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RESUMO DE POLITICA, ESTADO E DEMOCRACIA.

CONTEUDO 3 DO AVA:

CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO. O ESTADO, SUA


EVOLUÇÃO E A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA.

1.0 Os tipos de Estados e a evolução histórica

Nina Ranieri (2019) afirma que durante toda a história da humanidade os


Estados estiveram presentes em uma parcela pequena da nossa narrativa.
Para chegar a esta afirmação, a autora faz uma separação conceitual na qual
analisa o Estado a partir de quatro características. Segundo ela, uma
organização deve ser considerada como Estado se:

a) for diferenciada de outras organizações em atividade no mesmo


território;

b) for autônoma;

c) for centralizada;

d) os seus setores estiverem coordenados (RANIERI, 2019, p. 21).

1.1 Estado antigo

Ranieri (2019) cita como exemplos de Estados antigos o Egito a partir de


1500 a.C., a Pérsia do século V a.C., assim como o Japão e a China.
Por outro lado, Sahid afirma que:

Os Estados mais antigos que a história relata foram os grandes impérios


que se formaram no Oriente desde 3.000 anos antes da era cristã. Os
maiores e mais antigos foram os que se formaram na Baixa Mesopotâmia,
banhada pelas águas do Tigre e do Eufrates, e no Egito, banhado pelo Nilo.
(SAHID, 2009, p. 101).

É em razão destes exemplos citados por Ranieri que Streck e Morais (2014)
também chamam o Estado antigo como oriental ou teocrático. Os referidos
autores apontam que eram Estados em que a família, a religião, a força
econômica, e a estrutura estatal se misturavam de maneira indissociável.

Era um Estado que se organizava geralmente pela forma de governo


monárquico, com reis, príncipes ou imperadores, com uma noção de direito
em face do Estado reduzida a quase nada, com uma estrutura social de
muitas desigualdades e hierarquias bem marcantes.

Enquanto organização burocrática, não havia divisões. Era um Estado


unitário, em que as funções se misturavam entre aqueles que recebiam mais
poderes do soberano, quando este decidia por delegar algumas de suas
funções.

1.2 Estado grego

Os Estado grego, também denominado de Estado helênico, pode ser


colocado temporalmente entre os anos dos séculos IX e IV a.C. A evolução
e as alterações neste período foram grandes, o que necessita demarcar
alguns fatos para além das características gerais deste modelo de
organização social e estatal de muita importância para a sociedade
ocidental.

A partir do século IX a.C., a Grécia era governada na forma monárquica e


no modelo patriarcal. O Estado era formado por cidades que possuíam
grande independência entre elas.

Uma característica que geralmente é imaginada pelos estudantes é que o


Estado grego seria democrático. Esse pensamento não pode ser assumido
de forma literal, principalmente se o parâmetro do conceito de democracia
for pensado como nos dias atuais.

Sahid destaca, neste sentido, que:

O Estado grego antigo, geralmente apontado como fonte da democracia,


nunca chegou a ser um Estado democrático na acepção do direito público
moderno. O próprio Estado ateniense, no auge da sua glória, sob a
liderança de Péricles, apresentava, na sua população de meio milhão de
habitantes, cerca de 60% de escravos, sem direitos políticos de qualquer
espécie, além de cerca de 20.000 estrangeiros. Resumiam-se a pouco mais
de 40.000 os cidadãos que governavam Atenas e constituíam a soberania
do Estado. (Sahid, 2009, p. 105).

1.3 Estado romano

O Estado romano perdurou por longo período (754 a.C. a 565 d.C.) e teve
grande importância no mundo ocidental, inclusive com influência no
mundo oriental, uma vez que o império romano conquistou território do
lado oriental da Europa, norte da África e parte da Ásia.

Roma passou por governos diversos neste período. Apesar de ser conhecido
como período do Império Romano, houve governos monárquicos,
republicanos, principados e o imperial. Sahid Maluf (2009) traz que
inicialmente o Estado romano era monárquico, do tipo patriarcal, tendo
evoluído da realeza hereditária para a república, com a presença do Estado-
Cidade chamado civitas.

Ranieri (2019) diz que umas das razões da duração do Estado romano
deveu-se à organização em bases municipais e ao exercício de um poder
político soberano, exercido por um único detentor.

Importante neste cenário político é a forma com que os romanos aceitavam


costumes locais como regras válidas, ainda que os municípios incorporados
ao império tivessem que se submeter ao poder central. Dessa forma foi
possível, ao contrário do que ocorreu ao povo do Estado grego, incorporar
as pessoas dos locais dominados.

Neste sentido,

A partir do século III a.C., foram denominados municipia os territórios


pertencentes a comunidades originariamente independentes que,
incorporados ao território estatal romano, perdiam a natureza de civitas. Às
municipia eram impostos certos serviços e prestações (denominados
munera capere) e exigida a submissão às leis romanas, garantindo-se,
contudo, certa autonomia, que se expressava pela preservação de normas e
costumes locais preexistentes. Tal garantia foi especialmente notada no
campo das relações privadas, mas também na organização administrativa.
Esta, exercida pela magistratura e pelas corporações locais,
independentemente da forma de incorporação dos habitantes à cidadania
romana, não incluía direitos políticos (em especial o direito de voto) até
prova de inconteste fidelidade e progressiva latinização. (RANIERI, 2019,
P. 27).

1.4 Estado medieval

O período medieval é compreendido entre os séculos X e XV, apesar da


diferença das datas compreendidas conforme cada autor.

O Estado medieval teve três elementos presentes que o caracterizaram: o


cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo (STRECK e MORAIS,
2014).

A igreja católica é sempre citada como um elemento político de grande


influência na organização estatal durante este período. O fato de ter sido
uma organização que sobreviveu durante um momento em que os poderes
centralizados foram dissipados deu a ela uma vontade organizacional,
perpassando de forma horizontal por diversos núcleos de poderes da época.

Assim, após as invasões bárbaras e dos povos árabes pelo Europa, e com o
fim do império romano, faltaram poderes políticos organizados e que
conseguiram manter-se. Foi o que acabou por dar origem aos feudos.
Os feudos eram grandes porções de terras de propriedade do senhor feudal
que tinham em sua extensão os vassalos, que produziam nos feudos em
troca do uso das terras e de proteção. A relação era, portanto, estritamente
contratual, na qual um cedia o uso das terras e proteção militar em troca de
produção de alimentos e suprimentos básico para a vida à época.

Morais e Streck apontam as seguintes características deste novo sistema:

A – permanente instabilidade política, econômica e social;

B – distinção e choque entre poder espiritual e poder temporal;

C – fragmentação do poder, mediante a infinita multiplicação de centros


internos de poder político, distribuídos aos nobres, bispos, universidades,
reinos, corporações, etc.;

D – sistema jurídico consuetudinário embasado em regalias nobiliárquicas;

Relações de dependência pessoal, hierarquia de privilégios. (STRECK e


MORAIS, 2014, p. 25).

Desse processo histórico não é possível afirmar como cada feudo


funcionava e como essa relação estatal se dava além de tais elementos que
se resumiam ao poder destes senhores feudais. De toda forma, um elemento
do fim da idade média que acabou sendo determinante para o modelo
absolutista que seguirá é o fato de senhores feudais terem realizado
conquistas territoriais, anexando outros feudos aos seus e, assim,
formando-se pequenos reinos hereditários.

1.5 Estado moderno


A modernidade é compreendida por muitos com a queda de Constantinopla
em 1453 e por outros com a conquista das Américas a partir de 1492.
Destacamos que ambos os fatos históricos são de grande importância e
representam a abertura da Europa para o resto do mundo.

O primeiro deles abre a Europa para o oriente ao passo que acaba com o
monopólio da rota comercia por Veneza, enquanto o segundo abre para a
Europa um mundo ainda inexplorado, com possibilidades ainda
desconhecidas de conhecimento e comércio.

Estes fatos vão ao encontro de um pensamento filosófico que retiraria Deus


do centro das explicações e colocou o homem racional como detentor do
poder de explicar, dominar e até mudar a natureza. Ainda, encontra amparo
em uma nova classe social que estava em ascensão, a burguesia, que
necessitava de um Estado que garantisse segurança e previsibilidade nas
relações militares e tributárias, para lograrem êxito em suas atividades.

Outro fator que deve ser pensado é o advento de teorias que consagraram a
ideia de um Estado absolutista, sendo destaque junto com as teorias
contratualistas para a compreensão do Estado como temos hoje.

