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A MAGIA NO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO

EVANDE DOS SANTOS

I. INTRODUÇÃO

A magia é um conjunto de práticas (verbalizações, cantos, gestos, etc.),


com as quais o homem procura influenciar as forças da natureza com relação a
alguma finalidade prática. Ela surgiu quase que simultânea com a história do
homem, e foi de extraordinária importância em todas as culturas primitivas, bem
como em quase todas as grandes civilizações da Antiguidade. Entre os selvagens do
Brasil, por exemplo, o Pajé era um personagem central, respeitado e temido.
Considerado o grande benfeitor da comunidade, pois era tido como taumaturgo e
dos seus rituais dependiam as boas colheitas e outros sucessos da aldeia. Por outro
lado, na antiga civilização chinesa, a Astrologia era uma crença levada em alta
conta, sendo uma praxe entre os noivos procurarem saber o seu horóscopo. Os (as)
adivinhos (as) eram figuras centrais em civilizações requintadas como a
mesopotâmica, a grega, etc.
Também, a magia condicionou o surgimento dos vários elementos
formadores da civilização, no decorrer da história da cultura humana. Segundo os
arqueólogos e pré-historiadores, as pinturas rupestres encontradas em várias
cavernas da Europa, apesar da perfeição sob o ponto de vista artístico, foram
elaboradas voltadas para uma função mágico-religiosa e não puramente estética. Os
dolmens (mesas de pedras), monumentos druídicos, e as construções célticas (os
menires), tinham a mesma finalidade. A dança e o canto, na sua origem, possuíam o
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propósito de comunhar os homens com a natureza, para que alguns favores pedidos
fossem atendidos.
Por outro lado, a Astrologia lançou as bases da Astronomia, e a feitiçaria
forneceu os alicerces da observação e a experimentação, permitindo o
desenvolvimento da ciência moderna.
Portanto, mesmo que a magia não continuasse fascinando as mentes
humanas, que não fosse uma realidade ela ainda condicionar o comportamento de
milhares de pessoas, mesmo assim, só pelo fato dela advir ou dela ser
consequência, de certa forma a arte, a ciência, e para muitos a religião, já teria
assim exercido uma estupenda influência na história da humanidade, deixando
marcas profundas, e por isso merecendo sempre a atenção dos estudiosos.
Mas, a magia não é somente coisa do passado e dos povos selvagens da
atualidade. È um fenômeno presente também no mundo civilizado. È comum em
nossos dias, os horóscopos em revistas (algumas especializadas) e jornais.
Astrólogos conquistaram o respeito de inúmeros indivíduos e, especialmente no
Brasil, os terreiros de religiões afro-brasileiras proliferaram cada vez mais. O homem
da civilização Ocidental não é menos temeroso de possíveis forças naturais ocultas,
do que os seus remotos antepassados da Pré-História, ou dos atuais povos
primitivos. Por isso, as superstições persistem.
Igualmente, no caso específico do Brasil, não devemos imaginar que as
práticas mágicas são privativas dos índios e negros, descendentes de povos
incivilizados, quando da chegada dos europeus em nossa terra. O português, o
elemento étnico considerado civilizador, estava longe de ser tão racional, possuía
suas crendices, que hoje fazem parte do nosso folclore.
Contudo, é insofismável que são nas culturas ditas primitivas que a magia
assume uma importância maior. Por isso, é a Antropologia a ciência que mais vai
procurar desvendá-la. Porém, como nesse campo do saber humano, com o decorrer
do tempo, foram surgindo várias correntes de pensamento, não há um consenso
entre os antropologistas a respeito desse fenômeno, havendo diversas
interpretações, tendo todas elas como fio condutor a escola que o antropólogo
fundou ou abraçou.
Procuraremos, neste modesto trabalho, fazer um resumo das idéias sobre
magia contida no evolucionismo de Frazer, no funcionalismo de Malinowski e em
alguns dos componentes da escola antropológica francesa.
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II. A MAGIA NO PENSAMENTO EVOLUCIONISTA DE JAMES FRAZER

Sir James Frazer, com o seu “O Ramo de Ouro”, tornou-se um dos


paradigmas do pensamento antropológico evolucionista. Como também é
considerado uma das maiores autoridades em matéria de religião.

