, e que não vivia n o exterior
4 Todo b/ ~ua_cota de doce de caju.

O_s mgredie asile1ro
t que 1·a· m orou no extenor
· sa b e como e- d 1ºf'1c1·1 encontrar
1 O
Tinha, fora~ e~pa~a _Preparo de uma feijoada, ou de uma simples caipi-
2 Também membr d
e precursor/'
. . do a,as1
~ ª Liga Nacionalista, colaborador da Revz5 la do Amaral. i ;asil. Fico pensando nas dificuldades da "pioneira" Tarsila
n e ela conseguia feijão e bacuri na Paris dos anos 20? Man-
mcentívador dos estudos folclóricos no Brasil.
\
100 O MISTÉRIO DO SAMBA
O SAMBA MODERNO
101

1957, vol. 15: viii). Os brasileiros que receberam Blaise Cen-


mundial), como Léger, Milhaud e Cocteau, para citar apenas
drars em seu primeiro desembarque no porto do Rio de Ja-
alguns. ,, .
neiro, em 1924, também logo o levaram a conhecer mais Seu interesse pelas c01~as negras em geral" antecedera (e
"coisas brasileiras": eram eles Graça Aranha, Ronald de Car-
tal vez tivesse mesmo dominado) seu interesse pelas " .
, A p · d • d d c01sas
valho, Américo Facó, Prudente de Moraes Neto, Guilherme brasileiras' . ans . a vira a os anos 10 para os 20 vivia
de Almeida, Sérgio Buarque de Holanda e Paulo da Silveiras aquilo que}ame~ _Chfford descreve como "um período de
que, segundo Cendrars, "imediatamente me iniciou à cozinha crescente negrophilze, ~m contexto que veria a irrupção na cena
afro-brasileira, nos convidando a todos para almoçar num européia de outras figuras negras evocativas: 0 jazzman 0
boteco do porto" (Cendrars, 1976: 35). boxead?r (AI Br~wn), a sau~ag~ Josephine Baker", a época ~m
Tanto o preparo da feijoada parisiense quanto a excursão que "Picasso, Leger, Apollmaire e muitos outros vieram a
ao boteco do porto do Rio de Janeiro demonstram que os reconhecer a força 'mágica' elementar das esculturas africanas"6
brasileiros já tinham uma familiaridade com as "coisas brasi- (Clifford, 1988: 197). Clifford, seguindo os mandamentos da
leiras" que tanto interessavam a Blaise Cendrars. Mas esses pós-modernidade antropológica, critica essa atitude moderna
mesmos brasileiros afirmaram que foi Blaise Cendrars quem por ser racista e sexista, além de aproximá-la da antropologia:
os fez descobrir o Brasil. Devemos, como bons antropólogos,
levar suas opiniões a sério. Blaise Cendrars agiu como "cris- Ambos os discursos assumem um mundo primitivo ne-
talizador e catalisador" (para usar as expressões com as quais cessitado de preservação, redenção e representação. A
existência concreta e inventiva da cultura e dos artistas
Nicolau Sevcenko descreveu a ação de O contratador de dia-
tribais é suprimida no processo de ou constituir mundos
mantes) de tendências até então dispersas e das quais os bra- "autênticos tradicionais" ou apreciar seus produtos na
sileiros modernistas com quem Blaise Cendrars conviveu tal- categoria atemporal da "arte" (Clifford, 1988: 200).
vez nem se dessem conta . O mesmo aconteceu no encontro
entre Gilberto Freyre e Franz Boas com relação ao problema Jea~ Laude, em seu detalhista La peinturefrançaise (1905-1914)
da mestiçagem . O elemento catalisador e cristalizador passa et l art negre, lembra que essas influências "tribais" podiam
a representar um processo muito mais longo de "tomada de ser not~das na arte francesa já em 1907 e que "desde 1919 a
consciência". Nossos modernistas paulistas identificaram sua ar_te africana entra, assim, progressivamente, no domínio pú-
descoberta do Brasil com Blaise Cendrars. Resta saber o que · ·to comercia
blico e n0· c1rcu1 · 1, e se torna parte integrante do
trouxe o poeta francês ao Brasil e qual a razão de seu_enorme pante~o estético" (Laude, 1968: 11 ).
interesse logo por esse tipo de "coisas brasileiras". . ~laise Cendrars foi um dos principais agentes dessa "in-
Blaise Cendrars era "uma das personagens mais centrais, vasao negra" na arte francesa, sendo inclusive o editor de
uma A t 0 [ ·
mais em foco, mais festejadas da vida artística de Paris ,e _da 1 d 0 ~ ogia negra, publicada em 1921, que colocava lado a
Europa" (Sevcenko, 1992: 288). Seu currículo incluía vanos ª mitos e lendas de todas as etnias africanas com poemas

--
livros de enorme repercussão, argumentos para balés, roteiros e contos de escritores modernos da África. 7 Desse livro saiu
para o cinema experimental e amizades/parcerias com outros
artistas de renome (e decisivos para a história do modernismo
6 Para u · _ . . .
afr" ma mterpretaçao menos s1mphsta da relação entre Picasso e arte
•cana
se v· ' . ver Sev nk 99 , .
ce o, 1 2: 195-7, em que podemos ler: 'Picasso, como
dava buscar tud o no Brasil? E quem cozinhava? TarsiJa? Oswald 7 Ou nossos
pri \t st
a muito longe de procurar algo assim como a autenticidade do
purmi vo, a verdade das formas a espontaneidade do inconsciente ou a
modemiSlas viajavam com criados brasileiros? 7 eza da origem ." '
5
Jo_m~_h sta descrito por Cendrars como o "cronista mais feroz do Rio de par~ eni-z:evista _à rádio francesa publicada no livro Blaise Cendrars vous
Janeiro (Cendrars, 1976: 35).
' epo15 de tomar pública sua admiração por Gregório de Matos, Bla1se
\

O MISTÉRIO DO SAMBA O SAMBA MODERNO


103
102

argumento para o balé A criação do mundo, musicado p humor constante


, .
e uma
1 E
graça irresistível. Ele t·mao
h
o , . fº . d F or ênio da mustea popu ar. ra autor de centena s e cente-
Darius Milhaud e com cenanos e 1gunnos e ernand Lég g
nas de sambas (Cendrars, 1952: 72/73).
estreado em 1923 . Quando chegou ao Brasil, em 1924, Biai:~
Cendrars quis logo, vorazmente, t~r contato com essa cultura entrevista prossegue comb Blaise Cendrars conta"nd o como
A . f .
negra nos locais onde era prod~~1da. . Donga ficou sat1s ~Jto ao sa . er que tinham um conhecido em
Segundo os te~tos mtroduto~1os da yubhca~ão em livro comum, o composit<;>r erudito Dar_ius Milhaud . Donga man-
d os três únicos numeros da revista Estetzca, Blaise Cendra dou um recado a Milhaud : gostana de compor uma mús·
teria conhecido Donga em Paris, "onde o compositor anda;: -r E ;u-, 11 0 . ica
chamada A va~a na ,_orre_ ~11 e em retnbuição à homenagem
tocando com os Oito Batutas" (ver o verbete "Blaise Cendrars" que Milhaud fizera a mu~1ca_popular brasileira em sua com-
do Glossário de homens e coisas da_Estética (1924/1925), p . xxiv) .
Blaise Cer:idrars tem outra ~ersao para esse encontro. O jor-
posi~ão ~e b~euf sur le :ºz~,
citação ~e O boi_ no telhado, tango
de Ze Boiadeiro, pseudommo de Jose Monteiro, que foi cantor
nalis ta Bnto Broca, em artigo para A Gazeta de São Paul o
dos Oito Batutas, grupo de Donga e Pixinguinha .
publicado em 1960, assim resume a entrevista, já citada acima'
Darius Milhaud aparece aqui, ao lado de Blaise Cendrars
em que Blaise Cendrars conta como tudo ocorreu : '
como mais um mediador internacional na história da trans~
Recorda mais adianteª um mulato com quem travou formação do samba em música nacional brasileira . Ele morou
relações no Rio, cuja semelhança com Max Jacob era no Rio de Janeiro de 1914 a 1918, onde trabalhou corno secre-
extraordinária. Conhecia todo mundo na cidade e, como tário particular ~o poeta Paul Claudel, m inistro da Legação
Max, contava histórias "à dormir débout", mas finas, Francesa n~ Br_asil, portanto c~m status de embaixador, já que
inteligentes, por vezes pérfidas. Foi ele que o levou aos a ~ranç_a nao tmh~ uma embaixada brasileira naquela época .
"basfonds" e ao Cinema Poeira, em pleno centro urbano, F01 assim que M1lhaud conheceu Villa-Lobos . Vasco Mariz
"um clube de negros seletos". E assim veio a encontrar-se
ass~m descreve esse encontro: " Não tardaram a ficar amigos
com Donga (citado em Amaral, 1968: 42/ 43).
e V11la-Lobos mostrou-lhe os tesouros da música brasileira e
Passo a palavra a Blaise Cendrars, com sua pitoresca descrição carioca em especial. Levou-o a macumbas introduziu-o ~o
de Donga: n:ieio dos chorões, fê-lo apreciar a música c~rnavalesca" (Ma-
nz,_1989: 50). Milhaud deve ter feito várias outras descobertas
Era um negro de raça pura,9 de tipo daomeano perfeito, sozinho, desde sua chegada ao Rio num sábado de carnaval.
com um rosto redondo como uma lua cheia, de um bom Sobre a música popular brasileira, escreveu :
Os ~itmos dessa música popular me intrigavam e me
Cend_rars diz que não incluiu brasileiros na sua Antologia negra porque dela fasct~avam. Havia, na síncopa, uma imperceptível sus-
so saiu o primeiro volume (ver Cendrars, 1952: 66-7) . pensao, uma respiração molenga, uma sutil parada, que
me era ~uito difícil de captar. Comprei então uma gran-
8 Antes disso Blaise Cendrars falara de suas andanças pelo morro da
Favela, aonde teria ido sozinho, contra as recomendações do prefeito do
Rio de Janeiro (que até colocou à sua disposição um agente policial para
fequantidade_ de maxixes e tangos; esforcei-me por tocá-
os com suas smcopas, que passavam de mão para ou tra .
arnmpanhá-lo quando viu que o poeta francês estava mesmo determina_dC1
ª vis'. tar aquela região "perigosa"). Blaise Cendrars aumenta, para o púbhcC1
da radio francesa, a dramaticidade de sua narrativa descrevendo o morro
da Favela, que ficava no Centro da cidade e foi de~olido como um lugar lO Donga teria dito que comporia essa música "em homenagem à Pans
onde
. .. se est
- ª· em plena sel vageria" e seus habitantes "não' desciam para ª qnaue •nt
eu não conheço"(C endrars, 1957: 73) . Como se vê, não podemos con1·1ar
s I ormaç- · · p ans,
·
odade quase nunca, salvo para o carnaval" (Cendrars 1952: 68/ 69)- ond f oes contidas nesse tipo de depoimentos. Donga conhena
9 Segundo a O · · -
.. ··
piruao lª ·
citada '
de Gilberto Freyre Donga sena·
ape nas drar: •~ou se(s meses tocando com os Oito Batutas . Será qut> Blaise Cen-
outro mulato". ' nao sabia disso?
O SAMBA M ODERNO
O MISTÉRIO DO SAMBA 105
10-l

s foram compensados e pude, enfim, expri- cultura intelectual ~e~ovada_, a _florest~ c~m .ª escola num com-
Meus e Sfo rço d ,, _ . . ló híbrido que ~~hfica a m~s~igenaçao etruca do povo brasi-
. nalisar esse "pequeno na a , tao tipicamente bra-
rnu•e a Um dos melhores compositores· d e musica
· · desse o" e quebra a aura exohca da cultura nativa " (Nunes,
s1.1e1ro.
P1 •
eir . d . d

gener0 ,
Nazaré tocava p iano na entrada de um cinema
, d fl . . 1978: xxxili). Aqui na a ~ena puro, tu o estaria misturado,
da Avenida Rio Branco. Seu modo e tocar, mdo, ma- rneçando a ser outra c01sa a todo momento. É essa instabi-
reensível e triste, ajudou-me, igualmente, a melhor co-
co l .
]idade essencia que pass~ ~ _sera qmrnera de nossos moder-
~hece r a alma brasileira (Citado no verbete "Darius Mi- nistas. Não existe a possibilidade de descansar no território
lha ud " da Enciclopédia de música brasileira; extraído das do Outro porque o Outro está entre nós, até mesmo em "nosso
Notes 5a11 s musique, n otas autobiográficas publicadas em sangue". Oswald de Andrade diz: o Brasil é uma "formação
Paris em 1945). étnica rica". Estamos no centro do (de volta ao) problema da
Como se vê, não existe nessas palavras nenhuma hierarquia mestiçagem . .
erud ito/ popular. Ao contrário, a música I?opular ~ os músicos O problema não tem fácil resolução. E preciso, rep ito, para
populares são tratados com gran?e ~espeito_e seriedade (tam- quem está interessado no processo de construção do nacional,
bé m em relação a aspectos da teçruca musical), como se pu- definir a mestiçagem que nos interessa, o que é o "brasileiro"
dessem - como acabaram fazendo - ensinar coisas impor- que nos interessa . Corre-se o risco de acabar querendo impor
tantes e difíceis a qu alque r músico erudito. De volta a Paris, esse "brasileiro" a todos os diferentes brasileiros. É o que
Milhaud compôs várias obras de inspiração brasileira, como acontece em alguns escritos sobre música de Mário de Andra-
01·11x poi:'mcs tupis; o ch orinho, o tanguinho e o sambinha de. Apesar de suas posições contrárias àquilo que chama de
coletivamente intitu lados Danses de Jacarénzirim; a suíte Sau- xenofobia, imperialismo, exclusivism o, unilateralismo ou,
dades do Brasil; e o Lc boeuf sur le toit, lembrado por Donga, principalmente, exotismo, Mário de Andrade é partid ário de
que sen·iu de trilha sonora para um espetáculo de Jean Coc- uma nacionalização da arte e da cultura feita n o Brasil, colo-
tea u, usando trechos de dezenas de músicas cariocas que can_do pa~a t~dos _os brasileiros o dever de re pudiar mani fes-
fizera m sucesso nos anos 10. Le boeuf sur le toit acabou virando taç~s antinacionais (mesmo as que o próprio Mário d e Andrade
o nome de um cabaré, també m criado por Jean Cocteau, e que cons,dera~a de inegável v alor artístico), "q ue nem faz a Rússia
se transfo rmou "na coqueluche e num dos principais centr~s com S~avmsky e Kandinsky" (Andrade, M ., 1962: 17).
da \'ida cul tural de Paris" (Sevcenko, 1992: 278) . Como se ve, A cit~ção anterior, surpreendente no p ensamento de um
a cul tura popular brasileira , entre os anos 10 e 30, atravessou modernista paulista (tal vez os regionalistas pernambucanos
o Atlântico \·arias vezes, sendo apropriada p elos franceses ~e nunca ous assem declaração semelhante), foi retirada do En-
inusitad as maneiras, num fe nômeno típico d e transcu lturaçao saio sobre a música brasileira, publicado inicialmente em 1928,
0
(para urna d iscussão sobre esse con ce ito , ver o Anexo 1) que . mesmo ano da edição d e M acuna íma, o romance mais na-
gerou muitas redefinições de identidade para vários grupos : n~lis_ta (com um h e ró i m estiço) d e nosso modernismo.
10
sooa1s, tanto na Europa qu anto no Bras il. : tinha consciên cia de que esse seu nacionaHsmo era uma
No Brasil, essa cultura popular brasileira, que ta rnb_ern p~{;º
0
(e u m a _co nstruçã o) p o lítica, adequada ao momento
est ª"ª sendo definida / fa bricada no v ai vém interatlântico, d quaJ O pais es tava passando, e não o resultado de uma
não ~ode ter O mesmo exotismo que tanto sed u ziu O olhar escoberta
CUl . d a essenc1a do povo bras1le1ro ou d e suas ra1zes
A • • • ·
frances. Benedito NW1.es, em seu texto " A antropofagia ª0 e lurais imutá veis. N esse mes mo ensaio fica enfatizado 0
alcance de todo s " , a f.irma q ue o que m ov e o pensamen to Je ornba
fica - te à " pue ril.1d ade" d o exotismo, descrito
. corno a " f a ls1
.-
Oswald de. And rad e " nao - se ra. p ois . o exobsm . o a rn a\·el ,e
compr~ensivo de Blaise Cend ra rs" (Nunes, 1978: xxxiii) . r--;o
qt.Je
n,u
ç:~/ª e~tid a~e-~ra~i~e ira" realizada,,P?,r ~odernos loc~is
. umb1ram a optruão de e uropeu : nao é a expressao
Mamff'~ to pn1.1 -hras1/' o id eal é ,, con c1·1·ia r a cu 1tura n au·va e J ur.al e n ecessária de uma n acionalidade não, em vez é 0
106 O MISTÉRIO DO SAMBA O SAMBA MOD ERN O
107

exo tismo, o jamais escutado em música artística, sensações rais e urbanas seriam quase "indelimitáveis" e que as gran-
fortes , vatapá, jacaré, vitória-régia" (Andrade, M., 1962: 14) . ~~s cidades brasi~eiras _pr_o duziram es~los musicais sedutores
A crítica de Mário da Andrade a essa "opinião de europeu" mo aquele do 'bras1le1ro espertalhao e carioquisado" que
poderia ter sido endereçada a seu amigo Blaise Cendrars: "o ro . fl
"reage mais dinamicamente na auta, no violão, no oficleide
que a Europa tira da gente são elementos de exposição uni- e no saxofone modernista, maxixando com tamanho talento
versal : exotismo divertido . Na música, mesmo os europeus na anca que a gente fica pasmo só de ver" (do artigo publicado
que visitam a gente perseveram nessa procura do exquisito em O Estado do Pará, já citado acima) . Mesmo assim, urna
apimentado ." E ainda : "Si escutam um batuque brabo muito "patrulha" do nacional entra imediatamente em ação. O es-
que bem, estão gosando, porêm si é modinha sem sincopa ou critor Antônio de Alcântara Machado desabafou na Revista do
certas efusões líricas dos tanguinhos de Marcelo Tupinambá . Brasil, no final dos anos 20 (quando a "revira volta" naàona-
Isso é música italiana' falam de cara enjoada" (Andrade, M., lizante do modernismo brasileiro já estava consolidada):
1962: 15). Tal argumentação poderia ter como conseqüência ''Hoje se escreve brasileiro por sistema, por ser moda" (Sev-
uma definição de música brasileira que englobasse "toda mú- cenko, 1992: 300) . O samba também virara moda?
sica nacional como criação quer tenha ou não caracter étnico"
(Andrade, M., 1962: 16). Seria, então, arte brasileira mesmo
aquela produzida por "um artista brasileiro escrevendo agora
em alemão sobre assunto chinês" com "música da tal chamada
de universal"? Em tese a resposta seria sim, mas na prática os
brasileiros deveriam lutar contra essa música, que seria "an-
tinacional" .
Aqui entram, sem muitas explicações, as preocupações
políticas de Mário de Andrade . O período "atual" (o fina_l ~os
anos 20) seria de "nacionalização", e "o compositor brasileiro
tem de se basear quer como documentação quer como insr 1-
ração no folclore " (Andrade, M ., 1962: 29) . Em carta a Joaqwm
Inojosa, historiador do movimento regionalista e modernista
pernambucano, Mário de Andrade escreveu: "o critério his-
tórico atual de música brasileira é o da manifestação musical
que, sendo fei ta por brasileiro ou indivíduo nacionalizado,
re0ete características musicais da raça. Onde estas estão 7 Na
mus ica pop ul ar" (citado em Moraes, 1992: 77) . E qual a ver-
dadeira ~ Ú5ica popular? Como já vimos, a inspiraç~o deve
sempre vir do folcl ore. Assim, Mário de Andrade se d1sta noa
da "infl uência de letéria d o urbanismo" (Andrade, M ., 1936 :
4), do "pop ul aresco" e do "interna cionalismo fatal dos meios
urbanos que amolece os valores nacionais" (Andrade, M-,
1962··11 126) · 1sso tudo reconhecendo que no Brasil as zon as

~le ~;~Sgotrpubüf.cado inicia lmente no jornal O Es tado do Pará, em 22 de j_ulhO


P o o 1vro En saio sobre a m11, s1·ca b' asik"ª
- , ans ormad o em ca !tu) d 1.
·
7
O SAMBA DA MINHA TERRA

Os revolucionários de 30 já disp unham de meios eficientes


para difundir nacionalmente suas p regações unificadoras. O
rádio, por exemplo, fizera suas primeiras transmissões no
Brasil nas comemorações do centenário da Independência em
1922. Em 1923 foi inaugurada a p rimeira estação de rádio
brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, iniciativa do
antropólogo Roquette Pinto 1 e do cientista Henrique Morize.
No início, sua programação ("o que o povo precisa") consistia
apenas de música erudita e palestras culturais (no sentido de.
"Alta Cultura").
O panorama se modificou com a concorrência de outras
rádios comerciais, como a Rádio Mayrink Veiga, inaugurada
em 1926, e a Rádio Educadora, em 1927. Apesar do crescente
número de emissoras, os primeiros programas de grande
audiência só surgiram depois da Revolução de 30. O pioneiro
nesse estilo foi o Programa Casé, colocado no ar pela primeira
vez em 1932. A Rádio Nacional adotou a programação de
~úsica popular do Programa Casé, tomando-se a emissora _m~is
influente nos anos Getúlio Vargas,2 ouvida em ondas medias

1
Seis anos depois em 1929 o mesmo Roquette Pinto estaria participando
de um Congresso Brasileiro de Eugenia, em que fez - contra os ariani5tª5
- uma vigorosa defesa do mestiço brasileiro, citada por Gilberto Freyre
no Prefá · • &
2
Cio a 1 Edição de Casa-grande e sen:z.ala. .
Um presidente que tinha muita consciência do papel que os meios de
- de massa poderiam desempenhar na rea1izaçao
cornunicaçao · - de seu plano

109
110 O MISTÊRJO DO SAMBA O SAMBA DA MINHA TERRA
11 1

e curtas em todo território nacional. Mesmo A hora do Bra 51


1 TI
·trnos. o próprio. carnaval,. descrito
• d
por Oswald de And ra d e
programa de propaganda criado durante o Estado Nov 0 ' o "o acontecimento re 1ig10so
que até hoje é transmissão obrigatória para todas as emissor (e corn , . d . raça ", não era fest a mo_
a
v1·da apenas por musicas
, . que po . enam ser classificadas como
brasileiras)~ incluía a divulgação de música popular em si: sileiras. Ao contrano, os maiores sucessos da folia , desd e
bra . b .1 (
programaçao. Vale lembrar que os programas de maior au- que ela se orgamzou em ai es tanto os aristocráticos como
diência em todo o Brasil eram transmitidos do Rio de Janeiro. os populares), era~ polcas, valsas, ~angos, mazurcas, schot-
(Para detalhes sobre os primeiros anos do rádio no Brasil, ver tishes e 0 utras novidades norte-amencanas como O charleston
Tinhorão, 1981; Cabral, 1990; Almirante, 1977; entre outros.) e O fox-trot. Do !ado nacional, a variedade também imperava:
O mercado de discos brasileiros, no final da década de 20 ouviam-se maxixe, modas, marchas, cateretês e desafios ser-
também estava em ritmo de revolução, com o advento d~ tanejos. Nenhum desses estilos musicais, apesar de suas mo-
gravação elétrica e a instalação de várias gravadoras no país. das passageiras, parecia ter fôlego suficiente para conquistar
Até 1928 existia apenas uma gravadora lançando discos no a hegemonia no gosto popular da época. Nenhum deles era
Brasil, a Casa Edison, de propriedade da empresa Odeon. considerado o ritmo nacional por excelência.
Nesse ano são inauguradas a Parlophon, também da Odeon, Foi só nos anos 30 que o samba carioca começou a colonizar
e a Columbia. No ano seguinte, 1929, é a vez da Brunswick e o carnaval brasileiro, transformando-se em símbolo de nacio-
da RCA, todas com sede no Rio de Janeiro e todas precisando nalidade. Os outros gêneros produzidos no Brasil passaram
de novos músicos para completar seus casts. Nada mais pro- a ser considerados regionais. Essa "colonização" interna feita
pício para o samba carioca, mais tarde tido como brasileiro, pelo samba tem um bom exemplo nas respostas do sambista
finalmente se definir como estilo musical. Em sua própria gaúcho Lupiscínio Rodrigues durante uma entrevista ao jor-
cidade, já havia as rádios, as gravadoras e o interesse político nal Pasquim, realizada em 1976. Distinguindo seu estilo mu-
que facilitariam (mas não determinariam - isso é outro pro- sical daquele de seu conterrâneo Teixeirinha, compositor mais
blema) sua adoção como nova moda em qualquer cidade li~ado às ''.tradições" da música gaúcha, Lupiscínio diz: "A
brasileira. O samba tem "tudo" a seu dispor para se ttansfor- diferença e que eu faço música popular, o Teixeirinha faz
mar em música nacional. mús~ca regional." À pergunta sobre como conseguia afastar
essa influência do Rio Grande do Sul de sua música, a resposta
é sugestiva: "Eu acho o ritmo brasileiro o melhor do mundo"
(R~drigues, 1976: 68). Lupiscínio nem precisa explicitar que
0
r~tmo brasileiro, considerado popular (coisa que a música
regional não seria), só pode ser o samba carioca.
No início do século XX o campo da música popular o~ vida A ausência do "ritmo brasileiro" até a vitória do samba
no Brasil era regido por uma extrema variedade de eshlos e depois da Revolução de 30, não sign'ífícava, como ficou claro
nos_ capítulos anteriores, que inexistisse um certo intercâmbio
regional e entre classes sociais em matéria de gosto musical.
de uni_dade nacional. Tanto que, em sua mensagem ao Congresso em Jº O exemplo, já discutido da modinha prova exatamente 0
contrá rio, · mostrando como ' um ritmo podia ser sucesso em
de maio de 1937, declarou: "O Governo da União procurará entender-seª
~ropósito, ~om os_estados e muniápios, de modo que, mesmo nas p~quena: todo O Brasil (conquistando inclusive repercussão na Europa),
glomeraçoes, seiam instalados aparelhos rádio-receptores, providos d
m~ nem por isso se transformando em gosto hegemonico ou
..
alto-falantes, em condições de facilitar a todos os brasileiros (...) toda sorte símbolo do que existe de mais brasileiro no Brasil.
de
. notícias tend en tes a entrelaçar os mteresses
. diversos da naçao. - " E con-
tinua: "A iniciativa mais se recomenda quando consideramos o fato de não
eXJSb.r no Brasil imprensa de divulgação nacional" (citado em Cabral, s/ d:
39).
112 O MISTÊRIO DO SAMBA O SAMBA DA MI N HA TERRA 11:\

