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Unidade IV
7 A CATEQUESE E O INÍCIO DA COLONIZAÇÃO: OS JESUÍTAS, A EDUCAÇÃO
DA ELITE E A REFORMA POMBALINA
Segundo vários estudiosos, a História da Educação no Brasil pode ser dividida em duas fases: antes
e depois da expulsão dos jesuítas. Portanto examinaremos primeiramente a Educação brasileira a partir
da ação dos jesuítas.
Os jesuítas faziam parte da Companhia de Jesus, ordem criada por Inácio de Loyola em 1534 no
contexto da Contrarreforma católica. Essa foi uma das medidas tomada pela Igreja católica para conter
a Reforma Protestante, como já explicado na unidade anterior.
Os jesuítas chegaram ao Brasil com o governador geral Tomé de Souza, em 1549. Entre eles, estava
o padre Manuel da Nóbrega, jesuíta que teve importante papel na educação e catequese dos índios.
Como “soldados da fé católica”, os jesuítas tinham o objetivo de disseminar o catolicismo e a educação
se revelava como a principal via de acesso para alcançarem esta meta. Apenas quinze dias depois de sua
chegada à recém‑fundada cidade de Salvador, os jesuítas já conseguiram fazer funcionar uma escola
elementar de “ler e escrever”.
Ao padre Manuel da Nóbrega juntaram‑se outros dois expoentes: Aspilcueta Navarro (o primeiro
jesuíta a falar a língua dos índios) e José de Anchieta (o patrono do Brasil). Segundo o historiador
Fernando de Azevedo, este trio representou a melhor, mais bela e heroica fase da história dos jesuítas no
Brasil, fase esta que foi de 1549 até 1570, data da morte de padre Nóbrega.
Neste período, os jesuítas aprenderam a língua tupi‑guarani, elaboraram material didático para a
catequese e Anchieta organizou uma gramática do tupi. Num primeiro momento, eles ensinavam os
filhos dos índios chamados curumins junto com os filhos dos colonos. Neste processo, Anchieta usava
vários recursos como a música, a poesia e o teatro. Substituiu as cantigas sensuais cantadas pelos índios
pelos hinos de louvor à Virgem. Não demorou que houvesse um choque cultural entre os valores dos
indígenas e dos colonizadores.
As missões ou reduções eram povoamentos ou aldeias criadas pelos jesuítas. Possuíam uma organização
bem definida que podia reunir várias etnias. Foram construídas casas para cada família, pois os jesuítas
se surpreenderam com o fato de duzentas famílias morarem numa mesma oca. A catequese nas missões,
reduções, povoamentos ou aldeias era mais eficiente. Os jesuítas ensinavam regras de higiene e saúde,
técnicas e práticas agrícolas. Algumas missões foram muito prósperas. Nelas, se praticava agricultura,
criação de gado e artesanato e os jesuítas tinham uma ação ampla de conversão religiosa, educação e
trabalho.
A ação dos jesuítas, por meio da catequese e da conversão, procurava anular as tradições indígenas,
pois elas eram reconhecidas como atrasadas, selvagens e indignas. O saber, a religião, a música dos
indígenas e dos negros eram desprezadas e consideradas inferiores. A catequese e a conversão procuravam
homogeneizar estas culturas a partir do padrão cultural europeu.
Num primeiro momento, temos os filhos de colonos e curumins aprendendo juntos, mas a tendência
que se confirmou não foi esta, ou seja, a educação jesuítica separou os catequizados dos instruídos.
Assim, a educação para os curumins tinha o objetivo de cristianizar, pacificar e torná‑los dóceis para
o trabalho, enquanto que, para os filhos dos colonos, a educação poderia ir além de ler, escrever e
contar.
O tipo de colonização estabelecido no Brasil foi centrado numa ocupação do território, de modo a
viabilizar a produção agrícola de interesse para o mercado europeu, ou seja, nossa economia era baseada
num modelo agrário‑exportador dependente. A viabilização deste modelo teve como apoio a larga e
farta distribuição de terras pelo sistema de sesmarias. Mas as terras eram distribuídas para quem? Para
ter o “direito” de receber estas terras, era preciso ter condições de aproveitá‑las e isso significava possuir
recursos suficientes para produzir cana‑de‑açúcar e comprar escravos suficientes para tal trabalho. Em
suma, para receber as sesmarias, era preciso ser rico o bastante. Desta forma, a distribuição de terras no
Brasil, desde o início da colonização, foi marcada por um caráter de privilégio, elitista e discriminatório,
que marcará profundamente a estrutura social brasileira. Além disto, a economia se expandiu em torno
do engenho de açúcar inicialmente por meio do trabalho dos índios e, posteriormente, dos escravos.
