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Cronologia aponta 2007 como início da ‘aliança’ entre

Bolsonaros e as milícias
André Barrocal

O clã Bolsonaro (Foto: Roberto Jayme/ASCOM)

Após a morte do líder miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, na Bahia, Jair Bolsonaro
disse no Rio: “Eu não conheço a milícia do Rio de Janeiro, não existe nenhuma ligação
minha com a milícia do Rio de Janeiro, não existe nenhuma ligação minha com milícia no
Rio”. Seu filho Flávio, senador, comentou no mesmo dia: “Não temos envolvimento
nenhum com milícia”.

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Uma cronologia de acontecimentos indica o contrário: laços da família com a milícia.


Sinaliza mais: que o ano de 2007 parece ter selado uma aliança entre o clã e a milícia,
com QG no antigo gabinete de deputado estadual de Flávio na Assembleia do Rio. Fatos
capazes de alimentar o processo de cassação de Flávio, pedida pela oposição, caso o
Conselho de Ética do Senado abra investigação.

Em 2007, Flávio tinha 26 anos e começava seu segundo mandato de deputado estadual. Às
15h25 de 7 de fevereiro daquele ano, ele foi aos microfones da Assembleia para defender
as milícias, conforme registram os anais da Casa. “Venho falar sobre as milícias, assunto
tão noticiado pela imprensa”, disse. “Não se pode, simplesmente, estigmatizar as milícias,
em especial os policiais envolvidos nesse novo tipo de policiamento entre aspas.”
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Ele prosseguiu: “A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não,
regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da
comunidade o que há de pior: os criminosos. Em todas essas milícias sempre há um, dois,
três policiais que são da comunidade e contam com a ajuda de outros colegas de farda
para somar forças e tentar garantir o mínimo de segurança nos locais onde moram”.

Flávio comentou que não se importaria de pagar “20 reais, 30 reais, 40 reais” para ter
proteção miliciana. Quase no final, perguntou: “Podemos condenar tais policiais que estão
trabalhando ali para tentar expurgar do seio de sua família criminosos que não têm
recuperação mesmo?”.

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Como o então deputado havia dito logo no início do discurso, naquele ano de 2007 as
milícias eram “um assunto” muito “noticiado pela imprensa”. Houve uma primeira
tentativa da Assembleia de criar uma CPI das Milícias. A tentativa foi retomada um ano
depois, em 2008, e aí deu certo. Foi instalada em junho daquele ano.

“Elas oferecem segurança”

Em março de 2008, seu pai, Jair Bolsonaro, era deputado federal e, em uma entrevista à
BBC, defendeu legalizar as milícias. “Elas oferecem segurança e, desta forma, conseguem
manter a ordem e a disciplina nas comunidades. É o que se chama de milícia. O governo
deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no
futuro, deveria legalizá-las”, disse Bolsonaro.

O proponente da CPI que saiu do papel em 2008 foi Marcelo Freixo, hoje deputado federal
pelo PSOL. No requerimento de criação da comissão, Freixo dizia: “Já em 2007 o estado
(do Rio) reconheceu a existência dessas autodenominadas milícias em 92 comunidades,
com fortes indícios de envolvimento de policiais, bombeiros e agente penitenciários. Fato
esse que torna ainda mais grave a situação e exige que o poder público promova uma
investigação séria e imediata”.
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Em 11 de fevereiro de 2020, dois dias após Adriano ser abatido pela PM da Bahia na
condição de foragido da Justiça acusado de chefiar uma milícia atuante perto de onde o
clã Bolsonaro tem casa no Rio, Freixo foi à tribuna da Câmara. “Não é possível que uma
família de políticos se relacione dessa maneira com milícia e com matadores. Isso é muito
grave. Ao lado do tráfico, a milícia opera o terror sobre a vida dos mais pobres. Milícia é
máfia.”

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O deputado federal Eduardo Bolsonaro, irmão de Flávio, disse logo depois de Freixo: “Eles
ficam aqui construindo essa loucura e daqui a pouco eles mesmo estão acreditando nessa
loucura. Ficam aí inventando milícia, Queiroz”.
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Invenção? No simbólico ano de 2007, Flávio contratou para seu gabinete o hoje PM
sumido e aposentado Fabricio Queiroz. Este era amigo de Jair Bolsonaro desde 1985.
Quatro anos antes, Queiroz havia conhecido Adriano da Nóbrega em quartéis da PM do
Rio. Os dois ficaram próximos. Até foram investigados juntos por um assassinato em 2003.

Em outubro de 2005, Adriano foi condenado em um tribunal do júri por um outro


homicídio. Jair Bolsonaro assistiu ao julgamento e depois defendeu no plenário da
Câmara a inocência do então tenente. Quatro meses antes, Flávio havia proposto na
Assembleia uma condecoração a Adriano. Em 2003, ano em que Adriano e Queiroz
conheceram-se, havia proposto outra homenagem.
Em 2007, Flavio empregou na Assembleia a então esposa de Adriano, Danielle Mendonça
da Costa. Em 2015, empregaria a mãe, Raimunda Veras Magalhães. As duas aparecem na
investigação do Ministério Público (MP) do estado do Rio sobre as “rachadinhas” no
antigo gabinete de Flávio. “Rachadinha” é aquela prática de um legislador embolsar parte
do salário dos funcionários.

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No gabinete de Flávio, Danielle e Raimunda receberam 1,029 milhão de salários. Desse


total, diz o MP do Rio, depositaram, via transferência bancária, 203 mil na conta de
Queiroz. Parte do envio foi a partir de contas controladas por Adriano, como as de duas
pizzarias. Elas sacaram ainda 202 mil em dinheiro, quantia que o MP desconfia que foi
entregue a Queiroz em mãos, para não deixar rastros.

Uma mensagem de celular de 4 de janeiro de 2018, descoberta pelo MP do Rio em um


celular de Danielle, sugere que os superiores de Queiroz sabiam da arrecadação feita pelo
ex-PM. Nessa mensagem, ele perguntou a Danielle o valor que a Assembleia tinha pago a
ela de salário. Motivo da curiosidade: “Para eu prestar contas”.

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Queiroz repassava essa arrecadação ao clã Bolsonaro? Em algum momento entre 2016 e
2017, ele depositou 24 mil reais na conta da mulher do presidente, Michelle. Jair
Bolsonaro diz ter sido o ressarcimento parcial de 40 mil emprestados ao velho amigo.

Foi com essa arrecadação que Flávio comprou imóveis, dinheiro lavado com uma loja de
chocolates, como desconfia o MP? É o que a investigação da “rachadinha” tenta descobrir.
Adriano da Nóbrega, o miliciano morto, deixou 13 celulares para trás. Que segredos
guardam esses aparelhos?

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Categorias: Política

Tags: Clã Bolsonaro, Jair Bolsonaro, milícias

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