Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
1
Trabalho apresentado à DTI 2 - Comunicação, Política e Economia Política do XV Congresso IBERCOM,
Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017.
2
Professor Doutor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo ,USP, campus São Carlos.
Email:rsard@sc.usp.br
3A apresentação desse trabalho contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
614
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
Tal visada permite-nos enxergar as disputas entre as várias correntes teóricas e epistemológicas
do campo como poderosos instrumentos da luta entre os agentes em posição favorecida e que
presam pela conservação de sua estrutura e posição e aqueles que, não sendo possuidores de
capital simbólico e epistemológico capazes de lhe conferirem centralidade hegemônica,
clamam por sua renovação.
Nesse sentido, continua o nosso autor, o pensamento crítico latino-americano estaria melhor
situado para oferecer alternativas inovadoras. Vejamos, portanto, como uma certa vertente do
pensamento comunicacional crítico latino-americano seria capaz de propiciar uma renovação
do campo.
615
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
para a persistência das relações capitalistas imperiais, mas também para o “eixo da colonização
epistêmica o mais difícil de criticar abertamente” (MENESES, 2008,p.5).
Assim, se como aponta Boaventura de Sousa Santos, uma importante ruptura possibilitada pela
emergência de uma Epistemologia do Sul seria a destituição do monopólio da ciência moderna
na compreensão exclusiva do conhecimento, abrindo espaço para a diversidade de saberes,
atores e experiências, é preciso não somente estar atento para as formas e mecanismos de
manutenção da hegemonia, como armar-se de instrumentos epistemológicos capazes de fazer
frente ao pensamento imperial.
616
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
Se, como aponta Jameson, a política da alteridade então acionada ligava-se à crise daquela
“categoria mais uniforme que até então pareceria subsumir todas as variedades de resistência
social, qual seja, a concepção clássica de classe social” (idem, p.86); também é verdade que,
fortemente influenciados pela leitura da luta entre Colonizador e Colonizado e a possibilidade
de reversão da consciência servil do Colonizado de Frantz Fanon (Les damnés de la Terra,
1916), não somente a hegemonia americana se viu contestada por meio da introdução de outras
matrizes teóricas, como o estruturalismo francês, como propiciou o florescimento “de uma
ciência social crítica (los estúdios de comunicación incluidos) com raíces y características muy
latino-americanas” (RUIZ, 2015,p10).
Ainda que a esse primeiro período (na periodização proposta por Aricó e Lowy) tenha se
seguido uma fase marcada pelo esquematismo stalinista (1930-1959), o que implicou certo
617
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
esforço uniformizador, também é verdade, como mostra Agustín Cueva (1987), que justamente
nesse período ganha corpo um movimento intelectual inspirado no marxismo – com nomes
como Pablo Neruda, Cesar Vallejo, NIcolás Gillén, Jorge Amado, Diego Rivera e Oscar
Niemayer – fortemente ligado às questões locais, conferindo ao marxismo “cidadania latino-
americana”
Ahora bien, conviene destacar que a través de esta pléyade de creadores el marxismo se funde
indisolublemente con lo nacional y lo popular en la medida en que: a) se recuperan las raíces
populares subyacentes en grupos étnicos oprimidos: indios, negros, mulatos, mestizos, etc.; b)
se reinterpreta nuestra historia y nuestras tradiciones; c) se crea, a partir de lo anterior, un nuevo
repertorio simbólico y hasta un nuevo lenguaje; y ello d) sin caer en el folklorismo y ubicando
esas imágenes y representaciones en la perspectiva de la construcción de una cultura nacional
hasta entonces inexistente, o por lo menos atrofiada por el carácter estamental de la sociedad
oligárquica y por la dominación imperial; y e) destacando las múltiples tensiones y
contradicciones, incluidas las de clase, que surcan la vida de nuestras naciones (CUEVA, p.183).