Assim, o poder dos senhores feudais decaiu, diretamente ameaçado pela


extinção gradual da servidão. O resultado disso foi o deslocamento da
coerção política, em um sentido ascendente, rumo a uma cúpula dotada de
poder centralizado e militarizado: o Estado absolutista. (SOARES, 2011, p.
79).

Este Estado absolutista passa por algumas fases distintas, sendo que, se por
um lado decorre de uma evolução dos reinos feudais, por outras teorias
foram sendo desenvolvidas e solidificadas pela Europa que exigiram
justificações dos reis. Neste sentido, as teorias expostas na Unidade II
mostram como os contratualistas trouxeram explicações sobre o poder do
Rei e os limites existentes sobre eles. As monarquias absolutas encontraram
nas Constituições e declarações de direitos fundamentais uma limitação e
uma forma de Estado agora enquanto ente. Soares (2011) diz que este
Estado moderno apresenta duas características marcantes em seu
surgimento, ou o que podemos anotar como a fase de transição, que são o
aparato administrativo de forma burocrática, e que presta alguns serviços
públicos, e o monopólio legítimo da força que poderá ser exercido contra
todos que estão sob a égide de um determinado Estado.

Neste contexto, o pensamento liberal também está presente e é utilizado


para justificar um Estado que detenha este monopólio do poder para que o
livre comércio seja exercido. Apesar de parecer paradoxal em um primeiro
momento, a burguesia percebe que somente com um Estado único e
centralizado seria possível garantir segurança e previsibilidade tributária
para o exercício livre de suas atividades. Aqui o Estado moderno cumpre
um papel fundamental, que é afastar qualquer poder paralelo. Contudo, ele
o faz sempre pautado em um liberalismo político-econômico de contenção
sobre o papel deste poder estatal.

Destacamos que, em nossa visão, a Paz de Westphalia (em 1648) pode ser
considerada o principal fato desta transformação estatal eque solidifica os
Estado e seus elementos da era moderna. Paz de Westphalia é o nome dado
aos tratados assinados após a Guerra dos Oitenta Anos e a Guerra dos
Trinta Anos, em que Estados católicos e protestantes disputavam territórios
e governos. Tal fato é de grande importância para o surgimento do Estado
moderno, pois os tratados firmam a necessidade de territórios para a
formação de Estados, inclusive com a delimitação destes territórios e de
quem os dominava. Desta característica também resultou no
reconhecimento de poderes políticos soberanos sobre cada território. Com
o acordo de não invasão entres os Estados, foi criado o princípio: hujus
regio, ejus religio (na região deles, a religião deles). O Estado passa a ser
uma pessoa artificial, e com essa entificação também surgem características
comuns que são identificadas pela Teoria Geral do Estado e que, apesar da
divergência de nomenclatura de autor para autor, geralmente se estruturam
em três elementos: a população, o território e o governo soberano. Eis o
advento o Estado moderno.

2.0 O Estado e seus elementos constitutivos

Conforme abordamos no tópico anterior, o Estado manifestou muitas


formas de organização e de governo, sendo certo que muito mudou para ser
o que identificamos hoje. Por outro lado, é com o advento da modernidade
e o fim da Idade Média que o Estado toma a forma conceitual que
adotamos na Teoria do Estado atual.

Apesar disso, alguns autores divergem quanto aos elementos que compõem
o Estado e como encará-los. Por isso, alertamos o estudante que faça uma
leitura aprofundada sobre o tema que é cerne da disciplina. Por ora,
traremos a posição que compreendemos ser a mais acertada, e que sintetiza
o que os principais autores brasileiros concluem.

É importante perceber que esses elementos são essenciais para a


constituição de um Estado, o que significa afirmar que eles possuem
implicações práticas no reconhecimento do organismo estatal, seja no
âmbito interno e externo. Ou seja, para que possamos chamar uma
sociedade de Estado será necessária a cumulação destes três elementos: o
território, a população e o governo soberano.

2.1 Território

Azambuja afirma que o território é o próprio corpo físico do estado, um


espaço físico que o compõe. É a partir deste limite que é, em regra,
reconhecida a soberania estatal e suas relações jurídicas internas podem ser
formadas.

Faz-se importante perceber que o território é um dos principais critérios


para adoção de uma lei. Ou seja, a regra é que em todo o território é
aplicada a lei do Estado.

Mário Lúcio Quintão Soares destaca duas características básicas do


território estatal:

• A delimitação ou o estabelecimento de limites ao poder territorial do


Estado: implica um tríplice significado na vida internacional: é o fator de
paz, sinal de independência e elemento de segurança. Uma zona geográfica
fechada possibilita e estimula a criação e solidificação de uma entidade
sociopolítica hermética na qual a vizinhança atuará unindo para dentro e
diferenciando para fora;

• A estabilidade: seus limites não se alteram com frequência e a sua


população sedentária, submetida a uma relativa semelhança de condições
espaciais de ordenação e vida, pode superar disparidades sociais,
econômicas e nacionais. (SOARES, 2011, p. 121).

2.2 Poder soberano

As sociedades e organizações humanas acabam se organizando por meio de


relações de poderes, que se manifestam em busca de uma ordem e algum
nível de hierarquia. Esses poderes, por sua vez, são a dinâmica da política,
que é essa ordem do poder. É nessa política que surgem os governos
soberanos. O governo estatal possui uma força, uma coação irresistível em
relação aos indivíduos e é independente em relação aos demais Estados.
Sobre o tema, remetemos o estudante à Unidade II.

E este poder soberano como elemento estatal exige que essa relação de
poder esteja presente em um território para identificarmos ali um Estado.
Um exemplo de território que tem povo e governo mas que não é estado
são os estados-membros, uma vez que eles não possuem soberania, apenas
autonomia.

A soberania, portanto, é o poder supremo do estado, que não tem poder


semelhante em seu território competindo com ele. Didaticamente,
dividimos esse poder em dois tipos:

INTERNA:

A relação de poder com aqueles que vivem no estado.

EXTERNA:

A relação de estado com os demais estados no âmbito internacional, apesar


de a soberania ser indivisível, cientificamente.

2.3 Povo
Povo é o elemento humano, ou subjetivo, do Estado. É o agrupamento de
pessoas que, ao ganharem complexidade, formam uma sociedade com
funções e interesses diversos, mas que convergem para possuir um mínimo
de estabilização social. Há nesta relação entras as pessoas e o Estado um
vínculo jurídico.

Alguns autores, como Azambuja (2008), diferenciam o povo da nação. Este


último conceito remete a um conjunto de pessoas com origem comum,
unidos por um sentimento e aspirações comuns, um sentimento complexo
muitas vezes traduzido como patriotismo.

Há países que abrigam várias nações, e nações divididas em mais de um


país. Apesar do caráter idealista que o termo nação pode ser compreendido,
existem nações pelo mundo. E estes exemplos mostram que o elemento da
nação não está necessariamente ligado à identificação dos Estados, por isso
Azambuja (2008) afirma que a nação não é necessária para constituir o
Estado, mas um elemento importante para a grandeza de um Estado.

O Princípio das nacionalidades, advindo pós revolução francesa, traz que


toda nação teria o direito de se tornar um estado. Contudo, a prática não
mostrou êxito nesse princípio, ainda que na teoria seja muito aceito. A
dificuldade de se estabelecer realmente o que é uma nação e separar
movimentos oportunistas de separação dificultam a aplicação do princípio.

2.4 O Estado democrático

Nina Ranieri afirma que “O Estado democrático, como tipo específico de


Estado moderno, caracteriza-se por associar a supremacia da vontade
popular à garantia da liberdade e à igualdade de direitos” (RANIERI, 2019,
p. 315).

É importante perceber que essa noção de Estado democrático parte de uma


ideia de democracia liberal enquanto elemento do Estado de direito.
Enquanto isso as pessoas formam a soberania e a ideia de que a população
é livre e que são formalmente iguais, sendo que o direito deve ser aplicado
igualmente a todos.

3.0 Modelos de democracia


Mário Lúcio Quintão Soares (2011) traz a origem do termo do grego,
demokratia, que remete ao período da Grécia antiga e à participação direta
daqueles que eram considerados cidadãos autônomos. Assim, a origem do
termo remete à ideia da participação popular na governança do Estado.

A democracia é vista, portanto, como o governo do povo e as


possibilidades dos cidadãos participarem do governo.

3.1 Democracia representativa

A democracia representativa é uma conquista das revoluções do final do


Século XVIII, concebida como uma forma de acabar com privilégios e não
permitir um governo de poucos para poucos.