Voltando então aos músicos que participaram do 0


candomblé e vários ritmos do samba, que aqui
·
d escnto , l encontro bagag:Osformados no samba carioca) do Centro da cidade
no cap1tu o I, principalmente Donga e Pixi· •
ngu1nha· foram ulll primeiro momento, a Cidade Nova e, depois, para
sa b emos que, no carnaval de 1914, eles participaram d f ·
mação do Grupo do Caxangá, junto com João Pernam~ or- para, ;úrbios e favelas. Mas no Centro ainda era possível
(parceiro de Catulo da Paixão Cearense - dizem at - uco os suntrar uma mistura d e t o d as as e1asses sooa1
. .s, me
. 1us1ve
.
. d , . d e que enco d , .d . 1 d
C a tul o se apropnou
, e vanas e suas composições) •o G rupo mora ndo
lado a la o , o que tomava rap1 a a c1rcu ação as
. .
do Caxanga permaneceu tocando nos carnavais até 1919. N 0 vidades lançadas pelos diferentes segmentos da sooedade
resto do ano • •
seus músicos tinham outras atividades , mu 1·tas "~rioca. Também já me referi ao fato de que, antes da existên-
delas dec1s1vas para o futuro da música popular no Brasil ~ia do Grupo do Caxangá, Afonso Arinos e outros escritores
Pixinguinha e Donga eram freqüentadores da casa de Ti~ de renome freqüentavam a república onde moravam Donga,
Ciata,3 na Praça Onze, endereço importantíssimo para 0 Pixinguinha e Heitor dos Prazeres. Donga, em seu depoimen-
nascimento do samba carioca.4 Foi numa das noitadas musi- to ao Museu da Imagem e do Som gravado em 1969, descreveu
cais na casa dessa tia baiana que foi composto, coletivamente, o itinerário de uma noitada típica reunindo "mundos artísti-
o samba Pelo telefone, que acabou entrando para a história cos" aparentemente sem contato:
como o primeiro samba registrado 5 (como composição de
Donga - um golpe que rendeu muitas desconfianças e até Recebíamos a visita de Olegário Mariano, Afonso Arinos,
inimizades entre os sambistas pioneiros) . presidente da Academia Brasileira de Letras, Hermes
Fontes, Gutembergue Cruz, Catulo da Paixão Cearense
Como já foi dito, o Rio de Janeiro da época estava passando
e outros poetas. Iam lá nos buscar para fazermos uns
por intensas modificações urbanísticas, desencadeadas pela programas na Praça da Cruz Vermelha. Nós ficávamos
reforma de Pereira Passos, com a abertura da Avenida Central ali, improvisando, tocando, cada um solando alguma
e a expulsão de muitas famílias negras e pobres (entre elas coisa e os poetas dizendo os versos. ( ... ) depois íamos
muitas famílias baianas que haviam se mudado para o Rio de para aquele largo da Av. Gomes Freire, a Praça dos
Janeiro depois da Abolição da Escravatura, trazendo em sua Governadores, onde o João Pernambuco morou mais
tarde._Nessa praça tinha um bar, no qual sentávamos e
rompiamos o dia. Era um meio de literatos que aprecia-
3 A casa não era um local de freqüência exclusivamente negra. Ari Vas- v1am música e músicos que apreciavam poesia (Donga,
concelos aponta, entre os músicos que participavam das rodas de samba 969: 16).
de Tia Ciata, o cigano Saudade. Aliás, ainda segundo Ari Vasconcelos, 0 ~
.
aganos - tiveram
nao . pape1 secund,ano. na mvençao
. - do n·tmo nacional
. bra Alembran , d
u 0 t ça e e uma troca intensa que modificava constan-
sileiro: "Pixinguinha e João da Baiana me revelaram que havia um gr P emente
as f . p anorama cultural da cidade,
O .' renegoo·ando to d as
. samba com
de compositores, cantores e músicos ciganos que cul ti~av~~ 0 . ortante,
grande maestria e que trouxeram também uma contr1buiçao im1rntorma· a daronte1.ras_· Essa troca podia tornar várias formas, me
· 1us1ve
·
talvez mesmo decisiva, ao gênero" (Vasconcelos, 1993: 108). Essa . d Ra· po drot~çao contra atitudes discriminatórias de outros gru-
ção, além de reafirmar a importância da linhagem étnica ~e Launnl ~jfjca pos ut ehte, ou de outras "autoridades", contra os músicos
bello para a história da música popular brasileira, tambem comp e ·ge!11 nh~ . ares. Outro sambista pioneiro, João da Baiana (que co-
am· da mais· a mtrica
· · d a re de de me d'1açoes
- transe ulturai·s que deu on c1a 0 ong d d . . ,, .t
à nacionalização do samba. _ d uJturª resco" ª es e cnança), conta um aconteomento . P1 o-
4 Sobre a importância da casa de Tia Ciata para a for~açao. ªc~ta, de contr·bq~e revela muitas das mediações transculturais que
1
popular carioca no início deste século, ver o excelente hvro Tza car1· Ulram para a formação do mundo da música popular
Roberto Moura (Moura, 1983). t15icas, ~ªed
rnent ' a cultura popular carioca em geral. Esse aconteci-·
5 Não vou entrar aqui nas polênúcas que identificam ou!T~ mm 1914
Parteode envol
,, ve, ao mesmo tempo, repressão e pro teçao - po r
como A viola - "samba" de Catulo da Paixão Cearense grava O e
- como antecessores fonográficos de Pelo telefone. poderosos" diante do samba .
,,~ O MISTÉRIO DO SAMBA O SAMBA DA MINH A TERRA
ll 5

João da Baiana era. neto de escravos


. que, depois d e l'b
1 ertos do inclusive vários músicos. O ger~nte Isaac Frankel precisava
se mu d aram
.
d a Ba111a para o Rio de Janeiro ,
onde m oo~ram' de uma nova orquestra para ammar o seu Cine Pala·1 J'
uma qmtanda para a venda de gêneros afro-brasileir S
- con hec1.d a como T'1a Prisciliana de Santo Amaro os. ua conhecendo Pixinguinha, por tê-lo visto tocar com O c :~p~
mae, . . ,p~p~ do Caxangá num . , coreto carnavalesco do Largo da Carioca,
rava d oces b a1anos, que eram vendidos por vários em resolveu convida-1o para apresentar-se na sala de espera d
d os, e compe t1a . tr ,, . b . prega-
com ou as tias aianas" (como Tia Ci t seu cinema. Gostou também _ d? G~upo do Caxangá, ma~
ou Tia Amélia - mãe de Donga) para ver quem dava as fe ªta, pediu uma o~qu~stra menor. P1xmgmnha e Donga acabaram
. . d S d s as
mais amma as . egun o João da Baiana, em depoimento para escolhendo 01to mtegrantes do Grupo do Caxangá, e O grupo
o Museu da Imagem e do Som gravado em 1966, seu avô era (que ainda se apre~ent~va com roupas de "sertanejos"_ ver
da maçonaria, e por isso mantinha boas relações com muitos Cabral, 1978: 30) fm batizado por Isaac Frankel de Oito Batutas
nomes da elite brasileira, como Irineu Machado, Pinheiro (ver Almirante, 1977: 29).
Machado e até mesmo o futuro presidente Hermes da Fonseca Os instrumentos tocados pelos Oito Batutas eram flauta
(em cujo batalhão João da Baiana foi ajudante de cocheiro), bandolim, cavaquinho, três violões, ganzá e pandeiro. Se~
que freqüentavam os "sambas" de sua mãe e de outras "tias". repertório era formado por maxixes, lundus, canções sertane-
O pandeirista João da Baiana também era convidado a jas, corta-jacas, batuques, cateretês (o samba ainda não apa-
animar as festas do então senador Pinheiro Machado. Em recia como estilo musical distinto). Isaac Frankel aparente-
1908, não pôde comparecer a uma dessas festas pois a polícia mente cometia uma ousadia colocando uma banda como essa
apreendera seu pandeiro ("o samba era proibido, o pandeiro para tocar num dos cinemas mais elegantes do Centro da
era proibido") quando tocava nas ruas da Penha. Sabendo do cidade. Principalmente porque a maioria de seus integrantes
ocorrido, no dia seguinte Pinheiro Machado deu de presente er~ de negros. A reação contrária foi imediata: o maestro Julio
a João da Baiana um novo pandeiro com a inscrição: "A minha Reis declarou ao jornal A Rua "ser a música nacional inade-
admiração, João da Baiana, senador Pinheiro Machado" Uoão q_uada ª?,S ~ducados ouvidos da aristocrática freqüência dos
da Baiana, 1966: 7) . Como se vê, muitos laços (maçonaria, cm~mas (citado em Silva & Oliveira Filho, 1979: 39). O jor-
culinária , festas) uniam esses segmentos distintos da soc!e?~- nalis~ Benjamim Costallat recordava esse episódio em artigo
de brasileira . O toque do pandeiro era reprimido por policiais publicado na Gazeta de Notícias de 22 de janeiro de 1922: "Foi
e, ao mesmo tempo, convidado a animar recepções de u1:1 ~ verdadeiro escândalo, quando, há uns quatro anos, os
senador da República . E a circulação de novidades cultui:ª 15 ~to batutas' apareceram. Eram músicos brasileiros que vi-
por diferentes bairros e classes sociais do Rio de Janeiro, t am cantar coisas brasileiras." E ainda: "Segundo os descon-
apesar das reformas urbanísticas e da be/le époque, continuava e~e~, era uma desmoralização para o Brasil ter na principal
intensa . ;71
ria de _sua capital urna orquestra de negros" (citado em
va & Oliveira Filho, 1979: 44-5) .
. Ta~~ez Costallat exagere (contribuindo assim para a histó-
ria tn1tica d ,, . ~ . .
e:~~
ti

Oif
a res1stencia" do popular): os descontentes ex1s-
mas seu número não devia ser tão grande. Senão como
icar que, um ano depois d e sua estréia no Cine Palais, os
O
Nas primeiras d écadas deste século os cinemas cariocas cos- se Batutas tenham sido convidados oficialmente a se apre-
tumavam contratar músicos incluindo nomes importantes, Br::~para os reis da Bé lgica que es tavam de pass~gem pelo
como Ernesto Nazareth, para' se apresentarem em suas sa lªs Ernest E como se explica que pessoas como Rw Bar~osa,
de espera . Um pouco antes d o carnaval de 1919 a epidemia Cin pO ~ azareth e Arnaldo Guinle tenham passado ª. ir .ª º
da gripe espanhola de vastara a população da cidad e, matan- e alills só para ouvir os Oito Batutas (ver Silva & Oliveira

J
O SAMBA DA MlNH A TERRA
116 O MISTÉRIO DO SAMBA 117

Filho, 1979)? E o convite para a apresentação no Pavilhão da Já 05 inte_res~es musicais dos componentes dos Oito Batutas
General Motors e na embaixada norte-americana (segundo .
nao
se restringiam apenasd
ao que era rotulado como nacional.
. .
Donga, "o embaixador Morgan era adepto do samba" _ Durante sua tempora a pans1ense, em 1922, eles ficaram
Donga, 1969: 19) durante as comemorações do centenário da apaixonados pelo jazz, fato que motivou a_ compra de um
independência brasileira? E o financiamento do milionário axofone (mais um presente de Arnaldo Gumle) para Pixin-
Arnaldo Guinle 6 para suas apresentações pelo Brasil e na ;uinha. Até o final da década de 20 participaram de várias
7
França, onde chegaram a se apresentar para a família real orquestras chama_das Jazz (mas que ~a verdade_tinham re-
brasileira (ver Donga, 1966: 18)? Os Oito Batutas pareciam ter pertório bem variado) formadas no Rio de Janeiro, como a
mais admiradores importantes do que inimigos. Ou então 0 Carlito Jazz que acompanhava as revistas da Bataclan e com
escândalo passou rápido demais. Uma coisa é certa: a "socie- a qual Donga viajou novamente à Europa .8
dade brasileira" já estava preparada para aceitar aquela mú- Essa paixão jazzística va i ser criticada por jornalistas, inau-
sica mestiça, inclusive para representá-la em cerimônias ofi- gurando um tipo de crítica musical nacionalista e antiameri-
ciais. cana que se tomou comum no decorrer do século. O crítico
Como vimos, a música dos Oito Batutas não era algo ho- Cruz Cordeiro, escrevendo para a revista Phono Arte, em 1928
mogêneo. Mas todos os estilos de seu repertório, apesar de e 1929, acusava Pixinguinha de estar sendo influenciado pela
incluir gêneros totalmente urbanizados, podiam ser chama- música norte-americana, inclusive em sua famosa composição
dos, na época, de música sertaneja. Tanto que o espet~culo Carinhoso, que acabava de ser lançada em disco. A acusação
apresentado pelo grupo em São Paulo, em 1921, chamava-se era grave e valorativa. Cruz Cordeiro declarou: "é por esse
Uma noite no sertão. Catulo da Paixão Cearense reclamava motivo que julgamos esse disco o pior dos quatro que a
assim do convite feito aos Oito Batutas para se apresentarem Orquestra Pixinguinha-Donga oferece nesta quinzena" (cita-
diante dos reis da Bélgica: "Se desejavam que o rei conhecesse ?º em Cabral, 1978: 57) . O argumento lembra Sílvio Romero:
os nossos sertanejos e as canções da nossa gente, por que não influência estrangeira significa imitação; toda imitação é ruim,
me convidaram? Haverá no Brasil um homem nesse gênero po~ definição. Logo, a expressão "influência norte-americana"
que possa ser mais condignamente representativo?" (citado vai ser trocada por americanização. Depois encontraremos as
em Cabral, 1978: 37). Arnaldo Guinle financiara a excursão acusações de "imperialismo cultural" "neocolonialismo" ou
brasileira dos Oito Batutas para que, junto com João Pernam- "multinacionalização da cultura". Par~ isso, ainda era neces-
buco (integrado à banda para a viagem), fizessem uma coleta s. . . .
ano que o samba carioca de fato se consolidasse como musica
de músicas folclóricas. Portanto, existia um interesse pela
cultura popular brasileira, que era confundida com um fenô-
meno sertanejo, que por sua vez era identificado com o fol-
clore nacional. Os Oito Batutas aproveitavam tal interesse e ~ itnhorão afirma que nos ''bailes do tipo gafieira, realizados em sobrad~s
faziam sucesso por onde passavam. °Centro, do Catete e de Botafogo onde se divertia o grosso da p~pulaçao
negra e ....
....,estiça,
· • 1esmente de 1azz e -
' chamadas s1mp
as orquestras eram
:~do ~ep_oimento de Jota Efegê no livro O cabrocha - to:;a ; ;0e;:~:
s/d: ~'. indiferentemente, sambas, maxixes,fox-b/ues e valsas (
6 Guinle, entre outras atividades, era patrocinador d o Flwninense f ootball 4
8 Junto
Oub (tendo inclusive feito o discurso de inauguração de sua sede soo al Batu... com Donga estava Sebastião Cirino, outro componenteSebastiãodos oito
em 18 de novembro de 1920) e tradutor/adaptador do Manual do escoteiro, C;,.;_
...s que t . ,. ·t d " do Catete.
ocou para Gilberto Freyre na no1 a ª d ulas
- ..,o mo ai chegou a ar ª
publicado pela primeira vez_no Brasil em 1922. Já tinha também recebi~ de Violt rou em Paris por 14 anos, período no qu (Efegê 1980,
homenagem de outro sambista: o "rei" Sinhõ compusera o ba tuque 1 v0 1. 1. Jl)ara a princesa Maria Thereza d'Orleans_e Bragai:iJ:mente 'de ser
Burucu como uma homenagem conjunta a Arnaldo Guinle e Villa-Lobos l1trll ~ · Como é possível perceber, o violão deLXOU rapi
(Efegê, 1980, vol. 2: 123) . ergonha para a elite.
O SAMBA DA MJNHA TERRA 11 9
O MISTÉRIO DO SAMBA
\ 18

. . . as acusações ganhariam fundamento: te- am convidados para os salões das camadas mais ricas
nacional 5o assim - .nfl • . 1· que ~drade (ou para um café - fechado para a ocasião, como
. · . para contrapor a I uenc1a a 1enígena
nam alguma coisa . . , , da ci contro entre Gºlb1 erto Freyre e p·1xmgu · inh a). Os ricos,
. se ameaçada, coloca na em pengo a 'auten- 00
aJguma c01sa que, . . e~do as informações que consegui coletar, não iam aos
. .d a d e ,, d a cu ltura brasileira, que devena ser protegida tarn-
t1C1 segu des da Saúde, da Cidade Nova ou da nascente favela da
bém por definição. :gagueira, bairros de onde p rovinha a maior parte dos sam-
. ª~s. Esses locais eram vistos com fascínio, mas também com
bIS
do. o território d a " autent1c1
. ºd a d e " d o samb a, que a elite
carioca começava a respeitar, era tam b em
me . ' cons1ºd era d o um
mundo perigoso:
Em seu estudo sobre O desfile de escolas de samba n~ Rio de Sinhó para toda a gente era uma criatura fabulosa viven-
· Mari·a Laura Viveiros de Castro Cavalcanh mostra do no mundo noturno do samba, zona impossível de
Jane1ro, carnavalesco atua como mediador.
cultural entre os
como 0 , . d f. . _ d localizar com precisão - é no Estácio, mas bem perto
vários grupos sociais da cidade e as vanas e m1çoes e arte ficam as macumbas do Encantado, mundo onde a im-
e brasilidade que esses grupos advogam (ver Cavalcanti, pressão que se tem é que ali o pessoal vive de brisa, cura
1993). O compositor de samba, nos anos 20 e 30, mantendo tosse com álcool e desgraça pouca é bobagem (Bandeira,
viva uma "tradição" à qual - como vimos no Capítulo II - 1937b: 169)9.
·á pertenciam Laurinda Rabello e Catulo da Paixão Cearense, Mas já existiam jovens de classe média querendo uma
~ambém pode ser pensado como um agent: m~diador e~tre proximidade maior com o mundo do samba . Foi o caso, por
mundos culturais distintos, como o dos saloes mtelectua1s e exemplo, do cantor Mário Reis, filho de comerciante e estu-
0 das festas populares das camadas mais pobres da c~dade. dante de direito que, encontrando Sinhô na loja A Guitarra
Essa característica foi apontada por observadores da epoca, de Prata, no centro do Rio de Janeiro, passou a ter aulas de
como fica claro neste comentário do poeta Manuel Bandeira violão com o sambista. Foi Sinhô, que na época já tinha vários
sobre o sambista Sinhô, outro freqüentador da casa de Tia sucessos lançados (a maioria em ritmo de samba, mas também
Ciata: "Ele era o traço mais expressivo ligando os poetas, º: de fox, charleston, toada, cateretê, coco, maxixe, valsa, fado
artistas, a sociedade fina e culta às camadas profundas da rale -ver Alencar, 1981), quem convidou Mário Reis para cantar,
urbana. Daí a fascinação que despertava em toda a gente
quando levado a um salão" (Bandeira, 1937a: 108 - _esse
trecho faz parte de um artigo escrito para o Diário Nacwnal 9 A propósito, as pessoas que aplaudiam e cantavam com Sinhô nos salões
de São Paulo e publicado logo depois da morte de Sinhô em das residências mais elegantes da cidade não compareceram a seu enterro.
1930). A descrição de Manuel Bandeira para o velório é um painel pitoresco,
le~,brando uma cena de romance de Jorge Amado, das "camadas popula-
Esse fascínio era confundido com um interesse pelo popu· res da época: "A capelinha branca era muito exígua para conter todos
lar, que cada vez mais competia com os interesses eruditos quai:itos queriam bem ao Sinhô, tudo gente simples, malandros, soldados,
dos salões e da elite brasileira. Manuel Bandeira chega a ver marinheiros, donas de rendez-vous meretrizes, chauffeurs, macumbeiros
no sambista o simbolo por excelência da cultura carioca: "o (U e5tava o velho Oxumã da Praç~ Onze, um preto de dois metr~s de
iltura com uma belida num olho), todos os sambistas de fama, os pr~~os
que há de mais povo e de mais carioca tinha em Sinhô ª su~ doa choros dos botequins das ruas Júlio do Carmo e Benedito Hipólito,
personificação mais típica, mais genuína e mais profunda Dlíl ulheres dos morros baianas de tabuleiro, vendedores de modinhas. A~

~-Band~ira,: 1937a:_108). A princípio, o contato com esse mun~~ ores -tã ' . em frente, prolongamen to da cãmara-ardente
~.• o num botequim
genwno era feito através de compositores já consagrad <Blndeua, 1937a: 110).
120 O MlSTÊ1' J() DO SAMBA O SAMBA DA MINHA TERRA
121

em 1928, na gravação de seu samba Que vale a nota se 111 ando dos Tangarás, em 1929, já lançava discos: A influên-
carinlro ria 111ulher (ver o verbete "Mário Reis" na Enciclopédi~ 0 6,,regional" era ma:,cante, tant? qu~ no samba Façanha do
ria mrísica brasileira). No ano seguinte a essa primeira gravação eia d0 les cantavam: Quando nos sa1mos do Norte/Foi pra
Mário já estava famoso o suficiente para gravar sambas d ~ bili! e do mostrá/Como ·canta aqui nesta terra/Um bando
um compositor estreante em disco, o seu colega de Faculdade no munará ." No final de 1929 eles lançaram Na Pavuna a
de tang - d b ,, b ,
de Direito Ari Barroso (filho de promotor público de Ubá . ·ra gravaçao e sam a a usar a atucada própria de
Minas Gerais) . O samba, naquela é poca, não e ra visto com~ prim1eide samba" (Almirante, 1977: 68), agremiação carnava-
propriedade de um grupo étnico ou uma classe social, mas · aque naquele ano tinh a sai'do em desfiJe pela primeira
esco
Iesca .
começava a atuar como uma espécie de denominado r comum Portanto, não demorou mwto tempo, desde o nascimento
vez. ,, ( -
musical entre vá rios grupos, o que facilitou sua ascensão ao do "samba de morro que nao nasceu exatamente no morro,
status de música nacional. sim em algum lugar entre os morros e as ruas da Cidade
No final dos anos 30 outro grupo de jovens d e classe média ~~~a), para encontrá-lo utilizado pelos ~~sicos brancos de
(da baixa à alta classe média) branca começou a ter uma lasse média. A turma de Noel Rosa partiopou inclusive do
participação decisiva na história do samba: foi .ª turma de Vila erocesso de definição desse samba "autêntico". O próprio
Isabel, que incluía nomes como Noel Rosa (filho de gerente ~oel compôs sambas em parceria com Ismael Silva, talvez 0
comercial e professora), Almirante (órfão aos 15 anos, traba- principal fundador _d a " p_rimei~a" escola de samba, a Deixa
lhou como caixeiro e serviu na Marinha - daí seu apelido) e Falar. Em sua minuaosa biografia de Noel Rosa, João Máximo
Braguinha (filho de indus trial) . Os Oito Batutas, em sua pas- eCarlos Didier comentam: "Sempre querendo conhecer o que
sagem por Recife, em 1921 , motivaram a formação dos Turu- produzem estes sambistas de morro, trocar informações com
nas Pernambucanos, que por sua vez motivaram o apareci- eles,somar experiências, Noel segue peregrinando. Salgueiro,
mento dos Turunas da Mauricéia, os quais, tocando no Rio Mangueira, outros morros . Faz expedições aos subúrbios,
de Janeiro em 1927, serviram d e inspiração para a formaçã o ouvidos atentos" (Máximo & Didier, 1990: 204).
do regional (o nome sugestivo pelo qual eram conhecidas as áfpreciso lembrar que essas expedições acompanha vam a
bandas de música popular da época) Flor do Tempo, depois transformação da cidade, tanto em seu crescimento para os
chamado de Bando de Tangarás, pela turma de Almirante (ver subúrbios quanto no surgimento de favelas em vários morros.
Almirante, 1977). A população pobre começava a viver realmente separada da
Sérgio Cabral, em sua biografia de Almirante, cita a opi- população rica. Antes de 1930 as classes sociais se misturavam
nião do radialista Haroldo Barbosa de que a Vila Isabel do mais desordenadamente no espaço geográfico do Rio de Ja-
final dos anos 20 e início dos anos 30 seria comparável à neiro.José Ramos Tinhorão se pergunta sobre as razões de o
Ipanema dos anos 60 em matéria de boemia artística de cl~sse samba ''noelesco" ter atingido o gosto "popular" e, mais tarde,
média (ver Cabral, 1990: 42) . A banda Flor do Tempo ensaiava a bossa nova não ter tido o mesmo êxito, permanecendo
na casa do empresário Eduardo Dale, na Tijuca . Almirante se (sempre segundo Tinhorão) como música da classe média .
lembra dessa época:
Sua resposta é a seguinte:
Homem de enormes relações em todos os meios sociais,
e vendo no pequeno grupo um bom elemento de contato
Noel Rosa e seu grupo viviam um tempo em que as
com alguns destacados figurões da política, gente in-
classes baixa e média da cidade, embora já suficiente-
fluente e útil aos negócios de sua casa comercial, Eduar-
mente distanciadas, a ponto de não se confundirem,
coexistiam, por dizer assim, em uma mesma área urbana,
do Dale levava o grupo para cantar em casas de minis-
tros, de altos funcionários, de diretores de repartições
por efeito da proliferação dos cortiços e das casas de
Cl&nodos, que apareciam ao lado das casas das boas
públicas etc. (citado em Cabral, 1990: 44) .
Íllhflias (Tmhorão, s/ d : 43).
\22 O MISTÉRIO DO SAMBA O SAMBA DA MINHA TERRA
123