Ainda que tal visada tenha ganho densidade tanto no desenvolvimento de uma sofisticada
vertente do materialismo cultural, exemplificada, por exemplo, pelas ideias, já a partir dos anos
1940, de Antônio Cândido, quanto numa original “reflexão sistemática dos latino-americanos
sobre sua própria trajetória político-econômica e sobre a sua especificidade com relação ao
resto do mundo capitalista” (FIORI, 2001, p.42), representada, por exemplo, pelas ideias
germinais de Raul Prebisch e Celso Furtado; será, sem dúvida, na década de 1960, embalados
pela brisa que soprava da Sierra Maestra e intercruzando a matriz estruturalista com o
pensamento marxista, que a constituição de um original pensamento de esquerda representado
por figuras como Rui Mauro Marini, Teotônio dos Santos, Gunter Frank, Caio Prado Júnior,
Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto, Paulo Freire e, mais próximo das reflexões do
campo comunicacional, Nelson Werneck Sodré, pode se afirmar; não à revelia dos grandes
marcos teóricos do pensamento econômico e social europeu e norte-americano, mas com a
consciência de que, sendo referências obrigatórias, passavam a operar em um espaço diverso,
com travejamento sociológico diferente, mas não alheio, como tão bem notou Roberto Schwarz
(1999, p.95).
Se essa foi uma espécie de “época de ouro” para as epistemologias periféricas, onde se gestou
até mesmo “ la pretensión de que se podrían generar o inventar uma teoria, metodología,
epistemologia incluso, totalmente ´autóctonas’“(RUIZ, 2015, p.11), sua principal virtude foi o
618
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
A contraofensiva hegemônica
Em primeiro lugar, pelos limites interpretativos de uma teoria que, moldada em grande medida
sob o industrialismo e a fase monopolista do capital não conseguia apreender conceitualmente
a transformação dialética da própria realidade que se anunciava. A virada “cultural” ou
semiológica, como mais tarde será denominada, será interpretada por Jameson, menos
[...] pela descoberta de uma nova verdade científica (o Simbólico) e antes como o sintoma de
uma experiência essencialmente protopolítica e social, o choque de algum objeto novo, difícil,
não-conceituado e resistente, que o arsenal de conceitos disponíveis não pode absorver e que
gera assim, gradualmente, toda uma nova problemática “ (JAMESON, p.100).
Assim, o “encerramento dos anos 60”, que para Jameson se dá no período entre 1972-1974,
pode ser explicado tanto pelas implicações da chamada Terceira Revolução Tecnológica,
quanto por uma série de acontecimentos políticos, como a retirada das tropas norte americanas
do Vietnã (1973), o choque do petróleo, uma das consequências da guerra do Yom Kippur, a
elaboração de uma nova estratégia global para a afirmação dos interesses do Primeiro Mundo
(idem, p.120-121) e que, em última instância podem ser explicados pela transição de um
619
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
estágio sistêmico a outro, onde a vocação globalizante do capital poderá, finalmente, realizar-
se.
En el plano intelectual hubo dos configuraciones discursivas que influyeron—en mayor o menor
medida—sobre las ciencias sociales y las humanidades latinoamericanas. Se trata del
mencionado predominio ideológico y del peso político del pensamiento neoliberal (en especial
la economía neoclásica), y de las influencias, en algunos momentos difuminadas, en otros
bastante evidentes, del pensamiento posmoderno (Sánchez Ruiz 2009). Si bien no
necesariamente se originan de la misma matriz discursiva o epistemológica, estas dos
constelaciones de sentido encontraron en muchos momentos una gran intersección, de tal
manera que se llegaron a combinar para constituir una especie de “clima de opinión” global, o
episteme, conducente al conformismo y acriticismo globales—lo que podría resumirse con la
expresión de “el fin de la historia” (Fukuyama 1992)
620
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
Inflexões à esquerda
O fato é que, a partir da primeira década dos anos 2000, o aumento dos preços das principais
commodities da região – petróleo, gás, minerais e alimentos – e o incremento das exportações
propiciados pela ascensão da economia chinesa permitiram a recuperação da capacidade fiscal
e maiores investimentos públicos em infraestrutura e políticas sociais massivas (idem, p.18),
dando origem a “via alternativa” de desenvolvimento socioeconômico posta em curso por
alguns governos da região que ficou conhecida, a partir da formulação original de Bresser-
Pereira (2003,2006), como neo (ou novo) desenvolvimentismo.