Neste sentido, o direito fundamental ao voto era importante para que o


povo pudesse escolher quem o representaria. James Madison ainda destaca
que as eleições deveriam ser periódicas para que a soberania popular fosse
realmente efetiva (RANIERI, 2019, p. 318).

John Stuart Mill (Ranieri, 2019) também escreveu sobre O Governo


Representativo, em 1861, e cunhou o termo democracia representativa,
além de abordar o tema de forma sistemática. O autor destacou que, além
de não ser possível uma democracia direta em Estados que possuem mais
que uma cidade pequena, na representatividade deveria ser garantido que
minorias pudessem se ver representadas, para evitar uma tirania da maioria
(Ranieri, 2019, p. 319).

Dessa forma, a democracia representativa teria algumas características em


comum para possibilitar a participação popular e garantir também a
representatividade das parcelas de pessoas e suas diferenças. Podemos
afirmar, assim, que a democracia é indireta, pois o governo é gerido por
representantes, e que é comum um pluralismo partidário que consiga trazer
a representação das minorias.

Devemos observar que, apesar de teoricamente a democracia representativa


ter ganhado voz na transição para o século XX, na prática ela não era
aplicada, visto que poucos votavam no mundo ocidental. Apenas na
segunda metade do século é que a maioria dos países avançaram neste
sentido.
3.2 Democracia direta

O modelo da democracia direta, em que os cidadãos possuem o direito de


participar diretamente das instituições públicas, pode ser percebido como
uma forma que não mais existe nos Estados modernos, em virtude da
complexidade e do seu tamanho, mas também pode ser visto por meio de
instrumentos de participação que vão além da representatividade e, por
isso, recebem hoje o nome de democracia participativa.

Esse modelo, na atualidade, surge como resultado da crise da democracia


participativa e como uma crítica à democracia apenas enquanto forma, e
exige que nos instrumentos de governo seja efetivada a representatividade e
a participação das pessoas nos rumos do Estado.

Dessa forma, enquanto a democracia direta em sua essência era o exercício


direto do governo pelos cidadãos gregos, hoje os instrumentos de
participação são implantados em graus, e possibilitam o cidadão de
participar das decisões públicas para além do voto.

O Brasil possui alguns mecanismos de participação direta do povo e, por


mesclar a representatividade com estes instrumentos, é chamado de
democracia semidireta.

Podemos elencar algumas formas de participação do povo no governo


brasileiro, como os orçamentos participativos; o controle social da
administração pública; os conselhos gestores como o de saúde, do meio
ambiente e de educação; o tribunal do Júri; a lei de acesso à informação e a
lei de transparência, dentre outros.

A Constituição Federal, por meio do art. 14, deu destaque para três formas
de participação direta que são o plebiscito, o referendo e a iniciativa
popular de lei.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2015) explica que o plebiscito é uma


consulta extraordinária para alteração de medidas de base da ordem estatal,
como formas de Estado ou de governo. Enquanto o referendo é o poder de
aprovar leis após elas terem sido feitas pelo poder legislativo, podendo ser
também a extinção de uma lei. A iniciativa popular de lei é uma maneira
de, a partir de critérios formais, o próprio povo propor uma nova lei, que
será aprovada ou não pelo Poder Legislativo. No Brasil, o caso de destaque
foi a famosa Lei da Ficha Limpa, que essencialmente alterou a Lei
Complementar nº 64, de 1990.

3.3 Democracia deliberativa

Bittar (2016) afirma que a democracia liberal representativa se mostrou


insuficiente e em crise. A falta de representatividade e o sentimento de
distância entre eleitores e seus representantes trouxeram a necessidade de o
sistema político se reinventar, e regimes políticos adotarem novos
mecanismos de participação popular.

Na divisão de ondas geracionais de direitos humanos, essa democracia


deliberativa entra como um dos direitos essenciais de todos os indivíduos
em face do Estado, que deve garantir formas de participação e de
construção dos projetos de vida por todos os cidadãos que compõe o
Estado. É o sentido material da democracia sendo visto a partir de
procedimentos verticais e horizontais das tomadas de decisão.

Neste sentido, a democracia deliberativa não se dissocia da democracia


participativa e possui instrumentos dela. Todavia, ela valoriza o processo
comunicativo e de amadurecimento da esfera pública. A democracia é vista
para além da escolha em si.

Uma dessas teorias, que podemos chamar de prodimentalista (CRUZ,


2016), é defendida por Habermas. Ela defende um processo comunicativo
de deliberação que extrapole a mera formalidade da representatividade, que
seja uma busca contínua por mais legitimidade nos processos de criação
das leis, da execução de políticas públicas e até das decisões judiciais.

Para o autor, o legislativo ainda cumpriria o papel de lugar para se


estabelecer as normas que garantam a participação de todos.

Robert Dahl (Ranieri, 2019), por sua vez, desenvolve uma teoria da
poliarquia e destaca a accountability como amadurecimento da democracia.
O termo, que não possui uma tradução precisa no português, traz elementos
do que Robert Dahl quis trazer como poliarquia, que por sua vez seria a
capacidade de uma sociedade responsabilizar-se por todos os seus
cidadãos.
No Brasil, accountability tem sido associado à obrigação de transparência e
prestação de contas dos agentes públicos em suas ações, bem como a
responsabilização efetiva por seus erros. Neste sentido, alguns instrumentos
conjugados trariam um grau maior de responsabilidade de todos os
cidadãos pelo regime político e pela esfera pública.

É possível classificarmos accountability em dois tipos:

ACCOUNTABILITY VERTICAL:

Que seria as possibilidades de os eleitores pedirem contas a seus


representantes.

ACCOUTABILITY HORIZONTAL:

Que seria a prestação de contas dos governantes aos órgãos de controle e ás


instituições criadas com tal objetivo.

A democracia deliberativa necessita dessa percepção de responsabilização


para incluir todos nesse processo democrático. É possível afirmar que nesta
ótica a democracia não é apenas um conceito formal ou material, mas um
processo contínuo de permanente revisão de seus instrumentos.

4.0 Representação política

Como trouxemos no tópico sobre a democracia, um dos modelos mais


usuais de democracia adotados no mundo moderno é o sistema
representativo. Esse sistema passa por crises e críticas desde o momento
que passou a ser adotado. Contudo, ele se mostra como um mecanismo
possível para que a soberania popular seja exercida com um conteúdo
mínimo.

A representação política não exclui as possibilidades e instrumentos de


participação direta e deliberativa, mas tem sido considerada como
inevitável diante de um Estado tão plural e com a quantidade populacional
que os Estados contemporâneos possuem.

Nos sistemas de representação temos também as eleições que merecem um


destaque em nossos estudos.

4.1 As eleições

As eleições são os procedimentos para a escolha daqueles que


representarão a vontade popular.

Como já abordamos, Madison dizia que não basta que tenhamos eleições:
elas precisam ocorrer de forma periódica, com a possibilidade de
alternância do poder, com poderes e organizações diversas que possam
participar da esfera pública, com vistas a impedir uma hegemonia de um
único pensamento de forma autoritária.

Streck e Morais (2014) apresentam três grandes sistemas eleitorais que são
utilizados para a escolha dos representantes populares, sendo que o
ordenamento jurídico brasileiro adotou dois deles, razão pela qual vamos
nos ater a estes.

O primeiro é o sistema majoritário, em que o cargo público será ocupado


por aquele candidato que tiver mais votos. Assim, este mecanismo
privilegia a escolha a partir do conceito de maioria, em que aqueles que
fazem parte do maior grupo é que poderão escolher quem exercerá aquele
posto político. A depender de como o sistema se organizar, é possível
encontrarmos mecanismos de escolha pela maioria absoluta ou relativa. No
caso da maioria absoluta, para ela ser alcançada é necessário que o
candidato tenha um total de votos maior do que 50%, razão pela qual é
comum nestes sistemas eleitorais você ter segundo turno.

No Brasil, os cargos de presidente, governador, senadores e prefeitos de


Municípios com mais de duzentos mil eleitores, é necessário que ocorra a
maioria absoluta dos votos válidos para estes cargos. Por tal razão, quando
não há essa maioria no primeiro turno, haverá um segundo turno eleitoral,
entre os dois mais votados no primeiro e, assim, necessariamente teremos
uma maioria de votos válidos para um dos dois candidatos.
É importante perceber que este sistema compartilha com os eleitores a
responsabilidade da escolha do vencedor, ao passo que ao menos a metade
deles terá escolhido aquele que assumirá os cargos de chefe do executivo,
já que tal posto não pode ser exercido senão por uma única pessoa, ao
contrário do sistema proporcional.

