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Paulo Freire entendia que a principal função da educação é seu caráter libertador. Para
ele, ensinar seria, fundamentalmente, educar para a liberdade, a “educação para o
homem-sujeito” (1981, pág. 36). Compreendia a educação, não como condicionamento
social, mas voltada para a liberdade e a autonomia. “Todas as palavras de uso possível
para expressarmos o propósito da educação: ensino, instrução, criação, disciplina,
aquisição de conhecimento, aprendizagem forçada de maneiras ou moralidade - todas
elas se reduzem a dois processos complementares que podemos descrever com
propriedade como “crescimento individual” e “iniciação social” (Read, 1986, pág. 18).
1.1. Ensino não é repasse de informações, mas criação de patrimônio pessoal. “Vamos
entender como transmissão e apropriação do legado cultural da humanidade os
conhecimentos que foram construídos ao longo do tempo e que foram dando
configuração à compreensão do mundo e a sua transformação. Isso significa a
possibilidade de acesso de todos os seres humanos a todos os tipos de
conhecimento, assim como às diversas metodologias de abordagem dessa
realidade. Oferecer conhecimentos não significa somente transmitir e possibilitar a
assimilação dos resultados da ciência, mas também transmitir e possibilitar a
assimilação dos recursos metodológicos utilizados na produção dos
conhecimentos. Às jovens gerações não interessa apenas apropriar-se dos
resultados dos entendimentos já estabelecidos pela humanidade. Interessa a elas
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Presidente do IEPHA/MG
também apropriar-se da forma de abordagem dessa realidade, para que adquiram
um instrumento cognitivo que permita o aprofundamento dos conhecimentos
existentes e a construção de novos entendimentos da realidade” (Luckesi, 1993,
pág. 84).
1.2. Ensino não é adestramento, mas incentivo à autonomia pessoal. “Vamos retornar
então à questão da aprendizagem. O ratinho do primeiro exemplo, (o autor se
refere a uma experiência com dois ratos treinados a responder a estímulos
diferentes) nós dissemos que ele “aprendeu” (entre aspas) a pressionar a barra
para receber água. Na realidade, seria melhor dizer que ele foi adestrado, ou
treinado, ou condicionado. Isso porque o rato não tem a capacidade de
transformar aquela sua experiência num símbolo, isto é, de extrair dela um
significado. Jamais ele poderá “contar” (“ensinar”) a um companheiro seu a forma
de se obter água quando colocado numa gaiola. Sua experiência não recebe uma
significação, não é transformada em símbolos que a representem” .
(Duarte Jr., 1985, pág. 23).
1.3. Ensinar não é informar, é formar. “Dentro dessa perspectiva, o educando não deve
ser considerado, pura e simplesmente, como massa a ser informada, mas sim
como sujeito, capaz de construir-se a si mesmo, através da atividade,
desenvolvendo seus sentidos, entendimentos, inteligência etc.” (Luckesi, 1993,
pág. 118). Ensino não é adestramento, não é treinamento, nem repasse de
fórmulas. Ensinar é, antes de tudo, mobilizar as forças internas do aluno de forma
a que ele possa exercer o seu inteiro potencial.
1.4. Aprender significa envolver memória pessoal e coletiva. A memória, tanto de nossa
história pessoal quanto da história coletiva, é fonte riquíssima de dados
significativos, mobiliza a mente e a alma.
1.5. Ensino não é reprodução da realidade existente, mas ferramenta para sua
transformação sustentável. “Compreende uma atitude onde não existe ‘distância
entre intenção e gesto’, segundo o verso de Chico Buarque e Ruy Guerra. Em
nossa atual civilização (anti-estética por excelência), consciência crítica significa
uma capacidade de escolha, uma capacidade crítica para não apenas se
submeter à imposição de valores e sentidos, mas para selecioná-los e recriá-los
segundo nossa situação existencial” (Duarte JR., 1985, pág. 73). Essa
transformação da realidade, no entanto, deve-se fazer de forma sustentável,
respeitando a herança das gerações anteriores, a identidade e os valores
coletivos.
