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A queda das taxas

de juros e a
elevação dos
passivos pós-
emprego (CPC 33)
Por Fabrízio Krapf Costa,
diretor de serviços atuariais da Mirador
Sempre quando participo de reunião com algum dos nossos

INTRO
clientes na Mirador e tenho que dar uma notícia não muito
agradável (“precisamos alterar uma premissa”, “o plano

DUÇÃO
apresenta um déficit”, “os investimentos não renderam conforme
o esperado”, etc.), lembro do conhecido provérbio latino ne
nuntium necare – “não mate o mensageiro”. Às vezes, peço
inclusive a nossos clientes que lembrem disso, à procura de
alguma descontração antes ou após a entrega de tal notícia.

Dizem que a expressão tem origem na história da derrota de


Dario III, rei da Pérsia, por Alexandre, o Grande: após ser
informado por Charidemos sobre os erros estratégicos que
cometeu na batalha, mandou matá-lo.

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Se esta é realmente a origem da expressão, não posso afirmar. Mas
me permita utilizá-la e, ainda, realizar um “pequeno” adendo:

INTRO Não mate o mensageiro, principalmente se ele for um atuário o

DUÇÃO
informando sobre o alto impacto no balanço patrimonial da sua
empresa em decorrência da queda da taxa de juros .

Para tanto, resolvi escrever este texto, aos “48 min do segundo
tempo” (escrevo em 15/12/2019), de forma bem objetiva, para ajudá-
lo a melhor compreender a notícia que seu atuário certamente vai ter
que levar neste encerramento de exercício:
a queda da taxa de juros no Brasil e o reflexo nos passivos pós-
emprego, apurados conforme o pronunciamento técnico CPC 33 (R1)
– Benefícios a Empregados.

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A
A apuração dos passivos pós-emprego das empresas é realizada por meio de cálculos
atuariais, com o objetivo de projetar os compromissos futuros da empresa com os

PREMISSA
planos de benefícios oferecidos a seus empregados. Este cálculo pode ser resumido,
de forma muito simplificada, a duas etapas:

DA TAXA
q Primeira etapa: realiza-se a projeção do fluxo de caixa
DE esperado para pagamento dos benefícios.
DESCONTO q Segunda etapa: apura-se o valor presente do fluxo projetado
na primeira etapa.
(caro leitor atuário: OK, sabemos que essa é a apuração do valor presente da obrigação de
benefício definido, e não do passivo, mas vamos deixar esta diferença para mais tarde...).

Para realizarmos a segunda etapa do cálculo, precisamos definir qual a taxa de


desconto que será utilizada no cômputo do valor presente. O pronunciamento técnico
CPC 33 (R1) nos fornece os princípios necessários para esta escolha, com destaque
para o seu parágrafo 83, transcrito abaixo, com alguns grifos meus.
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“A taxa utilizada para descontar a valor presente as
obrigações de benefícios pós-emprego (tanto
custeadas quanto não custeadas) deve ser
determinada com base nos rendimentos de
mercado, apurados na data a que se referem as
demonstrações contábeis, para títulos ou obrigações
corporativas de alta qualidade. Se não houver
mercado ativo desses títulos, devem ser usados os
rendimentos de mercado (na data a que se referem
as demonstrações contábeis) relativos aos títulos do
Tesouro Nacional. A moeda e o prazo desses
instrumentos financeiros devem ser consistentes
com a moeda e o prazo estimado das obrigações de
benefício pós-empregos”.
Pronunciamento técnico CPC 33(R1), parágrafo 83

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Em decorrência da natureza de longo prazo das
A obrigações de pós-emprego, considera-se que não há
PREMISSA mercado ativo de títulos ou obrigações corporativas de
DA TAXA alta qualidade no Brasil que possam ser utilizados como
referência. Daí a utilização dos “rendimentos de
DE mercado” dos títulos do Tesouro Nacional. Considerando
DESCONTO ainda a necessidade de consistência de moeda e que as
projeções atuariais são realizadas em termos reais (ou
seja, desconsiderando o efeito da inflação), na prática
utilizam-se, como taxas de referência, as taxas de
mercado das NTN-Bs na data a que se referem as
demonstrações contábeis.

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Aqui temos o cerne do “problema” (por favor, permita-me colocar
entre aspas, pois entendo ser apenas um reflexo de uma mudança
A QUEDA estrutural da nossa economia, e não um problema propriamente
NAS TAXAS dito): as taxas de mercado das NTN-Bs, utilizadas para definição das
taxas de desconto dos passivos pós-emprego, estão caindo de
DAS forma vertiginosa em 2019!