Ta\ proximidade, porém, não explica muita coisa . A antr \icou assim a Sérgi_o Cabral: "O es~lo (antigo) não dava
\ogia da vida em grandes metrópoles já nos ensinou ºPo- exp dar. Eu comecei a notar que havia uma coisa . o samb
P~~im: tan tantan tan tantan. Nao - a
fenômenos culturais diversos podem existir lado a lado que dava. Como é que
sen1 era ass . 7 A' um
que se estabeleça nenhum contato entre eles. A curiosidad , ·a andar na rua assim . 1 a gente começou a fazer um
, . b d ee bloco 1 •
necessana para que mem ros e um grupo passem a frequ" ba assim: bum bum patzcumbumpruburumdum" (Cabral
en- saJil . s). O que era uma mod 1'f'icaçao
- no samba passou a ser'
tar outros grupos, transformando-se naquilo que estou eh _
1974. 2 b N d' - entre Donga e Ismael
mando de "mediadores transculturais" . E é necessário ta ª _ rdadeiro sam a . uma 1scussao
0
bém um "ambiente" propício, o campo de possibilidades a qm .ve este dizia que Pelo telefone, composição "de" Donga, não
511va, . . d' .
se refere Gilberto Velho, para que essas trocas de informaçõue
. es samba e sim maxixe; e ague1e 1z1a que Se você jurar,
mtergrupos possam acontecer. Noel Rosa não apenas "caiu ~:11lposição de Ismael Silva, não era samba. e sim marcha.
no gosto popular", ele também ajudou a definir esse gosto. o Quem tem a verdade do ~a~ba? Verdad~, _raiz: esse não é 0
caso da bossa-nova é diferente: quando ela apareceu já existia mistério de qualquer trad1çao? Toda trad1çao não exige sem-
um gosto musical/popular brasileiro definido, com O qual pre a formação de "hermeneutas" que identifiquem onde ela
devia ser estabelecido um diálogo. O próprio Tinhorão já aparece em sua m~ior pureza?
afirmou que "a verdade é que, até essa época [1930], a música Não se pode dizer que as escolas de samba fossem fenô-
popular carioca ainda não havia conseguido fixar seus dife- menos puros, mas se criou em tomo delas um aparato que
rentes gêneros" (Tinhorão, s/ d : 47). defende essa pureza, condenando toda modificação introdu-
A "fixação" desses gêneros acontece ao redor do samba de zida no samba. Não foi por isso que Paulinho da Viola gravou
escolas de samba, que passou a ser conhecido como samba em 1975 um samba de sua autoria que dizia "Tá legal / Eu
de morro.10 O interessante é que o "autêntico" nasce do "im- aceito o argumento/Mas não me altere o samba tanto as-
puro", e não o contrário (mas em momento posterior o "au- sim/Olha que a rapaziada está sentindo falta/De um cavaco,
têntico" passa a posar de primeiro e original, ou pelo menos de um pandeiro/Ou de um tamborim"? 11 Quanto é "tanto
de mais próximo das "raízes"). O primeiro samba misturou assim"? O que não pode ser alterado? Quem define o que
muitas "expressões" musicais, logo foi "amaxixado" e, depois, pode ser alterado? Quem define o verdadeiro ritmo dosam-
"depurado" pelos compositores do Estácio. Ismael Silva se ba? Uma coisa é certa: a idéia da preservação do samba tem
uma força considerável. Tanto que esse é talvez o único gênero
da música afro-americana (ao contrário do merengue da Re-
10 O sambista e pesquisador Nei Lopes, um dos mais contundentes defen- pública Dominicana, do calipso de Trinidad e Tobago, do són
sores da "autenticidade" do samba contra qualquer ameaça de "comema- cubano, da cadence da Martinica) que não se misturou, em
lismo" ou "imperialismo", assim resume a história desse gênero musical:
"Traçando a linha evolutiva que vem do batuque de Angola e do Congo
até o partido-alto, vamos encontrar: a) primeiro, o lundu bailado, dand_o
origem ao lundu puramente canção dos salões imperiais, aos sambas rurais 11 F.m entrevista recente Paulinho da Viola voltou a condenar as transfor-
da Bahia e de São Paulo, a um lundu campestre ainda dançad o, e a outras ~ pelas quais o sa~ba está passando: "O ritmo do samba ficou com-
manifestações; b) depois, todas essas expressões (com a chula d o samba PfOlllelid.o nessa coisa que se chama 'suingue' . Antes, todos tocavam em
1~ de todos. Agora cada ritmista faz o seu solo. Isso compromet~ 0
baiano ganhando status de manifestação autônoma) confluindo para ~ que
chamaremos de samba da ' Pequena África da Praça Onze', onde o nuclev Verdadeiro ritmo do samba No meu modo de ver, a coisa está empobre_ci _ª·
irradiador foi a casa de Tia Ciata; c) depois ainda, o samba amax1xado da :u°"11posafvel
llle •urpreendo com a ~ultiplicação dos artistas populares, mas lª ~~~
falar de samba como uma música fechada no tempo. e
' Pequena África' , dando origem ao samba de morro; d) finalmente,_esse
samba de morro se dicotomizando em samba urbano (a partir do Est acio).
ha ._,_ . . - t m mais Existe uma
, , _ existia a comunidade do samba. Agora nao e .. · _ tr "
próprio para ser dançado e cantado em cortejo, e em partido-alto, própnc> -~1 .
(O,,... ovem, que tenta fazer coisas diferentes. Os tempos Iª sao ou os
para ser cantad o em roda" (Lo pes, 1992: 47). Clolo, Segundo Caderno, p . 1, 10/10/1993).
124 O MISTÊRIO DO SAMBA O SAMBA DA MINHA TERRA
125

sua maioria quase absoluta, ao funk norte-america nemocráticos e tc.), todos os ranchos cama valesc ,
- d · no ou que nos, ,., 1 d b ,, (C b os, va-
nao a otou ,,. mstrumentos
. eletrônicos em suas ban d as . riOS blOCOS e escoa~ e sam a a ral, s/ d: 37), e no desfile
Esse mshnto preservacionista" ou preocupa - deranchos promovido pelo Jornal do Brasil, a escola de samba
a utenticidade do samba já existia há muito temp çJao com a Deixa Falar aprese~ tou o enredo A prirr_iavera e a Revolução de
· bli o . ota Efeg ·
cita a _pu cidade de um tal Skating-Rink carioca em e Ot1IUbro (a revoluçao de 1930 no Brasil e não a de 19l 7 na
1878
anunciando um show do "verdadeiro samba de b f Rússia).
· oa ama
grand e d ança baiana executada por quatro engraçad b . ' Em 1933,_depoi~ ~e u r:n concerto da Orquestra Típica Bra-
nas " . Se se fa 1ava em verdadeiro · samba, interpreta JotaasEfeaia-• sileira, que ttr:1'a P1x~n ? umha como maestro e foi apresentada
era P_?rque "um outro, falso, deturpado, era o correntfo~'. por Mári? Reis, o °;m1stro Oswaldo ~anha (outro ministro,
(Efege, 1980, vol. 1: Maciel Filho, tambem estava na plateia) declarou aos jorna-
, 171). Pode até ser uma interp re taçao -
correta. M as o fato e que a luta pela preservação do autêntico listas:
ganha mesmo terreno logo depois da formação das p ri ·
,, . .d d ,, me1ras Só posso ter palavras de elogio para o que acabo de ver
e sco1as d e samb a . E a autentic1 a e conquista apoio f· · 1
. . d f'l d o 1c1a · e ouvir: gente do meu país. Sou dos que sempre acredi-
O primeiro es 1 e a Deixa Falar, em 1929, tem seu "caminh 0 taram na verdadeira música nacional. Não creio na in-
aberto por uma comissão de frente que montava cavai fiuência estrangeira sobre a nossa melodia. Nós somos
cedidos pela polícia m_ilitar, e tocava clarins" (Tinhorão, s/ ~~ um povo novo. E a praxe é que os povos novos vençam
82). Quatro anos depms dessa estréia, o desfile de escolas de os antigos. O Brasil, com a sua música nova e própria,
samba já ganhara ajuda financeira da Prefeitura do Rio de há de vencer (Cabral, s/ d: 38).
Janeiro e o patrocínio do jornal O Globo, que também "formu-
lou um regulamento para o certame, no qual se estabelece a Nessa declaração estão como que condensadas várias idéias
proibição dos instrumentos de sopro e a obrigatoriedade da do nacionalismo triunfante no país, incluindo suas conotações
ala das baianas" (Santos & Silva, 1980: 63). Já em 1935 o desfile ::pop~lare~:', o repúdio à influência estrangeira e o elogio da
passara a constar do programa oficial do carnaval carioca novidade (vencedora no futuro) da cultura brasileira . Dois
elaborado pela Prefeitura. Seis anos não é um tempo longo anos depois, em 1935, Villa-Lobos incorporou, numa de suas
para a oficialização de uma prática cultural tão nova . Em 1937 monumentais apresentações de canto orfeônico, um samba
o Estado Novo determinou que os enredos das escolas de de E~ani Silva, a quem conhecera quando foi assistir a um
samba tivessem caráter histórico, didático e patriótico (ver ensaio da Escola de Samba Recreio de Ramos acompanhado
Matos, 1982). Os sambistas de morro aceitaram a determina- pelo educador Anísio Teixeira . E em 1936 um samba da escola
ção. E o carnaval do Rio, exportado para o resto do Brasil Mangueira foi incluído na edição especial da Hora do Brasil
(existem escolas de samba em Manaus e em Porto Alegre), transmitida diretamente para a Alemanha nazista . Gostaria
serv~u de padrão de homogeneização para o carnaval de todo d~ saber qual foi a reação dos ideólogos da "supremacia
o pais. anana" (que ainda acalentavam a esperança de algum pacto
~ atua!ão d?s governos de Getúlio Vargas (incluindo o
e?~ o governo brasileiro) diante daquela batucada afro-bra-
penodo ditatorial do Estado Novo) foi firme em seu apoio, Sileira. Mas os radialistas brasileiros não parecem ter pensado
oficial ou não, ao samba e ao carnaval. Em 1932, ao mesmo duas vezes: o samba já representaria a "nossa" cultura em
tempo :m que o Teatro Municipal abria as portas para a qualquer situação internacional.
realizaçao de seu primeiro baile carnavalesco o interventor O samba carioca já era apresentado como "delícia" nacio-
no Distrito Federal (Rio de Janeiro), Pedro E~esto, contem- nalª. todo visitante ilustre que aqui aportava. A sauvage Jo-
plou com "subvençôes mínimas de dois contos de réis" todas : Phine Baker, em 1929, participou de uma feijoada com sarn-
"as chamadas Grandes Sociedades (Tenentes do Diabo, Fenia- anaConfeitaria Colombo (Efegê, 1980, vol. 2: 191 ). Em 1941
126 O MISTÉRIO DO SAMBA O SAM BA DA M INHA T ERKA 127

Walt Disney foi conhecer as escolas de samba, tendo onentes dos Turunas Pernambucanos) jun tou-se ao
cice rone Pa ulo d a ~ortela (Efeg~, 1980, vol. 1: 63). Jota ~~ 111 ~ (ex-co rnp . D p· . . h ,
'"º de maxixe
dança r u• .
uque, a 1xmgum a e a atriz Dercy
Tº d .
gosta de contar mais um caso pitoresco, o do "farn . ege G alves para cnar, na Praça ira entes do Rio d e Janeiro,
.1apones • ,, T zu gu h aru F up.. ta, que virou um fanático oso pintor
ao escu ta r o n
,, .tm . l" por samba
~\a do Caboclo, também chamada de "casa da canção
o n ac1ona na casa do fu tu ro d. . ª -~ nal". O cenário do primeiro espetáculo ali apresentado
, · Leao,
M uc10 - em 1931 . F upta ·· fº1cou tão encantado caca ernico nactuma casa caipira . E m 35 o pa lco Jª· ' e ra ocupa d o pela peça
. ,, .
ou vm que arhcu1ou com os alunos da Escola Nacio
Belas-Artes um conjunto" (Efegê, 1980, vol. 1: 63) N- nad de
om o que
1
r;no do samba (ver Rodrigues , ~ 983). _ _ _
A vitória do samba era tambem a v1tona de um projeto de
·d · · · ao eve
ter s1 o o pnme1ro encontro do pessoal das Belas-Arte nacionalização e modernização da sociedade b rasileira . O
. , . b s corn
o sam b a . N em f 01 ou 1timo: sa emos como artistas "form d ,, Brasil saiu do Es tado Nov o com o elogio (pelo menos em
ºnfl . d t ·1
1 uenciaram o es 1 e das escolas de samba na condição ª osde ideologia) da m estiçagem nacional, a Companhia Side rúrgica
carnavalesco s. Nacional, o Conselho Nacional do Pe tróleo, partidos políticos
Enquanto esses estran geiros se divertiam entre sarnbist nacionais, um ritmo nacional. Na música popular, o Brasil tem
Getúlio Vargas convidava Mário Reis e o grupo Bando da Las, sido, desde então, o Reino do Samba .
ua,
gue_a_com panhou C ar~en Mir_a nda, para suas recepções no
Palac1~ d_o Catete (sua fi lha Alzira Vargas era amiga de Aloísio
d_e Ohve1ra, do Bando da Lua) . Mais tarde a Exposição Na-
c10n~l d o Estado Novo, realizada em 1939, teve sua agenda
~us1cal organizada por Villa-Lobos (que tinha um cargo ofi-
cial no governo d esde 1932, como diretor da SEMA - Supe-
rintendência de Educação Musical e Artística), incluindo
apresentações de Francisco Alves, Carmen Miranda, Patrício
Teixeira, Almirante, o regiona l de Benedito Lacerda e Donga
etc., além de um espetáculo folclórico com jongo, cateretê,
pas toril, "terminando com uma apresentação das principais
escolas de samba cariocas" (Cabral, s/ d : 40) - o que mos-
trava que o samba ainda e ra visto como folclore brasileiro.
Em 1940 o mesmo Villa -Lobos participava dos ensaios do
S~dade do Cordão, no morro do Quitungo (Ira já, subúrbio do
Rio de Janeiro), bloco patrocinado pelo Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), o órgão de censura do Estado
Novo (ver Mariz, 1989: 34/35). Como se vê, o interesse oficial
pelo samba e pelas "coisas brasileiras" era mais do que explí-
cito. O ~parelho governamental da "Era Vargas" esteve muito
envolvido com o progresso da nacionalização do samba, des-
de o morro à Exposição Nacional.
? samba, em pouco tempo, alcançou a posição de música
naaonal e colocou em plano secundá rio os o utros gêneros
"regionais". Por exemplo: em 1932 a dupla Jararaca e RatinM
8
LUGAR NENHUM

o dia 5 de julho de 1940 (poucos meses depois do desfile do


bloco Sodade do Cordão, patrocinado pelo DIP) foi urna data
sombria na vida de Carmen Miranda. Depois de seu grande
sucesso nos Estados Unidos, depois de ter cantado até na Casa
Branca para o presidente Franklin Roosevelt, ela voltou a se
apresentar no Cassino da Urca, Rio de Janeiro, o palco prin-
cipal do show business brasileiro daquela época. A expecta-
tiva era de uma recepção consagradora, algo que repetisse a
aclamação popular de que Carmen foi alvo ao desembarcar
do navio que a trouxe de Nova York para o Brasil. Mas a
reação do público durante o show, que continha novas músi-
cas em inglês, foi de uma frieza e desaprovação bastante
significativas, que depois se transformaram na célebre acusa-
ção de "falsa baiana". Carmen se retirou para o camarim
chorando, mas já buscando uma forma de responder às críti-
cas da elite carioca.
A resposta se tornou pública poucas semanas depois da-
~uele show, que foi cancelado logo após a e~tréia,_qu~ nd0
armen lançou o samba Disseram que eu voltei americanizada .
Essa música pode ser considerada profética, pois daí em dian-
te ~ problema da "americanização" vai se tornar cada ve_z
rn~is central, não só para o debate sobre a "identidade brasi-
leira"' como também para a crítica do "1mpena
• · 1ism
· o cultu-
,, ' ou d o " co1onialismo cultura l" em todo o mundo. A
ral" .
americanização" de Carmen era um caso pioneiro (depois

129
__r
----
130 LUGAR NENH UM
O MISTÉRIO DO SAMBA 131

da acusação a Carinhoso, de Pixinguinha) e por isso ão odia ultrapassar determinados limites. Já existia
. .
1oso. M as casos como esse 1nam ' rotina . escand a-
se tornar io,
P ~~ n Pti' cidade a ser preservada no campo da cultura
.
Carmen Miranda pode ser considerada a estrelam · . uma brasileira. Mas quem separava aquilo que é "ver-
. l ( , , ais inter popu_Iar nte" brasileiro do que foi corrompido pela ameri-
naoona talvez so comparavel a João Gilberto e A • . -
Carlos Jobim, os criadores da bossa nova, cuja "brasili~t~n1,~ dad.elfaIJ\e
a ão ou por qualquer outro m · t~rnac1ona · 1·ismo?
c?mo ve~en:os,_ ~ambém j_á foi motivo de debates), que a\:ú~ can~es~e capítulo pretendo apenas citar alguns (quero frisar
sica brasileira Jª produziu . Essa internacionalidade f · . - apenas alguns poucos) dos debates que envolveram
. d o1 con- belllf•saodo samba ou a defesa da música "realmente brasilei-
quista a com uma preocupação obsessiva em se afirmar
·1 · como
b ras1 eira, como representante da cultura brasileira . Carmen a de
,, esatra "ameaças " d e d escarac tenzaçao
· - d os " nossos ver-
que era portuguesa_d~ na~~imento ~ nunca conseguiu obte; ra con · " , va lores que f oram d e f'1ru'd os no
. valores cu ltura1s
da de1ro5 d' . (
um passaporte brasileiro, mventou 1 uma imagem do Br . ento de criação do para igma mestiço que envolvia a
.d . E . as1 1 rnoDlfowação dosamb a em musica , . b ras1·1eira . por excelência) .
para ser ven d i a no extenor. ssa imagem, com suas banana
e bal~n~and_ãs, surgiu n~ ~omento em que o "paradigm: trans · f
N" é meu objetivo apro un ar a ana ise d e ca d a um dos
d ' lº
1
mestiço , divulgado pnncipalmente por Gilberto Freyre d::ates (o que poderia ser tema d; outro livro). Quer? apenas
como já vimos, tornava-se hegemônico no debate sobre ~ apontar, o mais brevemente J?Ossivel, algu~s dos efeitos (rea-
identidade brasileira. ções, desenvolvimentos) mais contemporaneos da valoriza-
Branca européia, Carmen Miranda não via nenhuma con- ção das "coisas brasileiras", alçadas à condição de símbolos
tradição em se vestir de baiana (usando a roupa "típica" das nacionais em torno dos anos 30.
negras da Bahia2), ou em cantar ou dançar samba (música de Um efeito não desejado, ao menos pelo que é possível
origem negro-africana). Seu projeto (ela disse: "Olhem para perceber, por exemplo, nos argumentos cosmopolitas de um
mim e vejam se eu não tenho o Brasil em cada curva do meu Gilberto Freyre ou de um Afonso Arinos, foi a cristalização
corpo") era ser brasileira e nele estava incluída a utilização do samba - principalmente o chamado "samba de morro"
tanto do traje de baiana quanto do samba, já transformados -numa fórmula musical que passou a ser preservada a todo
em símbolos da brasilidade, em símbolos da nacionalidade custo por nacionalistas. Quando a bossa nova surgiu, no final
"mestiça". Esse projeto não despertava críticas, e era até visto dos anos 50, muitos defensores da "verdadeira brasilidade"
como algo corriqueiro no início da carreira de Carmen, nos do samba atacaram essa nova música como se fosse urna
anos 20. Mas com a consolidação do samba como música traição à pátria. O crítico musical José Ramos Tinhorão, com
nacional (e com a definição da brasilidade mestiça) recrudes- o seu reconhecido radicalismo na defesa da "música brasilei-
ceram as cobranças de coerência "sambista". ra", resume bem as idéias dos opositores3 da bossa nova:
A denúncia da "americanização" de Carmen Miranda mos-
O movimento chamado de bossa nova a partir de 1958
trava que existia no Brasil de 1940 um movimento difu~o q~e veio finalmente agravar essa quebra de tradição [iniciada
defendia a correta utilização desses novos símbolos nacionais.

--
pelo samba-bolero e o samba-canção dos anos 40], apro-
A mistura do samba com a música norte-americana, por exem-

3
Em momento algum pretendo utilizar as idéias citadas a partir de agora
0 0
1 Na verdade, foi uma invenção coletiva, na qual colaboraram muitos ~ ~ ae fossem exemplos de uma tendência geral ou majoritária dentro
artistas, incluindo, por exemplo, o compositor Dorival Caymmi, que ensi- ,~ ebate cultural brasileiro. São apenas idéias de determinados grupos.
mesmo ass1· 0 f l
nou a coreografia baiana a Carmen Miranda (ver Risério, 1993: 31). rnui ~ • ato de elas terem sido divulgadas, em larga ~sca a e em
2 Que depois foi "oficializada" como o traje típico da "Miss Brasil" em d-••~ docasioes, mostra que não são idiossincráticas, mas parte importante
._ ebate.
concursos de beleza internacionais.
1 132
O MISTÊRJO DO SAMBA LUGAR NENHUM 133

fundando a influência do jazz be-bop, ao elétricas nos festivais de música do final dos
q ue modificava a batida tradicional do mes rno ternpo itarras . .
, - d . sarn6a at o nor gu do iniciou (Junto com outros artistas, como
de uma espec1e e esquematização destin d ' ravés d r 60 quan . ,, . 1 h .
-
mar esse genero d e musICa
, . popular carioc a a a, tra ns for. nos , . utro "movimento musica , con ec1do como
' d- a no arnb·1to da 1
classe me 1a numa pasta sonora, mole e inf ~ilbert~ Gi) ~m entrevista à revista Manchete, em 1967, po-
rão, si d: 48/ 49). orme (Tinh 0 • tropicahs~~lgumas pessoas ticaram _histérica~ q:uando ouvi-
Jerruzava- . legría com arranJO de gmtarras eletricas. A estes,
Em outro texto, Tinhorão afirmou que a boss
d ,, ,, a nova f - . rarn A legria,ª ·
rar que adoro guitarras e le'tr"icas. O utros insistem
· ·
-h 0 a dec1a . O b . .
11
de um grupo e moços que rompeu definitiva 01 criação te1u• s nos folclonzar. ( ... ) ra, sou aiano, mas a Bahia
a herança do samba popular, modificando O mente com que ~ev~7~clore. E Salvador é uma cidade grande. Lá não
de original, ou seja, o próprio ritmo" (Tinhor9ue lhe restava não e
50 0
acarajé, mas também lanchonetes e hot dogs, como
1
Do outro lado desse debate, os defensoresª~ : 86: 231). tem apdena:s cidades grandes" (Veloso, s/ d: 23) .
também usavam argumentos nacionalistas. Ca;a ossa nova emG"lbto asrto Gil descrevia · assim, ·
em texto escrito em 1965-66 (quase como uma no Veloso, em 1968, as pessoas que
1
Ramos Tinhorão), diferenciava a música de J~:_sp~_ta ª José . a: ao uso do rock e das guitarras elétricas por parte do
reagir icalismo: "Sab.ia o ti.po d e gen te que es t ava l a: ' Jovens
.
Antônio Carlos Jobim daquela de "artistas com~~O/ 6erto e trop . ·t, . d. .
Dick Farney". As composições desses últimos c nny Alf, . ados ao movimento uruvers1 ano, com um con icionamen-
11g , - .
nam a uma a 1ienaçao
• li · - d
a c Iasse média subdesenvorresponde
I ·ct .· to ideológico ante a musica, uma turma comprometida com
, Ih , o v1 a cuia chavões sociais" (Gil, 1982: 33). O tropicalismo lutava contra
meta e asseme ar-se a sua correspondente no país d
vi·d o d ominante
- ,, (Vie Ioso, s /d : 3 ) . Mas não aconteceriaesenvol- esses chavões: "era preciso desmistificar aquela coisa nazista
mo com a b ossa nova: ''J oao _ G i"lb erto e,, de todos os temo mes- no sentido isolado e aquela abstração no sentido nacional de
. , b ·1 . Ih pos, brasilidade" (Gil, 1982: 35). O poeta concretista Augusto de
o interprete rasi eiro que me or compreende a bossa ess
mistério que habita o sambista, e melhor pode jogar co~ ela~ Campos, em artigo de 1967, fazia a defesa dos tropicalistas
(Veloso, s~ d_: 8) . Pa~a-fazer _ta~ _afirmação,_ Caetano já sabia que contra
era necessano relativizar a ideia de "tradição do samba", reve-
lando tudo que ela continha de construção cultural: a crise de insegurança que, gerando outros preconceitos,
!ornou conta da música popular brasileira e ameaçou
Se acompanharmos a evolução do samba até onde nos mter:o~per a sua marcha evolutiva. Crise que se aguçou
agrada e o cristalizarmos num momento que nos parece nos ult~os tempos, com a sintomatologia do temor e do
definitivo, poderemos nos ater ao samba de roda da ressentimento, ante o fenômeno musical dos Beatles sua
Bahia e renegar até o mais primitivo partido-alto carioca. projeção internacional e sua repercussão local na mó.sica
Reagindo contra a possível inautentificação do samba, da Jovem guarda (Gil, 1982: 19).
muitos se voltaram para o morro e alguns acreditaram
que somente lá ele existe realmente: Carlos Lyra fez um ~qugusto de Campos compara a situação dos tropicalistas
1
samba sobre o assunto e foi compor com Zé Kéti e Car- es ue a enfrentad pe 1os criadores
ª · da bossa nova: "Tivessem
. ses renovado d d .
tola . Entretanto o samba há muito que deixou de se que ad . res a o ouvidos aos conselheiros de então,
restringir à Bahia. E ninguém pode acusar de boa-fé Ary na bos:aertiam s~bre _o_s perigos de ser desafinado, e só viam
Barroso de uma apropriação indébita por expre~sar-se
em samba sem ter vivido no morro e sem ser semi-anal-
ª
mos até h n?va Jazzificação da nossa música, e continuaría-
Oswald." oie ~xport~ndo 'ma~umba para turistas', como diria
fabeto (Veloso, s/d: 5). nossa mu' . onclui seu artigo com um apelo: "Deixemos
Caetano acabou também sendo acusado de ahena O
. d e traidor
nha· mente 'nasica . r. sem peias
. anda . e sem preconceitos
. ["suposta-
da música brasileira ao interpretar suas canções acompa 1982: 23 )_ cionahstas"']. Sem lenço e sem documento" (Gil,
() MIST ÉRIO DO SAMBA LUGAR NENHUM
L4
135

recido com esse foi musicado por Gilbert r •


Um ape 1o Pa . fA . h d o '-''l cesso Para os novos. grupos
. . 1 lcuja música assim foi rotulad a
1GS 'i em seu sucesso radio omco c ama o Roque Sant . · , su ndo como marco m1c1a o ançamento do compacto que
. , xa ele tocar o roe k, ."N o res t an te d a l etra, Gil revezro
cm ., .. ''Dei 1'
0
n i. " · · d - ·t d t t l e- ª (te ·nha Você não soube me amar, do grupo Blitz), a pregação
que roe", está se referm
.1 . o : sao
. - Cl ad os lex ua mente Lob ao, contl · · t ·
nacionalista adqumadnovdam~n ~ v1.?orde e~paço, mais ou rne-
Para l ama S, U ltrai·e a Rigor e T1tas, to os e es nomes de gru Pos
~~ n
eroso depen en o o orgao e imprensa ' para ser
ou d e ca n tores que se tornaram estrelas do cenário . rnu s1ca\
.
'tida.
bras il eiro durante os anos 80~ Com que~ Gilberto Gil está
fal ando 7 Existe alguém que nao quer deixar que ele toque em~ rock brasileiroAfoi chamad~ de "produto artificial" (vide
0 . 0 de José Neumanne Pmto no Jornal do Brasil de
roc k? . .
A canção Roque Sa11te1ro, o rock foi lan~ada, com? já fa lei, ZS/l0/83, Ca d erno B, p .2) ou f 01. c_ons1'd era d o " a expressão
arllg
em 1985, justamente o ano em que s~ ~eahz?u. o festival Rock de um povo sufocado pelos trustes mternacio~ais" que "pro-
in Rio, trtlvez O momento de exposiça<? maxima do rock na rarn dificultar o consumo de formas autenticamente brasi-
cu b ,, (
mídia brasileira . O evento provocou muitas reações em defesa !eiras pelas grandes massas ur anas como diz o sambista

o:
d "verdadeira" música brasileira contra a "invasão" d o rock.
nacionalistas encontravam aliados em muitas frentes , não
importando se eram politicam~nt~ "progressistas" ou "con-
Nei Lopes no Jornal do Brasil em 25/05/85, Caderno B, p . 8) .
Do outro lado (na verdade, nesses debates existem muito
mais "lados" do que o pró e o contra), os defensores do rock
servadores". D . Mauro Morelh, bisyo de ~uque de Caxias, também eram numerosos. Gilberto Gil, para continuar com
sintetizou com a seguinte declaraça~ (publicada na Folha de esse exemplo, reconheceu a paternidade do tropicalismo com
Sãr Paula, em 24/ 11 / 84, portanto ha pouco me1:os de dois relação ao rock brasileiro em entrevista ao programa Conexão
m eses d o Rock in Rio ) vários dos argu~entos mais rep etidos nacional, exibido na Rede Manchete de Televisão em 1985:
JOs defensores do "nacionalismo": "Nos todos [referindo-se
pe bispos do Estado do Rio de Janeiro, · · 1um · d o a a 1a "rnn- Sou coruja. É preciso não esquecer que a gente de certa
aos me forma abriu muito espaço para esse pessoal. O tipo de
serva d o ra" de D. Eu gênio Sales] concordamos que o feshval briga que a gente teve com a tropicália, o serviço de
d rock traz em si duas questões que o desaconselham . Sob tratoragem, de revolver terra , é um trabalho que ofereceu
0 ep onto d e vista social, e na minha opi~ião este é o aspecto terreno pra esse pessoal todo. A gente fica um pouco
mai s importante, ele é alie nante na medida em que desvia ª assim dizendo: puxa vida, olha aí o tropicalismo, olha as
juventude e a sua força dos graves problemas que afetam 0 ~uestões que a gente defendia, as brigas que a gente
País nes te momento . ( ... ) O outro aspecto é cultu~fal. Q~e tinha com o tropicalismo. A gente imaginava que era
con tribuição traz para a cultura b rasi·1eira . u ma mam estaçao , . assim que as coisas deveriam estar por volta de 1985.5
com o es ta , toda importada e que nao va 1onza - · a nossa propna
José ,~amos Tinhorão também aponta o "serviço de tratora-
uJ 7"
gem que o tropicalismo fez para o rock brasileiro, só que
e lu ra . •d dopro-