Essa economia se desenvolveu centrada no latifúndio, na escravidão e na monocultura.
Com esta realidade social, podemos perceber que a educação não era algo primordial, uma vez que as
atividades agrícolas não exigiam formação especial. Numa sociedade agrária e escravista, o interesse pela
educação era quase nulo e, portanto, a quantidade de analfabetos era muito grande. As mulheres e negros
eram excluídos do ensino e pouco despertavam o interesse dos padres, que se concentravam na catequese
dos curumins. Ao enviar os jesuítas para o Brasil com a finalidade de converter os índios pela educação,
regulando a consciência pela uniformidade da fé, Portugal tinha como prioridade manter a unidade política
e a dominação da metrópole sobre a colônia. O ensino que se estabelecia carregava estas marcas.
Em relação à educação para os filhos dos senhores de engenho (senhores das casas‑grandes), as
coisas se passavam mais ou menos da seguinte maneira: seguindo a tradição portuguesa, o primeiro
filho do sexo masculino herdava o patrimônio do pai e deveria dar continuidade ao trabalho nas terras,
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no engenho. O segundo filho poderia se dedicar às letras e normalmente frequentava o colégio para
posteriormente concluir os estudos na Europa. O terceiro estudava para se tornar um religioso.
A ação dos jesuítas em relação às necessidades educacionais das famílias das casas‑grandes se fazia
presente por meio da educação que alguns filhos obtinham ao serem enviados aos colégios, ou ainda
quando recebiam os ensinamentos em suas próprias residências.
Outra forma de educação praticada pelos jesuítas acontecia nos confessionários, pois, ao ouvir os
pecados os padres, iam modelando o pensamento dos colonos.
Os colégios dos jesuítas possuíam a seguinte estrutura: inicialmente a criança aprendia a ler, escrever
e contar. Após este ensino elementar, os colégios forneciam formação em Humanidades, Filosofia, Ciência
e Teologia. O curso de Humanidades era de grau médio e se ensinava latim e gramática, especialmente
para meninos brancos e mamelucos (mestiços de branco e índio). Os outros dois cursos eram de grau
superior e alguns colégios ofereciam até as quatro possibilidades. Após o curso de Artes e Filosofia, o
jovem podia escolher entre duas opções: ou estudar teologia, tornado‑se padre, ou preparar‑se para as
carreiras liberais como Direito e Medicina. Para tal, deveria estudar em uma das diversas universidades
europeias. Os brasileiros optavam, em grande parte, pela universidade de Coimbra, em Portugal.
Por três séculos (XVI, XVII e XVIII), a educação dos jesuítas no Brasil praticamente não se alterou. Foi
uma educação com prioridades no nível secundário visando a formação humanista, com privilégio dos
estudos de latim, dos clássicos e da religião. Não faziam parte do currículo dos colégios as ciências físicas
ou naturais. Na verdade, a educação não era de interesse geral. Ela, durante muito tempo, destinava‑se
apenas a poucos elementos da sociedade (àqueles que pertenciam à classe dirigente) e, mesmo assim,
possuía um caráter muito mais de erudição e ornamento por ser literária, abstrata e alheia aos interesses
materiais e utilitários.
Não havia interesse na educação para o trabalho. Esta era realizada de maneira informal no
próprio ambiente de trabalho, sem nenhuma regulamentação nem organização. Os jesuítas tinham
escolas‑oficinas nas missões guaranis para ensinar os índios, mas não as difundiram para o restante da
sociedade, fazendo‑o apenas em raras oportunidades.
Assim, nos duzentos anos de existência no Brasil (de 1549 até 1759, quando os jesuítas foram
expulsos pelo Marquês de Pombal), a educação jesuítica foi uma educação conservadora, mas que, no
entanto, estava de acordo com o tipo de sociedade que aqui se desenvolvia: aristocrática, agrária e
escravista, que depreciava o trabalho manual, entendido como desclassificado, e com uma economia
agroexportadora dependente e submetida à opressão política da metrópole.