O evolucionismo antropológico está preocupado, sobretudo com a origem


das instituições. Com ele nasce a Antropologia Social. Assim também, com o estudo
comparativo das diversas sociedades iletradas, ele tem o propósito de emitir leis que
sejam universais.

Na metodologia de Frazer adquire grande destaque a taxonomia. Por


isso, no campo especifico da magia, uma das suas preocupações é classificá-la. Na
sua visão, as práticas mágicas se apóiam em princípios racionais. O magico observa
que os fenômenos da natureza desenrolam-se dentro de certa regularidade, logo,
procura descobrir as suas leis. Estas são as que ele denominou leis da simpatia (o
termo aqui nada tem de afetivo). Significa atração que certas coisas possuem entre
si. Das relações de simpatia derivaria a lei de contiguidade que produziria a magia
de contágio, e a lei da similaridade, da qual originaria a magia imitativa.

A magia de contagio apoia-se na lei de contiguidade, que afirma que


qualquer uma das partes de um objeto ou de uma pessoa equivale a sua totalidade.
No caso das criaturas humanas, mesmo elementos exterior ao seu corpo, algum
utensilio, ou mesmo um lugar por onde estas passaram, ficam fazendo parte do seu
ser. Logo, se alguém quiser influenciar ou prejudicar alguma outra pessoa, é só
adquirir algum desses elementos, que são integrantes da personalidade. De posse
desses (s) objeto(s) ou dessa(s) parte(s) do corpo, e só levá-la ao bruxo ou ele
mesmo realizar o feitiço.

A magia imitativa fundamenta-se na lei da similaridade, que sustenta que


o semelhante evoca o semelhante, age sobre o semelhante e tem o poder de curar o
semelhante. Pelo fato de evocar a coisa, esse relacionamento é de cunho simbólico,
e pela capacidade realizar efeitos é também uma relação física. Assim, só para dar
um exemplo, se alguém pretende afetar outro negativamente, fabrica um boneco
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parecido com o desafeto e alfineta-lhe todo. O efeito físico ou real, segundo a crença
nessa magia, será realizado.

Seguindo a linha de pensamento de procurar as leis universais que regem


o pensamento humano, Frazer proclama que esses dois tipos de magia são
encontrados em todas as partes do mundo. E chegou a conclusão de que foi a
magia que deu origem à religião. Aquela nem sempre é eficaz, por isso, diante de
sucessivos fracassos, o homem passou a acreditar e a procurar a intervenção de
potências personalizadas que existiriam acima do universo. Logo, a diferença entre
magia e religião é que a primeira agiria com as forcas imanentes a natureza e
tenderia para o privado, enquanto que a religião adoraria forças transcendentes
(deuses) e seria um fenômeno coletivo.

Estudando o fenômeno mágico, o antropólogo inglês conclui que este, em


muitos aspectos, chegou bem próximo da ciência. Para o feiticeiro ou o bruxo, a
observação é uma atitude fundamental, e com ela, o curandeiro chega à certeza de
que certas causas ocasionam determinados efeitos, numa situação similar ao que
acontece aos cientistas e às ciências experimentais do mundo moderno. Contudo,
adverte o antropologista britânico que, embora a magia tenha originado a ciência
moderna, as semelhanças entre ambas são apenas aparentes, pois o mágico
detentor de conhecimentos empíricos e alguns falsos tende a confundir estes com
os próprios fenômenos em si que regem a natureza. Por isso, para Frazer, a magia é
uma pseudociência, porque não contém a positividade das ciências modernas por
não se apoiar em princípios exatos.