----
Esse tipo de a rgumen tação não deve ser consi e'.a ,_ com outra interpretação:
- . . . . A trá n o: as cn
P rieda d e de uma rnmona mexpress1va . 0 con t da
ticas ao rock estão disseminadas por vanos , . segmen, osel na
socieda d e brasileira e reaparecem com f requenc
imprensa do país. Desde 1982, an~ em que se_r~P~e grande
.. A ia razoavlarizou o :~0°~
1
ª chamada Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos. Mas
N rock brasileiro" só se popularizou nos anos 80 .
0.
rótu lo rock brasileiro• e que dá início a um peno 0 dad 1sa mesma entrevista, Gil falou sobre os "efeitos" do rock na 5 ~ _ie-
br, el _rasileira: "Você pode dizer: não mas é terrível, acaba com ª muSica
•SJ e1.ra ac b ' acaba com a a1ma brasile t·ra ' acaba
con, ' ª a com a cultura brasileira,
. ~~ a
ao ll\e econom,i b .1 . . . . tudo, a11ena.
a ras1 eira, a hngua bras1le1ra, - É verdade . . Mas
.
4 Grupos de rock compostos por brasile . iros
. aís desde rn ,,
atuam no P ercial nos aJl' ·
dos anos 50, tendo inclusive alcançad o grande sucesso com
do U:ºoutra tal ."
tempo está acabando com uma tal cultura brasileira e e5t a cnan-
O MISTÉRIO DO SAMBA LUGAI{ N ENHUM
136 137

( ... ) 0 tropicalismo ( ... ) não deixou de cumprir seu papel


da gen te , a gente não
- sabemos nem escovar os dentes ,
de vanguarda do governo de 1964 na área dá mú . conta de grana e nao consegue pagar, a gente somos
. . . d s1ca
popular: rompidas as re_s1~tenci_a s ~ ~arte politicamente 11 gente P~ - 1985 Ultraje a Rigor).
consciente da classe media umvers1tana, que tentava ( , 'I'' (/11 u1I 1
I I h - .
inut1 . desprezo, desencanto, orror: nao existe qualquer

:1:
defesa de uma música de matrizes brasileiras, as guitar~ Jr_on~a, ' tria em qualquer das letras mencionadas. Não
ras do som 1111iversnl puderam completar sua ocupaçã 0
el~g• como o samba de e~alt~ção às mara~ilhas da raça
do mercado brasileiro. E assim, a partir da década de 7;
eJoste ~ , eu sou chão, eu so po, eu sou poeira, sou filha
em lugar do produto musical de ex_portação prometid~
("Eu so pe_,0 eu sou a raça brasileira": assim canta Elaine
pelos baianos com a "retomada da hnha evolutiva", ins-
titui-se nos meios de comunicação e da indústria do lazer desse ~rra~ Raça brasileira, de 1985, música do disco Raça
0
definitivamente, a era do rock. O qual, aliás, muito tro~ ]'viac~~ e letânea de sambistas surgidos nos anos 80-auge
picalisticamente, o espírito satisfeito dos colonizados
brasileira, cock _ que deu mic10 . , . . . b
ao primeiro oom comercia
. 1
passaria a chamar, a partir da década de 1980, de rock da febre;) . Não existe motivo para orgulho, talvez só para
brasileiro (Tinhorão, 1986: 267) . do pago çeão ou piedade . O roqueiro, em muitos momentos,
consterna b, , d li • ,,
·e~ncia de que tam em e parte essa mistura que
tem cons Cl , . . 1
d BrasiJ brasil. A musica que torna mais c aro esse en-
faz · o nto do compositor . de roek com a "loucura d a naçao
II-
vo1vime 11 G d , . d .
, ·1(1988), de Cazuza: ran e patna esimportante, em
e 8ras1 m instante eu vou te trair. li.
am a: Brasi·1, mostra a
E • d 11

ne u
nh f' . B ·1
A visão do Brasil contida nas letras do rock brasileiro dos anos tua cara, quero ver quem paga pra ge_n~e icar ~ss1m, _ras'.,'
80 não pode ser rotulada de nacionalista ou patriótica . Elas qual é o teu negócio, o nome do teu socio, confia em ~mm .
montam um retrato pessimista, sem nenhuma sutileza, da Outros compositores não mostram nenhum envolvimento
nação: 6 "nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado" (Q11r com o desatino nacional. Alguns questionam o próprio sen-
país é este, 1987, Legião Urbana); "e agora você_ quer um retrato tido do conceito de identidade, até duvidando da existência
do país, mas queimaram o filme, e enquanto isso na enferma- de urna cara para o Brasil. Os Titãs são o grupo que tomou a
ria todos os doentes cantam sucessos populares e todos os posição mais radical nesse debate, com a música Lugar nenhum
índios foram mortos" (Mais do mesmo, 1987, Legião Urbana);
(1987): "Não sou brasileiro, não sou estrangeiro, não sou de
"desempregado, despejado, sem ter onde cair morto, end1v1-
, esse pai's que lugar nenhum." E ainda: "Nenhuma pátria me pariu." Talvez
dado sem ter mais com que pagar, esse pais,
alguém disse que era nosso" (Perplexo, 1989_, Paralamas do seja a declaração mais esperada de se ouvir na boca de quem
faz rock no Brasil.
Sucesso); "sinto um imenso vazio e o Brasil, que herda 0
costume servi-1, nao- serviu
· para mim· - terra li'nda , sofre
, ainda_ É interessante comparar essas letras do rock brasileiro com
a vinda de piratas, mercenários sem direção, que ate eu rn:e aquelas dos vários novos estilos de música popular surgidos
mo sei quem são" Uuvem1ia, 1985, RPM); "mais uma -~nga _ na Bahia durante os anos 80 e que acabaram se transforrna~do
torcidas acaba tudo em confusão a multidão enfureci ª quei em moda nacional em 1992-3 (vide o caso da cantora Daruela
, , t le mas Mercury)_ O sucesso dessa música popular baiana (principal·
mou os carros da polícia, os preços fogem do con ro ' a·o
que loucura essa nação,, (Desordem, 198 7, T·t-
i as )·"a
, gente n
t mar mente a música dos trios elétricos e dos blocos afros) pode
sabemos escolher presidente, a gente não sabemos O , ser Pensado também como a criação de um mercado regional
de discos (semelhante aos mercados - fortalecidos a partir
dos _anos 70 - do forró em todo o Nordeste, e da lambada na
6 Para faCL·1·1tar as c1taçoes,
. . .
não respe1tare1. a me· 1r·tCa d os versos de cada ' Re~ão Norte - tendo a cidade de Belém como centro) 1e 9:
letra . Praticamente não depende do eixo Rio/São Paulo, o nd e estao
138 LUG AR NEN H U M 139
O MISTÉRIO DO SAMBA

concentradas as grandes gravadoras rnultinac· • rn várias outras noções já analisadas neste livro, a
d os gran d es meios . 1ona1s e as acontece co O terceiro-mundismo do Olodum têm grande
de comunicação eletrônica A sedes
I
tem essa regionalização mercadológica Se · ds etras refl e- ne~ritud:d e uirindo significados e peso~ ?iferentes em situa-
. , . . po emas o . f]u1deZ, q entos diversos de suas atividades. O Olodum,
a 1guns arroub os (pois a musica dos trios elétric , uv1r
. 1 . . os e prefer - s e dmorn
çoe aparências, pod e ser mw·to mais · a b erto a d iferen-
eia mente otimista, ao contrário do pessirnism 0 d en-
. 1· , o rock) apesar . as elas não-negras e não-terceiro-mundistas, ou de
Clona 1stas, corno em Fe brasileira (1987) do grupo Ch. na.
1 ças (seiam utro tipo) do que uma banda de rock. O Olodum
Banana (''Verde e amarelo, tenho a fé brasileira ic ~te corn
. h a naçao - ") , c h egarnos logo à e ' sei o- que alquer o . .
quero, t e nh o a rn1n ~u . m se propagandear como a ma10r democracia racial
. . onc1usao d inSiste e
que o a 1vo pnnc1pal da exaltação musical é a beleza d 0 6 . e do planeta . . .
e_ d a CIºd a d. e d,; S a l va,,d or. s-ao _variações_
· em torno de "toda aianoa É . correto até mesmo classificar o bloco afro como gru-
Cidade bnlha e de toda essa gente irradia mag· " 0 m~sical. O Olodum, para insistir no exemplo, inclui um
ia ' corno
aparece em . É d'Oxum , .
(1985), composição de Gero" nimo · e p O musical, mas suas ativ idades (do Olodum em geral e
quase um hmo dos ulhrnos carnavais baianos. grup
de seus integrantes mais · d.iretamen t e iºd enh.f.1cad os como mu-,
Um capítulo à parte (ou um livro à parte) poderia sicos) também compreendem a produção de peças teatrais, a
escnto· sob re as 1etras dos chamados blocos afros, como Olo- ser
manutenção de uma loja (que vende livros, jornais e roupas
dum, Muzenza, Ar~ Ketu e Ilê Aiyê. Nessa música, que até da grife Olodum) e a organização de debates e seminários
recentemente era feita apenas com percussão acústica e voz sobre os mais diversos assuntos . Sua sede fica localizada no
(ao contrário do barroco eletrônico dos trios elétricos, que têm Largo do Pelourinho, em Salv ador, bairro até então - antes
urna formação parecida com a de urna banda de rock, isto é, de sua "reforma" - pauperizado (apesar de tombado pelo
guitarra, baixo, bateria, teclados eletrônicos e percussão), os Patrimônio Histórico Nacional e de ser ponto de visita obri-
ternas privilegiados são a cultura negra e africana . Os blocos gatório para os turistas que passeiam pela capital baiana), que
afros inventam outra resposta, diferente da(s) do rock brasi- teve com o Olodum sua recriação como comunidade. Esse
leiro, para a pergunta sobre o que é ser brasileiro hoje. A grupo inventou (principalmente através das canções) um
brasilidade de sua música parece mesmo não ser grande fonte novo orgulho de viver naquela área abandonada pelas polí-
de preocupação para os componentes de um grupo musical ticas sociais da cidade.
que pode se intitular Banda Reggae Olodurn ou Bloco Afro
OOlodum seria mais apropriadamente chamado de grupo
Olodum . A própria escolha das palavras reggae e afro para
definir seu tipo de atividade musical e carnavalesca já denun- cultural (ou parte integrante de um mov imento social que
cia pretensões cosmopolitas. Mas aqui encontramos u~ _cos- engl~ba as entidades negras de Salv ador), porém é mais co-
mopolitismo bem diferente daquele dos roqueiros brasileir_os. nhecido como bloco afro, por ter se destacado em seus desfiles
durante o carnaval de Salvador. A expressão 'bloco afro"
Os blocos afros redefinem a visão de mundo e o estilo de vida
cosmopolitas a partir de outra perspectiva e d entro de ou!ro :iquiri~
Lib
popularidade no final dos anos 70 e início d~s an os
O pnme1ro bloco afro foi o Ilê Aiyê, formado no bairro d a
contexto: aqueles ligados política e culturalmente às noçoes
de negritude e de Terceiro Mundo. ca ~rdade~ outra grande concentração negra e popular da
Essas noções, tal como são utilizadas, por exemplo, pelos fr pi~l baiana (segundo Antônio Risério, seus fundadores
integrantes do Olodum, não são excludentes, com o pode pa· 3~}.en_tavam os ba_iles soul de Salvador - ver Ris~rio, 198~:
recer a- pnme1ra
. . vista,
. tanto em termos d e que m pode pa rti· d Picou conhecido em todo o Brasil quando Gilberto Gil
cipar do Olodurn (pois qualquer pessoa, independente t es Sl'avou
.i1 • _.
e l ançou com grande sucesso e m 1977, a musica , · //"e
'llYc: cu1· 1
raça, pode desfilar com o bloco), quanto de que ingr · ed1Cen e0 so b a etra continha os seguintes versos: "Branco, se voce•
'
musicais podem ser misturados em suas composições. orn u esse/ O valor que preto tem / Tu tomava ba nho d e p iche/
LUGAR NENHUM 141
140 O MISTtRIO DO SAMBA

Ficava preto também." A tematização, com tal fran oderiam ser surpreendentes levando-se em
aJavras P .
questão do orgulho negro e da discriminação ra . 9Ueza, da r,ssas P de João Jorge como integrante do movimento
1 I
no Brasil logo provocou polêmicas. A resoluçã Oci~ ex:stente ,anta O ~ape Seria possível esperar um discurso excludente,
de só permitir o ingresso, para o desfile no
O
lle Aiyê negrO baiano-m relação a, e 1·t 1 e b ranca . Mas nao - e, isso
. que
.nh carnaval d tudo co ,
(
pessoas negras e h am que ser bem negros: ' e sobre N m musicalmente, a meu ver, o Olodum esta preo-
história de mulatos que foram barrados _ 0 que conheço a acontece- e autenticidade, ou preservação da "verdadeira"
e1ass1·fi caçao
- rac1a
· 1 d'f str
1 erente d a norte-americana mo ª urn a cuPado bcomileira ou b aiana . . Essas carac teris, t·1cas sao
- mv1s1-
. . ,
tura ras .
mulatos são identificados como negros) foi muit~ ~a qu~I os cul uitos críticos norte-americanos que recomendam,
· · d a, por mem b ros d a e 1·1te b ranca (ou mulata clara)
critica iscuhda. e vei·sparamO Olodum participou . . de um d isco
. do cantor Paul
na, como racismo . baia- d~sde que shows e discos do bloco afro-baiano para seus
sunon, os . - li • " ( •
O exemplo do Ilê Aiyê foi seguido, com variações . . Uma outra mterpretaçao, para grmgo ver e pnn-
. .f. . . d rna1s ou le1tores.
. .
ente para gringo mteressa d o nos problemas d o Terce1- .
menos s1gm 1cativas, na criação e vários outros bloco f
em Sava
. . . .
I d .or. D1scutire1 mais o caso do Olodum, po·IS f01. o
s aros c1pa1m do e com sentimento · d e cu1pa por uma h 1potetica
· , ·
Mun '
bloco que inventou o samba-reggae,
. . ritmo que coloca novos ro •dentalização do planeta), e, constrm'da, trans f ormando o
problemas para o tema prmopal deste livro, que é a inven - ~~~dum na mais autêntica pureza b~asileira. ~a revi~ta Spin,
do samba como musica , · naoona · 1b ras1·1eira. Como vimos, nas çao
urna das mais importantes fontes de mformaçao musical para
palavras de Paulinho da Viola citadas no último capítulo, os a juventude norte-americana, o crítico Larry Bimba um define
sambistas cariocas (excluindo talvez os da novíssima geração, a música do Olodum como "um hipnótico cruzamento do
partidários do que ficou conhecido como "suingue") conside- samba pop despido até sua essência crua com os cânticos
ram-se guardiães da tradição do samba, condenando qual- rituais dos cultos iorubanos do candomblé". Nem sombra de
quer tipo de mudança mais substancial no gênero. Os sam- menção ao reggae: talvez por desinformação, mas certamente
bistas dos blocos afro-baianos não têm esse tipo de preocu- com a ''boa intenção" de preservar a "essência crua", algo
pação, e misturam o samba tanto com o reggae como com visto de forma positiva pelo jornalista. No jornal New City, de
outros ritmos afro-caribenhos (tudo no limite de seu cosmo- Chicago, o empolgado crítico chega a citar os ritmos caribe-
politismo negro) . nhos, mas faz isso de forma curiosa: "Acordes lembram as
João Jorge, diretor cultural do Olodum, resumiu (em en-
raízes do hip-hop, calipso, rnerengue etc." As semelhanças
trevista que fiz com ele em 1988) a ideologia do Olodum da
notadas pelo jornalista são jogadas para o terreno confortável
seguinte maneira: "O Olodum é muito marginal. Marginal no
(para quem procura a pureza) das raízes históricas comuns.
sentido de não ter grandes heranças filosóficas e musicais.
Então nós somos pós-modernos, pós-punk, pós-yuppie, pós- ~ão parece possível, para o crítico do New City, que os mú-
tropicalistas." Em outro momento dessa entrevista, João Jorge sico~ do Olodum possam ter acesso a discos de reggae e tentar
d_efiniu a musicalidade do Olodum com palavras que pode· copiar o que escutam.
nam deixar Gilberto Freyre confiante no acerto de seu diag· 0_s ritmos transculturais do Olodum conquistaram todo o
nóstico para a cultura brasileira: Brasil (mas primeiro conquistaram as bandas dos trios elétri-
~~ de onde saiu urna cantora corno Daniela Mercury) em
Nós somos a síntese. Só é possível ser brasileiro se puder r" l. .N~sse ano e em 1992, o Olodurn se apresentou nas
ser a síntese, a síntese de um conjunto amplo de cores,
de povos, de línguas, de costumes, de culturas. E essa 6m~i~ais casas de espetáculos musicais das grandes cidades
música só pode ser brasileira, nova, velha, atual, passa· hras1le1ras
. · A musica
, · b a1ana,
• d ep01s • d a musica
, · ser ta nei·,a, 1·a·
da, se ela puder ser essa síntese, se ela não excluir, não /via ultrapassado o rock brasileiro em matéria de vendas de
for excludente. tscos e popularidade nacional. Os grupos iniciantes de rock
1-12
O MISTÊRIO DO SAMBA LUGAR NENHUM 143

vo~tar_am a sobreviver num circuito under r de Wallis e Malm parece fu ncionar por décadas .
propnos roqueiros gostam de chamar) g_ ound (como os Oesqu~rnad depois da invasão da música estrangeira, os
que mcJu · deca a , , • -
casas noturnas e gravadoras independent I pequenas
tJ rnª locais começam a _c anta-1a ~m suas propnas 1mguas
E ~-
sses novos grupos já são bem diferentes d cnntore~ t rá-la com tradições locais. Outros dez anos são
sares do rock brasileiro dos anos 80 U e seus anteces- ou ª rni~ u para que as inovações transculturais (Wallis e
t · - · · m marco cessá nos - " ,
raietonas foi o sucesso mundial da band . . em suas ne d fnem transculturaçao como um processo atraves
(que agora 1ota estad1os , . a mme1ra Se 1
até na Indonésia) d. pu tura Malm e l~mentos da música e da tecnologia musical difun-
. .
d os mteiramente , com iscos 1
em inglês no ge·n . grava. do qua ~a indústria transnacional são incorporados à música
. ' ero musical tra h
speed) metal. A revista musical Bizz (ano 9 nº S) f s (ou didº;,f~ Wallis & Malm, 1990: 179) sejam assimiladas pelas
balanço dos discos lançados por "artistas n~vos"' azendo um loca 1 , · d ez anos essas forrnas
. locais: "Durante os prox1mos
de 1992 e maio de 1993, chegou aos seguintes n , entre Janeiro elites · · · 1
locais • de pop e rock passam a ser aceitas, pnme1ro . pe o
1 d umeros: foram
ança os 188 trabalhos de novos nomes dentre . úblico juvenil e, então, ?r~dualmente, pela~ au~o;,1dades_ go-
. • ' os quais 110
eram cantados em mgles (p. 29). Essa quantidade d ~ernamentais e pelas m1dias de massa nac1ona1s (Walhs &
m t . 1. , e 1ança-
en os em mg es e uma novidade na história da - · Malm, 1990: 179).
J ·1 ·
Popu ar ras1 eira e mesmo na história do rock bras·1 musica
b Se esse esquema é realmente uma regra geral, o caso bra-
· N
B · - . 1e1ro. 0
rasil_ nao se r_e pehu o padrão constatado pela pesquisa com- sileiro é uma exceção. O rock no Brasil desde o início foi
parativa, realizada pelos etnomusicólogos Krister Malm cantado, em sua maioria quase absoluta, em português. O
Roger Wallis, sobre o funcionamento da indústria fonográfic: rápido sucesso da Jovem Guarda, criado com toda a ajuda da
(e a pe1:etração da música "ocidental") em 12 países de todos televisão e do rádio, também mostra que as mídias de massa
os continentes intitulada The music industry in small countries. brasileiras não demoraram muito para aceitar o rock nacional.
Malm e Wallis apontam alguns dos traços comuns do material Esó hoje ternos um número grande de roqueiros que preferem
coletado nessa pesquisa: cantar em inglês.
A tendência para o inglês, contudo, não é a única existente
Quando o movimento de musICa sueca explodiu em no atual rock brasileiro. O panorama roqueiro (seria possível
tomo de 1970, milhares de grupos subitamente começa- falar a mesma coisa do panorama sambista, ou do panorama
ram a cantar na sua própria língua . O mesmo processo sertanejo etc.) dos anos 90 é muito mais complexo do que o
ocorreu no País de Gales( ... ) O primeiro disco pop can-
de meados dos anos 80, com inúmeras subdivisões estilísticas
tado em sinhala foi lançado no Sri Lanka em 1969. Du-
(metal, industrial, hardcore etc.) que muitas vezes não têm
rante os anos 70 a Jamaica experimentou a transição do
rock steady para o reggae. O Quênia estava produzindo nenhum contato entre si. Outra tendência q ue está se tornan-
os primeiros discos do pop Iou . Outras variantes tribais d_o cada vez mais forte é a da mistura desses estilos interna~
se seguiram durante a década. As bandas tanzanianas cionais do rock com alguma "tradição" musical brasileira. E
0
de jazz estavam desenvolvendo suas próprias versões caso, entre inúmeros exemplos, da banda brasiliense Rai-
em suaili da música popular do Leste Africano. Depois m~ndos, que já conquistou numerosa legião de fãs com sua
de quase uma década copiando os Beatles, Elvis ou rn1stur d -
filh a e trash e hardcore com forró (seus comp~~entes sao
Chubby Checker, músicos das "pequenas" nações come- os de nordestinos que foram morar em Bras1ha). Outro
çaram a desenvolver suas próprias formas nacionais de exempl0 é 0 . • - Z -

---
da banda recifense Chico Sc1ence & Naçao um
música popular. Cantar na sua própria língua ou dialeto
era uma mudança significativa, pois introduzia um novo
elemento comunicativo entre o músico e o ouvinte (Wal- 7 E
lis & Malm, 1990: 179). a repercussao
· d o reggae 1·amaicano em todo o mun d o mostra que esse
Pr,,,,
"'·esso nã 0 ' -r · Mundo
tem apenas a mão única d o Primeiro para O ,ercetro ·
>
144 O MISTÉRIO DO SAMBA

bi, uma mistura de raças / classes sociais (d .


e estl·1os mus1ea1s
· · (meta l , rap, maracatu c·
_ ,
e seus in tegrante )
, 1randa) s
parece uma versao pos-moderna da obra d ' que 111ais
Gilberto Freyre . A idéia de produzir tal mis; seu(_~onterrâneo CONCLUSÕES
como " mangue b eat ") partn.1
. d os componentura Ja .Conhecicta
e mais de classe média, da banda. Eles tivera;s mais brancos,
os integrantes mais negros e mais pobres (quque convencer Há duas maneiras de se integrar sistemas~
e antes f ·
parte de um bloco afro de Recife, imitando a rnú .ª21arn Uma é impor padrões uniformes. O que~
Olodum) a aprender a tocar os ritmos "verdad . sica do motivo para grandes debates. A outra e
e1rament " não integrar, não ter padrões integrahvo~,
pernambucanos. e
mas sim valer-se de adaptadores mteh-
Nessas
_ misturas de
. . .rock com elementos musicai s ras11e.1•
b .
ros, nao parece existir interesse em autenticidade ou ·ct . gentes.
. 1 e ., 1· 1 enti-
Alvin Toffler
d a d e nac10na . orno Jª ana 1sou, em 1986, a jornalista An
Maria Bahiana, veterana crítica de rock no Brasil: ª
No carnaval de 1994, o enredo da Mangueira, ta,~vez a ~s~ola
Não se trata, propriamente, de uma "busca de raízes"
nem de um "mea culpa" coletivo por parte dos roqueiros; de samba mais respeitada pelos advogados da autenticida-
nem mesmo de um projeto de síntese, como já aconteceu de", foi urna homenagem aos músicos baianos Gilberto Gil,
em outros momentos . A julgar pelo que dizem, pelo que Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia. Por uma inte-
tocam e criam, e pelo que imaginam, estamos diante, sim, ressante coincidência o tema do carnaval do Olodum foi o
de um novo atalho num velho caminho: um estado de tropicalismo . Estaria a Mangueira deixando de lado a "pure-
estafa e tédio musicais superado pela busca de novos za" do samba para se aproximar da "geléia geral" dos inven-
alimentos e idéias (0 Globo, 08/04/1986, Segundo Ca- tores tropicalistas e pós-tropicalistas (como se autodefine o
derno, p .1). diretor cultural do Olodum) baianos? Mais uma vez o Rio de
Não há um projeto de " nacionalização". Nem uma _complexa Janeiro tenta inventar um novo Brasil homenageando a Ba-
rede de relações transculturais, como a que produziu a trans hia? Qualquer conclusão não deve ser precipitada. O Olodum
formação do samba em música nacional por volta de 1930_, n_a pode c~nta:, numa das músicas feitas para 1994 (os blocos
base dessas novas fusões. Salvo engano, o que parece exiShr afros nao tem um , · b
sam . unico sam a-enredo como as escolas de
.f
é uma multidão de grupos d1 erentes com pr
oi·etos culturais
diferentes, sem preocupação com unidades de qual9nhuer ~~
tá ~a ci
Rio de Janeiro), que "Olodum tá hippie, Olodum
, - l ·, · t d s de Pauh 0 gu~ir~'pr!~:r~::'f~a ;ro~k, Olodum p _irou ~e '-:ez" . Mas a Man-
pecie. Relembrando as pa avras Jª 0 ª ª b ' m não rno (e de t d g os temas mais polem1cos do tropicalis-
Viola : não há mais comunidade do samba . Mas ta~ e e isso investind 00 °
o restante d carreira
· d e seus homenageados)
ª
há comunidade do rock ou do sam?a-reggae. ~er.~ à~quela . , em seu enredo n · ,, _ '
vida na Bah·1a. 1 uma imagem cartao-postal" da
significa também o fim do "paradigma mest1 ç~ ' esforço
'
0
identidade nacional produzida com tanto cui~a . ~ .1 O que d O fato de a maioria d b .
. d ,, .
por tantos grupos interessa os nas c01sas
brasileiras .
. apenas
.º <?lodum aos samb os _aianos preferir cantar as músicas
tanc1a. O carnaval do a;i~anocas ~arec~ não ter tanta impor-

---
ainda pode assegurar a unidade (mesmo que seia
de Janeiro ainda permanece como
musical) da pátria?
1 Não
C'Stou fa:,.e d
n ° uma critica. e osto muito de cartão-posta\.