621
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
Ainda que não houvesse consenso sobre as estratégias políticas e econômicas adotadas ou a
melhor forma de caracterizá-las, é possível estabelecer, nas palavras de Plínio Sampaio Jr, um
denominador comum entre os economistas que defendem essa tese:
[..] procuram uma terceira via que evite o que consideram o grave problema do neoliberalismo
- a cumplicidade com o rentismo – e o que atribuem como as inevitáveis perversidades do velho
desenvolvimentismo – o nacionalismo anacrônico, a complacência com a inflação e o populismo
fiscal (SAMPAIO JR, 2012, p.11).
No plano das políticas públicas, os aspectos que definem o Estado novo desenvolvimentista são
o papel estratégico do Estado, a prioridade dada ao desenvolvimento econômico, uma taxa de
câmbio competitiva, a responsabilidade fiscal e o aumento da carga tributária para financiar os
gastos sociais. No plano político, o Estado novo-desenvolvimentista supõe a formação de um
pacto político ou coalizão de classes associando empresários, a burocracia pública e a classe
trabalhadora, coalizão esta que tem como adversários os capitalistas rentistas, inclusive os
proprietários de empresas e concessões públicas monopolistas, os exportadores de commodities
e os interesses estrangeiros. O aumento dos gastos sociais é crucial para este Estado, porque, no
quadro da democracia, os eleitores exigem do Estado o aumento de gastos em educação, saúde,
assistência social e seguridade social (PEREIRA;THEUER, 2012, p.814)
Não é nosso objetivo aqui a discussão dos avanços e limites dessa teoria ou mesmo das práticas
políticas e econômicas – bastante diversas – adotadas na região. Cabe apenas ressaltar o quanto
se por um lado as crises implicaram uma nova coalizão de classes e reconfiguração dos
segmentos dominantes e propiciaram uma “inflexão à esquerda” de alguns governos da
América Latina, por outro lado a timidez e a incapacidade de se criar modelos alternativos e
sustentáveis de desenvolvimento capazes de modificar a forma de ingresso das economias
locais na divisão internacional do trabalho e propiciarem, em nível local, uma expansão do
mercado de trabalho capaz de reduzir as tensões sociais, comprometeram a durabilidade e
alcance dessa empreitada.
622
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
Ainda que não se possa negar seus vínculos de origem em relação às vertentes norte-americana
e europeia3, a economia política da comunicação (EPC) latino-americana – cujos primeiros
passos podem ser atribuídos aos trabalhos de Heriberto Muraro e Héctor Schmucler
(Argentina), Diego Portales (Chile), Cesar Bolaño (Brasil), Patricia Arriaga, Henrique Sachez
e Esteinou Madrid (México) entre outros (LOPES, 2014, p.607) - é parte indissociável do
pensamento crítico desenvolvido na região e acima referido.
Se, por um lado, a inaudita centralidade econômica e política das comunicações e das
tecnologias de informação e de comunicação evidenciou a importância das abordagens
metodológicas da EPC, também cabe a uma epistemologia contra hegemônica, para voltarmos
a Boaventura de Sousa Santos, a destituição das matrizes dominantes, o desenvolvimento de
instrumentos teóricos capazes de apreender os novos cenários comunicacionais e econômicos
em sua historicidade. Segundo Miguel de Moragás, “la renovación de los paradigmas de la
comunicación es uma cuestión teórica clave para interpretar adecuadamente los cambios
derivados de la irrupción de internet y de la convergencia multimedia” (2005,p.19); tarefa,
segundo o autor, da confluência entre os estudos culturais e a EPC (MORAGÀS, 2014) e do
pensamento comunicacional latino-americano: “Una de las principales características de la
investigación de la comunicación latina es, precisamente, la comprensión de los estudios de
comunicación desde esta perspectiva transdisciplinar” (2013).