Devemos entender James Frazer dentro da escola evolucionista, a qual


ele pertenceu e da qual foi um dos maiores expoentes. Subjacente ao seu
pensamento científico-antropológico existe uma filosofia também denominada
evolucionista, que tem a cultura da Europa Ocidental como modelo. Logo, ele não se
despojou dos valores de sua cultura ou de seu etnocentrismo, como é exigido a um
verdadeiro antropólogo.

Uma das suas preocupações básicas é com a origem das instituições


sociais. Entretanto, ao inquirir sobre a gênese das instituições, ele tem como meta
saber como elas chegaram a ter a perfeição que alcançaram na Civilização
Ocidental. Sob esse prisma, os povos ágrafos, analisados por ele, vivem num tempo
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simultâneo e, ao mesmo tempo, muito anterior a ele. Ou seja, são grupos étnicos
contemporâneos dele, mas em estágios culturais que faz situá-los na Pré- História.

Logo, dentro dessa ótica, o sábio da Civilização Ocidental, ao estudá-los,


é também se ver de certa forma neles, no sentido de olhá-los, comparando-os com
os antiquíssimos antepassados dos europeus.

Essa é uma forma inteligente, mas hoje superada de obter respostas dos
fenômenos sociais. Mas foi dessa maneira, com grande brilhantismo, que James
Frazer tentou explicar como a sociedade conseguiu chegar ao progresso material e
espiritual do século XIX.

E, nessa evolução técnica e moral, para Frazer, a magia teve um papel de


relevo. Entre outras coisas, ela prepara a religião e a ciência.

Como já vimos antes, Frazer nos ensina que o insucesso do mágico fará
com o tempo ele acreditar que movendo essas forças do mundo físico estão seres
espirituais. São esses seres ou entes que dão anima aos fenômenos naturais.
Então, ele passou a cultivar diversas divindades, cada uma simbolizando uma força
da natureza ou um elemento natural. E aí nasce o politeísmo, e em alguns lugares o
antropomorfismo (muitos deuses tendo a forma humana). Com a racionalização ou a
intelectualização de muitas religiões politeístas, o homem chega ao monoteísmo,
que é uma forma superior de adorar a Deus, isso na visão frazeriana.

Por outro lado, já foi escrito antes também que Frazer afirma que a magia
nada tem de mística. Os seus processos são puramente racionais. E é nesse
intenso relacionamento do mágico com a natureza, da observação do curandeiro
sobre o corpo humano, que o ser humano vai adquirindo os conhecimentos que
fornecerão a base das ciências atuais.

Contudo, a magia fez muito mais: ela influenciou no fortalecimento das


instituições básicas em qualquer sociedade humana, como a propriedade privada, o
casamento, o governo e o Estado.

Como também, no momento em que a atividade de mágico passou a dar


prestígio, atraiu os indivíduos mais capazes da comunidade. Ao lado da magia
privada, apareceu à magia pública, e o mágico passou a ser uma espécie de
servidor público. Então, muito deles, olhados como benfeitores sociais e detentores
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de poderes sobrenaturais, tornaram-se reis, originando as primeiras monarquias e


abolindo as antigas gerontocracias.

Nesse memento, o absolutismo real ou monárquico representou um


avanço, pois ele passou a impulsionar o progresso.

III. A MAGIA NO FUNCIONALISMO DE MALINOWSKI

A Antropologia Social é a ciência que trata das culturas exóticas,


estranhas ao homem Ocidental, e cujos elos que os ligam são o fato de todas serem
elaborações da espécie humana. Entretanto, como realizar uma autêntica
interpretação dessas civilizações, dar um fiel retrato, num estudo verdadeiramente
científico? Essa é a grande questão que se apresenta para o polonês naturalizado
inglês Bronislaw Malinowski.

Indo de encontro ao evolucionismo, Malinowski vai ser o iniciador de uma


maneira inteiramente nova de investigar a vida dos selvagens, criando uma forma de
pensar a vida primitiva, que ficou conhecida como funcionalismo.

Antes de tudo, diferenciando-se dos evolucionistas, antropólogos de


gabinete, Malinowski vai estudar as sociedades selvagens “in loco”, inaugurando o
chamado trabalho de campo.