Assim, este “quadro social” teve funestas consequências para a educação: analfabetismo; ensino
restrito a poucos, elitista, destinado à erudição das classes dirigentes, sem compromisso com o mundo do
trabalho. Com isto, havia um ensino clássico no sentido de valorizar a literatura e a retórica e desprezar
as ciências e as atividades manuais.
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Mas, aos poucos, as coisas foram mudando. A estrutura social começou a se transformar, por
exemplo, quando um novo segmento social se formou no Brasil: a pequena burguesia urbana, que tinha
pretensões de ascender socialmente, sendo a Educação a melhor forma de alcançar este objetivo.
Saiba mais
Não é possível entender a expulsão dos jesuítas nem tampouco as reformas pombalinas na educação
brasileira, se não compreendermos o contexto histórico no qual elas aconteceram. Para isto, é preciso
entender um pouco sobre a história de Portugal, mesmo que de uma maneira bem simplista.
Mas, a partir do século XVIII, a vida intelectual portuguesa começou a mudar e se abrir para as
ideias iluministas por meio de vários debates acerca da educação, que aconteceram principalmente
com o lançamento da obra Apontamentos para a educação de um menino nobre (1734), de Martinho
de Pina e Proença, em cujas páginas o autor recomendava aos professores que se preocupassem
também com Geografia, História, Matemática e Direto, revelando uma nítida inspiração de autores
iluministas como Locke e Fénelon. Além disto, Marquês de Pombal tinha grande apreço para com os
ideais iluministas e com sua chegada ao poder e preocupação de modernizar a administração pública
e maximizar os lucros com a exploração colonial, a própria coroa portuguesa sofreu influência dos
princípios iluministas.
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Unidade IV
educação nas colônias portuguesas espalhadas pelo mundo. Eram considerados defensores de uma
educação tradicional, abstrata, sem fundamento utilitário, portanto inadequada para a realidade
do momento.
Assim, por meio do Alvará Régio de 28 de junho de 1759, Sebastião José de Carvalho e Melo, o
Marquês de Pombal, como primeiro‑ministro de Portugal (1750 a 1777) expulsou, ao mesmo tempo, os
jesuítas de Portugal e de suas colônias, suprimindo as escolas e colégios jesuíticos. Pombal empreendeu
um extenso programa de transformações administrativas tanto em Portugal como no Brasil. As reformas
educacionais pombalinas tiveram que acontecer, pois, com a extinção dos colégios, tal responsabilidade
deveria ser assumida pelo governo.
• Criação das aulas régias ou avulsas, autônomas e isoladas, com professor único de latim, grego,
Filosofia e Retórica.
• Criação da figura do diretor geral dos estudos, para nomear e fiscalizar a ação dos professores.
Há certo consenso entre os estudiosos da História da Educação no Brasil em afirmar que a reforma
pombalina foi algo desastroso, fazendo com que adentrássemos o século XIX com uma educação
caótica. Segundo Fernando de Azevedo, as ações de Pombal significaram a destruição do único sistema
de ensino existente no país e foi a primeira grande e desastrosa reforma de ensino no Brasil, atingindo
muito superficialmente a vida escolar, imprimindo na educação meio século de decadência e transição.
Em concordância com Fernando de Azevedo, Arnaldo Niskier (2001) afirma:
Esta situação de caos e precariedade no ensino brasileiro só começa a sofrer alguma mudança com
a chegada da família real ao Brasil em 1808.
Como vimos no item anterior, nos dois primeiros séculos de Educação no Brasil, esta ficou sob a
responsabilidade dos jesuítas, que ministravam ensinamentos cristãos e tinham o controle do ensino.
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Vimos ainda que, embora os jesuítas tivessem uma forte preocupação com a conversão dos índios, a
obra de catequese acabou cedendo lugar à educação de elite, impregnada de uma cultura intelectual
transplantada da Europa, e sobrevivendo com estas características (até mesmo acentuadas) à própria
expulsão dos jesuítas e às reformas pombalinas.
Tais reformas, que levaram à expulsão dos jesuítas, impuseram ao Brasil a realidade educacional
da metrópole e sua educação europeizada tornou‑se o centro e o modelo da educação brasileira,
mergulhando nosso ensino numa profunda aristocratização. Tínhamos uma sociedade dividida em duas
classes sociais: uma pequena camada de dirigentes que tinha acesso a um ensino refinado e o restante
da nação, aqueles dirigidos e que não desfrutavam de nenhuma educação.