1-15
14h
CONCLUSÕES 147
l l MISTÉRIO DO 51\Ml\t\

él fes tél nélcional "por excelênc· ,, . . caminho da unidade nacional (vista


levisão para todo o Br ·1 ia , sendo transm·t· 0
. - . as1 ' ao passo t tdo p 1 . do que ,sso. ização à /a Gilberto Freyre) ainda é va-
(cuia musica é mais popular do que o carnaval e a te. Mª•5rna 110..,ogene
11
• de originalida d e para a " civi . ·1-izaçao
- b ra-
cariocas na maior parte do t . - que o samba d baiano J1IOÚ fonte .
erntono br .1 . as es co . do corno s faz diferentes e que, iustamente por
nas em fl as hes na cobertura . - . as1 e1ro) a a Colas loriza . ·10 que no d . - ·1·
mcação eletrônicos . Não é a Jornahshca dos mei! ~ece ªPe- . ," aqui i·e•ncia inédita, po e enriquecer a ovi i-
5 ile1r,, ' exper _ . .
G lobo, sediada no Rio de J pe~as uma "imposição" de cornu. ,ctituir u~a C tano Veloso reatualizou e complexificou,
- t d ane1ro O sa 6 a Rd co1"'' o [llUJ'Idia! · ae · anos (recitado durante osh ow C.zrcu 1ad"o
nao en o a popularidade ue . . m a carioca ee zaǪ a Americ _
9a
re_cu~erada , em parte, com m~odnq~1s~?u _nos anos 3t(esrno lll 5eú poern •déias anunciadas por Gilberto Freyre (ou
~e 1992), aJgu~as i O poema A minha América) há mais de 50
nao e um estilo com . a o suingue" - agora
V 1 , o vimos nas pai mas e de Lima, n , , t (
10 a, avalizado pelos sambistas . ~vra~ de Paulinh sse or Jorge ricanos branco e branco, preto e pre o e a
P " ara os ame h , h Ih ,
dos grupos de sucesso nasceram:~s _autenticos", e tn~itda anos: P , t l) bicha é bicha, mac o e mac o, mu er e
ão e a a , . b
atuando como agente unificador nacio~ªº Paulo), permane~s mulata n dinh ·ro é dinheiro. E assim ganham-se, arga-
re ei - d. ·
Cae~ano Veloso declarou, em entrevistaª:· Tanto que o baian~ mulhe ' dem-se, concedem-se, conqms_tam-se ireitos,
gue_1ra, e por extensão o Rio de Janeiro re ecente, que "a Man- nham-se, per . mbaixo a indefinição é o regime e dançamos
uanto aqui e ."
nac1onal. Agora que se fala tanto ;m present~m a unidade enq a ra a cujo segredo nem eu mesmo se1.
fortalecer o Rio como símbolo d . sep~rahsmo2 é born com um g . çe de "indefinição" (entre o branco e o preto,
B ·z C d a nacionalidade" U Esse reg1m
rasz, a erno B, p .l , 0l/06/l990). orna/ do em e a mulher, entre a casa-grande e a senzala)
entre. o hom · a ~er pensado como nossa pnncipa · · l caractenshca, ' -
Caetano Veloso não está dizendo que a , . continuaria " , _
melhor que a baiana ou que o Rio d J _mu~1ca carioca é
S I d F ' e ane1ro e melh nossa grande particularidade, e tambem como . aquilo que nos .
a ~a or. ala a~enas que o Rio de Janeiro (induind or que dá "graça". Não mais se trata,_ como mmtas vezes sugenu
carioca) tem mais condições de atuar como r o o samba (explícita ou implicitamente) Gilberto Freyre, de uma supe-
ºd d b ·1 . . epresentante d
uni a e rasi eira do que qualquer outra cidade ( ª riori-dade. É um caminho diferente, que deve ser preservado
tr ' · )d , ou qua 1quer
ou a ~usica o pais, mesmo depois de 30 anos da m d (preservando-se a unidade, a nacionalidade) para que não nos
d_a ~apitai para Br_a sília. A escolha do Rio é políti~:ª~~~ transformemos em "americanos", como os do Norte. Tudo se
sigmhca_que ess~ odade se aproxime, mais que as outras, da resume, então, na luta entre duas maneiras de se "organizar",
verdadeira brasihdade, ou das raízes da nacionalidade A se "pensar", se "querer" a cultura, ou - como quer Benedict
Unidade, o Nacional e o Brasil são inventados todos os dias Anderson - de se "imaginar" a comunidade: o caminho da
(evocando Ernest Renan), são plebiscitos diários, e essas in- heterogeneidade (onde as diferenças estão claramente defini-
venções devem ser fortalecidas - com todo o cuidado - se das e incentivadas) ou o caminho da homogeneidade (onde
ainda está em pau ta um projeto de "unificação" política, social a indefinição contamina, mas não extingue o heterogêneo).
e cultural para o país. A escolha do Rio de Janeiro como Vejamos que tipo de conseqüências essa escolha homogenei-
símbolo nacional é precedida por outras escolhas que valori- zadora pode desencadear, tanto para a antropologia quanto
zam o nacional e a unidade. Muitos brasileiros continuam para a "cultura nacional".
achando que esse é o melhor caminho (contra a segmentação, Uma _conseqüência pode parecer óbvia: o caminho da ho-
contra uma heterogeneidade mais "radical") para o Brasil mogeneidade (apesar de todas as sutilezas que encontramos
no pe~amento de Gilberto Freyre, para voltar ao exemplo
preferido deste livro) tem no mínimo uma forte desconfian-
ça , ' '
. · t constante na ~o~ relação a toda diferença que tente se expressar com
2 Na época dessa declaração, o separatismo virara um em~ . 'chos
imprensa brasileira, principalmente depois que grupos pohllcos gau ~a~vigor. Por isso Freyre pode dizer, como já foi citado, que
propuseram a independência dos estados da região sul do Brasil. e mente não há no Brasil uma poesia africana como aquela
l' MISTÉRIO DO SAMRA CONCLUSÕES

nL) S E!>tad os Unidos··. A homo_ g eneidade, a unidade d sejo de se ver sem diferenças internas? São
0
da rJtria parece ser reconhecida como um estad cuJn.1 raJ diferente :s como a(s) brasileira(s) que lidam com esse
· ·1, a d uras penas conquista
men te rr,,s1
O extr
· d o, ou criado ema. ,1pena
s cu1turssas perguntas ?. N-ao sera. esse um problema
·a útSO tcli z" (de os portugueses serem desse i·e it Por u m · · - d e cu I tura que f01· transfo rmada
probl.eniadae erópria defimçao
o e os f •
nos JJquele ou tro etc. ), que_uma perturbação mais e .ª rica. anterior, Pra tantos antropólogos? Nessa crença, como já
(como a dos colonos alemaes da região sul) de trp r~istente rença pa
cfll e Ed rdo Viveiros de astro,
e
sempre. G1'lberto Freyre usa a antropologia para sd Utna . Para diSSe ua
dal!e a ~ u pap_el?e gu~rdi~o da peculiar homogen::~egibrni- "pensamoS q
·
ue toda sociedade tende a perseverar no seu
.
ultura sendo a forma refleXJva desse ser - e
defin1çJo brasileira . Nao e que não veJ·a me' ri·t ade!in- ser-ac . · 1
. · • os na p . ue é necessária uma ~ressão_ maoçclia_e v10 enta para
afncana . E um problema de escolha, de estraté . ~es1a q á-la e deforma-la. Nos acre tamos que o ,ser
assim como preferir a culinária pernambucana , gbia_ P0 htica: f
tran5orm .
- a a1ana · sociedade está na sua perseverança: a memona
por uma guestao de gosto, mas em prol de um p . · n_ao de uma •fi d l
<lição são o mármore idenh ca orno qua e ta a- · lh
nal. No projeto de Gilberto Freyre não caberia (roi~to nac10- e a tra d. fim
.. 1. , . . e russo ele é da a imagem da cultura. Nós acre 1tamos en que_uma
exc lusn o: exc UJ o que e definido como excl d vez convertidas em outras que elas mesmas, as sooeda-
,, .fi u ente) uma
propos ta d e presenh cação da palavra alheia" d . d ue perderam suas tradições as perderam sem retor-
zaçao · d a " a Iten·d a d e poehca
' · de ,md10s
- e africanos"e e valon- ~
no. q\e não há volta, que a forma anterior . foi atingida

, para usar
as pa 1avras d o texto de contracapa assinado po Ed mortalmente; o melhor que pode acontecer e a emergen-
\ I' · d ' r uardo cia de um simulacro inautêntico da memória, no qual a
v 1ve1ros e Castro, que encontramos no livro Textos ·b
d A t - . Ri . . e 1n o, "etnicidade" e a má consciência disputam entre elas o
e n orno seno, talvez a tentativa mais determinad d.,
den ,, c1 - ,, d a e espaço da cultura perdida (Viveiros de Castro, 1993:
. ~~oar a _ex usao os textos ameríndios e africanos das
371-2).
historias da literatura ~rasilei,~a (ver Risério, 1993) . Para Frey-
re, ªP.~Sar _de seu apmo ao movimento d e valorização do Gilberto Freyre parece ter construído sua obra contra o credo
negr~ , sena melhor que urna tradição poética pura, negra ou anterior. Tudo o que ele q ueria da (e acabava vendo na)
amer: ndia, servisse apenas como material ''bruto" para a in- cultura brasileira era o contrário da permanência e da impos-
vençao de urna poesia brasileira, miscigenada, m ulata. Por sibilidade de metamorfose que caracterizam essa definição de
isso também seus aplausos para a "moda" de bronzeamento cultura. Tudo o que ele elogiav a nos portugueses, ou nos
que tomou conta do Brasil a partir dos anos 50 (ver Freyre, mestiços, era a fluidez, a possibilidade de mutação constante,
1986 ): 0 branco to taJ também seria condenável, como todos de adequação à diversidade. Um elogio que encontra eco em
os extremos . O "indefinido", o intermediário, seria sempre 0 muitos pensadores/ artistas contemporâneos, principalmente
~=lhor c ~ o. A mulata (de preferência se for parecida com latino-americanos: Mário Vargas Uosa já declarou que "hou-
tnz Sorna Braga, o exemplo de beleza brasileira preferido ve, há e Deus faça que haverá ainda mais, misturas com 0
por Gilberto Freyre em seus últimos escritos) é e será sempre elemento indígena e africano aportado na América com os
a tal. exploradores" (Vargas Uosa, 1992: 59). Carlos Fuentes, como
Gi lberto Freyre (mas por motivos diferentes), coloca as so~ie~
~ades mestiças numa espécie de vanguarda cultural mundial.
: mundo do futuro será, -como o nosso foi, um mu nd d~ º
esti.çagem" (Fuentes 1992: 62) . Existem, porém, outras cor
rentes' t ª1vez mais bem' representadas numen·carnente.' do,,
Mas como d f • . da ou r>ens~rnento contemporâneo que encaram qualquer "pro,eto
. e inir uma cultura inventada (ou imagina '
proietada ) em torno da indefinição? Seria uma vontade de ser sti
ll\e ço com muita desconfiança .
o MISTt.RIO DO SA MIIA
CON CLUSC)fS
"" . .. secia acabac P•odu.
,, nd . ,, d o "projetolomeShÇo
'ngo Mesmo . De muitas .d formas, JSJ
O maio, pc o dominado pe .. ,endernm a h a«om o
da diferença. Gilberto Freyre, em mu;tas das Passagens cita.
. do .um dmu con tem porâneas
z in ,, 1 Jª ap u tro"' aquilo que
·o do - Jean das nos capitulas anteriores (tentando se defende, dos peri•
as .sooeda
. diferente
es ,, ou O e ogia "orgia O. de compreensao A po- gos de uma entropia mulata), parece advogar um optúnum de
"elog10 dod 1.dent1·f·ca
Ba
i
como ,,um(Bau d n·11a rd ' 1990: 130). . mes- - diversidade como aquele de Lévi•Strauss. O p,oblema é en·
udrillar- J ·gICa • d O outro forma de homogene1zaçao . contm essa medida . Seu mundo, de alguma forma, Parece
lftica e ps1co o pre alguma m processo de ext1n- er antientrópico. A heterogeneidade é primeira. A homoge.
. plica sem sua vez, u 1- . d
tiçagcm ,m encadw, Pº' histó,ia, texto c ass.co . e ',idade é um projeto, uma tendência (fortalecida artificia].
Ç ue podcna des Desde Raça e ·smos de <elações m• n ente), um acontecimento raro, sempre às voltas com uma
qão das difere~ç~ss. importantes orgal~h~ ca oficial a teoria de
movável rebelião da heterogeneidade (no caso brasileiro, So.
transformacam em "afastamento
u'vi•Strnus s' . .vario po 1 d,·t ecenc,a
. I")
f::Wos e mucambo5,Pod.e ser pensado como a des:,rição de um.a
qtemaciona1sd Jª ulturais (e s e u , ·dade continue a dar
.f renças e a human " h d sas "rebebões' ). Gdberto Freyre teme a tendenc,a exc!Us,.
ue .as t e ·ndi.ve1s . para que , --Strauss a f"rma
1
que

uma u-
, . ~a da heterogeneidade e acaba corcendo o risco de inventar
são ,mp,esc'., volutivos. Lev'. de vida úmco e mconce. VIS a homogeneidade (elogiada, não paradoxalmente, por se,
seus "saltos e d ·da num genern T ada" (Lévi•Strauss, u:rta e exclusivista.
indefinida, podendo abacca,
man.idade co~fun la humanidade :ambém . . . qualquer diferença)
bível, pms . sena d umsociedade, '". . tema ..e ex,tce rnamente, deveria
petr1
. .
19
trEstas conclusões conhnuam prec,puadas. Onde o samba
76: 365) To ª
,, pt1mum
de diversidade ·
t · m seme
lhança muito s1gni-
, . •· en o5a nisso tudo> Como. o processo
1 b? desccito nos outros
; fi capí•
busca, um . .º de Lévi·Strauss e ue ecpassa vanas C>en· tu
pode justificar ou em asar esses pensamentos a ,ma.
Essas ,de.as oderosa crença q . ';,. entropia pode se, ções/sugestões co~c1us. vos. . . . .
ficati va
C com ou~ra pas· a lei da entropd1a . "contida" em deter- Vejamos (recapitulando os prrnc1pa15 pontos deste hvro);
orane · d or em . f
ias contemp medida da es . . temas d e m orma- a invenção do samba como músic~ "'.cional foi um processo
0 uma . d aqui s1s
definida com l"sico (inclum O to de desordem . M" envolveu muitos grupos socia15 Merentes. O samba nao
minado sistema d~ entropia é um:um:numento da heternge· qu;ranslormou em música nacional através dos esforços de
- ). O aumento
çao de desordem ,não . e umnto ma,s . desordenado,
. A '.~ grupo social ou é~co es~~cilico, atuando dentro d_e um
esse aumento lo contrano; qua . do homogeneo <mitório especílico (o morro ). Muitos grupos e md1v1duos
neidade. Mmto pe o xima do equdíb,'.o e de dois liquidos (negros, ciganos, baianos, ca~iocas, intelectuais,. políticos, foJ.
mais. o sistema
. dse (por
apr exem pio' a ex1stenc1~
mo sistema ) é uma pre- clotistas, compositores erud,tos, franceses, m1honanos, poe.
heterogene,da e d ferentes num mes de m é uma pmon· tas -e alé mesmo um embaixador norte•americano) partici•
com temperaturas . ;ência da ordem, e a ~r qualquer coisa de pa,am, com maior ou menor tenacidade, de sua "fixação"
. - p ara a ex15
cond,çao sistema possa produzir
. , . do con-
,, da histona como gênero musical e de sua nacionalização .. Os dois pro.
dição para q~e ºm resumo "para le1gosas a licaçôes no ca,;;;
"interessante (u ·ncipalmente su p n contrado e ""°' não podem ser separados. Nunca exIShu um samba
pronto, "autêntico", depois transformado em música nacio.
tr pia - e pn
ce1to de en o d in/ormaçao - p . ode • o háecnahv1
ser . . ·d ade; a• na]. O samba, como estilo musical, vai sendo criado concomi•
tantemente à sua nacionalização.
t:;;~efi~7i~;i S:mmhpe;;~~!~~e:~~: ~dªo
eneidade e co · ode pro u ,,
!~~t:i~!!~t~-~1,-
"ene<g" ·
Outro ponto importante a ser ressaltado é a ausência de
homog • . da do extenor p "trabalho ou b Jecer uma coordenação e de uma centralização desses processos (o
erturbaçao vrn . a gerando . de esta e .. falo1de alguns grupos terem mais "poder" do que outros não
fuma diferenciação rntem , não pode de,xar "pa,adigma
O elogio
algum da meshçage:ase) todo-poderoso
d 1.álogo com esse (g 1'0" evanteem qualquer situação). As relações entre os .diver•
SOs grupos nunca se institucionalizaram, nem adqumram
nnas estáveis. Além disso, nenhum grupo controlava ma.
1~
O MIST ÊRll) DO S/\MB/\

CONCLUSôEs
quia\'C'licamente o rumo dos ac~nt~cirn~.ntos (en?,anando seu s
parceiros para atingir seus obJetlvos_ s~cre~os_ ). Os vá rios bilidade de mudança mais .
grupos usavam uns aos outros para atmg:r objetivos dive rsos: . 153
preservar também a ,, 1 ,, evidente)
este podia estar interessado na co:'struçao ~a ~ac1onalidacte . d a ma br ·1 corn
o ~1to e sua "descaber ,, as1 eira . Par o intuito
brasileir.1; aquele em sua sobrev1venc1a profissional no fflun - estivesse ali, pronto e ta , corno se ª tanto é ne de se
do da música ; aquel; outro em fazer arte moderna. Em vários sem escutá-lo para , cosperando que os o samba , de ~essário
, mo qu o utros b .. ,orro · •
momentos era poss1vel estabelecer pactos entre os vários in- reve1a d as suas mais pr0 f e numa Súb· rasileir Ja
,,an t·1gamente era repud Undas
. -
ra12es. 0 Jta il .
. urn1naçã
Os fos -
teresses. Pactos nunca eternos. Pactos sempre renegociávei
Não estou querendo negar o importantíssimo papel d s . mas hoje "ninguém quer s Itdo, debochactornit? ?iz: o s~~~r
afro-brasileiros na invenção do samba. Também (reafir os já é cogitação dos literato: ;r nem fazer ou't r nd1cularizacto·~
uma vez i:nais) não quero negar a e_x i~tência de uma fo~~~ e até mesmo de alguns . , os poetas dos a coisa . O sarnb ,
(pa lavras d e F rancisco G imortai. - s d a 'Acactescrit . ores teatr .a
repressão a c~ltura popular_a~o~bras1le1ra, repressão que in- . u1maraes ern1a d L ais
fluenciou dec1s1varnente a h1stona do samba. Minha inten - ga lume, no l1vro Na roda d , mais conh . e etrasi "
é apenas cornplexificar esse ~ebate, mostrando como, ao l~~~ em 1933 - Guimarães l 9~;amba,3 pubJicact 0ec1~0 corno V~
profundidade histórica'( : 2 ~) . O vago,, ~nginalrnent -
da repressão, outros laços umram membros da elite brasi\e· recentíssimo (o samba "de respeito históricotntigarnente" d~
e das classes popu lares, poss1·b·1·
1 1tand o uma d e finição da nos-
ira
final dos anos 20). e morro" apareceu a um fenôrnen a
sa nacionalidade (da qual o ~amba ~ are1:1as um dos aspectos) ·
N egoc1ações transcult .
, como .
vimos, no
o
centrada e m torno do conceito de miscigenação". gência do samba como u:a~s, exemplificact
No momento histórico privilegiado neste livro, o grande m us1ca n . as aqui
menos
. , comuns em soei e d a d es c acional bra s ileira . na
- emer-
desafio para os grupos sociais brasileiros interessados em mumeros grupos soe· . omplexas A , sao fe nô-
produzir a "unidade da pátria" e o "nacional" era encontrar ia1s com . . coexi t'
mund o contrastantes (e , estilos de v·d s encia de
determinados traços culturais que pudessem ser aceitos, pelo .d. d mesmo i a e v· -
coti ianos e negociação d . ~onflitantes), e . isoes de
maior númer? ~e "p~tr~ot~s", como ex~ressão daquilo que desses grupos . Uma I a re~1dade por Xlge esforços
e xiste de mais 'brasileuo em seu pais. As . tentativas de tores tão diversos comongGa tradição de pesqpa~te de cada um
transformar o índio "tupi" em símbolo nacional, colocadas Wº th O eorg 5· Ulsa u ·
tr '. Howard S . Becker e· immel, Alfred s' nindo au-
em prática por muitos românticos, tiveram curta duração. A para atar alguns - e , _dberto Velho e p chutz, Louis
opção pela valorização da mestiçagem (sem a perspectiva do dade exatamente da que ~ao usam o conce· eter Burke (só
branqueamento) foi certamente uma saída arriscada e origi- livro), analisa process:ane1ra que estou e~pto de complexi-
nal. O Brasil foi talvez o primeiro país no qual se tentou , com dades ou em outro semelhantes em m . regando neste
ne . - s momento h. Uitas outr
relativo sucesso, a fundamentação da "nacionalidade" n o or- goaaçoes, aqui elas if s 1stóricos. Al _ . as sacie-
gulho de ser mestiço e em símbolos culturais populares-ur- ter conseqüências bast!n~cadas como transcu1~ d~sso, essas
banos. guns casos podem . e antagônicas p urais, podem
tem, qualquer ue ez:úatizar as diferen . asor exemplo: em al-
Como todo processo de construção nacional, a invenção
enfatizar o quJ _se1a a sociedade)· emç (que sempre exis-
da brasiJidade passa a definir como puro ou autêntico aquilo
o Comum ent existe de comum o'u outros casos, podem
que foi produto de uma longa negociação. O autêntic~ é h , re os gr ' o que é d f •
eterogeneidad up_os diferentes A , e m1do como
sempre artificial, mas, para ter "eficácia simbólica", preosa
Proeesso de ho; e este_ e o caminho da ~uele e o c~minho da
ser encarado como natural, aquilo que "sempre foi assim" . O ogene1zação não . . 0
mogene1dade. Um
samba de morro, recém-inventado, passa a ser conside_ra~o 0 e mcompat' 1
----- ive com a natu-
ritmo mais puro, não-contaminado por influências ahenig~-
nas, e que precisa ser preservado (afastando qualque r possi- 1 Ünde llQ\bé
PEios lucro, n, lemos que o " b
que prop . sam a é hoje um d
orc1ona aos aut . a as melhores indú tr·
ores e editores" (G . _ s 1as
u1maraes, 1978: 28) .
154
O MISTÉRIO DO SAMBA CONCLUSÕES 155

reza de urna sociedade com 1 , formas, com a multiplicidade, com os "múl-


xificar" a complexidade. p exa, podendo mesmo "co ·r de 1·nuo1eras
. de realida d e " . A s sooe . d a d es "sao- ao mesmo
Não se trata, portanto d . lllple. gi' ' elS ·
tipJos niv . as (quer dizer, func10nam de modo anárquico
. d , , e sugenr que d. acêfltr1c ) . • . ( •
ne1za or e urna "ideolog1· ,, . o iscurso h 1efl1Pº a ões espontâneas .' po_1icentr~cas . que tem _m uitos
. a inventada orn0
ro_geneidade da "realidade social" C para mascarar a h ge. por u,ter ç trole ou orgamzaçoes) e centr1cas (que dispõem
afirmação de Tzvetan Todorov: . oncordo com a segu:;; centros de c~1:npo de um centro de decisão)" (Morin, 1990:
ao rnesl1l 0 ~ edades complexas, projetos homogeneizadores
(... ) os discursos são, eles mesm 168)- Ern .5º~1taneamente a projetos heterogeneizadores, não
nã os, motores d h•
o apenas suas representações É . a istória e
alternativa do tudo ou nada
faz h. ,
S _prhec1so evitar aqui a
. ozm as as id ..
e,dstern sunessariamente em oposição entre si, e adquirindo
estando necdeles _ maior ou menor relevância dependendo
em IStoria, as forças sociais e : . e1as não
agem; mas as idéias não são ape econonuc_as tambéO\ - cada
. , UJl\os fatores históncos,
· po Ji' ti. cos, sooa.is,
· · cu1turais.
·
D · · · nas puro efeito • d e rnurner , . . (
heterogêneo e sempre pnmerro pe o menos esse
1
e mino tomam os atos possíveis· . passivo. 0
que sejam aceitos: trata-se afinal' dem segwda, permitem
· • rr . , e contas de at d , Cornod 5 pressupostos b as1cos
, . d este 1·ivro ), e o h ornogeneo