A esse respeito, Tolstói dizia que, muitas vezes, a dificuldade que as crianças
apresentavam para aprender uma palavra nova não estava relacionada com a
faculdade mecânica de articular seu som, mas na dificuldade de compreender o
conceito ao qual a palavra se referia. O enfoque fundamental do aprendizado não se
situaria, portanto, em um problema de aptidão, mas na questão básica de atribuição de
significado ao conteúdo da aprendizagem. Esta mesma questão que relaciona processo
de aprendizagem e atribuição de significados (ou seja: só aprendemos aquilo que nos
apresenta algum significado) está na base das investigações pedagógicas
contemporâneas.
Também Coll (1990) entende que nos processos educativos trabalha-se com os
significados que já se possui, modificando-os face aos desafios. Nesse processo não
somente seriam modificados os significados anteriormente possuídos mas seria,
também, interpretado o novo de forma peculiar, de modo que fosse integrado e
aprendido significativamente. O processo não é, portanto, de acúmulo de
conhecimentos, mas de integração, modificação, estabelecimento de relações e
coordenação de esquemas de conhecimentos.
A terceira estratégia que se propõe, a do envolvimento, pode ser fundamentada em
Vygotsky, que demonstra a existência de um sistema dinâmico de significados em que
o afetivo e o intelectual se unem. Assim, segundo Sole (1990, pág. 26): “Quando
falamos de atribuir significado, falamos de um processo que nos mobiliza a nível
cognitivo e que nos conduz a revisar e a aportar nossos esquemas de conhecimento
para dar conta de uma nova tarefa, atuação ou conteúdo de aprendizagem”.
Aprendemos, então, com o que nos motiva e nos comove. Segundo Neumann (1968,
pág. 248): “Toda concepção nova e toda inspiração produtiva contém elementos que,
até esse momento, eram inconscientes e a inclusão dos componentes emocionais
associados aos conteúdos inconscientes leva ao surgimento de uma comoção. (...) Só
a união do sistema da consciência do ego com as camadas profundas, de tonalidade
emocional, do inconsciente possibilita um processo produtivo”.
Piaget define dois tipos de relação social: a relação de coação e a de cooperação que,
como veremos, tem profundas implicações na prática educacional. A relação de coação
pressupõe um baixo nível de socialização e uma transmissão acrítica de
conhecimentos. A relação de cooperação, ao contrário, pressupõe uma interação
amigável onde o equilíbrio móvel entre as partes é o método. A primeira reforça o
egocentrismo, o dever e o modelo; é assimétrica e autoritária. A segunda, ao contrário,
é simétrica, tem como pressupostos a reciprocidade e a construção do bem comum.
Assim, da mesma forma que não se pode entender o desenvolvimento humano sem a
cultura - ao mesmo tempo matéria-prima e produto da ação humana - não se pode
entendê-lo sem as diversas práticas educativas segundo as quais se acessa e se
interpreta, de forma pessoal, a cultura; afinal aprende-se com a família, com a escola,
com os meios de comunicação, todos veículos de divulgação da cultura e formadores
de contexto. A concepção construtivista parte do fato de que a escola torna acessível a
seus alunos aspectos da cultura que são fundamentais para o desenvolvimento pessoal
e, não apenas, para o desenvolvimento cognitivo. A educação é motor para o
desenvolvimento pessoal globalmente entendido, o que supõe incluir, também, as
capacidades de equilíbrio pessoal, de inserção social e de relação interpessoal. Cabe
aqui lembrar o caráter afetivo da aprendizagem, do investimento da pessoalidade
grandemente envolvida com todos os agentes culturais (Solé e Coll,1990). Para
Vygotsky (conforme Oliveira, 1992, pág. 24) “o ser humano constitui-se como tal no
relacionamento social. A cultura torna-se parte da natureza humana num processo
histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o
funcionamento psicológico do homem”.