Este cenário começou a mudar pouco antes da Independência do Brasil, mais precisamente com a
chegada da Família Real, em 1808. A persistência dos velhos padrões coloniais viu‑se, pela primeira vez,
seriamente ameaçada, abrindo novos horizontes e perspectivas para a sociedade e para a educação.
Com as ideias democratizantes de Rousseau e da Revolução Francesa, uma nova preocupação parece
contaminar o ambiente político brasileiro, iniciando‑se um discurso em favor da educação popular.
Mas, isso só vai ser bem delineado a partir da Independência do Brasil, mesmo assim, de forma bastante
tímida.
Em 1822, a monarquia que aqui se estabelece acaba se ajustando à dominação oligárquica e, apesar
dos discursos em favor da educação popular, apenas os filhos da aristocracia conseguiam ser “doutores”.
O único acontecimento concreto e eficiente para a educação neste momento foi inserir na Constituição
de 1823 um artigo que garantia a gratuidade do ensino primário a todos os cidadãos.
Na verdade, são os próprios filhos da aristocracia que foram estudar na Europa que trouxeram para o
Brasil os ventos profícuos das mudanças. O contato com o ambiente iluminista da Europa os fez voltarem
com ideias liberalizantes e democratas. Preferindo a vida nas cidades, os filhos da aristocracia brasileira
acabavam por deslocar o eixo político e social do campo para a cidade. Desta forma, o país começou
a experimentar uma crescente efervescência intelectual e ideológica, marca distintiva do período de
transição do Império para a República. Nossa jovem elite intelectual passava a acreditar na possibilidade
de construção de um país livre do trabalho escravo e da arcaica monarquia.
Segundo Sergio Buarque de Holanda (1999, p. 171), a abolição da escravidão foi um acontecimento
decisivo para a mudança de rumos da sociedade brasileira, um marco divisório entre duas épocas,
assinalando o declínio do predomínio agrário, fator decisivo para provocar a hipertrofia urbana.
A agitação das cidades e o clima social, político e intelectual que embalavam a elite após a abolição
colaboraram para a proclamação da República. Mas, ainda assim, no país persistia um estilo de vida
rural e oligárquico, com a política sendo padronizada pelo voto de cabresto e pelas fraudes eleitorais,
deixando para segundo plano grandes temas nacionais, como o problema da educação.
Porém, na década de 1920 iniciou‑se a crise da dominação oligárquica. A partir de 1929, grupos
ligados ao complexo cafeeiro se desentenderam com o Estado causando a quebra da hegemonia desses
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grupos e a formação de novas alianças de classes. A Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas pôs
fim à política de alianças “café com leite”.
Chamou‑se política “café com leite” o acordo existente entre as oligarquias estaduais de São Paulo
(maior produtor de café), Minas Gerais (maior produtor de leite) e o governo federal para que os
presidentes da República fossem escolhidos alternadamente entre os políticos de São Paulo e Minas
Gerais. Portanto, o presidente da República ora seria paulista, ora mineiro.
Podemos afirmar que a modernidade no Brasil, emblematicamente, iniciou‑se em 1922. Este foi
um ano de acontecimentos que coroaram o pensamento de novidade. Entre eles, podemos citar:
Semana de Arte Moderna, Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (Revolução Tenentista), fundação
do PCB (Partido Comunista Brasileiro, primeiro partido operário duradouro), primeira eleição moderna
com dois candidatos mobilizando militantes e realizando comícios, primeiros indícios da crise das
oligarquias.
Devemos nos atentar para o fato de que o processo produtivo industrial potencializou a acumulação
de capital e a fábrica foi, por excelência, local onde isto aconteceu. Portanto, ela precisou de trabalhadores
disciplinados não só para a execução das tarefas, mas que eles, em sua vida cotidiana, tivessem valores
morais e éticos que os fizessem “vestir a camisa” do patrão e da fábrica.
Como podemos perceber, a década de 1920 assistiu à consolidação da modernidade no Brasil. Mas, o
que toda esta conjuntura histórica, econômica, política e social representou no plano das ideias? A crise das
oligarquias, o crescimento do parque industrial, da classe operária, o pipocar das revoltas, bem como a Semana
de Arte Moderna, como todos estes acontecimentos se manifestavam no ideário intelectual brasileiro?