Por outro lado, é possível que as eleições se deem de forma proporcional,


sistema este originário na Bélgica (STRECK e MORAIS, 2014), que busca
efetivar o princípio da pluralidade política ou partidária.

É certo que a sociedade é plural, John Rawls (2002) afirma que esta é uma
premissa a qual todos os cientistas políticos do mundo contemporâneo não
podem fugir.Para construirmos uma sociedade que seja plural e
democrática, são necessários mecanismos em que possamos escolher
parcelas de representatividades da sociedade que possuam algum
quantitativo mínimo em relação proporcional aos cargos disputados.

Neste sentido, considerando o caráter e a função do legislativo de


representar a população, criar normas e fiscalizar o representante da
maioria, é que no sistema eleitoral brasileiro a escolha dos deputados e
vereadores é feita por meio deste sistema proporcional.

É por isso que no art. 1º da Constituição Federal o Poder Constituinte


deixou expresso que um dos fundamentos da República é o pluralismo
político, resguardando os princípios da diversidade e sua possibilidade de
representação política.

tema do voto pode ser analisado de algumas formas diferentes, sendo


possível encontrarmos três palavras distintas que estão relacionadas ao ato
de escolha dos representantes, mas que precisam ser separadas e
conceituadas adequadamente.

O voto também é dito como sufrágio ou escrutínio. Ocorre que o sufrágio é


direito de votar e ser votado.

Assim, como regra geral, no Brasil todos os cidadãos possuem o direito ao


sufrágio universal, cabendo algumas exceções quanto a requisitos e
impedimentos decorrentes do próprio texto constitucional, uma vez que
trata-se de um direito fundamental.
Por outro lado, o escrutínio é a forma pela qual o voto se manifesta, o
procedimento para que o voto seja dado. No Brasil o voto é secreto, público
e por meio das urnas eletrônicas.

Sob esta perspectiva jurídica, o voto é o exercício do sufrágio na sua


modalidade ativa, que é votar, enquanto na modalidade passiva é o direito
de ser votado. O voto, enquanto a manifestação deste direito, carrega
consigo um símbolo de lutas e um processo histórico indissociável da
democracia. A luta das mulheres pelo direito de votar pelo mundo, ou dos
negros em países que foram colonizados, são exemplos de como a
democracia representativa, ainda que seja um parâmetro mínimo, tardou a
chegar nos países, ainda que apenas nos ocidentais considerados como
democráticos.

5.0 Alexis de Tocqueville e o regime democrático

Alexis de Tocqueville (1805-1859), francês, tem destaque teórico por ter


conhecido os Estados Unidos da América e, a partir de um olhar empírico,
desenvolvido uma análise sobre a liberdade e a democracia na América.

Desta perspectiva o autor compara os processos revolucionários e os


sistemas políticos na Europa com a América do Norte. Bittar destaca o
diferencial do autor da seguinte forma:

Sua originalidade reside no fato de ter sido o empreendedor que, com


meticulosa dedicação, soube viajar, colher evidências, apontar diferenças
comparativas com outros sistemas políticos e descrever a América em seu
nascimento, e a própria democracia americana (como modelo) em pleno
berço de crescimento. Sua tarefa foi a de beber na fonte límpida para dela
descrever as delícias. (BITTAR, 2016, p. 261).

5.1 A crise da multidão: reivindicações globais de democracia

A multidão é composta por pobreza e amor, reproduzindo o comum, e


carrega a possibilidade de atos revolucionários. Só a multidão pode
executar esse movimento. Essa multidão está no que Hardt e Negri
(MASCARO, 2019) chamam de império, e que a soberania muda de
formato. Esse formato não exige mais um território bem delimitado, nem
uma bandeira, pois há uma difusão de forma global, muito em razão da
economia. Há nitidamente na análise dos autores que trazemos aqui uma
problematização sobre os elementos do Estado moderno, que foram
colocados em xeque com a globalização e a cada dia mais com a
informação fluida.

“Já a multidão corresponde a uma nova forma de inteligência social que,


para os que lhe são exteriores, parece caótica, irracional e anárquica.
Contudo, para os que dela participam, a multidão se identifica com uma
estrutura social que tende a preservar no mais alto grau a individualidade, a
autogestão democrática e a espontaneidade, opondo-se a todos os tipos
hierárquicos e centralizados de usufruto do poder social, desde a forma
geral do Estado até formas específicas traduzidas em partidos políticos,
exércitos, grupos guerrilheiros etc” (MATOS, 2014, p. 152)

5.2 As novas lutas políticas em rede (do biopoder à produção biopolítica –


Michael Hardt e Antônio Negri)

A ideia de multidão abordada por Hardt e Negri (MASCARO, 2019) ganha


outro elemento que avança as perspectivas de lutas por direitos ao inserir o
termo rede. Mascaro (2019) mostra que, com o termo rede, os autores
buscam romper as ideias de massa, proletariado ou povo, pois compreende
que essas classes acabam excluindo sujeitos que estariam inseridos nas
lutas políticas.

Essa multidão, portanto, poderia ser encarada como uma rede, sempre em
expansão possível, que consegue abarcar as diferenças para um trabalho
comum, costurando seus pontos de proximidade e convergência. É a
passagem da revolta para a possibilidade de institucionalizar a ação
revolucionária. A nova forma de resistência.

Negri dá à multidão e à sua evolução, a partir da modernidade, a dimensão


da carne, o que insere o debate na questão da biopolítica e o biopoder. A
multidão enquanto um corpo, que sofre as negativas de direitos, também é
aquele que busca romper as estruturas de forma revolucionária para suas
novas formas de subjetividade, indo contra o império e na busca da
construção por democracia (MARQUES e GOMES, 2013).
CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO. PARTIDOS POLÍTICOS
E ESTADO

CONTEÚDO 4 DO AVA:

1.0 Partidos Políticos

A partir da ideia de democracia e de que “todo poder emana do povo e em


seu nome será exercido”, os partidos políticos assumem um papel muito
importante na organização estatal de um sistema democrático
representativo, na medida em que possibilitam a organização e a
manifestação das ideologias e dos interesses da população. É essa
importância que eleva o pluralismo político ao status de fundamento do
Estado Democrático como previsto na Constituição da República.
(MALUF, 2010, p. 329).

Essa é a tese democrática, que defende a concepção do Estado


pluripartidário em que os partidos políticos são entidades sociais ou
instituições jurídicas (ou, ainda, considerando essa dupla natureza social e
jurídica) indispensáveis à realização do ideal democrático. Mas, além dela,
Maluf (2010, p. 330-331) aponta mais duas teses, a marxista e a fascista. A
marxista é a tese desenvolvida por Lenin e Stalin, que atribui aos partidos
uma existência precária e temporária, importante apenas em uma fase da
evolução social, como “mal necessário” somente até que se chegue a um
estágio superior da ordem comunista em que a supressão das desigualdades
e das divisões sociais permita que o Estado se torne num simples órgão de
administração do patrimônio comum. E a fascista, popularizada com o
fascismo italiano, o nazismo alemão e os Estados-novos, que prega a ideia
de um partido único, totalmente entrosado com o poder estatal.

No Brasil, os dois primeiros partidos, também sob a denominação clássica


de Conservador e Liberal, sugiram na fase final da Regência Trina, durante
a legislatura de 1838. Ainda durante o Império, foi constituído vigoroso
Partido Republicano (1870), o qual, recebendo influência da chamada
“política dos governadores”, desdobrou-se em agremiações políticas
provinciais, destacando-se as duas correntes de maior pujança, que foram
os famosos Partido Republicano Paulista (PRP) e Partido Republicano
Mineiro (PRM). (MALUF, 2010, p. 333). De modo geral, foram fortes as
tendências liberal e conservadora na história dos partidos políticos e do
constitucionalismo. O desenvolvimento dos acontecimentos criou as
divisões entre “esquerda” e “direita” e, com isso, um prisma de
possibilidades para inúmeras posições centristas, hoje ocupadas por
diversos partidos políticos com maior ou menor aproximação com os
extremos, que procuram “conciliar a ordem democrática com as verdades
parciais das doutrinas coletivistas”. (MALUF, 2010, p. 333).

1.1 Definição E Função

Investigando o histórico da conceituação de partido político elaboradas por


autores clássicos, Bonavides (2011) resumiu a evolução dessa definição e
identificou os problemas dos teóricos na busca por um conceito que
abarcasse toda a dimensão do termo:

O primeiro autor que se nos depara é Burke. Em 1770, definiu ele o partido
como “um corpo de pessoas unidas para promover, mediante esforço
conjunto, o interesse nacional, com base em algum princípio especial, ao
redor do qual todos se acham de acordo”.