A cultura, para Piaget (conf. Lataille,1992), seria a base que permite a troca equilibrada
de pensamentos, na medida em que essa troca precisa de um sistema comum de
signos e definições, do estabelecimento de proposições válidas e da reciprocidade de
pensamento entre os interlocutores. Mais Vygotsky (conf. Oliveira, 1992, pág. 27): “Se
por um lado a idéia de mediação remete a processos de representação mental, por
outro lado, refere-se ao fato de que os sistemas simbólicos que se interpõem entre
sujeito e objeto de conhecimento têm origem social. Isto é, é a cultura que fornece aos
indivíduos os sistemas simbólicos de representação da realidade e, por meio delas, o
universo de significações que permite construir uma ordenação, uma interpretação dos
dados do mundo real ... Os conceitos são construções culturais, internalizadas pelos
indivíduos ao longo de seu processo de desenvolvimento”.
c. os conteúdos não são, portanto, selecionados apenas por sua dimensão técnica mas,
também, por sua dimensão sociocultural.
O conceito de patrimônio cultural tem-se modificado ao longo dos últimos anos. Deixa
de privilegiar, apenas, um período histórico ou estilístico, como o barroco, por exemplo,
para se estender aos demais períodos, inclusive o modernismo. Deixa de se preocupar
apenas com o excepcional voltando-se, também, para o exemplar, aqueles objetos que
documentam a história, abrangendo, inclusive, diversas classes sociais. Na visão
contemporânea do patrimônio, a questão dos conjuntos urbanos surge como uma forte
presença norteadora. Não se coloca mais o edifício isolado como o mais importante,
mas privilegiam-se as relações de entorno e as paisagens urbanas coesas que
referenciam o tempo histórico e ambientam as cidades, contribuindo para a identidade
de seu povo.
Não se entende mais o patrimônio cultural como peça de museu apartada do cotidiano
das populações, mas como instrumento de construção viva das realidades pessoais e
de seu entendimento no mundo. A cultura também se une à geração de renda, a um só
tempo inserindo o patrimônio no desenvolvimento econômico-social de um povo e
fortalecendo as pequenas economias locais, democratizando a distribuição de renda e
aumentando postos de trabalho.
Mauri (1990, pág. 75) constata que “a cultura confere significado à atividade humana”
colocando a definição de cultura como sendo a “ordem comum" que integraria a
personalidade singular em um mundo ordenado, através de certas interações
significativas.
Dessa forma, como ponte entre o mundo interior e a realidade, o patrimônio cultural
contextualiza o ensino-aprendizado e facilita a absorção de conteúdos. É mais fácil se
entender "intrinsecamente" a história através da paisagem urbana circundante e das
estórias deixadas pelos mais velhos. É mais fácil entender a geografia se associada ao
entendimento da maneira como nossos antepassados a vieram moldando e nela se
assentando. É mais fácil entender o sentido da educação artística quando associada à
necessidade de uma expressão cultural e pessoal. Os conteúdos passam a ser,
portanto, uma representação pessoal da realidade, atingindo o ponto importante de sua
maior eficiência.
FREIRE, Paulo - “Educação como Prática da Liberdade”, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1981 “Pedagogia do Oprimido”, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974
GADOTTI, Moacir - “Convite à Leitura de Paulo Freire”, São Paulo, Scipione, 1991
MAURI, Teresa - “Qué hace que el Alumno y la Alumna Aprendam los Contenidos
Escolares? La Naturaleza Activa y Constructiva del Conocimiento” in “El
Constructivismo en el Aula”, Barcelona, Biblioteca de Aula,1990
VYGOTSKY, Lev Semenovich - “The Collected Works of L.S. Vygotsky”, New York,
Plenum Press, 1987 “Pensamento e Linguagem” - Lisboa, Antídoto, 1979