Observação
Na Semana de Arte Moderna, por exemplo, nossos poetas e artistas deixaram claro que aspiravam
por um Brasil novo, de novas rimas e novos sons. Pareciam querer acordar os burgueses adormecidos
sobre sacos de café e dinheiro. No primeiro dia do evento, Mário de Andrade vocifera para uma plateia
atônita: “Eu insulto o burguês! O burguês níquel! O burguês burguês! Ódio à soma! Ódio aos secos e
molhados!” — dizendo uma série de apontamentos contra os burgueses e, logicamente, contra a ordem
estabelecida. Menotti Del Picchia afirmou: “Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações
obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábrica, sangue, velocidade, sonho, na nossa arte”. No
Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade se coloca: “contra as elites vegetais... contra a peste dos
chamados povos cultos e cristianizados, é contra eles que estamos agindo”.
Com estas afirmações, podemos perceber que os intelectuais modernistas queriam um país
industrializado e urbanizado, queriam redescobrir Pindorama nas selvas das cidades, queriam ser índio
e negro, ou seja, queriam que um novo e moderno Brasil fosse admirável e industrial, mas acima de
tudo, queriam que fosse um Brasil brasileiro. Veremos a seguir a maneira pela qual estas ideias se
incorporaram no universo da educação.
A Educação na modernidade
Como e por quem os rumos da Educação no Brasil eram pensados neste momento? Entre 1894 e 1917,
as elites intelectuais (que se consideravam modernas e liberais e acreditavam na Educação como fator
decisivo para resolução de problemas sociais) pretendiam implantar novas ideias educacionais no sentido
de construir uma nação moderna. Embora tenha havido certo arrefecimento deste entusiasmo durante
o coronelismo, uma classe operária se formava no seio de nossa sociedade, que clamava por educação.
Houve um acelerado crescimento dos setores médios da população, composto pela pequena burguesia das
cidades; por uma grande massa de funcionários públicos; por empregados do comércio; pelas chamadas
classes liberais e intelectuais e por militares, cuja origem social era agora, a própria classe média.
Grande parcela dessa classe operária já estava sindicalizada e acabava desenvolvendo, independentemente
do Estado, algumas experiências educacionais inovadoras. Assim, os anarquistas e anarcossindicalistas
fundaram escolas agregadas aos seus sindicatos, inspiradas na pedagogia libertária de Francisco Ferrer.
Porém, com a repressão aos movimentos operários, estas experiências não duraram muito.
Assim sendo, a elite intelectual irrompeu a década de 1920 imbuída de fervoroso espírito nacionalista,
mas tomando consciência de que nossa população era quase toda analfabeta. Portanto, iniciou‑se um
ciclo de reformas educacionais com o objetivo de popularizar e democratizar o ensino, de forma a
estendê‑lo às camadas médias e pobres de nossa sociedade.
Assim, a Educação passou a ser o centro das preocupações dos intelectuais que pretendiam contribuir
para o processo de estabilização social, levando‑os a refletirem sobre os resultados da pedagogia
tradicional e não demorarem a declarar a insuficiência desta pedagogia perante as exigências do mundo
moderno, capitalista, concluindo que as instituições escolares deveriam ser atualizadas de acordo com
a nova realidade social.
O movimento de renovação educacional que surge neste momento, especialmente nos Estados
Unidos, como oposição à educação tradicional, denominou‑se “Escola Nova”.
• Ensino leigo.
• Exercícios de autonomia.
• Vida no campo.
• Internato.
• Ensino individualizado.
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Para superar a escola tradicional com sua tendência intelectualista, a Escola Nova valoriza jogos e
exercícios físicos em geral, desde que sirvam para o desenvolvimento da motricidade e da percepção.
Além disto, também leva em conta os estudos da psicologia da criança, a fim de encontrar métodos
adequados que possam estimular o interesse sem privá‑la da espontaneidade (ARANHA, 2009, p.
247).
No Brasil, a ânsia de transformação que agitava o país não poderia deixar de repercutir intensamente
nos setores de educação e ensino, aqueles que transmitem cultura.
Os educadores brasileiros, por seus elementos mais progressistas, em breve também estavam
engajados na crítica a nossa precária organização escolar e aos nossos atrasados métodos e processos
de ensino. Como resposta a estas preocupações, abriu‑se o ciclo de reformas da educação e do ensino.