Em seguida, ao começo do século XIX (1816), Benjamin Constant, um


teorista do Estado liberal, apareceu com outra definição, que aufere na
ciência política prestígio igual ou superior ao da definição de Burke. Diz
Constant que o partido político “é uma reunião de homens que professam a
mesma doutrina política”.

Essa definição, segundo Levy-Bruhl, reúne vantajosamente os elementos


essenciais de todo partido: o princípio de organização coletiva, a doutrina
comum e a qualificação política dessa mesma doutrina. Porém, não insere
um dado que, no sentir daquele sociólogo, fez lacunoso o pensamento de
Constant com respeito aos partidos políticos: a conquista do poder, aquilo
que os inclina à ação. Daí portanto a superioridade que é de notar no
conceito de partido político oferecido por Bluntschli, em 1862, quando
disse que se tratava de “grupos livres na sociedade, os quais, mediante
esforços e ideias básicas de teor político, da mesma natureza ou
intimamente aparentados, se acham dentro do Estado, ligados para uma
ação comum”. (BONAVIDES, 2011, p. 370).
2.0 Sistemas Partidários

Como vimos com Maluf (2011, p. 330-331), existem três teorias referentes
às diversas características dos sistemas partidários e as relações que os
partidos estabelecem com o Estado:

A DEMOCRATICA:

Fundada na concepção do estado pluripartidário, em que os partidos


políticos são indispensáveis a realização do ideal democrático.

A MARXISTA:

Em que os partidos assumem condições precárias e transitória, apenas


como meios de se alcançar a supressão das desigualdades.

E A FASCISTA:

Que defende a ideia de um partido único, diretamente vinculado ao poder


estatal.

2.1 Unipartidarismo

Bonavides (2011, p. 393-394), ao apresentar o conceito e as ideias que


fundam a concepção de “partido único”, “partido totalitário” e
“unipartidarismo”, inicia o debate chamando logo a atenção para o
contrassenso existente entre as ideias de “parte” ou “partido” e a ideia de
“todo”. Afinal, o partido único foi a ferramenta utilizada por quase todas as
ditaduras do século XX para sufocar o pluralismo político e impedir o
exercício da liberdade por meio da interdição ideológica.

2.2 Bipartidarismo

O sistema bipartidário é considerado por alguns autores como “o sistema


democrático por excelência em matéria de organização partidária”, como o
que melhor possibilita participação “direta, imediata, efetiva e influente” do
eleitor na escolha de candidatos. Esse sistema decorre diretamente da
divisão política da sociedade, que nem sempre se manifesta no dualismo de
partidos, mas quase sempre abriga um dualismo de “tendências” (como
esquerda X direita, conservadores X progressistas e etc.) (BONAVIDES,
2011, p. 389).

Nesse sistema, a oposição ocupa um papel muito especial e importante, o


de “governo em potencial”, uma espécie de força invisível fora do poder,
mas a postos e pronta para assumir o poder numa oportunidade. Como
visto, não se trata aqui da existência de apenas dois partidos, mas de dois
grupos ideológicos principais e, embora o bipartidarismo possa abrigar uma
infinidade de partidos disputando as eleições, o sistema se estrutura de uma
forma que só dois têm efetivamente chances de chegar ao poder
(BONAVIDES, 2011, p. 390).

2.3 Multipartidarismo

O sistema multipartidário é o que abriga múltiplos grupos políticos com


chances reais e concretas de assumir o poder. Para alguns autores, este é o
sistema de “cunho profundamente democrático” na medida em que confere
autenticidade ao governo. Em contrapartida, é nesses sistemas que se
percebe de forma mais nítida, ostensiva e aguda, o quadro de luta de classes
na sociedade, o que em alguns casos fortalece discursos favoráveis a
soluções ditatoriais quando o Parlamento se torna uma casa de resistência
ao Executivo, situação mais possível quanto mais grupos políticos se
firmam como possibilidades nas eleições. (BONAVIDES, 2011, p. 392).

No sistema multipartidário, são comuns os governos de coligação, que


abrigam gabinetes de formação heterogênea e, por vezes, sem rumos
políticos coerentes ou bem planejados. Nos casos em que há excessivo
número de partidos políticos, é comum que alguns sejam pequenos, sem
coesão interna e bastante vulneráveis a negociações de vantagens.
(BONAVIDES, 2011, p. 392).

O caráter democrático desse sistema está diretamente ligado às


possibilidades reais de representação. No sistema multipartidário, é real e
viável a possibilidade de criação de um partido político. Assim, grupos que
se encaixam em pontos específicos do prisma que se abre entre esquerda e
direita podem se organizar e buscar a representação dos seus interesses e
ideologias. O mesmo com grupos sociais que careçam de representação
política. Isso não significa que esses grupos vão efetivamente chegar ao
poder. Mas o multipartidarismo permite, aos insatisfeitos com a
representação, a possibilidade de se organizarem para se fazerem
representar.

2.4 Partidos Políticos Na Modernidade

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, em levantamento


disponibilizado e constantemente atualizado em seu sítio eletrônico, o
Brasil conta com 147.415.053 eleitores. Desses, 16.185.984 são filiados a
algum dos 34 partidos políticos, o que corresponde a aproximadamente
10,98% do eleitorado nacional.

Os partidos políticos representam uma instituição importante para a


manutenção do Estado Democrático de Direito (DANTAS, QUEIROZ,
2011). O que é importante saber é se essa baixa adesão é motivada por
desinteresse ou se há outros empecilhos afastando a participação popular.

No mundo contemporâneo, os partidos políticos tornaram-se peças


essenciais para o funcionamento do complexo mecanismo democrático.
Para se ter noção da penetração e influência dessas entidades, basta dizer
que eles detêm o monopólio do sistema eleitoral, chegando a definir o
perfil assumido pelo Estado. Não há, com efeito, representação popular e
exercício do poder estatal sem a intermediação partidária.

A principal função dos partidos é captar e representar a vontade do povo


em meio a processos eleitorais. Isso porque, dentro do sistema competitivo
que marca o nosso sistema eleitoral, cada partido reúne e representa um
conjunto de convicções e ideologias que dão o caráter heterogêneo da
representação.

3.0 O Estado e o Indivíduo: os Direitos Individuais, Coletivos, Econômicos


e Sociais. A Visão Neoliberal.
É muito comum, em notícias, textos informais e até mesmo em alguns
textos jurídicos, a utilização equivocada de termos que são tidos como
próximos ou sinônimos, mas que carregam em si significados distintos,
como direitos humanos, direitos dos homens, direitos da pessoa humana,
direitos individuais, direitos fundamentais, etc. Inadequação essa que, ao
aproximar esses conceitos ao nível de sinônimos, ignora a história, o
conceito e a função de cada termo.

Direitos individuais:

consistem no conjunto de direitos cujo conteúdo impacta somente na esfera


de interesse protegido de um indivíduo.

Direitos sociais:

conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode


exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de
agir, tudo para assegurar condições materiais mínimas de sobrevivência.

Direitos de nacionalidade:

sendo a nacionalidade definida como o vínculo jurídico entre determinada


pessoa, denominada nacional, e um Estado, pelo qual são estabelecidos
direitos e deveres recíprocos.

Direitos políticos:

constituem um conjunto de direitos de participação na formação da vontade


do poder.

Partidos políticos:

associações de pessoas, de natureza de direito privado no Brasil, criadas


para assumir o poder e realizar seu ideário ideológico.
Direitos coletivos:

- Direitos difusos: direitos transindividuais de natureza indivisível, que


abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas
circunstâncias de fato. - Direitos coletivos em sentido estrito: direitos
metaindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria
ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica base. - Direitos individuais homogêneos: são direitos
pertencentes a vários indivíduos, mas que possuem a mesma origem
comum, constituindo-se, pela origem comum, em subespécie de direitos
coletivos em sentido amplo. - Direitos individuais de expressão coletiva:
são direitos individuais que só têm existência na junção de vontades de
vários indivíduos, como, por exemplo, as liberdades de reunião e de
associação.