CJSIVOS \•Odorov, 1993: 14-15). ' os e- 4
e urn ~strução simbólica feita a partir da heterogeneidade,
co de colocar as dºf
urna efa i erenças em mteraçao . - (pois. e1as pre-
o. discurso
d
da homogeneidade mestiça . d
1 , ena o no Brasil am interagir para existir socie a e - ou mesmo " rea i·d
a.tar . . . d d I a-
ves e um ongo processo de negociaçao, . - que atn . atra-
.
eiimax nos anos 30, tornou determinados " t d g~ seu
c1s
de'1 é realizada, tanto para cnar .
a dºf i erença quanto para
· · · a os ec1s1vos" estabelecer o comum, pelos agentes que, neste contexto espe-
P ossiveis
b e aceitos ,(corno
. ' por exemplo, o desfile d e escola de
sam a com patrociruo do Estado) inventando uma cífico, estou chamando de "mediadores transculturais". Me-
· d rd ' nova ma- diadores de todos os tipos, e com projetos os mais variados,
neira e i ar com os problemas da heterogeneidade étni
do confronto erudito/popular. Essa nova maneira não ex~~ ~ transitam pela heterogeneidade, colocando em contato mun-
todas as outras possíveis formas de lidar com os mesmi~ dos que pareciam estar para sempre separados, contato que
pro~~ernas. O racismo continua existindo; uma enorme e bem tem as mais variadas conseqüências, remodelando constante-
pohc1ada distância continua separando a elite e as camadas mente os padrões correntes da vida social e mesmo redefinin-
populares; o repúdio pela cultura popular continua dominan- do as fronteiras entre esses mundos diferentes. O filósofo
do o "gosto artístico" de vários grupos da elite. Ao mesmo Gilles Deleuze - em outro contexto, mas com enorme perti-
tempo, outros grupos dessa elite valorizam o popular e com- nência para o assunto (a "descoberta" do samba) abordado
batem o racismo. Essa multiplicidade de visões de mundo, aqui - já afirmou:
estilos de vida, políticas/práticas sociais contrastantes e dis-
cursos contraditórios é uma característica incontornável da Os mediadores são fundamentais. A criação é coisa de
complexidade social. Segundo Gilberto Velho, em sociedades mediadores. Sem eles, nada acontece. (...) É uma série:
complexas é sempre possível encontrar "diferentes modos se você não pertence a uma série, mesmo uma comple-
mentais-culturais de construir e interpretar instâncias dife- tam~te imaginária, está perdido. Eu preciso de meus
renciadoras do mundo social e da existência em geral" (Velho, med.ia~ores para me exprimir, e eles nunca se expressam
1989: 1). Enquadrar tudo isso numa relação de dominân- sem num: você está sempre trabalhando em grupo, mes-
mo quando não parece ser o caso (Deleuze, 1992: 285).

--
cia/resistência é, na maioria das vezes uma forma cômoda
1

de não aceitar aquilo que Edgar Morin denomina "o desafio


da complexidade" (Morin, 1990).
~ complexidade não exclui a possibilidade, o projet_o ouª • Não estou d" . . .
cons1ru~, . izendo que a heterogeneidade não seia - lambem - uma
realidade da unidade. A unidade das sociedades pode mtera· .,..o Simbólica.
156
O MISTÊRIO DO SAMBA CONCLUSÕES 157

A mediação, quand , h
Pa ra .d estruir integralm
oe omogen . d , bolo e um novo centro geográfico para a
t e1~a ora, não tein novo Sl~ Mas Brasília, hoje com 35 anos, não se
01
ca se1a a intenção dos e:~ a multiplicidade (talv capacidade
c1iaí 9~e da pât:~a da nacionalidade ple~amente ou ampla-
ao do ~rickster pers me iadores) . Seu trabalho _ezessa nun
llfl1d u um ernbl_d E O Brasil não conquistou seu lugar no
todos os pov~s in;_nagem do pensamento m) sernelhant~ tor"º conheci o.
visto, segundo Le·v· iSgtenas norte-americanos iq1co de quase ente re .. A ndo. d . .
1- rauss c , ue Pod (1'l ·rneiro 1v•~ italismo passou a esautonzar os proJ:tos
qualquer coisa da du l"d d
orno um mediador ,, e ser Prt 0 próprio cap tes eram propostos em seu nome. Vive-
(Lévi-Strauss, 1975· 2:1; ~ e qu~ tem por funçã~ue retélt\ . que an b ' fr
•onalistas . d de globalizada ao extremo, e tam em ag-
bém retém, quase ~orno . ~esttço de Gilberto Fresuperar" oaci ª que cria um dilema inevitável para as
,nos•·nulllª socie xtrerno,
das raças (ou das cultura;)~~seo~::nte, "qu~lqu~;:~~~.~ ntada ao e •fé ·cas". Roberto Schwarz, comentando algu-
?ade (e talvez a dificuldade 1- . aram. Dai a peculi . n1e..
,, 0 nolll ª
1· s penR bn rt Kurz, afirma que "a fa l'enoa · d o desen-
mce ti l og1ca - que Gilb
n va ao e ogiar o "regional"
an.
erto Frey
ec ,. de o e d 'f· . 1m
as ideias_ ( ) abre um perío o espec1 1co, essenc1a en-
s/ d: 135) de seu projeto homo ism_o transnacional" - Frey re ,n \vi!Tlentismo . ···d .nâmica é a desagregação" . A constatação
tid gene1zador Um p . re, vo d no cuia i . . f 'li ''E
o ui_n~ repercussão profunda e durado ro1eto que tern te rno er m' conJU . nto de perguntas sm1stro, mas anu ar:
f
de defmu - a partir da "indef . - " u~a nas tentativas resulta nu da modernização que nos tocou or :sta mesma
leira . iruçao - a identidade brasi- se a part~ em curso, fora e dentro de nos? E quem
dissocia . çao , agora rocesso?" (Schwarz, 1994: 6-6) .
A homogeneização seria então uma " f , .
no Brasil? Não exatamente. Ela é apenas pre edrenc1a nacional" somos nos nesse Pão da história: a " d esagregaçao - " capita
· 1·1sta
· Dªí acontram tido contrário ao da "um·d ad e d a pa· tr·1a ", d a
o d ommante em determinados grupos um s . os . estilos ' tal vez .
l . ( ocia1s, que os br . atual_tem send elogio do transculturalismo. Hoje torna-se
~1ros nem todos eles - pois muitos nem se im . as1-
c10nalmente) utilizam para "imaginar" sua comuruª~d adm na- meStiçagemd, :ez mais comum ouvir, no Brasil, declarações
. l p d
Clona . o e ser que esse_estilo tenha mesmo saído de moda
a e na- um fato cad ª Camila Pitanga, nova estrela d a te lev1sao · - bras1- ·
ou se tenha colocado, mais ou menos propositadamente ' c~mo e:~: aerevista IstoÉ (21/12/94, p. 84): "Costumam diz:r
leira, P oreninha. Acham que estão me agradando. Nao
contramão da história . Talvez não haja mais lugar não só ~ªna que sou m inh , " v· , . t
- -r nho orgulho de m as ra1zes. 1tona con ra o ra-
a comunidade do samba, mas para qualquer comunida~: estao. ,e d. d b t
nacional integrada em moldes, digamos assim, freyreanos. · a' bras,·leira'· Certamente. Mas 1vagan o: para com. a er
cismo
·smo é necessário nos transformarmos em Amencanos
De uma forma muito peculiar e interessante, toda a história oraCl D .
da consciência nacional brasileira ganhou impulso e esteve como os do poema de Caetano Ve_l~so? evemos arq~1va_r o
1
projeto da "indefinição", do "arco-ms de todas as raças ~vide
fundamentada no diagnóstico de nosso "atraso" com relação
jorge de Lima), da "mesti~agem"? Então ~e agor?, em_dia_nte
aos países "civilizados". Muitas propostas foram feitas para
fica combinado: ''branco e branco, preto e preto ? So existe
"desenvolver" o Brasil, para que o país ficasse cada vez mais
essa maneira de não sermos racistas? Ou essa é a maneira
parecido com o chamado Primeiro Mundo. Gilberto Freyre e mais fácil de tentarmos novamente nos ajustar à modernidade
todos os que tomaram possível a transformação d~ samba em do capitalismo (fragmentário) internacional? E repetindo: quem
símbolo nacional brasileiro queriam para o Brasil uma mo- somos nós nesse processo? Existe ainda a possibilidade de
dernidade "diferente", uma modernidade que incorporasse um "nós" brasileiro?
os elementos culturais até então considerados sintoma_s ou Podemos insistir na primeira pessoa do plural. Um dia nós
causas de nosso "atraso" (entre eles a mestiçagem e o propno descobrimos, com Gilberto Freyre, o orgulho de viver nu:1'
samba). Esse projeto e essa práxis já tiveram dias melhores. país moreno, onde tudo é misturado. Até o sociólogo frances
Outros "planos" de modernização tomaram a frente da vid~ Roger Bastide, ao nos visitar, acreditou nessa história que
·
sociocultural nacional. O desenvol v1menusm .,; 0 JK tentou ate gostamos de contar para nós próprios:
158
O MISTÉRIO DO SAMBA

(._..) o sociólogo que estuda o .


sistema de conceitos utiliz 't Brasil não sabe m .
deu nos países europeus ar. odas as noções qu/ 1s que
aqui . O antigo mistura-s;~;~rte-americanos não ?a~en-
emaranham-se umas nas outra~vo. As ~pocas históri~rn ANEXO 1
lugar de conceitos rí id . (... ) ~ena necessári as
~oda líquidas, capaz!s ;:,d1:scobnr noções de~~;~ NACIONAL-POPULAR
sao, ~e ebulição, de interpenetr~e~er fen~menos de fu~
delanam conforme uma realida~o, ~oçoes que se lho-
transformação. O sociólogo ue e .viva, em perpétua
Brasil não raro precisa transfq qwser compreender o
. ormar-se num poeta
Ficamos encantados ao descob . , .
Po~eríamos ter continuado a :~r 9;~ eramas tão originais.
ªf.
social. Seríamos até precursores deeu~ em no~sa "poesia"
mo que acreditou que O chique mhíbad? pos-modernis-
militância norte-americana qu h ~ra o i n~o, ou de uma . d t nexo é discutir com mais cuidado alguns
na. mu 1tirracial no censo dos EUA e OJe quer ,a cnaç-ao da catego- Ob. ttvo es e a d
Ro b er t o d a M atta, uma sociedade · ,,O u. seriamos l~ uh.1iza
O ce1tos . dos ao longo de todo o livro e que
, servem e
. , . :, como sugere
d a d e d e ,,sintetizar"
. m1ss1onana
que "já se est , da poss1·b·l·
i !-
pano de fun do teórico para o que foi tratado ate agora :
con
ocidental,, (Da Matta, 1984: 113) . Po:éesgodtan~o dno mundo
cn'f1ca acirra . d a ao Brasil segundo Gilberto m, Freepo1s e anos b de
t b, yre, aca amos NACIONAL
am em por nos convencer de que "nosso" estil ''h
· "d b o omoge-
ne1zante esem oca em perigosas pretensões universalistas. 0debatesobre o que define a cultura nacional tem diferentes
Um samba bastante conhecido diz: "Quem não gosta de sa m- pesos e conseqüências conforme o país em questão. ~endo
ba bom sujeito nã<? é, é ruim da cabeça ou doente do pé." Aí assim, a defesa do nacional adquire formas bastante v~n~d~s,
encontramos o efeito paradoxal/perverso do projeto brasilei- dependendo do context~ político, social, cultural e h1stor~co
ro-mestiço de Gilberto Freyre. Aquilo que era elogiado por
que a toma plausível. E possível estabelecer comparaçoe_s
ser aberto ao diferente, por abarcar o diverso, passou a excluir
entre diversos tipos de "nacionalismos", buscando complex1-
a diversidade em nome de sua ortodoxia. Na cartilha dessa
ficar ainda mais o caso brasileiro.
ortodoxia, o samba nacional, produto do relacionamento de
diferentes grupos sociais, acabou se transformando em age~t_e Para muitos autores, citados a seguir, a "consciência nacio-
"colonizador" interno, em regra de boa conduta, em poss1b1- nal", da maneira como a entendemos hoje, é um fenômeno
lidade única de ser brasileiro. O indefinido tomou-se a regra "artificial" e recente na história de humanidade, podendo
da definição. mesmo ser considerada uma visão de mundo específica dos
Era esse o proJ·eto do "samba"? Foi isso que Gilberto Freyre tempos modernos. Eric Hobsbawn se junta a Ernest Gellner
desejou? Não importa tanto a resposta. Outras poss1·bTd 1_1 .ªdes para definir o processo de construção do nacional:
de ser brasileiro e de imaginar o nacional sempre eXIshram, (...) com Gellner, eu enfatizaria o elemento do artefato,
existem e existirão. Mesmo que, e talvez justamente por 15~º' d~ invenção e da engenharia social que entra na forma-
o Brasil continue a ser - para sempre - o Reino do Sam ª· çao_d_as nações." As nações, postas como modos naturais
Pois o samba pode muito bem ser - .ta~ b e, rn para sempre - ~ divmos de classificar os homens, como destino político
a melhor descoberta já feita por brasileiros. inerente, são um mito·' o nacionalismo ' que às vezes toma
Cu}t
uras preexistentes e as transforma em nações, algu-

159
160
O MISTÉRIO DO SAMBA ANEXO l _ NACIONAL-POPULAR 16 1

mas vezes as inventa e freqüentem •b · aos Bourbon?" A pureza racial ou o


·
ras preexistentes: . é uma realidad
isto ente" E
oblitera as cultu- s atn mr " - f •
d , devern° , ·co " torrão-natal nao eram eno me-
para os propósitos da análise o na _e. lm uma palavra ·da
l1 e t O a urn um . l f ,
d - , c1onaEismo vem antes, ociJtlefl 1 ·stocracia . Georg S1mme se re ere a
as naçoes. As nações não forma Perte . dos pe a an , . ' fº
Clona ismos, mas sim o oposto (H b b stad
. 1· mos i os e os na-
~ valoriza ~ ·a de "fronteiras pohticas e geogra ic~s com-
o s awn, 1990: 19) no:,,uca importano_ ue é comum a todos o s nobres srmples-
Benedict Anderson, com outras pala\, . Pº
para das comueaquilo :J n obres" (Sim.mel, 1971 : 205), e ressalta
eles sao
seme Ih ante ao de Hobsbawn (e d Gras, mas eorn ob·Jetiv
e .e 11 ner) rnente porq . d e muitas famílias de alto status nobre
como ,,uma comunidade política ima d , def_ine nação
0

· 1· · gma
como 1mp 1citamente limitada e soberana" (A d ª - e 1rn ·
aginada
o (ato peculiar e q~ têm origens estrangeiras. Na Ingla-
nos países europeldu os duques de Leicester vieram de
14) . Para Anderson, "todas as comun·d d n _erson, 1989: s Fitzgera e N F
terra, o du ues de Portland da Holanda. a rança,
· · ·
as primitivas aldeias de contato facei ª fes maiores
( d 0 que
Florença, os . q do p 1·edmont
) - . .
mesmo estas sao imaginadas. As com .d d a ace e, _ 2 , ate.
talve li vieram · ' os duques de Cars da
os Brog es L s de Arezzo. Na Áustria, os Clarys
d. . . uni a es nao d
ser istínguidas por sua falsidade / autent· .d d evem Perúgia, os Fl uynea Na Prússia os Lynars vieram de
~stí ~ em ~ue s~o imaginadas" (Anderson, 1989:
·1 ic1 a e rnas 1
pe 0 vieram de p º1~e~ça .o s Poniatow~kis vieram de Bolonha.
na_cional surgiu apenas "~or volta_ dos fins do séc~Ío0
15
e so se tran~formou nu1:1a norm~ m _ternacional legítima" (o
X~~:;~ F Ça Na o on1 ,
Na
aen ál·.
Escoc1a,
s Roccas vieram da Croácia, os Ruspo is a
1· d
~t . iao,sºTorlonias da França, e assim por diante (Sim-
Estado-naçao) com o fim da Primeira Grande G mel, 1971 : 204).
· - d L. uerra e a
cnaçao a iga das Nações (Anderson, 1989: 124).2
Nos três autores citados, Hobsbawn, Gellner e Anderson A homogenei·dade da nobreza daria estabilidade
. política a
fica 3enfatizada a idéia da nação como uma construção simbó'. impérios totalmente heterogêneos e~c3n:1ente, com~~ aus-
lica. Antes do século XVIII as sociedades européias eram tríaco. Essa "desatenção" com relação a ongem geogr~ca de
governadas por outros símbolos, mantidos principalmente seus aliados políticos, que caracteriza~-ª ~s nobres . (d1~1amos
(depois da Idade Média) por linhagens reais que "derivavam seu "internacionalismo", se as nações Jª tiv essem sido mven-
seu prestígio, à parte de qualquer aura de divindade, da tadas), foi de certa maneira herdada por seus inimigos da
miscigenação, poderíamos dizer. Pois tais misturas eram sím- Revolução Francesa, que, por exemplo, pudera_r:11 ele~er o
bolos de um status superior" (Anderson, 1989: 29). A nobreza norte-americano Thomas Paine para sua Assembleia Naaonal
não pertencia a um único "povo" ou "nação": "Que 'naciona- (ver Hobsbawn, 1990: 32) . A união política era legitimada pela
luta contra o privilégio absolutista e não pelo vínculo_a u~a
mesma comunidade nacional. Com o advento do naoonahs-
1 A citação de Gellner foi extraída por Hobsbawn do livro Nations and mo, a legitimidade e estabilidade estariam assentadas em
Nationalism, Oxford, 1983, p. 48-9. . outra fonte: a homogeneidade do povo de cada país. Co~o
2 lmmanuel Wallerstein fornece uma periodização um pouco d1fere~te, todos os países são heterogêneos, a homogeneidade deveria
mas não contraditória: "Um mundo constituído por esses estados-naçofes
começou a existir ainda que parcialmente
· no sec· u1 o XVI · Esse .mundod 0 .1 ser criada - um delicado trabalho - pelos pioneiros do
. . • comum ainda mais tar e,. so
. . de consc1enc1a nacional.
teorizado e se tomou matena
no século XIX. Ele se transformou num fenômeno uruversa • 1 ·m escapave
Brasil1 Parte do trabalho "imaginativo" das comunidades em via
de fato só depois de 1945" (Wallerstein, 1991 : 185). Sendo ass'.~•.º de~ transformar em nações é inventar aquilo que, para_vol!ar
não estaria exatamente· atrasado com sua " uru·fi caça-o naaonal _pos·ue 30 ·em
3 E nisso eles são herdeiros de Emest Renan, pensador franfces q ue se
ª otar algumas idéias que foram apresentadas no primeiro
1882, no ensaio Qu'est-ce que c'est une nat,on
· . , escreve u uma rase_ qé um
7 capitulo
fab · deste livro ' Richard Peterson chama de. autenticidade
_
tomou célebre e poderia ser a epigrafe . . "Urna naçao
deste 11vro. ( ncada, e que implica uma deformação parcial do passado
plebiscito diário." Ver Peterson, 1992). A nova autenticidade é a criação de um
1h2

l) MISTER!() De__) s
- 1\MBA
outro Passact . ANEXO 1 - NACIONAL-POPULAR
163
chega a um ,?t· um P~ssado estável (as " -
emp 0 1m . ra12es"
essencialmente di • . emanai " e torna ob nacionais) d fnição e a valorização dessa autenticidade na-
tu ras "4 ('t nam1ca e fre ü scura "a 9Ue
omlinson, 1991 . 92) q entemente 'híbrid ,natureza ~ção coOl ª _e ;m na Alemanha do século XVIII, principal-
?ºsta d e san1ba (um ritm. . Por exemplo: se a das cu\- origamento do poeta e filósofo. Johann Gottfried
(~10nal teIJl pens .
e porque "sempre foi ass~m9~e pa,~~a a ser Visto ~o brasileiro 11,ente no t0 r que desenvolve os conceitos de Volksgezst e
r1erder, ~~ alorizando a cultura popular alemã contra o
0
gosto pelo samba " . '_ou e da nature mo Puro)
para existir precis~ A autenticidade fabricada lª
brasileira o
.nte rnac10na•1,s
Nntio11a/~e,s .vmo (basicamente francês) da nobreza prussia-
torna eterna uma mú:~~am~tear esse seu carát~rs~~ba (que 1

- A " autenticidade" naª _cnadl a muito recentement ricado) na da época. trapõe O conceito alemão de Kultur ("ênfase nas
e c1ona com f e. Herder con 'd d . 1 d "
construída "essencialmente' o a irma Eric Hobsb cionais e na idenh a e particu ar os grupos
ser analisada "de b . pelo alto", mas dev awn, difer~nça1s9;:: 5) ao conceito francês de civilisation ("enfatiza
a1xo, ou seja e també _ Ebas, · h d · "
esperanças, necessidades, aspira~~: t~rmos das suposiçõe; 0q
, um a todos seres umanos - ou evena ser -
ue l978:
·as e com5). Essa contraposição, como sugere Isaia · h B 1·
er m,
c?muns, a_s quais não são necessariai:einteress_es das pessoa~
ainda na~1onalistas" (Hobsbawn 1990· nte nac1ona1s e menos Eh '
gera um e stranho orgulho
. nacional,
. que tem lsuas causas no
porque ficou definido que o sa~b - . 19 ~2?). Ou seja, não é ressen 1m t. ento·· "[o nacionalismo] parece. usua_ mente . ser cau-
excelência, o "nosso" rihno n . a el a musica brasileira por d r feridas, alguma forma de hum1lhaçao coletiva . Deve
sa o·do Pºisso que aconteceu nas terras a l emas,- pms · e1as f icararn
·
se I.d entif1car
. . com essa def1·niaciona
· - El' que todo b ras i1 e1ro
.
vai
çao. e pode co f · margem do grande renascimento d a Europa o CI·denta l"
ters1
resto?ª vida, preferindo forró e nunca ouvindo~ in;:ar, pelo
tambem lembra Hobsbawn- "N- d m a. Como ~Berlin, 1991: 245). Portanto, a operação conceituai de Herder
. . · ao P 0 emos presumir era dupla: ele atacava o estilo de vida "afrancesado" da corte
pa_ra a ma1ona das pessoas, a identificação nacional-qua~~: de Frederico o Grande, valorizando aquilo que essa nobreza
ex1s_te - _exclui ou sempre é superior ao restante do conjunto achava mais desprezível: a cultura do "povo alemão" (ou o
de identificações que constituem o ser social" (Hobsbawn, que é definido por Herder como tal).
1990:. 20). A homogeneização nunca é perfeita a ponto de Herder fazia parte da intelligentsia da nascente burguesia
excluu toda a heterogeneidade . alemã, que não tinha nenhum acesso ao mundo aristocrático.
Os nobres chegavam mesmo a falar francês, pois considera-
vam o alemão urna língua plebéia. A intelligentsia burguesa
VÁRIOS "NACIONAIS" tinha então a tarefa difícil de transformar o plebeu e o "sim-
ples" em qualidades a serem cultivadas. Para isso era neces-
~ário acusar os costumes franceses de superficiais, falsos,
1. Alemanha imorais. A rude autenticidade alemã passou a ser considerada
superior à artificialidade francesa . Herder e seus companhei-
Autores como Norbert Elias, Peter Burke e Isaiah Berlin (ver ros 5entre eles o filósofo Johann Fichte, autor dos Discursos à
Elias, 1978; Burke, 1989; Berlin, 1991) mostram que a preocu- "ª~º. ~lemã, de 1807-8) pareciam dizer: "Nós podemos ser
Pntnitivos, pobres e mesmo bárbaros, mas nosso genuíno
ª ~aso é um sintoma de nossa juventude, de nosso poder vital
êU.nda não exaurido; nós somos os herdeiros do futuro que as
4 Mesmo as línguas nacionais não podem ser _v1stal~ • co mo·namente
fenômenos ho-
falada ~ões Velhas, cansadas, corruptas, em declínio, mesmo com
m ogêneos : ''É d ifí
' cil b
conce er uma 'língua nac1ona
-
que envolva uma base puramente o ral e que nao seia
genu1
. híbrida" (Hobsbawn, ~ ª sua arrogante superioridade no presente, não podem
1990: 69) . III~
0 desejar" (Berlin, 1991: 247) . Qualquer semelhança com
lllito do Brasil, País do Futuro, não é mera coincidência .
164 ANEXO t _ NACIO NAL-POPULAR 165
O MISTÉRIO DO SAMBA