O escolanovismo que se formou no Brasil produziu uma geração de educadores como Fernando de
Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, entre outros, que, durante as décadas de 1920 e 1930, tiveram
papel bastante significativo na luta para que o poder público conferisse maior prioridade aos assuntos
da educação. Estes educadores colaboraram para a mudança de pensamento em relação aos significados
e objetivos da escola ao elaborarem o Manifesto dos Pioneiros.
Em 1924, Lourenço Filho foi chamado a reestruturar o ensino primário no Ceará. Anísio Teixeira
deveria empreender a reforma na Bahia e no Rio de Janeiro. Em Minas Gerais, Francisco Campos e Mário
Casassanta. Assim, em todos os estados, educadores foram convocados para reformarem o ensino, sendo
que todas estas mudanças estavam alicerçadas em uma mesma linha de pensamento educacional,
conhecida como Escola Nova.
Desde então, diagnósticos, denúncias e propostas de educação popular têm estado sempre presentes
nos discursos políticos sobre educação no Brasil. Estes discursos vêm sempre inspirados nos ideais
democráticos liberais, cujo objetivo é a igualdade social, sendo a democratização do ensino vista como
instrumento essencial para a conquista deste objetivo.
Os ideais de uma escola pública, universal, laica e gratuita não são novos, mas, ainda hoje, são
perseguidos por muitos países do terceiro mundo, incluindo os da América Latina.
Estes ideais são inspirados por um sistema conhecido como liberalismo, que teve sua origem na
Inglaterra e na França, no contexto histórico das lutas de classe da burguesia contra a aristocracia, no
decorrer do século XVIII, em que postulavam princípios como a igualdade de direitos e de oportunidades,
a destruição de privilégios hereditários, o respeito às capacidades e às iniciativas individuais e a educação
universal para todos.
Princípios do liberalismo
• Individualismo — o indivíduo deve ser reconhecido como sujeito que possui talentos e aptidões
próprias.
• Liberdade — está associada ao individualismo e prega a liberdade individual, dela derivando todas
as outras, tais como: religiosa, econômica, política.
• Propriedade privada — é um direito natural do indivíduo, que deve e pode adquiri‑las por meio do
trabalho e do talento.
• Igualdade — não significa igualdade de condições sociais e materiais, pois, os homens são
diferentes em talentos e capacidades. A igualdade no liberalismo refere‑se à igualdade perante as
leis, igualdade de direitos e igualdade civil.
• Democracia — direito de todos participarem do governo por meio de representantes de sua própria
escolha.
Como já afirmamos acima, no decorrer da década de 1920, os Estados Unidos passaram a influenciar
o ambiente cultural brasileiro em quase todas as áreas. A produção intelectual relacionada à educação
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
não ficou imune a isso e o ideário pedagógico da Escola Nova (que tinha como referencial as ideias de
John Dewey e Willian Kilpatrick) logo ganharam adeptos como Anísio Teixeira, (que foi aluno de Dewey),
Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, entre outros. Porém, esta inspiração não era unânime e provocou
reações contrárias dos chamados pensadores católicos, também muito cultos e eruditos, como Alceu
Amoroso Lima.
O movimento de renovação escolar que estava chegando ao Brasil e pregava novos métodos e
processos de ensino — que ainda se viam dominados pelo regime de coerção da velha pedagogia jesuítica
— baseava‑se nos progressos mais recentes da psicologia infantil e propunham democracia, autonomia
e consciência crítica.
Lourenço Filho, em Introdução ao estudo da Escola Nova preocupou‑se em mostrar que esta nova
vertente pedagógica apresentava diversificada origem e manifestações diferentes em vários países. Porém,
ele nos mostra claramente que, no Brasil, a opção foi pelo pensamento renovador norte‑americano,
originário de Dewey e Kilpatrick. A Escola Nova, antes de ser uma proposta metodológica, consistia em
uma nova atitude filosófica perante os problemas nada simples da educação daquele tempo.
Neste sentido, percebemos claramente a influência das ideias de Kilpatrick, que em Educação
para uma civilização em mudança deixa claro que a pedagogia, para ser coerente com a sociedade
de determinado período, tem que ter o pensamento baseado na experiência para poder considerar de
maneira científica a realidade de um mundo em constante mudança. Segundo ele, esta é uma postura
que certamente provocará uma alteração de mentalidade, necessidade de absorver o movimento de
industrialização com suas consequências, declínio do autoritarismo e exigência de democracia, sendo
ainda o Estado o responsável pela educação.