Os teóricos do evolucionismo estão presos à história e aos valores da sua


cultura. Contra esse europocentrismo, Malinowski exclui a história e exige de si
mesmo um autodespojamento ideológico.

A história é algo próprio no Mundo Ocidental, consequentemente, ela não


cabe e não afeta as civilizações dos selvagens. Ao menos, estas, no seu estado
natural.

Ao contrário dos evolucionistas, que estavam obcecados com o problema


das origens, Malinowski vai estudar as instituições dos povos naturais com relação a
sua cultura, procurando saber qual a função que determina instituição social exerce
em cada uma delas.

Portanto, a grande pergunta agora não é mais qual a origem e como


evoluiu, mas qual a função que a família, o casamento, a religião exerce numa
determinada sociedade ou cultura.
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Utilizando-se de um método a-histórico e apoiando-se na Biologia,


Malinowski chega à conclusão que existem necessidades que são comuns a todos
os povos da Terra. Assim, para a satisfação das necessidades sexuais, instituiu-se o
casamento; para a satisfação do instinto da fome, criaram-se as diversas formas de
trabalho coletivo; vivendo em sociedade, o homem precisa de um mentor, chefe ou
alguém que gerencie os interesses coletivos, então se criou a instituição do governo.
Enfim, as instituições, foram criadas para atender as necessidades biológicas do
homem, mas ao mesmo tempo de uma forma que os agrupamentos humanos
existam de uma forma harmoniosa. O interesse primordial de toda organização
social é existir em harmonia com a natureza mais os membros que a formam.

Ao funcionalismo associou-se visivelmente um pensamento utilitarista,


dando uma ênfase, em demasia, para muitos, a praticidade e aos fatores
econômicos.

No que concerne a magia, Malinowski afirma também que ela exerce


funções sociais que se ligam ao mundo prático. A sabedoria do primitivo não
consegue explicar e controlar todos os fenômenos da natureza. Portanto, quando a
sua ação está orientada para o ambiente conhecido, ele prescinde da fé mágica.
Porém, diante do incerto, do desconhecido ou do duvidoso, as práticas mágicas são
indispensáveis. Logo, a magia tem como função, sobretudo utilizar as forças naturais
em seu benefício, e muitas vezes lograr forças ocultas que podem ser-lhes hostis.

Segundo Malinowski, entre magia e religião há vários pontos comuns,


principalmente porque elas estão voltadas para a praticidade. Há somente alguns
matizes entre ambas, sobretudo porque a magia volta-se mais para funções
específicas, enquanto a religião é algo mais abrangente.

Então, na visão funcionalista, a religião não é necessariamente a fonte de


espiritualidade e moralidade. Ao contrário, na quase totalidade das vezes, ela se
apropria dos valores éticos da sociedade, valores estes que foram surgindo à
medida que os homens foram se associando, se organizando, para enfrentar o meio
ambiente, encontrando respostas na sua luta contra a natureza hostil. Mesmo
porque em todas as organizações sociais, as instituições estão interligadas.
Portanto, as religiões e as formas de magias são frutos da cultura de cada povo.
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Malinowski sofreu a influencia de Émile Durkheim, o qual notoriamente é


um dos seus referenciais teóricos. O sociólogo francês escreveu em “As Regras do
Método Sociológico”, que ao estudar uma sociedade, o cientista social deve
investigar qual a função que determinado fato desempenha, determinar se há
correlação entre o fato estudado e as necessidades gerais do organismo social.

O sociólogo francês também escreveu que, ao estudar uma sociedade, o


cientista deve despir-se de todos os seus valores, estar acima das paixões, pré-
noções, mantendo uma atitude cerebral, fria, diante dos fatos, numa situação de
absoluta imparcialidade. Comportamento semelhante exige Malinowski de si mesmo,
dando exemplo aos outros antropologistas, quando ao investigar a cultura dos
nativos das ilhas Trobiand. Fugindo de uma visão europocêntrica, o antropólogo
inglês vai despojar-se de tudo que a sua civilização lhe incorporou, a fim de ter e dar
a fiel imagem daquela sociedade.