Como já foi dito, Gilberto Fre arte do grupo de nações "que têm que
tentaram transformar a me{~e: seus companheiros ta , -"'a
Aterna1u• fazeIIl P ·
tituir suas fronteiras novamen te, num senti·d o
uma das razões princ· . d ç gem, até então . rnbern r e cons . 1 ~
1pais O "atra ,, b cons1ct procura , . mo espintua , e em que se pergun t ar muitas
t .
orgulho nacional. Nesse . so rasileiro em f eracta tanto P?ll~~r ~o realmente nossa identidade?' " (Elias, 1978:
traje de baiana deix dmovimento, o samba ~ f 1.. onte do
• am e ser m ' e 1oada ,,ezes: Q
sunbolizar a vitalidade da cult eno~prezados e pas e o 5/6).
que esse tipo de valorização d:~ brasileira . Parece, co~~: a
condenada à incomplet d p esprezado é uma op _o,
·aponeses - e os Outros
~úvi~a, o~ pelo menos ~m\no:~~e ~ue ~esta sempr:r~~~ 3. Romanos e J
listas. sera que O antes-d P ra piadas antina . . roenor segurança de uma "nação" com relação à
- d . esprezado-agora m t· c1ona-
nao evena continuar paras - o ivo-de-orgulh A m_a ior t~~ade também está intimamente ligada à atitude que
· . ,, empre desprez d 0 ? E o
P nncipa 1, que somos nós?" . (e a d e fesa d ª ·1· a quest·ao sua iden_ pode ter diante de culturas estrangeiras . Não existe
que nos tornará fortes no futuro m a~m o que sornas essa naçao.,.,.,a atitude de descont·1ança, protec1omsmo
. , ou re-
fracos), continua a nos preocup,ar as que hoie ainda nos deix~ Hmpre ~• if
como antes . ~ eia diante do Outro ou do D erente, como parece ter
p_udgnancaso para muitos nacionalistas brasileiros. Talvez os
s1 emplos
oo . d a d es o f.icia
clássicos de soCie . 1mente a b ertas ao con-
2 · "Segurança" l usitana
e:n,0 de produtos e idéias culturais estrangeiras sejam o
~mpério Romano e o Japão pós-Meiji. No caso romano é até
E~tem povos mais seguros de sua identidade? N b . difícil falar numa identidade própria: "Os romanos não têm
afirma qu~ "a~ perguntas 'Que é realmente f~an~;s~rt Elia~ cultura específica. Eles têm por cultura aquela da Grécia, no
realmente mgles?' há muito deixaram d · Que e
d b e ser assunto de m ·t todo e desde o início." Não havia problema em consumir a
e ate para os franceses e ingleses. Mas por se' cul Ul o
g unt a 'Q ue e, rea l mente alemão?' não foi colocada paos a per- cultura do Outro ou mesmo em encontrar na cultura do Outro
" (Eli ra repou- o fundamento para seu próprio modo de vida: 5 "O admirável
sar
N, Eas, 1978: 6). O, português Eduardo Lourenço , no 11vro
·
é a audácia sem complexos com a qual os romanos se apode-
os e a uropa, tambem diferencia o seu "povo" do al - .
"P l emao. raram dos valores gregos, enquanto outros povos, é verdade
ortuga , o de ~mtem e ainda mais o de hoje, não teve nunca,
n~m tem, propriamente pr~blemas de identidade (...).Não se pode que menores, defendem ciosamente seu patrimônio . Quando
dizer dos portugueses aquilo que Nietzsche dizia dos alemães a França defende seu patrimônio contra o americanismo, isso
(ou se pode dizer de_ outros povos) -que era urna gente que prova muito simplesmente que ela não tem mais v igor cultu-
passava (passa?) a vida a perguntar: O que é ser alemão? Todos ral" (Veyne, 1991: 43).
os portugueses são, ou se sentem, por assim dizer, 'hiperpor- A adoç~o de traços culturais ocidentais pelos japoneses é
tugueses"' (Lourenço, 1988: 19). Não interessa aqui discutir a um caso diferente: o Japão não era um império todo-poderoso
veracidade dessas afirmações sobre franceses, ingleses e por- corno o Romano, adotando a cultura de uma futura colônia'
tugueses, mas apenas mostrar que elas são possíveis. Não A Restauração do imperador Meiji, que tenta ocidentalizar~
conheço nenhum autor brasileiro que afirme, com tanta segu-
rança, que o Brasil não tenha problemas de identidade. Inde-
5 No primeiros anos d R . .
pendentemente das várias posições no debate, todos os auto- ser considerados a . e -º ~ª aconteceram alguns ep1s6d10s que p oderiam
res parecem concordar em que o Brasil tem sérios problemas Roma mas fnti-helerucos, como a expulsão d os filósofos gregos de
de identidade. E é a partir dessa constatação que surge a
'
Para mais com o ortale
detalh d ·
CIIDen °
t d o lm pé no
. esses conflitos desapareceram
pio, Cruen, 1992~s a relação entre Roma e a c ultura g rega, ver, p or e xem~
necessidade da pergunta "Que é ser brasileiro?". O Brasil e a
166
O MISTÉRIO DO SAMBA
ANEXO J _ N ACIONi\l·l'OPULi\ H lh7

país à força a partir de 1868 t . -.


desvantajoso da situaçã . ' em 1I11c10 com urn d. •calis mo de Gi lberto Freyre, apesar de todas
b~as_ileiro apontado por ~d~foonesa, semelhante a~ª~nóstico ,n, e o lu sotropi desencadearam, tem · m · fl uenc1a
· · mais· d ura-
ponica é radical: é preciso el· . Romero. Só que a sol atraso·· ~5c 1,ol~nlÍCa~ q,u~ s "que todo brasileiro gosta de contar para
tud o o que faz povo ·a immar a des as historia
. vantagern e!' U.çào n1-
· a
O • doura n, "
p~óprio imperador dav! r~nes ser d1fer_e nte do oci~rn1nando . esrno .
51 n1
bife frito e dando início , . ;em~lo_ vestindo terno ental. O
Baelz, médico alemão qa u: ustnahzação do país. E~:rnendo . O E O OUTRO - E A PUREZA PERDIDA
de morou em T,' . 1n von o 1NFERN
screve assim as opiniões d . oq_u10 nessa é
quem conviveu: "Eles insistia os intelectuais japonese/oca, do Japão e do Império Romano mostram
nad b m em que nã con-i extremOs
5 .
a so re seu passado; de fato d o queriarn sab ()s caso _ s com O Outro não são necessariamente anta-
1
as re açoe . d . -
pessoa cultivada só poderia ficar ~nv:~~:~a; que qualqu:~ q~e. Outro também pode ser visto _com_ a m1~açao,
0
no no~so passado é completamente b , b a a dele( ... ) 'tudo gonicas. ituações em que é claramente mfenor pohtica e
5
mos história, pois nossa hist - . ar aro (...) Nós não t mesmo _em nte (Roma-Grécia ). As relações interculturais são
ona está por , e- nom1came .
por K uwabara, 1983: 135). começar " (citado eco_ lexas e podem adquinr formas surpreendentes. O
mais comp O . 1
Na ~estauração Meiji, que está na base do od . eterminados aspectos do utro - pois nen 1um
do Japao contemporâneo não hav · nh P er industrial Outro (ou d • .
. , 1a ne urna p , uma entidade tota lmente homogenea) pode ser visto
mestiçagem cultural como no caso br ·1 . roposta de ~~e . .
superior e servir de modelo a ser copiado . Ou como
no, era preciso ser ocidental pura e sªi.smieilro: para ser moder- como d · - · e 1
' p esmente F · · inferior e ainda assim ter aspectos a m1rave1s .. u turas c?m-
mente contra essas idéias radicalmente ocident r . o1 Justa- binam-se de maneiras sempre ren ovadas, seguindo ou nao o
o "parad. . "b a izantes que
igma mestiço rasileiro se revoltou pr1·nc1·p 1 padrão das relações políticas e econômicas que existe~ entr_e
1 d f d· ' a mente
aq~e as e en idas_ ~or _gru_Pos intelectuais da bel/e épo ue as várias sociedades. No entanto, os construtores da identi-
~anoca .. Segundo Luc1a Lippi de Oliveira, o Ocidente da b:1/e dade nacional brasileira parecem ter desejado não dar nenhu-
epoque tmha como modelo de cosmopolitismo a cultura fran- ma ênfase a essas relações diversificadas com a alteridade
~esa, _expressando uma reação republicana (sobretudo a dos para buscar a essência da "não-imitação" da cultura popular
iacobmos republicanos liderados por Floriano Peixoto) a tudo mestiça, que deveria ser puramente nacional.
aquilo que simbolizava um passado ligado a Portugal. As O mito da pureza cultural também foi forjado junto com
reformas urbanísticas realizadas no Rio de Janeiro da virada o conceito de Herder sobre o espírito do povo. O que é alemão
do século pretendiam, além de "sanear" a cidade, destruir os é só alemão, puramente alemão, e não pertence a mais nin-
vestígios da arquitetura portuguesa . A herança lusitana era gué~, _nem deve ser copiado por mais ninguém (o que con-
considerada um obstáculo à modernização: "a geração dos tranana as regras da autenticidade). O popular seria definido
'mosqueteiros-intelectuais' desejava integrar o Brasil na civi- como o locus da autenticidade de uma nação fonte puríssima
d 1·ct '
lização ocidental" (Oliveira, 1990: 113). Tais idéias nunca tive- ª en~d_ade nacional. Autores mais rece ntes mostram que
ram vida longa no campo intelectual brasileiro.~ A mestiça- ª autenticidade sempre foi uma questão de definição e de
quem tem poder para definir o que pertence a cada cultura .

6 Apesar de surgirem sempre, aqui e ali, defensores - como o jomali 5ta tali1.ante" • .
Paulo Francis - de uma total "ocidentalização" do país. Nos últimos tem- ~ na t ' principalmente no âmbito econômico, teve maior divulgação .
in eressan te fa . . .
p os, com a voga do neoliberalismo (que teve um período de grande_des· nas r<!.p _ zer uma pesquisa sobre os re flexos do neohberahsmo
resentaçoes sob .
taque na política nacional durante o governo Collor), essa de fesa " ociden· brasilei ra . re o que caracteriza (ou deve caracterizar) a cultura
168
O MIST ÉRIO DO 5AMl31\ 169
ANEXO .1 - NACIONAL-POPULAR
Em r
seu ivro Cultura popular na Idade M 'd.
tra detalhadamente como a autentic _de ra , Peter Burke m V r e Uru k ,. a "mestiçagem" de traços micênicos,
- ·
Corno . lfabeto fenício e arte eg1pc1a que
camponeses europeus (entre eles o "pi ade das culturas dos- deS,
ci da 8 5 01esop 0 tâm1cas, ª ,
clássica e a cu tura oc1 en t a I.7 Ê
1 ·d
era produt? de bricolagens interétnic~~oFal~mão" de Herdeº~ ciêttCÍ 1 ern à cultura grega nhado de heterogeneidades cul-
turas de diversas tradições culturais . a ando dessas m·r l-1 or g ern tal emara
Veyne conjectura : "Havia tantos vas em outro ternpo p is-
de<til procurar, totalmente original.
,nu . urn povo
diterrâneo como há hoje garrafas d os~regos no rnund'o ~ui 1ura1s,
Bornéu" (Veyne, 1991: 43). e oca-Cola num rio de;
UMA SOCIEDADE SIMPLES POR AÍ?
• T~das ~s culturas sempre misturaram ele
denc1as diferentes . Muitos autores h , _mentas de proce
~e~uA~ .
d d , a muito t - V d é perceb 1'da também por antropologos . queA
es e ~empre), combatem a visão purista d ernpo (talvez dificulda e t ri·ormente consideradas simples.
cultura1s. Um exemplo explícito desse c b os fenômenos EsSª · dades an e b ·
dos estudos da história das religiões est -om ate, no âmbito t,,dam soc1eolog1a
es.. . d as sociedades indígenas _ das terras-f a1-·t
um livro de Mircea Eliade sobre o xa' a _nesta passagem de re
ce nte antrop t. epleta de afirmaçoes como esta, e1 a
· anas es a r · d d
man1smo: xas sul-amenc . K . "na América do Sul, a soc1e a , e.
O enng ap1an. ,
Mas nunca se repetirá bastante· não ha' h por Joanna _v . de outro modo a cada geração, e grupo e
d e se encontrar no mundo ou na· h • t , nen
. uma cha nce recria a si_proen:n anoso como 'descendência' - o que só
l. . " is
re ig1oso puro" e perfeitamente " . . l' fenôm eno
ona um
um conceito tao gd a d o o fato de raramente encontrarmos
ongmade'. Os. d. docu- • esperar
mentos paleoetnológicos e pré-históricos Podenamos d d . uma lógica explícita, para a -r perpetua-
mos não vão além do paleolítico e nada perm1·tqeue idspo- i • ·ca ver a eira, 1
um~ ogi 1977 : 10). Ou esta outra de Graham_ l?wns ey:
que, d urante as centenas de milhares de anos quacre Itar ção (~aplan, l os estudos amazônicos que nos mterpre-
d . _antiga
. idade da pedra, a humanidade e prece- "E5 tá ficando c aro n . . h.
eram a ma1s não
tenha conhecido uma vida religiosa tão intensa t- s mal a na tu re za desses sistemas sociais se ms1s . . mos na
. d e ao ~a~o . lícita ou explícita de que eles são grupos etn.1cos com
vana a quanto durante as épocas posteriores. É quase
c~rto que uma parte ao menos das crenças mágico-reli- 1dé1a imp claras e sem am b igm
fronteiras ' ... d a des" (Townsley
. , 1988:
. 5) .
giosas da humanidade prelítica foi conservada nas con- Antropo·1o gos "africanistas"',,como . Marc
. Auge,. tambem che-_
cepções religiosas e nas mitologias posteriores. Mas é Clusões similares: mnguem nunca ignorou. a rea
~a~ • d
também fortemente provável que essa herança espiritual !idade dos outros grupos (na Africa, numerosas narrativas . e
da época prelítica não tenha cessado de sofrer modifica- fundação são primeiro narrativas de guerra e de fuga), e assim
ções, na seqüência de numerosos contatos entre as po- também de outros deuses, nem a necessidade de começar ou
pulações pré e prato-históricas (Eliade, 1968: 27).
de ir tomar mulheres fora" (Augé, 1992: 62) .
Assim sendo, nem na pré-história poderíamos encontrar gru- Resumindo: mesmo tribos formadas por centenas de pes-
pos vivendo totalmente isolados uns dos outros, garantindo soas sempre tiveram (e isso não foi conseqüência de seus
dessa maneira a pureza e a originalidade de suas concepções encontros com os ''brancos") problemas ao tentar defi-
culturais. Seria também interminável uma lista de "grandes" nir/construir sua identidade, e nesse processo sempre leva-
acontecimentos históricos posteriores que dependeram de re- ram os Outros em consideração, não apenas como "contraste".
lações interculturais. Mas é interessante citar alguns de_Ies: a Resta perguntar por que, por tanto tempo, o ideal de tantos
assimilação de costumes hindus pelos conquistadores ananos antropólogos (e nacionalistas) foi "que cada etnia [e cada
que invadiram o subcontinente indiano; a utilização, na An-
tigüidade do alfabeto cuneiforme por todos os povos da
Mesopotâ~a que se misturavam em grandes e cosmopolitas ; Para uma análise das influências africanas e asiáticas na civilização da
récia clássica, ver Black Athena, de Martin Bemal (ver Bemal, 1991).
170 NAO0NAL-P0PULAR 171
(l MISTER li) DL) S/\M III\ AN EXº 1 -

,, . s brasileiras" (o "popular brasileiro")


~ação, para os nacional istas] fosse uma il - das c015ª · ·1 d · , ·
orizaçao ·menta sui genens do Bras1 o m100
ligada ,1 outras, m as difere nte dn tod -.
·11 · f "
ha, cventu aln1en t
nSaso utra e "ª
~ l .
ão foi u m aconteo . d d
que ocorre em todas as sooe a es, em
i 1e u osse o homó logo exa to de seus v· . 1 e s, e que Cada
66) . izm 1os" (Augé 19 ,
.- f\ 1 mas a 1go " !tu
, 92:
deste sécu o, Daí o pouco interesse e~, pensar a cu_ ra
as as épocas . . . mente isolada da cultura domman-
tod ,, omo inteLra d . - /h
opuJar c . ,, ( do " resistente" a essa ominaçao ege-
p • nica bsen · d f· ·
' m não interessar aqw e irur o que_e o
'
O POPULAR te/hegerno _
rnonia). Dai, tambe 0' nde está O "popular", ou determinar
,, ou sa er . .f . "
E por que as cultura s populares teriam o,, ri vil . . " "popu 1ar ' ,, ·s autêntico ou ainda d1 erenc1ar o po-
" pular ma1 , . 1 -
todas as outras, de serem puras hom " p eg10 , entre qual o,, dPº"hegemonic ~ • o " Meu obi' etivo foi colocar em re açao
· . . 'd
G i·1berto Velho é um dos autores, que ogeneasb
ou · .
originais? ular O
P . rsas de m1çoe f' . - s (produzidas por outros md1v1 uos -
" . "d com atem essa . - , •
~uns ta . a cultura popular, afirmando que " f - v1sao as d1ve _ , logos como Gilberto Freyre, ou mus1cos,
les antropo , · ·
d1ferenc1ação é identificado tanto dentr d o enomeno da sejam e d p •xão Cearense - e por grupos sociais
1ares corno das elites" (Velho 1993· 59) o p as ca madas Catulo a a1 . . 1m
t popu- como·1 · os) sobre o q ue e' popular · no Brasil -princ1pa ente .
' · • e er 8 urke m t
ao estudar as culturas populares medievais c os ra, bras1 elI' , ·ca popular no Brasil, e como esse popular (assLrn
1 , orno mesmo o que
cu turas camponesas mais afastadas passaram . as . . é rnusi
) t · ·pa da construção de " nossa " 1'd en t I'd a d e n a -
t f - por muitas definido par 1c1
rans ormaçoes (nunca permanecendo estáticas ou 1·mut • . cional.
, ave1s
por gran d es penados de tempo); corno muitos desses c
. 1 . . ampo-
neses sa b 1am er e misturar informações culturais d
d - · d· . . e proce-
enoas 1vers~s (1~clum~o a cultura erudita da época); como O TRANSCULTURAL
muito do que e hoie considerado autenticamente popular foi
na verdade produzido para o povo (muito antes da comuni- o antropólogo cubano Fernando Ortiz, es~dioso da música
cação de massa) e não pelo povo; corno um mercado cultural popular de seu país, publicou em 1940 o hvro Co~l~apimteo
já influía na produção desses bens tido como "tradicionais"; rnbano dei tabaco y e/ azúcar (que recebeu um prefaao enhi-
e, finalmente , como os mesmos bens culturais (por exemplo, siasta de Malinowski), em que introduz o conceito de trans-
a Bibliotheque bleue) foram apropriados de maneiras diferentes culturalismo . Apesar de não ter obtido grande impacto ou
pelos diversos grupos sociais integrantes das sociedades eu- seguidores na antropologia posterior, esse conceito me parece
ropéias daquela época (para um resumo instigante dessas o mais adequado para nomear as relações interculturais des-
idéias, ver Burke, 1981) . critas nos parágrafos anteriores e no restante deste livro. Nas
Ao discorrer sobre as culturas populares contemporâneas, palavras de Malinowski, resumindo as idéias de Fernando
Néstor Garcia Canclini chega a conclusões semelhantes às de Ortiz, transculturalismo
Peter Burke para a Idade Média, sobretudo quando afirma
que o "popular n ão é monopólio dos setores populares", que é um processo no qual sempre se dá algo em troca do
o "popular não é vivido pelos sujeitos populares como co_rn- que se recebe; é um "toma y daca", como dizem os
placência melancólica com as tradições" (isto é, as trad1çoes caste~anos . É um processo no qual ambas as partes da
podem ser modificadas), e que a "preservação pura das tra- equaçao resultam modificadas. Um processo no qual
dições não é sempre o melhor recurso popular para se repro- eme_rge uma nova realidade, composta e complexa, uma
realidade que não é uma aglomeração mecânica de ca-
duz ir e reelaborar sua situação" (Canclini, 1992: 204~20) . ,, racteres, nem um mosaico mas um fenômeno novo
Portanto a "promiscuidade" entre "elite brasileira e original e independente (M~linowski, 1991 : xxxiii). '
' . ·· · )para
" povo brasileiro" -que foi fundamental (como Jª vimos
173
172 ANEXO 1 - NACIONAL-POPULAR
O MISTÉRIO DO SAMBA

Definido des . brasileira é um bom exemplo de dinâ-


. . sa maneira, transcultural" . da Jt\úsica popu 1ar acaba desembocando na transforrna-
ceita mais preciso e rico para pensar a:r;'º m_e parece um con-
ri~ .. transcultural q_u~ca nacional brasileira, criando o "fenô-
~~sJ~~ .? ~e acu_Ituração (assimilação ~~a~o~s interculturais - do saJt\ ba ern
fll..lC"
. .rnus1 ·ndependente ,, a que M a 1·mows k i. se
. çao a antiga -noção criticad ~ cultura co çao origina1 e i .
na m:rodução do livro de Fernando
etnocentrico")ª ou sincretismo (c
ªó~~
Mahnowski, aind~
r iz, como "vocábul
rneno novo, lo io de Fernando Orhz.
fere em seu e_ g t - 0 de mestrado (transformada no hvro
.
re ·nha disser aça f A ultu 1
sas) .9 O único reparo que tenho u:~:~;s conota~ões religio~ Elll Jl\l . ) tentei estudar o enomeno transe ra
proposto por Fernando Orti·z qe_ t bao conceito, tal como omundo funk can,º~ªca norte-americana funk pelos subúrbios
d , ornar em e , . - da musi l , ·
e que o transcultural não é a combin - d xp 1ic1ta a idéia da ad OǪ 0 .
0 obJ·etivo era mostrar corno ague a musica
do R10 . de Janeiro. , usada (a organização d as fes t as, as d anças,
antes e~am puros; esses elementos (as ;~:o e elementos gue .
1
d~ ~~hnowski), já são produtos transcul~ p~rtes da equação chega ao Braside e arinos etc.) de forma inteiramente diferen-
historia cultural do mundo - d rais, e nunca -na as ro upas dos anç rte-americano. Neste li vro procurei· seguir ·
., po e ser encontrad te de seuduso m noessas idéias, analisan d o a mvençao
. - d o sam-
menta que Jª não tenha passado por ai o um ele-
cultural. gum processo trans- trabalhan ocoticidade nacional, mostran d o como o au tAen tt·co
ba como au ten . _ -
E ainda: o transculturalismo não ocorre apenas , m fenômeno arbitrário (e aqm nao importa se essa
e sempre u "d · l)
texto internacional. Relações transculturais oco num( co~- ti ·dade é essencial ou não para a vi a socia e corno
. . . rrem e nao auten ci . - - ·d t ti'
creio que, co~ tais afirmações, esteja sendo infiel às idéias de diversos grupos sociais, com intmtos nao ~011:_ci en es, par -
Fernando Ortiz) entre grupos diferentes de uma ciparam - transculturalmente - da fabncaçao dessa auten-
· d d mesma so-
c_ie a e. Urna cultur~ heter~~ênea é terreno fértil para todo ticidade.
tipo d_e transculturahsmo; abas, ela não permanece viva sem
esse tipo de relação transcultural. O "torna lá, dá cá" entre
elite e músicos populares que, como vimos, perpassa a histó- ETNOMUSICOLOGIA E TRANSCULTURALISMO

Além dos autores já citados até agora, urna inspiração impor-


8 Essa crítica não é ponto pacífico . O antropólogo Melville Herskovits tante durante todo o desenvolvimento deste livro foi a de
pensa que aculturação e transculturação querem dizer exatamente a mesma trabalhos na área da etnomusicologia que mostram - no
coisa, isto é, qualquer empréstimo cultural. Ele diz que acculturat íon nunca campo musical, é claro - corno as informações ocidentais são
significou uma qualidade etnocêntrica (Herskovits, 1952: 572). Parece que consumidas, interpretadas e utilizadas de maneiras diferentes
Fernando Ortiz venceu esse debate . Hoje o conceito de transculturação
ultrapassou as fronteiras da antropologia e é utilizado por críticos literários, em culturas diferentes, relativizando a previsão de urna ho-
teóricos da performance etc. ., mogeneização cultural em escala planetária. As velhas dife-
9 Outro conceito interessante é o de hibridação, proposto pelo soc10logo renças estão sendo substituídas por novas diferenças trans-
argentino Néstor Garcia Canclini (não é coincidência a presença de _tantos culturais prod t d . _ . .
" t d' . ' . u o o encontro das mforrnaçoes ocidentais e
v ra. iaonais" · N o terntono
. , . d a musica
, . popular sao- mconta-
. ,
latino-americanos nesse debate): "Encontram-se menções ocaswnais dos
termos sincretismo mestiçagem e outros empregados para designar pro- e15 os exempl d . '
cessos de hibridaçã;. Prefiro este último p orque abarca diversas rrus~as etn . os esses tipos de novas diferenças levando o
interculturais - não só as raciais a que se pode limitar a 'meshça~em ~ gad:m~sicól~~o Bru~o Nettl a afirmar que, "enqu~nto ache-
e gue permite incluir formas modernas de hibridação melhor que _SLnctroes decret ªd musica ocidental é freqüentemente vista corno o
- )' · de mov1men
tismo', fórmula referida quase sempre a fusoes re 1giosas 0 ~ . 1
4-S) 0 de seu~ e ~orte da variedade musical no mundo, o exame
simbólicos tradicionais" (Canclini, 1992: no ta de pé de pagina, P· ~
0 0 XX em mwtos efeitos mostra as músicas mundiais no século
termo '1ubrido" também é utilizado várias vezes por Gilberto Freyr_e e vi.n-
,,
sinônimo de "mestiço". Prefiro o termo trans.
cultural" por sua maior rn~catª~~e como resultado da pressão gerada pela cultura
culação à linguagem conceituaJ da antropologia . oci ental, num estado de diversidade sem preceden-
174

O M ISTÉRIO DO SAMBA

tes" (N_e ttJ , 1985: 3). O sociólogo Simon Frith a "


a hab,hdade e a imaginação notáve l com ue po_n ta o vi~o,,
e mpresá rios locais tornara m as for mas d 9 rn_us1cos e fase
para u s o próp ri o" (Frith 1989· 5) O , º. p odp hegernônico'
J"is m o é m oeda corren te n•os deba · tes
• etnom
con ceito
us· e1-tran
. seu 1tura- ANEXO 2
ªJu. d ando a expli ca r a h e terogeneid ade Meu1coob· ogicos
t· at ua1s,
.
tud a r o sam b a, apesar d e ins
. pirado
. . Je
nos est-udos citad ivo, ao. es- "MELTING POT"
é
o u t ro . Es tc 1·•vro pode se, v isto como uma tentativa 0 sac1rna

dmos t-ra r que o transcu lturalis mo também é ú til para .e
ar a compreender a invenção. da h omoge neidade . nos a1 u-

- o entre as relações elite/ cul-


Farei aqui uma breve_cl omparEasç~ados Unidos, no início deste
l o Bras1 e nos . t t
tura popu ar n - superficial, é impor an e,
mparaçao, mesmo dºf
século. Essa co d d ara futuros estudos sobre as 1 e-
pois sugere_no~os t":U<~:
rentes versoes . a a I .,
~acial/cultural nos dois pa íses, ~m
roduziu inúmeros debates . Alem
~~:~ c;c~~~::ve~s~~eJ:d~s pode m situar mel_h or o pensa-
ment~ do jovem Gilberto Freyre, tão _influenciado por seu
contato com o pensamento norte-amencano .