Todas estas ideias vinham de encontro ao clima intelectual brasileiro e aos anseios de mudanças
aqui pretendidas, portanto, amplamente acolhidas e entendidas como o melhor caminho para resolver
os graves problemas que o Brasil enfrentava na área da educação.
Lançado em março de 1932 e redigido por Fernando de Azevedo, o Manifesto foi assinado por 26
intelectuais brasileiros dedicados à Educação, entre eles: Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Sampaio Dória,
Paschoal Leme, Mário Casassanta, Cecília Meireles (poeta e educadora). O Manifesto representava muito
do pensamento educacional brasileiro daquele momento, bem como refletia os desejos de mudança.
O Manifesto dos Pioneiros era bastante coerente com as ideias traçadas acima, incluindo seu título A
reconstrução educacional do Brasil, bem sugestivo e indicativo desta coerência.
Em suas linhas iniciais, já fica absolutamente claro que seus organizadores consideravam a educação
como o maior e mais grave problema nacional, sendo que sua inadequação era responsável por todos
os outros problemas brasileiros:
Saiba mais
A revolução de 1930 foi um marco decisivo. Vitorioso, Getúlio Vargas tomou posse em 03 de
novembro de 1930, intitulando‑se chefe do Governo Revolucionário Provisório, iniciando a Segunda
República ou República Nova.
Inicialmente, este governo pareceu mostrar‑se extremamente sensível aos problemas educacionais
do país, tomando decisões que agradavam aos educadores preocupados com as transformações
e modernizações do ensino brasileiro. Em 14 de novembro de 1930, Getúlio criou o Ministério da
Educação e Saúde e, para geri‑lo, nomeia Francisco Campos, um homem ligado às ideias e realizações
do movimento de modernização do ensino. Em 11 de abril de 1931, sanciona três importantes decretos
elaborados por este ministro:
As decisões de Vargas não pararam por aí. Em 18 de abril do mesmo ano, sancionou mais um decreto
pelo qual era possível a total reorganização do ensino secundário em moldes modernos. Em junho de 1931,
outro decreto alterou o plano de ensino comercial, criando o Curso Superior de Administração e Finanças.
Estas medidas eram reivindicações antigas dos educadores atuantes que, percebendo a disposição
de Vargas em reformular o ensino, pretendiam pressioná‑lo para que as reformas não ficassem
fragmentadas e alheias ao ensino popular. Assim convocaram, por meio da Associação Brasileira de
Educação, uma conferência nacional, para que, mostrando força, o presidente pudesse adotar posição
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
mais afirmativa e abrangente, definindo uma verdadeira política nacional para o setor. Nesta conferência,
o presidente Getúlio Vargas mostrou‑se perfeitamente receptivo e, inclusive convocou os educadores
presentes a encontrarem a “fórmula feliz” que definisse o sentido pedagógico da Revolução de 1930,
comprometendo‑se a adotar esta fórmula na obra de reconstrução do Brasil, na qual estava empenhado
(LEMME, 1998, p. 264).
Vale ressaltar que a redação do Manifesto não ocorreu de forma pacífica. Houve uma série de
desentendimentos com o grupo dos educadores católicos que eram frontalmente contra alguns aspectos
fundamentais do documento, tais como: prioridade outorgada ao Estado para a manutenção do ensino,
ensino leigo, coeducação dos sexos, entre outros.
Em linhas gerais e bem simplificadamente, as principais ideias que permeavam o conteúdo do
Manifesto eram:
• A escola deveria ser única, ou seja, a mesma para todos e não uma educação de classes.
• Educação como direito de todos e, por isto mesmo o Estado deveria garantir que escola fosse
pública e gratuita.
Além disto, o manifesto também expôs os métodos e processos que deveriam nortear o ensino e os
critérios adotados para a avaliação da aprendizagem. Indicava os padrões com os quais os educadores
deveriam realizar sua formação, devendo estar conscientes de suas responsabilidades perante a nação,
os educandos e o povo em geral, terminando com as seguintes palavras:
Apesar do potencial de renovação contido no Manifesto, a literatura nos mostra que o mesmo
não gerou as mudanças que seus idealizadores tanto almejaram, mas, por outro lado, alguns de seus
princípios organizadores não foram absorvidos na organização das escolas.