3.1 Direitos Individuais

Os direitos individuais são limitações impostas pela soberania popular ao


Estado para que este consiga garantir às pessoas o exercício de direitos
indispensáveis à pessoa humana. Segundo FILHO (2019, p. 14), são
“direitos inerentes ao humano, gerados com base na natureza do ser e de
sua constituição física, moral, política e cultural”, que uma vez positivados
no ordenamento impõem “normas de eficácia plena e imediata”, pois são
inerentemente relacionadas à personalidade do ser humano. Os direitos
individuais têm íntima relação com a dignidade da pessoa humana e
compreendem, por exemplo, o direito à vida, o direito à liberdade, o direito
à igualdade, o direito à segurança e o direito à propriedade, consagrados no
art. 5º da Constituição Federal de 1988. Para entendê-los no contexto da
Constituição brasileira, no entanto, é preciso entender que eles são um
ramo dos direitos fundamentais estabelecidos na Carta Magna e frutos do
desdobramento dos direitos humanos de primeira geração, que se
fundamentam nas liberdades individuais, no direito à vida e a participação
política e na igualdade.

3.2 Direitos Coletivos


Os direitos coletivos, de maneira genérica, são aqueles direitos
transindividuais, que superam a esfera do indivíduo e são atribuídos a toda
a coletividade ou a determinado grupo de pessoas. Segundo Dimoulis e
Martins (2009, p. 72), os “direitos coletivos tradicionais constituem,
conforme observado, direitos fundamentais, cujos titulares são categorias
mais ou menos amplas de indivíduos”.

Os direitos coletivos dividem-se em três grandes grupos de direitos, que o


Código de Defesa do Consumidor (e, posteriormente, uma série de outras
legislações) tratou de diferenciar: os direitos difusos, os direitos coletivos
em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos.

3.3 Direitos Sociais

Os direitos sociais são “créditos da pessoa diante da unidade política na


qual ela se insere”, previstos em normas programáticas que orientam a
atuação do Estado para prestações positivas que ofereçam políticas
providenciais à sociedade. Esses direitos exigem do Estado uma atitude
presencial e lhe atribuem os meios necessários para a “promoção do bem-
estar e da boa relação entre Estado e sociedade política”. (FILHO, 2019, p.
14).

Os direitos sociais estão intimamente ligados à ideia de cidadania porque


pretendem assegurar que os cidadãos consigam acessar as necessidades
básicas para uma vida digna: educação, saúde, alimentação, trabalho,
moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Sabemos,
contudo, que a previsão no texto constitucional não assegura a efetivação
desses direitos. Mais que isso, é preciso que sejam colocados em prática
pelo Estado e orientem a condução das suas atuações por meio de políticas
públicas. Os direitos sociais consolidaram-se no mundo como conquistas
históricas dos movimentos sociais ao longo dos séculos, e, atualmente, são
reconhecidos no âmbito internacional em documentos como a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, bem como pela
Constituição da República de 1988, que os consagrou em seu artigo 6º.
3.4 Direitos Econômicos

Os direitos econômicos relacionam-se diretamente aos Direitos Humanos e


aos demais grupos de direitos constitucionalmente assegurados porque
funcionam como instrumentos de concretização dos direitos sociais. Isso
porque os direitos sociais, como vimos, estabelecem rumos para a atuação
estatal em prol da garantia da dignidade humana (e esses rumos incluem
metas como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, por
exemplo), e é isso o que vai regulamentar juridicamente a política
econômica nacional. O Direito Econômico, nesse contexto, é um
instrumento importante e necessário a qualquer projeto de transformação da
realidade econômica e social do país.

3.5 Visão Neoliberal

O termo “liberalismo”, como lembra Filomeno (2019, p. 307), pode ter


vários significados, já que “liberal” é aplicado para caracterizar regime,
economia, ideologia, etc. No sentido político, no entanto, “liberal” é um
termo oposto à ideia de “autoritário” ou “absolutista”. Ou seja, o regime
liberal, do ponto de vista político, é aquele em que se identifica com a
desconcentração do poder político (o que, às vezes, pode ser confundido
com democracia, mas não é a mesma coisa).

O liberalismo como movimento político nasceu da decadência do regime


econômico mercantilista e do surgimento (e ascensão) da “burguesia”, fatos
que colocaram no debate popular as ideias de “livre iniciativa” e “livre
concorrência” em oposição a interferências do Estado (quaisquer que
fossem elas). Essa propagada e defendida liberdade seria uma forma de
tirar das mãos do Estado o “controle” da economia e deixá-lo somente a
cargo dos detentores das riquezas. (FILOMENO, 2019, p. 308).

A partir do liberalismo e da maturação de seus princípios, um novo


conceito se popularizou a partir da década de 1980, defendendo (da mesma
forma) a autonomia dos cidadãos na política e na economia e a limitação
das intervenções estatais, o neoliberalismo.

4.0 Direitos Humanos, Estado e Transformação Social


Um “direito” é, basicamente, uma reivindicação justificada, ou seja, uma
reclamação baseada em um fundamento que lhe possibilite exigir e fazer
valer. Nesse sentido, os direitos humanos são reivindicações
fundamentadas na natureza humana dos indivíduos. Não dependem de
garantias ou concessões, são inerentes a todos os seres humanos e por eles
adquiridos no nascimento. Uma consequência é o reconhecimento de que
os direitos de um indivíduo convivem com os direitos de outros. O
reconhecimento de um rol amplo e aberto de direitos humanos (sempre é
possível a descoberta de um novo direito humano) exige ponderação e
eventual sopesamento dos valores envolvidos. O mundo dos direitos
humanos é o mundo dos conflitos entre direitos, com estabelecimento de
limites, preferências e prevalências. Basta a menção a disputas envolvendo
o direito à vida e os direitos reprodutivos da mulher (aborto), direito de
propriedade e direito ao meio ambiente equilibrado, liberdade de
informação jornalística e direito à vida privada, entre outras inúmeras
colisões de direitos.

4.1 O Princípio Constitucional Fundamental da dignidade da Pessoa


Humana

Para que uma pessoa tenha reconhecidos os seus direitos e seja capaz de
exercê-los, é fundamental primeiramente que ela seja reconhecida como
uma “pessoa”, como alguém capaz de titularizar e exigir direitos. Ser
tratado e respeitado enquanto “pessoa” significa ter respeitados e
reconhecidos direitos como a vida, a liberdade e a dignidade. (DALLARI,
2014, p. 37).

Falar em “vida digna”, no entanto, não é suficiente, pois garantir o direito à


vida, por exemplo, não é apenas evitar que uma pessoa seja morta, mas
permitir que ela viva de forma digna, como todos os direitos necessários
para que viver não lhe pareça um martírio. A vida digna que deve ser
assegurada, então, é algo muito mais elaborado que apenas estar vivo neste
mundo. No mesmo sentido:
Não basta afirmar que todas as pessoas são iguais por natureza. Para que
essa afirmação tenha resultados práticos é preciso que a sociedade seja
organizada de tal modo que ninguém seja tratado como superior ou inferior
desde o instante do nascimento. É preciso assegurar a todos, de maneira
igual, a oportunidade de viver com a família, de ir à escola, de ter boa
alimentação, de receber cuidados de saúde, de escolher um trabalho digno,
de ter acesso aos bens e serviços, de participar da vida pública e de gozar
do respeito dos semelhantes. (DALLARI, 2014, p. 50).

4.2 A Justiça Cidadã e os Novos Horizontes do Direito Alternativo

A estruturação da sociedade em classes sociais é uma realidade


inquestionável e já naturalizada. As caracterizações dessas classes, no
entanto, variam muito dentro das diversas realidades. Essa não é a única
interpretação sobre a sociedade brasileira, mas é um resumo bem próximo
da realidade brasileira e do que sobre ela falam os estudiosos nacionais. E
foi a partir da identificação dessas realidades (e, claro, do desejo de
mudança social), que surgiu, no final do século XX, um movimento de
transformação na ordem jurídica brasileira que ficou conhecido como
Movimento do Direito Alternativo (ou MDA) e que, segundo Ferrazzo e
Duarte (2014, p. 94), pretendia aproximar o Direito das necessidades do
povo e fez surgir “novas formas de inclusão dos direitos populares na pauta
do Judiciário e de outras instâncias do Estado brasileiro”. Esse movimento,
no entanto, não é apenas brasileiro. Surgiu em vários países da América
Latina que, assim como o Brasil, perceberam em algum momento que os
diversos problemas enfrentados pelas populações mais pobres derivavam
de uma raiz mais profunda e comum: o sistema capitalista.