Para muitos, a teoria funcionalista peca por possuir uma visão demasiada
pragmática das coisas. Reduz a importância dos fenômenos ao utilitarismo.

Para Malinowski, o homem primitivo discerne o mundo natural do


sobrenatural. Mas tanto a magia como a religião estão intimamente associadas a
fatos da vida ordinária. Por outro lado, ele proclama a superioridade da ciência sobre
ambas. Àquela apoia-se em princípios extraídos da experiência, e sendo de cunho
cumulativo, vai exigindo ou motivando outras experiências, formando um corpo e
fomentando o progresso. A magia, ao contrário, contenta-se com o rotineiro, com o
já observado, gerando certo imobilismo. Enquanto a religião enrije-se em dogmas,
ilude-se em verdades eternas, tornando-se propugnadora da estagnação.

Mas o que nós devemos ter em mente, sobretudo, é a revolução


metodológica que Malinowski operou nos estudos antropológicos. Com relação ao
evolucionismo, o funcionalismo deu um enorme salto qualitativo. Com ele, a vida
selvagem ganha independência e autenticidade, pois não mais está associada aos
valores burgueses do homem ocidental.

Mais do que o pensamento evolucionista, o funcionalismo mostrou ao


ocidente que as culturas humanas, quando analisadas a fundo, apresentam um
mesmo grau de complexidade, apesar de estarem em estágios evolutivos
diferenciados. Ele destrói o mito da superioridade da cultura ocidental.
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A magia nas sociedades selvagens atende as funções específicas e


satisfaz as necessidades materiais daquelas comunidades. Ela pode não ser
impulsionadora do progresso, contudo, no pensamento funcionalista faz muito mais
ou realiza o importante, que é garantir a solidificação das instituições.

IV. A MAGIA NO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO FRANCÊS

Émile Durkheim, além de ser ponte de ligação para o funcionalismo, é


considerado o iniciador do pensamento antropológico na França, junto com Marcel
Mauss.

Racionalista ambos, o seu campo de observação com relação à análise


da magia é o do significado da crença, levando o fenômeno, pois, para o abstrato. O
pensamento sócio-antropológico francês procura penetrar com toda profundidade no
universo mágico, tentando descobrir as categorias que a prática mágica utiliza,
procurando captar o seu sentido.

Entretanto, devemos chamar a atenção que Durkheim é um sociólogo,


enquanto que Mauss é antropólogo. Contudo, essas diferenças são apenas
aparentes.

A sociologia tem como campo de ação as sociedades civilizadas,


enquanto que a ciência antropológica interessa-se, sobretudo pelas sociedades
exteriores à civilização ocidental. Mas com a expansão da investigação social,
ambas interpenetram-se deixando nulos os supostos limites de ambas.

Porém, a observação aqui e pertinente, porque na Franca, é uma teoria


nascida da Sociologia que vai nortear o pensamento antropológico francês.
Durkheim acredita que a magia e a religião tiveram uma origem social, pois foram
nas cerimônias e nos ritos que se deram a sua gênese, e não na crença no
sobrenatural. Segundo ele, os povos selvagens, para saírem da rotina e do tédio do
cotidiano, promoviam festas, cerimônias periodicamente, nas quais as suas
emoções exacerbavam-se até chegar a um estado de êxtase. Então, esse
sentimento que se apoderava de todos, que era como um mistério, os primitivos
julgaram provir da mana. A mana passou a ligar-se a indivíduos, lugares, objetos,
palavras, atos ou animais (o totem), que passaram a ser consideradas sagradas.
Logo, ao passar a distinguir o sagrado do profano, acredita Durkheim, nasceu entre
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os primitivos o pensamento mágico e religioso. A magia, para ele, dispensa igreja e


liga somente indivíduos. Enquanto que a religião exige uma socialização maior,
unindo as pessoas numa comunidade religiosa. Para ele, a religião, que nasceu
quando os homens primitivos passaram eventualmente a personalizar o poder
misterioso (a mana), gerado pelos ritos, é coletiva pela sua própria essência, pois é
quase impossível pensar numa religião, sem uma igreja ou alguma forma de
organização.