Os Estados Unidos poderiam ter "adotado" uma política,


mesmo que não-oficial, de homogeneização racial como a do
Brasil (pós-1930) . A possibilidade dessa escolha foi discutida
por alguns de seus inte lectuais, políticos, artistas e outros
rne~bros
1 de sua elite . Os argumentos eram semelhantes aos
ut li~ _d os p.or gru pos equivalentes brasileiros. Durante as
Pnlnetras d écadas des te século, um intenso debate norte-
~er_1can.o ta rnbém colocou em relação conceitos como raça,
lllesti~gem,
1 n acionalismo, re gionalismo, cultura popular (e
~ ~ Pill'l'\et,te música popular - nesse tempo es tava m sen -
U\V'Cl\tad
\'l' l ett) 8 . os gêneros como o 1 , o folk e o countrv,
·azz , como.
os. diaT'\te), folclore, modernidade e unidade da p á tna .

17 5
176
O M ISTÊRJO L>ü 177
SAMBA /\ N EXO 2 _ " M ELTING POT "

Na troca de idéias nem


, sempre c dº otimismo homogeneizador de
nomes bem distintos or ia! es t· e reconheceu no
M como The d , IVera
alcolm C_owley, Alfred Stieg~t-ore RooseveltniFenvolvido i:ricanos, s .
R ourke, Ed1th Wharton
t
z
, ora Ne I LI
1 z, Ezra p
0 Und e
' ranz B ~
0 as
arfl gwill , fez grande sucesso. Ficou seis meses
antos outros. Nessa época a e ,1.urston u , onstan , za~Ae/Jillg Pol , a _peça, foi apresentada 136 vezes em Nova
, a expre - , , 1enry J ce 1v, Chicago e I . .
usa d a para designar a nus · tu ssao me/ting ª llles cartaz em I ·t ra obrigatória em escoas e umvers1-
ra de pot ( ct· e eyrt1rk- seu texto era ei u eça de Zangwill foi reeditado pelo
cul tura norte-americana - . raças que ca inho)
.
M u1t_ , nao era amd caracte · , o 1· ro com a p
o pelo contrário: o ideal d a politicarnente i nzava a Jades. O JV no até os Estados Unidos entrarem na
a vez por a , d
que esta por trás do elogio do "m ~ ~ma arnálgarna ~correta menos um
. Guerra
M
un
dial em 1917. Esses numeros emons-
' ·
quase chegou a ser um exem I edtzng pot norte-arn e raças primeira ssunto despertava entre os americanos
m enos parecia · P o e co - encan ,, . teresse que o a G ' lb
ser essa a m . t ençao - d rreçao pol1'ti·ca. p o1 trarn o in . d . t mente anterior à chegada de 1 erto
R oosevelt (republicano for . ríodo ime ia a
d o presidente Th e o no Pe ,
d . , ma o em Harv d eodore re àquele pais. . ..
o Jovem Gilberto Freyre)1. No d. d ar e um dos íd 1 Frey d t I situação nada levava a indicar que, no mic10
. .
assistir, no Colurnbia Theate d W
ia 5 eoutub
. rode 1908
oos Diante e0 ªa expressão ' meltmg
• pot sena · cond ena d a por
. r e ashmgto DC . , ao dos anos 7 , da sociedade norte-americana, .
peça M eltzng Pot (que não criou m n , a estréia da te e essa cond ena-
- ) · , as popular· g-ran d e par . A
sao , escrita e encenada por Israel Zan ·11 izou a expres- f. · 1·zada no Ethnic Heritage Studies Programs ct em
çao o JCJa 1 . . k.
sos Roosevelt teria gritado de se gw1 , durante os aplau-
u camarote· "E t . 19 72, pelo presidente N1xon. O senador ~ºr:11ª~ L. Pwc1ns 1
gran d e peça, Mr. Zangwill esta e' uma g d . s a e uma (democrata, Polish-American), um_ dos_ pn~cipa1s nomes por
197 · • ' ran e pe a1" (M trás da implementação dessa lei (foi chazrman do General
9 . 100) . Logo depms escreveu para Zangwill· \u _ann:
quando eu vi urna peça que tenha me excitado t~nto" (nMao se, Subcommitte of the House Committee on Education and La-
1979: 100). ann, bour) declarou: "Eu acho francamente toda a doutrina do
Q~e teria agra~ado tanto a Roosevelt? Vejamos: 0 enredo melting-pot muito repugnante. Eu não quero ser dissolvido
era simples, parecia um pouc? c?m o do filme West Side Story, (dissolver = to melt] num monólito" (citado em Mann, 1979:
e_ 1:atav~ ~os problemas de imigração e de preconceitos ra- 118). Não é difícil perceber as semelhanças entre esse tipo de
ciais, rehg10sos e culturais através do romance, passado em declaração e os discursos "antiluso-brasileiros" que tanto ir-
Nova York, entre dois jovens, um judeu russo e uma cristã ritaram Gilberto Freyre, levando-o a escrever a conferência
russa . Zangwill - descendente de judeus russos, nascido na Uma cultura ameaçada: a luso-brasileira .
Inglaterra, casado com uma cristã inglesa - defendia a for· Em 1908, ano da estréia de Melting Pot, Franz Boas publi-
mação de um novo americano a partir da união (também cou_Race Problems in America, artigo em que atacava intelec-
sexual -pois se trata de um romance com final feliz) de todas tuais que enxergavam na mestiçagem norte-americana sinto-
as diferenças. Roosevelt, um crítico daquilo que passou a ser mas de degeneração, mostrando como esse problema (incluin-
conhecido como hyphenated Americanism, 2 afirmando só hal'er do ª condenação das misturas raciais) era relevante para os
Estados Unidos daquela época. Boas dizia:
Freqüentemente se alega que o fenômeno da mistura
l Em 1913 Roosevelt viajou pelos estados de Mato Grosso e Amazona> presente nos Estados Unidos é único que uma intermis-
sendo acompanhado por Cândido Rondon . _ . de tura similar nunca ocorreu antes na 'história do mundo
2 O costume, transformado em estratégia política d e afinnaçao etru'ª:na. enaque. a nossa naçao - está d estinada
· a se transformar
classificar os norte-americanos através da utilização daquilo que ª g~\d~ q~ilo que alguns autores chamam de uma nação "vira-
tica portuguesa denomina adjetivos pátrios compostos, sempre con ':n t lª t a numa
outr0 me d 1"d a que nunca foi igualada em nenhum
h1'{ens, como Native-Amencan,
. . .
Afncan-Amencan,. o tn
· ~ A~m 1ugar (Boas, 1974b: 320).
Irish-American, entre muitos outros .
178
O MISTÉl{I O oo SAMBA "MELTING POT"
179
ANEXO 2 -
Contra esses argumentos, Boas te nt ,
- ,·
as naçoes europeias teriam sido ª'
a des tr U1r· o rn ·t
a entre os c
érebros d e
brancos e negros nos
.
. eiramente inferior, e ta vez
l
,, pura s alg 1
do, contra os advogados da teoria d urn dia, eºd egu~ dife renÇ . ,,0 tamanho hg d cérebro [do ne-
processo de "vira-Jatização" não h ~ deg radação" 011 cluin. unia te rrnos. d estrutura, e seu
....,pJexidade) Apesa d1·sso
. . f
o negro não sena . Ill .e-
• avia oc 0 · ,que um ~
eg 1.1í11tes
r co,.. ar . ,
todas as misturas pelas quais pass a rr1do ap ~ 111eflº 1974b: 3 29 . B as propõe inclusive a cnaçao
Europa . ram as atuars" esar d~
. '
raças" groJ" (!~:~co. Nem _o mula:~~ :studar a cultura dos_ negros
A partir dessa conclusão, Boas c da rior ;io African Jnst1tute, passado africano, e uma hnha de
mente o problema do negro norte-a m . omeça a d 1'scutir di
, . enca no q reta. de u.fTl ,ericanos e _se~dpd ao estudo da mestiçagem.4 O
o grupo ern1co gue mais preocupava ' ue Parecia norte·~: gue dê pnon a e tava bem enquadrado nas preo-
os autor s~
que condenavam a mestiçagem e previam um f es eugenistas pcsbqtu,11~ de Gilberto Freyrme eess tre da Columbia.
rado para os Estados Unidos. Em out . Uturo degene tra a · de seu ;r. · A
. . ro artig . · õeS centrais u livro Intel/eclual Lz; e m me-
pouco antes do anterior e mtitu]ado Cl,a . o, publicado cupSeaçgundo L.e wis Perry,demd:: anos 10 as idéias relativistas
ngzng Ih
fudes of Whit e Americans, Boas 1·á ha via d E . e nc,a/ A111• R · nda meta e . , l
·i · e e nd1do
ut1 1zando, entre outros, o seguinte argum ent . ,, 0s_n:gros nc. a, até a segu ficaram.
co
nhecidas apenas por um c1rcu o
d B
• . do negro na Áfric o. de Franz B~as_ A artir dessa data o trabalho e oas
d as conquistas cu 1tura1s . d'a ev,d enc,a. restrito de d1sc1pul~s. grpande parte da academia norte-ame-
. . . a 1n 1ca qu •nf1uenc1ar . -
mven t1 v 1dade, o p o der de s uas o rganizações •. e sua
.
firmeza . _ . po11tzcas e corneçou a t . , . rama publicação de livros e artigos,
de mtençao igualam ou mesmo s upe ram d sua s alunos m1c1a , (
. . os e outr ricana e seu _ te' mesmo de um público leigo como
raças e m estados similares de cultura" (Boas 197 . as do a atençao a d
4 despertan nas d eca , d a s de 20 e 30 , com o lançamento d o
relativi z ação não sign ifi cava o abandono d~ deteª · 317 . ). Tal
. rminados acon_teceu e in Samoa, de Margareth Mead, em 1928, e .º
debates que levavam em consideração preocupações bioló- Commg_ofifCA1g1/t•1re de Ruth Benedict, em 1934). A antropologia
gicas: Pai/em:, o · • ' ' · d
passava a ser encarada também como uma autocnhca O o
Não acredito que o negro seja, em sua composição física O0 ·d t muitas vezes encontrando a salvação no utro,
e m e ntal, igual aos europeus. As diferenças anatómicas fosseen elee,O adolescente de Samoa ou o esqu1mo · - d a 1· lh a Ba ff m. .
são tão grandes que a s correspondentes diferenças men- A cultura das sociedades industrializadas era ~hamad~ d_e
tais são plausíveis. Podem existir diferenças em caráter competitiva, em contraste com a cultura cooperativa dos pr~-
e na d i.reção de atitudes específicas (Boas, 1974b: 328/ 9) '
mitivos" (Benedict), ou de espúria, diferenciando-a do genu1-
Devemos lembrar que as palavras acima foram escritas numa no "tradicional", corno aparece em Culture, Genuine and Spu-
época posterior em mais de urna década à publ icação de rious, artigo muito influente de Edward Sapir. O folclore tam-
textos, hoje considerados clássicos, como Limitaçõt>S do mt'todr
comparativo em antropologia, de 1896, que critica ram os pressu·
postos mais caros ao evolucionismo an tropoJógico. Mesmo Iª 4 Um d os res ultados práticos desses inte resses de Boas foi a pesquisa
ft,ldón ca rea lizada e m 1927 e 1928 p or uma de suas alunas, Zora Neale
te ndo formulado boa parte de suas revolu cionárias id~_,a,
flur,;t o n, i,.obre co munida des rurais negras do Sul d os Estad os Unidos, e
relativistas, isso não impedia que Boas ch egasse a admitH que re~ul lou na pubU caçã o d o livro Mules and M en , em 1935, o primeiro
11
'• ro "°bfl:' folcl o re afro-a mericano escrito por um n egro . Nessa mes m.a
•f)Oca, Zoro NeaJe Hurs to n também vis itou as comunid a des mes tiças da
3
Declarações com o essa m ostram com o G ilbe rto Fri.>yre n jo "'1'11 -1" la.ma.te-a, conht!cid as co m o maroons o u quil o mbos, sobre as qua is escl"\.'veu
afas tand o d e dete rminad as 1dé~ contidas n o projeto boa;.1ano ª" ,ubhnh-1r no li\lro Tel1 My Horse E, como já menc ionei, ela també m p articipo u d~,
as dife rentes ca racterísticas psico lóg icas e c ultura is d as "raças yu<' /c,rrn., r-.,.,,, unento literá ri o conheciJ o como Harlt>m Rcn.a.JSsan c ~·. qu~· revel o u v;i-
no-,. P~ta.s d d .
ram o BrasiJ con tempo ráneo . t! e»cn lo res negros, t0 dos li gados ao na!>C\é'ntc mun o o Jazz
n i a-1orqlJ.lfl o (ve r Kam.rnen, 1991) .
J U•

-, -- M l::.LTI S C PL°ff ..
18 0 /\ N 1;.Xl l - -
O MISTÊRIO D O SAMBA
tud os folclóricos, defenden-
b' .
em sena considerado en - ·11centi vo aos es 1 dn v eria ser tratada com
1 no i popu ar ~ , .á f .
Museu Nacional do C~ u1_no . Sapir, em sua
defender seu PhD
f I , .
nada, entre 1910
na Colu b º .
o cloncas franco-canade m ia Un1versity), col
Passagelll
e 1925 (d Pel 0
epois de
d:i~
,-,cnU\
,,,fl..-i;~l!:> iç:W
u e él c ultura l ' ssica . Esse penodo J o1
que a literat~~Ir~ca pelos intel~ctuais dos
,ili ,J r,,o rc!'-F d scobe rta da . m 1930 , 0 importante
com o resultado dessa nses~ chegando a pub/tou canções o fi1l>5~do de !'C co " final " daquilo q~et~ eou como " o divórcio,
que parecia estar fora desqu1sa (ver Mandelb icar urn livro 1'311'~ ·d oS, e wley cn IC 1
~siaJo5 tJ~~rio Malcolrn v~da intelectual e todos os mode os
alvo de muitas críticas odcampo da genuinida~~rn, 1963). O
cultura urbana e . d . os antropólogos b 0 .' e Portanto ·ri"'º 1,te tJnidos, e ntre ,, ci tado em Perry, 1984: 332) . A
m ustr1al as1anos ' s r;stados ·a e realidade ( bt · ça-o de inúmeros livros
Essas críticas antro ol ' . . ' era a no tânc1 d u a pu 1Ca , .
dernistas tambe' m fe ·tp ?g1cas somavam-se a' s - ir if11Por-b rta" d esenca .e od " norte-americanas de vanas
. 1 as a " l cn ti ' o e d "len as . -
U mdos viviam suas p . . cu tura ocidental" O cas rno- ··rcdesc ,scrição e b ancos etc .) além da reahzaçao
a tra1 _ . n e gros, r ' . . d -
derno", como a exp r~~e1ras manifestações do:, s -Estados (l,11' • ·as (1nd1os, Rourke parhc1pou a orga
b . os1çao do Ar espinto denc1 . Constance 4
oem1a do Greenwich Vill mory Show, ern 191 rno- rroce ·s folclóricos . . 1 at Saint Louis, em 1 93 .
stiva1 F O tk Festiva .
tou), ambas em Nova York i e (que G ~lberto Freyre fr!'
°.u a
n1
f
de e_ do N a tio na
·zaçao
Roosevelt, m
1 d
ulher o e n a
t-o presidente Franklin Roo-
) f . "persua dida a comparecer
segundo Michael Kamm~n s(mod_em1stas norte-arneri~uen-
M emor ) ct · ·d · no hvro The M . nos, Eleanor .d Democrata , o i ,, (K
do p arti o . l m o co nvidada de honra am-
y ' 1v1 Iam-se , esquem a t·1carnente ystzc Chords 01,r sevelt ( F lk Fes ti v a co . . d•
co_rrentes: os nacionalistas, eralme .' _em duas grandes ao White Top o 1933 e no ano s eguinte parbc1pou, , ir~-
Stieglitz, Frank Lloyd Wriglt E nte elitistas, corno Alfred en 1991: 429), em 'da e s tré ia de um programa de radio
d 1 e zra Pound ( - m , d C sa Branca, d
a cu tura norte-americana) e os . . pro-unificação tJrnente ~ . a folclórica dos Esta dos Unidos, _apres~nta o ~m
v 1 · · ' regionalistas ·-
o viam UJn interesse pela defini ão d . ' que lª desen- sobre a mus'.ca ai" ela NBC. Os Estados Umdos viam as m -
cultura popular e "afagavam a div~rsid~dna_ctrti10_n a~, através da "cadeia naclO~ . Pf lk (que em 1940 foi tocada na convenção
1991 : 408). e e ca (Karnmen, - da musica o
rençoes
p tido Repu 1can ,
bl. o) da música country (para um resumo . _
A posição regionalista foi ganhando terreno co . do ar "f bri· cação" v er Peterson, 1993) e a consohdaçao
dos anos 20, justamente quando a influência de B m o ~mal de sua a ' · d. t
fez n t . oas mais se comercia · 1 do J·azz como novos estilos . que poderiam 1spu ar
o ar no panorama intelectual norte-americano M · h 1 'tul de música nacional. Tudo isso aconteceu ao mesmo
Kammen 0ega a dizer que "este padrão nos perrnit~ de~~==r on o
em que, no Brasil, o samba ganhava ap010 · o f 1cia
· · 1, e
o que equivale a urna 'mudança de paradigma' que teve lu temp 0
d "d b ,, d
en~e duas ~erações" (Kammen, 1991: 415), e que na antro~: livros como Casa-grande e sen z ala , também e esco erta a
logia poderia ser representada (a mudança de paradigma) por pátria, alcançavam grande sucesso. No entanto os dois movi-
urna troca de Frazer (que era citado por autores como Edith mentos de " rea proximação" entre elites / intelectuais e cultura
Wharton e T.S. Eliot) por Boas . popular tiveram resultados b e m diversos no caso brasileiro e
Muitos intelectuais e artistas norte-americanos estavam no caso norte-americano . Não é o objetivo deste Anexo expli-
retornando aos Estados Unidos depois de exílios voluntários car a diferença . Basta constatá-la .
na Europa. E voltavam com um interesse renovado pela cul- Os Estados Unidos de 1930 já contavam com uma indústria
tura norte-americana . Constance Rourke, que foi influenciada cultural desenvolvida e em via de solidificar sua hegemonia
por Boas5 (ver Kammen, 1991: 414-15), ao regressar teve papel em todo o mundo (o que só aconteceu realmente depois da
Segunda Guerra Mundial) . O jazz foi, dentre as novas músicas
~arte-americanas'. ~ que melhor soube utilizar as facilidades
5 Que també m foi direto r d o Jornal do Folclore Americano, d e 1908 a 1925 abna5 cente massificação cultural para ampliar sua influência
(v er Kardine r & Preble, s / d) . so re tod o O plane t a, me · 1us1ve
. sobre os sambistas brasileiros,
11'2 ll ..
" N1 EL.TIN< • l 'C.
/\N EXO 2 - '
o MI STí::RJO Do SAMnl\

tornand o o lugar da des prezo u o jaz/ ,


e recen te ' .igno ro u o u mu- s .ica d os g u e to,.
dançarinos . polca e da valsa na . 301 c n t
com o a . d · ·
O lioo,11 econômico P~~~n · dos rcl::111"• . primeiros an 05 p e nas por m e ia u z 1a
I eia )Cil e us lugares a )
l,p( • \i e \l s
1 ·d e m outros . d " (Col ve r 1988 : 1 •
na última v ira da d p_e o gual os Estad os Un id e v ·a a ·1 imina os ' ..
l]l.l os ap r eCl . i·cos brancos I L. trar e m comen ta n os
exportações s e seculo era evidente Se os Passara111 11 cgr , 01 u s egu i enco n ,
- o rnavam 800 milhões d -. ern 1895 s • ft1cos e " Não con
numero tinha se mult" l" e d olares, ern Uas Je l r e nta . . d l 9 40 uma so fi· rm ação de que
s - a
d ? lar~s (ver Roscnbe /;, ;~;~~ Í6~r~2 bilhões e 300 rniU, : e:s~e
191 Col\fer ocrcsc iblicados d es e ' ula r nos Estados Unidos
1i...re o jazz. pL_ do amplamente pop 1988· 2) . No caso de
pioneiros n a produção em m . s nor_te-arnericanos fo e ..0 • ha s 1 " (Col ver, ·
rnarketi I assa e tambem na ra111 O Jazz te n d a ta recente . tornado p o pular entre
C 1 n g, evando nomes como Columb· s estratégias de de urna .d m iazz te r se . f. d
JnteS . •ca p a re ci a co sido logo desq uah 1ca a
.º ga te, General Motors e General El tr· ia, Singer, Kodak ,1lf;u rn
a rn us1
norte-arnenca
. nos e Ia tem
, . ·o ao "1'azz verdadeiro ve r
. ,, (
c1dos ~m tod os os continentes já no i~~ci~c a seren:' recon.he'. l ancos . " em opos1ça
necessitar da s técnicas "trad· . . ,, d deste seculo sern O!> ,r derivativo , ·ção se m e lhante ao par
. 1c1o na1s e c l . r • ·orno ·'1azz k J 981 - uma opos1
vo lvidas pelo capitalismo e uropeu em su o on.ia '_:irno desen.
l e & Dra ·e , .
Produtos c ulturais d os Estados Unidos se\expansao rnundial. u, for: /espúrio de Sapir). b e a d ificuldad e da el ite
cnu1no . 1·mportante so r . . .
novo con ceito d e vendas e desse nov dprove1tararn desse S Um te xto mu ito ce1tar . .
o 1azz e 0
- Traditiona/1st Opposztzon
d
de seu pais · : no início
· 0 po e n a da econ ·
da década de 1890 h orn1a te-ame ri cana em ª d Nell Como exemplos essa
nor 97 2) de Leonar · . d
Bill já tinha dado a volta ao planeta . o s ow de Buffalo ll' Jnzz (Nell, 1 . , . . almente artigos de Jornal, ou e
. E~se know-how norte-ame ricano desenvolve u-se . oposição, Nel~ c'.t::.::~~:inados por amantes e críticos de
nas areas e m pouquíssimo tempo: "Durante a p . . ernG va- revistas cspec1aliz . ·sta Ashley Petters ou o p rofessor
M á · como o piani ·b ·
ra un d ial
. e através d os anos 20, os Estados Unid nme1ra uer- música- cl ss1ca,
d· d Harvard W a lte r R · s .p ald ing . Parece-me o · v 10
1ra m rap1·d amente sua posição global em comunicaça· os expan-
b l f . . . o por de musica s pessoase se sen u·am obrigadas a repudiar o. Jazz,
ca o, te egra 1a sem fio, serviços de n o tícias, cinema e servi que essa . . . d e l eg1·t l·m ação d e uma obra de. arte mven-
d e campa nh.ias d e av1açao . - " (R osen b erg, 1982: 87). Os resulta- ços d os cntenos
usan o
t dos em seu propn - ·o mundo artístico , que valonzava, e ntre d
dos num é ricos da expansão são impressionantes: em 1925 il · a ed ucação " formal" dos músicos. Mas esten er,,
por exemplo (depois do colapso da indústri a cinematográfic~ outras c01sas, ''b
essas opm1 · · ·es
0 a toda a elite ou mesmo a todos . os rancos -
e uropéia durante a Primeira Guerra Mundial), 95% dos filmes
vis tos na Ing laterra e Canadá, 70% d os filmes vistos na França norte-a merica n os conduz a vários erros de mterpre~a~~º-
e 80% dos filmes vistos na Amé rica do Sul foram produzidos Como também é bastante problemático considerar as 1de1as
n os Estados Unidos . No final dos anos 20 as companhias de publicadas em jornais da época como representativas do que
discos norte-americanas também penetraram em mercados de os "americanos brancos" pensavam sobre o jazz.
todo o mundo. O mais impressionante não é constatar que o 'Ê possível citar vários fatos e tantas outras opiniões que
jazz tenha influenciado o s amba ante~ m esm~ dos anos _30, colocam em dúvida a s generalizações do " mito " do jazz.
mas sim o fato de o ritmo norte-americano nao ter exerodo ~lartin Laforse e James Drake, em Popular C11lture and Ameri-
influência mais decis iva a ponto de impedir ou retardar o can L1fe, conside ram "a interação de brancos e n egros nos
nascime nto de nossa " música nacional" . , interstícios da cultura americana, longe d os centros do poder
0
H á um mis té rio na história do jazz, semelhante aq_uele da ~ do~ focos da cultura popular, um importante elemento na

h ist ó ria do sa mba (sem a tran sformaçao, - e- caro,


1 do 1azz Ti em h.tstóna do jazz" (Laforse & Drake, 1981: 68) . Para esses au-
música nacional) . Segundo Ja m es Linco~ Colver'. em seuh~~ t~res, a inte ração brancos/ n egros torna -se possível n a perife -
Reception or Jaz z zn . Amenca,· um o u tro rnito domina. essa té rta da cultura popular. Mas como diferenciar os centros de
tó ria . Esse'J mito tenta a f'irmar que " o povo amencano, a Poder da perife ria da c ultura popular, já que esses territórios
184
O MlSTERIO D
o s,v ,
est- ~BA
ao ern constante
corno essas intera - e rápida rnudan :>~
e longe dos tran ç_o~s aconteceram eça . James Co1
cabarés blnck-a11d-s1torios centros de rn todos os lu Ver ll\ostr
freqüentados p tnn ou dance ha//s d po~er Por egares. Peqª
cos ricos gost or muitos brancos · e a virada do s~ell\Pio- oº
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já tocavam e oCsh),_ em 1916 bandas f n1versity (onct o Ne1v
m icag (é b ormada . e só
aparece pela . . o om lernbr s so Por b es.
Folclore Ameri~;1rneira vez na imprens:r que o terrno ~~_ncos
F no, nos anos 10 em 1913) Jazz-·
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na e pos · 1
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o ver, 1988: 6)
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