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de guerra cambial
As taxas de câmbio das moedas vão estar na agenda dos ministros de Finanças e
presidentes de bancos centrais dos países do G-20 (Grupo dos 20), marcada para sexta e
sábado em Moscou, sem previsão de que haja consenso. Se houvesse, seria a
quadratura do círculo.
A nota que os países ricos reunidos no Grupo dos 7 distribuíram na segunda-feira com o
fim de pautar a agenda do G-20, do qual também participam, insere dois conceitos
balizadores. Um é de princípio, o menos relevante para a competição no mercado global:
as políticas fiscal e monetária não devem ter “como alvo as taxas de câmbio”. O outro
conceito soa como platitude, embora seja o determinante para os arranjos das taxas
cambiais entre as moedas: que a gestão fiscal e monetária deve ser orientada a cumprir
“objetivos nacionais”.
Não obstante a política econômica na China tenha sido manejada no início de sua base
industrial, nos anos 1980, para criar condições competitivas para a exportação de
manufaturados - aliás, seguindo o que Japão, Alemanha e Coréia do Sul fizeram em
diferentes estágios do desenvolvimento de suas economias -, o grosso dos movimentos
das moedas se deve menos ao efeito das desvalorizações competitivas.
O que as têm movimentada são razões internas, ampliadas pelo livre fluxo de capitais,
que os negócios em países onde há mercado futuro de moedas acabam potencializando
ou a valorização ou a depreciação. É isso que fica nítido no quadro das moedas das 52
economias que o Bank for International Settlements (BIS), espécie de coordenação de
bancos centrais, monitora, estabelecendo para cada uma delas o que chama de taxa de
câmbio efetiva real - ou REER na sigla em inglês.
O REER mede a taxa cambial efetiva de um país em relação à cesta de moedas de seus
principais parceiros comerciais, ponderadas pela relevância de cada uma no comércio
bilateral e ajustadas pela taxa de inflação. “Na medida em que os preços (de um país)
estão subindo mais rápido do que os de seus parceiros comerciais, esse país está
perdendo competitividade”, diz o economista-chefe da GE Corp, Marco Annunziata. Trata-
se de uma medida “muito mais significativa” sobre a competitividade do que uma taxa de
câmbio bilateral nominal.
O Brasil, por tal comparação, é um dos quatro, entre os 52 países da amostra cambial
monitorada pelo BIS, com a moeda mais apreciada.
Uma valorização cambial de 49% como a apresentada pelo real no fim de 2012 em
relação à média entre 2000 e 2005 da cesta de moedas dos maiores parceiros comerciais
do país não pode ter sido por acaso.
Algo mais aconteceu para o real ter sido procurado como pão quente pelos capitais
ociosos do mundo. Foi um movimento deliberado, entre 2004 e meados de 2011, e teve
na compra sistemática de dólares pelo Banco Central no mercado à vista (incorporados
às reservas do país) a mecânica do processo. Essa é uma parte da história.
É provável que o ministro Guido Mantega repita tal discurso no G-20, em Moscou. Ele é
conveniente a governos como o da França, cuja economia vem se tornando a menos
competitiva na Zona do Euro. Até os EUA talvez tirem proveito para embaraçar a China,
não obstante o renminbi tenha se apreciado 21,5% sobre a média de 2000-2005.
O argumento de Mantega impressiona, mas não tem efeito prático, já que não apenas a
Selic contribuiu para desidratar a competitividade da indústria a pretexto de controlar a
inflação. Ela própria, a inflação, como atesta o índice do BIS, solapou a taxa cambial com
o dólar, o euro, o renminbi e o peso argentino, moeda mais depreciada do mundo (43,7%)
em relação a 2000-2005. Tais países são os nossos maiores parceiros, além dos clientes-
chaves da manufatura nacional.
História reprisada
A taxa efetiva real das moedas monitorada pelo BIS revela que os países com histórico de
inflação elevada, desequilíbrios fiscais, juros altos ou mercados financeiros abertos estão
mais sujeitos à contaminação pelo laxismo monetário das economias avançadas.
Foi temerário o governo tentar com juros e câmbio tirar a pressão sobre a demanda
agregada proveniente de fontes como o gasto fiscal e ao mesmo tempo desdenhar o
diagnóstico de que o problema estava (e está) na oferta, como só agora explicitou o BC.
O PIB murcho não abate o emprego (salvo pela dinâmica da renda nos setores de
serviços e pela desaceleração demográfica), mas atrasa o investimento sem o qual a
economia vai perdendo o combustível para percursos mais longos. Isso é sabido no
governo, mas a história não para de ser reprisada. Como agora.