E sob essa mesma ótica sociológica que Mauss, discípulo e continuador


de Durkheim, vai estudar o pensamento e a prática mágica. Esse antropologista
francês é o que se costuma chamar um antropólogo de gabinete. Ele vai aprofundar-
se nos escritos antropológicos sobre a problemática mágica e religiosa, emitindo o
seu juízo próprio sobre o assunto.

Divergindo de Frazer, que fiel a teoria evolucionista, proclamava que o


simples dava origem ao mais complexo, logo, a magia (por ser menos complexa)
deu origem a religião, Mauss vai afirma que ambas derivam de algo comum que é a
sociedade, mas tem existências próprias e o mesmo grau de complexidade. E como
prova, há o fato de todas as religiões conterem elementos mágicos, e toda magia
(seja ela magia branca ou magia negra) invocava ou apelava para seres
sobrenaturais.

Derivada da sociedade, o mágico é um produto do meio social. Longe de


ser um embusteiro, as suas crenças representam crenças coletivas. A comunidade
crê no mágico porque a fé esta incorporada no todo social, do qual o mágico faz
parte. Se a prática mágica algumas vezes é ineficaz, reelaboram-se os ritos,
substitui-se o mágico, mas a crença permanece, pois a magia não é invenção do
mágico e sim das coletividades.

Para esse etnólogo francês, a vida social desenrola-se através de


relações simbólicas. As coisas na sociedade estão representadas através de
símbolos, e estes logicamente para adquirirem vida exigem uma aceitação coletiva.

Os símbolos representam ou traduzem a realidade natural e social das


culturas. Mauss afirma que o selvagem pensa e tem os seus mitos, e é em sua
mitologia que se pode traduzir como é o seu imaginário como seres sociais. Logo, a
magia deve ser estudada como uma entidade simbólica, o que equivale também a
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dizer, como um elemento que não deve ser analisada, não ela em si mesma, mas
em consonância com os outros aspectos sócio-culturais.

Segundo Mauss, o pensamento primitivo, na sua essência, em nada


difere da do homem civilizado. Na sabedoria dos povos selvagens, as coisas
relacionam-se entre si, constituindo um todo coerente. Como na cultura ocidental, os
povos ágrafos possuem um conhecimento voltado para a prática e o especulativo,
para a ação e a reflexão. Em suma, a sua cultura espiritual encerra uma moral, uma
filosofia, assim como a sua cultura material é o resultado dos seus conhecimentos
da natureza utilizados para auxiliar na sua sobrevivência. É nesse contexto que
podemos incluir a magia. Através dela, os povos iletrados formam uma ciência e
uma filosofia natural.

A magia só se diferencia da ciência no aspecto fortemente afetivo que


possui a primeira. O conhecimento mágico deriva somente dos sentimentos
humanos, sem serem ratificados pela razão. Tornando-se coletivo, o conhecimento
solidifica-se e sacraliza-se, tornando-se uma tradição, não deixando lugar para
dúvidas. Originária de uma grande emoção, os conhecimentos mágicos que a
sociedade ratifica tornam-se as crenças que, incorporadas nos membros sociais,
transformaram-se em algo inquestionável.

Assim pensa Mauss. Em alguns povos, a ciência só conquistou o seu


espaço quando essa poderosa emoção mística foi-se tornando débil, após
sucessivos períodos de anos.