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Unidade IV
Saiba mais
Resumo
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
educação deveria ser a mesma para todos e não mais uma educação de
classes; deveria ser leiga e obrigatória, pública e gratuita.
Exercícios
Questão 1 (ENADE 2008). O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi publicado em 1932 e
assinado por 26 educadores brasileiros, entre eles Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho.
Nos trechos a seguir, aparecem algumas de suas principais ideias:
“Mas, do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o
reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações,
como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de
todas as instituições sociais.
Com base nesses trechos, conclui‑se que, em seu contexto histórico, o Manifesto era:
A) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Não pode ser considerada correta, pois o termo libertário se relaciona às propostas anarquistas
de educação, pautadas na autogestão e fim do Estado. A proposta do Manifesto dos Pioneiros da
Educação não defende o fim do Estado, muito pelo contrário, ela está afinada com o conceito
republicano de educação como um direito do cidadão e baseada nos princípios da laicidade
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Unidade IV
B) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Não pode ser considerada correta, pois o termo autoritário não se enquadra ao que é defendido no
Manifesto dos Pioneiros da Educação, já que a obrigatoriedade escolar por eles defendida quer dizer que
é dever do Estado fornecer educação básica a todo cidadão brasileiro e não uma imposição ou coerção
do cidadão ou indivíduo pelo Estado.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Não pode ser considerada correta, pois o termo elitista diz respeito a uma posição totalmente
contrária à do Manifesto dos Pioneiros da Educação, pois estes acreditavam na educação como uma
função social, pautada em valores e princípios de universalidade e não na divisão do sistema de
ensino.
D) Alternativa correta.
Justificativa:
Pensando no período em que foi escrito o Manifesto dos Pioneiros da Educação, este texto era
de fato inovador, pois a educação no Brasil tinha até então um histórico de elitismo, autoritarismo,
exclusão e nunca havia sido pensada como um direito social.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa:
Não pode ser considerada correta, pois o termo conservador não se enquadra na proposta do
Manifesto dos Pioneiros da Educação, justamente pelo fato de os educadores que participaram da
elaboração desse texto ressaltarem o caráter eminentemente público da educação como função social.
Questão 2 (ENEM 2007, adaptada). Um dos embates intelectuais mais fortes da Semana de Arte
Moderna de 1922 envolveu Monteiro Lobato, que escreveu, como crítico, sobre a exposição da pintora
Anita Malfatti, em 1917. No artigo intitulado “Paranoia ou Mistificação”, escreveu Lobato:
“Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem as coisas e em consequência fazem arte
pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados, para a concretização das emoções estéticas, os
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
processos clássicos dos grandes mestres. (...) A outra espécie é formada dos que veem anormalmente
a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica das escolas rebeldes,
surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. (...). Estas considerações são provocadas pela
exposição da Sra. Malfatti, onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada
no sentido das extravagâncias de Picasso & cia”.
A estética que indignou Lobato fazia parte da reflexão modernista que buscava a criação de uma arte
tipicamente brasileira, crítica e não puramente ornamental como a da estética tradicional. Os modernistas
não se contentavam em apenas retratar a realidade, mas se propunham a pensar sobre ela.
Em qual das obras abaixo identifica‑se o estilo de Anita Malfatti, criticado por Monteiro Lobato no artigo?
A)
B)
Vaso de Flores
C)
A Santa Ceia
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Unidade IV
D)
E)
A Boba
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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
ALTAMIRABISON.JPG. Largura: 3.000 pixels. Altura: 2.436 pixels. 5,21 MB. Formato JPEG.
Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/cc/AltamiraBison.jpg>. Acesso
em: 15 abr. 2011.
Figura 2
GEMEINFREI.JPG. Largura: 466 pixels. Altura: 317 pixels. 434 Kb. Formato JPEG. Disponível em: <http://
www.commons.wikimedia.org>. Acesso em: 19 abr. 2011.
Figura 3
REFERÊNCIAS
Textuais
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GONDRA, J. G. A emergência da infância. In: Educação em Revista. Belo Horizonte, v. 26, n. 1, Abril de
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fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/paideia/index.htm. Acessado em 15 abr. 2011.
Exercícios
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