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Como jóia fulgurante, a cidade jazia sobre o seio de deserto.

No passado, havia co
nhecido mudanças e inovações, mas agora tudo estava imóvel no tempo. Noites e dias passa
vam sobre a face do deserto, mas nas ruas de Diaspar era sempre crepúsculo, e a es
curidão jamais chegava. As longas noites de inverno cobriam o deserto de geada, ao
se congelar a última umidade caída no ar rarefeito da Terra mas a cidade não sofria c
alor ou frio. Não tinha contato com o mundo exterior. Era, em si mesma, um univers
o.
O Homem já havia construído cidades, mas nunca uma cidade como aquela. Algumas havia
m durado séculos; outras milênios antes que o tempo apagasse até mesmo seus nomes. Só Di
aspar havia desafiado a Eternidade, defendendo-se a si mesma, e a tudo quanto el
a reunia, do desgaste moroso das eras, dos estragos da decadência e da corrupção da fe
rrugem.
Desde sua construção, os oceanos da Terra já haviam desaparecido e o deserto tinha pas
sado a abranger todo o globo. As últimas montanhas tinham sido reduzidas a pó pelos
ventos e pela chuva c o mundo achava-se demasiado cansado para produzir outras,
novas. A cidade, porém, não se preocupava: mesmo que a Terra se consumisse, Diaspar
ainda seria capaz de proteger os filhos daqueles que a haviam edificado, salvand
o, a eles e a seus tesouros, do fluxo do tempo.
Haviam-se esquecido de muitas coisas, mas não o percebiam. Estavam tão ajustados ao
meio ambiente em que viviam como este a eles pois tinham sido projetados em conj
unto. O que existia além dos muros da cidade não lhes interessava, era algo que tinh
a sido como que varrido de suas mentes. Diaspar encerrava tudo quanto existia, t
udo de que necessitavam, tudo que seriam capazes de imaginar. Não lhes importava s
aber que um dia o Homem havia sido senhor das estrelas.
Contudo, às vezes os antigos mitos se levantavam para os perseguir, e eles se sent
iam desagradavelmente perturbados à lem-
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CAPÍTULO XIII
O Mestre viera à Terra em meio ao caos dos Séculos de Transição, época em que o Império Gal
co desmoronava, mas as linhas de comunicação entre as estrelas ainda não haviam sido c
ompletamente destruídas. Era de origem humana, ainda que nascido num dos planetas
que giravam em torno dos Sete Sóis. Na juventude, fora obrigado a abandonar seu mu
ndo nativo, do qual trazia ainda enorme saudade. Atribuía a expulsão a inimigos ving
ativos, mas a realidade é que sofria de um mal que, dentre todas as raças inteligent
es do Universo, aparentemente só acometia o Homo Sapiens: a mania religiosa.
Durante toda a primeira parte de sua história, a raça humana produzira uma infinidad
e de profetas, videntes, messias e evangelistas, que convenciam a si próprios e a
seus seguidores de que só a eles tinham sido revelados os segredos do Universo. Al
guns conseguiram fundar religiões que sobreviveram por muitas gerações e influenciaram
bilhões de pessoas; outros eram esquecidos já antes de morrerem.
A evolução da ciência, que com monótona regularidade refutava as cosmologias dos profeta
s e produzia milagres que eles não conseguiam igualar, acabou por destruir todos e
sses credos. Não destruiu, no entanto, o assombro, a reverência e a humildade que to
dos os seres inteligentes sentiam ao contemplar o universo maravilhoso em que se
encontravam. O que perdeu a força, acabando por sumir, foram as incontáveis religiões
, em que cada um de seus membros afirmava, com inacreditável arrogância, ser o repos
itório exclusivo da verdade, enquanto milhões de rivais ou precursores estavam errad
os.
Não obstante, e apesar de nunca terem possuído qualquer poder real, assim que a huma
nidade atingiu um nível elementarís-simo de civilização, não cessaram de aparecer cultos i
solados, e
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