Seguindo essa linha antro-sociológica, Claude Lévy-Strauss vai


aprofundar-se na análise da mentalidade do homem primitivo. Através de um estudo
comparativo de vários povos, esse etnólogo comprova a tendência natural dos
selvagens para o pensamento abstrato. Desmistificando também a idéia (cara aos
funcionalistas) de que o homem primitivo preocupa-se somente com o que pode ser-
lhe útil na luta pela sobreexistência. São admiráveis os conhecimentos botânicos e
zoológicos que vários povos selvagens possuem. Logo, na maioria das vezes,
segundo ele, certos animais são importantes para eles porque é bom para pensar e
não para comer. São considerados úteis porque antes foram conhecidos.

A respeito do conhecimento mágico, Lévy-Strauss pensa que este é uma


forma de conhecimento antecipador da ciência, porém não é um tipo de
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conhecimento elementar ou primário com relação ao pensamento científico. Ambos


formam sistemas de pensar o mundo, onde há pontos de conexões entre si, mas
são independentes e com metas próprias.

Para tentar explicar o modo de operar do pensamento mágico, esse


etnólogo francês lança mão da idéia de Bricolage. O trabalho do bricoleur ou de
bricolage consiste em construir objetos usando resíduos de outros utensílios. Bem
assim, age o pensamento mágico, ou seja, ele trabalha em cima de elementos já
forjados por uma determinada cultura. Enquanto o cientista atua usando materiais
próprios, para obter o resultado exato de algum problema levantado, o mágico
contenta-se em utilizar o que já foi usado em outras operações.

Lévy-Strauss nos diz também que o pensamento mágico situa-se numa


zona intermediária entre a percepção e o conceito, porque ele não avança, não
rompe com a aparência dos fenômenos, e o seu grau de abstração é mínimo. Ele
não se eleva muito acima do concreto, como faz a ciência que, através da abstração
ou de um alto grau de racionalização, destrói as aparências conseguindo chegar à
essência das coisas.

Essa posição intermediaria entre a percepção e o conceito, ele chama de


signos. O signo é um elemento que nas mentes humanas substituem aquilo que se
quer representar.

Os signos seja o índice (signo em que o seu suporte material ou o


significante indica o objeto indicado de uma forma direta) seja o ícone (que é quando
o objeto significado é evocado pelo seu suporte ou significante de uma forma
imediata) ou o símbolo (signo em que o significante ou suporte material indica um
objeto com o qual ele não está tendo nenhum relacionamento direto) são os
materiais de trabalho do mágico.

Então, a diferença entre o pensamento mágico e o científico é que o


primeiro opera através de signos e o segundo por meio de conceitos. Signos e
conceitos são semelhantes porque podem colocar-se nos lugares da coisa que se
quer representar, dando a idéia desta. O que há de distinto em ambos é que os
conceitos científicos têm uma propensão para o universal, enquanto os signos
prendem-se aos sentidos e têm um poder de referência limitado. O cientista trabalha
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diretamente com a natureza e as questões que pode elaborar não têm limites,
enquanto o ponto de interrogação do mágico é sua cultura.

Contudo, essas diferenças não são tão radicais. Isto porque o cientista
pertence também a uma cultura, e é impregnado de valores desta que ele estuda os
fenômenos naturais. Por outro lado, quando a imagem transforma-se em signo,
adquire um caráter abstrato, permitindo ao mágico fazer as suas analogias e
aproximações, dando ao pensamento mágico algo que o torna semelhante ao
pensamento científico.

Enfim, o pensamento mágico está atrelado ao rotineiro, ao tradicional,


logo, não cria o novo. Mas, ele realiza na cultura algo imprescindível, que é ordenar,
dando as coisas um sentido.

Contudo, o mais importante para Lévy-Strauss é a sociedade ou a crença


coletiva na magia. Sendo fiel ao pensamento etnológico francês, ela vai dizer que é
a coletividade que dá consistência ao fenômeno mágico. Ela é eficaz, funciona
porque as pessoas crêem. A sua força criadora e a sua sobrevivência dependem das
suas simbologias. Foi o que Mauss denominou de eficiência dos ritos, e Lévy-
Strauss, dando um desenvolvimento a esse tema, chamou de eficiência simbólica.