NTN-BS Apenas para fins de entendimento da intensidade desta queda,


utilizemos como exemplo uma NTN-B com vencimento em 2055
(compatível com obrigações muito longas, duration de 18 anos ou
mais). No encerramento do exercício de 2018, a taxa indicativa desse
título era de 4,94% a.a. Em 13/12/2019 (última informação
disponível na data em que escrevo este texto), a taxa do mesmo
papel é de 3,38% a.a. – uma queda de 1,56 p.p. em apenas um ano! A
estrutura a termo das taxas de mercado da NTN-B é apresentada no
gráfico na próxima página.
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TAXAS IMA-B (em 13/12/19)
4,00
3,50
3,00
TAXA INDICATIVA, A.A.

2,50
2,00
1,50
1,00
0,50
0,00
,6 1,4 2,4 3,1 4,1 5,6 6,9 8,2 10,9 13,2 15,2 16,9 18,5
-0,50
DURATION, EM ANOS

8
A queda das taxas não é
uma novidade – já
observamos este fenômeno Taxa indicativas de longo prazo
no encerramento dos 8,00
exercícios de 2017 e 2018,
7,00
porém, em patamares muito
inferiores (aprox. 0,25 p.p. e 6,00

TAXA REAL E ANUAL


0,5 p.p., respectivamente). E
5,00
mais: no encerramento de
2016, comparativamente ao 4,00
encerramento de 2015, 3,00
também tivemos uma queda
2,00
em termos absolutos similar
a qual estamos observando 1,00
agora, de aprox. 1,5 p.p. A 0,00
evolução das taxas no fim de 2014 2015 2016 2017 2018 2019
cada ano é apresentada no ANO
gráfico ao lado.

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Então, qual o “problema” desta vez?
Primeiramente, esta é a maior queda observada nos últimos anos em termos relativos. Em segundo
lugar, o que estamos observando, no caso de passivos previdenciários, são taxas em nível muito
inferior ao geralmente adotado nas avaliações atuariais realizadas pelos atuários dos planos de
previdência complementar, administrados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar
(EFPCs)¹ . Em 2016, as taxas das NTN-Bs de longo prazo saíram de taxas reais acima de 7% a.a. para
taxas entre 5% e 6% a.a., intervalo compatível com as utilizadas na gestão dos planos de previdência
pelas EFPCs. Ocorre que, agora, as empresas patrocinadoras devem adotar, na apuração de seus
passivos, taxas de desconto em patamar bem abaixo das utilizadas na gestão dos planos de
previdência.
Este gap acaba por criar situações de difícil compreensão para quem não tem familiaridade com o
assunto. Por exemplo, casos em que a EFPC indica não haver necessidade de aportes extraordinários
pelos participantes e pelas empresas patrocinadoras do plano de previdência, reportando que não há
deficit no plano (ou seja, situação de equilíbrio técnico), mas que ainda assim a empresa patrocinadora
necessitará contabilizar um passivo em seu balanço patrimonial.

¹ Um plano de previdência administrado por uma EFPC possui seu passivo avaliado conforme normas específicas (emitidas pelo CNPC e pela
PREVIC), que são diferentes das que precisam ser observadas pelas empresas no registro de passivos (ou ativos) com seus empregados (CPC 33-
R1).

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Não vou abordar os motivos dessa diferença – que,
vamos deixar claro, existem e são consistentes,
desde diferenças no próprio objetivo das
avaliações (e valores reportados) até diferenças
normativas e técnicas. Talvez um bom assunto
para um próximo texto.

Mas vamos voltar a nossa


pauta: qual o impacto
dessa queda das taxas nos
balanços patrimoniais das
empresas?
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No cálculo do valor presente (segunda etapa da apuração do
passivo pós-emprego, conforme expliquei no início do texto),
O aumento quanto menor a taxa de desconto, maior o valor presente.

dos Ou seja, a queda da taxa de desconto aumentará o valor do passivo


pós-emprego. Provavelmente esta não é uma novidade para você.
passivos Mas qual a magnitude deste aumento? Não há uma resposta única,

pós- pois depende de quão longa é a obrigação da empresa com os


empregados (a famosa “duration”): quanto maior o prazo esperado
emprego e para pagamento dos benefícios, maior será o impacto.

o reflexo no Apenas para fins de análise de sensibilidade, podemos tomar por


referência uma média de 12% de aumento no passivo para cada 1
balanço p.p. de queda na taxa de desconto. Em uma conta rápida, se a taxa
cair 1,5 p.p., teremos uma elevação média de 18% do passivo!
patrimonial (novamente, caro leitor atuário, não vamos falar sobre convexidade
aqui...).
12
Cabe lembrar que todo aumento
O aumento do passivo em decorrência da
dos mudança da taxa de desconto é
passivos classificado como uma perda
pós- atuarial e reconhecido em Outros
emprego e Resultados Abrangentes – ou seja,
o reflexo no com impacto no patrimônio líquido
balanço da empresa.
patrimonial
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A estimativa de impacto da queda de juros nos passivos pós-