4.3 A Ideia de Globalização e Globalismo localizada em Boaventura De


Sousa Santos

Santos (2002), ao longo da obra que organizou, ao conceituar e criticar a


ideia de globalização, explica que a globalização criou, no contexto
internacional, uma nova forma de organização institucional e uma nova
classe capitalista que fortalece as desigualdades sociais existentes.
Por globalização, Santos (2001, p. 10) se refere ao “processo pelo qual
determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o
globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra
condição social ou entidade rival”. Mas esse processo não é único. Ao
contrário, como o autor afirma, o que chamamos de globalização são, na
verdade, “conjuntos diferenciados de relações sociais que, por sua vez, dão
origem a diferentes fenômenos de globalização”. Ou seja, o que se afirma é
que não existe uma entidade única chamada globalização, mas sim
globalizações, no plural, como indicativo de que são múltiplas e diversas.

4.4 Desafios e Perspectivas da Consolidação do Sistema Regional e


Internacional de Direitos Humanos

O caráter universal da Declaração de Direitos Humanos é, na verdade,


universalizante, pois esses direitos não se põem como garantias prévias no
mundo, mas muito mais como um objetivo a ser alcançado, como se o
universal estivesse ainda em curso. Universal esse que, para ser atingido,
precisaria desrespeitar algumas culturas e impor a elas os padrões
ocidentais (essencialmente eurocêntricos) uma vez que a ideia de direitos e
de cidadania dos sujeitos é muito relacionada à cultura que partilham, à
nação em que vivem e aos grupos que compõem.

A luta pelos direitos, todos eles, sempre se deu dentro das fronteiras
geográficas e políticas do Estado-nação. Era uma luta política nacional, e o
cidadão que dela surgia era também nacional. Isto quer dizer a construção
da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e a nação.
As pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de
uma nação e de um Estado. Da cidadania como a conhecemos, fazem parte
então a lealdade a um Estado e a identificação como uma nação.
(CARVALHO, 2017, p. 18)

5.0 Justiça de Transição: Direito à Memória, à Verdade e à Justiça

A Justiça de Transição é o termo que utilizamos para denominar o conjunto


de “processos e mecanismos adotados durante as transições democráticas,
com o objetivo de mitigar e prevenir violações a direitos humanos
ocorridas em um passado marcado por conflitos, guerras e autoritarismo”.
(SANGLARD et. al. 2018, p. 9). Esse conjunto pode abranger ações
políticas ou judiciais. O que as define enquanto justiça de transição é o
objetivo de reparar violações a direitos humanos, fortalecer as instituições
democráticas e assegurar o direito à memória, à verdade e à justiça em
busca da restauração da justiça e manutenção da paz e do respeito aos
direitos humanos.

No Brasil, segundo Carvalho (2017, p. 13), o esforço de construção da


democracia no Brasil ganhou força após o fim da ditadura militar (em
1985) e foi marcado pelo destaque que assumiu a ideia de “cidadania”, que
“caiu na boca do povo” a ponto de a Constituição de 1988 ser batizada de
Constituição Cidadã.

Também no mundo, a justiça de transição está associada aos contextos de


transição democrática. Por influência da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (de 1948) e em busca de reduzir os genocídios e as violações a
direitos humanos, esses períodos foram marcados por medidas parecidas,
com a finalidade de superar a “herança traumática” por meio da garantia do
direito à memória, à verdade e à justiça sobre o que ocorreu. Assim, o que a
justiça de transição pretende é estabelecer (e fortalecer) o Estado de
Direito, a prestação de contas dos fatos ocorridos e a reparação dos danos
sofridos. (SANGLARD et. al. 2018, p. 10).

Política, Estado e Democracia

Resumo: slides 10 e 11

A Ditadura Militar:

Do início da década de 1960 ao final da década de 1980, a América Latina


foi marcada por diversas ditaduras. Argentina (1976-1983), Chile (1973-
1990), Uruguai (1973-1985) e Brasil (1964-1985) tiveram regimes políticos
autoritários.

No Brasil, o golpe de Estado ocorreu com a deposição do presidente João


Goulart, democraticamente eleito.

O regime autoritário comandado por militares restringiu e violou direitos,


sufocou a liberdade de expressão e a participação política popular.
Como em qualquer ditadura, o regime militar tentou apagar

qualquer foco de oposição política, utilizando-se de meios como tortura,


homicídios, agressões físicas, sequestros, estupros e outros crimes contra a
humanidade.

Números da Ditadura Militar :

 4.862 cidadãos tiveram seus mandatos e direitos políticos cassados;

 130 pessoas foram banidas do País;


 4 foram condenadas à morte, sem consumação das sentenças;

 7.367 pessoas foram acusadas em processos na Justiça Militar;

 10 mil pessoas foram viver no exílio;

 Pelo menos 50 mil pessoas foram detidas nos primeiros momentos


da ditadura;

 6.592 militares foram punidos.

A Constituição Federal de 1988

Graças a inúmeras mobilizações políticas e sociais, 24 anos após o


golpe, a Constituição de 1988 veio romper com o regime ditatorial
anterior, instaurando uma nova etapa na conquista da democracia no
Brasil.

O processo de “transição” de um regime autoritário para um regime


democrático não se dá de um dia para outro. Além disso, não basta
que qualquer transição ocorra. É preciso consolidar o que se tem
chamado de uma “justiça de transição”.
Justiça de Transição:

• A justiça de transição envolve um conjunto de medidas que


permitem a superação de um regime autoritário para que se construa
uma ordem democrática e Garantidor a de direitos humanos.

• A Organização das Nações Unidas (ONU), em seu


Relatório S/2004/16 do Conselho de Segurança, define a justiça de
transição como o conjunto de medidas e mecanismos associados à
tentativa de uma sociedade de lidar com um legado de abusos em
larga escala no passado.

• Dentro de tais mecanismos, pode-se falar em busca pela verdade,


reformas institucionais, expurgos no serviço público, reparações às
vítimas e julgamentos individuais de abusos cometidos no período
autoritário.

A Justiça de Transição no resto do


Mundo:

• A justiça de transição depende do contexto em que é


produzida. Países latino-americanos como Argentina,
Chile e Uruguai enfrentaram seu passado autoritário mais
rapidamente que o Brasil.

• Programas de reparação dos danos sofridos por quem foi perseguido pelos
regimes, comissões da verdade, revisões de anistias e processos de
responsabilização dos agentes dos governos autoritários fizeram e fazem
parte dos recentes processos democráticos enfrentados nesses países.

Os elementos da Justiça de Transição:


• A justiça de transição é composta por quatro elementos ou pilares. São
eles: (1) o direito à memória e à verdade; (2) as reformas institucionais; (3)
as reparações simbólicas e financeiras; e (4) a responsabilização por atos
praticados no período autoritário.

O direito à memória e à verdade:

• O pilar do direito à memória e à verdade se constitui na busca pela


reconstrução da memória e da verdade histórica dos países que passaram
por regimes autoritários.

•Isso se faz necessário pois é comum que regimes ditatoriais apresentem


uma versão oficial distorcida da história, que seja conveniente a seus
interesses, trazendo à cena, além de elogios a seu próprio governo, a
vilanização de opositores e a ocultação das práticas autoritárias cometidas
contra estes.

• Na década de 1990, a aprovação da Lei Federal nº 9.140, de 1995,


permitiu a criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

• Essa comissão identificou e reconheceu a história e as circunstâncias de


morte e desaparecimento de diversos cidadãos, produzindo, ao final de seus
trabalhos em 2007, o importante livro-documento Direito à memória e à
verdade.

• A Lei nº 12.528, de 2011, permitiu a constituição da Comissão Nacional


da Verdade, que teve os trabalhos encerrados em 2014.
• A CNV tem por finalidade apurar graves violações de direitos humanos
ocorridas no Brasil entre 1946 e 1988.

• A Comissão Nacional da Verdade não possui poderes punitivos.

• Assim como as diversas comissões que já apareceram no mundo, sua


função é investigativa, permitindo que familiares das vítimas do regime e
pessoas em geral formem, cada um à sua maneira, uma memória própria
sobre o que ocorreu nesse período.

Reformas Institucionais:

• Em relação às reformas institucionais, o que se discute é a necessidade de


não permitir que permaneçam agindo em nome do Estado pessoas que
estiveram envolvidas em violações de direitos humanos durante a ditadura.

• Nesse contexto, órgãos de defesa dos direitos da sociedade, como o


Ministério Público, têm atuado pela retirada do serviço público de pessoas
associadas às práticas violentas da época. Porém, nada de concreto foi
ainda aceito pela Justiça brasileira.

• Outra preocupação é a necessidade de se reformarem a legislação e a


organização estatal de um país que viveu um período autoritário.

• Entre outros pontos, é debatida a necessidade de aprimoramento dos


programas de formação de servidores do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica, assim como dos quadros das polícias civis e militares, para
que tais programas sejam adequados à nova ordem democrática e, assim,
pautados por uma cultura de direitos humanos.
Sistemas de reparações:

• Quando se estuda o sistema de reparações, verifica-se que esse é o


elemento da justiça de transição que mais avançou.