É nessa interação entre o curandeiro e o crente, que a magia desce do


sobrenatural para o concreto, as curas são realizadas e muitos milagres são feitos.

V. CONCLUSÃO

Uma das coisas que a Antropologia nos ensina é que a magia é uma
forma de conhecimento com sua lógica própria. Os erros e os acertos operados por
esta são encarados pela comunidade da mesma forma que no mundo civilizado se
analisam as falhas e os sucessos da ciência. Quando o cientista em nossa
civilização e o mágico das culturas primitivas fracassa, os desastres são atribuídos
às causas operacionais, sendo que a fé nos princípios mágicos e a credibilidade da
ciência não são comprometidas.

Dentro de uma visão analógica então, podemos concluir que,


sociologicamente falando, magia e ciência é uma questão de crença.
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O mágico é um sábio dentro do mundo dos primitivos. Ele se guia muitas


vezes por princípios abstratos, tentando alcançar a essência dos fenômenos. Assim,
ele é despertado para uma vida especulativa, um pouco à semelhança dos filósofos
na cultura do Ocidente. Contudo, o essencial para a persistência da magia é a
crença da coletividade.

No mundo Ocidental, o cientista foi sobrepondo-se ao mágico, sobretudo,


quando os seus conhecimentos tornaram-se a base da tecnologia, fator de
progresso. Os cientistas Ocidentais orientam-se por princípios filosóficos,
matemáticos, mas aos olhos do vulgo, todo o seu encantamento está nas
realizações técnicas que dela resultam.

A sociedade, em qualquer tempo ou espaço, está interessada nas coisas


úteis à sua sobrevivência. Logo, a ciência Ocidental è valorizada pelo o que a
medicina pode realizar, pelo o que a engenharia pode fazer para o bem-estar geral,
e assim por diante.

As comunidades primitivas também, através dos ritos ou cerimônias (que


é onde está à eficácia da magia, segundo Mauss e Lévy-Strauss), almejam a
segurança e o sucesso. Assim, em ambos os mundos, o especulativo pelo
especulativo é um prazer do cientista e do mágico. À multidão interessa os
resultados práticos que ambas podem oferecer.

E é também por esse prisma que se pode compreender o prestígio da


magia no mundo civilizado, aonde a tecnologia chegou a um desenvolvimento
jamais visto. A medicina não é infalível e, por outro lado, a quase totalidade das
pessoas guarda nos seus íntimos sentimentos religiosos, mesmo quando não
professam um credo religioso específico. Logo, o corriqueiro é atribuir a maioria dos
males a fatos de cunho sobrenatural. Nesse contexto, o papel do curandeiro
sobressalta-se. É ele que, com um misto de sabedoria e artimanhas, realiza a
psicanálise das massas.

Outro fator a ressaltar é o caminho que a magia trilhou no Ocidente. Ao


contrário do pensamento antropológico evolucionista, que afirma ser ela fenômeno
típico das comunidades primitivas, a magia no mundo Ocidental foi requintando-se,
tornando-se não só crença, mas querendo ser também arte e ciência. Em função
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dela, surge o Ocultismo, ciência que tenta desvendar os mistérios do além e do


ainda incógnito.

Enfim, a magia é um fenômeno universal. São elementos seus que dão


força a muitas religiões. Como também dela emana uma fé que a faz rivalizar-se
com a própria ciência e influenciar o comportamento de milhares de criaturas.

VI. BIBLIOGRAFIA

FRAZER, James: O Ramo de Ouro (edição condensada). Círculo do Livro. São


Paulo.

LÉVY-STRAUSS, Claude: Antropologia Estrutural. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro,


1967.

MALINOWSKI, Bronislaw: Os Argonautas do Pacífico Ocidental. Coleção Os


Pensadores. Abril Cultural. São Paulo, 1978.

MAUSS, Marcel: Sociologia e Antropologia. Vol. 1. EPU/EDUSP. São Paulo.

MONTERO, Paula: Magia e Pensamento Mágico, Editora Ática, 1986.

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