4
Como afirma Francisco Sierra: Tal legado intelectual habria sin embargo de perdurar um corto periodo de
tiempo, y salvo contadas excepciones no lograría permear las mallas curriculares y las culturas acadêmicas de
formación e invetigación universitarias” (CABALLERO,2009, p.160)
623
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
É certo que tal empreitada não é fácil e que sempre se corre o risco de dispersão e abordagens
ecléticas ou fechamento excessivo, como nos adverte Alain Herscovici:
Assim, intrinsecamente, a análise em termos de Economia Política da Cultura,da Informação e
da Comunicação é interdisciplinar. Não obstante, quais são as modalidades concretas desta
interdisciplinaridade? Como é possível utilizar instrumentos metodológicos e resultados que
proveem da outras Ciências Sociais e incorporá-los numa determinada problemática sem cair
no ecletismo metodológico? Por um lado, para evitar o formalismo dos economistas do
mainstream, a análise implementada tem que ser interdisciplinar no sentido de utilizar
instrumentos que proveem das Ciências afins, principalmente a Sociologia, a História e as
Ciências da Comunicação. Por outro lado, para não cair no ecletismo epistemológico, é preciso
incorporar, numa matriz específica, as problemáticas julgadas relevantes, cada disciplina
realizando “suas próprias sínteses, pelo fato de incorporar as contribuições das outras disciplinas
numa abordagem específica”. Isto ressalta, ao mesmo tempo, a necessidade e os limites da
interdisciplinaridade (HERSCOVICI, 2003, p.9).
Também é certo que a EPC latino-americana é um campo bastante novo e em formação, cujos
objetos, instrumentos metodológicos e abordagens epistemológicas exigem constante
questionamento. Sua inscrição na tradição teórica do pensamento crítico latino-americano
indica, entretanto, uma frutífera contribuição para a construção de abordagens alternativas e
mais atentas ao tecido histórico e social que se conforma.
Referências
BOLAÑO, Cesar – Campo Aberto: para a crítica da epistemologia da comunicação. Aracaju: EDISE,
2015
BORÓN, Atilio - “Las ciencias sociales en la era neoliberal: entre la academia y el pensamiento
crítico”. Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/alas/alas05.pdf.
Acesso em 15/10/2017
624
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. In:
BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos.
São Paulo: Zouk, 2004
CUEVA, Agustín. El marxismo latinoamericano: historia y problemas actuales (1987). Entre la ira y
la esperanza y otros ensayos de crítica latinoamericana. Bogotá: Siglo del Hombre -
CLACSO,2008.Disponível em
http://bibliote.......ca.clacso.edu.ar/clacso/se/20100830115401/08marxismo.pdf Acesso em
15/10/2017.
FIORI, José Luís. Sistema mundial: império e pauperização para retomar o pensamento crítico latino-
americano. In: FIORI, José Luís; MEDEIROS, Carlos. Polarização Mundial e Crescimento.
Petrópolis: Vozes, 2001
JAMESON, F. Periodizando os anos 60. HOLLANDA, H.B (org). Pós-Modernismo e Política. Rio
de Janeiro: Rocco, 1992
MENESES, Maria P. – Epistemologias do Sul. Revista Crítica de Ciências Sociais, n.80, Coimbra,
2008.
MORAGÁS, Miguel. Cambios en la comunicación, cambios en los estudios de comunicación. Signo
y Pensamiento, 47 vol. XXIV, julio-diciembre 2005. Disponível em
http://revistas.javeriana.edu.co/index.php/signoypensamiento/article/viewFile/3674/2947. Acessado
em 25/07/2014
625
ASSIBERCOM
Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação
XV Congresso IBERCOM, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 16 a 18 de novembro de 2017
SCHWARZ, Roberto. " 1999. Seqüências brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
SODRÉ, Muniz. Comunicação: um campo em apuros teóricos. MATRIZes, ano 5, nº 2, jan./jul., São
Paulo, 2012
626