• A própria Constituição de 1988 criou, no art. 8º do Ato das Disposições


Constitucionais Transitórias, a situação dos “anistiados políticos”.

• Os anistiados políticos são aqueles para quem o Estado tem o dever de


restabelecer cargos e empregos perdidos durante a ditadura, a quem deve
conceder indenizações e de quem tem a obrigação de reconhecer
publicamente o valor por terem sofrido todo tipo de arbitrariedades e
perseguições por sua oposição ao regime militar.

• Essa situação foi regulada pela Lei nº 10.559, de 2001.

• Deve-se reforçar que, pela Constituição de 1988, são anistiados políticos


apenas os que foram prejudicados em seus direitos por atos de exceção – e
não os que agiram em nome do regime militar.

• Essa questão é especialmente importante quando se considera outro pilar


da justiça de transição: a responsabilização dos agentes da ditadura que
cometeram crimes em nome do próprio Estado autoritário.

Responsabilização individual:

• Em uma ditadura, o mesmo Estado que define certas situações como


crime também pratica os crimes que supostamente deveria evitar.
• Após o estabelecimento de um Estado Democrático de Direito,
respeitador de leis e garantidor de direitos humanos, espera-se que o
próprio Estado investigue e condene firmemente essas práticas.

• Contudo, nos processos de transição, que normalmente pretendem ser


controlados pelo próprio Estado autoritário, os que estão no poder
procuram formas de impedir que isso venha a acontecer.

• No campo do Direito, é possível determinar que, por diversas


circunstâncias, um fato que constitui crime não seja mais punido. Uma
forma seria a anistia, um ato do Estado que exclui a punição de fatos
considerados crimes.

• No caso da Lei de Anistia brasileira de 1979, o Estado anistiou alguns


atos de resistência cometidos por opositores políticos.

• Entretanto, a interpretação oficialmente adotada da Lei de Anistia de 1979


impossibilitou historicamente a responsabilização dos agentes da ditadura
que cometeram crimes em nome do governo militar.

• Em outras palavras, o Estado concedeu uma anistia para seus próprios


agentes, isto é, uma autoanistia. Procedendo dessa forma, contrariou as
lutas políticas da sociedade que clamava por uma “anistia ampla, geral e
irrestrita” apenas aos opositores políticos do regime autoritário.

• Em 2010, buscou-se viabilizar a responsabilização dos agentes do regime


por meio de uma ação judicial movida pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil perante o Supremo Tribunal Federal (ADPF
nº153).
• O STF entendeu ser válida a interpretação da Lei de Anistia de 1979,
segundo a qual os agentes estatais que cometeram crimes em nome do
regime ditatorial também deveriam ser anistiados.

• Essa decisão representou um obstáculo para a justiça de transição no País


e colocou em risco diversos outros direitos fundamentais.

• Assim, a justiça de transição se preocupa em evitar que atos violadores de


direitos humanos permaneçam impunes e sejam repetidos, o que, afinal, é
um caminho para a efetiva consolidação do Estado Democrático de Direito.

A legitimidade do Estado a partir da teoria contratualista-


jusracionalista:

• Diversas foram as doutrinas que buscaram explicar e eventualmente


justificar o fenômeno da organização política ou o fenômeno estatal. Desde
os períodos da Antiguidade até a Modernidade, diferentes cosmovisões
buscaram justificar a legitimidade do Estado.

• Desse conjunto de doutrinas e teorias voltadas a justificar o Estado, a


mais influente e relevante no que tange ao pensamento político-jurídico da
modernidade e à afirmação econômica de sociedade moderna, parece ser as
teorias contratualistas de inspiração jusracionalista.

• Em largos traços, tal teoria política baseia-se fundamentalmente em três


elementos: o estado de natureza, o contrato ou pacto social, a sociedade
civil ou sociedade política; sendo o indivíduo o seu personagem principal.

• Ao mesmo tempo em que, a política se autonomiza, o sujeito se distingue


do corpo social;
• Nesse diapasão, surgem as contribuições de Montesquieu, Bentham e
Rousseau, segundo os quais, a política é o lugar de resolução do dilema do
funcionamento e do desenvolvimento social.

• Ganha relevo a tese, segundo a qual, não é mais a política, o direito e o


conflito que devem governar a sociedade, mas sim o mercado.

• O mercado deixa de se reduzir à condição de simples instrumento técnico


de organização da atividade econômica e adquire um sentido mais
profundamente sociopolítico.

A legitimidade do Estado Moderno a partir do mercado:

• A consolidação da ideia que consagra a representação do social como


mercado alcança seu pleno desenvolvimento nas considerações da escola
escocesa do Século XVIII, em especial, a partir da obra de Adam Smith.

• Sua consequência fundamental reside na ideia de recusa do político. A


ideia de mercado representa então, notadamente, um tipo de modelo
político alternativo.

• O mercado realiza ajustes automáticos, efetua transferências e


retribuições sem que a vontade dos indivíduos em geral e dos chefes da
sociedade em particular desempenhem qualquer papel.

• A necessidade e o interesse da sociedade são encarados como os


principais vínculos da sociedade com o governo.
• Com o fim do estatuto da servidão empreendido pelas Revoluções
Liberais, os indivíduos passam a ser considerados sujeitos de direitos e
obrigações, podendo dispor “livremente” de sua força de trabalho tida
como mercadoria autônoma, o trabalho servil então é substituído pelo
trabalho assalariado, concomitantemente a propriedade feudal entendida
como imperfeita é substituída pela propriedade capitalista perfeita, absoluta
e exclusiva.

• A tese da modernização do mundo traz ínsita a ocidentalização, implica a


difusão de padrões, de valores socioculturais e de instituições
predominantes nos países ocidentais, traduz-se na ideia “o capitalismo é um
processo civilizatório não só ‘superior’, mas também mais ou menos
inexorável, tende a desenvolver-se pelos quatro cantos do mundo,
generalizando padrões, valores e instituições ocidentais”

• O mercado passa a ser o principal fornecedor de bens e serviços,


orientado por uma seletividade precisa fundada na propriedade, no salário e
na renda.

• A principal característica da sociedade capitalista refere-se aos processos


de troca de equivalentes que devem ser universais, livres de restrições
coercitivas ou normativas, ou seja, há uma subordinação desses dois
subsistemas – político e jurídico – ao subsistema econômico.

• Tal estado de coisas configura a crise atual do Estado, aqui denominado


de “Estado-agenciador”, que se vê impedido de autorregular politicamente
e de planejar de forma racional sua intervenção no processo de
transformação social.

• O Estado deve ser entendido como um conjunto de estruturas


organizacionais – formado por três subsistemas sociais, o econômico (as
relações de troca), o político (as relações administrativas e coercitivas) e o
normativo (as relações valorativas), cuja legitimidade baseia-se na
harmonização da economia privadamente regulada com os processos de
socialização.

O declínio do espaço público em face da globalização econômica:

• Num contexto de mundialização ou globalização econômica, o Estado-


nação perde o seu papel de protagonista já que suas funções reguladoras,
notadamente, no âmbito dos direitos sociais passam a ser derivadas e
dependentes dos imperativos e das diretrizes formuladas pelas organizações
internacionais e pelas grandes empresas multinacionais.

• Dá-se a erosão da ideia de soberania e a ascensão do corolário da


miniaturização do Estado.

• As decisões de governo deixam de serem políticas para tornarem-se


econômicas, baseadas numa lógica de custo/benefício, neste contexto,
diminui de maneira vertiginosa a possibilidade de influência dos governos
locais, em detrimento do poder transnacional.

• Se o mercado prevalece sobre a sociedade civil, há uma absorção do


político, ocasionando um esvaziamento e fragmentação da política.

• Por conseguinte, “o econômico prevalece sobre o político”. Assim, o


Estado e suas políticas tornaram-se reféns deste novo panorama
globalizado.
• Destaca-se que a globalização econômica está fundada num conjunto de
medidas e de políticas presentes na teoria econômica denominada
“neoliberalismo”.

• Neoliberalismo pode ser entendido como um movimento ideológico,


acadêmico, intelectual, cultural, político e econômico, que prega a retração
da regulação estatal na economia.

• A meta a ser perseguida pelos governos deveria ser sobretudo, a


estabilidade monetária, obtida mediante rígida disciplina orçamentária, vale
dizer, contenção dos gastos com bem-estar e restauração da taxa ‘natural’
de desemprego.

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