O EFEITO emprego que apresentei anteriormente é válida para planos de


benefícios que não contam com patrimônio (i.e. ativos) mantido
AMPLIFICA exclusivamente para pagamento dos benefícios, caso dos
benefícios que são pagos diretamente pela empresa e de grande
DOR NOS parte dos planos de saúde mantidos para ex-empregados
PLANOS (aposentados).
Nos casos de planos de previdência, o impacto que estimamos é, na
DE verdade, no valor da obrigação total, mas devemos lembrar que o
PREVIDÊN plano de previdência administrado por uma EFPC mantém
patrimônio específico (investimentos em ações, títulos públicos,
CIA fundos de investimentos, etc.) para pagamento dos benefícios
futuros, que deve ser subtraído da obrigação total – caso o seu
montante não seja suficiente para cobertura da obrigação total, há
um passivo a ser reconhecido pela empresa
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Dessa forma, o passivo reconhecido pela
empresa patrocinadora em seu balanço é a
diferença, se existente, entre o valor da
obrigação calculada pelo seu atuário e o valor
de mercado do patrimônio mantido pelo plano
(o valor justo dos ativos).

Quando há queda da taxa de juros, o valor de mercado do


patrimônio mantido pelo plano também tende a apresentar
elevação. Porém, essa elevação não se dá no mesmo nível da
observada nas obrigações, e costuma ser menor. Há diversas
explicações para isto, como o fato da duration dos investimentos
ser geralmente inferior à das obrigações, bem como o fato de
que nem todos os investimentos mantidos pelo plano
apresentam valorização com a queda das taxas.

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O EFEITO
AMPLIFICA
Como o passivo é a diferença entre a obrigação e o
DOR NOS patrimônio existente para “cobertura” desta obrigação, o
PLANOS impacto no seu valor deve ser ainda maior do que o
DE impacto estimado do valor presente da obrigação!

PREVIDÊN Isto é o que eu chamo de “efeito amplificador”.

CIA

16
E
X
E
M
P
L
O
17
Em 31/12/2018, uma empresa reconheceu um passivo pós-emprego no
montante de R$ 300 milhões. Este passivo, decorrente de plano de
previdência complementar oferecido a seus empregados, foi apurado
como a diferença entre o valor presente da obrigação (pagamento de
benefícios vitalícios), de R$ 1 bilhão, e o valor de mercado do patrimônio
do plano de previdência, de R$ 700 milhões. No encerramento do
exercício de 2019, a queda da taxa de juros (e, consequentemente, da
premissa de taxa de desconto) resultou em uma elevação do valor
presente da obrigação em 20%, aumentando para R$ 1,2 bilhão. Porém,
o valor de mercado do patrimônio apresentou um aumento de somente
15%, passando para R$ 805 milhões.

O passivo, então, passou de R$ 300 milhões (1 bi – 0,7 bi) para


R$ 395 milhões (1,2 bi – 0,805 bi), um aumento de 31,67%!
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Se replicássemos o mesmo exemplo anterior, porém, considerando uma
obrigação inicial de R$ 3 bilhões e um patrimônio de R$ 2,7 bilhões
(importante notar: mesmo passivo inicial, de R$ 300 milhões), o efeito no
passivo seria ainda maior, de 48,33%. Se mantivermos o passivo, apenas
aumentando o valor da obrigação e do patrimônio, o efeito é cada vez
maior. O resultado desse exercício, para diferentes cenários, é
apresentado na tabela abaixo – para entendimento da tabela, os termos
técnicos “VPOA” e “VJA” podem ser lidos como “obrigação” e
“patrimônio”, respectivamente.

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Desta forma, gostaria de concluir este texto com duas pequenas regras de
bolso a serem consideradas neste encerramento de exercício:

Primeira regra: quanto menor o passivo existente (calculado em


300 no nosso exemplo) em relação ao valor presente da obrigação (VPOA),
maior será o impacto da queda da taxa de juros.

Segunda regra: não esquecer que a(o) atuária(o) está apenas


fazendo o seu trabalho e informando os reflexos nos passivos da alteração
na estrutura das taxas de juros no Brasil. Portanto: Ne nuntium necare.

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A queda das taxas de
juros e a elevação dos
passivos pós-emprego
(CPC 33)
Por Fabrízio Krapf Costa,
diretor de serviços atuariais da Mirador

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